Você está na página 1de 7

1.

Conceitos fundamentais em RSP-TP

Europe-Aid (2009). Public Sector Reform: An Introduction. European Commission.


Concept Paper No. 1.

1.1 O que é o sector público?

Em relação ao sector empresarial do Estado, a fronteira entre o público e o privado


depende das políticas e da trajetória histórica. A fronteira entre o público pode ser movida por
meio da privatização. E esta mesma fronteira gera diferenças no tamanho do sector público.

1.2 Pressões ao governo e níveis de reforma

Reforma designa qualquer mudança, desde arranjos menores aos arranjos de


propriedade ou posse. Mas este termo designa, originariamente, mudanças feitas com o
objetivo de produzir melhorias na prestação de serviços, ou mudanças notórias nas relações
entre as instituições do Estado e os cidadãos.

Existem cinco fontes que pressionam o governo a fazer reformas: em primeiro temos
as pressões do eleitorado. Estas pressões são eficazes em sistemas eleitorais competitivo, nos
quais o partido no poder é obrigado a cumprir as suas promessas políticas, sob pena de não
conseguir um outro mandato. Em segundo vêm as pressões da sociedade civil, que faz
demanda ao Estado para que este melhore a qualidade dos serviços públicos, bem como o
acesso aos mesmos. Em terceiro estão as pressões do sector privado, que se preocupa com o
impacto do serviço público nos negócios, como é o caso dos diversos obstáculos
burocráticos. Em quarto encontram-se o stress fiscal e a pressão dos credores (que depende
do grau de dependência do país beneficiário). A pressão fiscal pode ser interna, quando é
causada por recorrentes défices orçamentais, o que leva à redução da despesa do Estado, por
exemplo a redução do número de funcionários públicos. A quinta e última fonte de pressão é
a corrupção, que cria necessidade de reformas quando os doadores receiam que seu dinheiro
seja desviado, e quando no mesmo país existe liberdade de expressão. A corrupção dá espaço
para a reforma do sistema de prestação de contas.

Estas pressões podem gerar diferentes objetivos, dentre eles a melhoria da eficiência;
a melhoria dos serviços; e garantir a legitimidade do governo diante dos credores e dos
cidadãos.
1.3 Problemas para os quais as reformas são desenhadas

As reformas são desenhadas para resolver os seguintes problemas: baixa


produtividade, causada pelo baixo fundo alocado para a produção de serviços público;
desalinhamento entre as necessidades actuais e os resultados produzidos; fornecimento
desigual de serviços; baixa qualidade dos serviços; défice fiscal, que pode ser causado por um
baixo financiamento, fraco controlo financeiro, coleta inadequada de receitas; inflação não
prevista, etc.; fraco poder da lei.

1.4 Tipos de Estado e trajetória de reformas

Reformas com o objetivo de combater a corrupção, reduzir gastos e melhorar a


eficiência têm mais chance de sucesso em países onde há uma imprensa livre e um sistema
eleitoral aberto, pois estes dois elementos, juntos, pressionam para que se haja prestação de
contas. As reformas ligadas ao mecanismo de mercado podem facilmente ser implementadas
em países onde há um sistema weberiano de hierarquia e controlo baseado em leis e regras.
Em estados neo-patrimoniais, as reformas têm mais dificuldade de ocorrer, e as estruturas
patrimoniais podem ser usadas para promover e implementar reformas, em troca de lealdade
e de órgãos.

1.5 Contextos e reformas

A motivação mais frequente para a reforma é a necessidade de resposta aos problemas


sociais, económicos e políticos que o país enfrenta. Tal resposta depende do desenvolvimento
económico do país, bem como da natureza do mercado de trabalho, porque, por exemplo,
países altos índices de desemprego e com um sistema de apoio ao desempregado tendem a
não reduzir empregos com baixos salários. Depende, em terceiro, da capacidade que as
instituições envolvidas na reforma têm de desenhar e conduzir a mudança de
comportamentos, porque os mesmos podem ajudar ou prejudicar o processo da reforma. E em
quarto, da natureza dos resultados esperados, uma vez que pequenas mudanças na
produtividade têm mais chance de sucesso do que reestruturações maiores, a fim de eliminar
funções do aparelho do estado.
1.6 Descentralização

A descentralização é fruto da imposição de doadores e de credores, que pretendiam


que houvesse mais eficiência, uma vez que os recursos financeiros seriam geridos mais
próximo do ponto de oferta de serviços; bem como queriam promover instituições
democráticas e um governo local. A descentralização pode apresentar-se de três formas:
política, quando envolve a transferência parcial de autoridade e poder para níveis
subnancionais de governo, por meio de eleições; administrativa, quando se transfere a
tomada de decisão, autoridade recursos e oferta de serviços do governo central para órgãos
locais ou escritórios, visando aproximar os serviços ao cidadão; e fiscal, quando se
transferem recursos e poderes fiscais para níveis subnancionais de governo. A
descentralização pode gerar mais transparências, uma vez que os funcionários do estado estão
mais visíveis e localmente responsabilizáveis, para além do que os serviços são melhor
direcionados em relação às necessidades e demandas locais.

1.7 Nova gestão pública

É um termo usado para designar dois tipos de reformas: o uso de mecanismos de


mercado para administrar pessoas e organizações; e o uso de métodos de gestão privada no
sector público. Este tipo de reforma é mais adequada em lugares onde o contexto institucional
é favorável ao uso do controlo gerencial e controlo de mercado. As reformas da nova gestão
foram introduzidas para dar mais poder de controlo aos gestores, dando-lhes mais autoridade
sobre os funcionários e sistemas de avaliação de desempenho, bem como controlo e
incentivos. Seu objetivo principal era melhorar a eficiência.

1.8 Reformas da terceira geração

Foram introduzidas para reestabelecer a coordenação e a coerência. Tais reformas são


necessárias onde a abordagem gerencial definiu que o balanço da reforma estava muito longe
do conceito de eficiência e de cumprimento dos objetivos das políticas públicas.

1.9 Resumo

O setor público é definido de acordo com o contexto. O que é público num país pode
não ser público no outro, porque a fronteira entre o público e o privado depende das políticas
e da trajetória histórica dos países. Em relação à finalidade dos serviços, os serviços prestados
por entidades privadas podem ser públicos, como é o caso dos serviços de transporte e de
saúde, em Moçambique.

Existem cinco fontes de pressão que fazem com que os governos adotem reformas:

a) As pressões do eleitorado, que só são eficazes em sistemas eleitorais


competitivos, nos quais os governantes se veem obrigados a cumprir as
promessas da campanha eleitoral, sob pena de não poderem cumprir o
mandato seguinte;
b) O stress fiscal e pressões dos credores e doadores: os doadores e credores
podem exigir que certo governo faça reformas na gestão financeira ou no
sistema económico do país beneficiário da sua doação ou do seu empréstimo
(o que depende do grau de dependência de cada país); o stress fiscal, que se
manifesta pelo défice fiscal, pode fazer que os governos optem por cortes nas
suas despesas (demissão de funcionários públicos sem qualificações), bem
como por criar novas formas ou fontes de tributação;
c) Pressões da sociedade civil, que preocupada com o direito ao acesso aos
serviços públicos, bem como sua qualidade, pode fazer demandas para a
qualidade dos serviços públicos melhore, bem cidadãos residentes longe da
metrópole tenham acesso aos mesmos;
d) Pressões do sector privado, que consistem em demandas ao governo para que
este melhore o ambiente de negócios, seja facilitado o processo de criação de
empresas, reduzindo os impostos, etc.;
e) A corrupção, que faz os doadores se preocuparem com casos de desvios de
fundos por eles doados. Daí que a corrupção dá espaço para a reforma do
sistema de prestação de contas.

As reformas do sector público são feitas para resolver diferentes problemas, e embora
o problema seja o mesmo, as causas podem ser diferentes, daí que a ideia de one size fits all
não é aplicável. Os governos devem antes de mais entender o problema, só depois é que
escolheram a reforma a adotar, mas tendo em conta as suas capacidades financeiras.

As reformas do sector público tiveram três gerações: em primeiro, a reforma


burocrática ou do serviço público, que visava resolver problemas da administração
patrimonial (corrupção e nepotismo, etc.). Consistia na implementação de elementos da
burocracia weberiana: como meritocracia, profissionalização, impessoalidade. Em segundo,
as reformas da segunda geração, que visavam criar novos arranjos gerenciais para o serviço
público. Visava também resolver problemas de baixa remuneração e criar compensações não
monetárias. As reformas da terceira geração visavam resolver problemas criados pela NGP,
como é o caso da fragmentação e da incoerência entre as políticas públicas.

2. Instituições, bom Estado e reforma da gestão pública

Bresser-Pereira, Luiz (2004). “Instituições, Bom Estado, e Reforma da Gestão


Pública”. In Ciro Biderman e Paulo Arvate (orgs.). Economia do Setor Público no Brasil. São
Paulo: Campus Elsevier, 2004: 3-15.

2.1 Estado-nação, estado e aparelho do Estado

Estado-nação é a instituição soberana que serve de base para o sistema global em que
vivemos. Difere-se do Estado porque é o ente político no centro das demais nações, enquanto
o Estado é uma organização dentro de um país com poder de legislar e tributar a respetiva
sociedade, com quatro objetivos fundamentais: a ordem ou estabilidade social, a liberdade, o
bem-estar, e a justiça social.

Existem três teorias que explicam o Estado. A teoria histórica, que tem origem em
Aristóteles, na qual se vê o Estado um fenómeno histórico decorrente da luta pela apropriação
do excedente. Nas civilizações hidrográficas da antiguidade, o Estado surge quando um grupo
poderoso se dá conta de que podia se apropriar do excedente da produção usando um sistema
administrativo e de comunicações que organize minimamente a produção e a distribuição
sobre um determinado território, aproveitando assim os ganhos de eficiência decorrentes do
comércio e da divisão do trabalho que essa ordem possibilita, em vez da violência.

A teoria contratualista defende que o Estado surge de um contrato voluntário, no qual


os indivíduos cedem sua liberdade ao monarca absoluto em troca da segurança que este
ofereceria. Esta teoria serve de base para a democracia ao recusar o poder do monarca como
um desígnio divino.

As teorias normativas preocupam-se em definir como o governo do Estado deve ser


exercido, e estão relacionados com a tradição republicana. Nestas teorias encontramos os
neoinstitucionalistas, que desenvolvem o conceito de Estado através de uma metáfora
criminal e da relação do Estado com a prosperidade. Comparam o Estado a um ladrão que ver
o desenvolvimento da sociedade, a fim de tirar proveito da sua riqueza, por meio da
tributação. Assim, o Estado não surge de um contrato, mas sim do autointeresse do bandido
estacionário.

2.2 Estado e desenvolvimento

Embora já houvesse prosperidade antes do surgimento do Estado, não se pode falar de


desenvolvimento, uma vez que tal prosperidade não era intencional, nem era autossustentada.
A formação dos Estados nacionais permitiu a existência de um mercado razoavelmente
seguro, onde podia haver comércio e os ganhos de produtividade decorrentes da divisão do
trabalho; e permitiu que o progresso técnico e o espirito empresarial transformassem as
manufaturas mercantis em fábricas industriais.

O Estado moderno facilita a acumulação primitiva de excedentes/capital. É graças à


ordem pública do Estado absoluto que o comércio interno cresce e a produtividade aumenta;
e graças às estratégias protecionistas de desenvolvimento, os monarcas ingleses aumentaram
as possibilidades de desenvolvimento.

As instituições do Estado são importantes para o desenvolvimento económico por


seis razões: o Estado é a única entidade capaz de promover uma estratégia de
desenvolvimento; o Estado é a matriz das demais instituições que podem favorecer ou
impedir o desenvolvimento; o mercado é uma construção social, é a primeira estratégia que
uma sociedade usa para promover seu desenvolvimento; as instituições asseguram a
propriedade e o contrato, para que o mercado funcione e os investimentos se realizem; as
instituições devem buscar corrigir suas falhas do mercado; e as instituições precisam garantir
a estabilidade macroeconômica, que não se limita ao controle da inflação, mas inclui o
equilíbrio de contas externas e públicas, bem como um razoável pleno emprego.

2.3 O bom Estado e a democracia

Há um bom Estado quando há políticas económicas que promovem o


desenvolvimento económico; bem como quando se encontram reunidas as seguintes
condições: existência de instituições que garantem o alcance de objetivos políticos básicos e
que permitam a escolha de governos competentes e responsabilizados perante a sociedade;
existência de um aparelho de Estado eficiente e efetivo; e a existência de uma organização
que se defende das tentativas de captura do património do Estado.
No plano mais geral e normativo, em termos de regime político, o bom Estado é o
estado democrático cujo sistema constitucional assegura o império da lei. O bom Estado é
certamente o democrático. Tanto no plano geral dos quatro grandes objetivos políticos do
nosso tempo, quanto nos planos econômico e administrativo, o bom Estado depende
diretamente de suas boas instituições.

2.4 Reformas da gestão pública

A reforma da gestão pública é uma forma de organização do Estado. Inicialmente, o


Estado era patrimonial, e no mesmo se confundia o património público com o privado. A
primeira reforma da gestão pública ocorreu em meados do século XIX, com a reforma
burocrática ou com a reforma do serviço público, que tornou o aparelho do Estado mais
profissionalizado e mais efetivo, apesar de não tê-lo tornado mais eficiente.

A segunda reforma, denominada reforma da gestão pública, ocorreu na Inglaterra, nos


anos 1980, e noutros países democráticos, pois só era realizável em democracias. Seu
objetivo era tornar o aparelho do Estado mais eficiente. Com a reforma da gestão pública são
criadas novas instituições e são definidas novas práticas que permitem transformar os
burocratas em gestores públicos. O objetivo desta reforma era reconstruir a capacidade do
Estado, tornando-o mais forte administrativamente, de modo que fosse mais forte em termos
fiscais e em termos de legitimidade democrática.

Não existe a possibilidade de reformar o aparelho do Estado, substituindo


gradualmente a administração pública burocrática pela gestão pública, sem contar com a
participação ativa dos gestores públicos e dos políticos. São os ‘agentes públicos’, que, no
núcleo estratégico do Estado, organizam e dirigem toda a organização estatal, além de
formular políticas ou governar. São os gestores públicos que, fazendo parte das carreiras
exclusivas de Estado, detêm em alguma medida o poder de Estado.

Você também pode gostar