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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE RIBEIRÃO PRETO


DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
Teorias e Técnicas de Grupo

Relatório do filme “12 homens e uma sentença” à luz da teoria de Lewin

Ribeirão Preto
2020
O presente trabalho busca avaliar e relacionar a dinâmica de grupo que ocorre no
filme “12 homens e uma sentença” de acordo com a teoria de Kurt Lewin, conceito este que
foi nomeado por ele mesmo ao questionar e redefinir teorias e metodologias tradicionais da
Psicologia Social, na intenção de identificar os obstáculos à integração autêntica dos
agrupamentos humanos. Lewin, ao observar sua própria equipe de trabalho, sugeriu que se
integração entre os membros não ocorria e as pesquisas não progrediam, poderia ser devido
aos bloqueios que ocorriam na comunicação. Dessa forma, paralelamente às atividades do
trabalho, propôs que o grupo se reunisse e se dispusesse a se comunicar de modo autêntico.
Ao identificar as fontes dos bloqueios e das filtragens na comunicação entre os membros, as
relações interpessoais tornaram-se mais autênticas e houve maior integração no trabalho, de
forma coesa, criativa e produtiva.
A experiência idealizada por Lewin identificou que a produtividade e a eficiência de
um grupo se dá, para além da competência dos membros, a partir da solidariedade de suas
relações interpessoais. O pioneirismo das ideias de Lewin revolucionou o entendimento de
processos grupais e incentivou diversos estudiosos a realizarem experiências sobre esse
fenômeno e a importância que uma comunicação aberta, horizontal e honesta possui na
integração de um grupo, e, em contrapartida, o quanto os bloqueios, as relações de poder, os
preconceitos e ideologias dominantes obscurecem as relações interpessoais.
Componentes essenciais
De acordo com Lewin, para se estabelecer uma comunicação com o outro é necessário
que, além de assinalar e identificar as vias de acesso mais seguras, um emissor e um receptor
consigam transmitir uma mensagem com a ajuda de um código e segundo modalidades
adaptadas aos fins em vista. Para isso, Kurt Lewin definiu os 5 componentes essenciais de
toda comunicação humana, sendo eles: o emissor, o receptor, a mensagem, o código e a
camuflagem.
O emissor é classificado por Lewin como aquele que toma a iniciativa da
comunicação, devendo ser capaz de transmitir a sua mensagem em termos que sejam
inteligíveis para o outro. Esse outro, também chamado de receptor, é aquele a quem se dirige
a mensagem. Ele a captará na medida em que estiver psicologicamente sintonizado com o
emissor e poderá facilitar a comunicação estando psicologicamente em estado de abertura
para outro.
O conteúdo da comunicação entre emissor e receptor é denominado de mensagem. É
possível classificá-la em três subgrupos, sendo eles: mensagem ideacional, afetiva e vital. A
mensagem ideacional é aquela que carrega unicamente uma informação; a afetiva exprime
sentimentos e ressentimentos; e por último, a mensagem vital é aquela que além de carregar
informações e elementos intelectuais, também carrega elementos afetivos. As mensagens são
formuladas por um grupo de símbolos, denominados de código, que devem fazer sentido para
o receptor, sendo a linguagem, escrita ou oral, o código mais frequentemente utilizado. Por
último, o quinto elemento essencial de toda comunicação humana, denominado por Lewin de
camuflagem (ou destaque), consiste no conjunto das decisões que o emissor deve tomar,
antes de entrar em comunicação, quanto ao conteúdo da mensagem e quanto ao código
utilizado.
No grupo formado por 12 homens para discutir e decidir o veredicto do jovem rapaz
acusado de homicídio, foi possível observar que nenhum deles possuía relações estreitas de
agrupamento até o momento em que se juntaram na sala. Nesse sentido, o enredo do filme se
dá principalmente através das discussões, em que o principal código utilizado foi o oral, a
respeito das evidências apresentadas no julgamento do crime e nas relações que vão se
estabelecendo entre os jurados. Apesar do jurado 1 ter tido a iniciativa em relação ao restante
do grupo, sua principal mensagem foi de organizar as diversas opiniões em votos para
agilizar a decisão do veredicto, o qual foi prontamente aceito pela maioria dos receptores. Ao
utilizarem o voto anônimo, o código que traduzia a mensagem de cada um deles foi a escrita.
Após a revelação dos votos, apenas uma pessoa teve a opinião contrária a maioria.
Foram 11 votos em que consideraram o réu como culpado e apenas um voto que o considerou
como inocente. Nesse momento, o jurado 8 passou a ser o emissor mais evidente na dinâmica
do grupo. Sua principal mensagem foi de gerar discussões a partir de reflexões críticas em
relação às evidências apresentadas no julgamento. A partir desse momento, uma
comunicação entre os integrantes do grupo começa a se intensificar e gradativamente, cada
um dos demais jurados receptores também tornam-se o emissores de suas opiniões e juntos
foram desconstruindo algumas crenças e construindo conjuntamente novas conclusões (ou
inconclusões) a respeito do crime.
Ao final, o retrato geral das votações se alterou e de 11 votos que o consideravam
como culpado, todos se converteram para inocente. A partir desse cenário é perceptível a
grande mudança de opinião ocorrida entre os integrantes do grupo, que se iniciou a partir do
momento em que o jurado 8 declarou sua opinião contrária aos demais. Ainda que não tenha
ficado evidente se houve a utilização intencional de alguma estratégia de convencimento, é
muito provável que o jurado 8 já tivesse refletido sobre as questões discutidas pelo grupo
antes do julgamento para que o auxiliasse nas decisões da forma que emitisse e no conteúdo
de suas mensagens para as discussões no grupo, configurando o componente de camuflagem
utilizado.

Bloqueios, filtragens e ruídos


Quando a comunicação se estabelece mal, ou não se estabelece, entre pessoas ou entre
grupos, resultam alguns fenômenos psíquicos, os quais foram observados e estudados
sistematicamente pelos pesquisadores da dinâmica de grupo, sendo classificados e definidos
como bloqueios filtragens e ruídos. O bloqueio acontece quando a comunicação é
completamente interrompida; entretanto, quando ela ocorre, porém sendo comunicado apenas
uma parte do que os interlocutores sabem, pensam ou sentem, a comunicação acontece, mas
acompanha-se de filtragem. Ao pararmos para refletir sobre a presença de tais fenômenos no
filme, é possível observar o movimento das filtragens no decorrer da história. Inicialmente,
cada um dos jurados exprimiu apenas a conclusão dos seus julgamentos individuais em
relação ao réu. Conforme a comunicação entre eles foi se estabelecendo, a fim de que
chegassem a um veredicto em grupo, os interlocutores passaram a expressar cada vez mais o
que pensavam ou sentiam e, consequentemente, a filtragem entre eles foi diminuindo,
caminhando para uma comunicação mais autêntica.
Os bloqueios e as filtragens podem ser tanto provisórios, possuindo um ruído entres
eles, quanto permanentes. Quando os bloqueios e filtragens tornam-se permanentes, é
possível observar o estabelecimento de barreiras psicológicas entre os interlocutores. Zonas
de silêncio, de trocas superficiais, de conflitos e tensões podem surgir entre eles. As fontes
que originam os bloqueios e filtragens são geralmente inconscientes para pessoas ou para
grupos cuja comunicação está sendo prejudicada, o que faz com que raramente eles consigam
transpor e restabelecer por eles mesmo o contato psicológico rompido ou inexistente com o
outro. No filme, foi possível observar o papel que o preconceito, gerando ruídos, contribua
para a existência de filtragens entre os envolvidos.
De modo paradoxal, os bloqueios provisórios parecem comprometer menos a
evolução da comunicação que as filtragens provisórias. Isso ocorre porque quando surge um
bloqueio, os interlocutores são obrigados a questionar suas comunicações, o que geralmente
lhes permite tratá-las e estabelecê-las em um clima mais aberto e uma base mais autêntica.
No caso das filtragens, entretanto, porque a comunicação subsiste enquanto a confiança
diminui, ela tende a acompanhar-se de restrições mentais, tornando a troca de mensagens
cada vez mais ambíguas e equívocas, colocando a comunicação em risco de tornar-se
artificial. No filme, houve uma cena que pode representar tal fenômeno no momento em que
o jurado 10 durante seu monólogo explicitou todo seu preconceito a ponto de ter gerado um
desconforto tão grande entre os demais jurados, que em um ato simbólico, um a um foi se
virando de costas a ele, até que interrompesse de vez a comunicação. Seu discurso acabou
evidenciando o preconceito que poderia estar permeando as opiniões de alguns dos outros
jurados, o que poderia justificar o estabelecimento de algumas barreiras psicológicas entre
membros do grupo. Após tal episódio, possivelmente, alguns deles refletiram sobre como tais
preconceitos expressos através do monólogo poderiam estar afetando suas decisões.

Perturbações e distorções provisórias


Os mesmo pesquisadores que definiram em que consistem os bloqueios e filtragens na
comunicação se preocuparam em entender e identificar suas fontes mais frequentes. Através
dos seus estudos, foram identificadas seis possíveis fontes comuns a toda comunicação
humana. As primeiras fontes citadas se dão pelo lado do emissor, e os bloqueios e filtragens
podem ocorrer devido a inibições anteriores, cujas mensagens a serem transmitidas evocam
nele lembranças sofridas, não eliminadas ou não assimiladas. O emissor também pode
experimentar bloqueios e filtragens devido a razões extrínsecas, podendo sentir-se
constrangido e permanecer em silêncio ou a não falar senão com reticências e circunspecção
em virtude de tabus exteriores. Esses tabus exteriores são também entendidos como
proibições coletivas, de censura ou de pressões de grupo, e o emissor os percebe
instintivamente ou os descobre às suas custas. Lewin definia as zonas de trocas acessíveis a
cada indivíduo como seu espaço vital ou seu espaço de movimento livre.
No que se refere aos códigos como fonte, bloqueios e filtragens podem ocorrer por
conta das diferenças culturais. O desconforto pode ocorrer em virtude de alguns
interlocutores utilizarem o mesmo código, porém, em virtude de sistemas de valores ou de
esquemas de referência diferentes, os símbolos utilizados têm para eles conotações subjetivas
ou coletivas distintas ou mesmo contrárias.
Do lado do receptor, há bloqueios ou filtragens quando ele não capta ou capta mal as
mensagens que lhe são endereçadas. O receptor pode ter uma percepção seletiva, captando
somente as mensagens que lhe despertam interesse naquele momento, ou ainda, estar em
estado de alienação, tornando-se incapaz de perceber as mensagens que lhe são dirigidas, por
estar perturbado emocionalmente. Por último, o receptor pode, em razão do contexto social
que se socializou, ter-se tornado excessivamente sensibilizado para a comunicação verbal a
ponto de não captar ou captar mal as mensagens que são dirigidas a eles.
Durante o filme, é possível identificar diversos momentos onde a troca de mensagens
entre os integrantes do grupo se mostrou contaminada por distorções provisórias. Como
explicitado anteriormente, tais distorções podem se manifestar em qualquer estrutura da
comunicação.
Em relação à distorções do emissor da mensagem: no começo do filme, quando
ainda não havia nenhuma ligação psicológica entre os integrantes do júri, pode-se perceber
que as barreiras diziam respeito principalmente à motivações intrínsecas. Isto significa que
muitos jurados, por repressões internas, não expressavam de maneira autêntica suas opiniões,
preferindo se ater à opinião da maioria. Esta dinâmica de comunicação é enfatizada quando
surgem as lideranças sindicais (Jurados 3 e 7), pois surgem aí as primeiras pressões sociais do
grupo.
A partir daí, percebe-se a forte pressão que as lideranças sindicais exercem sobre o
grupo. Tais lideranças mantinham a opinião de que o réu seria culpado. Aqui, forma-se uma
espécie de “proibição coletiva”: qualquer jurado que propusesse que o réu seria inocente,
logo sofreria repressões do grupo. É possível perceber a força repressora deste tabu na reação
do grupo, quando o líder se manifesta contra a opinião geral (de que o réu seria culpado). A
partir daí, é necessário uma desconstrução gradativa da opinião geral.
Em relação ao receptor da mensagem, é possível perceber em alguns personagens o
aspecto da percepção seletiva. Este fenômeno ocorre quando o receptor apenas capta a porção
da mensagem que produza ressonância com seus valores, ideias ou emoções. O personagem 3
é incapacitado de assimilar os argumentos que não confirmem sua forte crença de que o réu é
culpado. Interessante notar como esta crença está baseada puramente em preconceitos, e
assim torna-se difícil captar mensagens que o confrontam com estes preconceitos. Outra
distorção que prejudica a transmissão da mensagem diz respeito ao estado de alienação do
receptor. Aqui, a mensagem não é recebida pelo fato de o receptor estar alheio ao conteúdo
da mensagem. O personagem 10, durante a maior parte do filme, se mostra incapaz de
assimilar os argumentos à favor da inocência do réu, simplesmente pelo fato de estar alheio
ao objetivo do grupo. Seus interesses (assistir o jogo, terminar logo a discussão), o impedem
de receber a mensagem, pelo fato de não se interessar por ela.
Em relação à distorções localizadas no código: no filme pode-se perceber que quase
não à distorções deste tipo. Talvez pelo fato de ser um grupo homogêneo, composto de
homens caucasianos, da mesma faixa etária e nível socioeconômico parecido, as diferenças
culturais são mínimas. Assim, a linguagem (código) não apresentou obstáculos que pudessem
prejudicar a transmissão plena das mensagens.
Os bloqueios e filtragens também podem ocorrer em contexto de relações cuja
estrutura é autocrática, onde as redes de comunicação do grupo tendem a se hierarquizar de
modo vertical e em um único sentido: de cima para baixo. Esses bloqueios e filtragens têm
origem em duas causas específicas: a primeira diz respeito à hostilidade autista do autocrata,
em que este possui poder absoluto sobre os membros do grupo, degenerando a relação e
percepção do outro dentro do grupo. A segunda causa da origem dos bloqueios e filtragens
diz respeito à transmissão seletiva dos membros, onde o autocrata reserva para si toda a
decisão e assume sozinho e controle das estruturas de poder, desencorajando a liberdade de
expressão entre os outros membros do grupo.

Distâncias sociais e barreiras psicológicas


Os bloqueios e as filtragens na comunicação humana podem se tornar permanentes e
se cristalizam, principalmente quando as relações interpessoais são prejudicadas pelos
preconceitos. As distâncias sociais e psicológicas entre os interlocutores passam a ser
percebidas como irredutíveis, onde o outro é percebido como um ser incomunicável.
A distância psicológica é um fenômeno intragrupal e consiste na percepção do outro
como incompatível a si. Por essa razão, os interlocutores se distanciam e a comunicação entre
eles é considerada impossível de ser estabelecida. Pode-se observar esse fenômeno quando o
jurado 3, ao conversar com o jurado 2 no início do filme, considera as falas de advogados no
tribunal desnecessárias, pois entende que quem está sendo julgado não precisa de defesa mas
sim que seja impedido de causar mais problemas. Essa postura reflete como a comunicação
entre este jurado e a pessoa acusada não consegue ser estabelecida, pois o primeiro não está
disposto a ouvir o segundo (nem por meio de seu advogado), devido aos preconceitos que
possui, acarretando em uma distância psicológica entre eles.
A distância social, além de ser resultado de uma despersonalização do outro, resulta
sempre de uma percepção vertical do outro. De acordo com o sistema de valores que existem
na sociedade, certas funções e papéis sociais são mais valorizados do que outros. Aqueles que
ocupam esse estrato mais valorizado socialmente tendem a menosprezar os grupos menos
valorizados, considerando que seria rebaixar-se consentir em comunicar de modo adequado
com esses outros grupos.
Distâncias sociais, bloqueios e filtragens permanentes, além da comunicação
prejudicada ou rompida, podem ter suas origens no preconceito social. Os preconceitos
consistem em ideias pré-concebidas sobre o outro, muitas vezes falsas, fixas, geralmente
simplistas com relação a certos indivíduos, certos grupos. É a partir dele que nascem os
inconformismos e a incapacidade de se comunicar com o outro. Pode-se observar a distância
social no filme “12 homens e uma sentença” entre a maioria dos jurados e o acusado, a
medida que, quando os jurados se reúnem pela primeira vez e realizam a primeira votação a
respeito do destino do culpado, 11 deles votam em sentenciá-lo à cadeira elétrica, não o
considerando uma outra pessoa com uma história própria mas sim um assassino,
despersonalizando-o em prol de sua posição perante a sociedade naquele momento ser um
réu.
Outros exemplos da existência de distância social entre alguns jurados e o acusado
são quando, mesmo após o jurado 8 ter provado que o acusado poderia não ter cometido o
assassinato de seu pai, por um bom tempo, o jurado 3 ainda continuar querendo condená-lo à
execução, não pelos fatos demonstrados e sim porque ele julgava que era o correto a ser feito.
Outro exemplo é quando o jurado 10 fala que os jurados que mudaram seu voto para
“inocente” devem estar fora de si, pois o “tipo de rapaz” que o acusado é já bastaria para
condená-lo, demonstrando novamente uma crença preconceituosa que o impede de tentar
compreender os fatos e a versão do rapaz.

Comunicação autêntica
Quando os sujeitos que se comunicam, os emissores e os receptores, conseguem se
livrar, absolutamente, dos impedimentos ocasionados pelos ruídos, bloqueios, filtragens
perturbações, e tudo aquilo que polui a relação entre aquele que emite uma mensagem e
aquele que a recebe, ocorre o que Lewin chama de comunicação autêntica. São muitas as
coisas que inviabilizam o comportamento na sua manifestação em condições autênticas,
como as relações horizontais, características às redes em cadeia e redes em y, as lideranças
autocráticas e autoritárias, filtragens, entre muitos outros.
É importante discernirmos na teoria de Lewin, autenticidade e espontaneidade,
observando que ele atribui a espontaneidade a uma característica das vias de acesso ao outro
em que existe existe uma grande acessibilidade em se estabelecer um contato entre os
indivíduos, e, fazendo uma anteposição a ela (espontaneidade), existem as comunicação
formais, nas quais a comunicação precisa perpassar por alguns pré-requisitos - como
frequentar os mesmos espaços - para se estabelecer. A autenticidade por outro lado, se trata
de uma característica da pessoa que dita o quão “desinibida” esta pessoa tende a ser na sua
maneira de se comunicar com o grupo.
Ao longo do texto, Lewin trata da autenticidade como algo que não está dado, mas
como algo que pode ser aprendido porém nunca conquistado completamente, logo, ele está
sempre em um processo de comunicação e desenvolvimento. Sabendo disso é central que
falemos sobre o que ele vai tratar de movimento livre e espaço de vida, entendendo o
primeiro como todo aquele “deslocamento” que um sujeito pode executar, pensando não
apenas na liberdade em se expressar mas também a satisfação de necessidades pessoais dos
membros. Ao segundo, poderíamos atribuir que representaria a área que a pessoa transita,
sendo ela marcada pelo conjunto de papéis sociais que esta mesma pessoa representa em
decorrência deles. Sintetizando esta dinâmica, podemos entender que uma pessoa executa um
movimento livre dentro de diferentes espaços de vida, de maneira autêntica, ou não.
Por fim, fica claro que a comunicação autêntica depende, assim, das dinâmicas de
fatos e valores, objetivos do grupo, objetivos da comunicação, mensagem, código, das
relações estabelecidas previamente com esta pessoa, a disponibilidade e acessibilidade que
esta pessoa tem com aquele que se comunica, o estabelecimento de um contato psicológico
entre o emissor e o receptor, a abertura que o receptor possui para acolher opiniões distintas,
e as estratégias de resolução de conflitos (sendo eles considerados resolvidos por ambas as
partes).
Pode-se perceber que a narrativa do filme é baseada na lenta transposição das
filtragens e bloqueios citados, e na transição de um grupo autocrático para um grupo
democrático. Após a resolução de diversos conflitos, é possível perceber os momentos em
que a comunicação do grupo vai se tornando cada vez mais autêntica. Também é possível
perceber que para que isso ocorresse, alguns processos foram necessários:
Primeiramente, é possível perceber como uma liderança democrática é essencial para
que a comunicação autêntica flua no grupo. Para que todos se expressem sem bloqueios e
filtragens, se fez necessário construir o espaço de movimento livre de cada um, e isto só se
fez possível após a emergência de uma liderança que se preocupou com esse manejo. O líder
dos homens maneja esse espaço a todo momento. Um exemplo é a atenção e validação que dá
para o espaço de fala das minorias presentes (o senhor idoso e o jurado italiano, por
exemplo). Além disso, as regras sociais acordadas entre os membros também permitiram uma
maior participação geral, que gradativamente aumenta conforme as barreiras psicológicas são
superadas (a votação e o espaço determinado de fala são exemplos).
Em segundo lugar, foi necessário que os jurados refletissem acerca de seu valores
dinâmicos, para colocar os objetivos do grupo acima dos objetivos individuais. Esse
movimento trouxe uma maior coesão do grupo, que permitiu que a comunicação fluísse de
modo mais assertivo. No final do filme, a maioria do grupo estava mobilizada para examinar
cada aspecto do relato do crime, para que um veredicto honesto pudesse ser fornecido ao juiz.
Outro aspecto interessante a ser notado sobre a comunicação autêntica é o fato de
facilitar a resolução de problemas. Com exceção dos poucos que tiveram dificuldade em
assimilar as mensagens e o objetivo do grupo, a participação conjunta dos integrantes do júri
permitiu uma abertura maior para soluções. Em diversos momentos, uma divergência no
relato do crime só pôde ser resolvida graças às experiências e conhecimentos de algum dos
integrantes (exemplo da faca, das marcas de óculos, e do barulho do trem). Estas experiências
passam a ser compartilhadas a partir do momento que houve espaço de movimento livre.
O que também favoreceu a resolução de conflitos foi o fato de que a comunicação
autêntica permitiu que soluções mais criativas pudessem ser expostas, com uma menor
repressão do grupo a ideias que pudessem parecer absurdas em um primeiro momento. Um
exemplo de como a comunicação autêntica permitiu este movimento criativo foi a verificação
do relato de uma das testemunhas, que se levantou da cama após ouvir o que seria o grito da
vítima. Ao representar e demarcar o tempo que um senhor com problemas na perna levaria
para chegar à janela, fica clara a abertura à soluções que fogem do padrão imposto pelo grupo
(que se resumiu apenas ao diálogo até então).

Minorias e Maiorias Psicológicas


Outro conceito que pode ser observado no filme se refere às maiorias e minorias
psicológicas. O termo “minoria” para Lewin é aplicado a outros significados para além dos
constructos do coloquialismo, no sentido em que a distinção entre minoria e maioria não se
alicerça em um volume populacional, e sim nas relações de apoderamento da própria
condição dentro de uma vivência grupal. Assim, Lewin trata de “maioria psicológica” como
um grupo de pessoas que possuem autonomia e direitos suficientes para determinar as
próprias condições de vida enquanto estas determinações, para a “minoria psicológica”, são
exercidas a partir das decisões de um outro grupo alheio a ele mesmo. Na esfera da política,
estas relações de minoria e maioria são mais facilmente observadas, mas esta dinâmica está
presente nas relações de trabalho, nas relações de ensino-aprendizagem e em muitos outros
cenários.
A partir daí, convém introduzirmos os conceitos de minoria discriminada e minoria
privilegiada. A minoria privilegiada é considerada como este menor volume de pessoas
(demograficamente falando) que integra uma maioria psicológica, logo, com maior poder de
decisão, enquanto ele argumenta que o agrupamento de pessoas que compõem as minorias
psicológicas são minorias discriminadas, entendendo-se que as concentrações de poder não
são devidamente distribuídas em nossa sociedade de maneira que pessoas com diferentes
configurações de pensamento, característicos às minorias psicológicas e discriminadas, não
integram cargos de poder. Isso pode ser observado no filme à medida que a vida do acusado
depende da decisão dos jurados, de modo que o acusado seria pertencente à minoria
psicológica e os jurados, à maioria psicológica. Os julgamentos dos 11 jurados em relação ao
acusado nos primeiros momentos do filme retratam preconceitos e discriminações presentes
no discurso da maioria psicológica da sociedade, ao passo que o compreendem como um ser
que possui menos valor do que eles e até o despersonalizam.
Refletindo acerca de alguns impactos das relações grupais, é importante apontarmos
para as dinâmicas de grupos autocráticos e democráticos, ao pontuarmos que qualquer
indivíduo ou pequeno grupo, integrante de uma minoria privilegiada, dentro de uma
sociedade estratificada e sedimentada em preconceitos, muito provavelmente tenderá a
exercer um domínio autocrático, observando que uma maioria psicológica é permeada por
interesses e objetivos distintos de uma minoria psicológica, além de terminar por não
contemplar o grande complexo de autenticidades possíveis.
A partir daí, podemos entrelaçar estas minorias, maiorias e de dinâmicas de grupo
autocráticas ou democráticas com os conceitos relacionados à liderança, explorando a
possível compreensão de que as seleções de líderes dentro de um regime democrático dizem
respeito a uma maioria psicológica, em que um grupo ou líder compartilha um conjunto de
ideias e ideais compartilhados com seus eleitores, tomam as decisões, ainda que não
necessariamente este grupo pertença ou atue de maneira prática em concordância com os
interesses daquele grupo que o elege. Ou seja, as eleições de líderes refletem ideias
compactuadas, tanto quanto os interesses práticos em comum, logo, vemos por exemplo,
homossexuais elegendo homofóbicos por compactuação de outros ideais, como por exemplo
os interesses da igreja a que fazem parte, podendo potencialmente ser prejudicados pela
escolha. Este exemplo dá abertura para falar sobre os impactos dos preconceitos nas vidas
dos considerados “adultos sociais” e nos “débeis sociais”, sendo estes últimos, aqueles que,
por receio em se colocar livremente, antepondo aos preconceitos e determinismos sociais ou
não, terminam por tomar posicionamentos típicos a uma predominância - geralmente
irrefletida -, logo, os preconceitos e estereótipos. Sua baixa tolerância à frustração social faz
com que ele/ela busque reproduzir conteúdos que os coloquem em conformidade com uma
maioria psicológica, e geralmente se expressando na posição de autoridade absoluta a fim de
assegurar a sua posição e de inviabilizar oposições.
Podemos observar alguns destes traços nas manifestações de vários personagens do
filme na primeira votação sobre o destino do acusado, em que 11 jurados o sentenciaram à
morte e não conseguiram dar explicações sobre o motivo real de terem votado para isso, ou
quando o fazem, são, em sua maioria, discriminatórias. Outro exemplo disso é o jurado 4
quando, ao discutirem sobre o sentenciamento do acusado à cadeira elétrica, fala que
“crianças vindas da miséria são uma ameaça à sociedade”, discurso este carregado de
preconceitos advindos da sociedade, que podem representar uma tentativa de fuga da angústia
e do medo advindos da troca espontânea e autêntica com o outro.
A partir das reflexões levantadas, pode-se observar a relevância das ideias de Lewin
sobre o quanto a comunicação efetiva entre os membros de um grupo é condição imperativa
para que os objetivos sejam cumpridos de forma eficiente e reflexiva, e o perigo que uma
comunicação inautêntica pode apresentar nas relações intra e intergrupos, expondo sujeitos,
em casos mais graves, à violências e injustiças, até na condenação precipitada de uma pessoa
por fazer parte de um grupo diferente, de uma minoria psicológica, sujeita às determinações
de indivíduos dominantes.

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