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O Sebastianismo é um mito messiânico de matriz judaico-cristã que encontra a sua referência no texto
bíblico — o mito é messiânico porque assenta na ideia de que um salvador («messias») virá resgatar Portugal
do estado de marasmo e decadência em que se encontra.
Apesar de se tratar de um mito, o Sebastianismo tem uma origem bem concreta e real: começa com o
desaparecimento do rei D. Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir, em 1578. Dois anos depois, quando é
anexado a Espanha, Portugal perde a independência. Ora, segundo a lenda, o jovem monarca (cognominado o
«Desejado» ou o «Encoberto») não teria falecido e seria o «salvador» que voltaria ao País numa manhã de
nevoeiro para o libertar.
Após a Restauração da Independência de Portugal, em 1640, acentua-se a dimensão mítica e messiânica
do Sebastianismo. O conceito não se limita já à figura de D. Sebastião. A figura (ou o conceito) do salvador
surgirá para regenerar a nação e para a conduzir a um destino grandioso.
Mensagem retoma o mito sebástico com uma configuração própria Fernando Pessoa é agora o profeta
que, num contexto nacional difícil e de crise, fala ressurgimento de Portugal e do seu futuro traçado por Deus.
Nesta obra, D. Sebastião é urna figura que surge no título de dois poemas; mas o seu valor é simbólico e não
será o seu regresso «carnal» que Pessoa aguarda; a noção de salvador terá uma configuração simbólica.
Mensagem é atravessada por figuras, símbolos («As Ilhas Afortunadas», «Nevoeiro») e avisos («O
Bandarra», «Nevoeiro») que anunciam uma nova Era. Essa Era futura é a do Quinto Império, um conceito bíblico
que o Padre António Vieira, Fernando Pessoa e outros autores atualizaram. Para o poeta da Mensagem, depois
dos impérios Grego, Romano, Cristão (medieval) e Europeu Marítimo, chegará esse Novo Tempo (ver poema
«O Quinto Império»).
O Quinto Império é um conceito universal, pois envolve toda a humanidade, e não será conquistado
pelas armas. Trata-se de um domínio espiritual, que, por escolha divina, tem Portugal à cabeça e que se propõe
trazer fraternidade, paz, prosperidade a todos os povos. Será uma espécie de regresso ao Paraíso perdido.
O Imaginario Épico
Discurso Lírico
uso da 1ª pessoa (singular ou plural);
expressão de sentimentos, em diversos poemas: autoelogio da «loucura», crença e confiança,
lucidez, desalento, ansiedade e intuição divinatória, entre outros;
reflexão sobre Portugal, no presente, em tom crítico;
uso da frase exclamativa e da frase interrogativa.
Discurso Épico
uso da 3ª pessoa;
exaltação do passado heroico e tom messiânico, profetizando e renovada grandeza da pátria
através da instauração do Quinto Império, em diversos poemas;
mitificação de diversas figuras históricas;
uso da frase exclamativa, da frase interrogativa e da apóstrofe.
Em Mensagem, não há tanto uma preocupação em retratar os heróis com rigor histórico, as figuras
retratadas surgem como heróis que se enquadram no plano de Deus para Portugal. Os seus gestos, muitas vezes
inconscientes. inscrevem-se no percurso que, de acordo com a vontade divina, o nosso país deverá traçar até
alcançar o Quinto Império.
Estes heróis são, em geral, figuras solitárias, dado que se elevam acima da turba, que vive para a
satisfação das suas necessidades básicas, ousando sonhar. A sua «loucura» (no sentido positivo) e febre do
«Longe» mostram que são ungidos por Deus. O paradigma deste tipo de herói é D. Sebastião.
Portugal e o seu destino são os temas centrais de Mensagem. Não por acaso, Portugal Chegou a ser o
título provisório da obra, que depois Fernando veio a abandonar.
Os poemas de Mensagem refletem sobre a identidade portuguesa, a história e o destino da Nação. De
farto, é possível encontrar grandes momentos do percurso histórico de Portugal no conjunto de composições
da obra: o passado, o presente e o futuro.
Passado
Um grande número de poemas de Mensagem centra-se em grandes figuras da História de Portugal,
sobretudo associadas às épocas da fundação, ao início da Segunda Dinastia e aos Descobrimentos. D. Afonso
Henriques, D. João Primeiro e os seus filhos (a Ínclita Geração), Vasco da Gama, Fernão de Magalhães (e tantos
outros) foram heróis que construíram gloriosamente Portugal e o seu Império. Este passado é, como vimos,
celebrado em termos épicos, e o povo português é enaltecido pelos feitos que realizou.
Presente
No entanto, o presente, a época em que Mensagem é escrita, pauta-se pela crise política, social,
económica e de valores: «Nem rei nem lei, nem paz nem guerra.» Trata-se de um período que coincide com parte
da tumultuosa Primeira República (1910-1926) e com o advento do Estado Novo. Ora, a convulsão e os problemas
que então o povo português vive acabam por ser representados simbolicamente no poema: Portugal atravessa a
«noite» e as trevas; e o «nevoeiro» alude ao estado de indeterminação e de desorientação de quem espera a
clarificação, a regeneração.
Futuro
Por fim, Mensagem anuncia também o futuro, onde Portugal, a nação ungida por Deus, cumprirá o seu
Destino e fundará e dirigirá o Quinto Império. A regeneração de Portugal e a fundação de um império universal
só se conseguem com a mobilização de todo um povo.
Os Descobrimentos e o Império serviram apenas para anunciar esse destino maior de Portugal. Foram
uma espécie de preparação para um acontecimento maior. Por isso, as figuras que são convocadas em Mensagem
são heróis (e mitos) e modelos (exemplos) de valores e de comportamento que devem inspirar os portugueses
do presente para se mobilizarem e fazer reerguer Portugal.
Assim, Mensagem é um poema de enaltecimento do passado português; mas é mais ainda uma obra de
exaltação nacional voltada para o futuro. A sua dimensão épica valoriza as qualidades, os valores e os feitos
nacionais a fim de exortar todo o povo português a fazer renascer a nação e fundar o Quinto Império. Tal
apenas se consegue através do sonho, do heroísmo (da «loucura»), do sacrifício e do esforço.
O poeta resgata o passado exemplar da pátria para mobilizar os portugueses seus comportamentos,
acomodados e desprovidos de alma, para a vivência do mito sebastianista, de modo a regenerarem a pátria
decadente e o ideal de ser português, transformando-os em agentes da construção do Portugal futuro.
Presente
de Desalento
Passado Futuro de
de Glória Concretização
Recursos Éxpressivos
Recorrência dos mesmos sons consonânticos para produzir determinados efeitos e sentidos. Atente nas
aliterações em [p] e em [s] no exemplo ao lado.
Alteração violenta da ordem natural das palavras na frase, consistindo num tipo de inversão que
antepõe, por exemplo, complementos ao verbo ou modificadores do nome ao nome.
Aproximação de duas palavras, expressões ou ideias que estabelecem uma relação de contraste
(oposição forte) (cf. Oxímoro)
Associação entre dois elementos que normalmente não estão associados, usando-se uma palavra de
ligação (ex.: «como»).
Recurso expressivo que equivale a uma semelhança em que é omitida a conjunção comparativa «como»
(ou outro termo comparativo).
Figura em que se atribuem a animais, plantas, objetos, entidades abstratas, etc., traços ou
comportamentos próprios do ser humano.
Miguel Torga
Exaltação da liberdade absoluta do Homem, que deve levá-lo a erguer-se contra tudo aquilo que lhe
é imposto, ainda que isto implique revoltar-se contra Deus (cf., por exemplo, o poema «Orfeu rebelde»,
na página 198).
Valorização do sonho e da luta para o alcançar — meio de dignificação do Homem (cf., por exemplo, o
poema «Sísifo», na página 200).
Revolta contra as injustiças (cf., por exemplo, o poema «Dies irae»).
Reflexão sobre o poeta e a poesia (cf., por exemplo, o poema «Peregrinação», na página 202).
Introspeção e comunhão com a natureza (cf., por exemplo, o poema «Alentejo»).
A Criação Poética
Criar poesia, nas palavras do poeta, é também um exercício de luta, de combate que o obriga a
descer às profundezas de si mesmo, «pomar» para encontrar a verdade e a luz da inspiração – o que o
aproxima do mito de Orfeu.
A poesia é, para o poeta, um ato sagrado e um ofício simultaneamente belo e trágico, infindável,
sofrido, que implica grande esforço, como o de Sísifo. É, na verdade, um ofício, que lhe permite
exteriorizar a verdade e a redimi-lo da sua condição humana trágica e, ao mesmo tempo, obriga o poeta
a não trair o dom, a assumir o dever da escrita, num ato de humanismo capaz de criar obra, de redenção
e de imortalização.
Coabitam, assim, no sujeito poético duas dimensões: a do humano consciente dos limites
impostos pela sua condição de homem frágil, desinspirado, que procura incessantemente inspiração,
atormentado, porque desprovido de dons divinos e a do poeta detentor do poder da criação poética.
O momento mágico de criação artística é o culminar de um longo, paciente e penoso processo
de aperfeiçoamento até alcançar o estatuto de produto sagrado.
De acordo com a mitologia, Anteu, filho de Geia (Terra) e de Poseidon (Deus do Mar), era um gigante
muito possante, que vivia na região de Marrocos, e que era invencível enquanto estivesse em contacto com a
mãe-terra. Desafiava todos os recém-chegados para a luta até à morte. Vencidos e mortos, os
seus cadáveres passavam a ornar o templo do deus do mar, Poseidon, seu pai. Hércules, de passagem pela Líbia,
entrou em combate contra Anteu e, descobrindo o segredo da sua invencibilidade, conseguiu esmagá-lo,
mantendo-o no ar. O mito tem sido utilizado como símbolo da força telúrica dos elementos naturais, dotados
de poder revitalizador e criador.
Muito embora Miguel Torga, ainda enquanto Adolfo Rocha, tenha feito parte do grupo da revista
Presença, a verdade é que, a partir de 1930, a sua obra se constituiu como um percurso essencialmente
individual. Contudo, tal não significa que a sua poesia não seja influenciada por uma vasta tradição literária.
Este olhar atento à realidade não o impede, no entanto, de sonhar; muito pelo
contrário: o poeta tem a missão de manter vivo o sonho, sem o qual não será possível
construir uma sociedade mais justa e fraterna (cf. o poema «Sísifo», na página 200).
Tal como sucedeu com Orfeu (figura mitológica que surge em muitos poemas de Miguel
Torga), também o poeta não se conforma com a morte, procurando contrariá-la através
da perenidade proporcionada pela escrita (cf., por exemplo, o poema «Orfeu rebelde»,
na página 198).
O poeta surge também como aquele que busca, com persistência, inspiração para a
escrita, mesmo que este processo se configure como longo e profundamente
angustiante (cf., por exemplo, o poema «Peregrinação», na página 202).
À semelhança do que sucedia com Orfeu, a poesia surge, na obra de Miguel Torga, associada ao canto,
que tem a função de encantar o mundo e de manter viva a capacidade de sonhar da humanidade.
O processo de escrita decorre da inspiração, que é proporcionada pela beleza. No entanto, é
frequentemente caracterizado como doloroso (cf., por exemplo, o poema «Peregrinação», na página
202).
A exaltação da liberdade característica da poesia de Miguel Torga tem também consequências a nível
formal: muito embora, em alguns casos, os poemas tenham estrofes, métrica e rima regulares
(sobretudo a quadra, o verso decassilábico e a rima cruzada, respetivamente), a verdade é que, na sua
generalidade, a sua obra se caracteriza pela irregularidade a nível estrófico e métrico e pelo recurso ao
verso branco (não rimado).