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Industrialização e Ideologia

OS ANOS OUE SE SEGUEM À PRIMEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL VEEM


ainda a Grã-Bretanha em primeiro lugar nos campos da invenção, da
técnica, da mecanização, do comércio, do consumo etc. Daí a lici­
tude de classificar com o nome da rainha Vitória mesmo os eventos do
nascente design que se verificam em outras paragens no período qlie
dura tanto quanto seu reinado, isto é, ele 1837 a 1901. Mas enquanto
em outros lugares - e pensamos particularmente nos Estados Unidos -
a industrialização se impõe e evolui sem obstáculos sociopolíticos ou
ético-estéticos, na Inglaterra ela se desenvolve unida a um debate ideo­
lógico tão importante, radical e totalizante que conduz o problema elo
design para questões sempre mais amplas. Assim é que numa história
como a nossa, vista sob o ângulo businesslike, muitas dessas questões -
embora largamente conhecidas das histórias política, econômica, ela
arquitetura, ela arte e ela sociologia - ou seriam reenviadas àquelas dis­
ciplinas ou redimensionadas com um discurso que pusesse em primeiro
plano a fenomenologia específica elo design. Em outras palavras, uma
vez que assuntos como as relações entre indústria e sociedade, passado
e presente, artesanato e mecanização, arte e indústria etc. constituem
parte integrante do advento elo design na era vitoriana, eles não podem
ser aqui ignorados, mas apenas redimensionados para a esfera ideológica
que lhes é própria. Isso se traduz em considerar pessoas e produtos, auto­
res favoráveis e críticos discordantes, fatos e ideias não como fenômenos
singulares, mas como aspectos múltiplos de um negócio unitário ( e vere­
mos como a identificação de nação e negócio é mais apropriada para
a Alemanha), e por negócio se entende uma entidade mais reduzida
e melhor analisável segundo os parâmetros do nosso esquema básico:
projeto, produção, venda e consumo.
Quanto à componente "produção", a era vitoriana é considerada
uma espécie de involução, se comparada ao período da Revolução Indus­
trial. Ao lado dos pioneiros da indústria que vimos ligados aos cientistas
e inventores, firmou-se, a partir dos anos 1830, uma classe de produtores
bem menos dotada de espírito empreendedor, de talento administrativo,
de iniciativa experimental, de gosto por riscos etc. Apesar de a pesquisa
tecnológica prosseguir com novas invenções, de florescerem e se conso­
lidarem as instalações fabris e surgirem edifícios em todos os pontos do
país, em geral o movimento industrial sofre um empobrecimento: não é
mais a iniciativa de poucos indivíduos excepcionais, mas uma profissão de
rotina que interpreta, de maneira piorada, os princípios do liberalismo -
produzir mais e em menor tempo, mesmo em detrimento da qualidade
dos manufaturados. Entre as mais sintéticas descrições desse fenômeno e
de suas causas, há um trecho famoso de Nikolaus Pevsner:

Graças às novas máquinas, os fabricantes estavam em condições de


lançar no mercado milhares ele artigos com bons preços, empregando
o mesmo tempo e tendo o mesmo custo antes necessário para produ­
zir um só objeto benfeito. Em todos os ramos ela indústria se alterava
a natureza dos materiais e elas técnicas. O trabalho hábil do artesa­
nato [ ... ] é substituído pela rotina mecânica. A demanda aumentava
ele ano para ano, mas vinha ele um povo deseducado e embrutecido,
que vivia como escravo em meio à imundície e à pobreza. O artista
se retraía, desgostoso ele tal esqualiclez. 1

Mais adiante, afirma o mesmo autor:

O liberalismo dominava incondicionalmente, na filosofia como na


indústria, e clava ao fabricante a mais completa liberdade de produ­
zir coisas horríveis e ele má qualidade, com a condição de conseguir
comerciá-las. E era fácil fazê-lo, dado que o consumidor não tinha
nem tradição nem educação e, como o produtor, era vítima desse
círculo vicioso.2

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3.
A ERA VITORIANA

Se esses juízos contêm algumas contradições e a pretensa concilia­


ção ele ética e de estética - enquanto, especialmente nas questões ele
maior peso social (as condições ele trabalho nas fábricas, as construções
populares, a formação elos slums [cortiços] etc.), o contraste entre a
política ele lucros e as exigências primárias ela população era bastante (

duro-, o quadro descrito, mesmo no âmbito mais limitado ela quali­


dade elos produtos, não se afasta muito ela situação real. Temos urna
confirmação disso em autores contemporâneos, entre os quais o pintor
Richard Reclgrave (1804-1888): "Os industriais", escreveu, "consideram
• o bom gosto um entrave para as vendas. Sua posição pode ser resumida
no princípio fundamental: that is best what sells best (que melhor é o
que vende mais)".3
Todavia, as disfunções ou malformações na produção rnanufatu­
reira não são atribuíveis apenas ao cinismo ele muitos fabricantes, mas,
essencialmente, a uma visão pouco clara ela quantificação elos produ­
tos, ao próprio modo ele dar-lhes uma forma na ausência ele modelos e,
sobretudo, a um programa impróprio que pensava na arte corno ativi­
dade resolutiva ele muitos aspectos ela produção. Prova disso é a famosa
declaração ele sir Robert Peel à Câmara elos Comuns, em 1832, por oca­
sião elo debate sobre a instituição ela National Gallery. Nele, o estadista,
que também era um magnata ela indústria, sustentava que

os motivos de recreação pública não eram os únicos que apelavam


ao Parlamento em tais questões; mas os próprios interesses de nossa
manufatura também estavam envolvidos sempre que se encorajavam
as belas-artes no país. Era coisa bem conhecida que os nossos manu­
faturados eram, em todas as questões ligadas à mecânica, superiores
aos concorrentes estrangeiros, mas no campo cios desenhos pictóricos,
tão importantes para inculcar os produtos da indústria no gosto cio
consumidor, eles, desgraçadamente, não eram hábeis e, assim, esta­
vam impossibilitados ele competir com seus rivais4.

A iniciativa ele Peel, se ele um lado pode ser considerada o início ela
reforma ela arte aplicada e o reconhecimento oficial ele sua importância
socioeconôrnica, ele outro mostra todos os limites elo estetismo elo tempo
naquele campo. De fato, a qualificação elos produtos era requerida pelas
belas-artes, na verdade já a partir cios "desenhos pictóricos", como valor
agregado aos manufaturados considerados tecnicamente satisfatórios.
Nasce sobre essa base a questão elas relações arte-indústria que garantiu
tanta literatura oitocentista, permanecendo ele fato irresolvicla enquanto

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não se delineou uma estética que pouco tinha a ver em comum com
o mundo da arte tradicional, devendo ser nova e específica do produto
industrial. Tal estética, reclamando em parte a contribuição de Hume,
encontrou o seu início apropriado na Inglaterra vitoriana, o que nos leva
a enfrentar o tema do "projeto" elaborado naquele ano como compo­
nente da fenomenologia do design.
O projeto do qual falamos é compreendido no sentido mais amplo:
do modo mais apropriado de desenhar os objetos fabricados por máqui­
nas aos organismos didáticos, tendo em vista formar os novos projetistas;
das instituições destinadas a chamar a atenção do público, na tentativa
de educar-lhe o gosto, aos programas de grande exposição que servissem
como ocasião de comparação, de troca e de venda.
Após o Reform Bill5, alguns intelectuais, políticos e administradores
públicos, preocupados com os resultados a longo prazo da produção,
e sobretudo com a concorrência estrangeira, promoveram uma série
de iniciativas: associações artístico-industriais; comitês de pesquisa para
consultar industriais, artesãos, artistas e membros da Academia Real;
centros didáticos. Em particular, instituíram-se escolas de desenho em
Londres, Birmingham, Manchester etc. e nelas formaram-se coleções
de obras de arte antiga e moderna, pura e aplicada, a fim de constituí­
rem modelos para os alunos.
Protagonista de muitas das referidas iniciativas foi Henry Cole (1802-
1882), o maior expoente da cultura vitoriana no campo do nascente
design. Diferentemente do projeto de Morris, iniciado após 1860 e desti­
nado ao renascimento do artesanato, o de Cole, a partir de 1845, postulou
a mais estreita colaboração com a indústria. Para tal fim, cunhou a
expressão art manufacturer, que denota uma nova figura de artista fabri­
cante, e pode-se considerar como uma primeira antecipação do moderno
designer. Em 1849, funda o periódico Joumal of Design and Manufac­
tures, e ainda é o principal artífice ela Grande Exposição de 1851. No
ano seguinte, empenhou-se na criação de um museu de manufaturados
como centro ele coleção e ele pesquisa sobre os gêneros de arte aplicada,
destinado a ser o núcleo originário do Victoria anel Albert Museum.
Transferindo muitos dos seus interesses para o campo didático, encerra
a sua carreira com a nomeação para o sole segretary of the department
of design6, com a incumbência de superintender todas as escolas de
desenho inglesas.
Se o programa de associar a arte à indústria num movimento que
envolvesse toda a produção nacional culminando na Exposição Uni­
versal pode ser considerado, por assim dizer, o grande projeto de Cole,

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3.
A ERA VITORIANA

concebeu ainda um outro mais específico, mas igualmente importante


pelos princípios ali contidos e pela contribuição dada ao problema da
forma. Compreendeu que, para além de qualquer polêmica sobre a
qualificação do produto industrial, eram necessários alguns princípios
basilares relativos à conformação. Como já observado, (

os princípios centrais da obra de Cole e dos seus, tais como elaborados


nos fascículos mensais do Joumal of Design and Manu{actures, edi­
tado entre 1849 e 1852, assim como em publicações similares, podem
ser sintetizados em dois: o primeiro diz respeito a uma reformula­
ção do conceito básico ele funcionalidade; o segundo, à exigência de
aprender-se a ver, tanto como critério pedagógico a ser introduzido
em suas formas simples no ensino do desenho nas escolas elementares
quanto na qualidade de instrumento metodológico geral para instituir
confrontos em todos os níveis e deles extrair os exemplos-guias com
os quais formar os novos critérios ele projetos ela art manufacturer7.

Esse juízo sintético e eficaz, ao final do nosso discurso sobre o


projeto, requer algumas especificações ulteriores. Quanto ao conceito
básico da funcionalidade, aquele interesse pelos useful obíects (objetos
úteis), que se vincula ao utilitarismo filosófico e econômico de John
Stuart Mill, com o qual Cole manteve estreita relação pessoal, é, eviden­
temente, o ponto de partida para a cultura cio design. Não só isso, mas
chamando a atenção de estudantes, artífices, produtores e cio público
para objetos simples, comuns, "sem sentimentos" ela vida cotidiana,
Cole transfere para esses objetos aqueles valores artísticos emergentes,
atribuídos apenas à pintura e à escultura ( que em contato com a pro­
dução industrial se converterá em mero decorativismo), dando-lhes
um valor estético difuso, ou seja, de pura e simples qualidade. Mas
enquanto portadores de tais princípios, os novos objetos produzidos
industrialmente deviam ter sempre uma forma. E aqui se individualiza
o maior esforço realizado por Cole e seus companheiros. Um deles,
Owen Jones, sustenta que "o fundamento de todas as coisas é a geome­
tria" e, além disso, as cores não são usadas com sentido impressionista
ou ilusionista, porém nas funções espacial e perceptiva: o azul, o ver­
melho, o amarelo etc. aproximam ou afastam as formas e superfícies
do observador8. A tese é confirmada por Pevsner que, recordando um
trecho do Joumal of Design, escreve: "Henry Cole e seus amigos pre­
dicavam a necessidade de que o ornamento fosse mais abstrato do que
imitativo."9 Mas só a geometria não basta para criar os modelos para as

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novas formas dos produtos industriais. Em sua Grammar of Omament,
Owen Jones recolhe e confronta objetos decorativos das mais diversas
épocas e proveniências, tais como da China e elo Oriente Médio, da
arte celta à barroca; e isso não movido por uma curiosidade histórico­
-estética, mas para procurar numa produção tão vasta e heterogênea os
princípios conformativos e os caracteres invariantes. Como observa Sie­
gfried Gieclion, "ele negligencia em absoluto os materiais mais diversos,
quer se trate ele seda, tecido, porcelana, madeira ou pedra, e os reduz a
superfícies puras coloridas [ .. -1 procede como um estudioso ele história
natural com a vontade de 'descobrir na natureza elas leis [ ...] que forças
estão reunidas numa única página "' 10 •
Em síntese, o projeto, entendido na acepção mais específica, ou
melhor, como procura por uma metodologia projetiva no círculo de
Cole, não é ele tipo naturalístico ou historicista, mas sim, baseando-se
na geometria, de tipo orgânico, de características invariantes, com ten­
Figuras 46-47 dências à simplificação e à redução etc.; hoje, podemos defini-lo como
(à direita) O. Jones, papéis de
parede para a Jeffreys & Co.
ele tipo "estruturalista".
Historicista, ao contrário, seja na forma qua.nto nos conteúdos, foi
Figura 48 outro projeto avançado alguns lustros na cultura vitoriana: o ele William
(no alto) O. Jones, folhagem, da
Morris (1834-1896), que se refere a um gothíc reviva[ e a linha neome­
J Grammar of Ornament, 1856.
clieval de Augustus Welby Pugin e de John Ruskin. O primeiro projeto
Figura 49 é o de um reformador, mas perfeitamente integrado à classe dirigente,
H. Cole, desenhos didáticos de aos grupos empreendedores e até mesmo ao príncipe Albert; o segundo
objetos de uso, do Journal of
Design, 1849. é aquele ele um círculo ele intelectuais e ele artistas mais radicais, sem

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3.
A ERA VITORIANA

qualquer vínculo com políticos e produtores, e que recusa exatamente


a civilização industrial.
Como aquele de Cole, mesmo o projeto de Morris pode ser enten­
dido, stricto sensu, como aporte específico, a saber, ao campo das artes
aplicadas e, em sentido amplo, como programa geral de reforma sociopo­
lítica. Não obstante a diferença de tantos utopistas do século XIX, Morris
tem sempre unida à atividade prática o pensamento teórico. Como exem­
plos da primeira, que se recordem: o mobiliário e a decoração do estúdio
de D.G. Rossetti, realizado em 1856 com os membros do seu grupo -
Philip Webb, Edward Burne-Jones, W illiam Hunt, Ford Madox Brown,
Peter Paul Marshall e Charles Faulkner; a construção, em 1859, da Casa
Vermelha (Red House), projetada por Webb, mas mobiliada apenas com
peças dos artistas citados; a abertura, em 1862, da empresa Morris, Mar­
shall, Faulkner & Co. Fine Art Workmen in Painting, Craving, Forniture
and Metais; a fundação de uma fábrica de tapetes em Merton Abbey,
em 1881, e ele uma oficina tipográfica, a Kemscott Press, em 1890; a ins­
tituição, em 1883, da _Art Workers Guild; a organização, a partir de 1888,
das exposições ele artes aplicadas sob o título de Arts and Crafts, que se
tornará o nome ele todo o movimento de Morris.
O estilo formal ele tantos produtos manufaturados espelha fielmente
o "projeto" ideológico de Morris. Deste tocaremos apenas em alguns
pontos; não apenas porque é amplamente conhecido por meio da histó­
ria da arquitetura, mas para não nos perdermos numa série de distinções,
ele valorações a favor e contra, de adesões passadistas ou futuristas que
sempre acompanharam a polêmica sobre Morris e, diremos, em nossa
opinião, por ele alimentada. Herdeiro do pensamento ele Augustus Welby
Pugin e ele John Ruskin, combate o liberalismo, o comercialismo, o
ecletismo da produção industrial de seu tempo, propondo uma reforma
política radical que, no setor específico das artes aplicadas, tomava como
modelo as corporações, a elaboração e a morfologia dos produtos medie­
vais, isto é, ele uma época antitética à contemporânea, pois caracterizada
pela honestidade das relações sociais, pelo uso correto dos materiais,
pela estimada execução artesanal, tanto quanto por aquela joy in labour
(expressão cunhada por Ruskin), única garantia da qualidade dos pro­
dutos e antídoto ao trabalho industrial alienante, daquele fenômeno que
Karl Marx, a cuja filosofia Morris aderiu em boa parte, chama precisa­
mente Entfremdung. Além disso, ter estabelecido o paralelo entre as
felizes condições de uma sociedade e a boa qualidade ele sua produção
artística o leva a convencer-se ele que a questão das artes é ele interesse de
toda a comunidade e, como tal, não delegável a outros, mas a ser gerida

63
or
THE
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SOCIALISM
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EMOCRATIC FEDERA
BY·
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AM MORRIS

Figuras 50-51 Figura 52


(no alto) Dois frontispícios de (embaixo) Papel de decoração
obras desenhadas por W. Sunflower, desenhado por W.
Morris. Morris.
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diretamente; de onde o imediatismo elo fazer artesanal, a abertura ele
negócios e lojas, de laboratórios, de manufaturas e o organizar e reagru­
par continuamente artistas e artífices. Como observa Pevsner, "o primeiro
efeito dos ensinamentos de Morris foi que, sob seu influxo, muitos jovens
artistas, arquitetos e diletantes decidiram-se pelas artes aplicadas. O que
por mais de meio século tinha sido visto como uma ocupação inferior
tornou-se novamente uma missão nobre e digna"11• Outro aporte signi­
ficativo ele Morris foi o fato de haver considerado prioritária a reforma
das artes aplicadas, inclusive a da arquitetura, pois nelas se dispendiam
coticlianamente muita energia e se concentrava o interesse de um maior
número de pessoas, produtores ou consumidores.
Como afirmamos em outro lugar12, um juízo talvez mais sintético
sobre a obra ele Morris, que a libera elas citadas distinções e que restitui a
mais realista substância de seu contributo, pode ser extraído elas seguintes
considerações. É preciso desmentir o lugar-comum que divide sua obra
numa parte retrógrada ( o medievalismo, o corporativismo, o artesanato)
e uma parte avançada (a revitalização das artes aplicadas, o socialismo, o
recoqhecimento da "bondade" elas mesmas máquinas se utilizadas diver­
samente). De fato, se é verdade que a ação de Morris é historicista, se
é verdade que sua popularidade se deve em muitos casos aos aspectos
mais tradicionais de sua teoria e às suas contradições - como aquela, por
exemplo, de uma arte que fosse "do povo e para o povo" e contempora­
neamente realizável com o mais difícil método artesanal -, que se diga
que esses aspectos evidentemente ingênuos e anacrônicos servem a uma
estratégia geral. Eles devem ser interpretados como parte de uma atitude
conscientemente paradoxal, com o intuito ele reforçar a unilateralidade
elas ideias, de conseguir uma crítica mais forte e radical, ele constituir
um parâmetro resoluto de referência. Essa interpretação é confirmada
não apenas por muitos escritos elo próprio Morris, que anunciam uma
historicidade mais refletida, o reconhecimento de viver num momento
importante e numa grande nação, a importância elas máquinas etc., mas
igualmente pelo comportamento de seus herdeiros mais imediatos. Eles,
quer dizer, a geração ele artífices nascida por volta de 1850, aderiram ainda
mais explicitamente às condições elo tempo; substituíram a oficina artesa­
nal por uma rede de laboratórios e ele organizações produtoras, admitindo,
ele modo explícito, a possibilidade ele uma produção mecânica ao lado do
trabalho feito exclusivamente à mão.
No que concerne à evolução do gosto, as obras de Walter Crane,
ele Arthur Heygate Mackmurdo, de Selwyn lmage, ele Charles Voysey
prefiguraram, ele várias maneiras, o art nouveau internacional, que na

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3.
A ERA VITORIANA

Inglaterra nasce como Liberty, nome de um importador de objetos


orientais que se valeu de muitos seguidores ele Morris para a produção
ele objetos modernos.
No seu conjunto, o projeto cios vitorianos ingleses, que passou ao
exterior com a expressão polivalente ele Arts anel Crafts, foi mais unitário (

e orientado cio que resulta das polêmicas temporais, depois preguiçosa­


mente repetidas pela crítica subsequente. Mesmo se excetuarmos alguns
excessos de esteticismo, de gosto pela contradição ou paradoxo, há mais
ele um elo entre Henry Cole e William Morris. Para além das diferenças
antes observadas, a respeito da produção industrial, ele suas diversas esfe­
ras de influência, em ambos se reconhecem os mesmos valores: os useful
objects, as exigências de um público mais vasto, a ação propagandística,
a preferência pelas artes aplicadas no que tange à arte, a clara visão de
um caráter artístico difuso que, como já se disse, é considerado um dos
princípios básicos cio design. De modo que, se o movimento inglês se
difunde no exterior, sobretudo com o nome de Morris (e com o nome
de Voysey quanto aos aspectos propriamente morfológicos e, sobretudo,
com o de Charles Rennie Mackintosh), isso se eleve, em nossa opinião,
em grande parte, ao fato ele que o último é o mais conhecido expoente
(também nos ambientes literários e sociais) de um "projeto" moderno
que encontra, na Inglaterra, os maiores pressupostos produtivos e os
melhores suportes culturais.
Na era vitoriana, a componente da "venda" no advento cio design
nascente encontra o seu ponto central e mais emblemático na Grande
Exposição de 1851.
A iniciativa ela Primeira Exposição Universal se deve a Henry Cole
e ao príncipe consorte Albert, dando sequência a uma série ele grandes
exposições (após a primeira ocorrida em Paris, em 1798) de caráter nacio­
nal. Nascidas no espírito cio Iluminismo e da Proclamation de la Liberté
du Travai[, de 1791, que abolia as corporações, as exposições tinham a
intenção ele promover o conhecimento e a propaganda cio progresso
social e tecnológico, estimular a emulação entre os empreendedores
e, atualizando o espírito das antigas feiras, conferir ao acontecimento o
aspecto ele um festival popular, favorecendo o comércio e as trocas. E
devido ao fato de que a Inglaterra não punha limitações ao comércio
com o exterior é que se eleve o caráter internacional da exposição de
Londres. Como observa Gicleon,

não havia motivo para reunir os produtos ele todo o mundo se depois
não existisse a possibiliclacle ele vendê-los em todo o mundo. Uma

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exposição internacional somente poderia ter significado num mundo


em que as restrições ao tráfego, ele qualquer gênero, fossem reduzidas
ao mínimo. Essas grandes exposições eram produto da concepção
liberal ela economia: livre comércio, comunicações lines e melhoria
na produção e na execução, por meio ela liberclacle de competição13.

Tais características se encontravam claramente evidenciadas pelo


próprio Cole na introdução ao Offi.cial Descriptive and Illustrative Cata­
logue of the Great Exhibition, uma peça em quatro volumes de enorme
importância pelas informações contidas sobre todos os problemas da
indústria e do comércio oitocentista. Nela, o infatigável Cole escreve
Figura 54
Publicidade do ateliê Van de
que essa guinada internacional na história das exposições foi possível
Veldé em Uccle, 1898. pela "segurança perfeita da propriedade, da liberdade comercial e da
facilidade de transporte que a Inglaterra possui de modo preeminente".
Figura 55
Escrivaninha Van de Velde,
Um programa como esse, que se transformou num grande sucesso
1897-1898. de venda, articulava-se também com uma série de outras e:'1.-pectativas

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3.
A ERA VITORIANA

técnico-culturais. Primeira entre todas, a intenção de promover ao


máximo a integração entre indústria e artes; a isso respondeu o próprio
edifício que hospedou as manifestações, o famoso Crystal Palace (palá­
cio de Cristal), ele Joseph Paxton, o primeiro pré-fabricado na história
da arquitetura.
Mas se ele constitui a obra-prima da mostra, a solução insuperável
de um problema arquitetônico, em termos ele design, os objetos nele
contidos mostraram todas as incertezas e contradições do binômio arte­
-indústria. Naquele imenso continente delimitado por um invólucro
aéreo de ferro e vidro, havia ele tudo. Produtos diversíssimos de nações
como França, Bélgica, os Estados ela Zollverein, Áustria, Rússia, Esta­
dos Unidos, Suíça, Espanha, Portugal, Toscana, Estados Sardas, Suécia,
Dinamarca, Noruega, Holanda, Grécia, Turquia e, naturalmente, Ingla­
terra, num total de dezessete mil empresas expositoras. A maior parte
desses países expunha seus produtos típicos e artesanais que, enquanto
tais, estavam fora elo tema e não apresentavam o problema elas relações
entre arte e indústria. Ao contrário, a exposição nascia para os produ­
tos dos países mais industrializados, orientados ao máximo em duas
direções. A primeira, dada pelos Estados Unidos, consistia em expor
máquinas sem qualquer pretensão de pesquisa formal ou objetos ele uso
que confiavam a sua forma quase que exclusivamente à sua função. A
segunda era, sobretudo, a da Inglaterra que, salvo algumas exceções,
como a locomotiva de T homas Russel Crampton ou os fornos da Liver­
pool Gaswork, desenhados por A. King, apresentava o mais eclético
panorama dos motivos estilísticos, com a convicção difusa ele que deve­
riam conferir uma pátina ele caráter artístico ou de "conteúdo" não só
aos objetos de uso doméstico, mas também aos maquinários. De forma
que, ao lado dos exemplos acima citados ou da ceifadeira norte-ameri­
cana McCormick, era possível ver o tear em estilo gótico ela W. Pope &
Son, ele Londres, ou a máquina em estilo egípcio, com colunas e esca­
ravelhos, da Hick & Son, ele Bolton, porque destinada a uma fábrica
ele algodão no Egito14. Esse dualismo, que desconcertou os contempo­
râneos, foi retomado pela crítica que se seguiu; ela parece ter posto o
acento mais sobre os exemplares deficientes do que sobre os mais bem
realizados. Como observa Tomás Malclonado,

em toda a história do desenho industrial, até agora, assinalou-se sem­


pre urna posição relevante para a Grande Exposição de Londres,
ele 1851. Porém, não pelo bom desenho dos objetos que ali estavam
expostos, mas sim [ ...] por seu mau gosto atroz. Em outras palavras,

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a Grande Exposição seria importante por ter contribuído para tornar
consciente a degradação estética cios objetos no momento ela trans­
posição cio artesanato para a produção inclustrial 15.

Em outro lugar, o mesmo autor estigmatiza o fato de que, sem­


pre ele uma perspectiva artística, a crítica, mesmo a recente, deu mais
espaço à tapeçaria eclética e aos espelhos proto-art nouveau, expostos
em Londres, elo que a toda a produção pela qual Reyner Banham falou
ele "zonas ele silêncio", mesmo que nela fosse possível ver a maioria elo
maquinário e elos objetos tecnológicas mais importantes elos séculos
XIX e xx. Sob silêncio ainda passaram os nomes dos maiores artífices
dos objetos mais modernos expostos na mesma ocasião, ele Crampton a
Barthélemy T himonnier, de Ravizza a Henry Ford16.
Os realces são em grande parte para se compartilhar, não se igno­
rando, todavia, que um cios principais temas ela época era justamente,
embora mal-entendido, o ele fazer conviver a arte e a indústria, ainda
que algumas personagens mais atentas à natureza do design - Henry
Cole, uma vez mais - escrevessem de maneira problemática:

Partindo-se ele objetos artísticos e chegando-se aos mecânicos, queria


remeter-me ao julgamento do público para sentir dele se os nossos
primos norte-americanos, com suas ceifadeiras e outras máquinas que
se adaptam aos novos intentos e possibilidades ele desenvolvimento,
não nos tenham dado uma lição muito preciosa. '7

Analogamente, na sua relação sobre a mostra, Richard Redgrave


escreve que nos objetos "nos quais a utilidade é de tal forma preponde­
rante que se abandona o ornamento [...] o resultado é ele uma nobre
simplicidacle"18. De seu lado, Oscar Wilde, embora não adepto cios orna­
mentos, exorta: "Todas as máquinas podem ser belas [ .. .] Não procureis
decorá-las."19
Como quer que seja, a Grande Exposição, com toda a sua complexi­
dade e contradições, foi o primeiro encontro entre a "cultura cio design"
e um público ampliado, transformando-se num grande fenômeno ele
promoção e de vencia: atestam-no os seus seis milhões ele visitantes e o
lucro líquido de 186 mil libras esterlinas.
) E vamos à componente "consumo" cio design, relativo à "empresa­
-nação" Inglaterra na era vitoriana. Quais eram as demandas do público
para garantir o consumo ou o sucesso daqueles produtos tão debati­
dos ela indústria? Acerca do aspecto quantitativo, é ele se julgar que a

70
3.
A ERA VITORIANA

demanda dos consumidores fosse amplamente satisfeita, se é verdade


que a política da quantificação e do preço baixo das mercadorias era
a mais conveniente para os fabricantes; ao contrário, de acordo com a
historiografia mais observada, seria justamente essa tendência a vender
mais e a preços mais baratos a causa da concessão ao gosto do público t'
"inculto", "deseducado" etc. Esse gosto teria sido caracterizado por
uma dupla orientação dominante. De um lado, exigia-se a presença
da decoração em qualquer tipo de objeto, mesmo ali onde a fabricação
mecânica a negava substancialmente. Isso era devido não só ao sim­
bolismo que as pessoas sempre associam a qualquer tipo de produto,
mas, sobretudo, ao fato de que todo novo gênero merceológico é mais
favoravelmente acolhido caso se vincule a um referente já conhecido:
o veículo mecânico se refere à tração animal; a fotografia à pintura; a
imprensa, como já vimos, ao manuscrito etc. De outro lado, e estrei­
tamente vinculado ao decorativismo, o gosto do público exigia que os
objetos, mesmo se produzidos industrialmente, sempre tivessem a apa­
rência de serem realizados à mão, estando o valor ligado ao esforço, à
habilidade, ao toque manual. Falando da pintura dos pré-rafaelitas, que
se pode considerar o paradigma estético do período em exame, e como
tal o referente das artes aplicadas, Arnold Hauser observa que ela é

literária e poética corno toda a arte vitoriana [ ... ] Ao espiritualismo


vitoriano, aos assuntos religiosos, literários, às alegorias morais e aos
símbolos fabulosos ela une um sensualismo que se exprime na ale­
gria do momento particular, na reprodução jovial de qualquer haste,
de qualquer vinco. Essa precisão não reflete apenas o naturalismo
genérico da arte europeia, mas também a ética do trabalho, própria
da burguesia, que vê um critério de valor artístico no ofício irrepreen­
sível, na execução acurada dos antigos mestres. Seguindo esse ideal
ela arte vitoriana, os pré-rafaelitas acentuam a perícia técnica, a habi­
lidade mimética, a perfeição cio último toque2º .

Não só as instâncias de decoração ou de pseudoartesanato são as


que se limitam a falsificar a forma dos objetos industriais, pois a ficção
estende-se até a natureza dos materiais. Segundo Giedion, entre 1835
e 1846, o escritório inglês das patentes registra 35 delas para o revesti­
mento de superfícies de vários materiais que imitam e se assemelham
a outros. Depois intervém a reprodução galvanoplástica que, graças a
um processo eletrolítico, permitia revestir materiais econômicos com
outros de maior preço. Além das falsas superfícies, artifícios semelhantes

71
Figuras 56
O Palácio de Cristal de J. Paxton.

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Figura 57
Perspectiva do transepto do
Palácio de Cristal.

Figura 58
Frontispício do catálogo da
Grande Exposição, de G.
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foram aplicados mesmo na volumetria dos objetos: inventaram­
-se máquinas para estampar, prensar, preparar matrizes aptas
a reproduzir, em materiais ordinários, os modelos antigos ou,
de todo modo, considerados de valor.
Tudo isso é verdadeiro e está documentado, mas como
nos ocupamos de um consumo em larga escala, há que se ter
alguma precisão. Esses artifícios enganosos eram aplicados prin­
cipalmente em objetos com pretensão artística: esculturas em
gesso, que se contrabandeavam como feitas em bronze ou servi­
ços de chá pretensiosos que pareciam ter sido cinzelados à mão
e feitos em prata. Em outras palavras, a falsificação não se apli­
cava a produtos de primeira necessidade, mas aos de natureza
estética ou voluptuária, requisitados e consumidos pelos estratos
médio-altos. "A burguesia vitoriana tem fixação na 'grande arte'
e no mau gosto que domina na arquitetura, na pintura e nas
artes menores; em substância, é a consequência de um autoen­
gano e ele uma presunção que impedem a expressão espontânea
de sua natureza."21 É verdade que as classes mais pobres tendiam
a imitar o gosto da burguesia, mas é pouco crível que o prole­
tário, no clima da cidade ele céu plúmbeo e de um ar denso
Figuras 60-66 com resíduos industriais, passada para a história com o nome
Máquinas e objetos expostos
na Grande Exposição de 1851.
dickensiano de Coketown, gastasse um penny a mais para que
os objetos ele uso cotidiano fossem "artisticamente" decorados.
Com efeito, toda a polêmica aplicava-se sobre os objetos de
ostentação, como aqueles que figuravam na Grande Exposi­
ção, os de uso e consumo ela classe rica. E quando o próprio
Morris fala de uma arte para o povo, sempre pensa em esten­
der-lhe um gosto que pertencia à sua classe. Ao lado desses
objetos exibidos, existia uma grande produção de outros, apenas
"modelados"22, usando-se um adjetivo renascentista para deno­
tar exatamente produtos simples e essenciais ao consumo das
classes pobres. Não por acaso, desde os tempos de Weclgwoocl
a produção popular se orientava em direção a esse último tipo,
assim como, na sequência, ocorrerá todas as vezes que se quiser
quantificar positivamente um setor mercadológico.
De modo que se deve a esse processo de simplificação,
unido às exigências de se responder ao consumo popular, além
ela influência da arte do extremo-oriente, por sua natureza sim­
ples, essencial, o fato de que os artífices ingleses do século xrx
tardio - e pensamos, em particular, na arquitetura e nos objetos

74
3.
A ERA VITORIANA

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Figura 67
A imagem acima ilustra o
princípio da sega ou ceifadeira
circular, uma das muitas
tentativas fracassadas de
mecanizar a ceifa (patente
inglesa de 1811).

Figura 68
A ceifadeira Virgínia, de
McCormick, 1846.

75
desenhados por Voysey - se tornaram modelo para os outros países.
De fato, Hermann Muthesius evocou esse tipo de produção quando
importou para a Alemanha a experiência britânica, adotando-a como
paradigma da nascente indústria elo design.

O Caso Thonet

No contexto dos anos de 1850, período que encontra no C rystal Palace


de Paxton seu símbolo mais eloquente, um lugar ele grande relevo na
história do design, entre reformadores ingleses, engenheiros franceses
e inventores norte-americanos, está reservado a Michael Thonet (1796-
1871). Uma confirmação do valor de sua produção está no fato de que
ela satisfaz plenamente os quatro parâmetros elo design.
Dado que o caráter representativo elos móveis de Thonet tem ori­
gem numa invenção técnica, examinemos, para começar, o parâmetro
produtivo. Essa técnica consiste em umedecer peças ele madeiras para
poder dobrá-las, assim como se faz com galhos relativamente finos das
árvores, ou quando a madeira ainda está viva, permeada de seiva. A ideia
do inventor alemão foi, substancialmente, devolver à madeira, graças ao
vapor, a sua elasticidade inicial, modelar os pedaços em formas metálicas
e, assim, deixá-los secar, ele maneira a fixar sua forma definitiva. Prelimi­
nar a esse processo era predispor os pedaços constituintes do móvel a ser
construído, cortando-os na forma e número necessários; quanto menor
era aquele, tanto mais adaptado à produção industrial em série e, por­
tanto, mais econômica seria a manufatura. Em geral, pois, os elementos
vinham preliminarmente reduzidos a uma seção circular. Ainda assim,
essa técnica, embora inovadora, engenhosa e de grande utilidade para
a quantificação dos produtos, não teria dado aqueles resultados que tor­
naram inconfundível o estilo Thonet se não interviessem outros fatores
que associavam o dado construtivo a um valor estético, como veremos
ao se falar do parâmetro "projeto" dessa indústria.
Michael Thonet nasceu em Boppard, na Prússia. Em 1819, abriu
um pequeno laboratório ele marcenaria e ebanesteria especializado em
pavimentos de madeira marchetada e decorativa para aplicação em
móveis tradicionais. Em 1830, iniciou os experimentos sobre a curvatura
da madeira, da qual falamos antes, e, em 1841, por ocasião de uma mostra
em Koblenz, chamou a atenção ele Metternich, ministro cio imperador
da Áustria, que o induziu a se transferir para V iena, onde lhe assegurou

76
3.
A ERA VITORIANA

apoio e comissões. No mesmo ano de 1841, obteve a licença para a sua


técnica de curvatura de madeira na França, na Inglaterra e na Bélgica;
em 1842, na Áustria. O verdadeiro início da atividade industrial se deu em
1853, quando Thonet mudou o nome de sua empresa anterior que, trans­
ferida aos cinco filhos homens, tornou-se a Gebrüder Thonet. Em 1856, <
em Koritschan, na Morávia, foi construída a primeira elas grandes ofici­
nas para a produção em série elos móveis, à qual se seguiram outras na
Hungria e na Polônia, enquanto numerosos pontos de venda se abriram
não apenas em várias cidades ela Áustria e ela Alemanha, mas também
em Bruxelas, Marselha, Milão, Roma, Nápoles, Barcelona, Maclri, São
Petersburgo, Moscou, Odessa, Nova York e Chicago. O elenco dessas
filiais, verdadeiramente excepcional para o século XIX, diz tudo sobre as
dimensões comerciais da indústria ele Thonet. Como quer que seja, o fato
é que no final elo século XIX as fábricas da empresa produziam quatro mil
móveis por dia e ele um só exemplar, a cadeira número 14; foram vendi­
das cerca de cinco milhões de peças em pouco mais ele quarenta anos.
E vejamos os aspectos projetivos. Antes de tudo, deve-se precisar
que a Gebrücler Thonet não produziu apenas as famosas cadeiras, mas
também - e por isso marcou o gosto e cultura do século XIX - muitos
outros móveis, poltronas e divãs, cadeiras ele balanço e toda uma gama
ele mesas e mesinhas, camas, berços, cabicleiros e porta-guarda-chuvas.
Como se vê, trata-se ele modelos que entram na tipologia ele "móveis
apoiadores", evidentemente a mais adaptada à linearidade estrutural da
técnica de Thonet. Mas, além ele qualquer consideração, ela se vincula
excepcionalmente a um trabalho preciso de projeção. Paolo Portoghese
fala justamente de uma verdadeira linguagem e procura recolher os
caracteres invariantes e suas articulações:

Os temas mais claros dessa intencionalidade unitária que é a lingua­


gem de Thonet são os seguintes: a decomposição linear, a resistência
pela forma, a variação das seções resistentes, as conexões (pela tan­
gência, compenetração, trama), as mediações torneadas, o espaço
diafragrnático23 e a transparência ela estrutura.24

Não podemos aqui nos deter sobre todas essas invariantes morfoló­
gicas, ele resto bastante claras como antes expostas; mas sobre as duas
últimas, que se referem a resultados produzidos por união de elementos
lineares em madeira de faia curva, e de planos obtidos pela trama da
assim chamada palha ele Veneza, vale a pena citar o que ainda escreve
Portoghese:

77
Com esses dois instrumentos torna-se possível fechar o espaço sem
escondê-lo da visão, e o móvel não se converte mais em "preen­
chimento" ele um espaço, mas em "filtragem" ele um espaço,
caracterização dinâmica ele um espaço por meio ele um sistema equi­
librado ele linhas [ ... ] as cadeiras de balanço, as chaises Zangues, os
divãs, as carnas são estruturas dotadas de uma espacialidade interna
que possue na transparência o seu caráter e sua especificidade. Um
ambiente decorado com os móveis ele Thonet tem um fascínio suple­
mentar ao daquele de simples objetos pela série infinita ele relações
originada ela transparência e das infinitas sobreposições das peças, que
se articulam, se opõem ou refluem umas sobre as outras, formando
um nódulo inextrincável ele linhas estiradas.25

De nossa parte, propomos a leitura analítica da famosa cadeira


número 14, pois a consideramos o primeiro e insuperável caso de dese­
nho industrial no campo do mobiliário.
Evidentemente, essa forma-tipo se vale de todas as experiências pre­
cedentes de Thonet: daquela que remonta à elaboração em Bopparcl,
inspirada na forma do klismos grego e tecnicamente realizada com estra­
tos de madeira dobrada, ao modelo apresentado na Grande Exposição
ele Londres, em 1851, que tem a perna traseira duplicada e curvada, de
maneira a seguir o perímetro ela tela ela cadeira. Mas é desta última que
se deve partir para chegar-se à cadeira número 14- De fato, o modelo
londrino (inserido no catálogo como número 5) sofre uma primeira
variação: a perna dupla anterior é eliminada e a união com o montante
único e o chassi ela cadeira se elabora por intermédio de um capitel tor­
neado. Os modelos 6 e 7 são variações cio precedente; o número 8 indica
uma separação inspirada pelas exigências da produção industrial: na
frente, as pernas se prendem à cadeira ainda por meio de um capitel; na
parte traseira, ao invés, um único arco dobrado faz a perna e o espaldar e
se prende diretamente ao chassi da cadeira. As quatro pernas tornam-se
rígidas por um anel ele arco que se converterá num elemento invariante
em grande parte das cadeiras sucessivas. Além disso, elimina-se o espal­
dar empalhado e, em seu lugar, insere-se um elemento único arqueado,
o que aumenta a superfície ele apoio elas costas de quem se senta. O
modelo número 9 simplifica, ele um lado, o precedente, quando as per­
nas traseiras se prendem sem qualquer mediação no chassi, única parte,
como na cadeira precedente, a utilizar a superfície em cana da Índia;
ele outro lado, o complica. De fato, o arco unitário dobrado para for­
mar as pernas posteriores e o espaldar é mantido mais baixo, enquanto

78
3.
A ERA VITORIANA

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Figura 69
Desenho de E. Mandl para a
poltrona Thonet n. 14.

79
um outro arco curvado se une ao chassi e prossegue mais alto do que o
precedente para formar uma superfície ainda mais ampla e cômoda do
que a do modelo 8. A versão ela cadeira número 9, que era composta de
apenas seis pedaços, aparece por tal motivo corno o topo da evolução;
mas razões ele ordem produtiva, como a elaboração mais complexa do
segundo pedaço formador do espaldar fizeram com que o modelo 14,
também esse com seis peças, mas com o sobreclito elemento elo espal­
dar bastante simplificado, eleva ser considerado a fase mais madura e
conveniente ela evolução que estamos descrevendo. Do modelo 9, ele
conserva o encaixe direto elas pernas anteriores; do 8, o arco curvado no
interior ela "fita" (perna posterior e espaldar). Portanto, com apenas seis
elementos de madeira curvada, do modo mais racional, seis parafusos e
dois eixos será construída a cadeira mais vendida no mundo.
Quanto à componente "consumo", as cifras de produção ela cadeira
são bastante eloquentes; basta apenas acrescentar que tanto esse quanto
muitos outros móveis Thonet resistiram aos movimentos elo gosto e às
variações ela moela por mais de um século, mobiliaram vários tipos ele
ambientes e foram comprados por todas as classes sociais.
Hugh Honour observou, sinteticamente:

Thonet possui a vantagem de ser o fabricante de móveis que mais


conseguiu sucesso. Mas as suas cadeiras, às quais hoje atribuímos
os maiores elogios, não teriam sido consideradas, no século xrx,
exemplares com valor ele arte decorativa. Com isso, não se quer des­
conhecer a sua influência sobre os teóricos elo movimento moderno.
Na história elo mobiliário, ocupam um posto importante, análogo
àquele ocupado, em arquitetura, pelas coberturas em vidro elos cen­
tros comerciais e estações ferroviárias.26

Não se pode, minimamente, compartilhar esse juízo. Se a contribui­


ção ele Thonet tivesse sido apenas técnica, teria se limitado a aplicar seus
procedimentos a modelos históricos (como o fez no início) e, por razões
estéticas, econômicas ou ele produtividade industrial, não alcançaria
aqueles resultados, mesmo formais, que caracterizam o seu estilo. Não
se sustenta a comparação com os construtores oitocentistas no campo ela
arquitetura, ainda que por aspectos legítimos, pois toda a conformação
em ferro está datada elo século xrx, encontrando-se superada por técni­
cas diferentes e, sobretudo, quanto à forma, pela plástica elo concreto
armado. O estilo de Thonet, ao contrário, vive as formas e exigências
produtivas ele seu tempo, antecipa as novas orientações elo gosto, em

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Figuras 70-73
Capas de catálogos da
Gebrüder Thonet, de 1859,
1873, 1888 e 1904.
Figuras 74-76
Produção Thonet: moldes para
a curvatura de madeira e leito
modelo 9711.
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Figura 77
Produção Thonet: estante
modelo 11602.
Figuras 78-79
Produção Thonet: console
modelo 8803 e cadeira de
balanço.
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Figuras 80-81
Modelos de cadeira produzidos
pela M. Thonet para a
Boppard e para o palácio de
Liechtenstein.

Figura 82
Os móveis Thonet ilustrados no
catálogo da Grande Exposição
de Londres (a cadeira é a
designada modelo n. 5).
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Figuras 83-86
(a partir do alto, à esquerda)
Produção Thonet: cadeiras
modelos 8, 9 e 14. Os
elementos que compõem a
cadeira 14.
3.
A ERA VITORIANA

particular elo art nouveau, e ainda permanece atual. Estamos em pre­


sença ele um "clássico", como muitos autores perceberam. E se o século
XIX não considerava os móveis com valor ele arte decorativa, quer dizer
que nutria uma ideia assaz restrita dessa arte ou, melhor ainda, que a
própria ideia ele arte decorativa havia morrido para dar lugar ao design (
industrial elo século xx.

Os Móveis Patenteados

A questão técnica e o binômio mobília ele tapeceiro e mobília ele enge­


nheiro, para usar uma distinção eficaz ele Gieclion, está posta ele modo
oportuno para o fenômeno elos elementos ele mobiliário e decorações
metálicas ou patenteadas, que tiveram o seu máximo desenvolvimento
nos Estados Unidos, enquanto os vitorianos ela Europa debatiam, che­
gando frequentemente a becos sem saída, toda a problemática elas
relações entre arte e indústria.
A origem elo móvel mecânico pode ser encontrada na Europa elo
século XVIII, nas experimentações que vão ele autômatos engenhosos até
as primeiras máquinas automáticas, e que levou à construção ele móveis
como o lit de voyage (cama ele viagem) e outros elementos ele mobiliá­
rio bastante manobráveis, leves e dobráveis, com mínimo estorvo. Mas
é na América, a partir elos anos ele 1850, que essa tipologia ele móveis
encontra o seu maior desempenho projetivo, a sua mais vasta produção,
venda e consumo.
Quanto ao seu projeto, que se diga que tais móveis nasciam ele uma
dupla exigência. De um lado, se queria fazer cadeiras, poltronas e camas
cujo conforto não fosse mais confiado ao estofamento tradicional elos
tapeceiros, que os elaboravam ele modo estático, inarticulaclo, sobretudo
inclobráveis, inevitavelmente ligados ao gosto corrente elo século XVIII
e cujo caráter estava, por assim dizer, terminado e bloqueado. O móvel
mecânico, ao contrário, buscava o conforto na descontinuidade elos ele­
mentos, em grande parte metálicos e articulados segundo a anatomia
humana - os movimentos ele urna pessoa sentada ou deitada - como se
fosse o prolongamento elas articulações humanas; daí a sua concepção
sobre o modelo ela prótese. A atração pelos móveis elas áreas ele saúde
era motivada pelo desenvolvimento ela cirurgia, pelo aperfeiçoamento
ela poltrona elo barbeiro, afirmando urna nova tipologia como a pol­
trona que se alonga, as carnas dobráveis, os móveis elos primeiros vagões

87
ferroviários. De modo que, além da vontade de utilizar os instrumen­
tos da nova tecnologia mesmo no campo do mobiliário doméstico, o
móvel mecânico se justificava com a introdução ele novos tipos e, em
definitivo, pela exigência de novos segmentos sociais ele consumidores.
Gieclion escreve:

A outra face do século XIX está representada pelas construções e móveis


de engenheiros. Os móveis patenteados são tipos que os estratos médios
souberam inventar para satisfazer suas mais autênticas necessidades.
As camadas abastadas não sentiam carência de cadeiras retráteis que
se transformassem em camas e ele leitos que se tornassem armários.
Tinham espaço e dinheiro suficientes para contentar as próprias exi­
gências com outros meios. Os móveis patenteados foram, na origem,
e ao menos na América elo Norte, necessidade elas camadas médias,
um estrato social que pretendia, num espaço mínimo, um certo con­
forto, sem com isso encher a casa com móveis. A poltrona que pode
transformar-se em divã, o leito em armário e o quarto que, ele dia, se
transforma em sala ele visita se adaptam mais naturalmente a casas ele
dois ou três cômodos ela classe média em ascensão do que os móveis
mais pesados, ele gosto clominante. 27

À mesma lógica elo móvel hiperfuncional, polivalente e articulado


pertence todo o mobiliário para escritório que, também nascido na Amé­
rica, teve grande repercussão na Europa entre os finais dos oitocentos e o
início do novo século. Assim mesmo, ao lado ele outras inovações trazidas
pelo móvel mecânico ou patenteado (sua adoção nas casas ela pequena
burguesia, ambiente de trabalho, laboratórios técnicos, salas de cirurgia,
nos vagões ele trens Pullman), ele instaura e sanciona a ideia elo móvel
único, completamente desvinculado ele um contexto. É nesse ponto que
um móvel se torna manufatura com uma concepção própria e um pro­
jeto específico: o objeto ele design pode prescindir completamente elo
mobiliário e ela decoração.
Esse fenômeno repercute diretamente sobre a produção industrial.
Contrariamente ao que vinha antes, e ocorreu depois ela adoção do
móvel patenteado - que urna indústria, urna vez adotada urna linha for­
mal e urna tecnologia, produz urna gama ele modelos diferentes dessa
mesma linha-, nascia em torno ele um modelo único de móvel mecâ­
nico urna indústria especializada apenas na sua produção. Típico nesse
sentido é o caso da cadeira Wilson, corno era chamada em virtude do
nome de seu inventor (patente USA 116.784/4, julho de 1871), um dos

88
3.
A ERA VITORIANA

primeiros modelos que transferiram os requisitos de uma poltrona de


pessoa inválida para o mobiliário doméstico: difundida em dezenas ele
milhares ele exemplares, era fabricada por uma sociedade propositada­
mente criada para sua produção industrial (Wilson Acljustable Chair
Company, ela Broadway). E todos os demais tipos dela derivados, entre (

1871 e 1890, foram produzidos por outras empresas constituídas ad hoc.


O aspecto produtivo mais importante desses tipos de móveis, nasci­
dos por exigências especiais, como poltronas para inválidos e mesas ele
operação, e por isso não podendo alcançar uma quantidade necessária à
elaboração industrial, está na própria modificação ou conversão a uma
procura maior, que vem ele sua utilização doméstica. Se ele um lado a
versão mais comercial servia para aumentar a quantidade do produto,
ele outro o fazia perder aquela característica ele extrema mobilidade;
em outras palavras, a quantificação levava a uma simplificação das for­
mas e elos usos. No entanto, todas essas coisas ainda eram, no campo ela
promoção e da venda, altamente enfatizadas. A publicidade que acom­
panhava um modelo produzido em Chicago, em 1893, declara: "É a
melhor poltrona de todo o mundo. É uma combinação de poltrona ele
salão, ele biblioteca, ele fumar e ele poltrona reclinável ou ele repouso,
ou ele cama ele comprimento inteiro ou regulável em qualquer posição.
Mais ele oitenta mil exemplares já em uso."28
Giedion, ao comentar esse caso, recorda que estamos no mesmo
ano ela Exposição Colombiana, vale dizer, daquele evento que põe em
crise, com a primeira arquitetura autenticamente americana, a escola
ele Chicago, também esses produtos significativos ela mecanização elos
objetos domésticos. Tudo por obra da retração gerada pelo confronto
com a acadêmica e prestigiosa produção europeia, exposta naquela oca­
sião nos Estados Unidos.

Estamos no ano de 1893, isto é, no término do desenvolvimento. É o


ano da Exposição Mundial de Chicago, que representa o momento
da guinada. Começou a ser tedioso esse tipo de móvel. Ele não cor­
respondia mais ao conceito de luxo e de riqueza para os quais alguns
se sentiam nascidos. Eis por que esses móveis desapareceram. 9
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Figura 87
Poltrona de inválido para Felipe
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Figura 88
Poltrona giratória para
escritório, 1853.
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C '<>.\l l'<>U'J'.lUT,E,
PRJCES LOWEST.
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Send for Catalogue and Price List.
MARKS ADJUSTABLE CHAIR CO.
930 ll1tOAOWAY, NEW YORK.
215 WADAsrr AvE CmcAGo,

Figura 89
G. Wilson, poltrona dobrável de
ferro, 1871 .

Figura 90
Poltrona regulável, 1893.
Figuras 91-92
Leito cirúrgico e seus
comandos, 1899.

Figura 93
Poltrona de dentista e cirúrgica,
1850.

Figura 94
(à direita) Poltrona de barbeiro,
1873.

Figura 95
Poltrona de dentista, 1879.

Figura 96
(à direita). (no alto) Poltrona de
barbeiro, 1888.

Fig'ura 97
Armário-leito, 1859.

Figura 98
Leito-piano, 1866.
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Figuras 99
Assentos ferroviários
transformáveis em beliche,
1858.

Figura 100
Cadeiras e beliches ferroviários,
1854.

Figura 101
Seção de vagões com cadeiras e
ordem dupla de beliches, projeto
de T.T. Woodruff, 1856.

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