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Resumo
O sofrimento, presente ou potencial, é o que motiva as pessoas a buscarem psicoterapia. Skinner
(1974/1993) já afirmava que a Análise do Comportamento era capaz de contribuir com a intervenção
científica frente ao sofrimento humano. Hoje ela conta com conhecimentos mais amplos,
principalmente sobre o comportamento verbal e a linguagem, que permitem aos clínicos procederem a
análises mais complexas das peculiaridades, especificidades e do processo de desenvolvimento do
sofrimento que cada indivíduo apresenta. Esses conhecimentos também dão suporte à estruturação de
estratégias terapêuticas de avanço, destinadas ao seu enfrentamento. Com base na premissa de que o
sofrimento humano é um fenômeno complexo, essencialmente verbal e, portanto, único para a espécie
humana, o presente estudo propõe-se a discorrer sobre seu processo de desenvolvimento,
apresentando aporte teórico e estabelecendo relações entre este desenvolvimento e o sofrimento
imbricado nos problemas que os indivíduos trazem para a clínica. A partir disso, descrevem-se
rapidamente duas propostas terapêuticas behavioristas radicais – ACT e FAP – estruturadas sobre os
mesmos pilares teóricos e que representam avanços relevantes na Terapia Comportamental. Pretende-
se, assim, dar uma amostra do conhecimento produzido e da ampliação qualitativa de recursos que se
dá com a sua extensão à análise clínica comportamental.
Palavras-chave: Sofrimento humano, Análise clínica comportamental, Terapia comportamental.
Abstract
Suffering, potential or present, is what motivates people to look for psychotherapy. Skinner
(1974/1993) had already stated that Behavior Analysis was able to contribute to the scientific
intervention towards human suffering. Today, Behavior Analysis’ deeper knowledge, especially over
verbal behavior and language, allows therapists to run more complex analysis regarding suffering
peculiarities, specificities and its development process presented by each individual. This knowledge
also supports the building of advancement therapeutical strategies, designed to its confrontation.
Based on the premises that human suffering is a complex phenomenon, essentially verbal, and,
therefore, unique to the human species, the present paper proposes a discussion about its development
process, presenting the theoretical approach as well as establishing links between it and the suffering
related to the problems that individuals bring to the clinic. From that point, the study also describes,
briefly, two radical behaviorism therapeutic proposals - ACT and FAP – which were structured over
common theoretical basis and represent relevant advancements in Behavior Therapy. By doing so, it
is intended to show a sample of the knowledge produced as well as of the qualitative increase of
resources which derives from its extension to Clinical Behavior Analysis.
Keywords: Human Suffering, Clinical Behavior Analysis, Behavior Therapy.
leva a sofrer menos, ter esperanças e colaborar desconforto, restrição e a outros estímulos que
no processo de mudança. podem ser ou não nocivos ou que têm
Hayes, Jacobson, Follette e Dougher implicações na determinação do sofrimento
(1994), estudiosos que têm focado diretamente humano, como ilustrado em seguida para a
a questão do sofrimento humano na última raiva.
década, afirmam, metaforicamente, que eventos Millenson (1967/1976) relata observações
privados são ecos, reflexos de nossa história de de Watson nas quais crianças muito pequenas
vida. Assim como eles, os analistas do apresentavam respostas de chorar, gritar,
comportamento que os precederam e seus enrijecer o corpo, golpear, bater as mãos e os
contemporâneos entendem que todos os braços, levantar e abaixar as pernas e prender a
comportamentos mencionados no relato, bem respiração quando eram impedidas de
como o próprio comportamento de selecioná- movimentarem sua cabeça ou quando seus
los e relatar, são resultados de contingências braços eram presos junto ao corpo. Observou
filogenéticas, ontogenéticas e culturais às quais também que animais tendiam a apresentar
o indivíduo esteve e está exposto. Todo o intensificação e variação de respostas e, dentre
sofrimento, portanto, compõe-se de respostas e elas, muita agitação e ataque aos outros animais
comportamentos que se modificam presentes, em consequência da retirada de
continuamente. reforçadores positivos. Vários estímulos,
As contingências filogenéticas portanto, parecem provocar,
selecionaram respostas, geralmente reflexos incondicionalmente, a luta e a fuga, o que levou
incondicionados, que foram úteis para a tal autor a considerar, com base no paradigma
sobrevivência da espécie. Exemplos disto respondente, que tais reações poderiam ser
podem ser encontrados nos bebês, como o descritas como raiva, eliciada pela restrição
chorar em situações de dor física ou corporal. Com essas e outra observações,
desconforto, o sobressalto frente a sons altos, a concluiu que, tanto a impossibilidade, retirada
sucção frente à estimulação oral, dentre outras ou impedimento de obtenção de reforçadores
respostas incondicionadas, que aumentam a positivos, como a introdução de estimulação
chance do organismo de ser cuidado por aversiva ou impossibilidade de sua retirada,
adultos. Elas funcionam como condição prévia tendiam a provocar respostas típicas de raiva e
para o desenvolvimento de comportamentos luta.
operantes e respondentes condicionados, Através de processos de aprendizagem,
juntamente com a sensibilidade do organismo outros estímulos podem ser condicionados,
dado o emparelhamento de estímulos e às gerando e mantendo respostas de raiva. As
consequências de suas ações, conforme observações de Skinner (1974/1993) de que
afirmado por Bijou e Baer (1961). Ou seja, “mesmo uma emoção aparentemente bem
consequências que fortalecem os marcada, como a raiva, pode não ser redutível a
comportamentos estão relacionadas, uma única classe de respostas ou atribuível a
inicialmente, à sobrevivência. um único conjunto de operações” (p. 180-181)
A dor é a primeira estimulação que se e que “a raiva produzida por certa circunstância
relaciona ao sofrimento. Segundo Lent (2001), poderia não ser a mesma produzida por outra”
a resposta de “dor”, filogeneticamente (p. 180-181), também indicam a probabilidade
selecionada, indica que alguma estimulação de ampla variabilidade no conjunto de
nociva ao organismo está ocorrendo, seja ela determinantes dos estados emocionais e da
proveniente do ambiente externo ou do próprio singularidade do sofrimento de cada indivíduo.
organismo. Conforme afirma Angelotti (2001), Para Skinner, a aversividade de um estímulo
a função da dor é proteger a integridade física. não seria definida por suas características
Skinner (1974/1993) menciona que “não é físicas, simplesmente, e nem toda a estimulação
difícil provar que um organismo reforçado pela que gerasse dano seria, necessariamente,
remoção de certas condições, dentre elas a dor, dolorosa ou sentida como aversiva. Segundo
teria uma vantagem na seleção natural” (p. 190) ele, uma dada estimulação só poderia ser
e que também obteria vantagens em “fugir de considerada aversiva se a sua remoção fosse
estímulos aversivos condicionados que reforçadora, isto é, aumentasse a força da
chamamos de “ameaça” de ferimento, ou seja, resposta que a retira. Banaco (1999), ao estudar
agindo pela esquiva” (p. 194). Mas, além da as emoções, propõe que, a depender da história
dor, o indivíduo também responde a de vida de cada um, a mesma estimulação
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poderia provocar tanto a raiva, como a tristeza meio, um filhote de hamster. Após um dia de
e relato diferenciado. cuidados e passeios com os mascotes pela
Nesse mesmo caminho, encontramos vizinhança, um dos meninos deixou que o seu
Hunziker (1997), que estuda o desamparo em animal caísse, por acidente, no fosso do
animais, sendo este definido como a classe elevador. Aparentemente Paulo sofreu com a
comportamental que se refere à dificuldade de perda do seu bichinho, tendo chorado muito.
aprendizagem em situação de reforçamento Passado o enterro e o choro, e com Paulo
negativo após exposição prévia a estimulação mostrando-se já mais conformado com a
aversiva incontrolável. A autora observou que possibilidade de gostar de outro bichinho que a
sua ocorrência era menos provável em mãe poderia lhe trazer, Felipe diz ao seu
indivíduos que tiveram, antes dessa experiência próprio ratinho, na presença de Paulo, que seu
de incontrolabilidade, outras similares de irmão havia morrido! Paulo caiu novamente em
controlabilidade. Essa constatação fortalece, prantos e disse: “agora ele vai ficar mais
mais uma vez, a observação de que o efeito de traumatizado, ele já perdeu o irmão dele e
contingências atuais sobre um comportamento agora o Felipe ainda fica falando isso pra
se dá de forma combinada com o que foi ele!”.
produzido pelas contingências passadas. O Este sofrimento, que é verbal, só é
conhecimento da história de cada organismo possível ao homem e não ao rato, mas a criança
pode ajudar a levantar suposições sobre a provavelmente ainda não sabia disso. Reagiu às
possibilidade de uma tendência palavras do irmão como se houvesse agora
comportamental. outro fato que geraria sofrimento a todos. De
No entanto, além de todos esses processos, fato, havia e era socioverbal, mas capaz
os humanos são capazes de realizar outros que somente de causar sofrimento aos humanos.
determinam, de maneira especial, a Nesse episódio, pode-se levantar a
particularidade de seu sofrimento. Esses estão suposição de que a criança sofreu muito mais
relacionados ao comportamento verbal e à por ser verbal, como se descreve a seguir: pela
linguagem. O comportamento verbal operante e perda do ratinho em si (retirada de estímulo
a linguagem permitem a cada indivíduo tanto reforçador positivo lúdico); pela retirada de seu
acelerar o seu desenvolvimento objeto de apego afetivo (já aprendido para
comportamental adequado, quanto favorecer o humanos e rapidamente generalizado ao
desenvolvimento do sofrimento. Como se diz animal); por ter já aprendido que humanos
popularmente no Brasil, “palavras são como sofrem ao perder um irmão (nesse caso,
abelhas, tem mel e tem ferrão”. indiretamente, uma vez que não tinha sido
submetido a experiências de morte de pessoas
relevantes de seu entorno); ao generalizar o que
O sofrer humano: as armadilhas do sentia para o que o rato poderia sentir
comportamento verbal e da (comportamento empático aprendido); e, entre
linguagem outros, por reagir da mesma maneira aos fatos
acima mencionados e às palavras que os
O sofrimento psicológico, o sofrimento descreviam, imaginando que o ratinho pudesse
humano, é verbal. Começa pela fuga e esquiva reagir a eles de forma similar, como ele já
da dor física ou de outra estimulação aversiva conseguia.
incondicionada, amplia-se através do O comportamento de responder a
condicionamento operante e respondente e, estímulos arbitrariamente relacionados como
como demonstram os estudos, torna-se mais classe funcional decorre de vários treinos
complexo e ampliado de forma especial em prévios de aprendizagem operante. Por esse
decorrência de processos verbais. Através processo, segundo Sidman (1994), as palavras
desses processos, podemos atribuir funções, escritas, sons, desenhos e seus referentes,
estabelecer relações arbitrárias entre estímulos dentre outros, podem ter suas funções
dissimilares, estabelecer relações entre relações transferidas de outros estímulos,
e responder funcionalmente a eles e às mesmas, arbitrariamente, e passam a exercer controle
de forma similar, sem treino prévio direto. similar sobre comportamentos ou respostas da
Comecemos a análise exploratória com um mesma classe e, mais, podem transferir sua
exemplo simples. Uma mãe deu a cada um dos função a outros estímulos continuamente. Esses
filhos, Felipe, de 7 anos e Paulo, de 3 anos e são os processos de formação de classes de
Sofrimento e Análise do Comportamento 389
equivalência propostos por Sidman (1971) e passou um bom tempo sem lembrar-se dos
Sidman e Tailby (1982). episódios de abuso, mas aprendeu a induzir
Realizando estudos a partir das vômito em outras situações nas quais sentia
descobertas sobre equivalência, Hayes, Barnes- desconforto e também quando fazia coisas
Holmes e Roche (2001) e Hayes (2004) “erradas”. Assim, “desconforto e coisas
propuseram a Teoria dos Quadros Relacionais e erradas” configuravam-se também como
o responder relacional arbitrário. Segundo tais ocasião para nojo, vômito, culpa e esquivas e
autores, além da transferência de funções, como mais esquivas. Desenvolveu comportamento de
já descrito, sob controle de contextos auto-observação frequente de seus “erros”,
socioverbais arbitrários, pode ocorrer também a vômito e autoconceito ruim. Teve diagnóstico
transformação de funções dos estímulos. Os de bulimia na adolescência, foi tratada e
processos de equivalência e de quadros melhorou, mas em vários momentos
relacionais estariam imbrincados no estressantes da sua vida, os episódios de vômito
desenvolvimento do comportamento voltavam, até a idade adulta.
“simbólico” e do sofrimento humano, verbal. Marina, já adulta, procurou terapia porque
Em decorrência desses processos, estímulos recentemente machucava-se em várias
verbais podem desenvolver funções aversivas, situações e estava “procurando judiar-se”, sem
eliciar respondentes e evocar comportamentos motivo, durante o relacionamento sexual com
de fuga e esquiva, que, por reforço negativo, seu noivo, uma pessoa de quem gostava muito.
fortalecem encadeamentos e/ou amplas redes Na ocasião da busca de terapia, não se
comportamentais de sofrimento. O caso de uma lembrava dos episódios de abuso sofridos na
cliente adulta pode ajudar a ilustrar esse infância e tinha desenvolvido um padrão
processo. Em sua infância, por muito tempo, comportamental generalizado de fuga e esquiva
Marina fora abusada sexualmente por um de sofrimento psicológico através da
vizinho. Esse o fazia de forma que o episódio provocação de sofrimento físico, e, dentre eles,
fosse muito agradável à criança, reforçando de alívio de culpa sentida por sentir prazer
assim seu comportamento de colaborar com a sexual e felicidade no relacionamento com o
sua ocorrência. Com o passar do tempo, noivo. Provavelmente, no decorrer da vida
Marina, aprendeu, verbal e indiretamente, que a dessa cliente, uma série de estímulos verbais e
situação à qual se submetia era “muito errada” não verbais se sobrepuseram e se combinaram,
e ruim, mas, segundo informação da cliente, formando redes comportamentais complexas e
inicialmente tal concepção verbal não foi forte extensas de muito sofrimento. Se a suposição
o suficiente para fazer cessar seu hipotética aqui explorada tiver validade
comportamento de colaborar. preditiva, pode-se imaginar que tais redes
Contudo, à medida que continuou a tenderiam a ampliar-se e tornar-se cada vez
submeter-se a tais práticas abusivas, passou a mais complexas e, caso contingências
apresentar, na sequência, vômitos e outros acidentais não promovessem uma mudança de
respondentes desagradáveis, evitando, direção, a qualidade de vida dessa cliente
posteriormente, oportunidades de abuso. Nesse estaria muito comprometida.
caso, pode-se propor a interpretação de que, Como dito por Hayes et al. (2001), as
aqui, poderia ter havido uma transformação do palavras estabelecem uma autonomia e criam
valor reforçador positivo inicial da interação, um mundo simbólico à parte, descolado e que
(no caso, abusiva, mas agradável à criança), a compete com as contingências. Nesse exercício
partir da presença de estímulos verbais de de interpretação, pode-se intuir a ocorrência de
avaliação negativa que, por sua vez, processos de generalização e de equivalência,
favoreceram a ocorrência de respondentes e junto com o desenvolvimento de respostas
respostas fisiológicas aversivas. Em conjunto, relacionais arbitrárias, na formação das redes
essa estimulação fez com que respostas de fuga comportamentais de sofrimento. Esse último, o
e esquiva da interação e das reações responder relacional, segundo os autores, pode
desagradáveis ocorressem. ser definido como uma resposta de abstração,
E o processo não terminou aí. Marina na qual a propriedade do estímulo que passará a
relatou que, posteriormente, as lembranças controlar determinada resposta é abstraída a
sobre o ocorrido passaram a promover reações partir de dicas contextuais sociais arbitrárias,
de culpa, nojo e vômito e esse último trazia alterando a função dos elementos que compõem
alívio e cessava as lembranças. Mencionou que uma contingência operante e também o
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lembranças, é provável que outros faziam aqui um paralelo com a forma como se
comportamentos de fuga e esquiva aconteçam, resolvem problemas e o sofrimento decorrente
como, por exemplo, fantasiar ser outra pessoa de estimulação física. Por exemplo, se uma
ou estar ausente, afetando o “senso de Self” pedra no sapato fere o pé, o que há a se fazer, é
mais ainda. retirá-la. Contudo, os analistas do
comportamento sabem que, para afetar
Skinner (1974/1993) afirma que encobertos, (o equivalente à pedra no sapato) é
“diferentes contingências constroem diferentes preciso que haja exposição às contingências
pessoas, possivelmente dentro da mesma pele” ambientais apropriadas.
(p. 44), e que tais repertórios ou pessoas
“convivem”, mesmo parecendo ser incoerentes Além disso, muitas emoções
ou incompatíveis. Tais repertórios, de fato, desagradáveis são consideradas ruins em si
nada mais são do que classes comportamentais mesmas ou julgadas moralmente ruins em
com função adaptativa em diferentes contextos nossa cultura. Somando-se esse aspecto ao que
e contingências. foi acima exposto, agregam-se mais fontes de
sofrimento para o qual só há uma saída: a
O Self poderia ser compreendido como um esquiva e fuga dos encobertos, conforme afirma
repertório que une tais “pessoas”. Para Hayes (1987), ou seja, esquiva experiencial.
propiciar tal auto-observação em perspectiva, Esta é definida como tentativa de evitar, alterar,
provavelmente estímulos verbais se combinam fugir ou mudar diretamente eventos privados,
com emoções e sensações de integração e como por exemplo, as sensações corporais,
identidade e com respostas relacionadas aos emoções, pensamentos e lembranças
processos perceptivos (Kohlenberg & Tsai, desagradáveis. Exemplos de esquivas
2001). experienciais incluem tentativas de supressão
de pensamentos, intrusões, entorpecimento
emocional, esquiva de “emocionar-se”, fugas,
Sofrendo por aceitar as máximas esquiva de ambientes, etc. Tais respostas de
culturais sobre encobertos fuga e esquiva tendem, em longo prazo, a
As armadilhas verbais do sofrimento fortalecer o sofrimento, tanto pelo reforçamento
humano vão ainda mais longe. Juntamente com negativo que as mantém, como por impedirem
os processos mencionados anteriormente, dos que o indivíduo se exponha às contingências
quais o que se descreverá em seguida é que poderiam ajudar na extinção de seus
inseparável, uma série de eventos contextuais respondentes condicionados, na ampliação de
socioverbais, tais como regras e conceitos seu repertório global, da presença de
arbitrários, colaboram para a peculiaridade do reforçadores positivos em sua vida e o aumento
sofrimento humano e para os processos de fuga do seu bem-estar.
e esquiva. A lógica verbal do senso comum
Hayes (1987) observou que seus clientes relacionada à solução de problemas emocionais
acreditavam que seus problemas psicológicos e ao consequente padrão de esquiva emocional
eram causados por suas cognições, sensações e que se estabelece faz com que as pessoas se
emoções desagradáveis. Ainda, postulavam que sintam impedidas de viver. Ficam
os problemas encobertos eram passíveis de metaforicamente presas em gaiolas cujas barras
controle direto e que, quando falhavam em são formadas por estímulos socioverbais
conseguir tal feito, consideravam-se arbitrários, para as quais têm as chaves!
pessoalmente incompetentes. Pela lógica acima E, como se isso não bastasse, aprende-se,
descrita associada à outra regra generalizada com o comportamento verbal, a descrever e
socialmente de que se resolvem os problemas analisar a experiência vivida. De acordo com
afetando suas causas, deveriam remover o Wilson e Soriano (2002), essa é a condição que
“sofrimento encoberto”, direta e permite a antecipação de sofrimentos futuros e
prioritariamente, uma vez que erroneamente sofrer, no presente, por essa possibilidade de
acreditavam que este era a causa de seus ocorrência. Vendo-se presos, dada a miopia, em
problemas. Assim, somente após a remoção gaiolas abertas, os humanos sofrem também
desses encobertos, poderiam voltar às situações por verem o que perderam e que poderão perder
que os geravam e, sem que ocorressem, viver “presos” ao sofrimento verbal arbitrariamente
então de maneira feliz. Hayes observou que construído.
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Repercussões para a Análise Clínica outro profissional, sem muita melhora, segundo
Comportamental e considerações o seu relato.
finais Manteve-se em medicação e
posteriormente procurou outra proposta
No decorrer deste estudo, uma série de psicoterápica porque achava que estava
exemplos de casos clínicos foi apresentada, na piorando e agora tinha medos que nunca tivera
tentativa de ilustrar uma das possíveis e dentre eles, medo de voar. Sua fala era algo
compreensões que um clínico pode ter sobre o como “sinto-me mal por isso, como se não
sofrimento de seus clientes com a ajuda de fosse ninguém e incapaz de controlar minha
conhecimentos atuais sobre o comportamento ansiedade e meu desânimo, tão fortes... de
verbal e a linguagem. O relato do caso que se controlar minha ação no trabalho... não me
segue tenta exemplificar a integração dos vários sinto capaz de olhar pra mim como os outros
aspectos mencionados e contextualizar os me vêem... não sou competente”.
processos de intervenção clínica analítico- As informações colhidas podiam levar a
comportamental que têm sido propostos em terapeuta à interpretação de que Patrick, sem
função dessas perspectivas. Evidentemente, não perceber, estaria generalizando a aversividade
se promoveu aqui uma exploração detalhada de do contexto familiar, vivida na infância e na
todos os processos comportamentais adolescência, para o ambiente de trabalho e
mencionados, o que fugiria ao propósito deste estar julgando-se por ter reações que aprendera
pequeno estudo. a condenar, sem identificar as contingências
que a geravam.
O cliente que será chamado de Patrick era
um rapaz culto, inteligente, agradável e bem No decorrer do processo, aos poucos, foi
apresentável. Segundo seu relato, fora mencionando o quanto se sentiu dividido pelos
preparado nas melhores universidades do país pais durante toda a sua vida e o quanto estes
para assumir os negócios da família. Relatou competiam entre si pelo controle do filho.
que, durante a infância e adolescência, vivera Destacou que eles não o ouviam e o criticavam
entre pais em conflito permanente e que lhe todo o tempo, inclusive igualando seus
davam todas as oportunidades e uma vida comportamentos aos que detestavam no outro
confortável, de poucas restrições financeiras. cônjuge. Relatou muitas falas desqualificadoras
Praticava esportes e era bom aluno. Durante e a ironia com que lidavam com seus
toda a sua vida percebera sua mãe como vítima encobertos, jamais admitindo que estivesse
de um marido agressivo. Jovem, foi cursar certo em seus sentimentos e opiniões, a
faculdade em outra cidade, onde continuou com despeito das consequências (mesmo que
sua prática de esportes, uma atividade que lhe positivas) desses comportamentos no ambiente.
era prazerosa e que também promovia sua fuga De acordo com Patrick, “eles venciam um ao
e esquiva do contexto familiar. Estava na pós- outro sobre mim... eu me abstraia, fazia
graduação quando seu pai morreu e ele foi esportes... ali conseguia não me sentir assim
chamado a assumir com a mãe, os negócios da ansioso, invadido e dividido”, pois, para os
família. Não era o que pretendia tão pais, a prática de esportes não era relevante.
rapidamente. Pensava em trabalhar com outras Suas boas notas e bom comportamento na
empresas e criar seus negócios de forma escola faziam com que eles também se
independente. mantivessem afastados, de certa forma, desse
ambiente e de falar sobre isso. Relata que se
Começou a trabalhar e a sentir muito sentia muito “estraçalhado” ao pensar nesse
desânimo, ansiedade e apresentar muitas processo.
respostas de fuga e esquiva do ambiente e das Ao discorrer sobre tais aspectos, já
tarefas relacionadas ao trabalho, deixando percebidos na terapia anterior, usava muitas
também de praticar os esportes. Relatou que metáforas, o que chamou a atenção da
gostava de administração e que se terapeuta. Questionado por ela sobre isso,
envergonhava de seus ciclos de animação e relatou que havia desenvolvido, desde muito
desânimo, julgando-se e sendo julgado pela cedo, uma forma de analisar e avaliar o impacto
mãe como preguiçoso e incapaz. Procurou do comportamento dos pais e das demais
psiquiatra e foi identificado como tendo pessoas sobre ele, o que o ajudara a ter
Transtorno Bi-Polar, medicado e encaminhado parâmetros do quanto estaria “certo ou errado”
para terapia, o que fez, por algum tempo, com no que pensava ou sentia. Assim, imaginava
Sofrimento e Análise do Comportamento 393
cenas de sofrimento físico que lhe pareciam Essa compreensão ocorreu quando, num
relacionadas ou equivalentes ao que sentia processo de exposição gradual, aceitou ver,
psicologicamente. com a terapeuta, fotos de acidentes de avião
Por exemplo, quando sentia mal por sua sem pessoas destroçadas. Parece, portanto, que
mãe “usar” alguma informação pessoal que ele um processo verbal estava altamente
lhe havia dado, em um contexto em que ela o relacionado à determinação do seu medo de
agredia e desqualificava, havia um embate voar! Havia desenvolvido uma habilidade
entre eles. E, quando ela não mais prevalecia especial, durante sua vida, de elaborar
sobre ele apresentando respostas agressivas, metáforas, e elas o ajudavam a desenvolver
chorava e se descrevia como vítima, o que lhe autoconhecimento, autorregras e outros
gerava muita culpa e o fazia cessar. Depois do comportamentos, até então. E, agora, estando
episódio, ele carregava muito sofrimento. Para exposto a episódios concretos, que corriam no
entender se tinha ou não “culpa” e o que fazer, mundo físico e na vida de outras pessoas,
elaborava uma metáfora do tipo, (pessoas sendo destroçadas em acidentes de
avião) e que estavam relacionados às
“é como se eu tivesse dado a ela um metáforas que o ajudaram na descoberta de
presente (confiança) e ela se mostrasse determinantes de seu sofrimento, (“fui
feliz com isso e depois jogasse o presente estraçalhado, separado, dividido em partes...
/ objeto contra mim e me machucasse, o sofri muito... ainda sofro psicologicamente ...”)
usasse como uma arma contra mim, e com ambos ocorrendo no mesmo espaço de
quando fosse bom para ela e até tempo, portanto, estando temporalmente
injustamente. Para me defender, eu associados, mas sem nenhuma relação causal
coloco a mão na frente e o objeto volta direta, obviamente, o cliente estava sob
para ela e a fere. Bem, então ela não controle de relações complexas de estímulos
pode me culpar porque se machucou”. que o incluíam, de alguma forma, o que fez
Com este comportamento, de elaborar com que estímulos, anteriormente reforçadores
metáforas, fora aprendendo a analisar positivos (tais como o viajar de avião e outros
interações e a responder a elas. E tinha muita relacionados) se transformassem em
habilidade em fazer isso, usando-a também na estimulação aversiva, da qual passara a
terapia em seu benefício. esquivar-se, ampliando e aumentando, assim, o
Interessantemente, observou mais à frente seu sofrimento. Como se sabe, não é preciso
que a “consciência total” do quanto fora que haja relato (mesmo que para si mesmo) das
invalidado e dividido por seus pais havia se contingências as quais se está exposto para que
dado mais recentemente, facilitada pelo elas operem!
processo psicoterápico ao qual havia se exposto O sofrimento deste cliente pôde ser melhor
anteriormente. Temporalmente, isto acontecera compreendido com ajuda dos estudos sobre
na mesma época em que ocorreram sucessivos comportamento verbal e o funcionamento da
acidentes de avião no país. Patrick lembrava-se linguagem. Benito Pérez Galdoz (1843-1920),
de sentir muita atração por ver as fotos e muita escritor espanhol, diz que “palavra e pedra solta
dor e empatia pelas pessoas que haviam sido não têm volta”, o que metaforicamente mostra
destroçadas. Relata que era muito forte seu o efeito negativo que elas podem ter para um
sentimento de ter sido dividido, como as indivíduo ou uma cultura. Contudo, os analistas
vítimas dos acidentes. Emocionalmente, sentia- do comportamento podem dizer hoje, com mais
se quebrado ao meio ou em partes, de uma propriedade, que seu curso, sua função nas
forma especial. Na situação, contudo, sentia-se cadeias comportamentais e sua autonomia
relacionado, mas não relacionava seu podem ser afetadas e propõem, para isso,
sofrimento psicológico ao sofrimento físico que processos psicoterápicos, analítico-
elas tiveram, claramente. Relata, então, que, a comportamentais bastante organizados.
partir daí, passou a ter comportamentos de fuga Iniciativas mais recentes nessa direção
e esquiva de viajar de avião, (que anteriormente estão organizadas em um conjunto denominado
amava, achava seguro e até pensava em “Terapias da Terceira Onda”. Segundo Pérez-
aprender a pilotar aviões!) ver fotos de Álvarez (2006), tais propostas têm em comum
acidentes, ver aviões ou ir ao aeroporto, já que o fortalecimento do enfoque behaviorista
estes pensamentos e imagens o remetiam aos radical na psicoterapia, com ênfase na mudança
acidentes. de contingências, mais do que na conduta
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governada por regras. Mais uma vez refuta-se o instrumento importante para evitar o sofrimento
uso do modelo médico na psicoterapia, desnecessário e discriminar mais facilmente
fortalece-se o caráter idiossincrático das fontes de estimulação reforçadora. Porém, a
análises e novas categorias diagnosticas que são linguagem não é sempre “boa” ou boa em si
funcionais são propostas, como no caso da já mesma, como demonstrado anteriormente. É
mencionada esquiva experiencial. Ainda, estes necessário que se aprenda a usá-la sem se
processos se propõem a afetar classes deixar consumir ou ser manejado por ela,
comportamentais mais amplas, ao invés de inapropriadamente. O mesmo “instrumento”
afetar queixas menores, como por exemplo, a que pode diminuir o sofrimento humano pode
forma com a qual os indivíduos lidam com seu gerá-lo (Hayes et al., 1999).
sofrimento, humano, verbal, de maneira geral e As propostas atuais de intervenção clínica
com os seus reforçadores e valores. analítico-comportamentais incluem em seus
A novidade, aqui, não seria a inclusão processos propostas e estratégias que visam
dessa perspectiva na psicoterapia, que pode ser demonstrar, também aos clientes, as funções
observada em várias outras formas de que a linguagem exerce no controle do
psicoterapia mais tradicionais, e sim o estudo comportamento e do sofrimento humano e
científico de tais aspectos. Assim, ajudá-los a colocar seu comportamento mais
contrariamente ao que propõe o contexto sob controle de contingências positivas,
socioverbal vigente que considera que o discriminativamente, do que sob controle de
“normal“ é ter uma vida sem sofrimento e que contingências verbais arbitrárias e reforçamento
aqueles que não o conseguem estão fracassando negativo.
na “arte de bem conduzir a vida”, os analistas As Terapias Comportamentais de Terceira
do comportamento compreendem que Onda fortalecem a natureza contextual e
sofrimento e prazer são os dois pontos finais socioverbal dos problemas e a análise funcional
em um contínuo que, de acordo com Luciano, dos eventos privados e teorizam sobre novas
Valdivia, Gutiérrez e Páez-Blarrina (2006), se classes comportamentais enquanto “categorias
ampliam e se transformam quando se trata de diagnósticas funcionais”. Ainda, mais do que
seres verbais. Em consonância, refuta com mais incentivar a luta contra os encobertos, propõem
força a noção de que o sofrimento humano seria que o cliente abandone a luta contra eles, (o que
um estado atípico ou “anormal”, em paralelo ao chama de “sintomas”), os aceite e busque uma
que se conhece sobre as “doenças físicas” e os orientação para a sua vida e os seus valores. Em
mitos das causas internas. As “causas” estão outras palavras, o cliente deve, durante o
nas contingências ambientais. processo, escolher entre viver respondendo de
Mais especificamente, as Terapias da maneira a fugir e esquivar-se de eventos
Terceira Onda demonstram que o sofrimento privados aversivos, tendo alívio temporário e
humano ou psicológico é essencialmente verbal aumentar a força de tal cadeia comportamental
e como o comportamento verbal e a linguagem em longo prazo, gerando para si mesmo mais
o produzem. A linguagem humana, enquanto sofrimento em ciclo inescapável, ou agir de
conjunto de práticas verbais que são forma a fortalecer a probabilidade de
compatilhadas por uma comunidade, é ocorrência de reforçamento positivo, a
considerada mais que uma mera vocalização ou despeito da presença de encobertos aversivos.
forma de comunicação. Para Hayes, Strosahl e Para isso, deve ter clareza de quais são os seus
Wilson (1999), ela é vista como “uma atividade reforçadores, desde aqueles mais próximos e
simbólica em qualquer que seja o domínio em concretos, até os mais distantes ou abstratos,
que ocorra (gestos, desenhos, formas escritas, chamados de valores. Valores são os
sons e etc.)” (p. 10-11). “reforçadores” estabelecidos através do
Os seres humanos passam por um treino comportamento verbal e suas funções e
extenso da habilidade de derivar relações entre características
eventos e símbolos, dentro de uma cultura.
Com isso, tornam-se também hábeis para vão além das que podem ser
avaliar o impacto de suas ações, anteverem um estabelecidas por processos diretos de
futuro, aprender com o passado, manter, condicionamento... quando o ser humano
construir e passar conhecimentos e também aprende a comportar-se de forma
regular seu próprio comportamento e dos relacional ou simbólica, dispõe de um
demais. Em consequência, adquirem um novo meio para a formação e a alteração
Sofrimento e Análise do Comportamento 395
como já dito anteriormente, e apresentaram Bijou, S. W., & Baer, D. M. (1961). Child
propostas de como enfocar, na relação development: A systematic and empirical
terapeuta-cliente, os problemas a ele theory (Vol. 1). New York: Appleton-
relacionados. Enfim, a evolução dos Century-Crofts.
conhecimentos sobre os processos
comportamentais, principalmente verbais, vem
sendo incorporada à analise clínica Ferster, C. B. (1979). Psychotherapy from the
comportamental e dando aos terapeutas mais Standpoint of a Behaviorist. In J. D. Keehn,
recursos para lidar com o sofrimento dos seus (Ed.), Psychopathology in Animals:
clientes e ajudá-los a construir uma vida mais Research and Clinical Implications (pp.
valorosa. Estes recursos somam-se às técnicas, 279-303). Academic Press: New York.
procedimentos e estratégias comportamentais
que os precederam, complementando-os com Hayes, S. C. (1987). A contextual approach to
compatibilidade. Não apenas se agregam a eles, therapeutic change. In N. Jacobson (Ed.),
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