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Ribeirão Preto
2020
O presente trabalho busca avaliar e relacionar a dinâmica de grupo que ocorre no
filme “12 homens e uma sentença” de acordo com a teoria de Kurt Lewin, conceito este que
foi nomeado por ele mesmo ao questionar e redefinir teorias e metodologias tradicionais da
Psicologia Social, na intenção de identificar os obstáculos à integração autêntica dos
agrupamentos humanos. Lewin, ao observar sua própria equipe de trabalho, sugeriu que se
integração entre os membros não ocorria e as pesquisas não progrediam, poderia ser devido
aos bloqueios que ocorriam na comunicação. Dessa forma, paralelamente às atividades do
trabalho, propôs que o grupo se reunisse e se dispusesse a se comunicar de modo autêntico.
Ao identificar as fontes dos bloqueios e das filtragens na comunicação entre os membros, as
relações interpessoais tornaram-se mais autênticas e houve maior integração no trabalho, de
forma coesa, criativa e produtiva.
A experiência idealizada por Lewin identificou que a produtividade e a eficiência de
um grupo se dá, para além da competência dos membros, a partir da solidariedade de suas
relações interpessoais. O pioneirismo das ideias de Lewin revolucionou o entendimento de
processos grupais e incentivou diversos estudiosos a realizarem experiências sobre esse
fenômeno e a importância que uma comunicação aberta, horizontal e honesta possui na
integração de um grupo, e, em contrapartida, o quanto os bloqueios, as relações de poder, os
preconceitos e ideologias dominantes obscurecem as relações interpessoais.
Componentes essenciais
De acordo com Lewin, para se estabelecer uma comunicação com o outro é necessário
que, além de assinalar e identificar as vias de acesso mais seguras, um emissor e um receptor
consigam transmitir uma mensagem com a ajuda de um código e segundo modalidades
adaptadas aos fins em vista. Para isso, Kurt Lewin definiu os 5 componentes essenciais de
toda comunicação humana, sendo eles: o emissor, o receptor, a mensagem, o código e a
camuflagem.
O emissor é classificado por Lewin como aquele que toma a iniciativa da
comunicação, devendo ser capaz de transmitir a sua mensagem em termos que sejam
inteligíveis para o outro. Esse outro, também chamado de receptor, é aquele a quem se dirige
a mensagem. Ele a captará na medida em que estiver psicologicamente sintonizado com o
emissor e poderá facilitar a comunicação estando psicologicamente em estado de abertura
para outro.
O conteúdo da comunicação entre emissor e receptor é denominado de mensagem. É
possível classificá-la em três subgrupos, sendo eles: mensagem ideacional, afetiva e vital. A
mensagem ideacional é aquela que carrega unicamente uma informação; a afetiva exprime
sentimentos e ressentimentos; e por último, a mensagem vital é aquela que além de carregar
informações e elementos intelectuais, também carrega elementos afetivos. As mensagens são
formuladas por um grupo de símbolos, denominados de código, que devem fazer sentido para
o receptor, sendo a linguagem, escrita ou oral, o código mais frequentemente utilizado. Por
último, o quinto elemento essencial de toda comunicação humana, denominado por Lewin de
camuflagem (ou destaque), consiste no conjunto das decisões que o emissor deve tomar,
antes de entrar em comunicação, quanto ao conteúdo da mensagem e quanto ao código
utilizado.
No grupo formado por 12 homens para discutir e decidir o veredicto do jovem rapaz
acusado de homicídio, foi possível observar que nenhum deles possuía relações estreitas de
agrupamento até o momento em que se juntaram na sala. Nesse sentido, o enredo do filme se
dá principalmente através das discussões, em que o principal código utilizado foi o oral, a
respeito das evidências apresentadas no julgamento do crime e nas relações que vão se
estabelecendo entre os jurados. Apesar do jurado 1 ter tido a iniciativa em relação ao restante
do grupo, sua principal mensagem foi de organizar as diversas opiniões em votos para
agilizar a decisão do veredicto, o qual foi prontamente aceito pela maioria dos receptores. Ao
utilizarem o voto anônimo, o código que traduzia a mensagem de cada um deles foi a escrita.
Após a revelação dos votos, apenas uma pessoa teve a opinião contrária a maioria.
Foram 11 votos em que consideraram o réu como culpado e apenas um voto que o considerou
como inocente. Nesse momento, o jurado 8 passou a ser o emissor mais evidente na dinâmica
do grupo. Sua principal mensagem foi de gerar discussões a partir de reflexões críticas em
relação às evidências apresentadas no julgamento. A partir desse momento, uma
comunicação entre os integrantes do grupo começa a se intensificar e gradativamente, cada
um dos demais jurados receptores também tornam-se o emissores de suas opiniões e juntos
foram desconstruindo algumas crenças e construindo conjuntamente novas conclusões (ou
inconclusões) a respeito do crime.
Ao final, o retrato geral das votações se alterou e de 11 votos que o consideravam
como culpado, todos se converteram para inocente. A partir desse cenário é perceptível a
grande mudança de opinião ocorrida entre os integrantes do grupo, que se iniciou a partir do
momento em que o jurado 8 declarou sua opinião contrária aos demais. Ainda que não tenha
ficado evidente se houve a utilização intencional de alguma estratégia de convencimento, é
muito provável que o jurado 8 já tivesse refletido sobre as questões discutidas pelo grupo
antes do julgamento para que o auxiliasse nas decisões da forma que emitisse e no conteúdo
de suas mensagens para as discussões no grupo, configurando o componente de camuflagem
utilizado.
Comunicação autêntica
Quando os sujeitos que se comunicam, os emissores e os receptores, conseguem se
livrar, absolutamente, dos impedimentos ocasionados pelos ruídos, bloqueios, filtragens
perturbações, e tudo aquilo que polui a relação entre aquele que emite uma mensagem e
aquele que a recebe, ocorre o que Lewin chama de comunicação autêntica. São muitas as
coisas que inviabilizam o comportamento na sua manifestação em condições autênticas,
como as relações horizontais, características às redes em cadeia e redes em y, as lideranças
autocráticas e autoritárias, filtragens, entre muitos outros.
É importante discernirmos na teoria de Lewin, autenticidade e espontaneidade,
observando que ele atribui a espontaneidade a uma característica das vias de acesso ao outro
em que existe existe uma grande acessibilidade em se estabelecer um contato entre os
indivíduos, e, fazendo uma anteposição a ela (espontaneidade), existem as comunicação
formais, nas quais a comunicação precisa perpassar por alguns pré-requisitos - como
frequentar os mesmos espaços - para se estabelecer. A autenticidade por outro lado, se trata
de uma característica da pessoa que dita o quão “desinibida” esta pessoa tende a ser na sua
maneira de se comunicar com o grupo.
Ao longo do texto, Lewin trata da autenticidade como algo que não está dado, mas
como algo que pode ser aprendido porém nunca conquistado completamente, logo, ele está
sempre em um processo de comunicação e desenvolvimento. Sabendo disso é central que
falemos sobre o que ele vai tratar de movimento livre e espaço de vida, entendendo o
primeiro como todo aquele “deslocamento” que um sujeito pode executar, pensando não
apenas na liberdade em se expressar mas também a satisfação de necessidades pessoais dos
membros. Ao segundo, poderíamos atribuir que representaria a área que a pessoa transita,
sendo ela marcada pelo conjunto de papéis sociais que esta mesma pessoa representa em
decorrência deles. Sintetizando esta dinâmica, podemos entender que uma pessoa executa um
movimento livre dentro de diferentes espaços de vida, de maneira autêntica, ou não.
Por fim, fica claro que a comunicação autêntica depende, assim, das dinâmicas de
fatos e valores, objetivos do grupo, objetivos da comunicação, mensagem, código, das
relações estabelecidas previamente com esta pessoa, a disponibilidade e acessibilidade que
esta pessoa tem com aquele que se comunica, o estabelecimento de um contato psicológico
entre o emissor e o receptor, a abertura que o receptor possui para acolher opiniões distintas,
e as estratégias de resolução de conflitos (sendo eles considerados resolvidos por ambas as
partes).
Pode-se perceber que a narrativa do filme é baseada na lenta transposição das
filtragens e bloqueios citados, e na transição de um grupo autocrático para um grupo
democrático. Após a resolução de diversos conflitos, é possível perceber os momentos em
que a comunicação do grupo vai se tornando cada vez mais autêntica. Também é possível
perceber que para que isso ocorresse, alguns processos foram necessários:
Primeiramente, é possível perceber como uma liderança democrática é essencial para
que a comunicação autêntica flua no grupo. Para que todos se expressem sem bloqueios e
filtragens, se fez necessário construir o espaço de movimento livre de cada um, e isto só se
fez possível após a emergência de uma liderança que se preocupou com esse manejo. O líder
dos homens maneja esse espaço a todo momento. Um exemplo é a atenção e validação que dá
para o espaço de fala das minorias presentes (o senhor idoso e o jurado italiano, por
exemplo). Além disso, as regras sociais acordadas entre os membros também permitiram uma
maior participação geral, que gradativamente aumenta conforme as barreiras psicológicas são
superadas (a votação e o espaço determinado de fala são exemplos).
Em segundo lugar, foi necessário que os jurados refletissem acerca de seu valores
dinâmicos, para colocar os objetivos do grupo acima dos objetivos individuais. Esse
movimento trouxe uma maior coesão do grupo, que permitiu que a comunicação fluísse de
modo mais assertivo. No final do filme, a maioria do grupo estava mobilizada para examinar
cada aspecto do relato do crime, para que um veredicto honesto pudesse ser fornecido ao juiz.
Outro aspecto interessante a ser notado sobre a comunicação autêntica é o fato de
facilitar a resolução de problemas. Com exceção dos poucos que tiveram dificuldade em
assimilar as mensagens e o objetivo do grupo, a participação conjunta dos integrantes do júri
permitiu uma abertura maior para soluções. Em diversos momentos, uma divergência no
relato do crime só pôde ser resolvida graças às experiências e conhecimentos de algum dos
integrantes (exemplo da faca, das marcas de óculos, e do barulho do trem). Estas experiências
passam a ser compartilhadas a partir do momento que houve espaço de movimento livre.
O que também favoreceu a resolução de conflitos foi o fato de que a comunicação
autêntica permitiu que soluções mais criativas pudessem ser expostas, com uma menor
repressão do grupo a ideias que pudessem parecer absurdas em um primeiro momento. Um
exemplo de como a comunicação autêntica permitiu este movimento criativo foi a verificação
do relato de uma das testemunhas, que se levantou da cama após ouvir o que seria o grito da
vítima. Ao representar e demarcar o tempo que um senhor com problemas na perna levaria
para chegar à janela, fica clara a abertura à soluções que fogem do padrão imposto pelo grupo
(que se resumiu apenas ao diálogo até então).