>> SHADOWRUN • FICÇÃO AMPLIADA <<
Eu deixo a água quente escorrer pelo meu corpo. Mas não
estava quente o bastante. Eu preciso que esteja realmente
quente; escaldante. Há algo na água quente que faz com
que você se sinta mais limpo, mais fresco. Tudo que eu
consegui foi aquele estado desagradável entre o calor e
o frio, aquele quente o suficiente para que você queira
acreditar que é quente, mas não: você sabe que é uma
mentira. A cortina do chuveiro possui uma tira de plásti-
co transparente ao nível dos olhos. É um plástico espesso,
mais translúcido do que transparente, na verdade. Isso faz
com que o banheiro além dela, com aquela lâmpada incô-
moda de neon cintilante, pareça surreal. Como um sonho
de merda.
A empresa me enfiou no hotel Ramada mais fodido
que já estive. Tinha algo haver com uma convenção na
área; todos os hotéis estavam lotados, e essa foi a única
coisa que eles conseguiram arrumar. Que seja. Meu quar-
to cheira a fumaça velha, com uma pitada de suor india-
no. Essa última parte não é racista. Estou falando sério. Os
proprietários são indianos e moram no hotel. São eles que
cozinham a comida daqui, obviamente. Esse cheiro de es-
peciarias fica em toda parte. Indianos de merda. Taí, isso é
racista. Que se fodam.
Eu faço o que tem que ser feito. Me lavo. Me barbeio.
Vou até o “lobby” — sim, entre aspas, porque aquilo não
é nenhum raio de lobby — e tomo meu “café da manhã”.
Claro, estou azedo, mas tenho coisas para fazer. O cor-
po precisa de um bom começo. “Comida mais importante
do dia”, et cetera e tal, de acordo com a tela piscante de
RA. O que eu recebo em vez disso? A porra de um ce-
real que mais parece papelão. Há um aparelho para fazer
waffles, mas tenho comido waffles há dias. Sim, é possível
enjoar de waffles. Sim, eu também não sabia disso. Então,
o cereal de papelão é o que tem pra hoje. Há um grupo
de quatro orcs marrons. Não sei de qual nacionalidade,
talvez indianos, talvez do Sri Lanka, quem sabe. De qual-
quer forma, eles se aglomeram em uma hora maldita da
manhã, como eu, e tomam café da manhã, como eu. Eles
estão cobertos de manchas de tinta branca, então eu acho
que são pintores ou trabalhadores de algum tipo. Prova-
velmente deSINados, ou imigrantes ilegais. Posso dizer
que eles estão mortos por dentro. Todas as manhãs eles
tomam café da manhã aqui, provavelmente porque não
custa nada. Eles devem conhecer os proprietários. E eu
posso dizer que eles estão mortos por dentro, porque eles
não aspiram a mais nada. Eles não esperam por mais nada.
Eles estão no fundo da sociedade. Eles seguem com a vida
deles, e é isso.
Eles fazem com que eu me sinta melhor.
Estarei fora daqui em mais dois dias, de volta a Ma-
nhattan. Foda-se Alpharetta, Geórgia. O que caralhos eu
estou fazendo aqui? Sim, eu tenho mesmo algo a fazer por
aqui. O que eu pareço fazer é fornecer treinamento para
um grupo de funcionários de contabilidade sobre o mais
novo sistema de ERP Sherpa da Renraku. Esse não é o meu
trabalho de verdade, mas acontece que eu realmente sei
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algo sobre essa merda. Aprendi isso em uma vida anterior,
que é um conceito que meus senhorios do hotel deveriam
entender.
De qualquer forma, hoje é o terceiro dos quatro dias
do treinamento que estou dando. Está indo bem. Curio-
samente, porém, a classe é composta por seis funcioná-
rias de contabilidade. E isso é interessante precisamente
por serem funcionárias de contabilidade. Não é um posto
muito alto na escada corporativa, entende? Isso significa
que essas garotas não estão acostumadas a receber aten-
ção. Elas não estão acostumadas com consultores como
eu. Elas não estão acostumadas com a confiança que eu
exalo. Eles acham que eu sou interessante, que eu sou
um solteirão ricaço bonitão, e elas me querem. Duas das
meninas criaram uma relação de rivalidade. Claramente,
isso é uma continuação de questões de trabalho, lutas por
poder, choque de personalidades dominantes, esse tipo
de merda. O motivo pelo qual estão lutando agora é mi-
nha atenção: quem responde mais das minhas perguntas?
Para quem eu digo “Isso mesmo!” com mais frequência?
Ah, porque eu sou diferente quando dou um treinamento.
Sou amável e profissional. Eu sou incrível! Você é incrível!
Não somos todos incríveis? Então, que seja, eu decidi co-
mer essas duas garotas.
A primeira foi ontem. É uma garota meio magrela. Eu
acho que ouvi dizer que é parte nativa americana ou algu-
ma coisa assim — como se eu me importasse. Ela é legal
até demais. A garota realmente quer me agradar, como se
ainda precisasse que eu dissesse “Isso mesmo!” o tempo
todo. Ela é um doce, mas sabe como é, um pouco demais.
Me dá cáries.
A próxima é um pouco mais desafiadora. Eu gosto dis-
so. Eu diria que está se fazendo de difícil, mas não é bem
assim. Ela é durona. Em algum momento, ao longo do dia,
ela me disse que cresceu nos arredores de Chicago. Coi-
sas assim te deixam durão. De qualquer forma, ela é uma
orc, com um pouco de peso extra, um pouco baixa. Agora,
se você acha que todos os orc são feios, você está lendo
muitos folhetos da Nação Humana. As meninas orc tam-
bém são bonitas; você só precisa abrir seus olhos e enxer-
gar. O que realmente me faz ir em frente é a sua atitude
de garota durona, misturada com um estilo hipster urba-
no. Ela não sabe como dizer que está interessada. Mas ela
está. Está nos olhos dela. Ela também quer; só não sabe
disso. Não, eu não vou estuprar a garota. Ela virá até mim.
De qualquer forma, passo meu dia fazendo esta aula
de treinamento. Um dia inteiro, dez horas ininterruptas de
treinamento. Eu me sinto mal pelas garotas. Os cérebros
delas estão superaquecendo. Bem, isso funciona a meu
favor, em última instância. Ah, tem um momento estranho
em que a Garota Carente me pergunta timidamente sobre
os meus planos para a noite, procurando mais. Ela é insa-
ciável, pelo menos quando se trata de conseguir sua dose
de validação emocional. De qualquer forma, eu abro um
grande sorriso encantador e digo de forma galanteadora:
— Hoje não. O dever chama.
<< NADA PESSOAL 2
>> SHADOWRUN • FICÇÃO AMPLIADA <<
Ela entende e assente vigorosamente. Não à estou
rejeitando. Claro que não, eu tenho trabalho a fazer. En-
quanto isso, os olhos da Gatinha de Chicago me devoram
discretamente de vez em quando ao longo do dia. Mo-
mentos furtivos. Posso ver que a garota está tentando se
manter profissional comigo. Eu mantenho a compostura, é
claro. Ajo como se eu estivesse acima dela. Ela quer estar
no topo. Conheço a dança.
Durante uma pausa, faço discretamente alguns planos
com a Gatinha de Chicago. Ela cora e olha para baixo quan-
do eu flerto com ela, convidando para o que obviamente
vai ser sexo no meu quarto. Um novo quarto de hotel, por-
que eu mexi os pauzinhos que precisava e consegui algo
melhor. Foda-se aquele Ramada. Saindo de lá esta manhã,
vi uma pequena caixa branca na máquina de venda au-
tomática. Estava marcada, com caneta permanente: “CA-
MISINHAS”. Sério, quem faz isso? O novo lugar é muito
melhor. De qualquer forma, acho que Carente suspeita de
nós. Isso vai irritá-la. Ela vai se convencer de que está erra-
da ou, mais provavelmente, vai odiar a outra garota ainda
mais. Mais combustível para o fogo de sua luta de poder
já existente. Que seja — isso é problema delas.
Eu descubro naquela noite, assim que aquele treina-
mento torturante acabou, que a Gatinha de Chicago fode
bem. Eu sabia. Para minha surpresa, ela não tenta me do-
minar. Quem diria? Aquela coisa de garota durona era
só teatro. Ela tem a típica falta de autoconfiança de uma
garota. Está impressionada com como um partidão como
eu gosta dela, mesmo que tenha curvas. Estou só um
pouco decepcionado. Eu achei que ela tivesse mais au-
toestima. Ela agia como se tivesse, mas as coisas mudam
quando as calças caem. Eu a como de quatro, e fico feliz
em ver que ela curte, apertando seus peitões enquanto
saltam, gemendo e se soltando. Ela recupera sua confian-
ça enquanto a como com força. Isso é bom. Um final feliz
para a história. Essa aí é muito melhor do que a Carente.
Eu poderia chegar a gostar dela, mas não está em meu
destino. Tenho uma noite agradável. Ela também, o que
é importante para mim. Eu sabia que é o que ela queria.
Todo mundo sai ganhando.
Então, eu finalmente termino essa merda de trei-
namento e continuo com o meu objetivo real. Dirijo de
volta a Atlanta e reservo outro hotel. O tipo de luxo com
o qual a ralé nem consegue sonhar. Eu troco de roupa e
visto meu terno bom. É de uma marca de uma boutique
pequena que ganhei de um italiano que conheço. Eu gos-
to pra cacete desse terno. Tem um colete preto com tons
de azul marinho. Camisa de cetim preto, também italiana.
Uma bela gravata Louis Vuitton. Sim, eles fazem gravatas.
Essas putas farão qualquer coisa que possam vender, mas
eu respeito essa marca, por um único motivo: Louis Vuit-
ton destrói os produtos que sobram ao invés de vendê-
-los com desconto. É uma merda bem teimosa. Eu gosto
disso. Eu prefiro infinitamente seus itens de couro — eles
ainda são os mestres do material — mas a gravata também
é boa. E, novamente, sapatos do meu amigo italiano, sua
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marca própria. Luko Vera, é como ele chama.
Agora que me sinto eu mesmo novamente, me dirijo
à reunião. É no bar de um hotel, mas não no bar do meu
hotel. Qual foi? Eu não cago onde eu como! Eu usei o ho-
tel do outro lado da rua. É um bom hotel também, com
um bar moderno. A sobreposição de RA é de bom gosto,
aumentando a beleza do físico. Eu gosto disso. Muitas ve-
zes, bares e clubes apenas usam RA como um meio de
reduzir custos no material físico. Meu cara aparece. Ele é
um troll preto com uma grande cicatriz em seu rosto, mas
de olhos inteligentes. Bem, estou prestes a matá-lo, então
ele não pode ser tão inteligente.
O troll se senta no banquinho ao meu lado. Eu aceno
com a cabeça. Ele me dá um olhar de lado e, em seguida,
lança o mesmo olhar para todo o lugar. Então, força um
sorriso e, finalmente, acena com a cabeça. Ele odeia esse
lugar, e ele me odeia. Há muito dinheiro escorrendo de
todos os cantos. Não é o mundo dele. Ele poderia arrancar
essa merda que reveste as paredes, penhorar e alimentar
sua comunidade por uma semana. Se vendesse meu ter-
no, ele poderia finalmente consertar seus ciber-itens da-
nificados e sobreviver mais um mês. Eu entendo. Eu tam-
bém ficaria enojado no lugar dele. Eu tenho empatia. Eu
consigo fazer isso. Quando eu quero. Mas, o fato é, sou eu
quem está calçando os sapatos italianos. E, ao que parece,
seu mundo me desagrada tanto quanto o meu a ele. En-
tão foda-se, vou matar esse cara. Eu deslizo um pequeno
chip para ele, no momento em que minha bebida — uma
bebida extravagante, é claro — chega. Ele coloca um dedo
do tamanho da minha mão sobre o chip e desliza-o para
si mesmo. Posso vê-lo acessá-lo via RA e lê-lo. Bebo mi-
nha bebida, todo inocente. Eu poderia assobiar se minha
boca não estivesse cheia daquela bebida absurdamente
deliciosa, seja lá qual fosse. Cara, é muito boa. Estou feliz
de novo. Foda-se o Ramada e toda aquela merda de trei-
namento. Ou a maior parte disso — eu vou sentir falta da
Gatinha de Chicago.
Ele me traz de volta ao meu trabalho com um grunhido:
— Você tem certeza quanto à segurança? — ele per-
gunta com uma voz incrivelmente profunda.
— Sim — respondo bruscamente, com um tom que in-
sinua que ele está desperdiçando meu tempo, o que tem
o efeito desejado.
Ele me olha com desconfiança, de volta aos dados e de
volta para mim. Então, percebe que fazer mais perguntas
fará com que pareça um idiota. Exceto por uma coisa. Eles
sempre perguntam sobre esse detalhe.
— E o dinheiro?
— Metade agora, metade depois que terminar. São ter-
mos generosos, mas você é altamente recomendado.
Isso aí, merda! Toma essa! Agora ele está desestabi-
lizado! O dinheiro é bom; eu acabei de agir como se ele
estivesse desperdiçando meu tempo, mas agora o estou
elogiando. Uau, olha o que acabou de acontecer, certo?
Eu amo meu trabalho.
Ele move os olhos e parece um pouco mais orgulhoso
<< NADA PESSOAL 3
>> SHADOWRUN • FICÇÃO AMPLIADA <<
do que antes. Mesmo esses caras, mesmo esses assassi-
nos e ladrões e pessoas que dormem com uma arma sob
seu travesseiro, mesmo esses caras engolirão uma mentira
se isso fizer com que se sintam bem. Oh, merda, eu choro
pela humanidade.
— Tudo bem — anuncia.
Então, ele se levanta e sai. Às vezes eles apertam
minha mão, mas nem sempre. Não somos amigos. Não
podemos nem ser considerados contatos comerciais mú-
tuos. Eu preciso dele e ele precisa do meu dinheiro. É me-
lhor assim. Quer dizer, eu teria apertado a mãe dele, eu
o teria olhado bem nos olhos. Bem, ok, talvez eu tivesse
involuntariamente olhado sua cicatriz grande pra cacete,
mas ainda assim — o olharia diretamente nos olhos, aper-
taria sua mão e sorriria. Não me sinto mal por isso. Não me
arrependo. Eu gosto disso com cada pedaço do meu ser.
O barman volta para me olhar. Um jovem bonito, de
feições quadradas. Ele se encaixa perfeitamente com a
decoração. Aposto que é assim que ele conseguiu o em-
prego. Tudo bem, respeito o desejo de um estabeleci-
mento de oferecer produtos bonitos, mesmo que isso se
estenda ao pessoal. É uma merda para quem é feio, mas
o mundo sempre foi assim. Existem empregos lá fora para
pessoas feias. Basta perguntar ao troll feio e grande pra
cacete que acabou de sair.
— Isso é delicioso. O que é mesmo? — pergunto ao
barman, girando meu copo de coquetel vazio.
— Obrigado. Belos Olhos Castanhos. Leva Eagle Rare
Bourbon, beneditino, limão, Ben Marco e um float de Mal-
bec.
— Não brinca! Era vinho o que estava no topo? Nunca
teria pensado que funcionaria.
— Sim. É um dos meus favoritos aqui. Quer outro? —
Informativo, educado, mas de negócios. Eu amo isso. Se
pelo menos todos agissem assim... não teríamos guerras.
Eu recuso e o pago. Tenho pouco tempo para a minha
próxima reunião, o que infelizmente significa que eu te-
nho que mudar de estabelecimento novamente. Regra de
ouro da minha profissão — nunca tenha dois encontros no
mesmo lugar. Não importa se você agendar com horas
de intervalo. Esses merdas sorrateiros ou trocarão o lugar
em um surto de paranoia, ou o primeiro grupo vai enrolar
e enrolar e enrolar e antes que você perceba, vão acabar
esbarrando um no outro. Ugh! Nada profissional, e muito
possivelmente perigoso. Então, vou embora.
Entro em um táxi automatizado a alguns quarteirões.
Eu organizei o encontro em um clube lounge. É no início
da noite, então o lugar tem apenas um punhado de clien-
tes. Sem problemas. Quando eu era jovem e saía com
meus amigos, as pessoas evitavam estes lugares vazios
como se estivessem repletos de VITAS. Eles tinham pavor
de estar em um clube no início da noite. Eu nunca conse-
gui entender. Não ligo. Eles ainda servem bebidas. Ainda
tocam música. Seus amigos estão lá. Esqueça todos os
outros, eles são apenas um ruído de fundo. Sei lá, talvez
eu não seja legal. Ou talvez eu odeie mesmo as pessoas.
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Eu me acomodo, e uma menina élfica bonita com ma-
quiagem bioluminescente me acompanha até o meu lu-
gar. Cara, esses clubes têm um estoque de recepcionistas
bonitas. Garotas bonitas assim sequer existem no mundo
lá fora. Eu digo a ela que gostei da maquiagem. Ela sorri,
me agradece e sai. Ela não podia se importar menos. Estou
pensando mais nesse preconceito de estar cedo no clu-
be. Um cara que aparece sozinho cedo em um clube não
pode ser interessante. Não me entendam mal, não estou
interessada nela. Eu não estou interessado em meninas de
boates. Não são nada além de um refresco rápido para os
olhos. Não é meu estilo. Eu prefiro discussões como a que
tive com o barman; educado, informativo, direto ao ponto.
Eu não tive aquilo naquele momento.
Eu percebo que a menina élfica só está lá para te arru-
mar um lugar para sentar. Outra garota, tão incrivelmente
linda quanto a primeira, vem e me pergunta se eu quero
algo. Eu peço um Old Fashioned.
— Você os faz com laranjas aqui? Ótimo. Ponha uma
laranja nele — acrescento.
Ela quase respondeu à minha pergunta antes de eu
terminar com uma declaração. Eu faço isso às vezes.
Faço uma pergunta, percebo que a resposta é irrelevante
e declaro o que realmente desejo. Algumas pessoas não
gostam, mas isso me ajuda a conseguir o que eu quero.
Eu vou dar uma gorjeta boa o bastante para que valha a
pena.
Não demora muito tempo até meu próximo encontro
aparecer. Eu os vejo entrar e vir na direção de minha
mesa. O cara é interessante. Ele é realmente musculoso,
de tronco grosso, mas ele tem... Bem, eu não sei como
dizer. Digamos que seja um rosto delicado. Um rosto
com sabedoria e erudição nele. Talvez sejam os cabelos
longos, lustrosos e cinzentos que se refletem nos enor-
mes ciberbraços cromos. Eu gosto do estilo dele.
Há uma garota com ele. Desculpe. Mulher. Asiática — eu
diria Japonesa. Na verdade, ela está vestindo algum tipo de
quimono. Uma pintura similar à uma máscara de um guaxi-
nim na cor vermelha adorna seus olhos. Aparência delica-
da. Olhos penetrantes.
Eles sentam-se na minha mesa. Eles se movem com
elegância, de forma sutil. Há um conforto imediato na mi-
nha presença. Algo como respeito, mas também distân-
cia. É uma coisa que nunca muda; eles são runners; eu sou
o Sr. Johnson. Mas não é uma coisa hostil, apenas uma
barreira claramente definida. Eu não entendo muito bem.
Normalmente, é uma briga por status. Quem tem o pau
maior — o runner ou o Johnson. Mas não desta vez. Eu
aceno para eles com a cabeça. O cara grande calmamente
acena de volta. A mulher inclina a cabeça ligeiramente.
Nos sentamos em silêncio por um momento. A garço-
nete volta e anota os pedidos deles. Minha shadowrunner
japonesa lança um olhar nivelado na direção dela com um
sorriso educado por alguns segundos incômodos antes
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>> SHADOWRUN • FICÇÃO AMPLIADA <<
de dar uma sacudida quase imperceptível de sua cabeça.
O cara olha para minha bebida, então diz:
— O mesmo.
Eu dou um sorriso simpático e digo:
— Mais nada para mim.
A garçonete não tinha sequer pensado em me pergun-
tar. Ela se recompõe e faz o melhor que pode para agir
como se estivesse esperando que eu dissesse algo antes
de sair em disparada. Pobre garota — só vai ficar mais difí-
cil para ela assim que o lugar lotar.
O meu convidado fala:
— Eu sou chamado Anjo de Titânio; Anjo, para encur-
tar. Ela é Vaidade. — sua voz é como um mar calmo, mas
com uma leve aspereza na parte de trás da garganta. Ele
também tem um sotaque, que não consigo identificar. Vai-
dade me dá o mesmo olhar nivelado que deu à garçonete,
mas com um meio sorriso assimétrico. Ela não diz nada.
Eu gosto do teatro, mas não é nada que eu não tenha visto
antes.
— Você pode me chamar de Sr. Johnson — eu digo, é
claro. Mas não é o que você diz. É como você diz. Diga
com firmeza, e você está dizendo que não quer saber de
bobagens. Diga ironicamente, e você está dizendo que re-
velar seus nomes não é algo profissional. Estou dizendo
isso de uma forma educada. De forma direta, como um “E
aí?”. Um simples lubrificante social.
Entrego um chip de dados para Anjo.
— Desculpe, eu só tenho um — digo, sem um pingo de
intenção de pedir desculpas. Essa foi uma mensagem de
“você deveria ter vindo sozinho”.
Ele não liga. Então, pega o chip e o lê. Eu olho para
Vaidade. Os olhos dela brilham enquanto ela se mexe um
pouco. Então, qual é o jogo dela? Ela é uma shadowrun-
ner, uma assassina. Elas podem ser bonitas, mas sempre
há garras esperando para sair. Pode ser que ela esteja ape-
nas se divertindo, ou então acha que pode me deixar des-
confortável. Sem problemas. Mas há algo naquele olhar
perdido que me intriga. Ela me faz pensar que a vida é
uma ópera, e ela está olhando para tudo de um assento
no camarote. Talvez sejam os olhos asiáticos inclinados.
Talvez seja a máscara de guaxinim pintada. Talvez seja o
whisky.
Anjo de Titânio termina a captação. A bebida dele já
chegou; ele toma um gole. Então diz algo para a garota
que eu não entendo. Uma língua latina dita bem rápido.
Não era espanhol; português, talvez? Não faço ideia. Con-
fesso que esperava que eles falassem em japonês um com
o outro. Acho que não. De qualquer forma, eu não falo e
não me importo. Há um milhão de maneiras de os shado-
wrunners se comunicarem entre si sem que eu entenda.
Falar em voz alta em uma língua estrangeira é refrescante-
mente mundano.
Vaidade acena com a cabeça e diz o que parece ser um
cruzamento entre “Si” e “Sing”. Eu suponho que ela disse
“sim”.
Ele se volta para mim:
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— Então, haverá uma equipe secundária?
— Sim. Para suporte. — tomo o cuidado de não dizer
“Para distração”.
— O prazo é curto. Normalmente, levaria várias sema-
nas. — ele franziu o cenho. Não o culpo.
— Sim, mas como você pode ver, preparativos exten-
sivos já foram feitos. Vocês possuem informações deta-
lhadas e uma equipe de suporte. — eu gosto de fazer ne-
gócios. Suas objeções são normais, e eu posso ver que
o runner não está apenas se queixando para pedir mais
dinheiro. Ele está considerando todos os ângulos. Eu gos-
to disso, de ver algum maldito profissionalismo, pra variar.
— Como uma regra geral, não fazemos trabalhos inter-
nos.
Eu pisco. Foi Vaidade falando à minha esquerda. Seu
tom flui uniformemente e de forma articulada. Ela me sur-
preende, e eu meio que olho para ela com cara de idiota
por uma fração de segundo a mais do que eu gostaria en-
quanto registro o que ela acabou de dizer.
— Ninguém disse nada sobre um trabalho interno —
finalmente digo, falando lentamente para fazer a pausa
precedente parecer mais natural. Mas, enquanto falo, es-
tou pensando. Meu tom é exploratório. Eles me deixam
processar a informação. Pobre Johnson idiota, não conhe-
ce o meio. Tá legal, beleza. Faz sentido. Tanta informação,
tanto planejamento. Não é difícil descobrir, e é, na verda-
de, algo que a Renraku rotineiramente faz para testar os
runners. Eu simplesmente não me liguei em pensar nisso
até agora. Uma metade do meu cérebro me diz que está
tudo bem, que é melhor ainda se for um trabalho interno.
A outra metade do meu cérebro está mandando um pe-
queno alarme que há algo que estou deixando passar. Eu
não gosto disso, mas tenho que ignorar esse alarme no
momento, porque tenho que fazer esses shadowrunners
aceitarem o trabalho. Quem não aceita trabalhos internos?
Tipo, sério, quem liga?
— Suas convicções pertencem a vocês. Tenho certeza
de que vocês têm seus motivos. Não estou aqui para im-
plorar. Vocês conhecem os termos. Vocês topam ou não?
— a verdade é que eu meio que tenho que implorar se eles
disserem não. Eu não tenho uma equipe de reserva para
preencher essa vaga. Espero que eles não saibam disso.
Vaidade me dá um pequeno sorriso encantador e dei-
xa a frase no ar. Meus olhos se estreitam.
— Qual o seu nome? — ela me pergunta.
Ah, merda. Eu não gosto dela. Ela é transparente sobre
como está tentando chegar até mim, e o fato de que está
funcionando, mesmo um pouco, me irrita.
— Martin — respondo, mantendo contato visual. Não
estou prestes a me deixar intimidar por ela.
“— Bem, Martin, há alguma coisa em você que eu gos-
to. Vamos pegar o trabalho. Nos encontraremos na Ópera
em duas noites.
Eu solto um suspiro que não percebi que estava segu-
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>> SHADOWRUN • FICÇÃO AMPLIADA <<
rando, mas em silêncio. Eles se levantam com a mesma
fluidez e graça com que se sentaram. Vaidade se inclina,
aproximando o rosto do meu. Eu faço um esforço sobre-
-humano para olhar em seus olhos e não em seus seios
suspensos. Veja, sou profissional.
Ela fala devagar, mas com um fluxo incrível e áspero
em suas palavras, como uma cachoeira taitiana.
— Nós levaremos cinquenta por cento do pagamento
como adiantamento, e nós vamos querer dez mil neoie-
nes a mais do que você ofereceu.
Estou hipnotizado por seus lábios vermelhos perfeita-
mente articulantes, coloridos pelo mesmo tom que a ma-
quiagem da máscara de guaxinim. Ela não está pedindo
nada que não estivesse preparado para dar, mas eu a dei-
xo acreditar que suas técnicas são o que está ganhando o
dia. Eu não digo nada enquanto eu olho para seus olhos, o
que é tudo o que ela precisa saber.
Ela quebra o feitiço e se junta a Anjo na porta para saí-
rem.
Na rápida viagem de táxi de volta ao meu hotel, envio
uma mensagem de texto para o meu chefe: “Equipes con-
tratadas, dentro do orçamento. Sem problemas. Próximo
relatório na quinta-feira.”
Olho para as torres de vidro do centro da cidade a al-
guns quarteirões do meu próprio hotel, também uma torre
de vidro. Capital do CAS, hein? É de boas, mas não gos-
to muito daqui. Vou ficar feliz em voltar para Manhattan.
Acho que vou tirar umas férias depois disso.
Estou bem cansado quando chego no meu quarto. Eu
sou um pouco fraco quando se trata de álcool, e minhas
bebidas me deixaram com sono. Eu ligo o trid, só para ter
algum tipo de ruído de fundo, e escovo meus dentes. Ad-
miro o banheiro e reflito o quanto esse hotel é o melhor
do que o Ramada. A vida é assim, na verdade. Não se trata
do que você tem, ou de onde você está. É de onde você
veio e o que você teve. É o delta. A diferença entre e teve
e tem. De certa forma, sou grato ao Ramada. Faz com que
eu aprecie o que tenho agora. Paro por um minuto para
pensar no troll com a cicatriz no rosto. Eu me pergunto se
ele ficará feliz perseguindo meu neoiene corporativo. Mas
ele não é muito interessante, e estará morto em menos
de vinte e quatro horas. Um lampejo do rosto de Vaidade
entra em minha mente, curvada e quase sussurrando sua
negociação na minha cara. Meu pau se mexe um pouco.
Abaixa aí, garoto.
Volto para minha cama. Eu percebo que o meu com-
-link está mostrando uma nova mensagem. Exceto que
não é o meu serviço normal de Matriz. Ela chama minha
atenção. Eu me sento na minha cama, com a minha camisa
meio desabotoada, olhando meu com. Eu vejo um ARO
girando no meio do ar, usando um ícone incomum. En-
tão, olho mais de perto e vejo que está usando uma rotina
de criptografia que eu não via há anos. Um tempo atrás,
fiz parte de um teste para um novo aplicativo de comuni-
cação seguro pela Renraku construído para nós Johnsons.
Eu trabalhei em estreita colaboração com o programador
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principal que o fez para nós, e os testadores eram eu, meu
chefe na época, e um colega, Matthew. O projeto foi en-
gavetado depois que a sede decidiu usar outra solução,
que agora está em uso generalizado. Então, na verdade,
existem apenas três outras pessoas no mundo que podem
se comunicar comigo dessa forma, se eu incluir o progra-
mador. Abro a mensagem segura, que é apenas de texto.
“Você está sendo queimado. Este é um trabalho de
queda. Eles estão vindo te pegar. Se esconda. Farei o que
puder, mas isso é grande. —Lobo”
Lobo é Matthew. É de uma piada interna que só nós
dois conhecemos, então, combinado com o canal su-
persecreto, estou começando a achar que ele fala sério.
Merda. Minha mente congela. Em vez de pensar a toda
velocidade, eu simplesmente me sento como um idiota.
Funciona, cérebro inútil, funciona! Por que não consigo
pensar em nada? Desligo o trid com um sacudir de minha
mão.
Há um ruído suave e trêmulo do lado fora da minha
porta, como pés contra um tapete, que, de forma suspeita,
param no momento em que desligo o trid. Fico em silên-
cio. O que quer que esteja do outro lado também fica em
silêncio. Um segundo se estende em dois, três... quatro.
Meu cérebro volta a funcionar, assim, do nada, boom. Eu
começo a me mexer. Pego meu com-link. À medida que
me mexo, a presença fora da porta também deve ter che-
gado à mesma conclusão que eu de que a festa começou.
Há um som de farfalhar. Eu ouço o leitor de cartão da mi-
nha porta apitar e ela se abre. Um elfo alto com um coque
no topo de seus cabelos brancos, rosto pintado de branco
e ciberolhos completamente negros aparece na entrada.
Ele está carregando uma lâmina. Claramente, não é o ser-
viço de quarto. Ele se dirige direto para mim. O brilho em
seus olhos é inconfundível. Se você algum dia tiver o infor-
túnio de ficar cara a cara com alguém que, sem qualquer
dúvida, decidiu acabar com sua vida, é algo que você nun-
ca esquecerá. Sem chances de negociação, sem chances
de rendição, sem chances de dizer que suas decisões de
vida foram ruins e que você agora percebe o erro de seus
caminhos. Você só quer cair de joelhos e desistir de tudo,
voltar para a escola, fazer uma nova vida. Você vê flashes
de você comendo cereais quando era um menino de oito
anos com sua mãe amorosamente limpando sua bagunça,
e você vê a primeira pessoa que você beijou e lembra-se
de como que o céu se parecia em um dia particularmente
claro, e você se pergunta como tudo deu errado.
Sim, tudo isso, mas não hoje. Eu não vou morrer hoje.
Isso é tudo o que tenho a dizer sobre o assunto. Isso é tudo
ao que isso se resume. Eu pego o objeto mais próximo,
que por acaso é um abajur, e o lanço em seu rosto. Não é
exatamente um golpe mortal — só consegui deixá-lo com
raiva. Mas ele retardou sua velocidade apenas o tempo
suficiente para eu alcançar minha camisa e pegar uma pe-
quena bola de vidro que pendurei em uma corrente que
levava no pescoço; Foi um presente de despedida de uma
namorada. Ou “da” namorada, para ser mais preciso. Ma-
<< NADA PESSOAL 6
>> SHADOWRUN • FICÇÃO AMPLIADA <<
rie foi a única namorada de verdade que já tive. Depois
dela, eram apenas garotas. Nós tentamos por um tempo,
nós tentamos mesmo, e eu até investi tempo e emoções
e todo esse lixo naquela merda, mas acabou de qualquer
maneira, como todas as coisas eventualmente acabam.
Antes de nos separarmos de vez, ela me deu esse peque-
no presente. Ela sabia o que eu fazia para ganhar a vida,
e ela disse que se eu alguma vez tivesse problemas, eu
deveria quebrá-lo. Eu acredito na palavra dela e, como ela
era uma maga, acredito que só podia dar em alguma coisa
boa. Um último salto de fé para ela.
O Elfo Assassino Psicopata volta para mim, e estou no
alcance de sua faca. Eu surpreendo o babaca quando eu
ataco, esmagando minha pequena bolinha em seu rosto.
A luz se espalha brilhantemente branca, e ele voa através
da sala, levando parte da cama com ele. Há uma grande
rajada de vento, um monte de merda sai voando pra todo
lado. Nada mal. Mas ele ainda está vivo. Qual é, Marie,
você não poderia ter me dado algo letal? Ah, bem.... Esse
era mesmo o estilo dela. Ela era uma pessoa muito melhor
do que eu jamais fui, e é por isso que as coisas não funcio-
naram entre nós. Mas eu posso me afundar nas memórias
mais tarde. Por enquanto, eu salto a bagunça no chão e
saio correndo do meu quarto. E quero dizer com isso que
eu corro mesmo. Atravesso o corredor acarpetado e che-
go às escadas. Logo antes de atravessar a porta da escada,
vejo o Elfo correr para o corredor. Ele vira o caminho erra-
do, não me vê e volta. Então ele me vê. Cara, ele parece
estar puto. Dá pra ver a porra da fúria em seus olhos. Mas
não é nada comparado ao olhar em seu rosto depois que
eu puxo o alarme de incêndio.
Um velho sino escolar estridente começa a tocar alto,
muito alto. Agora que eu enfureci o meu pretenso assas-
sino, eu explodo em corrida pelas escadas. Posso ouvir o
elfo logo atrás de mim. Felizmente, eu só estou no décimo
andar; sim, só isso. Não tenho ideia de como isso vai ter-
minar. Estou correndo pelas escadas, pulando os últimos
quatro, cinco degraus, aterrissando, virando, correndo
pela próxima área plana, e assim por diante. O elfo está
fazendo mais ou menos o mesmo, exceto que ele está se
saindo melhor nisso. Meus tornozelos e as solas dos meus
pés estão me matando depois todos aqueles saltos nas
escadas. Mas ele não parece muito incomodado. Eu tenho
meus bons sapatos italianos. Ele tem coturnos. Eu percebo
que estou em desvantagem.
No entanto, no terceiro andar, assim que ele está pres-
tes a saltar sobre mim, com apenas meio lance de escada
entre nós, as pessoas entram na escada com a gente. Isso
mesmo! Alarme de incêndio em um hotel; não pode usar
elevadores, certo? Agora, eu sei que aquelas malditas tes-
temunhas não o impediriam de me cortar. Eu também não
espero que um agente da SWAT fora de serviço por acaso
esteja por ali e decida me ajudar. Tudo o que preciso são
escudos de carne. Ok, isso é um pouco sem coração. Mas
eu prefiro ser um cara sem coração do que um cara morto.
Empurro o primeiro cara que eu consigo alcançar na
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direção do elfo. Com efeito mínimo — o elfo joga o sujeito
sem esforço contra a parede. O cara atinge a parede com
tanta força que vejo sangue enquanto ele geme em uma
arfada profunda. O elfo abre um sorriso cruel. Ele gostou
disso. O sadismo e os assassinos de aluguel andam de
mãos dadas.
Eu fujo em disparada novamente. Eu sinto o elfo agar-
rar meu colarinho. Perco um pouco de equilíbrio e esbarro
em mais pessoas ao cair na escada, pessoas que pararam
para observar o movimento, como ovelhas. Eu me enfio
entre dois caras deslumbrados, e agora nós quatro esta-
mos tropeçando na frente do rebanho de espectadores.
O elfo apunhala a minha cara, em um movimento rápido
e profissional destinado a acessar meu cérebro passando
pelo meu olho. Mas, por causa das pessoas entre nós, ele
erra o alvo, passando de raspão por minha têmpora. Dói
pra cacete, e eu sinto o quão insanamente afiada é a sua
lâmina croma. Eu consigo empurrar algumas pessoas na
direção dele. O psicopata esfaqueia o primeiro cara, sim-
ples assim. O cara grita, tenta segurar as tripas, e se inclina
contra a parede. O pânico finalmente se instala no reba-
nho e há gritos, berros e avisos. É engraçado como coisas
assim funcionam. É um bando de estranhos em uma es-
cadaria; ninguém se conhece. Um maníaco com uma faca
golpeia um deles. De repente, eles são como um. Um re-
banho se apoiando, defendendo-se contra um predador.
Instinto pré-histórico, ancestral. Todos se voltam contra
ele. Dois caras corpulentos tentam agarrar seus braços,
empurrá-lo de volta. Outro homem tenta desarmá-lo.
É um sentimento bonito, mas estamos em 2076 e esse
elfo é um profissional. Ele tem aprimoramentos. Ele não
liga de matar pessoas e é forte demais para que eles o
superem. Ele revida fatiando, socando e dando joelhadas
em suas cabeças. Ele fez uma bagunça sangrenta. Eu não
vejo os detalhes, porque eu fui embora no segundo que
o agarraram, mas, a partir dos sons, eu deduzo o que se
sucedeu. Três vidas, três segundos completos de distância
entre eu e o Destruidor.
Eu alcanço o nível do solo e disparo pelos pisos acar-
petados do lobby. Há mais pessoas, todas saindo len-
tamente, se perguntando se o alarme de fogo é real ou
algum tipo de exercício irritante. Eu ouço murmúrios en-
quanto eles se perguntam o que está acontecendo. Os
comentários mais altos e mais ousados fazem piadas pas-
sivo agressivas sobre como o hotel deve reembolsá-los
por seus problemas. Então, quando percebem que estou
correndo entre eles como a porra de um foguete, eles he-
sitam entre pensar que eu sou um idiota por levar esse
alarme tão a sério, e se perguntar se eu sei de algo que
eles não sabem.
A última opção se mostra como a resposta evidente no
momento em que o elfo cruza o lobby a toda velocidade
atrás de mim. Ele está coberto de sangue, os braços ver-
melhos até os cotovelos, e há respingos em suas roupas
e seu rosto pintado de branco. Ele não é discreto. A este
ponto, algumas pessoas estão chamando a polícia, mas
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>> SHADOWRUN • FICÇÃO AMPLIADA <<
isso não me ajuda a curto prazo.
E assim, eu malho. Eu vou pra academia, e eu tenho
um aplicativo de treinador virtual no meu com-link que
me diz exatamente o que fazer para alcançar meu objeti-
vo declarado de perder peso e ganhar massa. Inclusive eu
me orgulho de conseguir treinar consistentemente duas
vezes por semana. Mas isso faz de mim um atleta? Ab-
solutamente, sem sombra de dúvidas, não. Eu não chego
nem perto de estar tão em forma quanto meu persegui-
dor. Então, dado o esforço da perseguição, acho que vou
vomitar meus pulmões em breve. Minha respiração é dura
e superficial. Estou começando a enxergar em túnel e a
sentir dores no peito. Tudo o que ouço é o sangue bom-
beando nos meus ouvidos. Minhas funções de pensamen-
tos mais complexos já foi jogada pela janela. Estou seguin-
do baseado em puro instinto. Em uma corrida direta, estou
morto. Enquanto ele evidentemente prefere facas, devo
supor que o elfo deve ter uma arma. Isso significa que eu
preciso encontrar uma cobertura, e eu preciso quebrar a
corrida direta; ótimo, excelente plano. Como posso fazer
isso? Meu cérebro chapado de adrenalina fornece a única
resposta lógica: correr para o meio do trânsito.
O hotel fica no meio de Atlanta, de frente para uma
avenida agitada, com carros lustrosos zunindo, sua efi-
ciência de alta velocidade controlada pelo GradeGuia. Eu
corri direto para o tráfego, dando um jeito de não mor-
rer instantaneamente. Motoristas de olhos arregalados
acionam substituições de emergência para desativar o
GradeGuia, ou o GradeGuia lê o perigo e leva os veícu-
los a uma parada rápida. O fluxo perfeito do tráfego se
desintegra. As pessoas não estão acostumadas aos con-
troles manuais, de modo que aqueles que fazem uso da
substituição adicionam caos à mistura. Um carro atinge o
divisor em um ângulo que o faz voar em espiral e cair de
cabeça para baixo logo antes de deslizar alguns metros.
Um caminhão de entrega bate na lateral de um carro de
passageiros. Estilhaços de vidros de segurança voam para
todos os lados.
GradeGuia detecta o problema e reencaminha os veí-
culos que se aproximavam. Ainda assim, consegui o que
eu queria. Há carros quebrados e detritos ao meu redor.
O que é desejável, porque eu estava certo: o cuzão tem
uma arma. Ele dá uma olhada em mim, me jogando no
meio dos carros e se pergunta: por que fazer isso? Ele tira
uma arma e começa a atirar. Ele acerta alguns carros, acer-
ta pessoas nos carros; quem liga, não é? Eles são danos
colaterais. Existe um tipo estranho de silêncio em toda a
situação. Quero dizer, depois dos acidentes, e assim que
o GradeGuia redireciona o tráfego, realmente não há ne-
nhum ruído. Aqueles disparos — uma bala, uma pausa sig-
nificativa, depois outra — são tudo o que ouço, enquanto
esquivo e procuro cobertura. Você sabe que está ferrado
quando o atirador resolve perder tempo para mirar. Ele
não está preocupado. Ele não está em pânico. Ele vive no
momento. E seu único desejo agora é me matar. Eu ficaria
admirado se não estivesse aterrorizado. Ele está calma-
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mente aproximando-se de mim, flanqueando minha co-
bertura. Ele atira em mim apenas se eu tentar sair. Ele basi-
camente, sozinho, me suprime enquanto flanqueia minha
posição. Cara, eu sou um merda.
TEntão, um momento de pensamento preconceituoso
e desesperado me atinge. Estou em Atlanta, capital dos
Estados Americanos Confederados. Estes caipiras têm ar-
mas, não? Estou abaixado por detrás do Mercury Comet
amarelo que espiralou para longe. O cara lá dentro está
inconsciente. As janelas estão quebradas; uma porta en-
treaberta por conta do impacto. Eu a abro com um chute,
passo por cima do motorista e abro o porta-luvas. Lá, ca-
sualmente, está um Colt L36. Besteira? Não, na verdade,
não. A metade das pessoas que conheço têm uma arma
no porta-luvas, e Atlanta é uma cidade bem tensa em al-
gumas partes, então, para ser justo, não é porque eles são
caipiras. É porque este é o mundo em que vivem.
De qualquer forma, agora que estou armado, as coi-
sas estão parecendo um pouco melhores. Eu me afasto do
carro, aparentemente sem muita cautela, porque uma bala
para cerca de cinco centímetros de distância da minha ca-
beça. Ele agora me flanqueou de vez. Eu o vejo, à minha
esquerda, parado em meio aos destroços que causei com
um sorriso frio e insensível em seu rosto, sua arma apon-
tando para mim. Eu rolo para ele e atiro. Vai se foder, bem
nas tripas! Ele se dobra.
Claro, ele está usando uma armadura. Quem não esta-
ria? Eu só tirei um pouco de ar dele. Em contraste com a
careta feia e furiosa que ele me deu quando puxei o alarme
de incêndio, agora, enquanto ele se desdobra lentamente,
seu rosto é praticamente desprovido de expressão. Eu o
deixei tão puto que ele atravessou a escala e resetou a
zero. E eu estou com medo. Mas eu tenho cérebro o bas-
tante para pensar no meu próximo movimento, simples
e eficaz. Eu atiro em suas pernas. Eu descarrego. Ele não
fica parado para receber os tiros, é claro. O Elfo Psicopata
revida com disparos rápidos enquanto se esquiva para o
lado. Nesses dois segundos completos, ou dois mil mi-
lisegundos, digamos, eu descarrego, ele descarrega, ele
esquiva. E, em um piscar de olhos, tudo acaba. Ainda es-
tou vivo. Ele está no chão. Há uma mancha vermelha na
perna. Todos os meus sonhos se tornaram realidade. Sou
uma princesinha tão feliz.
Acabou. Gostaria de matá-lo, mas não tenho meios
para fazê-lo. Minha munição acabou. Então me levanto
e corro. Sinto algo como uma bola de tênis de concreto
acertar meu ombro. Engulo um rugido de dor enquanto
meus olhos marejam. Eu cambaleio, mas me mantenho de
pé e sigo em frente. Então, mergulho em um beco do ou-
tro lado do hotel. Ouço sirenes. Continuo correndo.
Estou fodido. Absolutamente e completamente. Eis o
motivo: os policiais provavelmente foram chamados vá-
rias vezes e estão chegando. Eles vão procurar principal-
mente o elfo que deu uma de chucky em alguns espec-
tadores inocentes, mas eles também estarão procurando
por testemunhas, as pessoas que o elfo perseguiu, possí-
<< NADA PESSOAL 8
>> SHADOWRUN • FICÇÃO AMPLIADA <<
veis cúmplices — qualquer coisa que possa ajudá-los a ter
alguma ideia do que aconteceu. Isso é ruim para mim. A
este ponto, sou o que eles chamam de “pessoa de interes-
se”. Talvez eu seja um suspeito ou um cúmplice. Há mui-
tos títulos para mim. Em última análise, todos soam como
problemas. Se os policiais puserem suas mãos em mim,
eles vão querer me levar para uma conversa, e isso não é
bom. Eu sou fundamentalmente tão criminoso quanto as
pessoas que eu contrato. Não há anistia especial para os
Johnsons. O que nos salva é uma série de camadas. Em
primeiro lugar, estou vivendo sob um disfarce. Se você se
lembra de como tudo isso começou, eu sou um “treinador
corporativo”. Eu tenho a identidade para provar isso. É um
material bastante sólido, habilmente forjado pela Renraku.
Em segundo lugar, se eu conseguir ser pego, os advoga-
dos da Renraku tendem a sair do nada e libertar seu bom
cidadão corporativo. Alguns acordos, algumas ameaças e
as autoridades locais decidem que seus recursos escas-
sos são melhor gastos em outros lugares, de modo que
o cidadão corporativo é libertado. Eu sei disso porque
fui pego há pouco tempo, em Boston. Eu ultrapassei um
sinal vermelho. Minha identificação, que normalmente é
muito bem trabalhada, tinha uma falha naquela época. Os
policiais ficaram desconfiados; os advogados tiveram que
pagar minha fiança, o dinheiro mudou de mãos e assim
por diante. Não é uma história muito interessante, mas te-
nho certeza de que o hacker que fez minha identidade foi
demitido. Mas estou divagando aqui. A última razão pela
qual os Johnsons são difíceis de se pegar é que nós to-
mamos muito cuidado para nos removermos do caos que
desencadeamos, por isso é muito difícil obter a evidência
para nos encanar.
Todas essas camadas de proteção — todas elas — são
dependentes de nossos empregadores. A Renraku me
protege de tudo.
Mas a Renraku me quer morto.
Esse pensamento nada dentro de mim enquanto
atravesso a cidade, ficando tão longe da cena do crime
quanto possível. Ando pelo que deve ser duas ou três
horas. Então, acho um pequeno canto nas ruas atrás de
algumas lojas. Eu chego a uma área bastante silenciosa,
e a selva de grafites me diz que esta é uma parte ruim da
cidade. Me sento e faço um balanço das coisas. Primei-
ro, verifico cuidadosamente meu ombro. Eu quase tenho
medo de avaliar o dano. Eu tiro meu colete. Sem furo.
Eu toco a pele, e parece que estou tocando a cabeça do
meu pau depois de muito sexo. Eu estremeço, mas vejo
que não há sangue nos meus dedos. Meu terno é ape-
nas levemente blindado. Deve ter sido um tiro de raspão
para não ter penetrado. Coloco meu colete de novo e tiro
meu com-link. Agora, é um farol de morte. Eu o desliguei
um tempo atrás, uma das primeiras coisas que fiz. Parte
de mim quer destruí-lo definitivamente, mas eu preciso
dele. Tem meu passaporte, meu SIN, meus detalhes ban-
cários. Eu simplesmente me asseguro de que está com-
pletamente desligado, sem transmitir nada, e guardo no
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meu bolso.
Então, olho para a noite. Estou tão na merda. Me sinto
traído. Eu amo meu trabalho. Eu não amo necessariamen-
te meu empregador, porque esse tipo de compromisso
é perigoso. Mas eu respeito a empresa, ela sempre me
tratou bem. Eu acredito no que eu faço, e eu faço bem.
Eu ganhei muitos neoienes para a Renraku. Eu não sou
ingênuo. Eu não acredito em lealdade. Lealdade é uma
palavra usada para te forçar a fazer coisas contrárias aos
seus interesses. Eu acredito na igualdade. Presto um ex-
celente serviço à Renraku em troca de uma excelente re-
muneração. É um relacionamento mutuamente benéfico.
Este é o único deus em que acredito; o deus do ganho
mútuo. E agora... isso. Por quê? Isso me enlouquece, me
entristece, me enoja. Mas principalmente, isso me assus-
ta. Penso no meu apartamento em Manhattan. Eu penso
em meus dias de folga, onde fico de pernas para o ar
enquanto jogo em meu equipamento de jogos. Eu amo
simuladores. E penso no quão longe disso estou agora.
Sou arrancado de meus pensamentos de autopieda-
de por um barulho nas ruas. Eu espio. Parece que alguns
gângsteres saíram para um passeio, quatro humanos. Há
um garoto loiro, de cabelos espetados, vestindo um cole-
te à prova de balas cinza e carregando um bastão de ba-
seball. Eu posso ver o brilho de uma arma croma enfiada
em seu cinto. Ele está gritando e zombando e acertando
tudo o que pode com seu bastão de beisebol, dando go-
les em uma garrafa na outra mão. Tem uma garota com
ele. De cabelo rosa chá, ela está andando por aí sem ca-
misa. Seus seios nus estão pintados com estrelas con-
cêntricas amarelas, vermelhas e azuis. Ela também está
virando uma garrafa, e sua caminhada é lenta. Os outros
dois estão tendo uma conversa composta principalmen-
te de palavrões.
Então, faróis aparecem na estrada solitária e abando-
nada. Seja lá quem estiver dirigindo, ou está muito de-
sesperado para chegar a algum lugar ou é incrivelmente
estúpido. Talvez não preste atenção ao que a GradeGuia
está fazendo, trazendo-a até este caminho. Eu apostei
minhas fichas em ser alguma secretária pobre, mãe sol-
teira, escrava de aluguel, presa até mais tarde no escritó-
rio, forçada a completar uma documentação degradante
que talvez não tivesse importância alguma, por algum
chefe cruel que só ama odiar. Sei lá. Mas é o que eu ima-
gino. Talvez eu esteja projetando.
Enfim, hora errada, lugar errado. Os gângsteres todos
berram empolgadamente, sacam pistolas e começam a
salpicar o carro. O motorista ziguezagueia loucamente,
pisa fundo e foge o melhor que ele ou ela consegue. Os
bandidos riem empolgadamente. A garota sacode os
seios pintados na direção do carro e dá-lhe o dedo, gri-
tando:
— Vai se foder! — sua voz está rouca. Seu grito é dado
com cada fibra do seu ser. Todos riem.
Eu volto para minha cobertura. Jesus Cristo. As pes-
soas me acusam de ser elitista, mas não vêem essa mer-
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da. Como podem pensar que somos seres iguais? Devo
informar com pesar que a sociedade divergiu em algum
momento. Em algum momento, alguns de nós nos man-
tivemos civilizados, educados e bem alimentados, e en-
sinamos aos nossos filhos a valorizar o trabalho duro, e
a família, e merdas assim. Outros, bem, simplesmente
não. Claro, se eu pensar sobre isso, eu tenho um pouco
de pena deles. Não é culpa deles. Eles não conseguiram
comer refeições nutritivas completas enquanto cresciam.
Eles são atrofiados. Eles são burros. Não é culpa deles —
não completamente, pelo menos. Mas o que quer que eu
diga? O fato é que eles são sub-humanos, e eu não sou.
Eu sou a raça humana. Eles são nosso excremento. Você
acha que pode salvá-los agora? Agora é tarde demais.
Talvez possamos salvar as crianças, se começarmos com
elas. Alimentá-las, ensiná-las. Mas suas mães animales-
cas não iriam deixá-las. Elas não querem ascender. Não é
verdade? Não nos desprezam? Então é isso aí, ciclo, vi-
cioso, completo. Eles são seus próprios piores inimigos.
Eles querem ser assim. Então, deixe-os. Deixe-os morrer
assim na sua imundície
Eu me levanto. Eu sou um cachorro grande. Ninguém
me derruba, não por muito tempo. Eu não vou ficar aqui
para morrer com a sujeira. Há maneiras de sair desta si-
tuação. Eu não estou morto. Então, quem contratou esse
assassino me subestimou. Não foi um trabalho minucioso.
Foi meia-boca. Se a Renraku — e estou falando da Renraku,
com toda onipresença e onipotência quase divinas — me
quisesse morto, eles poderiam ter feito isso por um mi-
lhão de outras maneiras que teriam sido bem-sucedidas.
Há razões — razões pelas quais a empresa me quer mor-
to, razões pelas quais o elfo psicótico foi contratado para
fazer o trabalho. Se eu conseguir entender essas razões,
se eu puder desvendar a história, eu posso sair disso. E se
não, foda-se, sou empregável. Um Johnson bem treinado
e de alto nível não é exatamente fácil de se achar. É uma
mistura rara de inteligência civilizada e manha das ruas.
Eu tenho valor, se não for para Renraku, então será para
outro. Então, vamos mandar ver para me manter vivo e
civilizado.
Volto para o centro da cidade, de volta à civilização. Eu
paro em um banco, ligo o meu com-link e faço uma retira-
da de dinheiro em um bastão de crédito certificado. A má-
quina só me permite algumas centenas, mas vai servir por
enquanto. Eu faço mais uma coisa, envio uma nota rápida
para Lobo para agradecer. É parte do código — se alguém
arrisca o pescoço por você, você reconhece. Então você
os ajuda quando você pode. Talvez isso ajude a ambos
nos mantermos vivos.
Eu o desligo assim que a mensagem é enviada. Sim,
acabei de dizer aos meus caçadores onde estou e eles sa-
bem que eu saquei um pouco de dinheiro, mas acho que
isso não lhes diz muito além do que eles perceberiam so-
zinhos. Com um pouco do dinheiro, comprei um com-link
descartável, apenas para usar meus aplicativos básicos.
Um telefone, AROs de mapas, etc. Agora sim eu posso
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agir.
Eu formulo um plano. Ok, não é realmente um plano.
Um plano de verdade é uma série de ações avaliadas que
você suspeita que provavelmente acontecerão em uma
determinada ordem. É o que eu chamo de plano, pelo
menos. O que tenho é mais como uma vaga oração, com
muitos elementos fora do meu controle. Mas, pelo me-
nos, sou honesto comigo mesmo para admitir que estou
trabalhando em uma posição de desvantagem. Às vezes,
sua lua cresce, às vezes mingua. O excesso de confiança e
a subestimação de seus inimigos são o que te faz perder.
Eu tenho confiança, mas eu avalio meus inimigos de forma
justa.
Eu pego um táxi, pagando com o meu precioso crédi-
to, e me dirijo para o que agora é minha única esperança.
O Ópera club está rolando. Há uma fila para entrar. Eu
hesito e decido por esperar um tempo. É um equívoco co-
mum o de que você só precisa esfregar dinheiro na cara de
um segurança e te deixarem entrar. Esses caras têm orgulho
profissional, surpreendentemente. Eles odeiam os idiotas
machões que pensam que podem entrar apenas porque
têm dinheiro, ou mais provavelmente, porque o papai de-
les tem. Quero dizer, na teoria, um cara sacudindo grana
para entrar em um clube será bom para os negócios. Se-
nhor Mão Aberta vai liberar muita grana pra comprar garra-
fas para pegar umas garotas. Você pensaria eles gostariam
disso. O problema é que os seguranças não são muito fãs
de todo aquele conceito de “bem corporativo”. Eles estão
pouco se fodendo para quanto dinheiro o clube ganha. Eles
apenas se preocupam com a regulamentação da justiça.
Você está na lista de convidados, você entra. Você não está,
espera a sua vez. Você age de forma agradável e respeitosa,
e talvez eles te deixem entrar mais rápido. Você age como
um idiota, eles vão te mandar embora. Eu já o vi fazer isso
com gângsteres conhecidos. Estou falando sério; eles se
preocupam mais com a ordem filosófica das coisas do que
com o dinheiro ou a própria segurança pessoal. Seguran-
ças: não mexa com eles.
Então eu não mexo. Eu decido ser direto, aproximan-
do-me do segurança para uma conversa amigável. Eu
mostro respeito, pergunto-lhe como estão as coisas. Ele
mostra respeito de volta. Eu deixo claro — através de mi-
nhas ações, não palavras diretas — que, se entrar, vou gas-
tar algum dinheiro, ser legal com os outros e não causar
uma cena. Isso é o que ele quer de um cliente. Então aper-
tamos a mão, e ele me diz para me divertir. É simples: seja
legal e você fará amigos. Talvez isso faça a diferença mais
tarde, se eu precisar. Se você quer ser um Johnson, você
começa a pensar assim. É assim que operamos. É assim
que nos mantemos vivos.
O Ópera é um lugar interessante. Eu suponho que deve
ter sido um teatro ou algo parecido em alguma vida pas-
sada. A fachada tem uma forma que lembra vagamente
um teatro. Estive em um teatro em um total de duas vezes
na minha vida, e ambos foram em passeios quando eu era
criança na escola. As artes não são o que costumavam ser.
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Eu moro em Manhattan e nunca fui ver uma peça da Broa-
dway. Dizem que os efeitos especiais são bons.
De qualquer forma, assim que você passa pelo lobby,
o clube tem tetos imensamente altos. Há mesas no tér-
reo, um bar enorme e mais mesas no segundo andar. O
chão não é inclinado como seria em um teatro. Seria ter-
rível dançar em piso assim. As paredes ganham alguma
profundidade em um caleidoscópio estranho compos-
to por cenas sobrepostas de óperas conhecidas em RA.
Mas elas piscam em sucessão rápida e desorientadora. É
fascinante, mas eu ordeno que meu com-link diminua o
efeito. É um pouco demais para mim agora. Eu vou para
o bar. Está bastante lotado de pessoas entre seus vinte e
trinta anos, principalmente mulheres. O estilo delas tem
alguns elementos de vestidos renascentistas com pen-
teados elaborados. Os homens estão vestidos com peças
de alguma era semelhante, com camadas de cachecóis,
broches e algumas cartolas. Mais uma salada de moda do
Renascimento, para a Inglaterra vitoriana, com um toque
clássico de ternos assarariados japoneses. Selvagem, re-
bocado, maquiagem atada com nanotags, causando uma
imagem etérea duplicada da pessoa. Tenho a sensação de
que Atlanta, ou pelo menos este clube, está sendo influen-
ciada pela opulenta moda neo-renascentista de Montreal.
Eles o fazem muito bem aqui, mas é ainda mais grandioso
no norte. Mas mais frio.
Faço uma descrição de Vaidade para o barman. Ele dá
de ombros. Seus olhos apontam para o bar, seu corpo se
afastando de mim, para voltar a servir bebidas antes que
haja uma revolta, mas não desejando ofender. Sinto-me
pressionado. Eu digo simplesmente:
— Atende pelo nome de Vaidade. — Oh, olhar diferente
agora. Eu consegui chamar a atenção dele. Ele acena com
a cabeça para o andar de cima. Eu aceno com a cabeça e
volto para a multidão, meu precioso espaço no balcão ra-
pidamente engolido pela multidão de diletantes da moda.
O andar de cima está mais calmo. É muito mais escuro.
Pequenos grupos sussurram nas cabines, as estranhas ri-
sadinhas de flerte das cortesãs ressoam vindas dos cantos
sombrios. Mãos descendo pelos joelhos, subindo pelas
coxas. Eu ando lentamente, meus olhos precisando de um
minuto para contemplar a escuridão velada e tentar iden-
tificar os ocupantes da cabine. Eu a vejo bem depois que
ela me viu.
Vaidade e Anjo de Titânio estão em uma cabine com
uma visão de comando, de costas para a parede. Malditos
shadowrunners. É como um instinto com eles. Como um
experimento, uma vez encontrei um runner em um restau-
rante, numa mesa no meio do salão. Ele parecia um ani-
mal enjaulado. Seu joelho saltava para cima e para baixo a
um ritmo alarmante. E quero dizer alarmante, ele parecia
um androide sobrecarregado. Ele mastigava um palito de
dente, girando constantemente para olhar para a sala. Je-
sus, foi muito desconfortável. Mas também divertido. Mas
também nunca mais fiz isso.
Os olhos de Anjo piscaram para mim, fendas de branco
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no meio da escuridão. Ele retorna rapidamente à sua bebi-
da, ignorando-me naquele momento. Vaidade me dá um
grande sorriso, seus olhos brilhando na meia luz.
— Sr. Johnson, que surpresa. Nós não o esperávamos,
já que ainda não completamos nossa missão — ela diz
grandiosamente, de forma óbvia e zombeteira. Eu rosno
internamente. Não dá pra enrolar aquela ali.
— Eu preciso de sua ajuda — digo.
Vaidade mantém o sorriso. Anjo estende a mão, me
convidando a sentar.
— Em que podemos ser úteis? — ele diz sem muita ale-
gria. Eu me pergunto se ele teve uma infância feliz.
Conto a minha situação. Como meu empregador apa-
rentemente me marcou para morrer. Eu lhes falo sobre o
Elfo Psicopata Assassino com Cara de Fantasma. Eu digo-
-lhes que estou, efetivamente, impotente no momento.
Você pode pensar que cometi um erro. Você pode
duplamente pensar assim, se você calcular corretamente
que os porradores gentis à minha frente concluíram que
qualquer conexão comigo poderia trazer-lhes o mesmo
problema que veio a mim. Então, por que me manter por
perto? Por que me ajudar? Por que não me matar, talvez
para apaziguar as pessoas que estão atrás de mim, ou tal-
vez só porque... Bom, por-que-diabos-não?
Bem, na verdade, são jogos de poder intrincados. Se eu
me segurasse e fingisse que eu tinha encontrado “apenas
uma leve falha no plano” ou alguma besteira assim, eles
saberiam instantaneamente. Eles podem sentir o cheiro
de baboseira de Johnson a um quilômetro de distância.
Eles se perguntariam sobre o ângulo real, não confiaram
em mim e me diriam para pagar uma fortuna ou tirar essa
merda da frente deles. Não tenho fortuna. O que tenho é a
humildade em aceitar que estou impotente. E isso é força.
Se você não pode admitir que você está impotente, é por-
que você duvida que voltará a ser poderoso, ou que você
sequer já foi. Posso admitir minha fraqueza porque sei que
serei poderoso novamente.
Anjo de Titânio e Vaidade compreendem isso. Eles são
uma equipe de primeira. Eles têm poder nas sombras. Eles
não fingem tê-lo; eles têm. Se eu não soubesse pelo rela-
tório que eu tenho sobre eles, eu o saberia apenas olhan-
do para eles. Então, depois de eu pôr minhas cartas na
mesa, e depois de nos observarmos por um momento —
eu, Vaidade; Vaidade, Anjo; Anjo, eu; eu, Vaidade — eles
não me mandam me foder. Eles não dizem muito, mas eu
sei que aceitaram.
— Ele atirou em você, você disse? — Anjo me pergunta.
— Sim, mas meu paletó absorveu o impacto.
— Esse paleto? — pergunta.
— Sim. — eu não vejo o sentido em suas perguntas,
mas é bom ser legal com as pessoas para quem você aca-
bou de implorar por ajuda.
Ele assente. — Tudo bem.
Ele se levanta, Vaidade também. Eu também. Eu não sei
para onde estamos indo. Não sei se eu deveria segui-los.
Ficar. Seguir. Ficar ou seguir? Sigo.
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>> SHADOWRUN • FICÇÃO AMPLIADA <<
Escolhi certo. Nós saímos do clube pelos fundos. Eles
têm um elegante sedan preto, nada especial. Entramos,
Anjo de Titânio dirige. Eu sou colocado no assento do
passageiro, Vaidade diretamente atrás de mim, exatamen-
te onde alguém que quisesse te dar um tiro na cabeça se
sentaria. É bom saber que, com todo o seu jeito brinca-
lhão, ela vai me executar no segundo em que as coisas fi-
carem problemáticas. Pergunto-me se outras pessoas têm
esse problema com seus amigos.
Anjo dirige até um distrito de armazéns e paramos no
lote vazio de um edifício decrépito de tijolos vermelhos.
Estacionamos e entramos no armazém usando uma porta
de aço que se abre com um forte rosnado metálico. Dada
a minha situação, não tenho energia para apreciar o quão
clichê toda a cena é.
É um alojamento espartano, espaços bem abertos e
sem muita coisa do lado de dentro. Uma mesa de madeira
velha incomumente grande ocupa o meio, com uma lâm-
pada desencapada pendurada em uma corrente acima
dela. Nossos passos ecoam, mas outros sons altos rever-
beram em toda a estrutura de concreto nu. Alguém está
falando em algum lugar, e as palavras distorcidas crescem
no salão vazio. Há caixotes ao longo das paredes, muitos
deles cobertos de lonas empoeiradas, mas também vejo
alguns pequenos drones, granadas e armas; muitas armas,
na verdade. Rifles de assalto, metralhadoras. Tem pistolas
jogadas em todos os lugares. Além de munição para todas
elas.
— Temos um visitante — anuncia Anjo.
Os outros ruídos param. Eu olho para frente e para trás
muito rápido. Eu não quero parecer nervoso, mas se há
um lugar onde um Johnson indefeso não quer estar, é na
cova dos shadowrunners que ele contratou. Eles me que-
rem o mais longe possível. Eu quero estar o mais longe
possível. Não quero saber sobre seus assuntos particula-
res. E não quero que eles me matem. É bem simples. Eu
tenho o dinheiro e, na verdade, depois de passar pelo tra-
balho que invariavelmente é muito mais complicado do
que deveria ser, levar tiros, ou mesmo ter de ver alguns
de seus amigos morrerem, a linha entre matar o Johnson e
não matar o Johnson é muito tênue. Claro, eles ainda não
passaram pela merda da minha missão, mas, novamente,
eu também não estou com o pagamento. A questão é que
eu sou bem descartável.
Uma garota sai de uma sala lateral, com uma colher
na boca. Ela tem um buquê selvagem de cabelos loiros
encaracolados floreando em torno de seu rosto muito jo-
vem. Ela usa uma camiseta verde militar, completando o
visual com um colar de placas de identificação prateadas.
Ela me olha com péssimo humor, olhando para Vaidade e
Anjo. Antes que ela pudesse comentar, se ela estivesse
inclinada a fazê-lo, um homem esbelto e musculoso en-
tra. Ele está suado, coberto de tatuagens. Eu acho que ele
tem ciberbraços. Seu rosto é interessante. Eu diria que é
um rato de praia bad boy de Orange County, Califórnia.
Ele tem um pouco daquele olhar permanentemente semi-
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cerrado. Uma sugestão de uma boa aparência escondida
atrás das cicatrizes. Ele tem a pele áspera, marcada onde
os arranhões, os cortes e as queimaduras se curaram. Seu
nariz foi definitivamente quebrado, provavelmente mais
de uma vez. O efeito geral é que ele não parece muito
inteligente para mim, mas tenho certeza que ele consegue
fazer as garotas abrirem as pernas sem muito esforço. Ins-
tintivamente, não gosto dele. Mas vou fazer o meu melhor
para dar meu jeito, ou pelo menos fingir gostar dele, por-
que ele provavelmente pode me matar facilmente, e ele
parece violento o suficiente para fazê-lo sem se preocupar
com as consequências. São os piores, os samurais de rua
psicopatas que se transformaram em máquinas de matar,
mas burros demais para diferenciar entre as ações que dão
dinheiro e as idiotas. E então, você tem que confiar em
seus colegas de equipe para mantê-los sob controle. Para
nós, Johnsons, é quando jogamos o jogo de poder. Com
runners racionais, você apenas faz negócios e tudo corre
bem. Com esses cachorros loucos, você tem que mos-
trar que você é o macho alfa. Isso é tudo com que eles
importam. Mas é uma jogada burra. Se eles o matassem,
eles estariam mortos no dia seguinte, como uma retalia-
ção evidente da corporação. Mas esses assassinos doidos,
eles simplesmente não ligam. Eu odeio isso.
Claro, o grandão retalhado é o primeiro a falar.
— Que porra é essa?
— Este é nosso Johnson para o trabalho da Renraku,
ou era. A corporação tentou matá-lo. Ele veio a nós para
pedir ajuda. — explica Anjo
A menina loira engasga de rir. O bad boy mostra uma
pitada de um sorriso brincalhão, mas seus olhos se con-
centram em mim como presa.
— Essa é uma jogada de grandes proporções para nós
— diz Anjo, em um jeito que não inspira discussões. Os
outros dois abaixam as orelhas. Então, parece que temos o
Papai Anjo de Titânio, a Mamãe Vaidade e os dois filhos. É
uma dinâmica interessante. A menina mais nova se inspira
em Vaidade o gorila reconhece Anjo como o macho alfa.
Eu acho que posso trabalhar com isso.
Vaidade vai até a garota loira e envolve um braço ao
redor de seu ombro.
— Sr. Johnson, este é Zoë, nossa hacker. Aquele lá é
Irlandês. Tenho certeza de que você pode adivinhar para
que ele serve. — Zoë deliberadamente me olha de cima
abaixo com cara de nojo, enquanto Irlandês estala as arti-
culações dos dedos. Então ele perde o interesse em mim
e volta a levantar pesos.
Anjo dirige-se para a pequena academia de Irlandês
no canto do galpão e conta para ele enquanto ele puxa o
ferro. Eu olho para eles. Tenho certeza de que eles estão
tendo uma conversa silenciosa pelo com-link, pelo jeito
como eles se olham e às vezes olham para mim. Penso na
língua estrangeira que ele e Vaidade falaram. Acho que,
para negócios sérios, eles ainda se comunicam da maneira
normal. Eu realmente não posso culpá-los por isso.
Zoë senta-se no meu campo de visão e me pega
<< NADA PESSOAL 12
>> SHADOWRUN • FICÇÃO AMPLIADA <<
olhando. Pisco e me mexo, dando-lhe um sorriso curto.
Ela está olhando diretamente para os meus olhos, a cerca
de meio metro de mim, comendo lentamente. O que dia-
bos é isso, compota de maçã? Ela me faz estremecer um
pouco, mas eu lembro que eu tenho um jogo para jogar,
então eu rapidamente encontro seu olhar e o mantenho.
Ela é jovem, mais nova que eu pensei. Ela não pode ter
mais de 18 anos. Ela tem a arrogância inflexível da juven-
tude. Depois de um minuto de naquele jogo de encarada,
ela sorri e coloca a xícara do que eu definitivamente vou
chamar de compota de maçã de lado.
— Então, você está em apuros, Sr. Johnson?
O pior que posso fazer agora é tratá-la como uma
criança. É preciso esforço considerável para não fazê-lo.
— Complicações, sim. Estou esperando que vocês pos-
sam me ajudar — eu paro. — Não é fácil para mim admitir
isso.
— Huh — ela diz pensativamente, recostando-se. Um
de seus braços se perde em seus cabelos revoltos.
Vaidade volta para a sala. Zoë olha para ela, com uma
sobrancelha se elevando rapidamente e um sorriso de
boca aberta. Vaidade sorri de volta para ela.
— Seja gentil com o nosso convidado, docinho — ela
diz à menina. — Vamos, eu e o senhor Johnson precisamos
conversar. Vie.
Zoë responde algo naquela língua novamente enquan-
to se levanta e nos deixa.
— Que saudji — ela diz, piscando para Vaidade e rindo
um pouco
— Falla sedu — Vaidade rebate com um estalar de língua.
Eu dou a Vaidade um olhar confuso. Gostaria de chegar
ao fundo disso.
Vaidade olha para mim de lado. — O que?
— Que língua é essa? Você usou quando nos conhece-
mos e parece que todos vocês a conhecem.
— Você não gostaria de saber? — ela me provoca. — É
português. Português brasileiro.
— Ah. Parece Créole ou algo assim, não tinha certeza.
— Você fala Créole? — ela pergunta, surpresa.
— Não, eu só consigo reconhecer. Cresci em Montreal,
há muitas pessoas caribenhas lá. Eu não falo, eu apenas
reconheço o som.
— Oh, Montreal, hein? Você fala francês?
Acho que todo mundo me pergunta isso quando eu
digo que sou de Montreal. O fato é que eu intencional-
mente não falo. Meus pais foram expulsos de seu país por
um bando de fascistas fanáticos. Não desejo usar as mes-
mas palavras que eles.
Eu decido compartilhar algumas das aventuras da mi-
nha juventude com Vaidade. Preciso de um capital emo-
cional dos meus salvadores. Vaidade é uma boa pessoa
para começar. Ela parece interessada na minha história,
mas não sei. Sempre, no meu inconsciente, eu sei que ela
é uma shadowrunner. Ela vai brincar comigo, me usar e
me cuspir.
Eu termino minha parte. Eu me posicionei bem, agora é
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a vez dela oferecer algo sobre si mesma. Isso me interes-
sa. É para minha missão. Eu preciso de informações. Isso
é o que eu digo para mim. Mas há algo mais que eu não
quero admitir. É perigoso e nem pensarei nisso.
Nós somos interrompidos por Anjo e Irlandês que re-
tornam para onde estamos. Eles instantaneamente cha-
mam minha atenção porque estão totalmente equipados,
com coletes a prova de balas e rifles de assalto. Oh, oh.
Eu fico frio. Então olho para eles. Irlandês parece feliz.
Não é bom, eu acho.
— O que está acontecendo? — eu finalmente pergunto,
uma vez que eles não parecem dispostos a simplesmente
dar a informação.
— Corvo vem te pegar — responde Irlandês. Penso nis-
so por um segundo. Não, não faz sentido
— O que? — não foi muito eloquente da minha parte,
mas que seja. A resposta de Anjo é muito mais útil.
— O cara com quem você se engalfinhou no hotel aten-
de pelo nome de Corvo. Irlandês o conhece — Irlandês
sorri. Claro que sim. Filhos da puta insanos andam juntos,
certo? — Essa bala que você acha que te atingiu? É um
rastreador. Uma parada nova. Só precisa de um golpe de
raspão, e deposita rastreadores de nano-partículas em
você. Ele virá.
Meus olhos se arregalam um pouco, mas eu recupero
meu autocontrole rápido. Rastreadores de nano-partícu-
las. Eu me sinto um completo idiota. Eu deveria ter aban-
donado minhas roupas. Burro, burro, burro.
— Ok. Então, o que fazemos?
— Ele não é muito inteligente. Fico surpreso de ele ain-
da estar vivo. Ele vai vir aqui e vamos pocar ele — respon-
de Irlandês, com prazer palpável em sua voz. Acho que é
assim que os psicopatas se cumprimentam ou algo assim.
Eles “pocam” uns aos outros. Merda, que mundo violento.
— Então... — continuo meu lado muito articulado da
conversa.
— Ele pode ter um colega de equipe. Ele deve estar qua-
se pronto; espere aqui — diz Anjo. Ele e Irlandês entram em
posição, que não é muito elaborada. Eles simplesmente fi-
cam atrás de algumas dessas caixas que colocaram em to-
dos os lugares, com as armas apontadas para a porta.
Pouco depois, Zoë grita:
— Ele está aqui! — sua voz vem da sala lateral.
Eu olho para a configuração. Estou sentado no meio de
um grande armazém vazio onde menos de dois minutos
atrás eu estava conversando. Anjo e Irlandês estão posi-
cionados na emboscada mais simples que já vi. Vaidade
levantou-se e está de pé contra a parede, olhando para
fora dos painéis industriais sujos que ladeiam o prédio.
Este deve ser o plano mais tolo e mais simples que já
vi. Tenho sérias dúvidas quanto a essa equipe. Não apenas
para me manter vivo, mas pra completar a missão que eu
originalmente os contratei.
— Vocês não deveriam... — eu começo, mas um “Shh!”
de Vaidade me faz ficar quieto.
Ela então gesticula e Anjo muda de posição. Ele cor-
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>> SHADOWRUN • FICÇÃO AMPLIADA <<
re até o outro lado do prédio e se agacha perto de outra
janela. Ele mexe a cabeça um pouco, buscando uma boa
visão ou algo assim, e então levanta seu rifle à altura do
ombro.
Apenas naquele ponto, a porta do armazém se abre, he-
sitantemente. Nada acontece. Então, a porta se escancara,
e o elfo cuzão da cara pintada de branco entra. Cá estou eu,
sentado em uma mesa, olhando para ele com cara idiota.
Ele sorri e lentamente, habilmente, saca uma lâmina croma
— e afiada.
— Muito gentil de sua parte esperar por mim — ele diz
de forma ameaçadora.
Irlandês sussurra:
— Hey, idiota — enquanto ele se levanta da cobertura,
com o rifle armado.
Corvo é pego completamente de surpresa. Ele recu-
pera-se rapidamente, porém, e alcança uma arma em um
coldre. Mas Irlandês não pretende fazer prisioneiros. Ele
dispara uma saraivada diretamente no peito. Corvo cai.
Quase ao mesmo tempo, vêm duas rajadas rápidas, de-
pois outra de baixo do prédio. Eu balanço antes da última
saraivada, e, para minha confusão, tudo o que vejo é um
flash brilhante no meio do ar. Então, nada de Anjo. Nem
Vaidade, também, eu percebo.
Bom, que merda.
Eu sabia disso o tempo todo. Uma maldita maga. Ela
tinha que ser, certo? Então, ambos reaparecem do nada.
Irlandês ergue-se sobre o corpo de Corvo. Posso ver os
pés de Corvo se moverem sutilmente, tentando empurrar
contra nada. Emitindo alguns sons sussurrantes. Vamos
ser claros, ele é uma pessoa terrível que assassinou pes-
soas inocentes enquanto tentava me matar. Claro, a últi-
ma parte disso me incomoda muito mais do que a morte
de inocentes. Quando ele entrou por aquela porta, senti
uma bola levantar na garganta quando me lembrei do
medo que senti no meu quarto de hotel, o pensamento
da morte iminente e urgência se espalhando por todas as
fibras do meu ser desejando, acima de tudo, estar vivo.
Mas, mesmo com tudo isso, me sinto triste e patético
ao vê-lo morrer. Diante do fim de sua vida, será que ele
sente muito, como eu me senti? Será que sua vida pas-
sou diante de seus olhos, e ele se arrependeu de tudo o
que o trouxe aqui? Será que suas memórias voltaram ao
abraço caloroso de sua mãe e ele se sentiu triste por ter
crescido e se tornado um monstro e, consequentemen-
te, a decepcionou? Sou algum tipo de maricas por pen-
sar essa merda? Irlandês, aparentemente, não tem esses
pensamentos.
— Bom, cara de bosta, eu falei que eu era o melhor —
ele diz antes de pousar preguiçosamente o tambor do rifle
na cabeça de Corvo e puxar o gatilho. Um único som alto
ecoa nas paredes de concreto do armazém. — E você tem
um nome estúpido. Babaca escroto. — Irlandês olha para
mim com um sorriso aberto. Eu olho para ele de forma um
tanto idiota.
— Bom trabalho, Sr. Johnson. Você não se mijou, não
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é? Ha. Veja, não complique demais um plano quando um
simples funcionará — ele ri. Agora vejo que ele está doi-
dão. Ele está doidão pela matança, por ser o dominador,
o rei da selva. Ele está genuinamente feliz agora. Eu olho
para Corvo e a poça de sangue escuro na qual ele está
deitado. Não me sinto feliz. Deveria?
Zoë sai do seu esconderijo, lona na mão. Ela coloca ao
lado do corpo.
— Vamos — ela me diz, instruindo-me a ajudar a se li-
vrar do cadáver.
Eu aceito, porque ele está morto por minha causa. Aju-
do a mover o corpo, e sou adulto o bastante para fazer isso
sem olhar para o rosto dele. Zoë não parece entusiasma-
da com a tarefa, mas ela a cumpre com eficiência e sem
queixas. Nós o embalamos, levantamos e despejamos no
porta-malas de um dos carros da equipe. Zoë me diz que
vai cuidar daquilo daqui pra frente. Eu franzo o cenho.
— Você não vai precisar de ajuda para tirá-lo do carro?
— pergunto. Ela sorri pela minha ingenuidade.
— Nah, os compradores no outro lado ficarão mais do
que felizes em tirá-lo de mim.
Compradores no outro lado. Entendi. Ouvi sobre Atlanta
ter uma comunidade de ghoul próspera, sempre procu-
rando comprar carne fresca. Normalmente, não negocio
descartes de corpos. Nós temos pessoas para isso na Ren-
raku.
Zoë dá um último sorriso, e sua massa de cabelo balan-
çante segue o resto dela enquanto entra no carro e se diri-
ge para a frente, onde Anjo vai carregar o segundo corpo,
eu imagino. Eu nem sei quem é o segundo cara que Anjo
derrubou. Eu acho que está tudo bem.
Volto para dentro e me sento na mesa principal. Os re-
flexos me fazem retirar meu com-link, pronto para mexer
com ele, mas eu me lembro que está desligado. Eu nunca
fiquei tanto tempo sem fazer ligações ou verificar notifica-
ções, creio eu. Nunca notei, mas verificar mensagens me
trás conforto. Não sei por quê. Talvez seja a ideia de que
as pessoas precisam de mim. Quero dizer, não da forma
que alguma uma criança ou uma namorada precise. Mas
as pessoas valorizam meus conhecimentos. Eu me encai-
xo nos planos das pessoas. Eu acho que ainda me encaixo,
exceto que agora o plano é: “Você não pode morrer de
uma vez?”
Passo uma mão pelo meu cabelo. Eu percebo que tem
um leve tremor. É bastante normal. Eu me lembro algumas
vezes em que eu tremi. Risco ocupacional. Logo passa. Eu
só preciso descansar. Então percebo o quão cansado es-
tou. Me atinge de uma só vez. De certa forma, não é que
eu queira dormir, é que eu só quero que este dia termine.
Vaidade aparece, sentada à mesa. Ela olha para mim,
cheia de interesse. Ela tem uma maneira de me fazer sentir
como um rato de laboratório. Mais uma vez, aquele olhar
desconectado, de assento de camarote na ópera.
“— Você está bem? — pergunto.
Ela parece achar a pergunta divertida.
— Estou bem, Sr. Johnson — ela diz. Sua voz desliza sua-
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>> SHADOWRUN • FICÇÃO AMPLIADA <<
ve e uniforme. — Como você está? — ela me dá um sorriso
largo. Ela claramente gosta de seus joguinhos.
— Eu gosto da sua maquiagem, já disse isso?
Ela mantém aquele sorriso aberto em minha direção
com a cabeça inclinada para um lado.
— Obree gard.
Eu aceno com a cabeça. Aceno por um tempo. É. Ace-
nando.
— Vaidade?
— Hm?
— Onde posso cair?
— Ah — diz ela. É um som de triunfo. — Há um pequeno
cômodo além da área de trabalho, à esquerda. Pode ficar
ali.
— Tudo bem.
Eu me levanto. Levo um minuto para ver por que lado
saí. Eu sou destro, então isso significa que a esquerda é a
outra mão... Certo. Entendi. Eu cambaleio até o quarto. Um
bem sem graça. Uma beliche em meio a outros suprimen-
tos. Minhas mãos trabalham para afrouxar minha gravata
e desabotoar os primeiros botões. Eu não tenho paciência
para terminar, então eu deslizo a camisa sobre minha ca-
beça. Afrouxo meu cinto, arranco minhas calças. Subo na
cama e sinto as cobertas sobre a minha pele nua. Eu apa-
go. Eu sonho com ruas escuras, violência súbita, abismos
se abrindo sob meus pés. Eu sonho com estar voando, de-
pois caindo, depois, ambos.
Acordo. Onde estou? Estou na cama. Lembro-me de
onde. Vaidade está em uma cama ao meu lado. Os olhos
dela estão abertos. Ela está me observando.
— Pesadelo? — ela pergunta.
Eu rosno um sim. O sonho foi tão ruim que eu ainda me
sinto chacoalhado, mesmo que meus sentidos já tenham
voltado. Eu olho para Vaidade. Minha memória voltou para
o carro, quando ela se sentou calmamente atrás de mim,
pronta para me executar em um piscar de olhos. Não sei
mais onde estamos. Estou em um local seguro com uma
equipe ligadaça de mercenários operativos. Quem sou eu
agora? Quem era eu? Se você tirar meus sapatos de couro
italianos, minhas bebidas de whisky e meu apartamento,
não sobra muito. Eu me sento no lado da cama. Eu não
penso, per se. Eu meio que só estou marinando em meus
pensamentos. Eu me levanto e começo a pegar minhas
roupas e me voltar a me vestir. Vaidade me observa o tem-
po todo.
Enquanto cambaleio até a sala principal, é claro que o
resto da equipe foi mais eficiente com seu tempo enquan-
to eu estava fora. Havia equipamento cuidadosamente
embalado. Zoë está segurando o que deve ser um mapa
em RA e mostrando para Irlandês. Ela não deixou o ARO
público, então não consigo ver o mapa real, mas a maneira
como ela está gesticulando no meio do ar com Irlandês
olhando é o bastante para eu entender. O fato de que eles
são todos profissionais e organizados, enquanto eu estava
super ocupado dormindo faz com que eu me sinta dimi-
nuído, então, da forma mais discreta possível, procuro al-
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gum alimento. Porque, sério, eu tô morrendo de fome.
Vaidade aparece atrás de mim assim que Anjo vira um
corredor para encontrar Irlandês e Zoë.
— Bom, você está acordado — é o que ele diz quando
me vê.
Irlandês e Zoë olham por cima de seu mapa para mim.
Os olhos de Zoë saltam entre mim e Vaidade, com um
sorriso mal forjado aparecendo em seu rosto. Vaidade
aparece ao meu lado, adivinha com precisão o que estou
procurando e aponta para uma das caixas.
— Há algumas barras de ração ali. Elas são boas. Irlan-
dês é quem faz.
Enquanto a imagem de Irlandês vestindo um avental,
cantarolando em uma cozinha enquanto mistura nozes e
mel em uma grande tigela é divertida, eu me pergunto por
que Vaidade acharia que especificar que Irlandês prepa-
rou a comida que eu estou prestes a comer me faria sentir
melhor. Espero encontrar barras de granola com graxa de
motor e balas de nove milímetros, mas no fim das contas
as barras de ração são bastante decentes, tanto em ter-
mos de gosto quanto de qualidade nutricional. Irlandês
me olha enquanto como uma de suas barras. Eu aceno
com a cabeça para ele. Ele desvia o olhar. O garoto tem
problemas pra socializar.
— Já que temos o privilégio de tê-lo ao nosso lado hoje,
esperávamos que houvesse mais detalhes que você po-
deria compartilhar conosco sobre o ataque hoje à noite —
diz Anjo enquanto compartilha o pacote de informações
comigo. O mapa e os marcadores de dados variados apa-
recem em luz azul no meu campo de visão.
— Claro, não há muito que não lhe contei, mas pode-
mos falar — começo. Mas eu também tenho minhas cartas
para jogar. — Mas antes de entrar nisso, acho que deve-
mos subir o nível da conversa.
Todos olham para mim.
— Primeiro, imagino que vocês já tenham sido contata-
dos pelo meu empregador, com aviso prévio de que o seu
Johnson mudou, certo?
Eles fazem um bom trabalho em se manter sem expres-
são.
— Certo, eu sei como isso funciona. E confio no nosso
acordo. Vocês disseram que me ajudariam, e não duvido
da sua palavra. Eu sei que vocês devem ter continuado o
trabalho com a minha substituição.
Anjo assente com a cabeça. — Nada mudou.
Eu suponho que eles devem ter oferecido mais dinhei-
ro como um pedido de desculpas pelo transtorno, mas
Anjo não mencionou isso. E com razão, uma vez que não
é da minha conta.
— Nós podemos simplesmente completar a missão,
mas essa não é a recompensa a longo prazo que podería-
mos ter — se eles se opõem ao fato de eu ter dito “nós”,
eles não demonstram. — Zoë, vou precisar de um pouco
do seu tempo, se estiver tudo bem pra você. — eu tenho
que ser educado. Eu sou um convidado aqui, não o Sr.
Johnson. Não posso ordenar. Eu tenho que pedir.
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Ela levanta uma sobrancelha e acena rapidamente.
— O sono trouxe sabedoria, e eu acho que sei o jogo
que eles estão jogando e como todos podemos lucrar.
Assim que eu confirmar algumas coisas, eu poderia ser
capaz de chegar ao nosso cenário final. Não espero que o
cerne da missão mude. Vejo que vocês revisaram o pacote
de dados que eu dei. Ainda deve ser preciso. Tudo ali fez
sentido?
Zoë assente.
— Sim, vamos atacar uma instalação da Boeing. Vamos
levar uma nova tecnologia detectora de sensores na qual
estamos trabalhando. Nós temos planos de instalações,
informações de segurança, coisas assim.
— E há uma segunda equipe nos ajudando, certo? —
pergunta Irlandês
— É, algo assim. Eles vão morrer por vocês, na verdade
— não tem por que ser sutil. — Eles vão longe o bastante
para causar uma boa distração, e eles serão apagados. Du-
rante esse tempo, essa equipe vai fazer o seu movimento
e terminar o trabalho.
Eu paro e olho para eles. Johnsons contratando equipes
para serem mortas como uma distração é um dos maiores
tabus em nossa indústria. Os runners odeiam essa merda
com força. Qualquer equipe que sobreviva a essa missão
— e confie em mim, são poucas — vão com certeza acabar
com o Sr. Johnson, não importa o quanto eles tenham sido
pagos. Nunca aconteceu comigo, é claro; eu garanto que
as equipes que mandei para a morte não voltem.
Irlandês tem um brilho furioso em seus olhos. Esse cara
executou um de seus amigos há menos de um dia, e de
repente ele fica sentimental por uma equipe que nem co-
nhece. Zoë parece abalada.
— Então, eles vão simplesmente morrer, é isso? E se
nós...
Eu a corto. — Não complique demais quando um plano
simples funcionará — eu lanço um olhar na direção de Ir-
landês. Ele me dá um olhar astuto de volta.
— Ele está certo — corta Anjo. — Continue.
— Agora, você já sabe que é um trabalho interno. Vocês
farejaram no momento em que entreguei a vocês. É claro
que sim. Eu também sei. Antes disso, não me importava.
Mas tem alguma coisa nessa história. Você não elimina
um dos seus Johnsons por nada, então, tem algo aí.
— Não vem se achando tanto. Vai ver eles cansaram de
você. — responde Irlandês com um sorriso cruel, tentando
me provocar.
— Improvável. Eu tenho um bom registro. Então duvi-
do que seja tão simples assim. Então vou trabalhar com a
suposição de que há alguma coisa aí, e é isso que Zoë e
eu vamos confirmar mais tarde. Assim que descobrirmos,
vou informá-los sobre nosso ato.
— Nosso ato, ou seu ato? — pergunta Vaidade. Me viro
para olhar para ela. Não estou inteiramente surpreso.
— Eu estava esperando que essa objeção surgisse —
seus olhos são orbes vítreos fixados em mim.
— Estou aqui, e vocês apagaram o elfo psicopata pra
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mim. Eu acho que estamos nessa juntos agora. E eu vou
fazer valer a pena o seu tempo. Eu não espero que vocês
me ajudem a sair dessa pela bondade de seus corações. Eu
espero ser capaz de usar minhas descobertas para garantir
mais dinheiro para vocês, para mim, meu cargo de volta.
Eu dou de ombros. Na pior das hipóteses, mais dinheiro
para mim também, e então vou fazer meu próprio futuro.
— Eles tentaram te matar, e você quer voltar para eles?
— pergunta Anjo de Titânio, surpreso. Essa indignação é a
única emoção que vi dele.
Eu dou de ombros novamente.
— Você não entende. Não é Renraku, a empresa, que
tentou me matar. Em vez disso, alguém específico, de es-
calão mais alto, está planejando algo, e eu estou no cami-
nho e eu fui apagado. Não é nada pessoal. Agora vou fazer
minha jogada, foder quem está mexendo comigo, e voltar
ao meu lugar de direito. Sem ressentimentos.
— Uau — diz Irlandês, Zoë gargalha. Todos parecem
bem enojados. Isso me deixa um pouco irritado.
— Olha, entendi. Desse lado do muro, vocês apreciam
sua “liberdade” e coisas assim, e vocês nunca se curvam
pra ninguém e tal. Beleza, eu entendo. Mas, com todo o
respeito, vocês não têm ideia de como o mundo realmen-
te funciona. Vocês pensam em corporações como uma
entidade monolítica com uma mente. Seria o mesmo se
eu dissesse que vocês são loucos de continuar querendo
ser shadowrunners depois de Corvo vir atrás de vocês.
— Ele veio atrás de você — corrigiu Irlandês.
— Que seja. Meu ponto é, é tão ilógico quanto dizer
“As ruas tentaram te matar, por que você ainda está ten-
tando ser amigo das ruas?”. Megacorporações como Ren-
raku não são de uma só mente. Algum babaca com o nível
de acesso certo está tentando me eliminar. Eu vou fodê-lo
de volta, e então eu vou andar no meu cavalo de volta ao
meu escritório e ser ainda mais poderoso do que antes, e
foda-se qualquer um que tentar me parar. Esse é o meu
plano.
Todos eles se remexem um pouco. Anjo de Titânio
olha para mim com algum respeito. Irlandês sacode a
cabeça, mas não diz mais nada. Zoë parece convencida,
como se quisesse montar a porra do cavalo de volta ao
meu escritório comigo. Eu dou um olhar de lado para Vai-
dade. Como sempre, ela está apenas olhando para mim.
— Você está bem? — pergunto a ela com uma voz sua-
ve, uma pergunta particular, já que o resto do time volta
a terminar sua preparação.
— Sim — ela responde.
Novamente, não sei o que está acontecendo com ela.
Pra variar. Se ela estivesse recebendo um dos meus trei-
namentos, eu saberia como pegar essa tensão entre nós e
transformá-la em sexo até o anoitecer. Aqui, porém, estou
fora do meu jogo. E a dinâmica do poder está errada.
De qualquer forma, eu vou falar com Zoë, que está em
uma sala lateral, revirando e puxando engenhocas.
Puxo uma porcaria de uma cadeira e me sento.
— Então, como os novos protocolos da Matriz estão
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>> SHADOWRUN • FICÇÃO AMPLIADA <<
funcionando para você? — pergunto, de forma casual.
Ela dá um pequeno gemido.
— Eles me deram uma surra por um tempo. Quando
eles ligaram o interruptor, houve um movimento de pâni-
co na comunidade de hackers, tipo, ninguém conseguia
hackear nada. Bem, por tipo, um dia. Então as pessoas
descobriram como contorná-lo. Foram os das antigas, eles
perceberam que podiam adaptar seus velhos ciberdecks e
pelo menos dar uma contornada. Essa merda era de antes
do meu tempo, mas eu tinha amigos e eles me mostraram
como fazer isso.
Na Renraku, houve muitos rumores sobre os novos
protocolos. Eles disseram que mudava tudo. Na verdade,
não percebi nada diferente. Mas alguns de nossos hackers
internos disseram que era uma mudança radical, que não
poderiam superá-lo. Então eu estou curioso para ver o
que uma hacker black hat como Zoë acha disso. Eu tenho
que admitir, não compreendo muito esse lado das coisas,
então estou ansioso para usar essa oportunidade rara de
ganhar alguma perspectiva.
— Então, agora que você está acostumada, é mais difí-
cil ou mais fácil?
— Ah, é mais difícil, de certa forma. Mas é mais fácil
pra fazer coisas rápidas. É tipo, uma casca macia com uma
daquelas balas duras dentro, entende?
Na verdade, não entendi, mas achei a analogia com
doces bem fofa. Ela me lembrava um pouco daquela garo-
ta do Marketing com quem eu transava de vez em quan-
do. Era um relacionamento meio ioiô. Ela era jovem, então
não era muito boa para conversar ou sair, ou fazer muita
coisa além de sexo. Mas cara, era uma ninfeta. Um pouco
insensível em sua maldita arrogância juvenil e joguinhos
mentais, mas o sexo era bom. Eu não tinha certeza se se-
ria uma boa ideia, você sabe, mergulhar minha caneta na
vagina corporativa, mas funcionou bem. Nós nos afasta-
mos e foi isso. Dito isto, Zoë parece ser mais inteligente.
Eu acho que ela deve ter tido um pouco mais de dificulda-
de nas ruas, então provavelmente cresceu um pouco mais
rápido e ficou mais esperta. Isso me faz pensar em algo.
— Zoë, eu estava conversando com Vaidade, e ela me
disse que vocês falam português entre si. Por quê?
— É da Capoeira — diz Zoë.
— Capoo eh... Quê?
— Capoeira, arte marcial brasileira. Bem, chamar de arte
marcial é um pouco forçado. Dança acrobática com alguns
elementos de luta, eu acho. De qualquer forma, todos nós
fazemos isso, é uma coisa nossa. Nos mantém unidos,
como uma família. Anjo de Titânio é de Metrôpole, na
Amazônia. Ele trouxe, ele nos mostrou. Jogamos quando
temos tempo de folga, fazemos uma “harda”, treinamos
alguns movimentos. É legal. E com isso vem parte da cul-
tura, parte da linguagem. Então, todos nós falamos, mas
apenas um pouco. Obviamente, AT sabe muito mais.
— AT? Oh, Anjo de Titânio. Tá, não vou chamá-lo assim.
Metrôpole, hein? Não se ouve muito sobre a Amazônia,
sabe, além daquelas coisas de guerra.
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Tento levantar o que sei sobre o lugar. Eu percebo que
sei muito pouco. Eu imagino cobras gigantes comedoras
de homens vestindo ternos e discutindo as declarações
financeiras do terceiro trimestre. Eu suponho que não che-
guei nem perto.
— Sim, não sei muito. Mas acho que está prestes a mu-
dar. É bizarro dizer isso, mas perder a guerra foi provavel-
mente bom para eles, pelo menos para as pessoas. Perce-
bo que ela definitivamente está traçando uma distinção
entre as pessoas que vivem na cidade e seus senhores.
— eu percebo que provavelmente há uma divisão lá que
eu nunca soube que existia.
O negociante em mim não podia deixar de se pergun-
tar sobre as oportunidades que poderiam estar se abrin-
do lá. Hmmm, talvez eu possa obter uma transferência
da Renraku para um escritório lá embaixo; brincar com as
sombras lá por um tempo.
E então eu percebo: minha vida pode não ser mais as-
sim. Sair da Renraku está me atingindo em ondas. Nunca
fiz mais nada, nunca trabalhei para mais ninguém. Eu pos-
so recuperar minha vida, sim, mas vamos encarar — talvez
não seja com a Renraku. Talvez o melhor que eu possa
fazer seja entrar em outra empresa. Ares, em algum lugar.
Horizon? Eu tento imaginar sua cultura corporativa, e o
pensamento da mudança me assusta. Tudo o que conhe-
ço é a Renraku, e eu gosto assim.
Eu fico um pouco mais sombrio. Olho para Zoë e noto
que ela também está. Renraku para mim, Metrôpole para
ela. Bela forma de escolher um assunto. Eu respiro.
— Tudo bem, faremos mesmo isso?
— Sim, tudo pronto — diz ela rapidamente, aliviada
com a mudança de assunto. Ela coloca dois dispositivos
na mesa.
Dois, eu não gosto disso.
— O que é isso, por que dois? Você não espera que
eu ...
— Ah, sim, você vai. Você vai nessa comigo. Você tem
senhas que eu preciso. Eu não vou hackear arquivos que
não preciso se você estiver por perto. Além disso, será
bom para você. Esses bebês são sim aberto. Você vai gos-
tar.
Eu não acho que vou, mas tenho certeza de que não
tenho escolha. Eu me conecto relutantemente depois de
uma aula breve de Hacking 101 de Zoë.
Nós entramos na Grade de Atlanta. Parece uma versão
mais limpa da cidade. Mas os pontos de vista vêm com
um sentimento incrível e emocionante que não consigo
descrever. Acho que isso é o sim aberto de Zoë, imagino.
É outra coisa. Isso me faz sorrir. Eu acho. Eu não tenho cer-
teza de qual é meu persona e de qual é meu eu de carne.
Tudo parece entrelaçado. Uau.
Zoë agarra minha mão virtual para me fazer prestar
atenção, já que estou tão distraído. Saltamos para a grade
da Renraku. Claro, eu já a vi antes, mas nunca senti em
sim aberto. As luzes são mais intensas, e posso senti-las
pulsando no meu sangue. Quando voamos sobre o neon
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flamejante, o ar toca no meu rosto e um nó de vertigem
me agarra o estômago. É incrivel! Mas Zoë não me dei-
xa curtir. A próxima coisa que noto é que encontramos o
escritório norte-americano, aquele em Manhattan, e nós
estamos passando por ele. Eu passo para Zoë os códigos
de acesso que ela precisa. Às vezes eu não os tenho, às
vezes os que eu tenho são negados, mas ela dá um jeito.
Eu acho que tudo o que tenho é suficiente para extrapolar
e gerar rapidamente novas marcas. Porra, vamos ser ho-
nestos: não tenho ideia do que ela está fazendo. De qual-
quer forma, trabalhamos juntos. Eu sei onde precisamos
ir. Eu sei onde estão os arquivos quentes. Nós cortamos e
escorregamos para dentro do coração negro da Renraku e
chegamos aos repositórios que os Johnsons usam para si.
A construção que precisamos pesquisar é renderiza-
da como uma enorme biblioteca escura cheia de tomos
antigos. Zoë me faz uma lanterna que me permite ler os
livros das prateleiras. Perto da luz fraca que tenho, posso
ver redemoinhos oleosos de escuridão, pretos contra a
escuridão, cintilando e dançando. Eu ouço ruídos fracos,
como um sibilar, um sussurrar.... Eu lanço um olhar na di-
reção de Zoë. Seu rosto é uma máscara de concentração.
Eu sei o que está lá fora. GELO negro — e eu estou usan-
do o sim aberto. O que significa que aquela merda pode
me matar. Eu folheio as páginas o mais rápido possível. O
que quer que pareça remotamente promissor, eu baixo.
Eu vou cada vez mais rápido, até que eu realmente leio o
título e, se parecer interessante, eu baixo. Eu vou ler offline
depois. Você sabe, quando a pura escuridão não estiver
circulando ao meu redor procurando por um cérebro para
liquefazer em gosma negra fumegante.
— Johnson, nós realmente temos que ir.
Zoë não mostrou nenhum estresse durante todo o nos-
so caminho até aqui, então seu tom de voz atual não me
faz duvidar nem remotamente.
— Ok, beleza, vamos — eu digo.
O mar das sombras ao nosso redor está ficando agi-
tado, como o Mar do Norte em uma tempestade. Sinto
um medo primal. Eu quero sair. Agora. Agora. Agora. E é
aí que acontece. Antes de me deixar levar, eu sinto um
puxão na minha perna. Olho para baixo e vejo um tentá-
culo preto oleoso envolvendo minha perna. É estreito na
extremidade que está enrolada em meu tornozelo, mas
seu diâmetro é exponencialmente mais largo quando
você desce pelo comprimento, embora ele desapareça
rapidamente na escuridão sombria. Não sei o que fazer.
É escorregadio, pingando uma coisa preta e pegajosa, e o
óleo está escorrendo na minha perna. A coisa me dá um
puxão violento, e eu caio. Então, me arrasta para a escu-
ridão, em direção à sua massa. Eu grito. Zoë aparece ao
meu lado, com uma katana branca brilhante na mão. Ela
faz um corte no membro oleoso. A escuridão grita. Cente-
nas de gritos. Ao nosso redor. Eu sinto a massa ao nosso
redor, se aproximando. Os membros lustrosos e oleosos
desaguam e atacam a figura de Zoë, estalando como chi-
cotes. Ela se esquiva. Ela faz um corte no membro que me
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agarra enquanto me arrasto pelo chão. Eu me agarro no
chão, tentando me prender. Eu percebo uma pequena pis-
tola Luger dos anos 40 em minhas mãos — meu programa
de ataque. Eu disparo no centro aproximado da massa de
escuridão para a qual que estou sendo arrastado. O mem-
bro se sacode. Um guincho sibilante vem da escuridão —
soa molhado. Zoë esquiva de mais tentáculos. E então há
um momento em que ela olha para onde eu estou sendo
arrastado. Ela olha por um segundo. Então ela começa a
atacar freneticamente o tentáculo me segurando. Ela ruge
e grita. O membro é cortado.
— Despluga agora! Despluga agora! — grita.
Mesmo antes de sair, vislumbro o dono do tentáculo.
Uma massa tão grande que é inconcebível. Um lar para
tantos tentáculos não faz sentido. Fileiras de dentes, ba-
bando piche. Mas são os olhos que realmente me pegam.
A massa, se contorcendo, é um horizonte de horror, mas
os olhos são calmos e calculistas, e inteiramente conscien-
tes de mim.
Meus olhos se arregalam e eu me forço a puxar o ar. O
mundo gira. Não sei onde estou. Há uma perda de sensa-
ção. Estou morto? Tudo é tão sem graça. Meus sentidos
retornam para mim em um quinto do que eu tinha antes.
Não, nós desplugamos. Este é o mundo maçante da reali-
dade, o sim aberto se foi.
Há um rosto de gueixa pintado de branco na minha
frente. Eu pisco. O quê? Eu pisco. Ah, é Vaidade. Ela me
olha com interesse. Eu olho para ela e vejo Zoë, se recupe-
rando da diferença sensorial entre a Matriz e o mundo real
muito melhor do que eu, embora pareça pálida.
— Conseguiu o que precisava? — pergunta Vaidade. Ela
está perguntando a Zoë.
— Sim, o Sr. Johnson pegou alguns arquivos. Eu acho
que ele precisa olhar com mais calma. Cara, eu não vou
voltar lá — ambos olhamos para ela. Ela está de pé com
as mãos na cintura, sacudindo sua crina cheia de cabelos
loiros. — Mas que porra? Aquela foi a geleira mais gigante
que já vi. Mas que merda era aquela coisa preta? Ainda
bem que tínhamos as suas senhas.
Eu rosno. Eu sei que em um sentido aquilo pelo qual
eu passei não era real. Mas pareceu real. Me causou dor.
Poderia ter me matado. Então, era real o suficiente. E ainda
me deixou abalado.
— Você está bem? — Vaidade me pergunta gentilmente
enquanto tento recuperar uma base na realidade.
Eu aceno com a cabeça, passando a mão pelo meu ca-
belo.
— Você tem um feitiço para se livrar das teias de aranha
na minha cabeça? — pergunto a ela brincando.
Ela fica com um olhar ligeiramente pernicioso, então
eu vejo ela passar pelos meus olhos para um lugar dentro
da minha cabeça. De repente, eu sinto. Uma sensação de
prazer. Eu sinto todo meu corpo formigar. É como quando
eu consegui garotas para massagear meu couro cabeludo
gentilmente com a ponta das unhas, acariciando as raízes
do meu cabelo. Sinto arrepios enviados pela minha colu-
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na. Não é bem como o prazer do sexo, mas algo relacio-
nado a isso. E então ele para.
Eu pisco e, novamente, estou recuperando a respira-
ção.
— Uau — eu digo com a voz fraca. — O que foi isso?
O olhar malicioso de Vaidade se transforma em um
brincalhão.
— Talvez você receba isso de novo em algum momen-
to — diz ela reservadamente.
Ainda estou me recuperando, do choque de rejeição
ou do feitiço, não tenho certeza de qual, quando Vaidade
se vira e se afasta de mim. Ela para perto de Zoë e coloca
uma mão em seu pulso.
— Mas você tem arquivos para nós, né?
— Conseh Tiaza — responde Zoë com um sorriso mali-
cioso.
Bem. Isso já era previsível. Eu vou entender como
“custo de fazer negócios”. Ambas as garotas se voltam
para olhar minha reação. Deixo evidente que as ouvi, mas
não estou reclamando. Ambas riem. Ainda espero que
elas não tenham muitos dos nossos arquivos secretos. En-
tão, de novo, isso só importa se eu ainda trabalhar para a
Renraku, certo?
Assim, sem mais delongas, começo a ver com calma o
que eu baixei.
É preciso alguma interpretação. Não é como se tudo
estivesse às claras, mas, sabendo uma ou outra coisa, já
consigo juntar as peças; o que eu descubro é que um cara
que eu conheço, Nomura, está basicamente por trás de
tudo isso. Ele é um Johnson veterano — esse não é seu
título oficial, é claro, mas é o que ele é. O maior bastar-
do paranóico que já conheci. Ele é um filho da puta frio,
com uma atitude muito “se você não é japonês, você não
é nada”. Eu odiaria esse cara se ele não fosse tão assusta-
dor. Mas ele também quase não suja mais as mãos, então
é interessante que esteja tão perto do chão. Da última vez
que eu ouvi falar do cara ele tinha se transferido de volta
pro Japão. De qualquer forma, ele usou sua influência para
que a missão mudasse. Ele mandou me apagarem, apa-
rentemente sem muita consideração. Algo como “Ah, e,
claro, mate o Johnson executando esta operação. Obriga-
do”. Isso meio que explica aquela tentativa mal feia com
aquele tal Corvo. Eles contrataram um mercenário qual-
quer na pressa, não verificaram suas credenciais comple-
tas, e então conseguiram alguém bom, mas não bom o
bastante. É o suficiente para mim, eu acho, embora seja
um pouco insultante alguém decidir acabar com sua vida
como um adendo.
Agora, a verdadeira questão é: o que está acontecen-
do aqui? Por que Nomura perderia seu tempo em fazer
isso? Vamos voltar a pensar nos resultados. A operação
é roubar uma nova tecnologia de detecção de sensores.
É importante. Qualquer coisa na indústria aeroespacial,
como sensores e contra-sensores, são corres de Classe A.
Quem são os jogadores? Renraku e Boeing. Hmm. Na pi-
lha de arquivos que baixei, eu tenho alguns documentos
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interessantes relacionados a isso. Bem, bem, parece que
a Fed-Boeing e a Tetradyne Matrix Systems tiveram uma
pequena colabração em P&D nas tecnologias de contras-
sensores. Isto é interessante em todos os níveis. Tetradyne
é uma subsidiária europeia da Renraku. Embora não seja
inédito terem feito um acordo de pesquisa em território
americano, é estranho que a Renraku América tenha con-
vocado qualquer tipo de operação ilegal contra eles.
A menos que esta fosse uma das nossas operações de
recrutamento. A Renraku gosta de manter seus principais
talentos em exclusividade. Mas eles só querem o melhor,
então, para determinar esses principais talentos, temos
que testá-los. Claro, a melhor maneira de testar uma equi-
pe desconhecida é contra um ambiente que controlamos.
Ao colocar equipes contra os ativos da Renraku, é mais
fácil avaliar se a equipe faz jus à sua reputação e, portanto,
se vale a pena fazer o investimento de tê-los sob exclu-
sividade. A equipe de Anjo de Titânio é definitivamente
de primeira qualidade, então talvez esse fosse apenas um
corre de teste.
Tudo bem, então, onde Nomura se encaixa? Ele é um
cara da Ásia, e então sequestra um core de treinamento
para transformar em um corre de verdade. Apunhala a Fed-
-Boeing nas costar e põe a culpa na Tetradyne. Enquanto
isso, Nomura arruma alguns dados quentes para a parte
asiática da empresa
Este é realmente apenas mais um exemplo da noção
de que não existe uma única “Renraku”. Nenhuma mega-
corporação é tão unificada quanto você pensa. Na Renra-
ku, este é realmente um tipo de problema cultural. Dife-
rentes subsidiárias, especialmente de diferentes regiões,
ferram umas com as outras o tempo todo. Se — e isso é
um grande se — a Fed-Boeing descobrir que a equipe era
da Renraku, eles ficarão putos com a Renraku, não apenas
com Tetradyne. Mas são apenas negócios. Tetradyne vai
emendar a relação. Oferecer alguma compensação por
fora, algo assim. Talvez algum chefe da Tetradyne perca
seu emprego. Se você pensar a um nível bem amplo, sim,
isso é ruim para toda a Renraku. Mas, ao nível de alcance
humano, a subsidiária em que Nomura está trabalhando
vai ganhar um aumento enorme em P&D, as ações vão
subir, as pessoas vão ser promovidas e ganhar bônus gor-
dos. E realmente, isso é tudo o que importa. Ninguém se
preocupa com a “Renraku” como um conceito único. As
pessoas só se preocupam com seus arredores imediatos
Bem, quase. A questão é, a cultura da Renraku é tão
traidora quanto acabei de dizer. Mas apenas a portas fe-
chadas. A cultura prevalecente é de que a Renraku é essa
coisa nobre do Bushido samurai. As pessoas devem agir
honrosamente, ou pelo menos parecer. Os gerentes pe-
gos fazendo coisas erradas, sejam elas tão simples quanto
trair suas esposas com prostitutas, aceitar subornos, to-
mar decisões equivocadas e perder dinheiro da empresa,
caem sob suas espadas. Literalmente. Seppuku. Mesmo
que não vá tão longe, você certamente perderá seu em-
prego. Então, o plano de Nomura funcionará de forma ex-
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celente, desde que ninguém descubra.
Agora, é óbvio que ele cooptou minha divisão na Ren-
raku America. Mesmo que, como a mensagem de texto
de aviso que recebi de Matthew, eu ainda tenha amigos lá.
Mas eles não agirão contra Nomura. Eu não agiria contra
Nomura. Como eu disse, esse cara é assustador. Mas, com
a sorte que eu tenho, por acaso eu sei quem eu deveria
contatar. Conheço o chefe da Renraku Europa, Karl Stadt.
Nós nos encontramos algumas vezes, e nós meio que nos
demos bem. Ele acha que sou competente. Eu sempre
achei que ele queria que eu fosse para lá, mas não queria
desfalcar a América. E mais importante, ele é um texugo
pequeno e irritado de cabeça de porco. Você não mexe
com Stadt. Ele tem pau a pau pelos negócios no quintal de
Lofwyr há anos. Ele tem bolas do tamanho de campos de
golfe. Posso imaginar quão puto ele vai ficar quando ouvir
que a Ásia está tentando queimar ele com a Fed-Boeing.
Estou sorrindo. As coisas estavam ficando sombrias
para mim há um minuto. Mas agora, agora meu mojo vol-
tou. Eu peguei aquele pequeno verme Nomura pelas bolas.
O sorriso morre um pouco nos meus lábios. Que horas são?
Eu verifico meu relógio de retina. São 8 da noite. Está tarde
na Europa. Eu disse que conhecia Stadt, mas não o conhe-
ço no nível “acordá-lo no meio da noite”. Não poderei falar
com ele até amanhã. E o time de Anjo de Titânio não vai
desistir do corre, nem mesmo com o que descobri. Eles vão
querer prosseguir. Arrrgh! Tão perto, mas tão longe. Certo.
Ok. Não é tão ruim. Não é ideal, mas podemos fazer o corre
de qualquer jeito. Desde que Nomura não receba os dados;
Vou entregá-los a Stadt, acho que vai dar certo.
De qualquer forma, eu ainda tento contatar o escritó-
rio de Stadt. Eu envio uma mensagem explicando tudo.
Eu ligo para seu escritório, tento ligar diretamente para as
poucas pessoas que conheço na Europa. Falo com alguns
deles. Eles me dizem que farão o que puderem para che-
gar a Stadt. Depois de um tempo, sinto que fiz todo o pos-
sível para alcançá-lo. O que posso dizer — não se chega ao
diretor da Renraku Europa por um capricho.
Com esse lado das coisas feito, decido ver como an-
dam os preparativos da equipe.
Todo mundo parece estar relaxando. Irlandês está jo-
gado em um canto, com os braços cruzados sobre o peito,
cochilando. Zoë está na Matriz. Anjo está conversando
por áudio, passeando pelo armazém vazio. Vaidade está
sentada em um canto, assistindo a um trídeo em RA. Eu
me sento ao lado dela. Ela está assistindo um remake de
Casablanca de mais ou menos vinte anos atrás.
— Eu amo esse filme — ela diz distraída, capturada pe-
las imagens, enquanto me jogo perto dela.
— Você já viu o original? — pergunto. Eu, com certeza,
não vi, mas ela é fã, então quem sabe.
Ela fala devagar, como se estivesse acordando de um
sono profundo e agradável, e parece um pouco vaga, en-
tão eu acho que ela está viajando num emochip pra apri-
morar a experiência.
— Não. Essa é a única versão que eu já vi. Da primeira
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vez que vi, eu tinha uns quatorze anos. Me inspirou. Agora
me relaxa. Me leva para outro lugar. É como um conto de
fadas para shadowrunners. — ela deixa escapar uma risada
vaga no final.
— Conto de fadas? Não termina em tristeza?
Ela olha as imagens por um momento.
— Não se trata de como acaba. É o cenário. O desenvol-
vimento. Sempre termina em tristeza, caso contrário não se
chamaria “final”.
Eu pisco. Pareceu ter sido profundo.
— Então, nenhuma revisão do plano, ou treinamento?
— pergunto.
— Não, não tão perto da missão. Todos nós tentamos
relaxar agora. Não importa quantas vezes façamos isso,
todos nós ficamos nervosos. Tentamos nos distrair. Irlan-
dês fica com sono. Eu também, um pouco. Eu só me reco-
lho e espero passar.
Eu reconsidero essa vida em que você ganha seu di-
nheiro indo de encontro às probabilidades apontadas di-
retamente contra você com chances altas de ter sua carne
dividida por uma bala. É uma vida louca. Lembro de que,
apesar do meu tempo gasto com Vaidade e sua equipe,
nunca entenderemos por que eles fazem isso. Profissio-
nalmente falando, não preciso entender, então tudo bem.
Ficamos sentados em silêncio, assistindo ao trid. De-
pois de alguns minutos, Vaidade parece me notar pelo
canto do olho. De repente ela se virou para mim.
— O quê? Qual é o problema? — eu digo um pouco
alarmado.
Ela se aproxima de mim e me dá um beijo de boca
aberta, seus lábios gentilmente forçando os meus, me
dando um exercício de boca intenso e bastante prazeroso.
Ela retrocede lentamente e volta a assistir o filme.
“— O que foi isso?
Ela dá de ombros.
— Podemos estar mortos amanhã — é a única explica-
ção que ela oferece.
Já vi algumas garotas da vida corporativa que peguei
me dizerem a mesma coisa como desculpa por meter o
louco e transar com um bad boy como eu, mas nunca em
um sentido tão literal.
Nós não conseguimos ver o fim do filme. Antes de ter-
minar, Anjo volta até todo mundo e os tira de seus mo-
mentos particulares. Vaidade desliga, tendo o famoso fim
negado, sem reclamar. Todos se equipam em silêncio,
colocando a armadura, pegando suas armas, prendendo
eletrônicos, verificando tudo.
Irlandês me joga um colete a prova de balas, que eu
não pego por não estar esperando. Quando olho para os
meus pés, ele me entrega uma pistola. Levanto minhas so-
brancelhas para ele.
— Eu não vou. — é uma afirmação.
Ele dá um sorriso maligno e Anjo responde por ele.
— Sim, você vem. Você vai ficar com Zoë. Você vem
com a gente.
— Eu não tenho treinamento para isso. Eu sou um John-
<< NADA PESSOAL 20
>> SHADOWRUN • FICÇÃO AMPLIADA <<
son. Eu falo. É tudo o que eu faço. — eu digo muito clara-
mente. A insanidade óbvia de suas palavras loucas deve
ser aparente. Talvez eu tenha entendido errado.
— Você vai entrar. Você não vai estar no lugar dos tiros.
Zoë vai te manter em segurança — confirma Vaidade. Eu
olho para ela de queixo caído. Et tu, Brute?
Zoë me dá uma piscadela.
— Você vai ficar a salvo comigo, docinho — diz ela, cla-
ramente se divertindo com seu novo papel como minha
protetora. — Não se preocupe, AT e Irlandês vão cuidar
do tiroteio; Vaidade vai dar apoio para todos nós, e você e
eu vamos gritar feito ratinhos. — ela usa seus dedos para
imitar orelhas de ratinhos. Eu olho com descrença.
Independentemente disso, tudo dito e feito, eu me
vejo vestido de preto, com a armadura presa e a pistola
no coldre. Eu realmente não planejo usá-la. A única razão
pela qual eu deveria disparar é se todos os outros estive-
rem mortos. Se chegar a esse ponto, eu só vou arriscar e
me render. Foi o que eu decidi. Ainda assim, embora eu
não esteja de boas com o fato de ter sido alistado, eu te-
nho fé na equipe. Eu os contratei, afinal de contas.
Depois do que me parece simples momentos, segui-
mos nosso caminho rapidamente até os arredores da ci-
dade, e nos encontramos do lado de fora do perímetro
da instalação, escondidos em meio à grama alta. Quando
Irlandês corta o fio, percebo que não tenho como vol-
tar atrás. Todos nos levantamos e corremos para a nos-
sa próxima cobertura. Nós estamos expostos aqui, então
Vaidade faz um espírito nos esconder. Checamos a hora.
Estamos um pouco adiantados no cronograma. Eu tenho
que dizer até agora estou impressionado. Eles se movem
como um, com uma eficiência no comparáveis às unida-
des de forças especiais de alto nível. Eu vi a Samurai Ver-
melho em ação antes, e a equipe do Titânio me lembra
esses caras.
O próximo passo é abrir a porta para a construção
principal. Depois disso, apenas a furtividade não será o
bastante. Todos trocam olhares, e então todos os olhos se
pousam em mim. Estamos aguardando a equipe de dis-
tração. De alguma forma, sou pessoalmente responsável
por eles, como se fossem meus filhos ou algo assim. Pas-
samos o marcador de tempo. Nada. Irlandês me dá um
rosnado desagradável.
— Só esperem — eu sussurro, embora tenha sérias
dúvidas. Eu fui arrancado da minha operação faz tempo.
Desde que fui chutado pela Renraku, não é impossível que
tenham cancelado a equipe de distração. Talvez eu tenha
me mostrado quando invadimos a Renraku. Estou fora do
controle há tempo demais. Não gosto nem um pouco dis-
so.
De repente, ouvimos o som em staccato dos dispa-
ros ecoando à distância. Gritos. Mais tiros erráticos. Então
uma bola de fogo gigante ilumina o céu. Sinto o ar um
grau o dois mais quente, mesmo a essa distância. Sorrio.
— Vá — Anjo de Titânio ordena suavemente, e nós se-
guimos
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Chegamos à parede lateral e ao nosso ponto de intru-
são no momento em que as sirenes começam a explodir
alto. O trabalho mental de Zoë rapidamente destranca a
porta, que, em um momento de confiança nas minhas ha-
bilidades, sou encarregado de manter abertas enquanto
Anjo e Irlandês rolam para dentro. Eles imediatamente
disparam suas armas silenciadas. Um disparo cada um,
depois outro de Irlandês. E é isso. Assim que todos estão
lá dentro, eu vou também. Anjo e Irlandês já estão longe,
se afastando. Eu vejo dois guardas de segurança abatidos
e um cara de calça cáqui e camisa branca. Lugar errado,
hora errada, chapa. Minha mente vagamente registra que
eles provavelmente não precisavam atirar no civil, mas
estou tão doidão da adrenalina que descarto isso como
não essencial para a minha sobrevivência e, portanto, sem
importância.
Eu me concentro com todas as minhas forças e me
lembro que deveria seguir Zoë. Seguir pra onde? Por quê?
E depois? Eu começo a entrar em pânico. Não sei o que
estou fazendo aqui. Tudo isso está tão fora da minha al-
çada! Eu me forço a me acalmar. É tão difícil só focar em
instruções simples. Mas eu percebo que se eu fizer o que
me disseram, eu me darei uma chance de sair dessa com
vida. Fecho meus olhos e foco, e me estabilizo. Eu sigo
Zoë. Nós viramos à direita, descendo um lance de esca-
das, depois descendo um corredor. Zoë sempre nos para
quando chegamos a alguma porta ou temos que virar al-
guma esquina. Paramos, ela verifica com cuidado, prosse-
guimos. Não encontramos ninguém no caminho. Estamos
em algum porão. Estamos descendo os corredores. Che-
gamos a uma porta de segurança. Trancada por uma trava
magnética. Zoë olha para ela por alguns segundos e ela se
abre revelando um segurança, vestido com uma armadura
negra e segurando uma submetralhadora. Ele parece tão
surpreso em nos ver como estamos ao vê-lo. Zoë apon-
ta selvagemente sua arma e dispara quatro tiros no vidro
negro do visor. Ele cai. A garota para pra verificar se ele
está mesmo morto. Naquele momento, outro guarda vira
o corredor e ergue a arma na direção Zoë. Pego minha
arma. Atiro, atiro, atiro, atiro. Atiro. Ao disparar, o clarão
da arma é tudo que eu vejo. Tenho que parar de atirar para
ver o que aconteceu. Eu acertei. Há sangue respingado na
parede e ele está caído no chão. Eu pisco rapidamente,
tentando afastar as manchas brancas que estou vendo
por causa do clarão. Zoë respira fundo, percebendo que
poderia ter sido o fim dela. Nós dois olhamos um para o
outro e acenamos com a cabeça. E lá vamos nós.
Zoë avisa ao resto da equipe que encontramos guar-
das inesperados, mas lidamos com isso. Anjo e Irlandês
estão perplexos, já que aqueles caras não deveriam estar
lá. Não importa. Chegamos ao laboratório de informáti-
ca onde a tecnologia está sendo trabalhada. Está deserto,
como deveria estar. Zoë se conecta e começa a hackear.
Deve demorar só um minuto. Espero ansiosamente.
Um homem brota ali, entrando do nada no laboratório.
Ele me vê parado ali e vê Zoë com um cabo que passa da
<< NADA PESSOAL 21
>> SHADOWRUN • FICÇÃO AMPLIADA <<
cabeça para a tela de controle. Você pode achar que ele iria
surtar e voar pra cima da gente, mas não é o que ele faz.
— Não! Você não pode fazer isso. Esta pesquisa é im-
portante demais! — ele diz com raiva. Eu percebo que ele
é um desses gênios de P&D de alto nível que não se preo-
cupam com a morte, apenas em não perder seu trabalho.
Conheço o perfil de personalidade. É comum para nós eli-
minar alguns deles.
Eu aponto minha arma para ele.
— Vamos levar.
— Não! — Vocês não podem! —ele diz desafiadora-
mente.
É insano! Ele não está armado, e eu estou apontando
uma arma para a cabeça dele.
— Sai fora! Estou apontando o caralho duma arma pra
porra da tua cabeça! Você perdeu. Cai fora, cacete! — eu
grito para ele. Eu me sinto como um troll irritado. Sinto o
poder da arma na minha mão. Acabei de matar um cara.
Lá fora. Matei sim. Posso matar novamente.
— Seu desgraçado! — ele rosna enquanto corre na mi-
nha direção.
Eu disparo; depois disparo novamente; então, mais uma
vez. Três tiros, na parte superior das costas, enquanto ele
vem em minha direção de cabeça baixa. Ele colapsa instan-
taneamente no chão, como um boneco cujas cordas são
cortadas. Ele não grita mais. Uma poça de sangue começa
a se formar debaixo dele. Eu dou dois passos para trás para
evitar que me toque.
Zoë pisca de volta para este mundo. — Puta merda! —
ela exclama ao ver minha obra.
— Ele saiu do nada, um dos cientistas do projeto ou
algo assim. Ele tentou me atacar, acredita nisso? — eu
digo, minha voz muito mais aguda do que o habitual.
— Você não poderia simplesmente dar na cara dele? —
ela pergunta, me olhando com olhos arregalados.
Eu percebo que parece bastante razoável. Eu poderia
ter feito isso. Não sei por que não fiz. Minha boca abre e
fecha. Não tenho resposta.
— Não importa. Eu peguei os dados. Vamos Echo Fox-
trot — diz ela, levantando-se.
— O quê? Quem? — eu digo, confuso.
— Echo Foxtrote! Em frente! Vamos em frente, porra!
Vamos! — ela insiste.
Atirar em pessoas não fazia parte do meu plano. Olha
o que acontece quando se improvisa. Eu estou na merda.
Voltemos a manter as coisas simples. Siga Zoë. Basta se-
guir Zoë.
Sair é um borrão, já que meu cérebro ainda está ocu-
pado tentando processar o que aconteceu. É uma bagun-
ça de corredores, luzes intermitentes e alarmes gritantes.
Tudo o que sei com certeza é que nos encontramos pri-
meiro com Vaidade, que parece cansada, seu rosto pálido,
depois com Anjo de Titânio e Irlandês. Há um pouco de
sangue borrifado sobre eles. Irlandês se move como se
suas costelas estivessem feridas. Nosso plano — há, com
quem estou brincando, o plano deles — era sólido e está
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firme. Nós exfiltramos com base nas coordenadas plane-
jadas. Do outro lado da instalação, parece que a equipe de
distração ainda está mandando ver. Zoë nos informa que
invadiu a frequência deles. Anjo pede que encaminhe para
nossos fones.
Eu reconheço a voz grosseira do homem que eu con-
tratei no bar, o troll feio. Sua voz é firme, irritada, deter-
minada. Seus colegas de equipe soam da mesma forma.
Toda vez que eles falam, o ruído de fundo do tiroteio vem
junto. Eles perceberam o que aconteceu. Eles estão rece-
bendo tiros demais.
— Exfiltrem, suas escórias idiotas! — grita irlandês, em-
bora o nosso canal seja apenas para ouvir. Talvez seu con-
selho ardente tenha sido recebido psiquicamente, porque
na mesma hora o troll dá a ordem de sair de lá. Sinto que
todos aqui respiram aliviados. É como ouvir um jogo de
futebol na rádio com um monte de fãs ardentes chapados
de cafeína.
Mas, assim que nos vemos fora do parque industrial e
a outra equipe está recuando, um par de roto-drones apa-
rentemente pesados, com as luzes de vôo piscando cal-
mamente, zumbem em direção à cena de combate como
zangões gordos cheios de pólen. Eles mudam de um vetor
de trânsito para um operacional, e tudo o que ouço é um
som de rasgo terrivelmente alto. Dois pequenos pontos
inchados no céu cospem fogo de uma minimetralhadora
abaixo deles, traçando rotas que fazem parecer que estão
derramando uma cascata de metal derretido. Seus peque-
nos corpos inchados flutuam em um padrão circular e o
som de placas de metal se rasgando para quando mais
metal derretido jorra abaixo. As coisas ficam silencio-
sas depois disso. Ouvimos sussurros no canal de áudio.
Baixos demais para que possamos entender as palavras.
Deve ser uma oração. Então, nada além de estática.
Zoë desintoniza o canal. Nenhum de nós fala. Volta-
mos para a nossa van e seguimos em silêncio.
Todos nos ocupamos silenciosamente com a remo-
ção e organização dos equipamentos. Minha cabeça está
leve. Sinto-me estranhamente sereno, mas se eu fechar
os olhos, vejo tempestades negras. Pego meu com-link e
checo minhas mensagens. Eu tenho uma mensagem de
Stadt, ou mais precisamente, um de seus entregadores.
Limpo minha garganta para chamar a atenção de todos.
— Eu tenho uma mensagem de elementos amigáveis
dentro da Renraku. Eles suspenderam a operação. Nós
faremos uma entrega para um agente amigável — deixo
meu com-link de lado e encontro os olhos de Vaidade. —
Não deve mudar nada para vocês. Vocês ainda serão pa-
gos. Vai resolver as coisas para mim, no entanto.
Vaidade mantém seus olhos fixos em mim, sem de-
monstrar qualquer reconhecimento. As curvas inclinadas
de seus olhos castanhos amendoados me observam com
tranquilidade. Eu acho estranho que ninguém diga nada.
Eu acho que eles ainda devem me culpar pelo destino da
equipe de distração.
— Bom — diz Anjo de Titânio, depois de uma longa
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>> SHADOWRUN • FICÇÃO AMPLIADA <<
pausa.
Nada mais é dito até que voltamos para a cidade
Peço a Zoë os arquivos de dados que tiramos e exami-
no. Especificações de engenharia para material de derrota
de sensores. É uma merda altamente técnica; mas, clara-
mente, dados suficientes para que qualquer engenheiro
descubra como fazer a mesma coisa ou mesmo começar a
preparar a contra-tecnologia. É apenas mais um marco em
uma corrida de armamentos sem fim. Parece quase inútil,
mas eu sei que estamos falando dados que valem bilhões
de neoienes.
Nós iremos descarregar os dados de pagamento ime-
diatamente com o agente de Stadt. Dirigimos até o ponto
de encontro. Eu não tinha muita certeza de para onde fui
quando estava sozinho, depois do incidente do hotel, mas
eu reconheço novamente o local, vendo agora. Estamos
no mesmo bairro onde vi aqueles punks. Na verdade, nós
estacionamos no mesmo lote nos fundos da mesma loja
onde me sentei por um tempo. Rio suavemente pelo fato
de ter completado um ciclo.
— Que foi? — pergunta Vaidade.
Ela deve ter me observado atentamente para perceber
minha reação quase imperceptível, o que me surpreende.
— Oh, nada — murmuro. — Eu estive aqui antes. Só
isso. É estranho. Parece o destino.
Anjo também se interessa estranhamente no assunto.
— Só isso?
— É — digo, tentando encerrar a conversa. Não sei por
que eles estão prestando tanta atenção. Eu disse que es-
tou bem. Eu acho que talvez eles achem que fiquei muito
chateado. — Tá tudo bem. Eu tô bem.
Eu vejo Vaidade e Anjo trocarem olhares, mas eles ime-
diatamente os afastam.
Um sedan preto se aproxima e estaciona nas proximi-
dades. Não tem como confundir quem deve ser.
— Vai — Anjo me diz.
— Eu? Vocês não vão lá? — Pergunto.
— Não, está tudo bem. Confiamos em você. Você deve
ter coisas para discutir com ele sobre sua situação. Só tra-
ga nosso dinheiro. Nós estaremos esperando.
Ele acena com a cabeça para mim. Anjo de Titânio tem
um olhar intenso, e seu discurso é focado completamente
nos negócios, mas ele certamente tem uma presença se-
gura de si mesmo que inspira respeito. Ele é alguém que
você quer ao seu lado. Ele é um bom líder para esta equi-
pe. Eu aceno de volta e saio da van. Chego para fechar a
porta, mas Vaidade me para.
— Deixa aberta, só pra garantir. O seguro morreu de
velho — aceito e deixo a porta aberta, caminhando em
direção ao sedan. Penso novamente no passeio de car-
ro ontem. Vaidade, sentada atrás de mim, pronta para me
matar. O seguro morreu de velho.
Um homem sai do sedan quando me aproximo. Não
posso deixar de me sentir nervoso. A transferência sem-
pre parece tão arriscada. Fico sempre tenso durante as
transferências com minhas equipes, e elas também ficam.
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Nada acontece, ou pelo menos não até agora, mas é que
a este ponto, você está em um limite onde os runners de-
vem dar o que eles lutaram tanto para adquirir, e eles se
sentem vulneráveis, e todos pensam sobre o que pode-
ria dar errado e como alguém na reunião poderia decidir
matar qualquer outra pessoa. Mas geralmente é um breve
momento de tensão. Então passa, eles entregam os bens,
e meu lado entrega o pagamento. Ninguém saca arma ne-
nhuma. Todo mundo recua. Tudo está bem. Normalmente.
Esse momento tenso paira sobre nós agora. Eu vou até
o Johnson do outro lado. Eu o conheço. Um recruta jovem.
Ele está vestido com um terno de lã em risca de giz muito
caro, relógio de bolso dourado elegantemente pendurado
em uma fina corrente pelo peito. Ele sorri amplamente para
mim, como se eu fosse um amigo voltando de um passeio.
— Jesus, Martin, você está um lixo. — ele diz, e ele abre
um sorriso perfeito de dentes brancos.
— Eh, bem — dou de ombros. Não consigo pensar em
uma única coisa coerente para dizer em resposta.
Jota — esse é o nome dele — procura desajeitadamente
algumas palavras para quebrar o silêncio, percebendo que
meu humor não é tão bom quanto o dele.
— É, sim, sim. Entendi. Então, uh, sua equipe obteve os
dados, certo? Você tem os dados?
Assinto.
— E você vai levar isso para... —eu indico, apenas para
ter certeza. Nós dois dizemos “Stadt” ao mesmo tempo.
Ele assente.
— Sim, Stadt. Conversamos, tudo foi resolvido. Nomu-
ra realmente me levou até aqui, você sabe. Que babaca,
hein? De qualquer forma, no último minuto, Stadt chega e
a merda toda vai pro ventilador, Nomura está fora, eles me
contam o pouco que preciso saber. Nada muito diferente
para mim. Eu só faço o que me mandam. Mas, uh, sim,
acho que o Nomura tentou te foder. Mas está tudo bem
agora. Tudo de boas.
Eu assinto lentamente. Que sem noção! Mas ele é jo-
vem, ele vai aprender. Eu busco o pequeno chip de dados
onde despejamos todos os arquivos e mostro para ele.
— Esse é o... —eu começo, mas sou interrompido quan-
do o peito dele explode.
Grandes orifícios sangrentos do tamanho de bolas de
gude se abrem, rasgando seu terno. Por reflexo, levanto
uma mão, com os olhos arregalados. Uma sensação súbita
de azia preenche minha garganta à medida que a adrenali-
na me consome. Jota tem tempo de gorgolejar um pouco
antes de despencar no chão. Olho em volta. Registro um
som perto de mim, mas não vejo nada. Então eu como
um bocado de chumbo. Dói. Minha boca se enche com o
gosto metálico do sangue. Minha mandíbula parece dor-
mente quando eu caio. Em um momento, estou olhando
para o nada, no próximo, Irlandês está olhando para mim,
o cano de um Predator silenciado apontado para mim, a
morte fria em seu olhar. Irlandês. Ele sempre quis me fo-
der.
Ah, merda. Então eu registro. Invisível. Vaidade. Isto é...
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Isso é...
— Por quê? — pergunto.
Irlandês aponta fixamente o cano de sua arma para
mim. Anjo, Vaidade e até mesmo Zoë entram no meu
campo de visão. Todos olham para mim.
— Nós conseguimos um acordo melhor com a Mit-
suhama — diz Anjo de Titânio.
Eu olho para todos eles.
— O que? — é tudo o que consigo dizer, derramando
toda a minha mágoa e descrença em minhas palavras.
— Nós conseguimos um acordo melhor com a Mit-
suhama — repete Vaidade, como se fosse a coisa mais
clara do mundo. O que não deixa de ser. Zoë retoma a
explicação a partir daí.
— Sua organização está tão confusa que eles nunca
vão descobrir. Não vai fazer nada com nossa reputação.
Eles nunca saberão o que aconteceu. Eles vão te culpar. Eu
apaguei qualquer menção à nossa equipe de seus arqui-
vos para este trabalho. Nomura está fora. Ele é o único que
poderia ter sabido o que estávamos fazendo, e duvido
que ele se importe, de qualquer maneira. Estamos limpos.
Então, acabamos de vender para o melhor lance. Quero
dizer, por que não? Você nos deu a chance. É só isso. Nada
pessoal.
Eu olho para cada um deles. Eles me encaram com o
mesmo interesse que um alienígena dissecando uma cria-
tura abduzida poderia ter.
— E quanto a mim? — Eu perguntei, olhando para o cor-
po de Jota
E quanto a você? — responde, Irlandês com prazer.
Vaidade levanta uma mão e abaixa a arma de Irlandês.
— Renraku, seja seus chefes americanos, ou a divi-
são da Europa, descobrirá que você os traiu. Pode não ter
muito sentido, e eles podem não entender o porquê, mas
eles entenderão que você fez isso. Não há muito que você
possa dizer para se defender. Mesmo que você os faça
ouvir e conte a eles sobre nós, ainda será culpa sua. Você
nos contratou.
E eu sei que ela está certa.
Meus olhos caem. Eu estou quebrado, derrotado, su-
perado e enganado. E não foi nem difícil para eles. Por
toda a minha experiência — esta não é a minha primeira
vez que lido com os shadowrunners — eu fui derrotado
como uma criança em um jogo contra adultos. Por estar
focado demais em salvar a minha própria pele, não pen-
sei no que os outros poderiam fazer, no que os interesses
deles os fariam fazer. O cálculo mais básico de todos, e eu
ignorei. Que noob idiota que eu fui.
Anjo perde o interesse e sai. Zoë dá de ombros, me
lança uma piscadela e junta-se a ele de volta ao carro.
Irlandês grunhe e me deixa, dando a Vaidade um olhar
significativo. Vaidade agacha-se ao meu lado. Ela procura
meu contato visual. Eu dou-lhe uma bofetada.
— Foda-se, Vaidade!
Eu me levanto, cuspo sangue, gemendo. Eu xingo. Co-
meço a caminhar, meio que na direção de Atlanta. Vaida-
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de se junta a mim.
— Ei — ela diz.
— Eu mandei você se foder, Vaidade. Se você não vai
me matar, me deixe em paz.
– Ei! — ela diz novamente, me segurando. Eu afasto a
mão dela com um tapa. Então meus membros se endu-
recem como se fossem feitos de aço enferrujado e não
consigo mais me mexer.
— Sério isso!? — eu grito enquanto o feitiço me segura.
Ela se coloca na minha frente.
— Deixa de ser babaca. Se você se lembra de como
fazer isso.
Sinto que o feitiço é dissipado. Eu suspiro. Recupero
um pouco da minha compostura.
— Certo. Que foi? Vocês brincaram comigo como um
otário. O que mais resta dizer?
— Eu joguei o jogo — ela diz com firmeza, sem uma
pitada de flerte. — Assim como você jogou quando você
contratou uma equipe para uma missão suicida. Assim
como você jogou mil vezes antes. Você baixou a guarda, e
você sabe o que acontece quando as pessoas fazem isso.
Você ainda está vivo e tem sorte de estar. Então faça o que
o resto de nós sempre faz — encontre um próximo passo
a seguir e dê.
Agora, é minha vez de lhe dar um olhar nivelado.
Ela estende o braço e me oferece algo. É um com-link.
Eu olho para ele.
— Pegue. Está ligado a uma conta com algum dinheiro,
e tem um SIN falso nele. Não muito, mas é um começo. E
também tem o contato do Mitsuhama de Anjo. Ele quer
conversar com você. Ele quer te oferecer um emprego.
Eu levanto uma sobrancelha. Pego o dispositivo.
— Mitsuhama, hein? — eu pergunto lentamente.
Eu respiro e os dois últimos dias voltam para mim. Não,
não vou voltar para a Renraku. Não vou dar um pulo em
meu apartamento em Manhattan. É pesado. Mas eu sabia
que isso poderia terminar assim.
Terminar assim.
Eu sorrio, e o sorriso se transforma em uma risada, en-
tão em uma gargalhada. Eu agito minha cabeça.
— O que é tão engraçado? — pergunta Vaidade.
— Sempre termina em tristeza, caso contrário não se chama-
ria “final” — eu recito.
Um sorriso tímido cresce em seu rosto. Ela cora e olha
para o lado.
— Você sabe que eu estava doidona quando eu disse
isso, certo? — diz ela.
Eu rosno. Eu jogo o com-link para cima e para baixo na
minha mão, à medida que o momento se estende.
— Bem, sempre teremos Paris, hein?
Ela delicadamente levanta uma sobrancelha sobre o
olho amendoado.
— Na verdade, teremos Metrôpole ... — ela diz, girando
bruscamente e se afastando.
Eu franzi o cenho.
— Metrôpole?
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>> SHADOWRUN • FICÇÃO AMPLIADA <<

— É. É lá que vai ser seu novo emprego. Quando ela entra na van, eu ouço uma única risada
— Ah. Ok. — na verdade, eu tenho uma centena de
zombeteira.
perguntas em mente, mas nenhuma delas consegue ser a
primeira da fila e sair da minha boca. — Mesmo se você fizer isso, Sr. Johnson, não vai ser
— Também estou indo pra lá. A equipe toda vai passar
nada pessoal, certo?
um tempo por lá — um sorriso malicioso curva seus lábios.
— Que coincidência, não? Tenho um sorriso no meu rosto quando a van sai, me
Eu rio. Eu a vejo se afastar, e então chamo:
deixando sozinho na noite.
— Talvez eu os contrate, então. Eu prometo que não
será para um corre de distração.

INFORMAÇÃO DE JOGO
VAIDADE (HUMANA) Equipamento: Colete a prova de balas [Não condutividade 8, Resistente
ao fogo 4], Com-link de elite Erika (Equipamento nível 4), trodos
B A R F V L I CA M Ess Armas:
Ares Predator V [Pistola Pesada, Pre 5(7), VD 8F, PA -1, SA, CR —,
3 4 4 2 4 4 4 5 5 6
15(p), c/ smartlink, 1 pente extra]
HK-227 [Submetralhadora, Pre 5(7), VD 7P, PA —, SA/RJ/RC, CR (1),
Iniciativa: 8 + 1d6
28c, c/ 4 pentes extras, silenciador]
Iniciativa Astral: 8 + 3d6
Colt M23 [Rifle de Assalto, Pre 4, VD 9F, AP –2, SA/RJ/RC, CR –3, 40p,
Movimento: 8/16/+2
4 pentes extras, Smartlink sob o cano, Saída de gás Nível 3]
Monitor de condição: 10/10
Ciber lançador de microgranada [Lançados de Granada, Pre 4(6), VD
Limites: Físico 4, Mental 6, Social 6
como granada, AP como granada, SS, CR —, 2(m)]
Qualidades: Felina, Primeira impressão
Microgranadas Flash pak [Especial, p. 435, SR5]
Armadura: 9
Habilidades (Pilhas de dados): Trapaça 8, Pistolas 6, Ginástica 7, Nego-
ciação 8, Percepção 7, Furtividade 8 (10), grupo de perícias de Feitiçaria
9, Invocação 7 IRLANDÊS (HUMANO)
Magias: Invisibilidade Aprimorada, Confusão, Influência, Controlar Pen-
samentos, Barreira Física, Bola de Mana, Sonda Mental B A R F V L I CA Ess
Equipamento: Colete a prova de balas [Resistente ao fogo 4], Com-link de 5 (6) 5 (6) 5 (8) 4 (5) 3 2 3 3 1.3
elite Erika (Equipamento nível 4), Lentes de RA (compensação de ofusca-
mento), palitos de cabelo (foco de feitiço, Manipulação, nível 3), trodos Iniciativa: 11 + 3d6
Armas: Movimento: 12/24 +2
Colt America L36 [Pistola Leve, Pre 7, VD 7F, PA —, SA, CR —, 11 (p), Monitor de Condição: 11/10
c / 1 pente extra] Limites: Físico 8, Mental 4, Social 4
Armadura: 14
Habilidades (Pilhas de Dados): grupo de perícias Atléticas 11, Armeiro 4,
ANJO DE TITÂNIO (HUMANO) Artesão 6 (Culinária +2), Armas Brancas 10 (Faca +2), Demolições 4, grupo
de perícias de Armas de Fogo 11, Intimidação 7, Percepção 5, Furtividade
B A R F V L I CA Ess 9, Combate Desarmado 10
6 (9) 4 3 (5) 4 (6) 4 3 4 4 2.0 Ampliações: Ciber-orelhas [Nível 1, c/ abafador, conexão de som], ciber-
-olhos [Nível 3, c/ camera, conexão de imagens, compensação de ofus-
Iniciativa: 8(9) + 3d6 camento, visão noturna, neuroconexão, ampliação de visão 3], ortopele 2,
Movimento: 8/16/+2 gravador de reflexo (Automático), glândula supratiróide, habilitrônicos 2
Monitor de Condição: 11(13)/10 Equipamento: Colete a prova de balas [Não condutividade 4, Resistente
Limites: Físico 6(9), Mental 5, Social 5 ao fogo 4, Proteção química 4], Com-link de elite Erika (Equipamento nível
Qualidades: Vitalidade, Sistema Imunológico Fraco 4), trodos
Armadura: 15 Armas:
Habilidades (Pilhas de Dados): grupo de perícias Atléticas 7, grupo de Ares Predator V [Pistola Pesada, Pre 5(7), VD 8F, PA -1, SA, CR —,
perícias de Armas de fogo 10, Intimidação 9, Liderança 10, Percepção 6, 15(p), c/ smartlink, 1 pente extra]
Furtividade 7, Combate Desarmado 10 Faca de combate [Lâmina, Pre 6, Alcance —, VD 6(7)F, PA -3]
Ampliações: ciberbraço (alphaware) [óbvio, direito, customizado c/ Agi- Ingram Smartgun X [Submetralhadora, Pre 4(6), VD 8F, PA —, RJ/RC,
lidade 1, Força 3, Suporte de giroscópio], ciberbraço (alphaware) [óbvio, CR -2, 32p, c/ smartlink, 4 pentes extras]
esquerdo, customizado c/ Agilidade 1, Força 3, Lançador de granada], Yamaha Raiden [Fuzil de assalto, Pre 6(8), VD 11F, PA -2, RJ/RC, CR 1,
amplificador de sinapses 2, revestimento ósseo de titânio (alphaware), 60p, c/ smartlink, supressor de som, 3 pentes extras]
ciber-olhos [Nível 1, c/ câmera, compensação de ofuscamento, neuroco-
nexão, smartlink]

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ZOË (ELF) F-B BUMBLEBEE

B A R F V L I O Bumblebee é uma versão fortemente blindada de um
CA Ess
2 5 4 2 4 6 4 5 5.8
Roto-Drone típico. Embora seu peso significa que é im-
provável que seja visto fora dos perímetros fixos de se-
Iniciativa: 8 + 1d6 gurança, o Bumblebee ganhou o cobiçado prêmio de
Iniciativa na Matriz (Sim Fechado): (Processamento de Dados + 4) + 3d6 “Melhor Drone de 2075” da Corporate Security Weekly,
Iniciativa na Matriz (Sim Aberto): (Processamento de Dados + 4) + 4d6 melhorando seu potencial de vendas. O papel do Bum-
Movimento: 10/20 +2 blebee é direto: ir onde está o maior problema e fazer
Monitor de Condição: 9/10 com que chova morte dos céus. A armadura espessa sig-
Limites: Físico 4, Mental 7, Social 7 nifica que é improvável que vá cair a menos que comba-
Qualidades: Alergia (Ouro, Incomum, Moderada), Aparência Humana tido com armas anti-veiculares.
Armadura: 9
Acessórios Padrão: Stoner-Ares M202 [Submetralha-
Habilidades (Pilhas de Dados): grupo de perícias Atléticas 8, grupo de pe-
dora, Pre 5, VD 10F, PA -3, FA, CR -, 100 (cinto), c/ cartu-
rícias de Quebra de Dados 10, grupo de perícias Eletrônicas 9, Pistolas 7,
Combate Desarmado 7 chos de rastro]
Ampliações: Ciber-olhos [Nível 1, c/ câmera, neuroconexão], conector de Stoner-Ares M202 Autossoft de Mira
dados
Programas: Monitor de bebê, Blecaute, Configurador, Encripção, Explorar, O Bumblebee é operado com a perícia Pilotar Aerona-
Dividir, Guardar, Martelo, Assaltante, Depuração de sinal, Esgueirar, Furti- ves.
vidade, Rastrear
Equipamento: Colete a prova de balas [c/ Não condutividade 6], Com-link
Mane- Veloci- Acel Corpo Arm Pilo- Sen- Asent Dispo Custo
de elite Erika (Equipamento nível 4), Novatech Navigator [Nível 3, Faixa de
jo dade to sor
atributos 6 5 4 3, Programas 3], chip de dados (3)
Armas: 3 2 1 4 14 3 3 — 12R 24,000¥
Colt America L36 [Pistola Leve, Pre 7, VD 7F, PA –4, SA, CR —, 11(p), c/
munição APDS, 2 pentes extras]
Luvas de choque [Outros, Pre Fís, Alcance —, VD 8A(e), PA -5]

CRÉDITOS

Dedicatória de Olivier: Agradeço especialmente a Elaine e Joanna por seu tempo graciosamente doado, significa muito
para mim. E um “agradecimento” muito especial a Noura pelo Ramada - Bribé!
Texto: Olivier Gagnon CRÉDITOS DA VERSÃO BRASILEIRA
Desenvolvedor da Linha Shadowrun: Jason M. Hardy Editores-chefes: Alexandre “Manjuba” Seba e Anesio Vargas Júnior
Arte de capa: Mauro Dal BoDesenvolvimento: Peter M. Andrew, Jr. Diagramação: Jéssica C. Sens
Layout: Matt Heerdt Tradução: Carine Ribeiro
Direção de arte: Brent Evans, Kathleen Hardy Consultores: Lobo Lancaster, Valdir Possani, Luiz Borges G. do Na-
scimento, Marcelo Vianna da Silva, Luis Felippe Nunes Ferreira e
Ewerton Wander Duarte do Nascimento.

© 2018 Copyright The Topps Company , Inc. Todos os direitos reservados. Shadowrun e Matrix são marcas comerciais e/ou marcas registradas de The Topps Company, Inc., nos
Estados Unidos e/ou outros países. Catalyst Game Labs e a logo da Catalyst Game Labs são marcas registradas de InMediaRes Production, LLC.

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