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MESTRADO EM DIREITO
“LUÍS DE CAMÕES”
Março de 2021
Lisboa
DEDICATÓRIA
1
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço a Deus, pelo fôlego da vida, pela sabedoria e por me ter
permitido chegar até aqui.
À minha família, em especial, aos meus pais por apostarem e acreditarem em mim,
desde sempre, e por me motivarem a correr atrás deste sonho, aos meus irmãos, primos e tios,
por todo o apoio psicoemocional e financeiro, concedido durante todo o processo de formação.
Ao meu querido esposo, Simão Pedro, impulsionador sem igual, por nunca desistir de
me apoiar em todos os momentos bons e maus do meu percurso académico e, sobretudo, por
sempre me ter encorajado a desafiar os meus limites, todas as vezes em que pensei em desistir.
A todos os meus amigos e colegas por todo o apoio emocional e académico demonstrado
durante a jornada investigativa e a todos quantos direta ou indiretamente contribuíram para que
a realização deste trabalho fosse possível.
2
RESUMO
3
ABSTRACT
This dissertation focuses on the legal issues emerging from cohabitation and the role of
the State in its protection.
The main conclusions reached are related to three axes of Angolan legislation. The first
is about the lack of equality in access to the recognition of relationships in cohabitation between
heterosexual or same-sex couples. The second point refers to the economic condition, and its
weight in the asset allocation guarantees, an exception is foreseen even in the unrecognized
cohabitation in the case of unlawful enrichment by one of the members of the couple, and a
third aspect is about the similarity of the institutions of Marital Relationship and Relationship
in Cohabitation, since both establish when recognized, the same level of rights and guarantees
for the members of the couple. The main problem of the research is to know if the non-
cumulative verification of the legally imposed requirements for the recognition of the
cohabitation presupposes the absence of a union. Therefore, it is urgent to analyze in the
preparation of this research the cohabitation in the Angolan legal system compared to the
Portuguese one, since it is understood that any normative provisions that aim to regulate this
institute are at the core of the protection of the family, and as such it is imperative to analyze
which interests of descendants and the cohabitants should be protected in the event of the
rupture or death of one of the cohabitants.
As for the methodology, the exploratory research will be used, using bibliographic
research and the quantitative approach, relatively, interview, questionnaire and statistical
presentation of the data, that is, numerical and percentage quantity. On the other hand, it will
be studied the theoretical and legal aspects of the cohabitation, namely regarding its concept,
its notion, and legal nature, as well as some relevant historical aspects.
4
ÍNDICE
DEDICATÓRIA 2
AGRADECIMENTOS 3
RESUMO 4
ABSTRACT 5
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 9
ÍNDICE DE TABELAS 10
INTRODUÇÃO 11
Identificação do problema principal 12
Problemas secundários 12
Objetivos de estudo 12
Objetivo geral 12
Objetivos específicos 12
Delimitação de estudo 13
Metodologia 13
O conceito de União de Facto 13
CAPÍTULO I – GENERALIDADES E O ENQUADRAMENTO LEGAL DA UNIÃO DE FACTO 14
1.1. Noção de família 14
1.1.1. Noção jurídica de família 14
1.2. Conceito de relações para-familiares 15
1.3. Direito de constituir família 15
1.4. O princípio da tipicidade das fontes de relações jurídico-familiares 17
1.5. Natureza jurídica da união facto 17
1.5.1. Antecedentes históricos relevantes 17
1.5.2. Conceito de União de Facto 19
1.5.3. Consagração constitucional da União de Facto no direito angolano 19
1.5.4 Pressupostos legais para proteção da União de Facto por mútuo acordo 21
1.6. Quem pode se opor ao reconhecimento da União de Facto? 27
1.7. Circunstâncias que obstam o reconhecimento da União de Facto 27
1.7.1. A demência notória 28
1.7.2. Interdição ou inabilitação por anomalia psíquica 28
1.7.3. Casamento ou União de Facto legalmente reconhecida, enquanto não for dissolvido 29
1.7.4. O parentesco e a afinidade da linha reta 30
1.7.5. O parentesco no segundo grau da linha colateral 31
1.7.6. A pronúncia do nubente como autor ou cúmplice por homicídio doloso contra o
cônjuge do outro 31
5
1.7.7. Reconhecimento excecional da União de Facto por via judicial 32
1.7.8. A necessidade do reconhecimento legal da União de Facto entre pessoas do mesmo
sexo 32
1.8. Como são tuteladas as uniões de facto entre homossexuais? 33
1.9. Sobre o fundamento legal para a proteção de uniões de facto homossexuais 34
CAPÍTULO II – METODOLOGIA 36
2.1. Desenho de pesquisa 36
2.2. Local de estudo 36
2.3. População e amostra 36
2.4. Caraterística dos participantes da pesquisa 37
Quadro n.º 1. Tamanho da amostra 40
2.5. Técnicas e instrumentos da pesquisa 40
2.6. Validade e confiabilidade na pesquisa 41
2.7. Limitações e dificuldade 41
2.8. Análise dos dados 41
2.9. Codificação dos dados 41
2.10. Síntese do capítulo 41
CAPÍTULO III – PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DA UNIÃO DE FACTO 42
3.1. Princípio da dignidade da pessoa humana 42
3.2. Princípio da igualdade e da não discriminação em virtude da orientação sexual 43
3.3. O princípio da não discriminação em virtude da orientação sexual 45
3.4. É a homossexualidade crime em Angola? 46
3.5. O princípio da liberdade 47
CAPÍTULO IV– EFEITOS JURÍDICOS DA UNIÃO DE FACTO E O DIREITO DOS FILHOS
NASCIDOS NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO 49
4.1. Efeitos jurídicos pessoais 49
4.1.1. Dever de respeito 50
4.1.2. Dever de fidelidade 52
4.1.3. Dever de coabitação 52
4.1.4. Dever de cooperação e assistência 53
4.2. Efeitos jurídicos patrimoniais 53
4.2.1. Regime económico da comunhão de adquiridos 54
4.2.2. Regime económico de separação de bens 55
4.3. Direito dos filhos nascidos na União de Facto e as responsabilidades parentais 57
CAPÍTULO V – O PAPEL DO ESTADO NA PROTEÇÃO DA UNIÃO DE FACTO 60
5.1. Tratamento jurídico da União de Facto que não reúna todos os requisitos impostos por lei 63
5.2. Conceito de enriquecimento ilícito 64
5.3. O papel do conselho de família 65
6
5.4. Dissolução da União de Facto 67
5.5. Dissolução por morte 68
5.6. Dissolução por ruptura 68
5.7. Destino da residência comum em caso de ruptura da União de Facto 69
5.8. Direito à prestação de alimentos na União de Facto 73
5.9. Noção de alimentos 73
5.10. Natureza jurídica 74
5.11. Atribuição dos alimentos 75
5.12. Duração 75
CAPÍTULO VI – APRESENTAÇÃO, DISCUSSÃO E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS 76
6.1. Sobre a noção de União de Facto 76
6.2. Sobre a circunstância da tomada de conhecimento da noção de «união de facto» 76
6.3. A União de Facto na ótica dos inqueridos 77
6.4. Noção da idade de reconhecimento legal da União de Facto 78
6.5. Noção do tempo de duração da União de Facto 78
6.6. Conhecimento dos direitos e obrigações decorrentes da União de Facto 79
6.7. A legalização da União de Facto 79
6.8. Sobre a existe de património comum na União de Facto 80
6.9. Causas da ruptura do vínculo na união entre jovens 80
6.10. A divisão do património em caso de morte da mulher ou do homem 81
6.11. Sobre as partes mais fragilizadas com o fim da União de Facto 81
6.12. Do tratamento entre os filhos nascidos na União de Facto e fora dela 82
6.13. O tratamento à casa e aos bens do pai, em caso de sua morte 82
6.14. O parecer das fontes, quanto à família fundada na União de Facto 83
6.15. A conversão da União de Facto em casamento de forma compulsiva 83
6.16. Direitos e obrigações da União de Facto: como e quando reconhecer? 84
CONCLUSÃO 85
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 87
LEGISLAÇÃO 89
JURISPRUDÊNCIA PORTUGUESA 90
JURISPRUDÊNCIA ANGOLANA 91
ARTIGOS DE INTERNET 92
7
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Ac. – Acórdão
Al. – Alínea
Art. – Artigo
CFA – Código da Família Angolano
CRA – Constituição da República de Angola
CCA – Código Civil Angolano
CCP – Código Civil Português
CPA – Código Penal Angolano
CPP – Código Penal Português
CPC – Código de Processo Civil
CRP – Constituição da República Portuguesa
DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos
LUF – Lei da União de Facto
LCVD – Lei Contra Violência Doméstica
LGBT – Lésbicas Gays Bissexuais Travestis
Proc. – Processo
TRL – Tribunal da Relação de Lisboa
Ss. – Seguintes
Séc. – Século
STJ – Supremo Tribunal de Justiça
8
ÍNDICE DE TABELAS
9
INTRODUÇÃO
10
O quinto capítulo, O papel do estado na proteção da união de facto, diz respeito ao
posicionamento do Estado em matéria de proteção da União de Facto; e o último capítulo está
reservado à apresentação, discussão e interpretação dos resultados.
Problemas secundários
● Do problema central decorre a imprecisão de quais meios se podem servir os
descendentes e os conviventes para que tenham os seus interesses salvaguardados,
caso a União de Facto seja inexistente.
Objetivos de estudo
Objetivo geral
Objetivos específicos
11
Delimitação de estudo
Metodologia
O conceito de União de Facto que aqui se apresenta segue a perspectiva do artigo 112.º
do Código de Família Angolano, que o apresenta como o estabelecimento voluntário de vida
em comum entre um homem e uma mulher.
12
CAPÍTULO I – GENERALIDADES E O ENQUADRAMENTO LEGAL DA
UNIÃO DE FACTO
Com o passar do tempo, vão surgindo novas formas de vínculos familiares, como é o
caso da União de Facto ou união estável. O Direito acompanha essa dinâmica social, até porque
as famílias são anteriores a ele. Assim, o Direito deve limitar-se a reconhecer aos novos
institutos familiares os direitos e deveres inerentes à natureza racional dos integrantes da
instituição familiar, garantindo o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. É neste
âmbito que Medina (2013, p. 18) define a família como sendo um grupo social relacionado
entre si por obrigações e direitos recíprocos.
13
No direito português, não existe, igualmente, uma definição legal de família, limitando-
se o artigo 1576.° do CCP a determinar quatro fontes de relações jurídicas familiares
(casamento, parentesco, afinidade, adoção). Diferente do direito angolano, a União de Facto
não é apresentada como uma verdadeira fonte de relação jurídico-familiar, o que tem levantado
uma discussão na especialidade, pois alguns autores entendem que a União de Facto constitui
uma verdadeira fonte de relação jurídico-familiar e outros questionam a sua dignidade enquanto
fonte de relação jurídico-familiar, considerando apenas o casamento como o instituto apto a dar
lugar à constituição da família. Porém, o legislador português não deixa de acautelar o instituto
da União de Facto, sendo atualmente a proteção dos direitos e deveres dos unidos de facto
reconhecidos pela LUF (Lei n.º 7/2001).
Do ponto de vista do direito interno, quer a Constituição Angolana (n.º 2 do artigo 35.°),
quer a Portuguesa (n.º 1 do artigo 36.°), conferem aos indivíduos a faculdade de livremente
14
constituírem vínculos familiares, desde que se tenha em atenção o respeito pelas normas
constitucionais e pela lei.
Entretanto, essa liberdade de constituir família não tem o mesmo alcance da dos
negócios jurídicos em geral, em que a autonomia das partes lhes confere a liberdade de seleção
de tipo negocial e a liberdade de estipulação, pelo que, no plano dos negócios jurídicos
familiares, a autonomia da vontade dos seus integrantes sofre inúmeras restrições, até pela
própria sensibilidade da instituição em causa. Daí que Medina (2013, p. 63) define negócios
jurídico-familiares como sendo todos aqueles que criem, alterem ou ponham termo às relações
familiares.
1
”O casamento não é a única forma de constituir família; as uniões de facto, registadas ou não, entre pessoas os
mesmo sexo são também uma forma de constituir família” Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, (processo
n.º 6284/2006-8), de 15-02-2007, disponível em http//www.dgsi.pt [Consultado em 28 de fevereiro de 2019].
15
1.4. O princípio da tipicidade das fontes de relações jurídico-familiares
No âmbito do ordenamento jurídico angolano e no plano do direito português, embora
vigore a liberdade de constituir família, as fontes de relações jurídico-familiares encontram-se
vedadas pelo princípio da tipicidade ou numerus clausus, ou seja, serão somente consideradas
como verdadeiras fontes de relações familiares suscetíveis de tutela legal aquelas que estejam
previamente determinadas pela lei. Não se admitindo, com base na autonomia da vontade das
partes, a criação ou modificação das fontes de relações jurídico-familiares (artigos 7.° do CFA
e 1576.° do CCP).
Por outro lado, como anteriormente foi referido, enquanto o artigo 7.° do Código da
Família Angolano reconhece expressamente a União de Facto como uma verdadeira fonte de
relação jurídico-familiar, o artigo 1576.° do Código Civil Português assim não procede,
reconhecendo apenas o casamento, o parentesco, a afinidade e a adoção como fontes de relações
jurídicas familiares. Todavia, isto não faz com que a União de Facto, na ordem jurídica
portuguesa, deixe de merecer qualquer proteção legal, pois a tutela dos direitos e das obrigações
decorrentes da União de Facto, é feita em sede da lei n .° 7/2001.
2
Cfr. TRL (Proc. 444/09.2TCFUN.L1-A-8,), de 29-11-2012, disponível em http//www.dgsi.pt [consultado em 11
de março de 2021].
16
1.5.1. Antecedentes históricos relevantes
No âmbito da realidade social angolana, a União de Facto é tida como a forma
preferencial de constituir família, precedente ao próprio instituto do casamento (civil ou
religioso). Todavia, essa figura nem sempre foi considerada como uma verdadeira fonte de
relação jurídico-familiar em muitos países desenvolvidos, a título exemplificativo, pode
destacar-se a República Portuguesa, que, por força da influência religiosa, durante muito tempo
considerou a União de Facto como uma «união pecaminosa», porque se entendia que violava
os preceitos religiosos que impunham que a constituição da família resultasse do casamento-
sacramento.
Em Portugal, essa realidade perdurou por muito anos. Esse posicionamento mudou
alguns anos depois da laicização, que se deu com a lei da separação do Estado e das igrejas, de
20 de abril de 1911, ou seja, o poder estadual tornou-se independente do poder religioso.
Por outro lado, importa salientar que, do ponto de vista do direito positivo, a União de
Facto foi referida pela primeira vez na ordem jurídica portuguesa com a reforma de 1977 feita
ao Código Civil, nos termos do art.º 2020.°. Esta disposição normativa fez referência expressa
à União de Facto, pela primeira vez, e veio assegurar ao unido de facto sobrevivo o direito de
exigir alimentos da herança do falecido.
Alguns anos depois, em Portugal se deu a criação do primeiro diploma legal com a
finalidade de assegurar a proteção da União de Facto, a Lei n.º 135/99, de 28 de agosto. Um
aspecto a destacar deste diploma é o facto de que somente protegia as uniões heterossexuais.
Foi com a lei atual, a Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, que a proteção legal da União de Facto
deixou de ficar condicionada à heterossexualidade, ou seja, atualmente o reconhecimento legal
da União de Facto se opera independentemente do sexo dos conviventes. Vale lembrar que a
Lei n.º 7/2001 já sofreu algumas alterações (Cruz, 2019).
17
No direito positivo angolano, a União de Facto foi referida pela primeira vez na Lei n.º
7/80, de 27 de agosto , referente à adoção. Este diploma legal veio no seu artigo 5.°: tornar
legítima a adoção por parte de indivíduos de sexo oposto que vivessem em União de Facto, ou
seja, pessoas que vivessem numa situação análoga à de pessoas casadas.
No direito português, a LUF define a União de Facto no n.º 2 do artigo 1.° como sendo:
«a situação jurídica de duas pessoas que, independente do sexo, vivam em condições análogas
às dos cônjuges há mais de dois anos.»
Pode verificar-se aqui que, enquanto no âmbito do direito angolano a proteção da União
de Facto apenas tem lugar quando os sujeitos envolvidos sejam um homem e uma mulher, no
direito português, a proteção jurídica da União de Facto ocorre tanto nas uniões heterossexuais
quanto nas uniões homossexuais, não havendo lugar para qualquer discriminação em razão da
orientação sexual dos conviventes, respeitando-se, assim, o princípio da igualdade e da não
discriminação, consagrado no artigo 13.° da CRP.
No direito brasileiro, esta realidade é designada por «união estável», pelo que este
instituto se encontra consagrado nos termos do artigo 1723.° do Código Civil Brasileiro. Na
ordem jurídica brasileira, para que ocorra a tutela legal da união estável, o legislador determina
que os sujeitos sejam de sexo oposto, que haja convívio público, animus de constituir vínculo
familiar e que haja uma união com natureza estável e caráter duradouro.
18
1.5.3. Consagração constitucional da União de Facto no direito angolano
Em primeiro lugar, importa dizer que a “constituição” consiste na lei fundamental de
um determinado país, ocupando o primeiro lugar na hierarquia das fontes de direito, responsável
por estabelecer um conjunto de normas ou regras que têm por objetivo garantir a organização e
um bom funcionamento do próprio Estado. Por outro lado, a Constituição tem ainda por
finalidade limitar os poderes de atuação do Estado-governo e garantir a consagração de direitos
e deveres fundamentais dos cidadãos. Quanto às outras fontes de direito, para que sejam
eficazes, é indispensável que não sejam contrárias à Constituição, sob pena de
inconstitucionalidade e da não aplicação das mesmas.
Angola é um país formado por diversas comunidades jurídicas em que cada uma tem os seus
costumes, as suas crenças.
Esta situação deve-se ao facto de se dever tomar em consideração que nos processos de
colonização coexistiram sempre duas formas de exercício de poder: o poder central, do estado
colonizador, e o poder periférico, ou seja, o poder tradicional.
Em paralelo, em quase toda a área rural , o poder era efetivamente exercido pelas autoridades
tradicionais, de acordo com o direito costumeiro (que aplicava à resolução de conflitos regras
próprias de um direito diferente do formal, estatal).
Este processo de coexistência dos dois poderes não era homogéneo e variava de acordo com o
poder colonial existente. Após a proclamação das independências nacionais, e ao contrário do
que se esperaria, manteve-se a dicotomia poder central/estatal e poder periférico/costumeiro.
[...] A experiência mostra que a assumpção exclusiva das regras do direito formal não se adequa
à nossa realidade, razão pela qual o novo texto constitucional alterou os princípios e as regras
em que se fundavam os princípios das fontes de direito em Angola, assim é que a Constituição
19
da República de Angola, que entrou em vigor em fevereiro de 2010, fez o enquadramento
jurídico-constitucional do costume (artigo 7.° da CRA), estatuindo que «é reconhecida a
validade e a força jurídica do costume, que não seja contrária à Constituição nem atente contra
a dignidade da pessoa humana».
[...] A partir de agora, a lei deixa de ser a única fonte de direito já que o costume passa,
igualmente, a ter a mesma dignidade jurídica, salvaguarda que esteja o sistema jurídico-
continental vigente em Angola (Araújo e Nunes, 2014).
20
Outro aspecto importante a chamar-se à colação diz respeito ao facto de em muitos
meandros das comunidades angolanas, sobretudo rurais, se confundir a “União de Facto” com
a figura do “concubinato duradouro”, pelo que, antes de mencionar os pressupostos legais para
tutela da União de Facto, é importante fazer uma distinção entre essas duas figuras.
Enquanto que a União de Facto é apresentada no âmbito do direito angolano como uma
verdadeira fonte de relação jurídico-familiar, por dar lugar à coabitação (comunhão de leito,
mesa e casa) e naturalmente a uma vivência comum, o concubinato duradouro consiste apenas
na comunhão de cama. Ou seja, há aqui um modelo de relação que dá lugar ao envolvimento
sexual entre duas pessoas de modo estável, sem que, para tal, as pessoas tenham comunhão de
mesa ou partilhem da mesma casa. À partida, o concubinato pode ser entre pessoas do mesmo
sexo ou entre pessoas de sexo oposto, podendo ainda ser qualificado ou simples.
Face ao exposto, para que determinada situação de facto ou convivência marital seja
reconhecida e tutelada pelo instituto da União de Facto, deve atender-se aos seguintes
requisitos: idade núbil; o consentimento das partes no reconhecimento da União de Facto;
capacidade matrimonial; coabitação; convivência marital consecutiva durante, pelo menos, 3
anos; singularidade da união e a prova da união.
21
Ainda sobre o reconhecimento legal da União de Facto entre conviventes menores de
idade, torna-se necessária a autorização dos presentes legais aquando do reconhecimento da
união (os pais, tutores, ou as pessoas que sejam responsáveis pelos menores) [n.º 2 e 3 do artigo
24 .° do CFA]. A autorização pode ser oficiosamente suprida pelo tribunal, mediante audiência
do conselho da família, pelo que, ao conselho da família, se impõe a obrigação de emitir um
parecer, sempre que a falta de autorização não se justificar.
A vontade manifestada pelos conviventes deve ser livre, atual e feita junto de um órgão
de registo civil. Isto quer dizer que ninguém se deve ver obrigado a registar uma União de Facto
e, consequentemente, ser abrangido pelos efeitos jurídicos decorrentes do reconhecimento,
quando essa não for a sua real intenção. Sendo assim, deve ter-se em atenção, no ato do registo,
se de facto existe ou não o cruzamento entre a vontade real e a vontade declarada pelos unidos
3
O artigo 7.° da CRA reconhece o costume como fonte de direito.
22
de facto, sob pena da existência de algum vício na vontade manifestada suscetível de dar lugar
à invalidação da união.
1.5.4.4. Coabitação
A coabitação é o elemento objetivo para o reconhecimento legal da União de Facto. A
expressão coabitação deriva do latim cohabitatio e pode ser entendida como “a convivência
marital entre duas pessoas, sem a existência de vínculo matrimonial”. Pelo que, no plano
doutrinal, para que haja lugar à coabitação, precisa reunir-se cumulativamente três
pressupostos: comunhão de leito, mesa e casa. Do ponto de vista jurídico, é exigível que a
coabitação seja entre um homem e uma mulher num período sucessivo de 3 anos, para haver
lugar ao reconhecimento legal da união de facto em Angola (n.º 1 do artigo 113.° do CFA).
4
Proc. n.º 07A4317, de 12 de fevereiro de 2008.
23
Igualmente, quando capacidade matrimonial e a relação atenda ao prazo legal exigido (3 anos),
mas que, por questões profissionais, não dê lugar à comunhão de habitação.
Diferente dos dois ordenamentos jurídicos acima referidos, Portugal estabelece como
período mínimo para o reconhecimento da União de Facto, a convivência marital num prazo
mínimo de dois anos (n.º 2 do artigo 1.° da Lei n.º 7/2001 de 11 de maio).
24
1.5.4.6. Singularidade da união
No ordenamento jurídico Angolano, o reconhecimento da União de Facto fica
subordinado ao princípio da exclusividade da união, ou seja, o reconhecimento da união apenas
será possível se essa for monogâmica, isto é, um único homem com uma única mulher (n.º 1 do
artigo 113.° do CFA), não se admitindo o reconhecimento simultâneo de mais de uma União
de Facto.
Por fim, deve salientar-se que a união de facto legalmente reconhecida ou casamento
anterior não dissolvido constituem impedimentos absolutos ao reconhecimento da União de
Facto [alínea b) do artigo 25.° do CFA].
25
ser feita tanto por meio de testemunhas quanto por via documental, desde que o documento
apresentado tenha sido emitido por um órgão administrativo no lugar ou localidade em que se
pretende reconhecer a União de Facto (n.º 2 do artigo 116.° do CFA).
26
Ora, na ordem jurídica angolana, segundo dispõe os artigos 25.° e 26.° do CFA,
constituem impedimentos ao reconhecimento da União de Facto as seguintes circunstâncias:
5
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (processo n.º 04B4602), de 27-01-2005, disponível em:
http//www.dgsi.pt [Consultado em 14 de fevereiro de 2019].
27
afirmando-se pela necessidade de cuidado da pessoa, e, implicando restrições fundamentais à
capacidade civil e do desenvolvimento da personalidade, consagrado no artigo 26.° da CRP,
encontra-se sujeita ao princípio da proporcionalidade». 6
Quanto à celebração de casamento, a lei proíbe que um sujeito se case com mais de uma
pessoa (artigo 25.° do CFA), o legislador ordinário demonstra uma reprovação à poligamia e à
poliandria, tanto que estabelece, como um dos efeitos pessoais do casamento, o dever de
6
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (processo n.º 63/2000.C1), de 11-11-2014, disponível em:
http//www.dgsi.pt [Consultado em 14 de fevereiro de 2019].
28
fidelidade, cuja violação deve constitui um ilícito conjugal. Vale lembrar de que o legislador
vai mais longe, estabelecendo, no título II do Código Penal Angolano referente aos crimes
contra a família, à criminalização da bigamia (artigo 221.°), prevendo uma moldura penal que
varia de 6 meses a 2 anos de prisão, ou uma pena de multa, que vai de 60 a 360 dias.
Por conta do artigo 8.° do CFA, o parentesco pode resultar de uma relação de
consanguinidade ou por intermédio da adoção. Com a proibição do casamento ou
reconhecimento legal da União de Facto entre parentes da linha reta, o legislador pretende evitar
a propagação de atos de incesto, uma vez que este é um fenómeno que, durante séculos, é alvo
de uma forte reprovação social e jurídica.
29
proteção legal da União de Facto entre afins ou parentes da linha reta (casamento ou União de
Facto entre irmãos, pai e filho, sogro e genro, etc.), desencorajando, assim, a prática do incesto
e incentivando a constituição de família entre pessoas de grupos ou regiões diferentes.
Por fim, deve referir-se que, no que diz respeito ao reconhecimento da União de Facto
por mútuo acordo, sempre que a união atender a todos os requisitos para a sua proteção jurídica,
ou seja, sempre que os unidos de facto em comum acordo manifestarem o desejo de
reconhecerem legalmente a sua união, isto é, preenchendo cumulativamente todos os
pressupostos estabelecidos no n.º 1 do artigo 113.° do CFA e não recair sobre eles quaisquer
impedimentos matrimoniais (artigos 25.° e 26.° do CFA), impõe-se ao funcionário ou órgão do
registo civil competente pelo reconhecimento legal de uniões de facto o dever de emitir um
30
despacho de reconhecimento, caso os unidos de facto venham efetivamente a requerê-lo (artigo
118.° do CFA).
Nesta senda, a lei atribui a legitimidade para o reconhecimento da União de Facto por
via judicial aos conviventes em caso de ruptura e, em caso de morte, este direito é atribuído ao
unido de facto sobrevivo ou aos seus herdeiros, caso existam. Assim, a ação deve ser proposta
num prazo de 2 anos e reunir os requisitos legalmente estabelecidos para o seu reconhecimento
(artigos 123.° e 124.° do CFA).
Caso venha a ser proposta uma ação judicial com vista ao reconhecimento da União de
Facto, a lei impõe que o conselho da família seja ouvido aquando do reconhecimento da União
de Facto (artigo 125.° do CFA) e, caso o tribunal proceda o reconhecimento da União de Facto,
a sentença dará lugar à produção dos mesmos efeitos da dissolução do casamento, ficando ainda
a decisão do tribunal sujeita a registo (artigo 126.° do CFA ).
31
ou sobre o reconhecimento legal de uniões homoafetivas, o que nos leva a crer que existe aqui
uma margem para futuramente se atender a esta questão, isto é, consagrar legalmente normas
que admitam esta possibilidade, por conta de certos problemas jurídicos que essas uniões
suscitam, como é o caso da atribuição da casa de morada de família em caso de dissolução da
união por morte ou por vontade das partes, a questão do enriquecimento ilícito, e correlatos.
A homossexualidade constitui um fenómeno que data dos tempos mais remotos, mas
que, durante muito tempo, foi alvo de uma grande reprovação social e o ainda em determinadas
sociedades, sendo vista socialmente como uma prática intolerável e, do ponto de vista religioso,
pecaminosa. A igreja acredita que a homossexualidade é resultado de influências de maus
espíritos ou espíritos satânicos (práticas biblicamente demoníacas).
No âmbito da sociedade angolana, não se tem uma informação precisa sobre a data do
seu início, todavia, nos últimos anos essa realidade foi ganhando maior notoriedade por conta
dos média.
Por outro lado, por conta de influências culturais e dada a natureza conservadora da
população e do poder da igreja, essa é uma prática ainda repudiada e alvo de uma enorme
reprovação. Contudo, com o crescimento acelerado da comunidade LGBT em Angola, tem-se
notado uma grande pressão sobre o Estado em reconhecer certos direitos constitucionalmente
estabelecidos a esses indivíduos, como o direito à liberdade de associação, por exemplo (artigo
48.° CRA).
32
de Facto mediante uma comunhão plena de vida (comunhão de cama, mesa e habitação). Ora,
disso decorre a questão sobre como o direito da família angolano protege essas uniões
homossexuais, uma vez que legalmente não se admite o seu reconhecimento.
Dada esta lacuna, entende-se que, antes mesmo de uma possível revisão do Código da
Família Angolano, caso esse tipo de questão seja levada a juízo, podia aplicar-se similarmente
a lei da União de Facto para efeitos de partilha de bens e de outros direitos/deveres resultantes
da constância da união, face à similitude das situações, isto é, conforme o posicionamento da
jurisprudência.
A falta de disposições legais sobre a proteção da União de Facto entre pessoas do mesmo
sexo, e face aos problemas que essa inexistência jurídica tem gerado, faz nascer a necessidade
de o legislador ordinário semelhante ao que ocorre na ordem jurídica portuguesa atender a esta
nova dinâmica social, mediante uma reforma do atual código da família, porque, como
anteriormente foi mencionado, o instituto da família não é estático, tem caráter mutável e ao
direito se impõe o dever de assegurar ou atender aos novos desafios que possam vir a ter lugar,
porque o direito foi criando para trabalhar a favor das pessoas, e não o inverso.
● Artigo 1.°:
33
● Artigo 2.° (Estado Democrático de Direito):
Sendo assim , importa esmiuçar um pouco sobre cada um dos princípios acima referidos,
nomeadamente o da dignidade da pessoa humana, liberdade e o da igualdade, pelo que, mais
adiante, se fará uma análise individual de cada um deles. Para já, alguns autores entendem que
o fundamento para a proteção da união de facto entre homossexuais resulta do direito ao
desenvolvimento pessoal. O princípio do Estado de Direito é uma realidade histórico-cultural e
normativa que se define na CRA (2010) por um conjunto de elementos, a saber:
(i) «[a] submissão do Estado ao Direito (ou primado do Direito), a começar pelo respeito
devido à “referência cimeira” da dignidade da pessoa humana [artigos 1.° e 236.°,
alínea a), da CRA], a passar pela submissão à Constituição (artigos 2.°, n.º 1, 6.° e
226n.°) e à lei (artigos 2.º, n.º 1, e 6.°) e ainda pelo respeito pelos princípios
fundamentais do Direito, que se desenvolvem especialmente nos princípios da
igualdade, da proibição do arbítrio, da proporcionalidade, da segurança jurídica e da
protecção da confiança (artigos 2.°, 6.°, 23.°, 57.°);
(ii) o respeito e a protecção dos direitos e liberdades fundamentais do homem [artigos 2.°,
n.º 2, 21.°, alínea b), 22.° e seguintes, 56.° e 236.°, alíneas a), e) e g)];
(iii) a independência dos tribunais [artigos 175.° e 236.°, alínea i)];
(iv) enfim, o carácter necessariamente limitado do poder do Estado, de onde decorre
designadamente o princípio da separação e interdependência de poderes [artigos 2.°,
105.°, n.º 3, e 2n36.°, alínea j] (Alexandrino, 2013).
34
CAPÍTULO II – METODOLOGIA
35
Para a selecção da amostra, optou-se pelo critério casual simples. Para uma ideia mais
precisa, dentro de um semestre, foram inquiridos 100 munícipes de Malanje sobre o tema em
análise.
1.º M 40 40%
2.º F 60 60%
1.º 23 – 43 27 27 %
2.º 44 – 64 60 60 %
36
3.º 65 Em 13 13 %
diante.
Quanto ao estado civil, 30 participantes, correspondentes a 30%, são casados, 11, 11%,
são solteiros, 9, 9%, vivem em União de Facto reconhecida e, por último, 50 participantes, que
correspondem a 50%, vivem em União de Facto não reconhecida, como abaixo se representa.
1.º Casado 30 30 %
2.º Solteiro 11 11 %
37
Tabela 4: Nível académico
5.º Iletrados 4 4%
Tabela 5: Residência
1.º Camoma 7 7%
2.º Cahala 7 7%
4.º Cangambo 7 7%
38
6.º Kizanga 20 20%
8.º Maxinde 7 7%
Munícipes 100
Total 100
Neste capítulo, Metodologia, foi feita uma abordagem específica sobre os métodos de
pesquisa utilizados na obtenção dos dados para a presente investigação e os principais
resultados do trabalho. A amostra é composta por 100 habitantes, para uma população composta
por 569 474 munícipes. Quanto ao instrumento de recolha de dados, recorreu-se à
entrevista/questionário. Depois de recolhidos, os dados foram interpretados, analisados e
submetidos aos resultados da pesquisa no último capítulo.
40
CAPÍTULO III – PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DA UNIÃO DE
FACTO
Sendo assim, o Estado deve assegurar o respeito, na sua acepção mais ampla, e uma
vida digna a todos os cidadãos. Pode mencionar-se, aqui, a título exemplificativo, o respeito
pelo direito à identidade pessoal, o qual se fundamenta na proteção da dignidade humana. O
direito identidade pessoal é um direito de personalidade, que consiste na autoconsciência, ou
seja, na forma singular como cada indivíduo olha para si e como concebe a sociedade, sendo
caracterizado como um direito imprescritível de conhecer a sua origem, essência, etc.
(consagrado no artigo 32.º da CRA, 2010). Outro exemplo é o do direito a constituir família,
previsto no artigo 35.º da CRA (idem).
O direito a constituir família, previsto no artigo 35.° CRA, deve ser entendido numa
perspectiva mais abrangente, como defendem alguns autores, e não se limitar apenas às relações
heterossexuais, ou seja, deve consistir na faculdade de formar vínculos familiares sem qualquer
41
discriminação, quer a família se funda no casamento quer na União de Facto,
independentemente da orientação sexual das partes, como sucede no direito português7.
No que concerne à dignidade, segundo Kant (1986) diz que «quando uma coisa tem
preço pode-se pôr em vez dela qualquer outra equivalente; mas quando uma coisa está acima
de todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então, tem ela dignidade». Seguindo a
lógica de Kant, deve olhar-se para a dignidade como um valor insuscetível de avaliação
económica, o quer dizer que não pode ser comprada ou vendida.
7
Lei n.º 9/2010 de 30 de maio, que veio permitir o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, e o artigo 1.º n.º
2 da Lei n.º 7/2001, que veio tornar possível a proteção legal da União de Facto, independentemente da orientação
sexual dos unidos de facto.
42
A proibição da não-discriminação no direito angolano encontra-se plasmada nos termos
do n.º 2 do artigo 23.° da CRA (2010). A título exemplificativo, descrevem-se as seguintes
possíveis motivações de práticas discriminatórias: sexo, cor, deficiência, raça, língua, local de
nascimento, etnia, convicções políticas, filosóficas ou ideológicas, condição económica, social
ou profissão e o grau de instrução.
Quanto à orientação sexual, Eder refere-a como: «[...] à capacidade que cada pessoa
possui para uma profunda atração emocional, afetiva e sexual, incluindo relações íntimas e
sexuais, por indivíduos do mesmo género, de género diferente ou de mais de um género8».
8
Definição de orientação sexual, Eder (2015), apud, Rocha (2018, p. 12), disponível em http//comum.rcaap.pt
[Consultado em 25 de fevereiro 2019].
43
3.3. O princípio da não discriminação em virtude da orientação sexual
O princípio da igualdade e da não-discriminação são dois princípios estruturantes dos
direitos humanos, diretamente ligados ao princípio da dignidade da pessoa humana, plasmados
na DUDH, na Carta das Nações Unidas e, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.
Estes diplomas são responsáveis por assegurar a igualdade de direitos e deveres, bem como,
proibições de violações de direitos humanos e quaisquer práticas discriminatórias.
Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas começou a dar maior atenção à
expressão orientação sexual ou identidade de género, sob a perspectiva dos direitos humanos,
apenas em 28 de junho de 2011, quando acolheu, pela primeira vez, a resolução 17/19 acerca
dos direitos humanos, embora já tivesse sido referida nos media em épocas mais recuadas na
história do Direito.
A discriminação ocorre quando você é tratado de forma menos favorável do que outra pessoa
em uma situação semelhante e este tratamento não pode ser objetiva e razoavelmente justificado.
A discriminação também pode ocorrer se você estiver em desvantagem por ser tratado da mesma
forma que outra pessoa quando as circunstâncias forem diferentes (por exemplo, se você estiver
incapacitado ou estiver grávida.9
9
Article 14: Protection from discrimination, disponível em https//www.equalityhumanrights.com [Consultado em
27 de fevereiro de 2019].
44
Portanto, o princípio da não discriminação em virtude da orientação sexual consistirá
numa das formas ou modalidades de proibição de discriminação, que tem por finalidade evitar
o tratamento desigual ou desfavorável por conta da opção sexual ou identidade de género dos
indivíduos, quando a lei impõe um tratamento igual a todos os que se encontrem naquela
situação.
45
autores apresentam o direito à autoafirmação como uma das facetas do direito ao
desenvolvimento da personalidade assegurado pelo artigo 26.° da CRP.
Só para uma nota que se impõe neste domínio, países como o Irão, Sudão, Arábia
Saudita, etc. criminalizam a homossexualidade, prevendo a pena de morte10 para os agentes
desse tipo de crime, apesar de, no âmbito dos direitos humanos, a pena de morte constituir uma
violação grave dos direitos humanos, pois se acredita que o direito à vida é um direito supremo,
inviolável, indisponível, o qual todos os Estados são obrigados a respeitá-lo. Quanto ao
funcionamento da proibição da aplicação da pena de morte, importa referir que essa proibição
é fruto das limitações estabelecidas pelo princípio da humanidade das penas e da própria
dignidade da pessoa humana, que proíbem a existência de penas que ponham em causa a vida
e demais garantias a ela inerentes.
10
«Muitos avanços têm sido inequivocamente registados na luta pelos direitos dos homossexuais. Mas, segundo o
relatório anual da ILGA, em 72 países, ser homossexual ainda é um crime punido por lei. Em oito, a pena é de
morte» (David Silverman, Jornal Visão, disponível em http//www.visão.sapo.pt [Consultado em 3 de março de
2019]).
46
junto de outro indivíduo, de dar lugar à constituição de família conforme as suas convicções
pessoais (por casamento ou União de Facto).
Segundo a lógica de Kant, pode concluir-se que todo o indivíduo, por força da sua
natureza racional e por conta da autonomia da vontade, dispõe da faculdade de auto-regular a
sua vida, porém, deve subordinar as suas ações aos imperativos categóricos objetivos e aos
valores morais.
Com base nos princípios aqui enunciados, entende-se, aqui, que não é proporcional,
necessária e adequada a restrição do direito de constituir família através da União de Facto por
homossexuais sob o pretexto de esta prática ser socialmente imoral e ir contra as tradições ou
costumes angolanos.
47
CAPÍTULO IV– EFEITOS JURÍDICOS DA UNIÃO DE FACTO E O
DIREITO DOS FILHOS NASCIDOS NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO
A União de Facto enquanto fonte de relação jurídico-familiar pode dar lugar a duas
categorias de efeitos jurídicos: por um lado, os efeitos jurídicos pessoais e, por outro, os efeitos
jurídicos de natureza patrimonial.
Vem este capítulo propósito da análise de alguns dos efeitos jurídicos da União de Facto
legalmente reconhecida e alguns direitos dos filhos nascidos na constância da união.
48
48.° do CFA. O referido artigo 43.° do CFA prevê os seguintes deveres recíprocos entre os
conviventes: o dever de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência.
Não seria demais referir a óbvia constatação segundo a qual, no seio da comunidade e
do direito angolano, nem sempre vigorou o princípio da igualdade entre os unidos de facto
(marido e mulher), pois no ponto de vista familiar, durante muito tempo, a mulher estava
subordinada às ordens do marido, ou seja, o marido detinha poderes sobre a esfera pessoal e
patrimonial da mulher.
Deve realçar-se, ainda, que muitos indivíduos optam pela constituição de família com
recurso à União de Facto, exatamente porque não se querem ver abrangidos por essas
obrigações. Por outro turno, naturalmente, os unidos de facto podem pautar as suas relações
com base nos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência.
49
concretização do respeito pelo direito à dignidade da pessoa dos cônjuges e dos unidos de facto,
enquanto direito fundamental constitucionalmente reconhecido a todos os indivíduos.
O dever de respeito é um dever ao mesmo tempo negativo e positivo. Como dever negativo, ele
é, em primeiro lugar, o dever que incumbe a cada um dos cônjuges de não ofender a integridade
física ou moral do outro, compreendendo-se na “integridade moral” todos os bens ou valores da
personalidade: a honra, a consideração social, o amor próprio, a sensibilidade e ainda a
susceptibilidade pessoal. Infringe o dever de respeito o cônjuge que maltrata ou injuria o outro.
Mas, o dever de respeito como dever de non facere é ainda, em segundo lugar, o dever de cada
um dos cônjuges não se conduzir na vida de forma indigna, desonrosa e que o faça desmerecer
no conceito público.
Embora não dirigidas diretamente ao outro cônjuge, a relevância destas injúrias funda-
se na ideia segundo a qual o casal é uma “unidade moral”, de tal modo que a dignidade, a honra
e a reputação de um dos cônjuges são ao, mesmo tempo, a dignidade, a honra e a reputação do
outro. Dir-se-á que o dever de respeito como dever negativo é, também, o dever de não praticar
actos ou adoptar comportamentos que constituam “injúrias indiretas”. Se um dos cônjuges se
11
«Respeitar o outro cônjuge é, antes de mais, não lesar a sua integridade física ou moral, nem ofender os seus
direitos individuais, os direitos conjugais que a lei lhe atribui e os seus interesses legítimos». – Acórdão do Tribunal
da Relação de Coimbra (Processo n.º 844/07.2TBCNT.C1), de 03-11-2009, disponível em www.dgsi.pt
[Consultado em 14 de março de 2019].
50
embriaga ou se droga com frequência, ou comete um crime infamante, está a violar o seu dever
de respeito ao outro cônjuge12.
12
Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (proc. n.º 844/07.22TBCNT.C1), de 03-11-2009.
13
Comunhão de leito “[...] Neste aspeto, o casamento obriga os cônjuges ao chamado “débito conjugal”. Já́ se viu
aqui que o casamento implica uma limitação lícita do direito à liberdade sexual, no duplo sentido de que a pessoa
casada fica obrigada a ter relações sexuais com o seu cônjuge e a não ter essas relações com terceiros” (Coelho e
Oliveira (2016, p.413)
51
4.1.4. Dever de cooperação e assistência
Quanto a esta obrigação, o artigo 45.° do CFA determina que o «dever de cooperação e
assistência importa para os cônjuges a participação solidária em todos os actos de vida familiar,
a contribuição para os encargos de vida familiar e a comparticipação nos trabalhos domésticos»
(artigo 45.° do CFA). Por conta desta norma, chega-se à conclusão de que, semelhante ao que
ocorre na relação matrimonial, os unidos de facto são legalmente obrigados a prestarem auxílio
mútuo, mediante a participação recíproca na vida um do outro, sempre que se mostrar
necessário (apoio emocional, económico, etc.).
Sendo assim, para uma boa harmonia familiar, é necessário que o casal de comum
acordo define estratégias que visem levar a bom porto a direção da família, através da repartição
das tarefas domésticas, despesas necessárias à sustentabilidade da vida familiar (encargos com
a alimentação, saúde, escola dos filhos, energia, água, etc.). Pois, para Coelho e Oliveira (2016):
Não se trata agora de cada um ajudar o outro. Trata-se de que a família é obra dos dois e ambos
devem assumir em conjunto as inerentes responsabilidades. Assim, o cônjuge que mostra um
absoluto desinteresse pela saúde e pela educação dos filhos não infringe apenas um dever em
relação a estes, mas também um dever em relação ao outro cônjuge, o dever de assumir em
conjunto com o outro as responsabilidades inerentes à vida familiar.
52
ligadas à administração de bens do casal, a alienação ou oneração de bens, a matéria sobre
responsabilidade por dívidas, etc..
Dada a amplitude da matéria ligada aos efeitos patrimoniais, limitar-se-á, aqui, proceder
à exploração de alguns aspectos importantes sobre o entendimento jurídico referente ao regime
de separação de bens e de comunhão de adquiridos. Mas, não antes de tecer algumas
considerações sobre os efeitos jurídico-patrimoniais da União de Facto, tutelada no
ordenamento jurídico português.
Para alguns autores, a falta da previsão legal de regimes de bens na ordem jurídica
portuguesa no instituto da União de Facto resulta do facto de esses efeitos constituírem
características próprias e exclusivas do casamento, e pelo facto de muitos indivíduos recorrem
à União de Facto exatamente porque se querem ver livres dessas imposições. Porém, a LUF
reconhece alguns efeitos patrimoniais, como é o caso da proteção da casa de morada de família
em caso de dissolução da união, quer por morte, quer por ruptura (artigo 4.° e 5.° da LUF).
Mais adiante, abordar-se-á sobre este aspecto com mais pormenores, quando se falar sobre a
proteção da casa de morada de família, enquanto um efeito patrimonial da União de Facto.
53
unidos de facto, as pensões de que estes sejam titulares, os frutos ou acervos patrimoniais
estáveis que estes recebam, etc..
Diante disso, uma questão se impõe: o que acontece com os bens próprios dos
conviventes, anteriores à constituição ou reconhecimento da União de Facto? A isto se responde
que esses continuarão a ser próprios, ou seja, o convivente mantém a titularidade sobre o bem
ou direito. Sobre isso, pode ler-se o artigo 52.° do CFA, que dispõe o seguinte:
a) os bens móveis e imóveis e os direitos que cada um deles tiver antes do casamento;
b) os bens e direitos adquiridos por cada um dos cônjuges, durante o casamento, a título gratuito
e os sub-rogados no lugar dos bens próprios;
Por outro lado, quando surjam dúvidas sobre a titularidade de certa coisa móvel ou
coisas móveis, presume-se que estas pertençam a ambos (aos unidos de facto) no regime de
compropriedade, conforme dispõe o n.º 2 do artigo 53.° do CFA. O regime da compropriedade
encontra-se previsto no 1404.° e seguintes do CCA. Quanto à sua noção, o artigo 1403.° dispõe
o seguinte:
54
ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na
falta de indicação em contrário do título constitutivo.
No regime de separação de bens, inexistem bens comuns dos cônjuges mas, apenas, bens em
compropriedade, sendo configurável a existência de um mandato tácito para enquadrar as
hipóteses em que um dos cônjuges adquire bens em nome próprio mas com dinheiro que é
também do outro, atento o facto de a comunhão de vida implicar realizações econômicas
conjuntas.14
14
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (processo n.º 3/11.0TBOHP.C1.S2), de 14-04-2015, disponível em
www.dgsi.pt [Consultado em 20 de março de 2019].
55
4.3. Direito dos filhos nascidos na União de Facto e as responsabilidades
parentais
O direito dos filhos e as responsabilidades parentais são questões que se inserem no
âmbito do instituto da filiação, assegurado pelo artigo 35.° da CRA e pelos artigos 127.° e 196.°
do CFA. Medina (2013, p.100) define o instituto jurídico da filiação como: «o conjunto de
normas que estabelece essa relação específica entre pais e filhos, bem como as que definem os
direitos e deveres recíprocos entre uns e outros».
Por exemplo, quanto ao direito sucessório, muitos indivíduos ainda acreditam que, no
que toca à sucessão necessária (herdeiros legítimo), os filhos nascidos no casamento merecem
uma percentagem superior da quota legítima em relação aos filhos nascidos fora do casamento,
por exemplo, os filhos nascidos na União de Facto, mesmo que não reconhecida ou no
concubinato. É, provavelmente, face a isso que Medina (2013) observa que o conceito de
filiação como é visto hoje não é o que existia anteriormente e que contrapunha os filhos
legítimos (que advinham do casamento dos pais) aos filhos ilegítimos ou filhos naturais, que
são muitas vezes considerados como filhos nascidos do pecado.
Sendo assim, por conta dessas práticas discriminatórias entre os filhos nascidos na
constância do matrimónio e aqueles fruto de relações extraconjugais, e não só o legislador
56
constitucional angolano, como forma de pôr fim a esses males veio assegurar o princípio da
igualdade dos filhos, quer em termos de direitos ou deveres, quer em termos de tratamento,
proibindo a discriminação entre estes (n.º 5 do artigo 35.° da CRA).
Fora a norma constitucional prevista no artigo 35.° n.º 5, o princípio da igualdade dos
filhos é assegurado e concretizado pelo artigo 128.° do CFA, esta norma para além de
estabelecer a igualdade de direitos entre os filhos, determina a sujeição destes às mesmas
obrigações perante os progenitores. Isto quer dizer que, sempre que dois filhos,
independentemente do tipo de modo de constituição de família que deu origem ao seu
nascimento, se encontrarem numa situação em que a lei determine o tratamento igual, ninguém
deverá ser prejudicado ou beneficiado por nascer do casamento, União de Facto reconhecida
ou concubinato, cabendo ao aplicador da lei dar o devido tratamento a ambos, abstendo-se de
práticas discriminatórias, quer por meio da utilização de adjetivos discriminatórias, quer através
de práticas que coloquem um em vantagem ou desvantagem, com base nos fundamentos aqui
enunciados.
Portanto, a partir do n.º 5 do artigo 35.° da CRA, chega-se à conclusão de que os filhos
nascidos na União de Facto são titulares dos mesmos direitos e deveres que os filhos nascidos
em qualquer outro modelo de relação familiar e que, por isso, os seus interesses devem ser
assegurados de modo igual e justo, ou seja, todos os filhos terão o mesmo direito ao nome, à
prestação de alimentos, à educação, à saúde, direito sucessório, etc.
57
devem adotar condutas ou tomar decisões que ponham em causa os interesses dos filhos ou lhes
sejam desvantajosas (n.º 2 do artigo 127.° do CFA).
A autoridade paternal deve ser desempenhada pelos dois, sendo ambos responsáveis por
garantir a criação e a transmissão de valores éticos, morais e sociais para os filhos , garantir que
estes disponham de condições necessárias para que possam ter um processo de instrução
adequado e, naturalmente, uma formação profissional que permita uma integração cabal no
mundo do emprego. Em suma, os pais devem, no domínio das suas possibilidades, permitir que
os filhos possam ter ao seu dispor meios que possibilitem uma formação pessoal e profissional
que lhes assegure a melhor integração social (artigo 130.° do CFA).
Por fim, no que concerne à duração do exercício paternal, este dever extinguir-se,
quando os filhos atingem a maioridade, com a morte do pai ou da mãe ou com a adoção do filho
(artigo 134.° do CFA). Todavia, alguns autores apresentam a emancipação como uma das
causas possíveis para a cessação do exercício do poder paternal, mas, na prática, a duração do
exercício paternal vai depender dos valores particulares de cada família.
58
CAPÍTULO V – O PAPEL DO ESTADO NA PROTEÇÃO DA UNIÃO DE
FACTO
Por outro lado, as crianças, os adolescentes e os jovens devem merecer uma maior
atenção por parte da família, do Estado e da própria sociedade, no sentido de lhes serem
garantidos alguns dos direitos fundamentais capazes de assegurar uma melhor realização
pessoal, ou seja, deve ser-lhes devidamente assegurado o direito à educação, saúde, a
assistência, entre outros direitos económicos, sociais e culturais aptos a garantir o seu pleno
desenvolvimento pessoal (n.º 6, 7 do artigo 35.° da CRA).
Para Araújo e Nunes (2014), o artigo 35.° da CRA, quando prevê o dever jurídico de o
Estado assegurar a proteção da família (olhando, em particular, para a União de Facto), encontra
o fundamento para essa proteção no caráter essencial que essa representa para sociedade. Assim
sendo, a proteção da família pelo Estado, na ótica destes autores passará:
a) pela criação de leis, com vista a regulação das relações familiares (casamento ou
União de Facto) na sua constância ou em caso de dissolução;
b) pela criação de políticas públicas que garantam maior acessibilidade ao saneamento
básico (educação, saúde, etc.) a famílias em condições económicas difíceis (famílias
mais carenciadas);
c) pela criação de políticas públicas que desencorajem a violência doméstica no seio
das famílias e, naturalmente, responsabilizem criminalmente aqueles que optem por
praticá-la;
d) pela proteção de crianças, jovens e idosos, em suma, criando mecanismos que
garantam uma melhor concretização do respeito pela dignidade da pessoa humana.
59
Na perspectiva de Medina, a intervenção do Estado no domínio das relações familiares
no sentido de assegurar a sua proteção é resultado da existência de valores familiares, aos quais,
dada a relevância, o Estado não se deve mostrar indiferente, cuja proteção deve assegurar,
consequentemente. São exemplo de intervenções necessárias por parte do Estado:
Uma das principais finalidades da proteção da família (em particular, a União de Facto)
pelo Estado consiste em evitar a degradação das instituições familiares, pelo que este se vê
obrigado a criar mecanismos que salvaguardam o equilíbrio e harmonia entre os membros da
família (Medina, 2013, pp. 29-30). A violência doméstica tem sido apontada como um dos
principais responsáveis pela degradação familiar (entre unidos de facto, ou a violência de pais
contra os filhos), como anteriormente foi referido.
Este diploma legal estabelece as suas finalidades, nos termos do artigo 1.°:
Nos termos do artigo 3.° da lei supracitada, «(...), entende-se por violência doméstica,
toda a ação ou omissão que cause lesão ou deformação física e dano psicológico temporário ou
permanente que atente contra a pessoa humana no âmbito das relações presentes no artigo
anterior».
60
Por fim, no que diz respeito às modalidades de violência doméstica, o n.º 2 do artigo 3.°
da Lei Contra a Violência Doméstica prevê as seguintes formas de violência: a violência sexual,
violência patrimonial, violência psicológica, violência verbal, violência física e o abandono
familiar.
Quanto ao papel da mulher no plano familiar, deve dizer-se, aqui, que, atualmente, o
Estado lhe garante especial proteção enquanto membro da família e da sociedade, mediante a
consagração da igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, quer no domínio
familiar, quer no domínio social (n.º 3 do artigo 35.° da CRA), diferentemente de outros
períodos em que a mulher era vista como um ser inferior ao homem, desprovida de poder
decisório sobre as questões respeitantes à família e totalmente submissa às ordens do marido.
Ainda no que toca à relação entre pais e filhos, o pai e a mãe possuem os mesmos
direitos e, consequentemente, as mesmas obrigações, ao contrário da velha ideia de que apenas
o pai tinha autoridade sobre os filhos e que apenas ele era responsável por empreender esforços
para garantir a sua sustentabilidade, enquanto a mãe cuidava da casa. Atualmente, quer o pai,
quer a mãe são ambos responsáveis por garantir cumprimento das responsabilidades parentais
e, no exercício dessas funções, devem ter em atenção a preservação devida dos interesses das
crianças (artigo 127.° do CFA).
15
Segundo o artigo 1.° da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, criança é «todo o ser
humano com idade inferior a dezoito anos, a não ser que, de acordo com a lei aplicável à criança, a maioridade
seja alcançada antes». – Resolução 44/25 de 20 de novembro, referente à Convenção sobre os Direitos da Criança.
Disponível em www.ohchr.org [Consultada em 19 de abril de 2019].
61
Refira-se, ainda, que, no tocante à proteção da mulher e ao reconhecimento da igualdade
de direitos entre homens e mulheres, o Estado angolano ratificou a Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, de 1981, mediante a
resolução AN15/8419, de 17 de setembro de 1984. No artigo 1.° desta resolução, a expressão
“discriminação contra a mulher” quer dizer:
[...] qualquer distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo que tem como efeito ou como
objetivo comprometer ou destruir o reconhecimento, o gozo ou exercício pelas mulheres, seja
qual for o seu Estado civil, com base na igualdade dos homens e das mulheres, dos direitos do
homem e das liberdades fundamentais nos domínios político, económico, social, cultural e civil
ou em qualquer outro domínio.16
16
Resolução AN15/8419, de 17 setembro de 1984, disponível em www.servicos.minjuisdh.gov.ao [Consultado
em 25 de abril de 2019].
62
Como se pode aferir, nos termos do n.º 1 do artigo 113.° do CFA, para que a União de
Facto venha a merecer especial proteção do Estado através das suas instituições, é indispensável
que atenda a certos pressupostos fundamentais, como é o caso da capacidade matrimonial, o
decurso do prazo de 3 anos seguidos de convivência marital, a singularidade da união, etc..
Nesta ordem de ideias, uma União de Facto que não possa ser reconhecida é aquela que,
embora dê lugar a uma convivência marital, não reúne todos os pressupostos que a lei impõe
para que ocorra o seu reconhecimento, como é o caso da União de Facto entre homossexuais,
pois, segundo o conceito de União de Facto, apresentado pelo artigo 112.° do CFA, é apenas
suscetível de reconhecimento legal a União de Facto entre um homem e mulher. Pode tomar-
se, ainda, por exemplo o caso de demência notória por parte de um dos unidos de facto, entre
outros impedimentos legais.
Quanto ao tratamento jurídico da União de Facto que não atenda aos requisitos legais,
segundo dispõe o n.º 2 do artigo 113.° do CFA, deve ser salvaguardada pela ordem jurídica,
sempre que se enquadrar nos casos previstos no Código da Família, ou quando ocorra o
enriquecimento ilícito, isto é, ao abrigo das normas gerais da lei civil (artigo 473.° e seguintes).
Porém, excepcionalmente, a lei admite que esta dê lugar à produção de alguns efeitos
jurídicos de natureza patrimonial, mas apenas quando se esteja ao abrigo de uma das situações
previstas no n.º 2 do artigo 113.° do CFA (caso de enriquecimento ilícito, ou dúvida sobre a
titularidade de um bem adquirido na constância da vida marital, etc.), ou seja, esta norma tem
por finalidade garantir a restituição de bens adquiridos ilicitamente na constância da união por
uns dos conviventes a custa do outro (empobrecido), assegurar uma justa partilha dos bens
comuns adquiridos na constância da união, na determinação do destino da casa de morada de
família em caso de ruptura. Mais adiante, abordar-se-ão alguns aspectos ligados ao destino da
casa de morada de família em caso de dissolução da união.
63
Do ponto de vista da jurisprudência, o disposto no n.º 2 do artigo 113.° do CFA remete
para a ideia de que «terminada a União de Facto por ruptura, os unidos de facto têm direito a
participar na liquidação do património adquirido pelo esforço comum», os tribunais e a doutrina
têm sugerido, ainda, duas outras hipóteses para a resolução das uniões de factos abrangidas por
essa norma, nomeadamente o recurso ao regime da compropriedade e o regime da sociedade de
facto ou irregulares e, para efeitos da partilha dos bens comuns adquiridos na constância da
união, é necessário que se faça prova da natureza comum do património, ou seja, é necessário
que seja efetivamente provado que o património pertence a ambos (Acórdão da Câmara do
Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro – processo n.º 1623/10).
Por fim, Medina (2013, pp. 362-364) afirma, ainda, que, em bom rigor, até a União de
Facto que não reúna todos os pressupostos impostos por lei pode dar lugar ao reconhecimento
legal, porém, esse reconhecimento não permite a produção plena de todos os efeitos jurídicos
da união de facto que se subsome nos termos do n.º 1 do artigo 113.° do CFA, o que quer dizer
que este reconhecimento se limita a dar lugar à produção dos efeitos jurídicos estabelecidos no
n.º 2 do artigo 113.° do CFA (para efeitos de partilha de bens e para atribuição do direito à
residência comum dos unidos de facto) e, igualmente, para as questões ligadas à presunção de
paternidade, b) do artigo 168.° do CFA).
64
Segundo Medina (2013), este é um órgão cuja criação teve como ponto de partida ou
inspiração às tradições familiares angolanas, concretamente a questão das sentadas ou reuniões
familiares. Nesse Modelo de reuniões, as pessoas mais velhas da família e vistas como mais
idóneas emitem opiniões sobre certos problemas que lhes são apresentados, isto é, no seio
familiar, com vista uma resolução pacífica e tornar possível a conciliação dos membros da
família envolvidos no problema. Para Medina (idem), «ao atribuir ao Conselho de Família tal
importância teve-se em mente a realidade social subjacente à sociedade tradicional angolana».
Quanto à constituição do Conselho de Família, por conta do artigo 17.° do CFA, este
órgão deve ser composto por quatro indivíduos. Esta representação é baseada numa
representação equitativa das partes (tanto podem ser parentes, cônjuges ou unidos de facto,
afins, amigos ou vizinhos próximos às partes litigantes), não devendo os membros deste órgão
ter algum interesse directo no caso submetido à tribunal e, tendo em vista uma melhor
administração da justiça, tem-se defendido que os membros do conselho devem agir com
imparcialidade e pautados pela boa fé.
Por outro lado, a indicação dos membros do Conselho é da competência das partes
litigantes (cada parte designa dois membros) ou pode resultar da iniciativa oficiosa do tribunal,
caso essas não façam as devidas indicações, existe ainda a possibilidade da substituição dos
membros do Conselho se se demonstrar ser fundamental (art. 18.° do CFA).
Por fim, não tendo o parecer do conselho da família natureza vinculativa, o tribunal pode
decidir não acatá-lo, pois, do ponto de vista processual, a decisão do juiz deve ser consequência
das suas convicções pessoais e da apreciação feita às provas obtidas em tribunal, tendo sempre
como fim último a descoberta da verdade material e a realização da justiça. Em caso de recusa
da adoção do parecer emitido pelo Conselho de família, é, certamente, necessário que se
fundamente.
65
5.4. Dissolução da União de Facto
A constituição da União de Facto não obedece a qualquer ato solene ou qualquer
formalismo, podendo a qualquer momento dois indivíduos darem início a uma convivência
marital. Entretanto, para que a união venha a merecer proteção legal, é indispensável a
realização do seu reconhecimento, isto é, sempre que preencher todos os pressupostos legais.
O seu reconhecimento é da competência de uma instituição de registo civil da área de residência
dos conviventes ou unidos de facto (artigo 115.° do CFA).
Por outro lado, do mesmo modo que os indivíduos dispõem da autonomia da vontade
para dar início a uma vida marital ou União de Facto (direito de constituir família, artigo 35.°
da CRA) e a reconhecer legalmente, o Estado lhes garante igualmente a faculdade de pôr fim a
esta união, sempre que manifestem este interesse, pois a manutenção de uma União de Facto
forçada pelo Estado, certamente, poria em causa o direito à liberdade dos indivíduos (cf. artigo
36.° da CRA) e o seu direito à dignidade, de um modo geral.
Quando se fala, aqui, em dissolução da União de Facto, faz-se referência a uma figura
jurídica que torna possível o rompimento ou extinção da União de Facto legalmente
reconhecida, a qual, consequentemente, faz cessar os efeitos jurídicos oriundos do
reconhecimento.
O ordenamento jurídico angolano confere aos unidos de facto o direito de pôr fim à
união legalmente reconhecida, sempre que se mostrar insustentável a manutenção deste vínculo,
por já ter atingido um nível de deterioração insuscetível de reparação ou por não mais fazer
sentido a continuidade da união para os unidos de facto.
Os unidos de facto podem pôr termo ao vínculo familiar a qualquer momento. Tratando-
se de união legalmente reconhecida, a lei exige a apresentação de um requerimento junto da
instituição de registo civil competente, manifestando a vontade da dissolução da União de Facto
(artigo 26.°, n.º 1 do Decreto Presidencial n.º 36/15 de 30 de janeiro). Face a isso, importa
mencionar que o Decreto Presidencial 36/15 prevê, no n.º 2 do artigo 26.°, a possibilidade da
aplicação subsidiária das normas referentes à dissolução do casamento sempre que necessário.
66
Já no plano do direito português, a dissolução da União de Facto pode revestir-se de três
modalidades, como se pode aferir nos termos do artigo 8.° da Lei n.º 7/2001, que dispõe o
seguinte:
3. A declaração judicial de dissolução da União de Facto deve ser proferida na acção mediante
a qual o interessado pretende exercer direitos dependentes da dissolução da União de Facto, ou
em acção que siga o regime processual das acções de estado».
Sendo assim, aplicando-se de forma análoga o artigo 74.° do CFA, a morte de um dos
membros da união é tida como uma das causas para extinção do vínculo marital, sendo a morte
«a cessação irreversível das funções do tronco cerebral», nos termos do artigo 2.° da Lei n.º
141/99, de 28 de agosto. Nesta modalidade de dissolução da União de Facto, a extinção do
vínculo familiar é, à partida, alheia à vontade das partes, tratando-se de morte natural.
67
Nesta modalidade de dissolução da União de Facto, valoriza-se o elemento volitivo
(elemento subjetivo), ou seja, a extinção da convivência marital não resulta do fenômeno morte,
mas sim da vontade de um ou de ambos conviventes, sempre que a relação já não tenha remédio.
Por fim, a dissolução da União de Facto, quer resulte de morte, quer de ruptura faz cessar
os efeitos jurídicos inerentes ao reconhecimento e, naturalmente, pode dar lugar ao nascimento
de outros, por exemplo, quanto às questões de partilha de bens, à questão da proteção do unido
de facto, quanto à casa de morada de família e à obrigação da prestação de alimentos entre
unidos de facto em caso de ruptura.
Quanto à importância do direito à habitação na vida das famílias, sabe-se que, para uma
perfeita realização da família (unidos de facto e os seus descendentes), é necessário que esses
disponham de uma casa, também, designada por residência comum ou casa de morada de
família. Vale lembrar, ainda, que para que ocorra o reconhecimento legal da União de Facto,
ou para que determinada união se insira no âmbito da União de Facto, um dos pressupostos
apontados pela doutrina e pela jurisprudência é a coabitação, mais concretamente no que tange
à comunhão de habitação, ou seja, a partilha de uma residência comum entre unidos de facto.
Diante disto, a questão que se levanta consiste em saber o que acontece com a residência
comum, em caso de ruptura da União de Facto reconhecida, ou não, por falta do preenchimento
dos pressupostos legais estabelecidos pela ordem jurídica em matéria familiar, ou em caso de
dissolução por morte de um dos unidos de facto.
68
O Código da Família Angolano assegura a proteção do direito à atribuição da residência
comum ou casa de morada de família, em caso de dissolução por morte ou ruptura da União de
Facto nos termos do artigo 110.° do CFA e do n.º 2 do artigo 113.° do mesmo código, cabendo
a quem tenha interesse digno de proteção legal intentar uma ação judicial para o efeito.
Por outro lado, a lei prevê exceção a essa regra, quando estejam em causa situações
fortes que obstem a escolha fundada no mútuo acordo dos cônjuges, podendo, por conta do n.°
2 do artigo supra referido, o tribunal decidir sobre esta questão a requerimento de um dos
cônjuges, quando não seja possível chegar a um consenso sobre a fixação ou alteração da
residência da família.
69
O artigo 4.° da LUF garante a possibilidade da aplicação, com os devidos ajustes, das
disposições normativas referentes ao instituto do casamento na União de Facto (as normas dos
artigos 1105.° e 1793.° do CCP). Um aspeto que deve, aqui, ser chamado à colação concerne
ao facto de o art. 5.° da LUF referir apenas a proteção da casa de morada de família em caso de
morte. A residência é um elemento fundamental na vida de uma pessoa (como decorre, aliás,
do art. 65.° da CRP) e, quando essa pessoa decide partilhar a sua vida com outrem, numa
convivência íntima e familiar, não pode o Direito ignorar a proteção desse lugar (Cruz, 2019).
Sendo assim, importa agora saber o que é de facto de “residência comum” ou “casa de
morada de família”, no ponto de vista da doutrina e da jurisprudência, pois, quer no
ordenamento jurídico angolano, quer no português, não existe uma definição legal desta figura.
Para Cruz (2019, pp. 644-645), «a casa de morada de família será, além da mera
residência ou domicílio, o espaço onde a vida familiar se desenvolve numa premissa de
privacidade, segurança e bem-estar dos membros da família». A autora acrescenta, ainda, que
a casa de morada de família deve ser vista como a sede da família, pois, é lá o espaço onde, de
modo permanente, se dá a administração da instituição familiar.
Capelo de Sousa aponta para a casa de morada da família como aquela «que constitua a
residência habitual principal do agregado familiar, ou seja, aquela residência, determinável caso
por caso, que, pela sua estabilidade e solidez, seja a sede e o centro principal da maioria dos
interesses, das tradições e das aspirações familiares em apreço» (Marques, 2014).
Ora, é importante aludir-se, aqui, a algumas questões importantes que devem ser tidas
em atenção, aquando da atribuição da residência comum. Mas, antes, importa salientar que os
unidos de facto, segundo tem sido defendido pela doutrina e pela jurisprudência, podem, de
modo consensual, decidir sobre o destino a ser dado à residência comum, sem que, para tal, se
acionem mecanismos judiciais.
70
Isto quer dizer que toda a vez que não seja possível aos unidos de facto chegar a um
consenso sobre o destino a ser dado à residência comum, recorre-se à faculdade de propor uma
ação judicial para que o tribunal possa decidir sobre a questão. Este direito encontra-se
preceituado nos termos do art.º 110.° do CFA, por conta dessa disposição normativa, o tribunal
(juiz), ao apreciar o mérito da causa, deve ter sempre em atenção as condições de vida dos
cônjuges ou unidos de facto, as preocupações dos filhos do casal (caso possuam) e as razões
que motivaram a extinção do vínculo familiar (em caso de ruptura da União de Facto).
Por outro lado, quando a residência comum for arrendada, de acordo com as disposições
gerais do CFA, a disposição do direito ao arrendamento17 fica subordinada ao consentimento
mútuo do casal, independentemente do regime de bens que vigore entre eles (art. 57.° do CFA).
São exemplos disso: o subarrendamento total ou parcial da residência comum; a cessão da
posição contratual (ceder a posição de arrendatário a um terceiro), etc.. Entretanto, caso a
dissolução da União de Facto resulte da morte de um dos unidos de facto, admite-se legalmente
a possibilidade da transmissão do direito ao arrendamento ao unido de facto sobrevivo, isto é,
com base nos termos estabelecidos por lei sobre esta questão (art. 75.° do CFA).
Sobre esta questão, o acórdão do TRC defende que: «[...] a fixação de uma compensação
patrimonial do cônjuge privado do uso daquela que foi a casa de morada de família por força
da sua atribuição ao outro cônjuge, até à partilha do bem. Tal compensação deve ter lugar por
razões de justiça e equidade, designadamente porque o cônjuge privado do uso desse bem pode
17
«O direito ao arrendamento da residência familiar na união de facto, mesmo que não reconhecida, só́ pode ser
alienado por ambos os companheiros» – artigos 113.° n.º 2 e 57.° do CFA, Acórdão do Tribunal Supremo (Proc.
231/95, de 15-03-1996). Disponível em www.tribunalsupremo.ao
71
estar sujeito, e, por isso, não pode deixar de ter em conta as circunstâncias concretas da vida
dos cônjuges».18
18
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (Proc. 3175/16.3T8VIS.C1), de 27-04-2017). Disponível em
www.dgsi.pt [Consultado em 9 de junho de 2019].
19
TOMÉ, Maria João Romão Carreiro Vaz. Reflexões Sobre a Obrigação de Alimentos Entre Ex-cônjuges. In
Textos de Direito da Família, Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, p. 588.
72
social». Na perspectiva jurídica, o art. 247.° do CFA limitou-se a dizer o seguinte: «1. Os
alimentos compreendem tudo o que for necessário ao sustento, saúde, habitação e vestuário; 2.
No caso dos menores, os alimentos compreendem ainda a educação e instrução».
Esta disposição normativa não prevê de modo pormenorizado cada figura que
compreende os alimentos, por exemplo, no caso da saúde, não se prevê que tipo de despesas
com a saúde se incluem e quais as que não se incluem no direito a alimentos. Pode dizer-se,
então, como defendem alguns autores, que se está em presença de uma norma indeterminada,
que dá uma maior liberdade de interpretação aos aplicadores da lei.
Desta norma, depreende-se que dispõem da faculdade de requerer alimentos aqueles que
deles careçam. Assim, em caso de morte ou ruptura da União de Facto, pode requerer a
prestação de alimentos o unido de facto que careça ou companheiro sobrevivo que não disponha
de meios necessários para por si garantir o seu sustento (n.º 1 do artigo 261.° e o art. 262.° do
CFA), daí que é importante saber qual é a natureza jurídica desse direito.
73
Nestes termos, o direito a alimentos tem natureza temporária. Quanto às suas
características, esse é um direito irrenunciável, impenhorável, intransmissível, indisponível,
etc..
Por outro lado, tem-se defendido, no âmbito da jurisprudência, que o ónus de provar a
situação de carência de alimentos é do alimentado, podendo o alimentante provar o contrário.
Vale, aqui, lembrar que a medida dos alimentos deve ser sempre proporcional à necessidade do
alimentado e a capacidade financeira do alimentante (art. 250.° do CFA). Quanto à modalidade
das prestações, em geral, são prestações pecuniárias mensais, todavia, a lei admite a adoção de
outras modalidades de prestações (art. 252.° do CFA).
5.12. Duração
O direito a alimentos tem natureza temporária e visa assegurar a reorganização da vida
do unido de facto que não disponha de meios financeiros para garantir o seu sustento nos
primeiros momentos após a ruptura do vínculo, ou em caso de morte do ex-convivente. Ou seja,
em geral, esta obrigação extingue-se quando a causa que tenha fundamentado a decisão deixa
de existir (possibilidade de alteração da decisão a qualquer momento – n.º 2 do artigo 111.° do
CFA.
Por outro lado, o art. 263.° do CFA prevê algumas circunstâncias que podem fazer cessar
o dever de prestação de alimentos entre unidos de facto, nomeadamente «quando se contrai
novo casamento ou quando é constituída nova União de Facto, ou quando se verifique atentado
contra a vida ou grave atentado contra honra do obrigado».
74
CAPÍTULO VI – APRESENTAÇÃO, DISCUSSÃO E INTERPRETAÇÃO
DOS RESULTADOS
2.º Não 9 9%
75
Tabela 7: Fonte da informação sobre a União de Facto
1.º Na escola 4 4%
4.º No jornal 7 7%
Vinte e quatro (24) munícipes, 24%, pensam que a União de Facto é uma união
homossexual e 76 munícipes, correspondentes a 76%, pensam que a União de Facto é uma
união heterossexual (convivência marital entre um homem e uma mulher).
76
6.4. Noção da idade de reconhecimento legal da União de Facto
Vinte e cinco (25) munícipes, que correspondem a 25%, pensam que a União de Facto
pode ser reconhecida na faixa etária dos 14 aos 20; 10 munícipes, que correspondem a 10%,
pensam que a União de Facto pode ser reconhecida na faixa etária dos 21 aos 27 anos; 15
munícipes, que correspondem a 15%, pensam que a União de Facto pode ser reconhecida na
faixa etária dos 28 aos 34 e, por último, 50 munícipes, que correspondem a 50%, pensam que a
União de Facto pode ser reconhecida na faixa etária dos 35 anos em diante. Representando:
3.º 28 a 34 15 15%
77
Tabela 10: Tempo de duração da União de Facto
78
Tabela 12: Lugar da legalização da União de Facto
Sobre este ponto, 17 munícipes, que correspondem a 17%, pensam que existe e 83
munícipes, que correspondem 83%, pensa que não existe, como abaixo se representa:
Com este tópico, correspondente à 9.ª questão do inquérito, foi possível obter os
seguintes dados: 25 munícipes, correspondentes a 25%, pensam que a morte de uma das partes
é a causa primária da ruptura do vínculo na união de facto, ao passo que 75 munícipes, que
correspondem a 75%, acreditam na existência de outros motivos, que não cabem no escopo
deste trabalho.
79
Tabela 14: Razão da ruptura da União de Facto
80
Tabela 16: A parte mais fragilizada com o fim da União de Facto
3.º Marido 5 5%
A questão relacionada com este tópico permitiu aferir que 45% (igual número de
munícipes) consideram haver parcialidade no tratamento entre os filhos nascidos na união de
facto e fora dele, o que contraria o disposto do ordenamento jurídico angolano, ao passo que,
para 55 munícipes, que correspondem a 55%, o tratamento é imparcial, como abaixo se
apresenta:
Tabela 17: Forma de tratamento entre os filhos nascidos na União de Facto e fora dela
Em caso de morte do pai, por regra, na ótica de 31 munícipes, que correspondem a 31%,
a casa e os seus bens ficam com os filhos; para 29 munícipes, que correspondem a 29%, a casa
e os seus bens ficam com a mulher e, por último, para 40 munícipes, que correspondem a 40%,
a casa e os seus bens ficam com os parentes do falecido (irmãos, sobrinhos, pais).
81
Tabela 18: Recepção do paciente
Este tópico é muito complexo por implicar muitas questões de ordem histórico-cultural.
Não obstante, a maior parte das fontes 73 munícipes, que correspondem a 73%, acham que se
deveria, sim, converter a união de facto para casamento de forma compulsiva, o que contraria
a posição de 27 munícipes, que correspondem a 27%. Vale dizer que este tópico poderá ser
objeto de outras e aprofundadas abordagens, em fóruns próprios.
82
Tabela 20: Conversão da União de Facto
83
CONCLUSÃO
O campo de ação é Malanje, capital da província com o mesmo nome, em Angola, onde
se verificou que, de acordo com os dados coletados, que 50 munícipes, que correspondem a
50% da amostra, pensam que a União de Facto pode ser reconhecida na faixa etária dos 35 anos
em diante; 60 munícipes, 60%, referiram que a duração da União de Facto é determinada; 55%
das fontes pensa que o lugar onde se legaliza a União de Facto é na igreja; 80% afirmou que a
parte mais fragilizada em caso de ruptura da união são os filhos; 85% disse que é no seio
familiar onde se faz a divisão dos bens, em caso da morte de um dos conviventes, e, por último,
40% pensa que, na divisão dos bens, em caso de morte, a casa e o recheio deve ser dado aos
parentes do falecido.
Assim sendo, conclui-se que, à partida, as uniões de facto que não reúnem os requisitos
de fundo obrigatórios para o seu reconhecimento são inexistentes, ou seja, não dão lugar à
produção dos efeitos jurídicos da União de Facto legalmente reconhecida. Porém, o legislador
ordinário vem admitir excecionalmente, nos termos do n.º 2 do artigo 113.º do CFA, a
possibilidade do seu reconhecimento judicial, sempre que haja enriquecimento ilícito, para
efeitos de partilhas de bens, recorrendo-se às disposições gerais da lei civil, e para efeitos da
atribuição da residência comum, fora as outras situações previstas no código da família.
84
coabitação para efeitos da regulação da massa patrimonial durante a união. Diferente da ordem
jurídica angolana, não estão previstos regimes de bens na União de Facto.
Todavia, deve referir-se que a União de Facto constitui uma verdadeira fonte de relação
jurídico-familiar no direito angolano, admitindo-se apenas o reconhecimento legal da União de
Facto entre um homem e uma mulher que dure, no mínimo, 3 anos de convivência marital
consecutiva, sempre que preenchidos os pressupostos legais do art. 113.° do CFA, dispondo os
conviventes da faculdade de escolher o regime de bens que lhes aprouver.
Por último, quer o direito angolano, quer o português reconhecem os mesmos direitos
aos filhos nascidos dentro e fora da união, proibindo qualquer discriminação entre eles.
85
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Costa, E. D. (2013). A união de facto e a sua proteção jurídica : Paralelismo entre o direito
português e o angolano existe? Lisboa: Universidade Autónoma de Lisboa.
Kant, I. (1986). Fundamentação da Metafísica ( trad. Paulo Quintela ). Lisboa: Edições 70.
86
Pillay, N. (27 de Fevereiro de 2019). Nascidos Livres e Iguais- OHCHR. Obtido de ohchr.org:
http://www.ohchr.org
Pinto, C. A., Monteiro, A. P., & Pinto, P. M. (2012). Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra:
Coimbra Editora.
Santos, E. S. (2016). A Cidade de Malanje na História de Angola (dos finais do séc. XIX até
1975). Luanda: Nzila.
87
LEGISLAÇÃO
Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (27 de julho de 1981). Nairóbi: XVIII
Assembleia dos chefes de Estado e Governo da Organização da Unidade Africana).
Código Civil Brasileiro (Lei n.º 13.777, de 20 de dezembro de 2018). Brasília: Presidência da
República.
Código Civil Angolano (Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966). Atualizado até
a Lei n.º 61/2008 de 31 de abril.
Declaração Universal dos Direitos Humanos (10 de dezembro de 1948). Paris: Assembleia
Geral das Nações Unidas).
88
Regime jurídico do reconhecimento da união de facto por mútuo acordo e Dissolução da União
de Facto Reconhecida no Direito Angolano (Decreto-presidencial n.º 36/15, de 30 de
janeiro).
Lei Portuguesa sobre a proteção da União de facto (Lei n.º 7/2001, de 11 de maio).
JURISPRUDÊNCIA PORTUGUESA
89
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (processo nº 07A4317), de 12-02-2008, disponível
em www.dgsi.pt [consultado em 14 de março de 2019].
JURISPRUDÊNCIA ANGOLANA
90
Acórdão do Tribunal Supremo (processo n.º 1624/10), disponível em www.tribunalsupremo.ao
[consultado em 10 de fevereiro de 2019].
ARTIGOS DE INTERNET
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