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Nutrição na

doença renal
crônica
Sophia Helena C. Moreira
Nutricionista NASF-AB, SMSA-PBH
Graduação em nutrição pela UFMG (2014)
Especialização em Saúde do Idoso pelo programa de Residência
Multiprofissional de Saúde do Hospital Risoleta Tolentino Neves (2017)
Mestrado em Nutrição e Saúde pela UFMG, área de concentração nutrição
clínica e experimental (2022)
Introdução
Fisiologia das vias urinárias

Arteríola aferente

Arteríola eferente

Guyton & Hall, 2017


Introdução - Funções do rim

• Regulação das concentrações plasmáticas de Na,K, Ca,Mg,Cl,HCO3, Fosfato


Homeostática • Regulação do volume e osmolaridade do fluido extracelular
• Regulação do equilíbrio ácido-básico

Excretora • Produtos finais do metabolismo (Ur, ácido úrico, fosfatos e sulfatos)


• Fármacos e drogas

• Renina, Angiotensina II,

Endócrina •

Vitamina D ativa
Prostaglandinas
• Bradicinina

BRASPEN, 2021
Introdução - Funções endócrinas do rim

Riella, 2013
Introdução - Funções do rim

- Túbulo contornado proximal:


2ª hidroxilacão da vit.D
(1,25-dihidroxivitamina D ou calcitriol) –
forma ativa

- Funções da Vitamina D
• Controle da excreção urinária e absorção
intestinal de Ca e P
• Incorpora Ca nos ossos
• Inibe paratireóide a liberar PTH

Filho et al. J Bras Nefrol 2013;35(4):323-331


Introdução - Funções do rim

Eritropoetina:

Hormônio responsável
pela produção de
hemácias na medula
óssea.

Guyton & Hall, 2017


Doença Renal Crônica (DRC) - Definição e diagnóstico

Alteração na função e/ou a estrutura dos rins presente por mais de 3 meses,
com implicações para a saúde (KDOQI, 2014).

Está associada à perda progressiva e irreversível de um grande número de néfrons


funcionais.

Cuppari, 2019; KDOQI, 2014


Doença Renal Crônica (DRC) - Definição e diagnóstico

Cuppari, 2019; KDOQI, 2014


Doença Renal Crônica (DRC) - Classificação

Determinação da TFG – equação


CKD-EPI (adultos):

•Para mulheres, são usados os seguintes valores:


Sexo = 1,018; alfa = -0,329; kappa = 0,7.

•Para homens, são usados os seguintes valores:


Sexo = 1; alfa = -0,411; kappa = 0,9.

Calculadora online da TFG

KDOQI, 2014
Causas da DRC
Hipertensão
Diabetes Mellitus
Glomerulonefrites crônicas
Infecções (pielonefrites, tuberculose)
Lúpus
Litíase renal
Rins policísticos
Nefrotoxinas (analgésicos, metais pesados)...

Guyton & Hall, 2017; Cuppari, 2019


Redução do número de
Fisiopatologia néfrons

Resposta inicial: hipertrofia e


Fibrose e esclerose vasodilatação dos néfrons
glomerular - progressão da remanescentes - aumento do
lesão renal fluxo sanguíneo, TFG e maior
Perda progressiva e débito urinário

irreversível de um grande
número de néfrons
funcionais.
Respostas imunológicas,
Sobrecarga dos néfrons
inflamatórias e hormonais
remanescentes - hipertensão
CICLO VICIOSO! decorrentes do intenso
tráfego de PTN.
glomerular

Lesão na estrutura glomerular,


perda da seletividade da
membrana e passagem de
macromoléculas (proteínas)

Guyton & Hall, 2017; Cuppari, 2019


Fisiopatologia

Nitrogênio em excesso é tóxico


- UREMIA!

Krause, 2018
Fisiopatologia

- Edema
- Hipervolemia
- Hipertensão
- Anemia (deficiência de EPO)
- Hipocalcemia –> Hiperparatireoidismo secundário - hiperfosfatemia
- Osteodistrofia
- Acidose metabólica (menor excreção de íons H+ menor reabsorção de
bicarbonato)

Guyton & Hall, 2017; Cuppari, 2019


Terapia Renal Substitutiva (TRS)

HD – HEMODIÁLISE: É um procedimento que retira as impurezas do sangue, através de um acesso que


pode ser uma FAV (Fístula Artério Venosa) ou Catéter. Todo o procedimento é realizado através de uma
máquina de diálise que funciona como um rim artificial. É o procedimento dialítico mais utilizado no Brasil.

Riella, 2013
DIÁLISE PERITONEAL: Um líquido de diálise é colocado na
cavidade peritoneal (abdomen) e drenado, através de um cateter (tubo flexível
biocompatível).

Riella, 2013
DIÁLISE PERITONEAL AMBULATORIAL CONTÍNUA (DPAC): realizada diariamente
e de forma manual pelo paciente e/ou familiar. Geralmente 4 trocas ao dia (manhã,
almoço, tarde, noite), sendo que o tempo de troca leva aproximadamente 30
minutos. No período entre as trocas, o paciente fica livre das bolsas.

DIÁLISE PERITONEAL AUTOMATIZADA (DPA): realizada todos os dias,


normalmente à noite, em casa, utilizando uma pequena máquina cicladora, que
infunde e drena o líquido, fazendo as trocas do líquido. Antes de dormir, o paciente
conectase à máquina, que faz as trocas automaticamente de acordo com a
prescrição médica

Riella, 2013
Aspectos
nutricionais da
DRC
DRC e estado nutricional

Ingestão
PREVALÊNCIAS

•Fase não dialítica:


11 - 54%
DESNUTRIÇÃO
•Fase dialítica:
28-54%

Catabolismo
proteico

Chan W. Chronic Kidney Disease and Nutrition Support. Nutr Clin Pract. 2021;36(2):312-330. doi:10.1002/ncp.10658
DRC e estado nutricional

Ingestão
+
Catabolismo
=
DESNUTRIÇÃO

Chan W. Chronic Kidney Disease and Nutrition Support. Nutr Clin Pract. 2021;36(2):312-330. doi:10.1002/ncp.10658
DRC e estado nutricional
Indicadores de desnutrição:

- Perda de peso não intencional


- IMC < 18km/m2
- Ingestão insuficiente de energia e proteínas (GPID <2% - indicativo de baixa
ingestão)
- Redução da força e funcionalidade do músculo (sarcopenia)

Qualidade muscular é mais


importante que quantidade
muscular!

BRASPEN, 2021
Avaliação da função muscular (BRASPEN) - Pontos de corte

Força de Preensão Palmar (Dinamometria):


H=22,5kg
M=7,0kg
Velocidade de marcha (4m):
< 0,8m/s

BRASPEN, 2021
Dietoterapia nas
diferentes fases
da DRC
Objetivos da dietoterapia na DRC

Manter estado nutricional (EN) adequado

Prevenir ou corrigir alterações do EN

Prevenir ou minimizar a toxicidade urêmica

Prevenir ou minimizar as alterações metabólicas

Tratar as comorbidades

Retardar ou impedir a progressão da doença renal

Shills, 2016; Cuppari, 2019


Dietoterapia

TÓPICOS QUE SERÃO ABORDADOS


➢ Recomendação de proteínas
➢ Recomendação de energia
➢ Controle de fósforo, potássio e sódio
➢ Recomendação e suplementação de vitaminas e oligoelementos
➢ Recomendação de proteínas - Fase não dialítica

Acúmulo de toxinas urêmicas Evita sinais clínicos


e retarda início da diálise

Restrição proteica

Hiperfiltração renal e fibrose intersticial Retarda a queda


na TFG

Cuppari, 2019; KDOQI, 2020; BRASPEN, 2021


❖Quantidade de proteína

DM,
Estágios 1-2 Estágios 3-5 desnutrição,
idade avançada

0,6 a 0,8g/kg 0,8g/kg


0,8 a 1,0g/kg
(Braspen) (Braspen)

50% Alto valor biológico

Cuppari, 2019; KDOQI, 2020; BRASPEN, 2021


Benefícios
Estágios • Redução da proteinúria
4-5 • Preservação da TFG
• Melhora de complicações
(acidose metabólica, RI e
0,3 a 0,4g/kg + distúrbios do metabolismo
cetoanálogos ou mineral e ósseo)
aa essenciais
Dificuldades
• Atingir a meta calórica
• Os cetoácidos compreendem a mesma cadeia carbônica adequada
de um aa essencial porém, sem o nitrogênio. • Adesão à dieta
• Custo
• No fígado, o cetoácido recebe um nitrogênio formando,
assim, o aminoácido essencial correspondente. Dose:
1 comprimido para cada 5kg de
• Dessa forma é possível utilizar o excesso de nitrogênio peso corporal
circulante e suprir as necessidades de aa essenciais

Cuppari, 2019; KDOQI, 2020; BRASPEN, 2021


➢ Recomendação de proteínas - Fase dialítica

- Perda de aa e PTN durante o processo de diálise

Necessidade proteica - Dificuldade de síntese proteica

aumentada - Hipercatabolismo proteico muscular (acidose, inflamação....)

Braspen:
1,2g/kg

KDOQI, 2020; BRASPEN, 2021


ASPEN, 2021
Tipo de proteína: proteína vegetal X proteína animal

Benefícios da PTN vegetal sobre os rins:


❖ Menor carga ácida
❖ Menor quantidade AG sat Um padrão de dieta baseado em
alimentos vegetais trás mais
❖ Menor quantidade de P biodisponível benefícios do que uma dieta
apenas com fontes proteicas
vegetais!
-> Efeitos diretos sobre a TFG:
Sem diferença!

BRASPEN, 2021
Qual peso usar?

❖ Peso Aferido/estimado

Sem consenso!
❖ Peso ideal
Julgamento
❖ Peso ajustado clínico!

❖ Peso livre de edema (Seco)...


➢ Recomendação de energia

❖ Necessidade calórica semelhante a indivíduos saudáveis.


❖ Calorimetria - padrão ouro!
❖ Equações estimativas - superestimação do GET

• Massa muscular
Fórmula de bolso: Fatores
• Função tireoidiana
• Inflamação/ hipercatabolismo
• Comorbidades
interferentes
30-35kcal/kg • Atividade física
• Idade

(com e sem diálise)


Ajustes para obesidade e desnutrição!

BRASPEN, 2021
❖ Controle de fósforo, potássio e sódio

Fósforo
Monitorar níveis séricos, manter dentro da normalidade.

Nos casos de hiperfosfatemia:


• Restringir alimentos ricos em fósforo inorgânico em fósforoinorgânico (alimentos
processados, embutidos, queijos processados, refrigerantes à base de cola...)
• Pacientes em diálise - priorizar alimentos com baixa taxa Fósforo /PTN e evitar
laticínios

BRASPEN, 2021
❖ Controle de fósforo, potássio e sódio

J. Bras. Nefrol. 2008;30(1 suppl. 1):27-31.


❖ Controle de fósforo, potássio e sódio

Potássio

Monitorar níveis séricos, manter dentro da normalidade.

• Evitar restrições desnecessárias


• Considerar a influência de outros fatores não dietéticos
• Se necessário, controle da ingestão de alimentos ricos em potássio

BRASPEN, 2021
Cuppari, 2019
CARAMBOLA
PROIBIDA!!!
❖ Controle de fósforo, potássio e sódio

Sódio
Cátion extracelular responsável pelo equilíbrio dos fluidos corporais.

• Balanço de fluidos corporais pode estar comprometido na DRC.


• Restrição auxilia no controle da PA e do edema

Individualizar e ajustar conforme


Recomendação geral: PA, TFG, estado de hidratação,
<2300mg por dia GPID, perdas GI (vômitos e
(1g de sal=400mg de sódio) diarreia), glicemia, presença de
acidose....

BRASPEN, 2021
292mg
❖ Recomendação e suplementação de vitaminas e oligoelementos

BRASPEN, 2021 e ASPEN, 2021

Vitaminas e oligoelementos: mesma necessidade de pessoas


saudáveis (dieta + suplementação = RDA)

Suplementação mandatória apenas em casos


de deficiência/ insuficiência com base em sinais e sintomas
clínicos
Manejo
nutricional da
DRC no SUS
Fluxo da SMSA - PBH
Praticando...

Caso clínico
S. R. T., sexo feminino, negra, 65 anos. Procura atendimento devido a diagnóstico de
DRC, proposta de tratamento conservador. No momento da consulta encontrava-se
em ciclo de ATB por 10 dias para tratamento de ITU.

História clínica:
Diagnóstico de DRC possivelmente estágio 3, iniciou tratamento com nefro. Cr e Ureia
elevados, ausência de albuminúria, edemas e hematúria, P e K em níveis adequados, PTH
reduzido, CT e LDL elevados, Anemia microcítica hipocrômica (Anemia ferropriva + anemia
por doença crônica??).
Perda de peso gradual nos últimos 2 a 3 anos, acentuada recentemente, redução de 1 – 2kg
nos últimos 15 dias. Relata apetite reduzido há 2 anos, depois de começar a trabalhar
sozinha. Queixa de sintomas sugestivos de quadro depressivo. Relata já ter feito
acompanhamento psicológico anteriormente.
Exames:
Ca T= 10,7; K=4,1; Na=134; HDL=47,2; LDL=178,1; CT=241,8; TGL=82,7; Cr=2,44;
Ur=45,3; P=3,4; GJ=86,4; PTH = 2; Hem=5,72; Hb=11,9; Ht=37,6; VCM=65,7;
HCM=20,8; ChCM=16,5; Leuc=10210; Plaq=294000; Ac Uric na Urina 5,2

ClCr=23,29
Exame físico

Hipocorada, abdomen
plano, hidratada,
atrofia moderada da
musculatura de MMII,
MMSS, supra e
infraclavicular, temporal
bilateral

Diagnóstico nutricional:

Desnutrição moderada
CONDUTA NUTRICIONAL:

Necessidades nutricionais:
Energia = 30-35kcal/kg PRESCRIÇÃO INICIAL
Prot= 0,6-0,8kcal/kg
Potássio = níveis adequados
Fósforo = níveis adequados
Na = 2,300mg/dia
Ca= 1200mg/dia (RDA idosos)
VitD= 800UI (RDA idosos)
Reavaliação em 2 meses:

Paciente retorna com a filha. Exames recentes demonstrando redução nos níveis de creatinina e
potássio sérico em valores estáveis. Relatam boa adesão ao plano alimentar e melhora na ingestão,
fato este que resultou em melhora do estado nutricional. Hábitos fisiológicos preservados (diurese
presente sem alterações em cor, odor, aspecto e volume. Uma evacuação diária com fezes pastosas.
Mantém flatulência e desconforto abdominal, relatando alguns alimentos que identifica como
sintomáticos (batata doce).

-Reavaliação antropométrica: aumento de peso (+1,4kg), CB, CP, CC, CA e CQ.

-Ao exame: hidratada, hipocorada, abdômen plano algo distendido, sem edemas, sinais de atrofia
muscular ainda presentes (atrofia supra e infraclavicular, temporal bilateral e torácica)
Sophiahcmoreira@gmail.com
@sophiamoreira.nutricao

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