Você está na página 1de 27

1

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

Classe : Apelação nº 0515956-79.2016.8.05.0080


Foro de Origem : Foro de comarca Feira De Santana
Órgão : Primeira Câmara Cível
Relatora : Desª. Lícia de Castro L. Carvalho
Apelante : Rebeca de Jesus Conceição
Def. Público : Sandra Risério Falcão Matos Tavares
Apelado : Alessandra Costa de Jesus
Apelado : Nilson Teixeira de Carvalho Junior
Advogado : Ednalva Das Mercês Ramos da Silva (OAB: 19294/BA)
Proc. Justiça : Ivan Carlos Novaes Machado
Assunto : destituição poder familiar e adoção de criança

RELATÓRIO

A sentença proferida às fls. 290/297, adotado o relatório, julga


procedente “ação de destituição de poder familiar c/c adoção” movida por
ALESSANDRA COSTA DE JESUS E NILSON TEIXEIRA DE
CARVALHO JUNIOR em face de REBECA DE JESUS CONCEIÇÃO e no
interesse da menor JOICY MAILLA DE JESUS CONCEIÇÃO,
destituindo o poder familiar de REBECA DE JESUS CONCEIÇÃO em
relação a JOICY MAILLA DE JESUS CONCEIÇÃO constituindo, por
conseguinte, a filiação da infante em relação aos postulantes
ALESSANDRA COSTA DE JESUS e NILSON TEIXEIRA DE
CARVALHO JUNIOR, com fulcro no artigo 39 e seguintes do Estatuto da
Criança e do Adolescente, revogando o direito de visita anteriormente
concedido à demandada, sem condenação em custas processuais, nos termos do
art. 141, § 2º do Estatuto da Criança e Adolescente determinando, ainda, após o
trânsito em julgado, a inscrição da sentença em Cartório de Registro Civil
competente, mediante mandado do qual não se fornecerá certidão, consignando
o nome atual da adotanda. LIZ COSTA DE JESUS CARVALHO, filha de
ALESSANDRA COSTA DE JESUS e NILSON TEIXEIRA DE
CARVALHO JUNIOR, fazendo constar o nome de avós maternos e
paternos, nos termos do art. 47 do ECA; e, ainda, o cancelamento do
registro original da adotanda, mediante mandado judicial competente, com
fulcro no art. 47, parágrafos 2º, 3º e 4º, do ECA, devendo o novo registro ser
lavrado em Cartório de Registro Civil desta cidade de Feira de Santana,
inexistindo pedido de lavratura de registro em município diverso, sem que
conste no novo registro qualquer anotação sobre origem ou menção ao registro
anterior.

L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080


2
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

REBECA DE JESUS CONCEIÇÃO, assistida por


Defensoria Pública do Estado da Bahia, interpõe Recurso de Apelação
independendo de preparo, fls. 305/321, visando reforma da sentença. Alega
em síntese, que a doação da criança foi propiciada por meio de contato entre a
parte apelada e a genitora da recorrente, a Sra. Maria Luisa de Jesus Conceição,
que se sentiu pressionada a entregar sua neta aos cuidados de terceiros após seu
esposo, padrasto da apelante, de quem eram financeiramente dependentes, ter
dito que Maria Luisa teria que escolher entre ele e a criança, pois sairia de casa
se Rebeca lá permanecesse com sua filha; a infante foi entregue um dia após o
seu nascimento, a despeito do completo conhecimento da apelada acerca da
ilicitude do ato; infere-se do documento exibido, fl. 16, que o mesmo foi
redigido por genitora de Rebeca, ora apelante, fato reconhecido na audiência
realizada em 07/02/2019; se a ora recorrente corroborasse com o teor da
declaração, teria ela mesma redigido o documento, comprovando a inexistência
da suposta participação voluntária da apelante na entrega da sua filha; não
suscitou a falsidade do documento em sede de contestação, nos moldes
estabelecidos pelo Código de Processo Civil, em razão da impossibilidade de
constituição de provas, uma vez que a versão original da suposta declaração, se
é que ainda existe, poderá estar em poder dos apelados, que demonstraram
conduta dolosa, chegando inclusive a deixar parada a ação sub examine,
durante aproximadamente 2 (dois) anos após o ajuizamento, na tentativa de
aproveitar o decurso do tempo para alegar consolidação de vínculo com a
criança; a passividade da apelante diante da entrega de sua filha não deve ser
confundida com aquiescência ou participação no evento; trata-se de adolescente
de 13 (treze) anos, sem apoio de sua genitora para exercer tão prematuramente
as responsabilidades advindas da maternidade; como já dito, a motivação da
entrega da infante pela sua avó materna foi a falta de estrutura econômica e
social, fatores que não são aptos a motivar a destituição do poder familiar de
genitora que deseja retomar o convívio familiar e cuidar de sua filha, vez que
em condições físicas, financeiras e psicológicas para tanto, consoante
estabelecido no art. 23 do ECA - Estatuto da Criança e Adolescente. Ressalta a
realização de audiência no dia 21/09/2018, consoante termos de fls. 56/57, onde
a própria apelada admite que a referida criança mantinha contato com sua
genitora, ensejando reconhecimento do direito de visitas e acolhimento da
pretensão manifestada por apelante. Ademais conforme depoimentos das
testemunhas Maria Lucia Teixeira da Cruz, Ana Patrícia Figueredo Nunes e
Carla Fabrícia Figueredo Nunes restou demonstrado que a recorrente possuía

L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080


3
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

vínculo com sua filha, era trazida por diversas vezes para passar o dia em sua
companhia, muito antes da fixação do direito de visitas, nem deu causa à sua
destituição do poder familiar, pois não descumpriu nenhuma das condutas
dispostas no art. 22 da Lei 8.069/90, bem assim não incorreu nas condutas
descritas no art. 1.638 do Código Civil. Ao contrário, do cotejo das provas
constantes nos autos verifica-se que a apelante nunca abandonou sua filha, com
quem sempre procurava manter contato mesmo quando impedida por apelados;
qualquer falta de amparo material decorreu de sua condição financeira, eis que
ainda era adolescente e não trabalhava à época em que sua filha foi entregue
aos apelados, estando agora em condições para assumir e cuidar de sua filha.
ALESSANDRA COSTA DE JESUS e NILSON TEIXEIRA DE
CARVALHO JUNIOR respondem pugnando por improvimento do recurso.
FLS. 333/354.
Parecer ministerial pugna por conhecimento e improvimento do
recurso. FLS. 08/11 (não digitalizadas).
Recurso distribuído para a Primeira Câmara Cível, cabendo-me a
função de relatora.

É o relatório.

Salvador, 22 de maio de 2020

Desª. Lícia de Castro L. Carvalho


Relatora

L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080


4
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE


PÁTRIO PODER E ADOÇÃO. PROCEDÊNCIA. APELAÇÃO.
PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE.
ABANDONO MATERIAL E AFETIVO DE MENOR.
VIOLAÇÃO DOS DEVERES INERENTES AO EXERCÍCIO
DO PODER FAMILIAR. PERDA DO PÁTRIO PODER.
POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.638 DO
CÓDIGO CIVIL. FAMÍLIA SUBSTITUTA. CRIANÇA
ADAPTADA. ADOÇÃO. REQUISITOS PRESENTES.
SENTENÇA PROFERIDA EM CONSONÂNCIA COM
ELEMENTOS CARREADOS AOS AUTOS E LEGISLAÇÃO
EM VIGOR. IRRESIGNAÇÃO IMOTIVADA. RECURSO
IMPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO


CÍVEL Nº 0515956-79.2016.8.05.0080, da Comarca de FEIRA DE
SANTANA, sendo apelante REBECA DE JESUS CONCEIÇÃO e
Apelados, ALESSANDRA COSTA DE JESUS e NILSON TEIXEIRA DE
CARVALHO JUNIOR.
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Primeira
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, à
unanimidade, negar provimento ao recurso.
Sala das Sessões, de de 2020

Presidente

Desª Lícia de Castro L. Carvalho


Relatora

Procurador de Justiça

L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080


5
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

Classe : Apelação nº 0515956-79.2016.8.05.0080


Foro de Origem : Foro de comarca Feira De Santana
Órgão : Primeira Câmara Cível
Relatora : Desª. Lícia de Castro L. Carvalho
Apelante : Rebeca de Jesus Conceição
Def. Público : Sandra Risério Falcão Matos Tavares
Apelado : Alessandra Costa de Jesus
Apelado : Nilson Teixeira de Carvalho Junior
Advogado : Ednalva Das Mercês Ramos da Silva (OAB: 19294/BA)
Proc. Justiça : Ivan Carlos Novaes Machado
Assunto : Destituição poder familiar e adoção de criança

VOTO

A presença dos pressupostos de admissibilidade do recurso


impõe seu conhecimento.
Não assiste razão a recorrente.
Trata-se de “ação de destituição de poder familiar c/c adoção”
movida por ALESSANDRA COSTA DE JESUS E NILSON TEIXEIRA DE
CARVALHO JUNIOR em face de REBECA DE JESUS CONCEIÇÃO e no
interesse da menor JOICY MAILLA DE JESUS CONCEIÇÃO alegando
os postulantes, em síntese “que a requerida os procurou, ainda
grávida, e ofereceu a criança que carregava em seu ventre para
adoção, pois não possuía condições de cuidar dela. A infante foi
entregue aos requerentes logo após o nascimento ocorrido em 14 de
dezembro de 2014 e, desde então, estes passaram a exercer os
cuidados referentes a ela, prestando a assistência moral e material,
como se fosse sua filha.” ensejando ajuizamento da ação em tela em
08 de dezembro de 2016.( Fls. 01/07).
A controvérsia instalada nos autos cinge-se em saber se
preenchidos os requisitos para deferimento de pedido de destituição de
poder familiar e, via de conseqüência, concessão de adoção de menor
ao casal postulante ALESSANDRA COSTA DE JESUS E NILSON
TEIXEIRA DE CARVALHO JUNIOR , ora apelados.

Os artigos 227 e 229 da Constituição da República


estabelecem:
L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080
6
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

"Art. 227. É dever da família, da sociedade, e do


Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além do colocá-los
a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.”

“Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e


educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o
dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência
ou enfermidade.”

O Código Civil estabelece, nos artigos 1.634 e 1638, que:

“Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos


filhos menores:

I - dirigir-lhes a criação e educação;

II – tê-los em sua companhia e guarda;

III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para


casarem;

IV – nomear-lhes tutor por testamento ou documento


autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver,
ou o sobrevivo não puder exercer o poder
familiar;

V – representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da


vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em
que forem partes,, suprindo-lhes o consentimento;

VI – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080


7
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os


serviços próprios de sua idade e condição.”

“Art. 1638. Perderá por ato judicial o poder familiar o


pai ou a mãe que:

I – castigar imoderadamente o filho;

II – deixar o filho em abandono;

III – praticar atos contrários à moral e aos bons


costumes;

IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no


artigo antecedente.”

Por sua vez o Estatuto da Criança e do Adolescente


estabelece:

“Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda


e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda,
no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer
cumprir as determinações judiciais.”

“Art. 24. A perda e a suspensão do pátrio poder serão


decretadas judicialmente, em procedimento
contraditório, nos casos previstos na legislação civil,
bem como na hipótese de descumprimento
injustificado dos deveres e obrigações a que alude o
art. 22.”

Sobre o assunto também entendem Maria Berenice Dias e


Rodrigo da Cunha Pereira, em sua obra 'Direito de Família e o novo
Código Civil' (3ª ed., Belo Horizonte: Editora Del Rey, p. 179/180):
"sendo menos poder e mais dever, converteu-se em múnus,
concebido como encargo legalmente atribuído a alguém, em

L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080


8
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

virtude de certas circunstancias, a que se não pode fugir. O poder


familiar dos pais é ônus que a sociedade organizada a eles atribui,
em virtude da circunstancia da parentalidade, no interesse dos
filhos. O exercício do múnus não é livre mas necessário no
interesse de outrem. É como diz Pietro Perlingiere, 'um
verdadeiro ofício, uma situação de direito-dever; como
fundamento da atribuição dos poderes existe o dever de exercê-
los."

O exame conjunto dos elementos carreados para os autos


evidencia que a infante não foi registrada pelo pai biológico; gravidez
da genitora, ora apelante, aos 13 (treze) anos de idade; nascimento da
criança em 14 de dezembro de 2014, entrega espontânea e irregular da
infante aos postulantes, ora apelados, com consentimento da genitora
da demandada, Srª. Maria Luisa de Jesus Conceição; declaração
exibida à fl. 16, redigida de próprio punho, assinada por apelante e sua
genitora, concernente a entrega voluntária da criança aos postulantes,
ora apelados; depoimento pessoal da demandada REBECA DE
JESUS CONCEIÇÃO, em audiência realizada em 21 de setembro
de 2018, in verbis: “(...)” que tem 18 anos, que não colocou a filha para
adoção, que foi um ato de sua mãe, que não concorda com esta adoção. Defesa:
que já terminou o ensino, que trabalha, que conhece o pai biológico da criança,
que já teve muitos contatos com a criança, que quando completou 18 anos foi
privada de ver sua filha, que a autora dizia que ela poderia ser mãe da criança,
que sua mãe a colocou para fora de casa e não teve para onde ir, por isso
devolveu a criança aos requerentes, que o local onde devolveu a criança é a
casa de sua irmã, que hoje está morando com a mãe, que sua mãe lhe deu uma
casa para morar, que tem condições de manter a criança porque está
trabalhando. MP: que tinha 14 anos quando a criança nasceu, que foi a mãe
que buscou o casal para entregar sua filha, que nunca perdeu o vínculo afetivo
com a filha, que nunca quis adoção, que sabe que a adoção era irregular, que
completou 18 anos em maio de 2018, a criança a tinha como mãe.” Nesta
assentada o juiz da causa deferiu direito de visitas à genitora, contra o
qual os postulante não se insurgiram, ao contrário, concordaram com o
pedido, in verbis: “(...)” Dada a palavra a parte autora para se
manifestar sobre o pedido da requerida, manifestou pelo
L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080
9
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

concordância pelo pleito. Mp manifesta favoravelmente a concessão


do direito de vivistas, sobretudo em razão de vínculos afetid
construídos e romplidos apenas poucos meses. “(...)”

Inobstante a relevância de suas afirmativas a demandada,


ora apelante, violou deveres inerentes ao exercício do poder familiar
deixando de assistir a menor quando teve oportunidade, demonstrando
falta de afetividade pela criança, negligência, consoante se infere do
relatório do Conselho Tutelar, fls. 248/250, cometimento de agressões
físicas e morais à menor, inclusive deixando de exercer o direito de
visitas concedido por juiz da causa, in verbis: “(...)” No dia 26 de
dezembro em contato por telefone com o Conselho Tutelar, a senhora
Rebeca, abriu mão do direito de visitas daquele dia, alegando que
não estava na residência de sua mãe no Conjunto Feira VII, e não
teria como ficar com a filha, por motivos de saúde estava passando
alguns dias na casa de uma amiga no Bairro Liberdade.”

Considerável, ademais, a prova testemunhal produzida( fls.


192/234), in verbis:

Depoimento testemunha Srª. Bernadete: “que


trabalhava, na época, em um posto de saúde, disse que conhece a
família em virtude de Rebeca ir com frequência ao posto de saúde
onde a declarante trabalhava. Que Rebeca relatou que tinha a
intenção de entregar a criança à adoção em virtude de ser menor de
idade e o pai da criança também ser e não ter apoio dos pais; que iria
colocar a criança em um orfanato; que disse que conhecia pessoas
que queriam adotar; que Rebeca pediu o telefone das pessoas; que a
declarante passou o telefone de Alessandra para a mãe de Rebeca
enquanto esta ainda estava grávida; que tomou conhecimento da
adoção quando encontrou Alessandra com a criança na padaria; que
não acompanhou o processo da entrega da criança; que ouviu a Sra.
Carla Fabíola chamar as crianças de ratinhos; que não tem muito
contato com a criança, que só viu duas vezes; que sabia que Rebeca
era adolescente, que tinha 14 anos; que Joice sempre ia
L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080
10
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

acompanhada pela mãe às consultas do pré-natal; não sabe se


Rebeca concordou com a entrega da criança; que após a entrega da
criança não teve mais conhecimento da vida da criança; que a mãe de
Rebeca não participou no momento em que Rebeca revelou que
pretendia entregar a criança à adoção.

Depoimento testemunha Sr. Alessandro Andrade


Ferreira, in verbis: “(...)” que a mãe biológica, de menor, fez a
doação da criança para requerente, quando pariu; que conhece a
requerida de vista; que a viu quando ela saiu do hospital; que a
requerida desceu do carro e deu a criança para a requerente; que foi
a requerente quem deu a criança para a requerida; que ela estava
normal, não estava chorando; que a mãe de Rebeca estava presente;
que o casal tomou conhecimento da existência da criança por acerto
de Rebeca que era menor; que a avó biológica estava presente no
momento da entrega que foi na saída do hospital; que acompanhou as
visitas realizadas após a última audiência e a menina não quer ir, fica
em pânico, começa a chorar; que a criança repudia ficar na casa da
mãe biológica; que, antes desta confusão, não presenciava a criança
na companhia da mãe biológica; que não havia convívio da criança
com a mãe biológica; que até a última vez que foi, tem 15 dias, a
criança fica em pavorosa quando é para ficar com a genitora
biológica, dizendo que não quer, que lá não é a casa dela; que o casal
faz questão de levar a criança, mas a menina não desce; que, então
voltam para casa; que a mãe biológica tenta convencer a menina a
ficar, mas não consegue; que a avó materna fica em casa aguardando
a criança, mas não se envolve; que tem bate bocas entre a requerente
e requerida no momento da entrega; que não chegam às vias de fato,
mas não há consenso e a criança fica em pânico; que a criança é
sempre comportada, mas quando chega na casa da requerida, fica
nervosa; que a requerida tentou pegar a criança a força, mas não
conseguiu; que a criança só teve contato com a mãe biológica, após
este processo; que é amigo do requerente já trinta anos e da
requerente já vinte anos; que somente viu a requerida no dia que ela

L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080


11
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

entregou a criança ao casal e agora, depois do processo; que a


criança só ficou um final de semana com a requerida, em razão de ter
outra criança na casa da vizinha da requerida; que quando a criança
se recusava a visitar a mãe, os requerentes falavam para ela ficar
com a mãe.”

Depoimento testemunha Srª. ANA PATRÍCIA, in


verbis: “disse que conhece Rebeca porque a irmã é vizinha de
Rebeca; que presenciou a gestação de Rebeca; que a criança foi dada
aos requerentes; que foi através da mãe de rebeca que a criança foi
dada; que nunca conversou com Rebeca sobre o fato; que a mãe de
Rebeca disse que deu e Rebeca não sabia; que depois de um tempo,
Rebeca tinha se arrependido e agora queria de volta; que Rebeca
disse que a mãe dela fez tudo por baixo do pano; que Rebeca e a mãe
se relacionam normal e moram na mesma casa; que discutem como
mãe e filha; que há relação de maternidade; conhece a criança; que
da última vez, o casal parou o carro, falou com a menina descer do
carro, Rebeca chamou a menina; que no começo a menina não queria
descer, mas Rebeca chamou e a menina desceu; que a criança foi
para a piscina na casa da requerente; que presenciou a menina não
querer ir, mas depois a criança desceu e já foi para a casa da
declarante; que a criança ficou bem durante o dia; que a filha da
requerente tem seis anos e ela sempre brinca com Joyce; que uma vez
viu o requerente deixando Joyce; que nunca viu pegando por causa
do horário do trabalho; que Rebeca mora com a mãe; que Rebeca tem
um relacionamento amoroso, mas o rapaz não mora com a mãe; que
já tem um bom tempo que eles estão juntos; que já presenciou
discussão entre o casal e Rebeca; que no dia da piscina, o casal se
altera na hora de deixar, discutem; que Joyce sempre frequentou a
casa de Rebeca; que tem roupas de Joyce na casa de Rebeca; que na
casa da mãe de Rebeca tem condições de cuidar da criança; que o
ambiente é familiar; que Rebeca é amorosa com a criança e a menina
corresponde ao amor de Rebeca; que a criança fala que tem duas
mães e dois nomes; Lis e Joyce; que reside no mesmo bairro de

L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080


12
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

Rebeca; que nunca presenciou Rebeca amamentando a criança; que


foi a mãe de Rebeca quem entregou a criança; que a mãe de Rebeca
disse que assinou um papel em branco com um texto pequeno e uma
linha para assinar; que disse que ela deu o papel a Rebeca para
assinar; que o relacionamento de Rebeca com padrasto era normal;
discutiam de vez em quando, mas era normal; que o padrasto não
aceitou a criança no início; que não sabe as razões de terem
entregado a criança ao casal; que na época que entregou não sabe se
Luisa trabalhava; que Luisa não tem comércio informal; que Rebeca
não tem condições de pagar plano de saúde e escola particular, mas
tem condições de manter a filha; que não sabe se Rebeca assume
alguma despesa da criança; que Rebeca fica as quartas toda semana
e sextas com a criança; que desde bebê a criança visita a mãe, com
periodicidade, exceto um período que Rebeca se ausentou cerca de 15
dias, mas levou a criança.”

E, ainda, o depoimento da genitora de Rebeca, Srª.


Maria Luisa, avó da infante, in verbis: “quando levava Rebeca para
fazer pré - natal no posto conheceu Berna que fazia o pré-natal dela,
perguntou se soubesse de alguém que quisesse tomar conta de uma
criança; que Berna disse que sabia de uma pessoa; que não podia
tomar conta da neta porque o marido falou ou a criança ou ele; que
era sustentada por ele; que Rebeca tinha 13 anos quando engravidou;
que o marido era padrasto de Rebeca; que Berna disse que sabia de
uma pessoa que quer adotar uma criança; que somente depois falou
para Rebeca; que antes de chegar a Berna procurou ajuda a família,
mas todos viraram as costas para a requerente e não teve outra
alternativa; que foi no orfanato com Rebeca e perguntou se não
poderia ficar com a criança e o orfanato disse que não podia; que
incentivou Rebeca, mas ela disse que não queria dar a criança; que
convive com o marido até hoje; que Berna deu o telefone, entraram
em contato, marcaram perto da casa da declarante e conversaram
sobre a criança; que contou a situação para os requerentes, dizendo
que queria dar a criança; que os requerentes foram pegar a criança

L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080


13
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

no hospital e deixaram Rebeca em casa; quando a criança fez dois


meses, a requerente mandou uma foto para a criança; que Rebeca
ficou depressiva porque a declarante deu a criança; que o pai da
criança de Rebeca se recusou a ajudar; que na época só olhou seu
lado e não olhou o lado de Rebeca; que depois que mostrou a foto da
bebê a Rebeca, esta “endoidou” e passou a ter contato com a
criança; que durante todo o tempo, Rebeca ficou tendo contato com a
criança; que a criança chama Rebeca de Mãe e a declarante de avó;
que só quem trabalhava era o esposo da declarante que era
sustentada pelo trabalho dele; que ele não é pai de Rebeca; que outra
filha da declarante já tinha engravidado, mas a família do pai ficou
com a criança, mas Rebeca não teve a mesma sorte; que achou que
Rebeca não ia querer assumir a criança e com o tempo ia esquecer,
mas isto não aconteceu; que Rebeca sempre demonstrou muito amor e
carinho pela criança; que Rebeca tomou ódio da declarante por
causa da criança; que teve um período que os requerentes não
deixaram Rebeca ver a criança; que foi quando Rebeca atingiu a
maioridade; que disseram que Rebeca já estava maior e agora ia
resolver na justiça; com relação ao documento que assinou quando
entregou a criança, foi entregue pelos requerentes para ela assinar;
que eles foram ditando e a requerente foi escrevendo e assinando; que
estava somente a declarante e os requerentes no carro; que somente
depois, os requerentes deram uma folha em branco para rebeca
assinar; que ela assinou a folha em branco; que não sabe como a
assinatura de Rebeca apareceu no documento; que depois o
requerente disse a Rebeca que ela tinha assinado um documento
dizendo que tinha dado a criança; que Rebeca “endoidou” porque
não assinou documento nenhum; que tem consciência que estava só
quando assinou o documento; que assinou por Rebeca porque ela era
de menor na época; que nunca tomou nenhuma providência porque
achava que tudo ia passar e que Rebeca iria esquecer com o tempo,
mas não aconteceu; que Rebeca nunca foi favorável à adoção; que se
arrependeu muito e sofre muito, está com problemas de saúde; que a
filha está revoltada com ela; que Rebeca ficou triste no dia do

L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080


14
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

aniversário porque não pode ficar com a filha; que Rebeca está com
raiva da declarante, trabalha e tem condições de ficar com a filha;
que a declarante também tem condições de ajudar com a criança; que
está trabalhando com doces e salgados e com cabelo também; que ao
contato com a criança quando ela era bebê, ela não estranhava nem a
declarante nem Rebeca; que Rebeca nunca abandonou a filha, está
tendo acesso às visitas, mas não como o juiz determinou; que depois
disto não tem mais paz porque Rebeca e Alessandra brigam;a
requerente não quer mais a requerida em sua casa; que na primeira
semana depois da audiência, a criança parecia não ter outra família;
parecendo que já conhecia todos há tempo; que a criança não queria
nem voltar para casa; que comentou com a requerente e depois a
criança já não veio do mesmo jeito, já veio emburrada; que a criança
disse para Rebeca que Alessandra disse que não era para ela gostar
de Rebeca; que a criança somente mudou com Rebeca, mas com a
declarante continuou a mesma coisa; que a criança é muito apegada
à declarante; que interage com todos da casa da declarante
normalmente; que a requerente colocava a declarante contra Rebeca;
que hoje mora a declarante, sua mãe, o esposo as duas filhas e a
Rebeca; que a mãe recebe R$1.500,00 ( hum mil e quinhentos
reais);que cuida da mãe; que Rebeca somente amamentou a criança
no hospital; que o relacionamento de Rebeca com o padrasto era
normal, cada um na sua; que ele não aceitou a gravidez de Rebeca;
que o pai da criança que tinha que assumir; que Rebeca ficou sem ver
a criança no período em que a requerente a proibiu de vê-la; que não
buscou o direito de ver a criança porque na época não tinha
condições e achou que poderia ficar como estava; que hoje Rebeca
pode assumir as despesas da criança; que não pode pagar escola
particular nem plano de saúde da criança; que Rebeca não convive
com ninguém; que Rebeca sempre quis fazer algo pensando na
criança; que nunca contribuiu com as despesas da criança, devido a
situação financeira; que foi com Rebeca uma vez na escola para
conhecer; que num dia de visita teve muita baixaria; que o Conselho
Tutelar esteve presente; que a Conselheira queria pegar a criança e

L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080


15
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

levar para Rebeca, mas Alessandra fez um escândalo, então a


Conselheira desistiu; que a Conselheira conversou com a criança e
tentou tirar a criança do carro; que Alessandra falou para a
Conselheira não pegar a criança do carro para levar para Rebeca;
que ameaçou a Conselheira de dar uma queixa se pegasse a criança;
que foi uma baixaria; que a criança estava sem querer ir para as
visitas, então entrou em contato com uma amiga que tinha um
advogado e ele orientou a pegar a criança a força; que Rebeca
passou treze dias com a criança e estava presente no dia que ela
devolveu a criança para os requerentes; que não tem conhecimento
que Rebeca tenha pedido ao casal que regularizasse a criança; que
soube através da requerente que rebeca teria dito que não queria que
a criança soubesse que ela era mãe; que Rebeca tinha outro
relacionamento com outra pessoa e convivia com ele; quando ficou
treze dias já não estava mais com o companheiro; que o companheiro
aceitou criar a criança; depois disso a criança foi devolvida porque a
avó adotiva da criança ameaçou a requerente de chamar a polícia
caso não devolvesse a criança; que pressionou Rebeca e a obrigou a
entregar a criança; depois, Rebeca continuou tendo contato com a
criança até atingir a maioridade, quando foi proibida pela
requerente; que Rebeca sempre via a criança, geralmente de quinze
em quinze dias, passava o dia com ela, até a proibição da requerente.
“(...)”

A farta prova produzida indica que a demandada


descumpriu disposições dos referidos artigos 227 e 229, da CF/1988;
1.634 do CC e 22 do ECA, tornando justificável destituição do poder
familiar, conforme bem decidido pela douta julgadora de origem,
sobretudo porque demonstrada ocorrência de negligência da
demandada, ora recorrente, com os cuidados da menor, quando
oportunizada, demonstrando abandono moral e afetivo. Consoante
parecer ministerial, fls. 278/289, in verbis: “(...)” Assim é que, da
análise dos autos e de tudo quanto foi visto, observa-se que a avó
materna e a genitora da adotanda, entregaram-na ao casal

L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080


16
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

requerente, logo após o nascimento, sendo a entrega presenciada pelo


Sr. Alessandro Andrade Ferreira. “(...)” Embora a requerida alegue
que jamais entregou sua filha ao casal requerente, é certo que a
entrega da criança foi feita, na presença dela, ao sair da
maternidade. “(...)” Constata-se, dos relatos das testemunhas acima
mencionadas, que a criança foi entregue pela avó materna, na
presença da requerida. Esta, devido a precária situação financeira
que vivia e, principalmente a falta de apoio do padrasto, não viu
alternativa senão entregar sua filha aos adotantes. Após a entrega, a
requerida sempre manteve contato com a criança, entretanto, nunca
postulou a guarda, em juízo, ou fora dele. “(...)” Como a criança já
mantinha contato com a genitora biológica, em audiência, foi
concedido o direito de visita. Constatou-se que, após a regularização
das visitas, a criança apresentou mudança de comportamento,
conforme relatos das testemunhas: “(...)” Foi juntado ofício oriundo
do Conselho Tutelar informando que as Conselheiras, Liamara
Oliveira e Patrícia Rego, levaram a adotanda para passar o final de
semana com sua genitora biológica, conforme decisão judicial, mas
Joyce chorava muito, se recusando a ficar, abraçando o requerente,
Sr. Nilson, pedindo para ele não a deixar. Diante disso, a requerida
perdeu a paciência e tentou retirar a criança a força do carro, mas
uma das Conselheiras interveio na situação e a requerida deixou que
a filha retornasse com o pai adotivo (fls. 248/250). Verifica-se, assim,
que as visitas à genitora, nos termos estabelecidos em audiência, não
foram benéficas à criança, devido ao clima de tensão gerado pelas
partes em razão da disputa judicial, o que, certamente, trouxe
prejuízos psicológicos para a infante, devendo a situação ser
resolvida, de forma definitiva, atentando-se tão somente ao bem-estar
da adotanda. Não há dúvidas que a criança foi entregue pela avó
materna, estando a genitora biológica ciente da entrega e,
acompanhou com certa periodicidade o crescimento da criança.
Contudo, a convivência diária da criança, efetivamente, foi e continua
sendo com os requerentes, com quem tem referência de pai e mãe, o
que, de fato, é incontroverso, já que no decorrer destes quatro anos

L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080


17
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

foram criados vínculos afetivos, de modo que a manutenção da


adotanda com os adotantes é a medida mais benéfica, devendo
prevalecer o princípio do melhor interesse da adotanda. Com efeito,
da análise acurada dos autos denota-se que os adotantes receberam a
adotanda recém-nascida e permanece nesta condição até o presente
momento, quando já conta com 4 anos de idade, já desenvolvidos
fortes vínculos emocionais, integrando o ambiente familiar dos
requerentes, mostrando-se segura e vinculada às figuras dos
adotantes, demonstrando-se a adoção a medida menos danosa à
criança. O interesse da criança tem prioridade sobre qualquer outro
interesse manifestado nos autos, em face da aplicação do disposto no
artigo 227 da Constituição Federal, não se justificando modificar
uma situação consolidada há quatro anos. Em razão de sua peculiar
condição de pessoa em desenvolvimento, a prioridade dos interesses
da criança não é mais tarefa exclusiva do núcleo familiar, é também
dever do Estado. O reconhecimento da condição de pessoa em
desenvolvimento e a garantia da prioridade absoluta encontram
estreita ligação com o princípio da dignidade humana, pois,
assegurar o desenvolvimento é assegurar a própria dignidade da
criança. Por outro lado, a ausência de condições financeiras para
prover as necessidades básicas da criança foi o fator preponderante
para a entrega aos adotantes, pela avó materna, com o consentimento
da mãe biológica. A entrega foi feita ainda no hospital e o casal
deixou a genitora biológica em casa. Tal situação caracteriza o
abandono, notadamente pelo fato da genitora biológica nunca ter
reclamado a guarda judicial da criança somente o fazendo após o
ajuizamento da presente ação – fato previsto no art. 1638, II, do
Código Civil, como extintivo do poder familiar. Na forma do artigo
1.637 do Novo Código Civil, deixar de cumprir os deveres inerentes
ao poder familiar, cabe a suspensão de tal poder-dever, pois ele é
estabelecido no interesse dos filhos. A reiteração no descumprimento
justifica a destituição. Não bastasse, incumbindo aos pais manter os
filhos consigo, são vedados de transferi-los a terceiros sem
autorização judicial, circunstância esta não observada pela

L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080


18
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

requerida, o que autoriza a perda do poder familiar, na forma do


inciso V, do mencionado dispositivo legal. Nesta senda, observa-se
que o deferimento do pedido de adoção demonstra reais vantagens
para a infante em comento, tendo em vista já estar adaptada aos
requerentes, os reconhecendo como pais, os quais proporcionam
amor, proteção e afeto pela adotanda, além de demonstrar o desejo
de efetivar a adoção da criança. Conforme relatório psicossocial de
fls. 34/35, percebeu-se também a mutualidade de amor entre pais e
filha. Não restam dúvidas, portanto, que o melhor para adotanda é
permanecer no lar que se encontra desde o nascimento, devendo
prevalecer o seu interesse, princípio basilar e norteador de todo
sistema protecionista menoril, sendo este o ponto crucial a ser
observado em qualquer decisão. Ante o exposto, considerando-se os
argumentos acima elencados, opina o Ministério Público pela
procedência da ação com a decretação da destituição do poder
familiar da requerida com relação a sua filha Joyce Mailla de Jesus
Conceição e, por conseguinte deferimento do pedido de adoção da
criança, nos termos dos art. 47 e 169 do Estatuto da Criança e do
Adolescente c/c o art. 1.638, II e V, do Código Civil, apresentando a
colocação em família substituta, ora requerida, reais vantagens para
a adotanda.”

Evidentemente a miserabilidade, por si só, não é causa


suficiente a justificar a extinção do poder familiar, consoante art. 23
do ECA: “(...)”. Contudo, os elementos que constam nos autos
demonstram, a sobejo, que a negligência da genitora não dizia respeito
tão-somente à falta de condições materiais, mas também de vínculo
afetivo. Ou seja, o abandono está caracterizado em todos os seus
aspectos, na medida em que a criança não recebia o amor necessário
para uma sadia formação psicológica.

Constatada a situação de abandono em que se encontrava a


infante, por negligência da demandada, em flagrante descumprimento
dos deveres inerentes ao poder familiar, como prescrito no
mencionado artigo 1.634, do Código Civil, imperativa a aplicação do
L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080
19
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

disposto no citado artigo 1.638, caput, do mencionado codex.

O artigo 43, da Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e


do Adolescente) estabelece que a adoção será deferida quando
apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos
legítimos, hipótese evidenciada nos autos. Imperioso ressaltar a
importância atribuída ao estudo psicossocial para a averiguação dos
interesses da menor, em situações semelhantes ao caso sub examine.

Segundo o magistério de Eduardo de Oliveira Leite: "O


objetivo da pesquisa social é obter o maior número possível de
informações sobre a situação material e moral da família, sobre as
condições em que vive e são educados os filhos e sobre as medidas
que se fazem necessárias tomar no interesse deles." (Famílias
Monoparentais: A situação jurídica de pais e mães separados e dos
filhos na ruptura da vida conjugal. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003. 2ª ed. rev., atual. e ampl.; p. 204)

Já o artigo 151, do Estatuto da Criança e do Adolescente


(ECA), assim prevê:

"Art. 151. Compete à equipe interprofissional, dentre


outras atribuições que lhe forem reservadas pela
legislação local, fornecer subsídios por escrito,
mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem
assim desenvolver trabalhos de aconselhamento,
orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo
sob a imediata subordinação à autoridade judiciária,
assegurada a livre manifestação do ponto de vista
técnico."

In casu os Apelados demonstram condições para suprir


necessidades materiais e afetivas para o desenvolvimento da criança,
conforme se depreende do estudo do procedimento de adoção e das
visitas realizadas por Assistente Social (fls. 34/35). Com efeito, tem-se

L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080


20
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

que a criança firmou verdadeiro laço afetivo com os pais adotivos,


formando uma família saudável. Assim também o parecer ministerial
exarado em primeira e nesta instância( fls. 278/289 e fls. 08/11), não
digitalizadas opinando favoravelmente por adoção da criança por
demandantes, ora apelados.

Consoante avaliação psicossocial realizada(fls. 38/40), a


menor se encontra bem adaptada à realidade que lhe fora apresentada
com sua colocação na família substituta restando, desta forma,
atendido o requisito exigido pelo artigo 43 supracitado.

Conforme bem mencionado na sentença hostilizada(fls.


290/297), proferida com fundamentação suficiente, estando em
consonância com elementos carreados para os autos e legislação em
vigor, in verbis: “(...)” O poder familiar consiste no complexo de
prerrogativas e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos
bens dos filhos menores de 18 anos. Nesse sentido, o art. 1.630 do
CC impõe a sujeição ao poder familiar dos filhos em relação aos
pais, com seu exercício estabelecido normativamente no art. 1.634
do mesmo diploma legal. Nos termos do art. 24 do ECA, a perda ou
suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em
procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil,
isto é, no art. 1.638 do CC, bem como quando restar demonstrado o
injustificado descumprimento dos deveres inerentes aos pais, quais
sejam, o sustento, a guarda e educação dos filhos. No mesmo
sentido, prevê o art. 1.635, V, do CC que o poder familiar se
extingue por decisão judicial, na forma do art. 1.638, transcrito a
seguir: Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou
a mãe que: [..] II - deixar o filho em abandono; [...] V - entregar de
forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção. No caso em
epígrafe, a criança não foi registrada pelo pai biológico. Quanto à
genitora, constatam-se como fatos incontroversos a gravidez aos 13
(treze) anos, ou seja em estado de absoluta incapacidde, o abandono
materno e familiar da gestante e a entrega voluntária da criança aos
requerentes, já que mesmo que o documento assinado pela mãe da
L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080
21
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

requerida seja imprestável enquanto prova, o que não é, pois


ausente qualquer impugnação pelo meio correto, qual seja, o
incidente de falsidade, imposto no art. 430 e sgts do CPC, as
testemunhas ouvidas e compromissadas, cujos depoimentos foram
integralmente transcritos pelo MP no parecer final, denotam a
assertiva de que a avó da criança, juntamente com sua filha,
entregaram, espontaneamente a criança à requerente, já na saída do
hospital, ou seja, de forma totalmente irregular. Ainda, restou
comprovado que todo o sustento financeiro e emocional de Joyce/Liz
foi provido pelos requerentes, desde o primeiro alimento até os dias
de hoje, não havendo relatos do exercício mínimo poder familiar por
parte da requerida a qual, esporadicamente, brincava com a criança,
sendo certo que, por mais incorreta que tenha sido a atuação da avó
materna, este Juízo delimita a decisão somente no que pertine ao
melhor interesse para a criança. Assim, todas as obrigações
inerentes ao poder familiar acima dispostas foram exercidas de fato,
exclusivamente pelos autores, que consentiram com a manutenção
de contato, por meio de visitas entre a criança e a mãe biológica e
esta sempre contou com a certeza de que sua filha teria toda
assistência do casal e pôde, inclusive, reconstruir sua vida de forma
digna e honesta. Contudo, conforme se observa nos autos, a
requerida, em relação à filha biológica, tinha a disponibilidade do
exercício esporádico da maternidade, dispondo da prerrogativa
unilateral de querer ou não exercê-la, conforme relatos constantes
nos autos (fls. 248/250) e no depoimento compromissado e não
impugnado de Caroline Cardoso, quando estava doente, ou tinha
outros compromissos, deixava de receber a filha, comprovando,
claramente, que seu comportamento era de alguem que poderia ter
algo mais importante para fazer, em vez de cuidar da criança. Nesse
sentido, conforme ratificado no depoimento pessoal da requerente, a
requerida manteve a criança em local sigiloso por mais de 10 (dez)
dias e quando a devolveu, ela apresentava doença e necessitou de
atendimento médico imediato, sendo tal assertiva mais uma prova de
que todo suporte inerente ao poder familiar sempre foi exercido pelo

L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080


22
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

casal requerente. Observo que desde o ano de 2014 , a criança foi


mantida com os autores e somente após o deferimento do direito de
visitas à mãe biológica, é que Joicy começou a apresentar problemas
comportamentais relatados pelas testemunhas com transcrição
fidedigna pelo MP e reproduzida abaixo, sendo certo que até quanto
a seu nome, há confusão, já que a criança se reconhece como Liz,
mas é chamada de Joyce Maila pela requerida e tal assertiva somada
à quebra de rotina, indefinição quanto à maternidade e consequente
formação de identidade familiar, oscilação de ambiente familiar e
constantes desentendimentos entre as partes somente prejudicam o
desenvolvimento sadio da criança, senão Vejamos: ALESSANDRO
ANDRADE FERREIRA: "que acompanhou as visitas realizadas
após a última audiência e a menina não quer ir, fica em pânico,
começa a chorar; que a criança repudia ficar na casa da mãe
biológica; ... que até a última vez que foi, tem 15 dias, a criança fica
em pavorosa quando é para ficar com a genitora biológica, dizendo
que não quer, que lá não é a casa dela; que o casal faz questão de
levar a criança, mas a menina não desce; que, então voltam para
casa; que a mãe biológica tenta convencer a menina a ficar, mas
não consegue..." EDNA MARIA COSTA: "que observou que a
criança estava com um comportamento estranho, agitada e batendo
as portas e perguntou a Alessandra qual a razão desse
comportamento e Alessandra relatou que toda vez que a criança
retornava da casa da mãe biológica apresentava esse tipo de
comportamento; que bate, xinga, esmurra as coisas; que observou a
mudança no comportamento da criança após as visitas, que agora
ela tem um comportamento estranho, gritando, batendo o portão;& .
que percebeu a mudança de comportamento da criança e estranhou,
perguntando para Alessandra que atribuiu a mudança de
comportamento às visitas à mãe biológica;" MÁRCIA CRISTINA
AMARAL RODRIGUES: "que o comportamento da criança mudou
muito após a guarda compartilhada; que a criança narra coisas que
acontecem na casa da mãe; que a criança contou que no dia
anterior a mãe jogou álcool em um boné e ateou fogo e que depois a

L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080


23
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

polícia foi até a casa dela; que a criança apareceu com hematomas
após as visitas e se queixando de que a mãe havia batido nela; que
observou a mudança de comportamento da criança que agora se
apresenta muito irritada, agressiva, com comportamentos que antes
ela não apresentava." Logo, a conduta da requerida, mesmo após
incapacidade relativa, amoldasse ao quanto disposto no art. 1.638, II
e V, do CC, restando evidenciado o reiterado abandono em relação à
infante e a entrega da criança aos requerentes para fins de adoção,
razão pela qual a destituição do poder familiar é medida que se
impõe. Passo, pois, a análise do pedido de adoção. A adoção é uma
das modalidades de colocação em família substituta previstas no
ordenamento que possibilita a constituição entre os adotantes e o
adotado de um laço de parentesco de 1º grau na linha reta.
Inegáveis os efeitos jurídicos e a finalidade assistencial do instituto,
possibilitando ao adotando o status de filho, na medida em que
institui vínculo legal de paternidade e filiação civil, bem como
auxilia o amparo material e moral do indivíduo. O art. 50 do ECA
estabelece a criação de cadastros de crianças e adolescentes em
condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na
adoção, devendo ser observada a ordem cronológica das habilitações
dos pretensos adotantes inseridos previamente, salvo nas hipóteses
previstas no §13 do referido artigo. No entanto, a exegese mais
correta do preceito legal em comento, segundo corrente dominante
da doutrina e jurisprudência, demonstra que não devem ser
consideradas exaustivas as hipóteses de desconsideração dos
cadastros de adotantes habilitados, frente à complexa gama de
relações psicossociais que permeiam a colocação de crianças e
adolescentes em família substituta, sempre marcada por nuances a
serem detidamente analisados pelo Juízo Especializado, com auxílio
da equipe técnica interdisciplinar, em cada caso concreto. Destarte,
poderá o julgador flexibilizar a observância dos cadastros de
adotantes, através de fundamentação idônea, sempre que tal solução
se mostrar mais adequada ao caso concreto, em atenção ao princípio
do melhor interesse da criança e do adolescente, norteador do

L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080


24
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

microssistema jurídico estatuído no ECA. Vejamos: AGRAVO


REGIMENTAL - MEDIDA CAUTELAR - AFERIÇÃO DA
PREVALÊNCIA ENTRE O CADASTRO DE ADOTANTES E A
ADOÇÃO INTUITU PERSONAE - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO
DO MELHOR INTERESSE DO MENOR - ESTABELECIMENTO
DE VÍNCULO AFETIVO DA MENOR COM O CASAL DE
ADOTANTES NÃO CADASTRADOS, COM O QUAL FICOU
DURANTE OS PRIMEIROS OITO MESES DE VIDA -
APARÊNCIA DE BOM DIREITO - OCORRÊNCIA - ENTREGA
DA MENOR PARA OUTRO CASAL CADASTRADO -
PERICULUM IN MORA - VERIFICAÇÃO - RECURSO
IMPROVIDO. (STJ - AgRg na MC: 15097 MG 2008/0283376-7,
Relator: Ministro MASSAMI UYEDA, Data de Julgamento:
05/03/2009, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação:
20090506. DJe 06/05/2009) APELAÇÃO. AÇÃO DE ADOÇÃO.
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. SENTENÇA
DE EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, FACE A
AUSÊNCIA DE INSCRIÇÃO PRÉVIA DOS REQUERENTES NO
CADASTRO DE ADOTANTES. MITIGAÇÃO. PRINCÍPIO DA
PREVALÊNCIA DO INTERESSE DO MENOR. VÍNCULO
AFETIVO E FAMILIAR DA CRIANÇA COM CASAL DESDE O
NASCIMENTO. SENTENÇA ANULADA. RETORNO DOS
AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM PARA PROSSEGUIMENTO DO
FEITO. APELO PROVIDO. 1. É princípio do Estatuto da Criança e
do Adolescente, que os interesses juridicamente protegidos e os
absolutamente determinantes serão sempre os dos infantes,
prevalentes sobre quaisquer outros. 2. A observância do cadastro de
adotantes, ou seja, a preferência das pessoas cronologicamente
cadastradas para adotar determinada criança, não é absoluta. A
regra deve ser excepcionada pelo princípio do melhor interesse da
criança, base de todo o sistema de proteção do menor. 3. Quando já
formado forte vínculo afetivo entre a criança e os pretendentes à
adoção, em razão da convivência familiar desde o nascimento da
infante, tal elo deve prevalecer à regra do art. 50, do ECA, não

L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080


25
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

podendo tal dispositivo legal constituir-se em obstáculo à adoção. 4.


Sentença anulada. Apelo provido. (TJ-BA - APL:
00001665220128050210 BA 0000166-52.2012.8.05.0210, Relator:
Dinalva Gomes Laranjeira Pimentel, Data de Julgamento:
08/10/2013, Segunda Câmara Cível, Data de Publicação:
09/10/2013) A situação em tela se adequa à modalidade de adoção
intuito personae, com interferência da família biológica na família
substituta, ocorrendo a escolha em momento anterior à chegada do
pedido de adoção ao crivo do Judiciário. Os adotantes não se
encontram inscritos no cadastro de adoção, todavia, exercem os
cuidados referentes à criança desde o nascimento, isto é, há quase
sete anos, restando consolidado o vínculo familiar de tal forma que
o afastamento da criança poderia causar severos prejuízos ao seu
desenvolvimento. Portanto, com fulcro no princípio do melhor
interesse, o vínculo afetivo formado deve prevalecer ao requisito
legal, ressaltando-se ainda, que não há nos autos, indícios de
atuação criminosa, que levem ao indeferimento do pedido, ou
instauração de procedimento criminal em face dos requerentes,
sendo certo que a autora, enquanto advogada, teria a obrigação
legal de saber qual o procedimento a ser adotado e sua conduta de
burla às normas legais, trouxe como consequência, o grande
sofrimento demonstrado durante todo o processo e submissão às
demandas da requerida . Ademais, da análise dos autos evidencia-se
que foram observadas todas as formalidades estabelecidas na Lei nº
8.069/90 inerentes ao processamento da ação de adoção, bem como
verifica-se que a genitora jamais manifestou qualquer resistência ao
pedido. Os requerentes gozam de condições subjetivas e objetivas
necessárias para ter a criança sob seus cuidados, conforme se pode
colher da análise dos autos e dos estudos psicossociais realizados
(fls.34/35), atendendo, portanto, ao requisito básico previsto no art.
29 da referida Lei. Não há que se falar, no caso vertente, em estágio
de convivência, posto que dispensável na forma do art. 46, § 1º, da
Lei nº 8.069/90, haja vista que é visível a existência de forte vínculo
afetivo entre os adotantes e a adotanda, estando esta última sob a

L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080


26
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

guarda de fato dos requerentes desde o nascimento. Observa-se,


ainda, que, conforme dispõe o art. 43 da Lei nº 8.069/90, a adoção
que ora se pleiteia só trará vantagens à adotanda, pois regularizará
situação fática duradoura e benéfica, ratificada pelo Ministério
Público.”

Neste sentido, a jurisprudência dos Tribunais Superiores:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO.


ABANDONO MATERIAL E AFETIVO. VISITAS
ESPORÁDICAS DA MÃE. INÉRCIA NO
EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR.
DELEGAÇÃO A TERCEIROS. SITUAÇÃO QUE
SE ESTABILIZOU NO TEMPO. - Hipótese em
que a mãe deixou a criança aos cuidados de
terceiros por mais de três anos, sem buscar retomá-
la à sua companhia para exercer o poder/dever de
sustento, criação e educação da menor. -
Prorrogando-se injustificadamente a guarda de
fato por longo período, durante o qual a
convivência com a mãe biológica se limitou a
visitas esporádicas, tendo os adotantes suprido
todas as necessidades da menina e assumido as
responsabilidades do poder familiar, configura-se
o abandono material e afetivo. - Na adoção deve
ser buscado o melhor interesse do menor,
sobretudo em crescer no seio de uma família que
lhe proporcione condições favoráveis de
desenvolvimento sadio". (TJ/MG)

Consoante asseverado por douto Procurador de Justiça, fls.


08/11 (não digitalizadas), in verbis: “(...) Após uma detida análise
dos autos, é possível verificar a existência de elementos suficientes
atestando a absoluta inviabilidade de permanência da menor com a

L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080


27
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Primeira Câmara Cível
5ª Av. do CAB, nº 560 - Centro - CEP: 41745971 -
Salvador/BA

sua genitora. Embora o documento apresentado sob fls. 16, qual


seja, uma carta de doação assinada pela genitora aos 13 (treze)
anos, não tenha força probatória, este não é o único meio utilizado
para comprovar a incapacidade da apelante em exercer o poder
familiar sobre a menor. Observado o parecer ministerial de
fls.278/289, o parquet trouxe os depoimentos das testemunhas
colhidos em audiência de instrução, que foram harmônicos em
demonstrar a precária situação financeira que vivia a apelante, não
vendo outra saída pois senão a entrega de sua filha aos apelados. Ao
longo de todo o período, a menor permaneceu aos cuidados dos
apelados, que conforme comprovado nos autos, possuem total
condição social, psicológica e familiar suficiente a integração da
criança aos anseios de um vínculo familiar. Outrossim, imperioso
destacar que foram empreendidos esforços para a colocação da
infante em seio da família biológica, principalmente em contato com
a genitora, contudo sem êxito. Isso porque, de acordo com o
relatório social apresentado sob fls. 248/250, a mãe biológica
demonstrou comportamento negligente em face da criança,
conforme descrição abaixo: “(...)” Restou demonstrado, assim, que a
apelante violou deveres inerentes ao exercício do poder familiar ao
entregar sua recém-nascida aos cuidados do casal, que não mostrou
nenhuma preocupação com a criação e desenvolvimento da Criança.
A negligência, somada as agressões e a ausência de vínculo afetivo
são elementos mais que suficientes para o indeferimento do pleito
recursal, sendo medida necessária a destituição do poder familiar,
com a adoção da menor pelo apelados, que demonstraram não só
interesse na guarda da criança, mas também amor, zelo, e cuidado
pela menor. “(...)”.
Por tais razões nega-se provimento ao recurso.
Sala das Sessões, de de 2020

Desª. Lícia de Castro L. Carvalho


Relatora

L4 Ap. Civ. nº 0515956-79.2016.8.05.0080

Você também pode gostar