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Nesta aula, iremos apresentar a classificação das fontes do Direito e seus mecanismos
de composição.
Uma visão introdutória do Direito
O Direito é uma constante na vida humana. Desde que o homem vive em sociedade (o
que é a sua condição natural), revela-se imprescindível a organização da vida social, já
que os indivíduos, convivendo coletivamente, deixavam de poder exercer todos os atos
inerentes à tutela de seus interesses, limitados que eram pelos interesses dos demais.
Essa organização da vida social serviu originariamente para garantir a própria
sobrevivência do grupo, com a defesa de seus integrantes de ameaças exteriores,
evoluindo para o próprio regramento da extensão das prerrogativas e das obrigações de
cada um deles, enquanto integrante de um núcleo, de uma coletividade definida.
Assim, vemos em todas as sociedades a presença do Direito – talvez não como o
concebemos em nosso tempo e em nossa sociedade, mas certamente jamais uma
coletividade humana prescindiu de um conjunto de normas e de valores que
determinassem o que era considerado aceitável e o que, pelo contrário, era considerado
desviante – e aí temos o embrião do Direito.
O Código de Hamurabi é a compilação de um código de leis escrito quando ainda
prevalecia a tradição oral, ou seja, em época em que as leis eram transmitidas oralmente
de geração em geração.
Isso demonstra que o interesse pelo estudo do Direito não se limita – ou não deveria
limitar-se – àqueles profissionais cuja formação demanda a vida forense, como os
advogados, os magistrados, os membros do Ministério Público e demais operadores do
Direito cujo trabalho podemos diariamente acompanhar até mesmo pela mídia; pelo
contrário, o conhecimento do Direito se revela fundamental inclusive para o exercício
da cidadania, já que todo cidadão precisa conhecer seus direitos e suas obrigações – e,
para isso, precisa conhecer as fontes e a estrutura de nosso sistema jurídico.
Tal conhecimento – e a habilidade para analisar o seu conteúdo – se revela ainda mais
essencial ao gestor, porque ele será responsável pela condução não apenas de sua
própria existência e de seu próprio patrimônio, mas também pela condução das
economias, dos patrimônios, das carreiras de outras pessoas que confiam em sua
capacidade e experiência – seja ele atuante em algum Governo ou em uma empresa
pública, seja na esfera privada de uma empresa comercial ou empresarial, por exemplo.
... ou um administrador público que desconheça o que seja o Estado e quais as suas
finalidades – constantes de um texto legal, a Constituição Federal de 1988;
Não se pode admitir um cidadão que desconheça ser titular do direito à vida, à
liberdade, à saúde, entre outros que, não sem razão, são considerados fundamentais ao
estado de nossa civilização.
Mapa do império Romano por volta de 117. A lei romana, junto com a língua latina,
foram os dois principais elementos de coesão cultural do império.
Vê-se, portanto, que o Direito não se limita – ou não poderia limitar-se – à criação de
uma lei ou à assinatura de um contrato. Da mesma forma, não é produto exclusivo da
vontade de um legislador ou mesmo de uma coletividade em especial, nem mesmo do
ato de uma autoridade de qualquer um dos Poderes constituídos.
Ele é mais, muito mais do que isso. Representa as nossas aspirações e anseios, nosso
senso moral e ético, nossos sentimentos e nossas expectativas enquanto sociedade e
demonstra não apenas o amadurecimento de nossa democracia como o próprio grau
civilizatório a que chegamos.
Nasce, portanto, de fontes comuns a todos os povos, em qualquer de seus momentos
históricos. São fontes do Direito: a lei, a jurisprudência e a doutrina (de caráter mais
específico), mas também a analogia e a equidade, os usos e costumes do povo. Vamos,
agora, analisar cada um deles.
A Lei
É talvez, atualmente, a fonte do Direito por definição e excelência (ao menos
certamente será aquela mais visível, pela própria publicidade que lhe é inerente) em
nossa sociedade e representa o resultado final do processo de elaboração legislativa.
No sistema de tripartição dos Poderes em que vivemos – com os Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário dotados de atribuições e competências diversas, todas elas
definidas no texto constitucional – a tarefa da elaboração das leis toca exclusivamehte
ao Poder Legislativo e, portanto, apenas a ele cabe legislar, vale dizer, votar e
promulgar as leis.
É certo que os projetos de lei podem partir dos demais Poderes ou mesmo da própria
iniciativa popular, mas o seu trânsito pelo Poder Legislativo não pode ser suprimido,
sob pena da violação de um dos fundamentos de nosso Estado e, assim, da nulidade ou
inexistência do ato praticado.
As leis obedecem a uma hierarquia, sendo a mais importante delas e a mais fundamental
a Constituição Federal, na qual estão dispostos os fundamentos da Nação e seus
elementos mais essenciais.
A Constituição é fruto de um Poder específico, a que se denomina Poder Constituinte, e
tem por finalidade apenas a sua elaboração, dissolvendo-se tão logo termine. Este Poder
não tem qualquer restrição, em virtude da natureza do texto que lhe compete elaborar,
no que se distingue dos demais Poderes, ditos Constituídos – justamente pela sua
previsão no texto constitucional.
Exemplificando, no Brasil temos três Poderes Constituídos, já anteriormente
mencionados: Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário – criados pela Constituição
Federal de 1988, obra dos trabalhos do Poder Constituinte, eleito para tanto e
inconfundível com aqueles Poderes que concebeu na Carta Constitucional.
Além da Constituição Federal temos, resumidamente, leis federais, estaduais e
municipais, conforme sejam promulgadas pelos respectivos Poderes Legislativos. A
abrangência e o alcance destas leis correspondem à competência territorial de cada uma
dessas partições da Federação, assim, por exemplo, uma lei federal terá vigência em
todo o território nacional, uma lei estadual do Rio de Janeiro terá vigência em todo o
território do estado, enquanto uma lei municipal de Niterói terá vigência nos limites
territoriais deste município.
Sessão final de
trabalho da Assembleia Constituinte, em 2 de setembro de 1988, após o encerramento
da votação, com aprovação do texto final da nova Constituição do país. Fonte: Agência
Brasil
Nisso reside uma das características mais essenciais e igualmente mais desconsideradas
das leis como ora as concebemos: a sua limitação no tempo e no espaço, ou seja, a
determinação temporal e espacial de sua aplicação e obrigatoriedade.
Diferem, assim, fundamentalmente, das leis naturais – que não possuem a sua mesma
natureza – porque estas são evidentemente imutáveis, não se submetendo a lei da
gravidade a qualquer contexto social ou político da humanidade, por exemplo
(contextualizando: independentemente do sistema ou regime de governo de um País,
independentemente de sua maior ou menor atividade econômica, jamais um objeto
atirado para cima deixará de cair: a lei natural, a lei da física, é imutável e embora se
diga que o próprio tempo é relativo tal consideração não altera a composição das leis
naturais, tampouco aproxima a sua natureza das leis do direito positivo).
Temos que o momento inicial de validade e obrigatoriedade de uma lei, como
anteriormente pudemos comentar, é o momento de sua promulgação, que se dá via de
regra com a publicidade de sua divulgação pela imprensa oficial; vimos, ainda, que a lei
pode passar a surtir seus efeitos após um prazo por ela própria estabelecido,
denominado vacância da lei.
Importa agora sabermos quando a lei deixa de surtir os seus efeitos. Ou seja, quando a
lei deixa de ser oponível, quando deixa de integrar o sistema de Direito.
Em regra, as leis possuem duração indeterminada. Pressupõe-se que deixarão de surtir
seus efeitos apenas quando foram revogadas (o que pode se dar expressa ou
tacitamente), e isso deriva da necessidade de estabilidade e segurança nas relações
sociais, que não existiriam se as leis fossem sempre concebidas com prazos de validade
previamente determinados.
Esse fato demonstra a relevância do Poder Legislativo e a seriedade de sua função: as
leis não podem ser criadas senão sob o pressuposto de corresponderem ao estágio
civilizatório atingido pela sociedade cuja vida regulamentam, e este não é percebido por
prazo determinado, nem tem data prefixada para modificação – e por isso mesmo a
promulgação de leis casuísticas, que apenas atendam a interesses imediatos,
principalmente quando de titularidade limitada a certos segmentos sociais, não é a
melhor técnica de elaboração legislativa, já que a sociedade não evolui na velocidade
dessas demandas, ainda quando legítimas.
É claro que excepcionalmente a lei pode determinar um prazo ao cabo do qual cesará
sua vigência, mas essa não é e nem poderia ser a regra. Essencialmente a lei é revogada
quando uma lei posterior de mesma hierarquia a revogue ou disponha de forma
diversa sobre a mesma matéria; por isso geralmente no último dispositivo ou artigo de
qualquer texto legal encontramos uma determinação que atende a uma fórmula genérica,
segundo a qual “esta lei revoga todas as disposições em contrário”, importando em que,
na data de sua entrada em vigor, deixarão de surtir efeitos aquelas normas
expressamente revogadas.
Mas nem sempre há essa disposição literal, sendo também usual e de igualmente boa
técnica legislativa a revogação tácita, que se dá nas hipóteses em que, mesmo não
dispondo expressamente a revogação de leis anteriores, a lei nova regulamenta
inteiramente a relação que era objeto também da lei anterior.
Por exemplo: a nova lei de locação de imóveis, mesmo que não o afirme textualmente,
revogará a lei anterior que trate desta mesma matéria, já que, evidentemente, não podem
subsistir dois sistemas legais distintos e contraditórios regulamentando uma mesma
hipótese social.
A irretroatividade da lei – ou seja, o fato de uma lei não poder viger sobre atos ou
negócios praticados antes de sua vigência – é a regra para a sua eficácia, admitindo-se
excepcioná-la apenas quando isso se der em benefício do réu, como, por exemplo, na
retroatividade da lei penal quando se deixa de considerar criminosa a conduta praticada
– e isso se fundamenta no próprio interesse social, já que não teria qualquer finalidade
manter encarcerado, por exemplo, aquele que tenha cometido um ato que deixe de ser
considerado criminoso em momento posterior ao seu julgamento.
Eficácia da lei no espaço
Assim como é importante analisarmos a aplicação da lei no tempo, não menos
importante será o conhecimento de sua validade em dimensão espacial. Vimos
anteriormente que nosso Estado possui três esferas de administração pública – as esferas
federal, estadual e municipal – representadas respectivamente pela União, pelos estados
e municípios; vimos também que em todas essas esferas há Poderes Legislativos com
competência determinada e exclusiva sobre as suas respectivas dimensões territoriais.
Essa é a mais clara hipótese dessa nossa análise: a própria divisão administrativa do
Estado brasileiro já sinaliza para a eficácia da lei no espaço quando determina existirem
Legislativos nas esferas federal, estadual e municipal, o que pressupõe logicamente a
possibilidade de existirem leis que vigorarão nos limites dos respectivos estados e
municípios, ou que sejam aplicáveis em todo o território nacional, conforme sejam leis
estaduais, municipais ou federais.
Nosso País é uma República Federativa em que determinadas matérias, por sua
relevância, são de competência legislativa apenas federal, ou da União, como, por
exemplo, as normas penais; outras serão de competência dos estados e, finalmente,
outras ainda serão de competência municipal, segundo dispõe o próprio texto da
Constituição Federal – e são exemplos matérias tributárias, em que se determina que
alguns tributos terão sua legislação definida e serão arrecadados pela União (como o
imposto sobre a renda), outros pelos estados (como o imposto sobre a propriedade de
veículos automotores, ou IPVA) e outros, ainda, pelos municípios (como o Imposto
sobre a Propriedade Territorial Urbana, ou IPTU).
Então, qual será o limite da abrangência espacial de uma lei?
A resposta é simples: este limite será o limite de seu território, assim compreendido
como o espaço localizado no interior de suas fronteiras. Em essência, temos que a lei
federal adere a toda a superfície de nosso território, a lei estadual adere a toda a
superfície do território do estado e a lei municipal à superfície territorial do município.
Essa realidade nem sempre é isenta de conflitos, sendo comum se falar de “guerras
fiscais” ou de “barreiras fiscais”, por exemplo, que nada mais representam senão o
aspecto visível da aplicação das leis no espaço: quer entre países (como nos casos das
lutas de alíquotas tributárias de exportação ou importação conforme determinado país
proteja os interesses de seus produtores ou fabricantes, por exemplo), quer entre estados
e municípios, como já pudemos observar em diversos momentos.
Na verdade, a eficácia espacial da lei é de vital importância para qualquer administrador
público, porque importa até mesmo no planejamento de políticas para determinados
segmentos sociais ou para estratégias de crescimento.
Como, por exemplo, as tarifas menores ou maiores de exportação ou importação de
tecnologia ou de commodities segundo o mercado internacional no período, ou ainda as
subvenções e incentivos públicos a certas atividades consideradas de interesse nacional,
como, por exemplo, o estímulo à produção agrícola etc.
Tamanha pode ser a relevância dessas disputas que não raro somos informados de
disputas entre países em organizações multinacionais como a Organização Internacional
do Comércio, sobre determinadas políticas que atingem os interesses de seus parceiros
comerciais.
A Jurisprudência
Por jurisprudência entende-se o conjunto das decisões proferidas pelos Tribunais sobre
determinados assuntos, e compõe as fontes clássicas do Direito, ao lado da lei e da
doutrina, porém não sendo de menor importância dentro dos meios de sua formação.
Sabemos que nosso Estado compõe-se de três Poderes Constituídos, que são o
Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Pois bem, já vimos que ao Poder Legislativo
toca legislar, ou seja, é o Poder competente para elaborar as leis; todavia, o Legislativo
não as aplica. Essa aplicação cabe, com exclusividade, ao Poder Judiciário, que é
composto, novamente, na forma determinada pela Constituição Federal (em nosso caso,
a de 1988).
Embora seja exclusivamente competente para julgar, vale dizer, para interpretar a lei e
aplicá-la a um determinado caso concreto (por exemplo, determinar que o Código de
Defesa do Consumidor deve ser aplicado na hipótese de defeito em determinado
produto, impondo a sua troca ou a devolução do valor pago ao cliente), o Poder
Judiciário não atua discricionariamente – suas decisões devem ser baseadas não apenas
na lei mas, ainda, nos demais elementos componentes de nosso sistema de Direito, e que
englobam todas as suas outras fontes.
A reunião dos julgados dos Tribunais é que se chama de Jurisprudência e demonstra não
apenas como o Direito é interpretado por seus aplicadores ao longo do tempo mas,
também, demonstra o grau de complexidade a que chegou determinada sociedade.
Assim como quanto às leis, há hierarquia na Jurisprudência, e essa hierarquia
corresponde, igualmente, à competência dos Tribunais. A composição do nosso Poder
Judiciário inclui, em brevíssima síntese não restritiva:
o Supremo Tribunal Federal (a quem cumpre a interpretação da Constituição
Federal);
os Tribunais Superiores (Superior Tribunal de Justiça, Superior Tribunal Militar,
Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral);
os Tribunais Regionais Federais e os Juízes Federais;
os Tribunais Regionais do Trabalho e os Juízes Trabalhistas;
os Tribunais Regionais Eleitorais; e
os Tribunais de Justiça dos Estados e os Juízes Estaduais, não havendo Poder
Judiciário de competência municipal.
A Doutrina
Juntamente com a Lei e a Jurisprudência, temos a Doutrina como uma das fontes
clássicas do Direito.
Compõem a Doutrina os tratados, livros, artigos e demais obras intelectuais dos
estudiosos do Direito, também chamados juristas, que representam as diversas visões
científicas sobre as matérias que envolvam noções humanas, sociais e jurídicas.
Sua importância reside no fato de ser o verdadeiro repositório dos estudos sobre as
diversas áreas do Direito e seus aspectos técnicos, sociais, políticos e humanos, de tal
forma que os advogados, julgadores, legisladores, analistas e demais operadores do
Direito podem encontrar, em seu bojo, orientações fundamentadas tecnicamente sobre
matérias que analisem.
Vale destacar que, em sede doutrinária, o autor possui uma liberdade que via de regra
não possuirá como advogado ou juiz, por exemplo, uma vez que não se encontra, como
doutrinador, limitado pelos fatos de um processo.
A doutrina é fonte fundamental do Direito justamente porque oxigena a sua teoria,
proporcionando a seus estudiosos e operadores a análise de uma infinita variedade de
visões sobre os seus institutos, auxiliando de maneira essencial a construção do
pensamento jurídico e a sua elevação ao patamar civilizatório atingido pela sociedade
cuja convivência se presta a regulamentar.
Mecanismos Interpretativos
A analogia
A analogia se mostra uma fonte do Direito como um mecanismo de integração em que
se aplica um exemplo para constituir um raciocínio, vale dizer, entende-se que a solução
de determinado problema deve ser empregada para solucionar outro problema que lhe
seja semelhante.
Dessa forma, o processo analógico não representa senão um mecanismo para solução de
um caso concreto para o qual não existe uma norma jurídica preexistente. Todavia, não
se deve empregar o raciocínio analógico na hipótese em que a norma que se pretenda
aplicar possua natureza eminentemente restritiva de direitos, como, por exemplo, a
matéria da legislação criminal, em que o resultado poderá ser a restrição à liberdade, por
exemplo.
É evidente que a aplicação da analogia não poderá se dar indiscriminadamente, exigindo
atenção à análise de elementos subjetivos que são a norma geral do Direito, o ramo do
Direito ao qual pertence a norma em exame e as suas próprias características, sem o que
a aplicação da analogia pode tornar-se despótica.
A equidade