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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ATOB
Nº 70063663520 (Nº CNJ: 0051730-21.2015.8.21.7000)
2015/Cível

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


MUNICÍPIO DE GUAÍBA. LEI MUNICIPAL Nº
3.243/2014, QUE ALTERA A REDAÇÃO DOS
ARTIGOS 3º A 32, 130, VI, 209, §2º, 285, 308, II, 364, II,
“D”, 493, I, E 538, BEM COMO DA SEÇÃO XII DO
CAPÍTULO I DO TÍTULO II DO LIVRO I, E O ITEM
3.1 – PLANO DE MANEJO DO ANEXO, E SUBSTITUI
O ANEXO VI – PLANTA DE VALORES GENÉRICOS,
TODOS DA LEI MUNICIPAL Nº 3.208/2014, DE
GUAÍBA. ATUALIZAÇÃO DOS VALORES VENAIS
PARA FINS DE CÁLCULO DO IMPOSTO SOBRE A
PROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL
URBANA – IPTU. RECEBIMENTO E
CONHECIMENTO PARCIAL DA INICIAL. JUÍZO
DE INCONSTITUCIONALIDADE, QUE DEPENDIA
DA ANÁLISE DE NORMAS
INFRACONSTITUCIONAIS – IMPOSSIBILIDADE,
EM SEDE DE CONTROLE CONCENTRADO DE
CONSTITUCIONALIDADE. DECISÃO MANTIDA.
PRELIMINAR DE EXTINÇAO AFASTADA.
POSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO DO
FEITO, EM RELAÇÃO AOS PARÂMETROS
CONSTANTES NA INICIAL.
CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA.
A norma em análise não acarretou ofensa aos princípios da
razoabilidade, capacidade contributiva, vedação ao confisco e
proporcionalidade, estando ressalvada, por certo, a
possibilidade de discussão concreta, em ação própria, pelo
munícipe supostamente lesado. Ademais, resta afastada o
argumento de violação ao princípio da anterioridade
nonagesimal, expressamente excepcionado na hipótese em
questão. Rechaçada, ainda, a alegação de ausência de
participação popular, bem como de inviabilidade de
progressividade do tributo, expressamente autorizada depois
da Emenda Constitucional nº 29/2000. Liminar revogada.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
JULGADA IMPROCEDENTE. UNÂNIME.

AÇÃO DIRETA DE ÓRGÃO ESPECIAL


INCONSTITUCIONALIDADE

Nº 70063663520 (Nº CNJ: 0051730- COMARCA DE PORTO ALEGRE


21.2015.8.21.7000)

PARTIDO DOS TRABALHADORES PT PROPONENTE

PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA PROPONENTE


BRASILEIRA PSDB

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ATOB
Nº 70063663520 (Nº CNJ: 0051730-21.2015.8.21.7000)
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PARTIDO DA SOLIDARIEDADE SDD PROPONENTE

PARTIDO POPULAR SOCIALISTA PPS PROPONENTE

PARTIDO REPUBLICANO DA ORDEM PROPONENTE


SOCIAL - PROS

PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO PSB PROPONENTE

PREFEITO MUNICIPAL DE GUAIBA REQUERIDO

CAMARA MUNICIPAL DE VEREADORES REQUERIDO


DE GUAIBA

PROCURADOR-GERAL DO ESTADO INTERESSADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça


do Estado, à unanimidade, em julgar improcedente a ação direta de inconstitucionalidade, revogando a
liminar.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores DES.


CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO (PRESIDENTE), DES. ARISTIDES PEDROSO DE
ALBUQUERQUE NETO, DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, DES. VICENTE
BARROCO DE VASCONCELLOS, DES. NEWTON BRASIL DE LEÃO, DES. SYLVIO
BAPTISTA NETO, DES. JORGE LUÍS DALL'AGNOL, DES. FRANCISCO JOSÉ MOESCH,
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, DES.ª MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA,
DES.ª LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO, DES.ª MATILDE CHABAR MAIA, DES.
ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO, DES.ª MARILENE BONZANINI, DES. GLÊNIO
JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN, DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY, DES.ª
DENISE OLIVEIRA CEZAR, DES. ALMIR PORTO DA ROCHA FILHO, DES. TÚLIO DE
OLIVEIRA MARTINS, DES. NEY WIEDEMANN NETO, DES.ª LÚCIA DE FÁTIMA
CERVEIRA, DES. RICARDO TORRES HERMANN E DES.ª ADRIANA DA SILVA
RIBEIRO.

Porto Alegre, 13 de agosto de 2018.

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DES.ª ANGELA TEREZINHA DE OLIVEIRA BRITO,


RELATORA.

RELATÓRIO

DES.ª ANGELA TEREZINHA DE OLIVEIRA BRITO (RELATORA)


Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Partido dos
Trabalhadores – PT, Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB, Partido Solidariedade – SDD,
Partido Popular Socialista – PPS, Partido Republicano da Ordem Social – PROS e Partido Socialista
Brasileiro – PSB, objetivando afastar do ordenamento jurídico a Lei Municipal nº 3.243/2014, que
altera a redação dos artigos 3º a 32, 130, VI, 209, parágrafo 2º, 285, 308, II, 364, II, alínea “d”, 493, I,
e 538, assim como da Seção XII do Capítulo I do Título II do Livro I, e o item 3.1 – Plano de Manejo
do Anexo, e substitui o Anexo IV, - Planta de Valores Genéricos, todos da Lei Municipal nº
3.208/2014 de Guaíba.

Sustentaram, em suma, que a indigitada lei afronta ao disposto nos artigos 19 e 140
da Constituição Estadual, artigos 1º, 145 e 150, VI, da Constituição Federal, artigo 52 da Lei Orgânica
do Município de Guaíba e artigos 43 e 44 do Regimento Interno da Câmara de Vereadores do
Município de Guaíba. Alegaram que a lei objeto da presente ação instituiu elevação de 300% do valor
do IPTU do Município de Guaíba, configurando arbitrariedade, bem como ofensa aos princípios da
razoabilidade, isonomia, capacidade contributiva e vedação ao efeito confiscatório do imposto.
Asseveraram, ainda, a violação do princípio da anterioridade nonagesimal. Quanto ao aspecto formal,
mencionaram que a lei foi aprovada pela Câmara de Vereadores sem a observância das regras
procedimentais insculpidas na Constituição Estadual, Lei Orgânica Municipal e Regimento Interno da
Câmara de Vereadores, uma vez que dispensou a participação popular na discussão do projeto de lei.
Por fim, aduziram que as regras promulgadas acarretaram a quebra da segurança jurídica e do
princípio da boa-fé, pois acabaram impondo modificação da fórmula de cálculo do IPTU, vigente há
25 anos. Pugnaram pela concessão de liminar, a fim de que fosse suspensa a eficácia da Lei Municipal
nº 3.243/2014 de Guaíba. Por fim, pediram a procedência do pedido.

A medida cautelar foi deferida, em 05/03/2015, nos seguintes termos:

Em conclusão, em sede provisória, defiro a medida cautelar


requerida na petição inicial, suspendendo a eficácia da Lei
Municipal n.º 3.243, de 2014, naquilo em que impugnada
[quando: (I) modifica a redação (a) dos artigos 3º a 32, 130,
inciso VI, 209, parágrafo 2º, 285, 308, inciso II, 364, inciso II,
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alínea “d”, 493, inciso I, e 538; (b) da Seção XII do Capítulo I do


Título II do Livro I; e (c) do Item 3.1 – Plano de Manejo, do
Anexo, todos da Lei Municipal n.º 3.208, de 2014 (Código
Tributário Municipal), e (II) substitui o Anexo VI – Planta de
Valores Genéricos], nos termos da fundamentação supra. O
deferimento da medida cautelar é eficaz contra todos e possui
efeitos ex nunc, nos termos do artigo 11, parágrafo 1º, da Lei
Federal n.º 9.868, de 10 de novembro de 1999.

Irresignado, o Prefeito Municipal de Guaíba interpôs agravo regimental (fls. 522/558


e 559/959).

O Presidente da Câmara de Vereadores, notificado, prestou informações,


sustentando, basicamente, que o Projeto de Lei originário da Lei Municipal nº 3.243/2014 seguiu os
trâmites legais, inexistindo qualquer vício a ser declarado. Alegou que foram realizadas diversas
audiências públicas, oportunizando a participação popular de forma ampla. Requereu a improcedência
da ação (fls. 962/963 e 964/1.286).

O Procurador-Geral do Estado, por sua vez, sustentou, preliminarmente, que a ação


deve ser extinta, sem julgamento do mérito, com fulcro no artigo 267, IV, do CPC, por entender que a
arguição de inconstitucionalidade é reflexa, não comportando contrato abstrato. Quanto ao mérito,
aduziu que deve ser julgada improcedente a ação (fls. 1.289/1.299).

O Município de Guaíba, por meio de seu Prefeito Municipal, notificado, também


apresentou informações. Referiu que o valor venal dos imóveis estava desatualizado, sendo medida
impositiva a reavaliação, a qual observou os procedimentos necessários prévios para a alteração
legislativa respectiva. Argumentou que o Projeto de lei nº 118/2014, que deu origem à Lei Municipal
nº 3.243/2014, teve parecer favorável nas comissões pertinentes, restando promovida, ainda, a
participação popular por meio da realização de 19 audiências públicas. Ao final, sustentou que o
princípio da anterioridade nonagesimal foi respeitado, ainda que a hipótese dispensasse esse requisito
e, ainda, que o Tribunal de Contas vinha apontando a necessidade de revisão da legislação municipal
quanto à readequação da Planta de Valores, para fins de reajustamento da base de cálculo do IPTU,
evitando perpetuação de renúncia de receita, bem como garantindo a efetividade do princípio da
capacidade contributiva. Pediu a improcedência da ação (fls. 1.302/1.336 e 1.337/1628).

O Prefeito Municipal de Guaíba requereu a apreciação do recurso de agravo


regimental – fls. 1.632/1.633v (07/10/2016).

O Ministério Público opinou pela improcedência do pedido (fls. 1.639/1646).

Em 11/10/2017, o Prefeito Municipal de Guaíba novamente veio aos autos e


requereu a análise do pedido de reconsideração da decisão liminar.

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Em 15/02/2018, vieram os autos a mim redistribuídos, em face da inelegibilidade da


Desembargadora-Relatora Catarina Rita Krieger Martins (artigo 7º, §6º, “b”, c/c §13º, “c”, do
Regimento Interno deste Tribunal).

É o relatório.

VOTOS

DES.ª ANGELA TEREZINHA DE OLIVEIRA BRITO (RELATORA)


Eminentes Colegas.

Inicialmente, merece destacar que duas questões prefaciais à análise do mérito já se


encontram prejudicadas: a) conhecimento parcial da petição inicial pela Desembargadora Catarina
Rita Krieger Martins e (b) preliminar de extinção do feito, sem julgamento do mérito, sustentada pela
Procuradoria-Geral do Estado, sob o argumento de que estaria se tratando de inconstitucionalidade
reflexa.

Quanto à primeira questão, é possível notar que a então Relatora recebeu e conheceu
apenas em parte da petição inicial, para excluir da causa de pedir a afronta à Lei Orgânica do
Município de Guaíba e Regimento Interno da Câmara de Vereadores, cujos fundamentos importa
transcrever, in verbis:

Preliminarmente, ressalto que a petição inicial da presente Ação


Direta de Inconstitucionalidade está sendo recebida e conhecida
apenas em parte. Naquilo que a causa de pedir contém afirmação
de que a Lei Municipal de Guaíba n.º 3.243, de 2014, afronta os
artigos 52, incisos III e IV, da Lei Orgânica Municipal, 43 e 44 do
Regimento Interno da Câmara de Vereadores, com infringência
reflexa aos artigos 19, caput, e 140, caput, da Constituição
Estadual e 1º, caput, da Constituição Federal, especificamente nos
pontos em que contêm comandos que determinam a observância
da legalidade e da participação (como decorrência de o Estado
ser “Democrático” e “de Direito”) pela Administração Pública
Municipal, resta inviabilizado o controle de validade pela via
eleita.
Conforme o entendimento do Supremo Tribunal Federal, as crises
de legalidade revelam-se insuscetíveis de controle jurisdicional
concentrado, “pois a finalidade a que se acha vinculado o
processo de fiscalização normativa abstrata restringe-se, tão
somente, à aferição de situações configuradoras de
inconstitucionalidade direta, imediata e frontal”. Não se afigura
legítimo o uso da via abstrata de controle normativo quando o
juízo de (in)constitucionalidade estiver a depender de “prévio
cotejo entre o ato estatal impugnado e o conteúdo de outras
normas jurídicas infraconstitucionais”, não podendo “a ação
direta ser degradada em sua condição jurídica de instrumento
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básico de defesa objetiva da ordem normativa [constitucional]”.


“A válida e adequada utilização desse meio processual exige que
o exame ‘in abstracto’ do ato estatal impugnado seja realizado,
exclusivamente, à luz do texto constitucional.” “A
inconstitucionalidade deve transparecer, diretamente, do próprio
texto do ato estatal impugnado.”1
Os precedentes do Órgão Especial deste Tribunal de Justiça
seguem a mesma linha de entendimento. Exemplificativamente:

AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE
SOLEDADE. LEI 3.605/2014. ÁREAS DE
PRESERVAÇÃO PERMANENTE. FIXAÇÃO DE
LIMITES INFERIORES E CRITÉRIOS
DISTINTOS AO CÓDIGO FLORESTAL
FEDERAL (LEI 12.651/2012), CÓDIGO
ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE (LEI
11.520/00) E CÓDIGO FLORESTAL
ESTADUAL (LEI 9.519/1992). CONFRONTO
PRÉVIO DE LEIS DE CARÁTER
INFRACONSTITUCIONAL. EXAME DE
CONTROLE POR VIA REFLEXA, INDIRETA
OU OBLÍQUA. INADMISSIBILIDADE EM
SEDE DE CONTROLE NORMATIVO
ABSTRATO. PRECEDENTES DO STF E DO
TJRS. AÇÃO DIRETA NÃO CONHECIDA.
(Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº
70062507249, Tribunal Pleno, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Marcelo Bandeira
Pereira, Julgado em 17/11/2014).

Tais questões não foram objeto de qualquer recurso, tendo em vista que o Agravo
Regimental está restrito à suspensão dos efeitos da lei em análise, mantendo-se hígida a decisão
proferida pela Desembargadora Catarina.

Como se sabe, a ofensa à Constituição Estadual, capaz de legitimar a propositura de


ação direta de inconstitucionalidade, deve ser direta e frontal e não indireta ou reflexa, entendimento,
aliás, assentado, há muito, no Supremo Tribunal Federal, como é possível notar da decisão proferida
pelo Ministro Celso de Mello, na ADI nº 1419:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI Nº


9.264/96, QUE DISPÕE SOBRE A REORGANIZAÇÃO DA
CARREIRA POLICIAL CIVIL DO DISTRITO FEDERAL E FIXA
1
Para todas as citações: ADI 416 AgR, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO,
Tribunal Pleno, julgado em 16/10/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-215
DIVULG 31-10-2014 PUBLIC 03-11-2014.
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A REMUNERAÇÃO DE SEUS CARGOS - ALEGADA OFENSA


AO PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DOS VENCIMENTOS,
À GARANTIA DA INTANGIBILIDADE DAS SITUAÇÕES
JURÍDICAS CONSOLIDADAS E AO POSTULADO DA
ISONOMIA - JUÍZO DE CONSTITUCIONALIDADE
DEPENDENTE DA PRÉVIA ANÁLISE DE ATOS ESTATAIS
INFRACONSTITUCIONAIS - IMPOSSIBILIDADE DE
REALIZAÇÃO DESSE COTEJO EM SEDE DE CONTROLE
NORMATIVO ABSTRATO - AÇÃO DIRETA NÃO CONHECIDA.
- Não se legitima a instauração do processo de fiscalização
normativa abstrata sempre que o juízo de constitucionalidade
depender, para efeito de sua formulação, de prévio confronto
entre o ato estatal questionado e o conteúdo de outras normas
jurídicas infraconstitucionais editadas pelo Poder Público. A ação
direta não pode ser degradada em sua condição jurídica de
instrumento básico de defesa objetiva da ordem normativa inscrita
na Constituição. A válida e adequada utilização desse meio
processual exige que o exame "in abstracto" do ato estatal
impugnado seja realizado, exclusivamente, à luz do texto
constitucional. A inconstitucionalidade deve transparecer,
diretamente, do próprio texto do ato estatal impugnado. A
prolação desse juízo de desvalor não pode nem deve depender,
para efeito de controle normativo abstrato, da prévia análise do
diploma estatal objeto da ação direta, examinado em face de
outras espécies jurídicas revestidas de caráter meramente
infraconstitucional. Precedentes. (ADI 1419/DF, Relator Min.
Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 24/04/1996, DJ-
07/12/2006)

Dentro desse contexto, vai afastada a preliminar trazida pela Procuradoria-Geral do


Estado, pois, com base nos argumentos antes declinados, a presente ação deve prosseguir em relação
aos dispositivos constitucionais expressamente mencionados pelos proponentes – artigo 19 e 140 da
Constituição Estadual.

Passo a enfrentamento do mérito.

Segundo os proponentes, a lei objeto da presente ação viola ao princípio da


razoabilidade, expressamente previsto no caput do artigo 19 da Constituição Estadual, bem como da
capacidade contributiva, previsto no artigo 145, §1º da Constituição Federal.2

2
Art. 19. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes do Estado e dos
municípios, visando à promoção do bem público e à prestação de serviços à comunidade e aos
indivíduos que a compõe, observará os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da
publicidade, da legitimidade, da participação, da razoabilidade, da economicidade, da motivação e o
seguinte.
....
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes
tributos:
§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade
econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir
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A análise de eventual ofensa ao postulado da razoabilidade está atrelada


umbilicalmente ao modo como lançarmos o olhar ao princípio da igualdade, que impõe, por si só,
dependendo da corrente a qual nos filiarmos, a escolha de critérios razoáveis, “assim entendidos
aqueles que mantêm uma relação fundada e conjugada de pertinência com a finalidade da
diferenciação.”3

Conforme leciona Humberto Ávila4,

O dever de razoabilidade (aqui como exigência de congruência


entre critério e fim) decorre, portanto, da própria positivação do
princípio da igualdade. Desse modo, o dever de razoabilidade não
está fora da igualdade, mas dentro do seu próprio conteúdo
normativo. Não há a proteção da igualdade, “mais” o dever de
razoabilidade, mas a proteção da igualdade como exigência de
tratamento razoavelmente isonômico. Daí a conclusão de que o
dever de razoabilidade faz parte do próprio conceito de
tratamento igualitário.

O Projeto de Lei nº 118/2014, que deu origem à Lei nº 3.243/2014, apresentou


justificativa assim redigida (p. 377):

O presente SUBSTITUTIVO ao Projeto de Lei Nº118/2014. que


altera a Lei 3.208/2014 (Código Tributário Municipal - CTM) tem
por objeto principal amenizar o impacto inicial do Fator de
Correção sobre o valor venal dos imóveis, os quais constante no
texto original com outros valores. A alteração se dá no § 3º do art.
23. O parágrafo foi desmembrado em incisos, facilitando a
interpretação e organizando a aplicação do fator da correção.
Isto permitiu a supressão do §4°, impondo renumerar os
parágrafos seguintes. Originalmente, no §3° a previsão de
aplicação do Fator de Correção no primeiro ano de vigência da
lei era de 50%. O SUBSTITUTIVO traz benefícios ao reduzir o
fator para 45% nos primeiros anos de vigência da lei, mantendo a
bi-anualidade e o limite de 80%. Ao se transcrever todos os 29
artigos (do 3° ao 32) se introduz ao final de cada alteração
(artigo. Parágrafo, etc.), a abreviação (NR), exigida pela Lei
Complementar 095/1998, indicando que o texto sofreu “Nova
Redação”.
As demais alterações do presente SUBSTITUTIVO, ainda que
tenham se dado em maior número de artigos, se constitui na
correção dos erros formais apontados pela Comissão de Justiça e
efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o
patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
3
ÁVILA, Humberto. Revista de Processo. Vol. 163/2008. P. 50-59.
4
Idem.
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Redação da Câmara Municipal, que em criteriosa análise do PL


095/13 (Lei 3.208/2014 - CTM), resultou por indicar os itens a
serem corrigidos, os quais foram sanados no presente
SUBSTITUTIVO. Entretanto, alguns destes apontamentos foram
corrigidos no texto sancionado, vez que se tratava de erro formal,
tais como os encontrados nos seguintes termos: “tinta” / por
trinta; “ou100tros” / por outros; “Art. 185” / pelo correto Art.
485; “Art. 788” / pelo correto Art. 488 e afetivo” / por efetivo.

Sob o mesmo vértice, em apontamento realizado pelo Tribunal de Contas do Estado


– fls. 529 – destacou-se expressamente a defasagem dos valores venais dos imóveis de Guaíba,
“chegando a corresponder a 8,1% do valor de mercado, demonstrando evasão de tributos. A situação
demonstra a necessidade de tomada de medidas, no sentido de atualizar os valores venais dos imóveis
urbanos, os quais servem de base para o cálculo do IPTU (fls. 08 a 33).”

Portanto, do cotejo entre a justificativa do projeto e a manifestação do Tribunal de


Contas, conclui-se que não restou caracterizada a violação do dever de razoabilidade.

Da mesma forma, não é possível verificar violação princípio da capacidade


contributiva, previsto no artigo 145, §1º, da Constituição Federal, antes citado, que está também
diretamente atrelado ao princípio da igualdade, a fim de estabelecer diretrizes acerca da quantificação
das obrigações tributárias.

Segundo Andrei Pitten Velloso, “o princípio da capacidade contributiva constitui o


critério fundamental de graduação dos impostos.”.

Para o doutrinador, “a capacidade contributiva consiste na disponibilidade de meios


econômicos para arcar com a tributação e, desse modo, concorrer ao custeio das despesas públicas.” 5

Quanto ao IPTU especificamente, conforme leciona Elizabeth Nazar Carrazza,


“como todo e qualquer imposto – deve obedecer ao princípio da capacidade contributiva, que vem
expresso no art. 145, §1º, da Constituição Federal.6

Como já enfatizado, o princípio da capacidade contributiva está


intimamente ligado aos princípios da igualdade e da igualdade
tributária. É um dos instrumentos para a realização, no campo
tributário, dos ideais republicanos. De fato, é justo, jurídico e
razoável que quem, em termos econômicos, tem mais, pague
proporcionalmente mais imposto do que quem, em termos
econômicos, tem menos.
O imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana incide
sobre o direito de propriedade do imóvel urbano.
5
VELLOSO, Andrei Pitten. Constituição Tributária Interpretada. 3ª ed. ver. atual. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2016, p. 72.
6
Carraza, Elizabeth Nazar. Progressividade e IPTU. Curitiba: Juruá, 2002. 1ª ed., 4ª tir., p. 91.
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Por incidir sobre o direito de propriedade, a capacidade


contributiva a que alude a Constituição Federal – e que o
legislador ordinário deverá levar em conta ao criar imposto – é de
natureza objetiva. Refere-se a uma manifestação objetiva de
riqueza do contribuinte (ter um imóvel). Este o fato-signo
presuntivo de riqueza, a que se refere ALFREDO AUGUSTO
BECKER.”

Os documentos colacionados junto às informações estampam a objetividade e


clareza dos subsídios a que estava amparado o Prefeito Municipal quando da elaboração da norma em
análise e não deixam dúvida da observância do princípio da capacidade contributiva.

A elaboração da nova Planta Genérica de Valores está amparada em trabalho


técnico, realizado pela empresa vencedora da licitação – modalidade concorrência, capaz de realizar o
serviço de “Geoprocessamento da cidade – Mapeamento Territorial e Predial e nova Planta Genérica
de Valores” (fls. 845/920).

Portanto, a constitucionalidade da lei impugnada sobressai, pois não infringiu, de


forma alguma, o princípio da capacidade contributiva. Ao contrário, buscou efetivamente concretizá-
lo ao exigir maior aporte de quem tem, em tese, maior capacidade econômica.

No que concerne à alegação de confisco, destaca-se, inicialmente, a regra prevista


no artigo 150, IV, da CF:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao


contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios:
(...)
IV - utilizar tributo com efeito de confisco;

Analisando o artigo colacionado, Fabio Brun Goldschmidt, esclarece que “O


princípio inserto no artigo 150, IV da Carta, portanto, tem a precípua função de estabelecer um marco
às limitações ao direito de propriedade através da tributação, para indicar (e barrar) o momento em
que a tributação deixa de lubrificar e construir o direito de propriedade (viabilizando a sua
manutenção), para inviabilizá-lo. Graficamente, poderíamos dizer que a limitação via tributação
termina onde começa a privação, o efeito de confisco.”7

O conceito presente no artigo da Carta Federal é indeterminado, de sorte que caberá


ao julgador, quando da análise do caso concreto, dizer se o tributo teve efeito confiscatório.

7
GOLDSCHMIDT, Fabio Brum. O princípio do não-confisco no direito tributário. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 48.
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Nº 70063663520 (Nº CNJ: 0051730-21.2015.8.21.7000)
2015/Cível

O Supremo Tribunal Federal, buscando fornecer alguns parâmetros objetivos para


identificação da existência ou não de confisco, refere a necessidade de uma análise global do efeito do
tributo. Nesse sentido, transcreve-se julgado da lavra do Ministro Celso de Mello, na Medida Cautelar
da ADC 8:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE -


PROCESSO OBJETIVO DE CONTROLE NORMATIVO
ABSTRATO - A NECESSÁRIA EXISTÊNCIA DE
CONTROVÉRSIA JUDICIAL COMO PRESSUPOSTO DE
ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO DECLARATÓRIA DE
CONSTITUCIONALIDADE - AÇÃO CONHECIDA. (...) A
TRIBUTAÇÃO CONFISCATÓRIA É VEDADA PELA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende cabível,
em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de a
Corte examinar se determinado tributo ofende, ou não, o princípio
constitucional da não-confiscatoriedade, consagrado no art. 150,
IV, da Constituição. Precedente: ADI 2.010-MC/DF, Rel. Min.
CELSO DE MELLO.
- A proibição constitucional do confisco em matéria tributária
nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de
qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo
da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte,
do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes,
comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária,
o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de
atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas
necessidades vitais (educação, saúde e habitação, por exemplo). A
identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da
totalidade da carga tributária, mediante verificação da
capacidade de que dispõe o contribuinte - considerado o montante
de sua riqueza (renda e capital) - para suportar e sofrer a
incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de
determinado período, à mesma pessoa política que os houver
instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a
aferição do grau de insuportabilidade econômico-financeira, à
observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade
destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente
praticados pelo Poder Público. Resulta configurado o caráter
confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito
cumulativo - resultante das múltiplas incidências tributárias
estabelecidas pela mesma entidade estatal - afetar,
substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou os
rendimentos do contribuinte.
- O Poder Público, especialmente em sede de tributação (as
contribuições de seguridade social revestem-se de caráter
tributário), não pode agir imoderadamente, pois a atividade
estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da

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razoabilidade. (ADC 8/DF, Relator Min. Celso de Mello, Tribunal


Pleno, julgado em 13/10/1999, DJ-04/04/2003)

Na hipótese em tela, depois da elaboração de estudo técnico, juntado aos autos, por
empresa de engenharia especializada para efetivação desse serviço, foi feita a nova Planta de Valores,
cujas alterações promovidas atualizaram os valores venais dos imóveis para fins de cálculo do IPTU,
adequando-os à realidade econômica do Município de Guaíba, o que afasta a alegação de tributação
excessiva, capaz de obstar o exercício do direito de propriedade.

Ademais, eventuais excessos relacionados a proprietários determinados devem ser


discutidos fora do âmbito da presente ação, que busca o controle abstrato da constitucionalidade da
norma em comento.

Na mesma linha do entendimento perfilhado na presente ação, cito jurisprudência


deste Órgão Especial: a primeira da relatoria do Des. Marcelo Bandeira Pereira, na ADI nº
70063645600, e a segunda da relatoria da Desa. Marilene Bonzanini, na ADI nº 70073037715:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO


DE GRAMADO. PLANTA GENÉRICA DE VALORES.
ATUALIZAÇÃO DOS VALORES VENAIS DOS IMÓVEIS.
INÉPCIA DA INICIAL NÃO VERIFICADA. OFENSA A ARTIGOS
DA LEI MAIOR DE OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA POR
MUNICÍPIOS, NOS TERMOS DO ARTIGO 8º DA CARTA
ESTADUAL. LEI DE EFEITOS CONCRETOS. POSSIBILIDADE
DE ARGUIÇÃO POR ADI. DESATENDIMENTO AOS
PRINCÍPIOS DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA, VEDAÇÃO
AO CONFISCO, RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE
NÃO VERIFICADOS. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. UNÂNIME.
(Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70063645600, Tribunal
Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Bandeira
Pereira, Julgado em 27/07/2015)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO


DE FARROUPILHA QUE ALTERA ZONEAMENTOS FISCAIS E
DISPÕE SOBRE A ATUALIZAÇÃO DOS VALORES VENAIS
PARA FINS DE CÁLCULO DO IMPOSTO SOBRE A
PROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA - IPTU.
SINDICATO DOS TRABALHADORES DAS INDÚSTRIAS DO
CALÇADO E DO VESTUÁRIO DE FARROUPILHA. AUSÊNCIA
DE RELAÇÃO DE PERTINÊNCIA ENTRE A ATIVIDADE DE
REPRESENTAÇÃO E O OBJETO DA AÇÃO. PRELIMINAR DE
ILEGITIMIDADE ATIVA ACOLHIDA. ALEGAÇÃO DE VÍCIO
FORMAL. JUÍZO DE INCONSTITUCIONALIDADE
DEPENDENTE DE PRÉVIA ANÁLISE DE ATOS NORMATIVOS
INFRACONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE DE
REALIZAÇÃO DESSE COTEJO EM SEDE DE CONTROLE
NORMATIVO ABSTRATO. LEI MUNICIPAL QUE PROMOVE A
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READEQUAÇÃO DO ZONEAMENTO FISCAL E ATUALIZA


VALORES VENAIS DOS IMÓVEIS À REALIDADE DO
MERCADO LOCAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS
PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, DA CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA E DA VEDAÇÃO AO CONFISCO. ATUAÇÃO
LEGISLATIVA QUE TEVE POR BASE ESTUDO PRÉVIO
REALIZADO PELA ADMINISTRAÇÃO PARA CORRIGRIR
DISTORÇÕES E DEFASAGEM HISTÓRICA VERIFICADAS NOS
VALORES VENAIS DOS IMÓVEIS. PRELIMINAR DE
ILEGITIMIDADE ATIVA DO SINDICATO DOS
TRABALHADORES DA INDÚSTRIA DO CALÇADO E DO
VESTUÁRIO DE FARROUPILHA ACOLHIDA. AÇÃO
PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA PARTE, JULGADA
IMPROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de
Inconstitucionalidade Nº 70073037715, Tribunal Pleno, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em
18/09/2017)

No mesmo rumo, também não merece acolhimento a tese sustentada pelos


proponentes no sentido de que a Lei Municipal nº 3.243/2014 violou o princípio da anterioridade
nonagesimal, previsto no artigo 150, III, alínea “c”, da Constituição Federal. 8

Quanto ao ponto, transcrevo trecho do parecer ministerial, que bem elucidou a


questão:

Referido princípio foi inserido na Carta da República pela


Emenda Constitucional n.º 42/2003, vedando a cobrança de
tributos antes de decorridos noventa dias da lei que os instituiu ou
aumentou. Contudo, tal princípio não é absoluto, tendo a própria
emenda excepcionado sua incidência em alguns casos, dentre eles,
a fixação da base de cálculo do IPTU, nos termos do parágrafo 1º
do artigo 150 da Constituição Federal.
Impõe-se reconhecer que esse entendimento está em consonância
com o magistério jurisprudencial do Tribunal de Justiça gaúcho
que, em hipótese assemelhada à ora em exame, proferiu decisão
consubstanciada em acórdão assim ementado:
AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEI
MUNICIPAL. Nº 048, DE 24 DE DEZEMBRO
DE 2014 MUNICIPIO DE CAPÃO DA CANOA.
8
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, (...) III – cobrar tributos: c) antes de
decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os houver instituído ou
aumentado; (...) §1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts.
148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos
previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos
impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº
42, de 19.12.2003)
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ATUALIZAÇÃO DA PLANTA GENÉRICA DE


VALORES IMOBILIÁRIOS DO MUNICIPIO.
PRELIMINAR DE OFENSA REFLEXA
REJEITADA. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME
DE EVENTUAL AFRONTA A LEI ORGÂNICA
MUNICIPAL E AO REGIMENTO INTERNO DA
CÂMARA MUNICIPAL DE VEREADORES.
VIOLAÇÃO À CONSTITUIÇÃO ESTADUAL
INEXISTENTE. 1. Preliminar de extinção do
feito por inconstitucionalidade reflexa rejeitada,
porquanto a petição inicial indica expressamente
os dispositivos da Constituição Estadual que
teriam sido violados (artigos 19 e 140). 2. Não
conhecimento do presente feito no ponto em que
pretende o reconhecimento de violação, pela
norma impugnada, ao Regimento Interno da
Câmara Municipal de Capão da Canoa e à Lei
Orgânica do Município, visto que é defeso
apreciar violação à norma infraconstitucional
em sede de controle concentrado de
constitucionalidade. Precedentes desta Corte. 3.
A atualização da planta genérica de valores
imobiliários do Município de Capão da Canoa,
promovida pela Lei Complementar Municipal
nº 048, modificou a base de cálculo do IPTU,
observando os princípios da progressividade, da
capacidade contributiva e do não-confisco.
Hipótese em que o valor venal do imóvel pode
variar de acordo com a valorização, localização
e o uso do bem, entre outros fatores. 4. O
preceito constitucional da anterioridade
nonagesimal é inaplicável às alterações
realizadas na base de cálculo do IPTU, nos
termos do artigo 150, § 1º, da Constituição
Federal. 5. Inexistência de violação aos arts. 19
e 140 da Constituição Estadual, combinados
com o art. 37, 150 I, III, c, e IV, da Carta
Federal. PRELIMINAR REJEITADA. AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
PARCIALMENTE CONHECIDA E, NO PONTO,
JULGADA IMPROCEDENTE. UNÂNIME.
(Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº
70063687669, Tribunal Pleno, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida,
Julgado em 21/09/2015)

Por último, vão afastadas as alegações de vício formal, bem como de


inconstitucionalidade da cobrança progressiva do IPTU.

Os documentos acostados pelo Prefeito Municipal, ao prestar informações (fls.


559/842), não deixam dúvidas de que foi oportunizada a participação popular na discussão da
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proposta da nova planta genérica de valores do Município de Guaíba, realizando-se diversas


audiências públicas (todas constantes nos autos – volumes 3º, 4º e 5º).

Ademais, conforme referiu o ilustre Procurador-Geral de Justiça, em exercício, Dr.


Paulo Emilio J. Barbosa, “não havendo normas constitucionais estabelecendo, claramente, a forma e
as condições em que a participação popular deve ser assegurada, revela-se suficiente, para afastar
eventual mácula, que, de alguma forma, seja assegurada uma razoável participação popular da
comunidade na discussão do tema.”

Quanto à possibilidade de fixação da alíquota do IPTU de forma progressiva, o


Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 602.347/MG (TEMA 226), em sede de repercussão
geral, assentou a seguinte tese:

Declarada inconstitucional a progressividade de alíquota


tributária do Imposto Predial Territorial Urbano no que se refere
à fato gerador ocorrido em período anterior ao advento da EC
29/2000, é devido o tributo calculado pela alíquota mínima
correspondente, de acordo com a destinação do imóvel e a
legislação municipal de instituição do tributo em vigor à época.

O referido acórdão restou assim ementado:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL.


DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO TERRITORIAL PREDIAL
URBANO - IPTU. PROGRESSIVIDADE DAS ALÍQUOTAS.
INCONSTITUCIONALIDADE. EXIGIBILIDADE DO TRIBUTO.
FATO GERADOR OCORRIDO EM PERÍODO ANTERIOR À
EMENDA CONSTITUCIONAL 29/2000. ALÍQUOTA MÍNIMA.
MENOR GRAVOSIDADE AO CONTRIBUINTE.
PROPORCIONALIDADE DO CRITÉRIO QUANTITATIVO DA
REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA. 1. Tese de
repercussão geral fixada: “Declarada inconstitucional a
progressividade de alíquota tributária do Imposto Predial
Territorial Urbano no que se refere à fato gerador ocorrido em
período anterior ao advento da EC 29/2000, é devido o tributo
calculado pela alíquota mínima correspondente, de acordo com a
destinação do imóvel e a legislação municipal de instituição do
tributo em vigor à época”. 2. O Supremo Tribunal Federal possui
entendimento sumulado no sentido de que “É inconstitucional a lei
municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda
Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU,
salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da
propriedade urbana.” Súmula 668 do STF. Precedente: AI-QO-
RG 712.743, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, Tribunal
Pleno, DJe 8.5.2009. 3. É constitucional a cobrança de IPTU,
referente a período anterior à Emenda Constitucional 29/2000,
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mesmo que a progressividade das alíquotas tenha sido declarada


inconstitucional, em sede de representação de
inconstitucionalidade em Tribunal de Justiça local. Função da
alíquota na norma tributária. Teoria da divisibilidade das leis.
Inconstitucionalidade parcial. 4. O IPTU é exigível com base na
alíquota mínima prevista na lei municipal, de modo que o critério
quantitativo da regra matriz de incidência tributária seja
proporcional e o menos gravoso possível ao contribuinte.
Precedentes. 5. Recurso extraordinário provido.
(RE 602347, Relator(a):  Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno,
julgado em 04/11/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-067 DIVULG 11-04-
2016 PUBLIC 12-04-2016)

Em sendo assim, tendo em vista que o fato gerador da norma analisada ocorreu
posteriormente à Emenda Constitucional nº 29/2000, resta clara constitucionalidade da fixação de
alíquota progressiva para o Imposto Predial Territorial Urbano.

Destarte, não verifico qualquer vício no ato normativo fustigado.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE A AÇÃO. Liminar revogada.

OS DEMAIS DESEMBARGADORES VOTARAM DE ACORDO COM A


RELATORA.

DES. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO - Presidente - Ação Direta de


Inconstitucionalidade nº 70063663520, Comarca de Porto Alegre: "À UNANIMIDADE,
JULGARAM IMPROCEDENTE A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE,
REVOGANDO A LIMINAR."

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