Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
233
ECG de Ponta a Ponta
ECG como você nunca viu
1˚ Edição
Versão Simplificada
E-book
2020
Equipe MedClass - medclass@medclass.org - IP: 177.100.62.233
Editor
Doutor em Ciência pela Universidade de São Paulo (USP) e Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
(IDPC)
Editores associados
Artista Plástica
Designer
Este material é uma introdução descomplicada a eletrocardiografia. Nossa equipe esteve preocupada
com uma escrita simples, direta e em uma sequência que julgamos apropriada para os alunos que
estão aprendendo eletrocardiograma (ECG), em todos os níveis.
Em muitos momentos você poderá observar que fugimos das explicações e imagens tradicionais dos
materiais já existentes.
Como apenas 12 derivações podem, ao mesmo tempo, trazer tanta informação e tanta dificuldade?
Entender a atividade elétrica do coração manifesta no ECG é sem dúvida alguma um desafio. Com as
ferramentas certas ficará muito mais fácil vencê-lo.
É comum os alunos ficarem perdidos na imensidão de informação sobre o assunto. Uma falha
frequente que detectamos é a tentativa de decorar determinados padrões patológicos do ECG sem
compreender a base eletrocardiográfica, sem ter noção espacial das manifestações elétricas.
A característica principal deste material é a didática, nos empenhamos em traduzir a atividade elétrica
do coração através de uma linguagem lógica, sequencial e filtrada.
Saber interpretar ECG de uma maneira precisa e rápida é fundamental para todo profissional de saúde,
especialmente para médicos que atuam em pronto atendimento, unidade básica de saúde, unidade
de atendimento pré-hospitalar, unidade de terapia intensiva, semi-intensiva e unidade coronária.
Por fim, este material foi criado como apoio ao estudante que está realizando o curso completo “ECG
de Ponta a Ponta”. Este conteúdo resumido é um excelente ponto de partida para abrir a mente ao
aprendizado do ECG.
Capítulo 3. Sobrecargas
1. Conceitos: o que você precisa saber para iniciar seu entendimento do eletrocardiograma
(ECG)
O coração funciona como uma “bomba” ejetando sangue pouco oxigenado aos pulmões e na
sequência enviando o sangue rico em oxigênio para os demais órgãos.
Cada batimento cardíaco, ou seja, cada atividade mecânica do coração é precedida por uma
atividade elétrica que, em situação de normalidade, acontece de forma regular e sequencial.
O coração humano está localizado no mediastino médio. Possui uma posição oblíqua em
relação à caixa torácica e seu ápice está direcionado para baixo, para esquerda e para frente.
Aproximadamente 2/3 de sua massa está à esquerda da linha média do tórax.
O coração humano possui um complexo e especializado sistema elétrico capaz de propagar de
modo rápido e eficaz a atividade elétrica do coração.
Na Figura 1, podemos observar estruturas importantes deste sistema. Na porção superior do
átrio direito, próximo da desembocadura da veia cava superior, há um grupamento de células
capazes de gerar atividade elétrica de maneira automática, esta estrutura é chamada de Nó
Sinoatrial (NSA). A atividade elétrica oriunda do NSA se propaga para o átrio esquerdo através
dos Feixe de Bachmann, despolarizando os átrios da direita para a esquerda. Esta atividade
elétrica se propaga, da mesma forma, do NSA para o Nó Atrioventricular (NAV) por meio dos
Feixes Internodais. No final da diástole (fase de relaxamento ventricular) ambos os átrios se
contraem simultaneamente.
O estímulo elétrico oriundo dos átrios chega ao NAV onde, habitualmente, há uma lentificação
na passagem do estímulo. Vale lembrar que o NAV também possui um grupamento de células
com a capacidade de automatismo, semelhante ao NSA, mas com uma frequência automática
menor.
Após a despolarização do NAV, o estímulo elétrico se propagada aos ventrículos através do
Feixe de His, Ramos Direito e Esquerdo, Fascículos e Fibras de Purkinje.
O ECG é um método diagnóstico capaz de registrar a atividade elétrica do coração por meio
de eletrodos adequadamente posicionados na superfície corporal (Figura 2).
O registro desta atividade elétrica se dá através de papel quadriculado (impresso ou
digitalizado) (Figura 3).
Figura 2: Posicionamento dos 10 eletrodos que irão formar as 12 derivações do ECG. MSD= Membro Superior
Direito; MSE= Membro Superior Esquerdo; MID= Membro Inferior Direito; MIE= Membro Inferior Esquerdo;
Derivações Precordiais de V1 a V6. De modo padrão V1 está localizado na borda esternal direita (4 EIC); V2
na borda esternal esquerda (4 EIC); V3 na metade do trajeto entre V2 e V4; V4 na linha hemiclavicular
esquerda (5 EIC); V5 linha axilar anterior esquerda (5 EIC); V6 linha axilar média esquerda (5 EIC)
Por padronização do método, o ECG é registado em papel quadriculado, vale lembrar que cada
quadrado grande é constituído por 5 quadrados pequenos.
O lado do quadrado pequeno possui 1 mm e corresponde, na horizontal, a 40 milissegundos
(ms) ou 0,04 segundos (s) de duração. Na vertical 1 mm equivale a 0,1 mV de voltagem (Figura
4).
Os critérios utilizados para a interpretação do ECG pressupõem a padronização da gravação,
sendo assim, ao analisar um ECG, é necessário que o registro tenha sido adquirido com uma
velocidade de 25 mm/s e uma amplitude (voltagem) de 10 mm/mV (Figura 3, porção inferior
esquerda).
0,1 mV 1 mm
0,5 mV
0,04 s
0,2 s
Figura 4: Medidas referentes ao papel quadriculado. 0,04 segundos = 40 milissegundos
QRS
P T
U
2
3
4
Figura 5: Intervalos:
1 = Duração onda P
2 = Duração intervalo PR
3 = Duração complexo QRS
4 = Duração intervalo QT
*medidas em ms
Figura 6: Fórmula de Bazzet. QT= duração intervalo QT em segundos; QTc= duração do intervalo QT
corrigido; RR= duração entre dois complexos QRS em segundos
1.6. Vetores
Quando uma frente de despolarização elétrica vai em direção (se aproxima) de uma
determinada derivação, gera no ECG o registro de uma onda positiva. Quando, ao contrário,
esta frente de ativação foge de uma determinada derivação, gera uma onda negativa.
Em breve será demostrado o ponto de vista de cada derivação. Por exemplo: o ponto de vista
da derivação DI é do MSE, se a despolarização atrial ocorrer da direita para a esquerda, como
no ritmo sinusal, aparecerá no ECG uma onda P positiva. Esta mesma onda P, vista da direta,
como por exemplo aVR, será negativa, pois a frente de ativação está fugindo de aVR (Figura
7).
Este raciocínio básico de vetores serve tanto para a onda P quanto para o QRS.
Figura 7: Vetores. A polaridade da onda P e do complexo QRS de acordo com o sentido da frente de
ativação
Figura 8: Triângulo de Einthoven. Eletrodos colocados nos membros superiores e no MIE formam um
triângulo. Cada par de eletrodo forma uma derivação bipolar do plano frontal (DI, DII e DIII).
Uma vez que a ativação elétrica se inicia no NSA (átrio direito) e se propaga para a esquerda e
para baixo, há a formação de um vetor elétrico resultante, tanto nos átrios quanto nos
ventrículos.
O eixo elétrico normal da onda P (átrios) está entre 0 e + 90˚.
Neste momento, iremos priorizar a avaliação do eixo elétrico resultante da despolarização
ventricular (QRS). Considera-se normal um eixo de despolarização ventricular entre -30˚ e +90˚
(Figura 10).
O sistema Hexaxial de Bailey tem a finalidade de calcular o eixo elétrico médio (vetor
resultante) do coração. É construído através do triângulo de Einthoven e das derivações
aumentadas (em conjunto formam o plano frontal) (Figura 10).
Conhecer o eixo elétrico é fundamental para uma boa análise do eletrocardiograma. Muitas
alterações patológicas do coração causam desvio do eixo cardíaco para a direita (> 90˚) ou para
a esquerda (< -30˚). Vale citar que existem situações não patológicas de desvio do eixo
cardíaco, como por exemplo o biotipo do paciente. Nos pacientes brevilíneos, o eixo cardíaco
tende a ficar horizontalizado (< -30˚), nos longilíneos tende a ficar verticalizado (> 90˚).
Mais precisamente, eixo entre -30˚ e – 90˚ está desviado para a esquerda, entre 90˚ e 180˚
está desviado para a direita e entre -90˚ e -180˚ apresenta desvio extremo do eixo.
Uma maneira mais prática, que resolve a maioria dos casos, é verificar se o eixo está no
primeiro quadrante (0 a + 90˚). Isto ocorre se a polaridade do QRS predomina positiva em DI
(zero grau) e positiva em aVF (+ 90˚). Se isto ocorrer é sabido que o eixo está normal.
Para uma análise mais precisa, o eixo elétrico pode ser estimado, passo a passo, da seguinte
forma:
Passo 3: Ver qual a polaridade do QRS na derivação encontrada no passo 2. Se o QRS for
positivo, o eixo acompanha o sentido da derivação, se for negativo, o eixo está no sentido
contrário (Figura 13).
A B C
Figura 11: Passo 1: Pesquisa da derivação com QRS isodifásico. A= QRS negativo; B= QRS isodifásico; C= QRS
positivo.
aVL
Figura 12: Passo 2: Supondo que a derivação mais isodifásica seja DII (azul), o eixo elétrico está perpendicular a
DII (aVL, em vermelho).
Figura 13: Passo 3: A derivação aVL aponta para o MSE (+). Se o QRS de aVL estivesse positivo, o eixo estaria no
sentido de aVL (- 30˚), como o QRS de aVL está negativo, o eixo está a + 150˚.
O ritmo cardíaco é determinado pela estrutura que apresenta a despolarização mais precoce
no coração.
Duas estruturas cardíacas são formadas por grupamento de células especializadas, as
chamadas células marcapasso, responsáveis pelo início automático da atividade elétrica
cardíaca.
Estas estruturas são denominadas NSA e NAV. Dentre elas, o NSA é a estrutura com
automatismo mais rápido e que, hierarquicamente, comanda o ritmo do coração.
Quando o estímulo elétrico é iniciado no NSA, a FC em repouso considerada normal, para
adultos, é de 50 a 100 bpm.
Durante nosso estudo você aprenderá a identificar um ECG cuja ativação elétrica foi iniciada
no NSA. É possível, em situações de anormalidade, que a ativação elétrica se inicie em um foco
ectópico atrial, no NAV ou até mesmo nos ventrículos. Estes cenários serão explorados em
outros capítulos.
3. Frequência Cardíaca
P T P
Figura 14: Cálculo da FC. Entre 2 complexos QRS há distanciamento de 17 quadrados pequenos. FC=
1500/17 = 88 bpm.
Para o cálculo da FC em ritmos irregulares, como na fibrilação atrial, é necessário fazer uma
média baseada no número de complexos QRS durante 6 segundos (Figura 15).
Figura 15: Cálculo da FC em ritmos irregulares. Deve-se contar o número de complexos QRS existentes durante
6 segundos de registro. É necessário utilizar uma derivação com gravação prolongada (por exemplo DII longo).
Como cada quadrado grande tem 200 ms, serão necessários 30 quadrados grandes para obter 6000 ms, ou
melhor, 6 segundos. O número de complexos QRS encontrados deve ser multiplicado por 10. Neste exemplo
temos uma FC aproximada de 70 bpm (7 × 10).
As células vivas em repouso apresentam uma diferença de potencial elétrico entre os lados da
membrana celular, sendo o interior negativo em relação ao exterior, chamado potencial de
repouso. No coração, esta diferença de potencial pode ser de 50 mV nas células automáticas,
até 90 mV a 100 mV nas células de condução.
O potencial de repouso é fundamental para a homeostase celular. A inversão ou anulação
momentânea das cargas elétricas pode gerar sinais elétrico propagados capazes de deflagrar
e controlar uma atividade tecidual organizada, como a contração muscular. Esta modificação
momentânea e propagada do potencial de repouso é chamada de potencial de ação.
O potencial de ação é um fenômeno passivo (sem gasto de energia) que se propaga
rapidamente por toda a membrana celular e de uma célula a outra. Adicionalmente o potencial
de ação também se propaga dentro da célula por todo o retículo sarcoplasmático, liberando
cálcio. Quando, num determinado local da membrana, por efeito de algum estímulo, o
potencial de repouso é reduzido em 20 mV a 25 mV, surge o potencial de ação, que
rapidamente se propaga por toda a célula.
As células cardíacas apresentam intensa interdigitação com as células vizinhas visíveis na
microscopia ótica, como linhas escuras chamadas “discos intercalares”. Essas regiões são ricas
em desmossomos e conexinas, as quais promovem grande aumento da condutância iônica.
Por conta disso, graças a essas junções, as células cardíacas transmitem o estímulo elétrico
diretamente de uma célula à outra.
Disco Intercalar
Figura 16: Representação esquemática simplificada da ativação elétrica de uma célula cardíaca à outra.
I. Pastore CA, Pinho JA, Pinho C, Samesima N, Pereira-Filho HG, et.al. III Diretrizes da
Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Análise e Emissão de Laudos
Eletrocardiográficos. 2016. Vol 1 (4), Supl.1.
II. Mateos JCP. Marca-passos, desfibriladores e ressincronizadores cardíacos: noções
fundamentais para o clínico. 2014. Ed. Atheneu.