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Universidade Federal de Roraima - UFRR

Projeto de Extensão Universitária


Instituto de Ciências Jurídicas
Prof. Me. Mauro Campello
Curso de Direito
“Salinha 201”
1a. edição
2020.1

Unidade 10:

Da validade da norma jurídica.


Prof. Mestre Mauro Campello*

1. Da vigência ou validade formal:

A norma jurídica não basta estar estruturada para se tornar obrigatória, é


indispensável que ela satisfaça a requisitos de validade. A validade de uma norma jurídica
é vista sob três aspectos: o da validade formal ou técnico-jurídica (vigência), o da validade
social (eficácia ou efetividade) e o da validade ética (fundamento)1.

- validade formal ou técnico-jurídica (vigência);


Aspectos de
validade da - validade social (eficácia ou efetividade); e
norma jurídica
- validade ética (fundamento).

Mas o que é vigência? A que requisitos deve satisfazer a norma jurídica para
ser obrigatória? Diz o art. 1o da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB),
Decreto-lei no 4.657, de 04.09.1942, que, “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar
em todo país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”, portanto, seria

1
- Segundo Miguel Reale, na terminologia brasileira, vigência equivale a validade técnico-formal, enquanto
os juristas de fala espanhola empregam aquele termo como sinônimo de eficácia. Faz esta observação porque
essa diferença essencial de significado tem lugar a lamentáveis confusões.
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apenas o elemento tempo o requisito da norma jurídica para que ela se torne obrigatória?
A que requisitos deve satisfazer a norma jurídica para ser obrigatória?

O problema é complexo e de grande importância. Nessa unidade iremos nos


debruçar no estudo da validade da norma jurídica para podermos responder a estas
indagações e outras. Daremos início com o estudo da vigência da norma jurídica.

1.1. Vigência: legitimidade subjetiva, no que diz respeito ao órgão em si.

A norma jurídica deve ser estabelecida por um órgão competente, ou seja,


somente pode ser elaborada pelo Poder Legislativo, com a sanção do Chefe do Poder
Executivo. Assim, um projeto de lei federal deve ser aprovado pelo Congresso Nacional e
sancionado pelo Presidente da República; um projeto de lei estadual deve ser aprovado
pela Assembleia Legislativa com sanção do Governador do Estado; e um projeto de lei
municipal deve ser aprovado pela Câmara Municipal e sancionado pelo Prefeito do
Município.

É na Constituição Federal que se deve buscar a distribuição originária


das competências. A Constituição é a lei fundamental que distribui, de maneira originária,
a competência dos elementos institucionais do Estado, fixando as atribuições conferidas à
União, a qual exprime o Brasil na sua unidade interna; o que toca, de maneira especial, a
cada um dos Estados-membros da Federação e, por fim, qual é o círculo de competência
que se reserva aos Municípios.

Mas, ao lado da competência privativa da União, dos Estados e dos


Municípios, não haverá um campo de ação concorrente onde os três poderes possam
exercer sua atividade?

Sim, poderá existir. A resposta a este questionamento será encontrada


no campo do Direito positivo, ou seja, na Constituição em vigor. Cada Constituição
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estabelece círculos diferentes de competência privativa e concorrente entre a União 2, os


Estados3 e os Municípios4.

De acordo com o sistema de Direito Constitucional Brasileiro, em vigor,


temos três círculos originários, cada qual representando uma esfera privativa de ação.

União Estados

Municípios

Desenho 1. Sistema de Direito Constitucional Brasileiro:


Competência privativa.

À União cabe o que o legislador constituinte considerou relativo à


comunidade brasileira como um todo, de tal maneira que não poderão os Estados legislar
sobre essa matéria, nem tampouco os Municípios.

Por exemplo:

2
- A União é pessoa jurídica de direito público interno, entidade federativa autônoma em relação aos Estados-membros,
Municípios e Distrito Federal, possuindo competências administrativas e legislativas determinadas constitucionalmente.
3
- São unidades autônomas com poderes próprios para organizam-se e regerem-se pelas Constituições e leis que
adotarem, observados os princípios da Constituição Federal.
4
- Divisão administrativa de um estado (divisão territorial de determinados países), distrito ou região, com autonomia
administrativa e constituído de órgãos político-administrativos próprios (No Brasil, o município é composto pela Prefeitura
e pela Câmara Municipal).
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a) Compete à União privativamente legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual,
eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho (Art. 22, I da Constituição
Federal);
b) Compete à União privativamente legislar sobre serviço postal (Art. 22, V da Constituição
Federal);
c) Compete à União privativamente legislar sobre comércio exterior e interestadual (Art. 22,
VIII da Constituição Federal);
d) Compete à União privativamente legislar sobre regime dos portos, navegação lacustre,
fluvial, marítima, aérea e aeroespacial (Art. 22, X da Constituição Federal);
e) Compete à União organizar e manter a polícia civil, a polícia penal, a polícia militar e o
corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao
Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio (Art. 21,
XIV da Constituição Federal). Sobre essa temática o STF editou a Súmula vinculante nº 39
de 2015, que determina: Compete privativamente à União legislar sobre vencimentos dos
membros das polícias civil e militar e do corpo de bombeiros militar do Distrito Federal.
Incidência da Súmula 647 do STF (compete privativamente à União legislar sobre
vencimentos dos membros das polícias civil e militar do Distrito Federal);
f) Compete à União dispor sobre fixação e modificação do efetivo das Forças Armadas (Art.
48, III da Constituição Federal); e
g) Compete à União instituir imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza (art.
153, III da Constituição Federal).

A Constituição Federal também fixa os “espaços de poder” que tocam


aos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios.
O Município é uma entidade autônoma capaz de decidir assuntos que lhe
são peculiares, lançando mão de recursos próprios. Essa autonomia, tecnicamente, deve
ser entendida na maior ou menor capacidade que tem uma entidade para resolver, sem
interferência de terceiros, problemas que lhe são peculiares.

Por exemplo:
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a) Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local (Art. 30, I da
Constituição Federal); e
b) Compete aos Municípios instituir imposto sobre propriedade predial e territorial urbana
(Art. 156, I da Constituição Federal).

O Estado-membro goza de autonomia bem mais ampla do que a dos


municípios que o integram, porquanto lhe é conferido o poder de “autoconstituição”.
Significa dizer que o Estado tem o poder de elaborar sua própria constituição, respeitando
os limites traçados pela Constituição Federal5. Será também a Constituição Federal que
discriminará as atribuições dos Estados.

Por exemplo:

a) Compete aos Estados, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas,


aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios
limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas
de interesse comum (art. 25, § 3º da Constituição Federal); e
b) Compete aos Estados fixar por lei de iniciativa da Assembleia Legislativa os subsídios
do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado, observado o que
dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, § 2º, I da Constituição Federal (Art. 27, § 2º
da Constituição Federal).

A Constituição Federal, ao lado da competência privativa de cada pessoa


de Direito Público Interno (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), reconhece
também uma competência corrente entre esses entes.

5
- Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e lei que adotarem, observados os
princípios desta Constituição. (...)
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Por exemplo:

a) Compete à União, os Estados e o Distrito Federal legislar concorrentemente sobre custas


dos serviços forenses (art. Art. 24, IV da Constituição Federal);
b) Compete à União, os Estados o Distrito Federal e os Municípios legislar
concorrentemente sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do
solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (art. Art. 24,
VI da Constituição Federal); e
c) Compete à União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios cuidar da saúde e
assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadores de deficiência (art. Art.
23, II da Constituição Federal).

Quanto ao último exemplo citado acima, o Partido Democrático


Trabalhista (PDT), propôs recentemente uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
634, argumentando, em síntese, que a redistribuição de poderes de polícia sanitária
introduzida pela MP 926/2020 na Lei Federal 13.979/2020 interferiu no regime de
cooperação entre os entes federativos, pois confiou à União as prerrogativas de isolamento,
quarentena, interdição de locomoção, de serviços públicos e atividades essenciais e de
circulação. O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu em parte
pedido de liminar requerida pelo PDT, para explicitar que as medidas adotadas pelo
Governo Federal na Medida Provisória (MP) 926/2020, para o enfrentamento do novo
coronavírus, não afastam a competência concorrente nem a tomada de providências
normativas e administrativas pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios.

Levada a mencionada decisão ao Plenário do Supremo Tribunal Federal


(STF), esse confirmou, por unanimidade, o entendimento de que as medidas adotadas pelo
Governo Federal na Medida Provisória (MP) 926/2020 para o enfrentamento do novo
coronavírus não afastam a competência concorrente nem a tomada de providências
normativas e administrativas pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios
(Sessão realizada no dia 15.04.2020, por videoconferência, no referendo da medida
cautelar deferida em março pelo ministro Marco Aurélio na ADI 6341).
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Nesse mesmo julgamento, a maioria dos ministros aderiu à proposta do


ministro Edson Fachin sobre a necessidade de que o artigo 3º da Lei 13.979/2020 também
seja interpretado de acordo com a Constituição, a fim de deixar claro que a União pode
legislar sobre o tema, mas que o exercício desta competência deve sempre resguardar a
autonomia dos demais entes. No seu entendimento, a possibilidade do chefe do Executivo
Federal definir por decreto a essencialidade dos serviços públicos, sem observância da
autonomia dos entes locais, afrontaria o princípio da separação dos poderes.

Dessa forma, podemos representar a ordem jurídica positiva brasileira


por três círculos secantes, com uma parte comum e três partes distintas.

União Estados

Municípios

Desenho 2. Sistema de Direito Constitucional Brasileiro:


Competência concorrente.

Miguel Reale conclui que na construção do Estado Brasileiro o legislador


concebeu três círculos distintos de ação que completam e se integram, formando, no seu
todo, a República Federativa do Brasil, segundo os princípios do chamado federalismo
cooperativo ou integrado6. Assim, podemos concluir que a primeira condição de vigência

6
- O Federalismo baseia-se na união de vários Estados em um único, cada qual dotado de autonomia, porém
submetidos a uma Constituição que estabelece e limita suas competências (art. 25, par.1º da CF de 88).
Possui como base a distribuição do poder político em função do território, com vistas a preservação da
diversidade cultural dos Estados-membros. O Estado Federal é soberano, representando a nota
caracterizadora do Estado na ordem internacional, representativa do poder e da autoridade suprema, já os
membros que o compõem são dotados de uma tal e qual autonomia política-administrativa. O federalismo
Cooperativo surgiu no Brasil pós revolucionário da década de 30, resultante de acordos intergovernamentais
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da lei é a de ser declarada pelo poder competente como tal (reconhecido por uma norma
constitucional).

Reflexão:

a) Se o Presidente da República editar sozinho uma lei, ela terá vigência ou validade
formal? Entendo que não! Pelo simples fato de faltar legitimidade ao Presidente da
República. No regime constitucional vigente não é o Congresso só que faz a lei, mas
nenhuma lei pode ser feita sem o Poder Legislativo (Congresso, Assembleia ou Câmara
Municipal). b) Imaginemos que o Tribunal de Justiça do Estado de Roraima no edital do
concurso de ingresso na carreira, ofereça 15 vagas para o cargo inicial de juiz substituto,
mediante concurso público de provas e títulos, bem como de exames de atividades físicas,
com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do
candidato ser bacharel em direito, com no mínimo três anos de atividade jurídica,
obedecendo-se nas nomeações à ordem de classificação. Pergunta-se: A norma do edital
que inclui a atividade física no concurso público para ingresso na carreira da magistratura
roraimense é válida? Entendo que não, pois a validade da norma pressupõe o exame da
competência do órgão. O edital do Tribunal de Justiça de Roraima ultrapassou o
determinado na Constituição Federal em seu art. 93, I7, inovando na matéria, criando uma
norma genérica ao Direito já existente, ou seja, um Direito novo, ao inserir no concurso de
provas e títulos a etapa de exame de atividades físicas. Assim, devemos nos questionar:
poderia o Tribunal de Justiça de Roraima isoladamente inovar? Poderia o Poder Judiciário,

para aplicação de programas, financiamentos, subvenções e auxílios conjuntos, tem sido a forma mais
dominante nas organizações estatais federativas, tendo como objetivo a livre cooperação entre os entes da
Federação. As relações federativas de cooperação podem ser visualizadas nos artigos 23 e 24 da
Constituição, que definem as competências comuns e concorrentes entre os entes federados, cujas matérias
abordadas em tais artigos serão objeto da elaboração e implantação de políticas públicas.
7
- Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da
Magistratura, observados os seguintes princípios: I – ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz
substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do
Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo três anos de atividade jurídica e
obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação (…).
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de forma administrativa, constituir Direito novo à revelia do Legislativo? Penso que não! O
edital tem por finalidade a execução da norma jurídica constitucional, de tal modo que tudo
o que ele acrescentar a essa norma não possuirá validade.
c) Se o Presidente da República baixar um decreto que venha a regulamentar uma lei
federal, haverá legitimidade do órgão de que a norma foi emanada? Entendo que sim! Na
verdade o Decreto não é propriamente uma lei, ele é um ato normativo de conteúdo
administrativo, de competência do Presidente da República, conforme o art. 84, IV da
Constituição Federal, que determina competência privativa ao Presidente da República
(órgão) para sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e
regulamentos para sua fiel execução. No mais, esse poder regulamentador não poderá
inovar na matéria, dispondo para menos ou para mais do que a lei estabelece.

Obs: o órgão competente para verificar os extravasamentos do Poder Executivo, que


fulminam de nulidade aquilo que nos decretos e editais constitua “acréscimo ao conteúdo
da lei”, é o Poder Judiciário. Cabe aos juízes e tribunais a função de decidir o que nos atos
executivos ultrapassa os limites da lei, por serem desprovidos de validade.

1.2. Vigência: conceito.

Mas, afinal, o que se deve entender como vigência ou validade técnico-


jurídica?

Miguel Reale conceitua vigência ou validade formal como sendo a


executoriedade compulsória de uma norma jurídica, por haver preenchido os requisitos
essenciais à sua feitura ou elaboração.

1.3. Vigência: legitimidade quanto à matéria sobre que a legislação versa.

E quais são esses requisitos?


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O primeiro requisito já tratamos nessa unidade (1.1) e se refere à ordem


das competências do poder político, ou seja, à legitimidade do órgão emanador da norma
jurídica. Assim, o órgão que promulgou a norma jurídica deve ter legitimidade para fazê-lo,
por ter sido constituído para tal fim.

Podemos afirmar que sem órgão competente e legítimo não existirá a


norma jurídica válida, capaz de obrigar compulsoriamente os cidadãos de um país. Ao lado
da competência subjetiva teremos a competência que diz respeito à própria matéria
legislada. Esse é o segundo requisito: a legitimidade quanto à matéria sobre que a
legislação versa.

Reflexão:

a) Se o Governador do Estado, conjuntamente com a Assembleia Legislativa, promulgar


uma lei em matéria de Direito Civil, ela será válida? Não! Porque a matéria tratada na lei é
absolutamente estranha à competência dos poderes estaduais. Nesse problema podemos
verificar que os órgãos dos quais a lei foi emanada são competentes (Governador e
Assembleia), todavia a matéria foge do âmbito de suas competências. Veja o que determina
a norma jurídica prevista no art. 22, I da Constituição Federal (Compete à União
privativamente legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário,
marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho).

Miguel Reale exemplifica o requisito da legitimidade quanto à matéria


sobre que a legislação versa com um caso concreto examinado pelo Supremo Tribunal
Federal numa representação de inconstitucionalidade elaborada por ele. Segundo Reale, a
Assembleia Constituinte de São Paulo promulgou a Constituição Paulista de 1947 incluindo
norma jurídica que concedia isenção de pagamento de impostos e taxas municipais aos
espetáculos teatrais e circenses, a fim de favorecer a arte cênica.
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Ocorre que, a Constituição Federal da época determinava que ao


Município competiria legislar sobre o imposto de licença e o predial, promovendo sua
arrecadação. Trata-se de um bem econômico que a Constituição Federal destinou ao ente
municipal.
Logo, indaga-se: poderia a Assembleia Constituinte paulista dispor do
que não lhe pertence, privando a população da cidade de São Paulo daquilo que a
Constituição Federal lhe outorgou?
Portanto, o STF declarou inconstitucional8 a referida norma jurídica da
Constituição do Estado de São Paulo de 1947, por decisão definitiva, e, em seguida, o
Senado Federal decretou o mesmo artigo sem eficácia na forma do art. 52, X 9 da
Constituição Federal. O Estado não pode dispor do que lhe não pertence. No popular, o
Estado “não pode fazer barretada com chapéu alheio”, arremata Reale.
Ainda segundo Reale, “não será demais lembrar que uma das
originalidades, e das mais altas, do Direito brasileiro consiste no instituto da declaração de
inconstitucionalidade dos atos normativos, mediante decisão originária do Supremo
Tribunal Federal ou do Tribunal de Justiça Estadual”10, conforme disposto no art. 102, I, a

8
- A Constituição se coloca em relação às demais normas legais em posição proeminente, de supremacia,
de sorte que todo o sistema jurídico há de estar com ela conformado (princípio da supremacia da Constituição).
Como requisitos fundamentais do controle de constitucionalidade é necessário uma Constituição rígida
(processo de alteração mais difícil que o da Lei ordinária) e a atribuição de controle a um órgão supremo. O
controle (análise de compatibilidade vertical) decorre, então, da rigidez e supremacia da Constituição, que
pressupõe a noção de um escalonamento normativo onde a Constituição ocupa o topo da pirâmide (Kelsen),
sendo, por isso, fundamento de validade de todas as outras normas. A inconstitucionalidade pode dar-se por
ação quando há atos do Poder Público ou Leis em contraposição à Constituição. A inconstitucionalidade por
ação pode ser material (conteúdo do ato normativo é contrário à Constituição) ou formal (inobservância da
competência legislativa, do processo legislativo). Dá-se, por sua vez, a inconstitucionalidade por omissão
quando há inércia legislativa na regulamentação de normas constitucionais de eficácia limitada.
9
- Art. 52. Compete privativamente ao Senado: (…) X – suspender execução, no todo ou em parte, de lei
declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal; (...)
10
- Como instrumento básico da estrutura do Estado, necessário que sejam estabelecidos mecanismos de
defesa da Constituição e, a esses mecanismos dá-se o nome de controle de constitucionalidade das leis. O
controle da constitucionalidade se apresenta nos sistemas político, jurisdicional e misto. Dá-se o controle
político quando essa função está entregue a um órgão de natureza política, como o próprio parlamento, ao
Senado, ou mesmo a uma corte especial, constituída através do processo político para esse exame. O
controle jurisdicional – judicial review – é o sistema que entrega aos órgãos do Poder Judiciário essa defesa
da Constituição, é o sistema adotado no Brasil. Já no sistema misto, algumas leis são controladas por um
órgão político e outras por órgão jurisdicional.
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da Constituição Federal11 e no art. 77, X, e da Constituição do Estado de Roraima12. Em


nenhum país é tão apurada, como o nosso, a técnica de reconhecimento da validade dos
atos normativos perante a Constituição.

Reflexão:

a) A Prefeitura Municipal de Boa Vista – RR instituiu, após tramitação legal na Câmara dos
Vereadores da cidade, o imposto sobre transmissão causa mortis e doação, de quaisquer
bens ou direitos, que estejam em seu espaço territorial. Após a lei ter sua vigência, com
sua publicação no Diário Oficial eletrônico (art. 1º da LINDB), o Município propôs ação de
cobrança do referido imposto em face de Augério, por ter herdado os bens e direitos de sua
genitora. Qual será o conteúdo da defesa de Augério? Penso que o advogado de Augério
deverá arguir incidentalmente a inconstitucionalidade da lei que criou o mencionado
imposto, uma vez que o art. 155, I da Constituição Federal13 atribui ao poder dos estados
e do Distrito Federal a criação do imposto transmissão causa mortis. Logo, essa lei é
inválida, pois carece o Município de competência ratione materiae.

2. Três requisitos essenciais de validade da norma jurídica:

Conforme visto, no subcapítulo anterior, a norma jurídica para ser considerada


válida tem como condição a conjugação de dois requisitos: ser emanada de um órgão
competente e ter a competência ratione matariae.

Mas bastarão esses dois elementos para que a norma jurídica tenha validade?

11
- Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originalmente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal
ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (...)
12
- Art. 77. Compete ao Tribunal de Justiça do Estado: (…) X - processar e julgar originariamente; (…) e) a
ação direta de inconstitucionalidade de Lei ou ato normativo estadual ou municipal contestado em face desta
Constituição; (...)
13
- Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I – transmissão causa mortis
e doação, de quaisquer bens ou direitos; (...)
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Não basta que o poder seja competente e nem basta que a matéria objeto da
norma jurídica se contenha na competência do órgão, torna-se ainda necessária para sua
validade um terceiro requisito que a doutrina denomina da legitimidade do procedimento.

Esse requisito diz respeito à legitimidade da própria maneira pela qual o órgão
executa aquilo que lhe compete, ou seja, como a norma jurídica é elaborada. O poder de
criar a norma obedece um procedimento previsto no ordenamento jurídico. Na técnica do
Direito norte-americano, a legitimidade de procedimento denomina-se due process of law
(trad. devido processo legal). No Brasil, o devido processo legal está previsto no art. 5º, LIV,
da Constituição Federal14.

É preciso compreender que o Direito regula as ações dos indivíduos e do


Estado. Quanto as ações do Estado, não basta ser governo, é preciso praticar os atos de
governo segundo os trâmites legais (Princípio da legalidade dos atos da Administração
Pública – art. 37 da Constituição Federal15).

Reflexão:

a) Imagine se a Assembleia Legislativa de Roraima (ALE/RR) fizer uma lei de matéria


pertinente a sua competência, porém não respeitando os elementos essenciais de seu
Regimento Interno, como por exemplo, não possibilitando a fase de emenda ao projeto de
lei, e o Governador do Estado vier a sancioná-la. Indaga-se: essa lei terá vigência? Entendo
que não! Uma vez que estaremos diante de uma lei inválida, por desrespeito ao requisito
procedimento (desobediência aos trâmites legais – Regimento Interno da ALE/RR), em que
pese encontrarmos algumas decisões judiciais em sentido contrário.

14
- Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termo seguintes: (...) LIV - ninguém será privado de liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal. (...)
15
- Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)
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O esquema abaixo bem representa os três requisitos de validade da norma


jurídica:

- quanto à legitimidade do órgão (vigência);

Requisitos de

validade da - quanto à competência ratione materiae (eficácia ou efetividade); e

norma jurídica

- quanto à legitimidade do procedimento (fundamento).

3. Da eficácia ou efetividade da norma jurídica:

Por termos o hábito de confundir Direito com a lei, acabamos concluindo que
o Direito legislado, ou seja, elaborado pelo Congresso e sancionado pelo Poder Executivo,
torna-se um Direito de tal natureza que a muitos parece ser-lhe bastante o requisito da
vigência. Mas, basta a vigência (validade técnico-jurídica), para que a norma jurídica
cumpra a sua finalidade?

Pode ocorrer que os legisladores promulguem leis que violentem a


consciência coletiva, provocando reações por parte da sociedade. Há leis que entram em
choque com a tradição de um povo e que não correspondam aos seus valores primordiais.

Essas normas jurídicas, que contrariam as tendências e inclinações


dominantes no seio da coletividade, são cumpridas de maneira compulsória, possuindo
validade formal, mas não eficácia espontânea no seio da comunidade. Elas vigem!

Logo, a eficácia da norma jurídica se refere a sua aplicação ou execução. É a


norma jurídica enquanto momento da conduta humana. O Direito quanto reconhecido é
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incorporado à maneira de ser e de agir da coletividade. A sociedade deve viver o Direito e


16
como tal reconhecê-lo. Maurice Hauriou denominou esse reconhecimento de
“assentimento costumeiro”, que não raro resulta de atos de adesão aos modelos normativos
em virtude de mera intuição de sua convivência ou oportunidade.

O Direito para ser autêntico não é apenas declarado mas também deve ser
reconhecido. É autêntico quando vivido pela sociedade, como algo que se incorpora e se
integra na sua maneira de conduzir-se. A norma jurídica deve ser formalmente válida e
socialmente eficaz. Não há norma jurídica sem um mínimo de eficácia, de execução ou
aplicação no seio do grupo.

Existem normas jurídicas que excepcionalmente não são reconhecidas pela


sociedade em geral (e não por este ou aquele infrator isoladamente), todavia continuam a
possuir eficácia compulsória. Indaga-se: poderiam os tribunais recusar aplicação às normas
em vigor que não fossem reconhecidas pela sociedade?

Miguel Reale responde negativamente a essa indagação, pois os tribunais


não podem recusar aplicação às normas em vigor, a não ser quando estiver caracterizado
e comprovado que a lei invocada caiu em efetivo desuso.

Mesmo quando ainda não se caracterizou o desuso, o Judiciário, ao ter de


aplicar uma norma em conflito com os valores do ordenamento, atenua, quando não elimina,
os seus efeitos aberrantes, dando-lhe interpretação condizente com o espírito do sistema
geral, graças à sua correlação construtiva com outras regras vigentes.

16
- Foi um jurista e sociólogo francês durante os séculos XIX e XX. Ele é considerado um dos nomes principais
do direito administrativo Francês, e deu aula de direito público na Universidade de Toulouse desde 1888, e
de direito constitucional desde 1920. Considerava as instituições do estado como um instrumento cujo objetivo
fundamental era a defesa da liberdade e da vida civil. Hauriou defendeu a ordem individualista de empresas
e da propriedade privada, e contribuiu ao desenvolvimento de procedimentos legais que protegeriam os
cidadãos de atos administrativos indevidos, opondo assim à teoria da soberania nacional - um sistema
fundamentado sobre os direitos do indivíduo. Entre suas principais obras estão: Principes du droit public (1910;
Princípios do direito público), Précis du droit constitutionnel (1923; Compêndio de direito constitucional) e
Précis du droit administratif (Compêndio de direito administrativo). Foi um dos primeiros teoristas da sociologia
jurídica. Morreu aos 72 anos em Toulouse, na França, em 1929.
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Reale adverte que “não se sabe qual o maior dano, se o das leis más,
suscetíveis de revogação, ou o poder conferido ao juiz para julgar contra legem, a pretexto
de não se harmonizarem com o que lhe parece ser uma exigência ética ou social.”

Nesse subcapítulo tratamos apenas das normas legais, entretanto, há um


outro campo do Direito onde a validade tem outras características – é o campo do Direito
costumeiro. O jurista Savigny17 qualificava o Direito costumeiro como Direito autêntico, por
ser a expressão imediata e espontânea do “espírito do povo”.

Uma norma jurídica consuetudinária jamais surge com validade formal, pois a
sua vigência formal é uma resultante de uma prática habitual, isto é, da eficácia de um
comportamento.

17
- Friedrich Carl von Savigny foi um dos mais respeitados e influentes juristas alemães do século XIX. Maior
nome da Escola Histórica do Direito, seu pensamento teve grande influência no Direito alemão, bem como no
Direito dos países de tradição romano-germânica, especialmente no Direito civil. Savigny é responsável pela
criação e pelo desenvolvimento do conceito de relação jurídica e de diversos conceitos relacionados, como o
de fato jurídico, tendo seu método histórico influenciado, entre outros movimentos, a jurisprudência dos
conceitos. Na política alemã, Savigny foi Ministro da Justiça de 1842 a 1848, tendo renunciado devido à
revolução. Savigny defende que o Direito é uma ciência que deve ser elaborada histórica e filosoficamente,
no que parece um resquício de jusnaturalismo. Por um lado, a ciência do direito deve ser filosófica no sentido
que deveria ser organizada como um sistema de conceitos jurídicos, constituindo esses conceitos um todo
com unidade e organicidade. Por outro lado, ela deve ser histórica no sentido que deveria ser objetiva, ligada
às raízes históricas de sua criação. O elemento histórico é uma busca pela objetividade que deveria, para o
jurista, orientar a interpretação da lei independente de toda convicção individual. Para aplicá-la de modo
correto, o juiz deveria ser totalmente objetivo, não agregando nada de si mesmo. À vontade do legislador,
Savigny opõe a vontade da lei (ou vontade do legislador expressa na lei). Portanto, a divergência de Savigny
em relação à Escola da exegese está no objetivo da interpretação. Embora ele concordasse que deveria
haver a busca pela vontade do legislador, o jurista acreditava que não bastava que o legislador tivesse uma
vontade: esta vontade deveria estar expressa na lei. O principal legado da obra de Savigny é o seu método,
conhecido como historicismo, e os efeitos que ele teve sobre as mais diversas correntes do direito germânico,
como, por exemplo, a Jurisprudência dos conceitos. Embora a codificação acabasse vindo, sua gestação foi
longa e encontrou uma Alemanha já unificada (o código civil alemão entrou em vigor em 1900). De certo modo,
Savigny saiu-se vitorioso na polêmica sobre a codificação já que não só conseguiu retardá-la por quase um
século, como o código refletiu as diversas inovações produzidas pela ciência do direito alemã do século XIX.
Filosoficamente, o historicismo liga-se à matriz hegeliana. Assim, o sujeito da história não é os indivíduos,
mas o Espírito Objetivo. Essa visão se coadunava com o romantismo alemão e sua sacralização e mitificação
do passado. Recusava, assim, o projeto modernizante do iluminismo, tido como abstrato e artificial. No Direito,
isso significava a ligação da validade da ordem jurídica com a sua adequação aos valores pertencentes a
uma cultura determinada. Assim, quando Gustav Hugo, primeiro representante da Escola Histórica Alemã,
redirecionou os esforços dos juristas germânicos para o estudo dos textos romanos e do direito
consuetudinário, criou um novo método de estudo que permitiu o desenvolvimento de um sistema jurídico a
partir daquelas regras. Faleceu em Berlim, em 1861.
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A norma jurídica costumeira é algo de socialmente eficaz, e como tal


reconhecida, para depois adquirir validade formal. Então, ela se constitui pelo uso e a
convicção de sua juridicidade e perde a validade quando, com o decorrer do tempo, é
privada de eficácia social.

A eficácia refere-se aos efeitos ou consequências de uma norma jurídica.


Reale leciona que embora a norma esteja em vigor, mas não se convertendo em
comportamentos concretos, ela permanecerá no que denominou de “limbo da
normatividade abstrata”.

Outro aspecto de grande relevância ocorre quando uma lei é revogada ou


perde sua vigência, uma vez que os atos praticados anteriormente à revogação não ficam
privados de eficácia. Contudo, a vigência de uma nova lei não retroage, não tem eficácia
pretérita.

Uma clara distinção entre vigência (validade formal) e eficácia facilitará a


compreensão de algumas teorias jurídicas que serão desenvolvidas durante o Curso de
Direito, especialmente sobre “direitos adquiridos”, “irretroatividade da lei”, distinção entre
nulidades absolutas e nulidades relativas etc.

Em suma, a vigência é uma propriedade que diz respeito à competência dos


órgãos e aos processos de produção e reconhecimento do Direito no plano normativo. Já
a eficácia, ao contrário, tem um caráter experimental, porquanto se refere ao cumprimento
efetivo do Direito por parte de uma sociedade, ao “reconhecimento” do Direito pela
comunidade, no plano social. Aos efeitos sociais que uma regra suscita através de seu
cumprimento.

Sobre Hans Kelsen, esclarece Reale que o fundador da Teoria Pura do Direito
tinha inicialmente uma posição radicalmente normativa, sustentando que o elemento
essencial do Direito era a validade formal (vigência). E que escreveu suas primeiras obras
sob a influência do meio austríaco, onde o primado da lei escrita é tradicional.

Contudo, ao mudar-se para os Estados Unidos, fugindo à perseguição racial


do nazismo, Kelsen entrou em contato com um tipo de Direito que, antes de ser escrito, é
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de base costumeira e jurisprudencial, possibilitando-o enxergar que o Direito, em sua


acepção ampla, pressupõe um mínimo de eficácia.

Segundo Reale, Kelsen voltava ao ensinamento do mestre de geração


anterior dele, Rudolf Stammler18, que, com base na sua concepção da norma jurídica como
norma de cultura, só compreendida a positividade do Direito, como uma relação necessária
entre validade formal e eficácia.

4. O fundamento da norma jurídica:

Toda norma jurídica deve ter um fundamento, além de eficácia e validade.


Para Stammler, o Direito deve ser sempre “uma tentativa de Direito justo”, porque visa à
realização de valores ou fins essenciais ao homem e à coletividade.

Conclui-se que o fundamento nada mais é do que o valor ou fim objetivado


pela norma jurídica. É a razão de ser da norma ou ratio juris. Miguel Reale afirma que é
impossível conceber-se uma norma jurídica desvinculada da finalidade que legitima sua
vigência e eficácia.

Reprise-se que a norma jurídica deverá reunir os requisitos de validade, que


são:

a) fundamento de ordem axiológica (validade ética – exigência de um valor);

b) eficácia social, em virtude de sua correspondência ao querer coletivo (validade social –


reporta ao fato); e

18
- Foi um filósofo do direito alemão. Inspirador da corrente neokantiana no âmbito jurídico, conferiu à ciência
do direito e atribuiu-lhe metodologicamente os instrumentos do «fim e dos meios» contrapostos aos de «causa
e efeito» das ciências naturais. O mérito de Stammler reside na sua tentativa de superar o positivismo da sua
época. É autor da teoria do chamado Direito Natural de conteúdo variável. Faleceu em Wernigerode, em 1938.
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c) validade formal ou vigência, por ser emanada do poder competente, com obediência aos
trâmites legais (validade formal ou técnico-jurídica – refere à norma).

Reale conclui sobre o tema da validade da norma jurídica dizendo “que a


validade está simultaneamente na vigência ou obrigatoriedade formal dos preceitos
jurídicos; na eficácia, ou efetiva correspondência dos comportamentos sociais ao seu
conteúdo, e no fundamento, ou valores capazes de legitimar a experiência jurídica numa
sociedade de homens livres.
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*Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, professor efetivo no curso de direito do


Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Roraima (UFRR), professor contratado da
Faculdade Cathedral e da Universidade da Amazônia (UNAMA), e pesquisador pelo programa de pós-
graduação stricto sensu da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGD/UERJ). É pós-doutor em direito
pela Università degli Studi di Messina na Itália, tendo como orientador o prof. doutor Mario Trimarchi,
doutorando em direito pelo PPGD/UERJ, tendo como orientador o prof. doutor Gustavo Silveira Siqueira,
mestre pelo programa de pós-graduação stricto sensu em Sociedade e Fronteiras (PPGSOF) da UFRR, tendo
como orientadora a prof.ª doutora Maria das Graças Santos Dias e especialista em Direito de Família pela
Universidade Gama Filho (UGF/RJ), em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes pelo Laboratório
de Estudos da Criança (LACRI), do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e em MBE
Analista Internacional pelo Instituto de Relações Internacionais e Defesa da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). Diplomado pela Escola Superior de Guerra (ESG), no Curso de Altos Estudos em Política e
Estratégia (CAEPE). Foi advogado no Rio de Janeiro, promotor de justiça em Rondônia e juiz de direito em
Roraima. Lecionou como professor contratado nos cursos de direito das Faculdades Integradas Estácio de
Sá (RJ), da Faculdade Atual da Amazônia (RR) e do Centro Universitário Estácio da Amazônia (RR), como
professor efetivo da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e como professor substituto na Universidade
Estadual de Roraima (UERR). Como professor convidado lecionou nos programas de pós-graduações Lato
sensu em Direito Especial da Criança e do Adolescente do Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino do
Direito (CEPED), da UERJ, em Direito Civil e Processual Civil da Universidade Estácio de Sá (RJ) e em Direito
Público da UERR. Possui artigos publicados em revistas especializadas e científicas. Realizou diversas
palestras no Brasil e no exterior sobre temas ligados ao Direito da Criança e do Adolescente. Prêmio Sócio
educando - 2ª edição do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), com o programa Justiça
Dinâmica. Finalista do I Prêmio Innovare: O Judiciário do Século XXI, categoria Juiz individual, com o
programa Centro Sócio educativo Homero Filho.
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Fonte bibliográfica:
1. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 2002.
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Questionário sobre a Unidade 10.

Responder as perguntas abaixo utilizando-se do texto da Unidade 10: Da


validade da norma jurídica.

1. Basta a norma jurídica estar estruturada para ser obrigatória?


2. Indique os três requisitos de validade da norma jurídica.
3. A norma jurídica deve ser editada por um órgão competente. Explique.
4. Qual é a lei que distribui, de maneira originária, a competência dos elementos institucionais do
Estado, fixando as atribuições conferidas à União, os Estados-membros e os Municípios?
5. Defina União, Estado-membro e Município.

6. O que se entende como competência privativa do poder político dos entes da federação?
7. Cite dois exemplos de normas jurídicas constitucionais referentes à competência
privativa para a União, para os Estados-membros e para os Municípios.
8. O que se entende como competência concorrente do poder político dos entes da
federação?
9. Cite três exemplos de normas jurídicas constitucionais referentes à competência
concorrente entre os entes da federação.
10. Por que a doutrina considera que os Estados-membros possuem uma maior autonomia
que os Municípios?

11. Defina federalismo?


12. O que é o federalismo cooperativo?
13. Qual é o órgão competente para verificar os extravasamentos do Poder Executivo, que fulminam
de nulidade aquilo que nos decretos e editais constitua “acréscimo ao conteúdo da lei”?
14. Dê o conceito de vigência ou validade técnico-jurídica.
15. Cite os três requisitos essenciais à elaboração da norma jurídica.

16. Qual o efeito da norma jurídica elaborada por um órgão incompetente e ilegítimo?
17. O que significa a inconstitucionalidade da norma jurídica?
18. A quem compete processar e julgar, originalmente, a ação direta de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual? Fundamente.
19. O que significa a inconstitucionalidade material da norma jurídica?
20. O que significa a inconstitucionalidade formal da norma jurídica?
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21. Qual o efeito da norma jurídica elaborada por órgão que falece de competência sobre
a própria matéria legislada?
22. Segundo Miguel Reale: “não basta que o poder seja competente e nem basta que a
matéria objeto da norma jurídica se contenha na competência do órgão, torna-se ainda
necessária para sua validade um terceiro requisito que a doutrina denomina da legitimidade
do procedimento.” Explique.
23. Basta a vigência (validade técnico-jurídica), para que a norma jurídica cumpra a sua
finalidade? Explique.
24. Podem os legisladores promulgar leis que violentem a consciência coletiva, que entrem
em choque com a tradição de um povo e que não correspondam aos seus valores
primordiais? Estas leis perdem sua validade formal? Elas carecem de suas características
da obrigatoriedade e compulsoriedade? Explique.
25. O que é eficácia ou efetividade da norma jurídica?

26. O que significa “assentimento costumeiro”, expressão dada pelo jurista francês Maurice
Hauriou? Explique.
27. Quem foi Maurice Hauriou e qual seu legado para o Direito?
28. O Direito para ser autêntico não é apenas declarado mas também deve ser reconhecido.
Explique.
29. Podem os tribunais recusar aplicação às normas em vigor que não fossem reconhecidas
pela sociedade?
30. Por que a norma jurídica consuetudinária jamais surge com validade formal?

31. O que significa eficácia social?


32. Quem foi Friedrich Carl von Savigny e qual seu legado para o Direito?
33. Quando que a norma jurídica costumeira perde sua validade?
34. Qual o sentido dado por Miguel Reale a expressão “limbo da normatividade abstrata”?
35. Quando uma lei é revogada ou perde sua vigência, os atos praticados anteriormente à
revogação ficam privados de eficácia? Explique.

36. A regra é a de que “a vigência de uma nova lei não retroage, não tem eficácia pretérita”.
Explique.
37. Qual a diferença entre vigência (validade formal) e eficácia ou efetividade?
38. Como Rudolf Stammler compreendeu a positividade do Direito?
39. Quem foi Rudolf Stammler e qual seu legado para o Direito?
40. Qual o sentido dado ao requisito fundamento da validade da norma jurídica? Aborde a ideia de
Direito justo.

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