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DEPARTAMENTO DE DIREITO

MESTRADO EM DIREITO

ESPECIALIDADE EM CIÊNCIAS JURÍDICAS

UNIVERSIDADE AUTÓNOMA DE LISBOA

“LUÍS DE CAMÕES”

PROBLEMÁTICAS EMERGENTES DA UNIÃO DE FACTO: O PAPEL


DO ESTADO NA SUA PROTEÇÃO

Dissertação para a obtenção do grau de Mestre em Direito.

Autora: Eulália Suzana António Monteiro

Orientador: Professor Doutor Armindo Saraiva Matias

Número da candidata: 20140760

Março de 2021

Lisboa
DEDICATÓRIA

À família Monteiro, especialmente ao meu querido pai,

às mães, Suzana Goloso e Sara Monteiro,

aos tios Sérgio Ngunza e Silveira Dala,

dedico este trabalho.

1
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a Deus, pelo fôlego da vida, pela sabedoria e por me ter
permitido chegar até aqui.

Ao meu orientador, Professor Doutor Armindo Saraiva Matias, pela disponibilidade,


paciência e solicitude na orientação deste trabalho, agradeço profundamente.

À minha família, em especial, aos meus pais por apostarem e acreditarem em mim,
desde sempre, e por me motivarem a correr atrás deste sonho, aos meus irmãos, primos e tios,
por todo o apoio psicoemocional e financeiro, concedido durante todo o processo de formação.

Ao meu querido esposo, Simão Pedro, impulsionador sem igual, por nunca desistir de
me apoiar em todos os momentos bons e maus do meu percurso académico e, sobretudo, por
sempre me ter encorajado a desafiar os meus limites, todas as vezes em que pensei em desistir.

A todos os meus amigos e colegas por todo o apoio emocional e académico demonstrado
durante a jornada investigativa e a todos quantos direta ou indiretamente contribuíram para que
a realização deste trabalho fosse possível.

2
RESUMO

A presente dissertação centra-se nas problemáticas jurídicas emergentes da união de


facto e do papel do Estado na sua proteção.

As principais conclusões alcançadas decorrem de três eixos da legislação de Angola. O


primeiro é a falta de igualdade no acesso ao reconhecimento das relações em «união de facto»,
resultante das leis existentes, quando a união é entre casais heterossexuais e, quando é entre
casais homossexuais. O segundo eixo refere-se à questão patrimonial adquirida durante a união
de facto e ao seu peso nas garantias de alocação do património, estando prevista uma exceção
mesmo nas uniões de facto não reconhecidas em caso de enriquecimento ilícito por parte de um
dos membros do casal. Um terceiro eixo estará relacionado com a semelhança das instituições
«Relação Matrimonial» e «Relação em União de Facto», uma vez que ambas consagram,
quando reconhecidas, o mesmo nível de direitos e garantias aos membros do casal.

O problema principal da pesquisa prende-se com o saber se a não verificação cumulativa


dos requisitos impostos legalmente para o reconhecimento da União de Facto pressupõe a
inexistência da união. Sendo assim, urge analisar, na elaboração da presente pesquisa, a União
de Facto no ordenamento jurídico angolano comparativamente ao ordenamento português,
porquanto se entende que toda e qualquer disposição normativa que vise regular este instituto
tenha como cerne a proteção da família. Como tal é imperioso que se analise quais interesses
dos descendentes e dos unidos de facto devam ser protegidos em caso de ruptura ou morte de
um dos conviventes. Quanto à metodologia, utilizar-se-á a pesquisa exploratória, recorrendo à
pesquisa bibliográfica e à abordagem quantitativa, nomeadamente, entrevista, questionário e
apresentação estatística dos dados, isto é, quantidade numérica e percentual. Por outra, far-se-á
uma inversão de olhar sobre os aspetos teórico-jurídicos do instituto da União de Facto,
nomeadamente quanto ao seu conceito, quanto à sua noção e natureza jurídica, bem como,
alguns antecedentes históricos relevantes.

Palavras-chave: Família; União de facto; proteção do Estado.

3
ABSTRACT

This dissertation focuses on the legal issues emerging from cohabitation and the role of
the State in its protection.

The main conclusions reached are related to three axes of Angolan legislation. The first
is about the lack of equality in access to the recognition of relationships in cohabitation between
heterosexual or same-sex couples. The second point refers to the economic condition, and its
weight in the asset allocation guarantees, an exception is foreseen even in the unrecognized
cohabitation in the case of unlawful enrichment by one of the members of the couple, and a
third aspect is about the similarity of the institutions of Marital Relationship and Relationship
in Cohabitation, since both establish when recognized, the same level of rights and guarantees
for the members of the couple. The main problem of the research is to know if the non-
cumulative verification of the legally imposed requirements for the recognition of the
cohabitation presupposes the absence of a union. Therefore, it is urgent to analyze in the
preparation of this research the cohabitation in the Angolan legal system compared to the
Portuguese one, since it is understood that any normative provisions that aim to regulate this
institute are at the core of the protection of the family, and as such it is imperative to analyze
which interests of descendants and the cohabitants should be protected in the event of the
rupture or death of one of the cohabitants.

As for the methodology, the exploratory research will be used, using bibliographic
research and the quantitative approach, relatively, interview, questionnaire and statistical
presentation of the data, that is, numerical and percentage quantity. On the other hand, it will
be studied the theoretical and legal aspects of the cohabitation, namely regarding its concept,
its notion, and legal nature, as well as some relevant historical aspects.

Keywords: Family; Cohabitation; State protection.

4
ÍNDICE
DEDICATÓRIA 2
AGRADECIMENTOS 3
RESUMO 4
ABSTRACT 5
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 9
ÍNDICE DE TABELAS 10
INTRODUÇÃO 11
Identificação do problema principal 12
Problemas secundários 12
Objetivos de estudo 12
Objetivo geral 12
Objetivos específicos 12
Delimitação de estudo 13
Metodologia 13
O conceito de União de Facto 13
CAPÍTULO I – GENERALIDADES E O ENQUADRAMENTO LEGAL DA UNIÃO DE FACTO 14
1.1. Noção de família 14
1.1.1. Noção jurídica de família 14
1.2. Conceito de relações para-familiares 15
1.3. Direito de constituir família 15
1.4. O princípio da tipicidade das fontes de relações jurídico-familiares 17
1.5. Natureza jurídica da união facto 17
1.5.1. Antecedentes históricos relevantes 17
1.5.2. Conceito de União de Facto 19
1.5.3. Consagração constitucional da União de Facto no direito angolano 19
1.5.4 Pressupostos legais para proteção da União de Facto por mútuo acordo 21
1.6. Quem pode se opor ao reconhecimento da União de Facto? 27
1.7. Circunstâncias que obstam o reconhecimento da União de Facto 27
1.7.1. A demência notória 28
1.7.2. Interdição ou inabilitação por anomalia psíquica 28
1.7.3. Casamento ou União de Facto legalmente reconhecida, enquanto não for dissolvido 29
1.7.4. O parentesco e a afinidade da linha reta 30
1.7.5. O parentesco no segundo grau da linha colateral 31
1.7.6. A pronúncia do nubente como autor ou cúmplice por homicídio doloso contra o
cônjuge do outro 31

5
1.7.7. Reconhecimento excecional da União de Facto por via judicial 32
1.7.8. A necessidade do reconhecimento legal da União de Facto entre pessoas do mesmo
sexo 32
1.8. Como são tuteladas as uniões de facto entre homossexuais? 33
1.9. Sobre o fundamento legal para a proteção de uniões de facto homossexuais 34
CAPÍTULO II – METODOLOGIA 36
2.1. Desenho de pesquisa 36
2.2. Local de estudo 36
2.3. População e amostra 36
2.4. Caraterística dos participantes da pesquisa 37
Quadro n.º 1. Tamanho da amostra 40
2.5. Técnicas e instrumentos da pesquisa 40
2.6. Validade e confiabilidade na pesquisa 41
2.7. Limitações e dificuldade 41
2.8. Análise dos dados 41
2.9. Codificação dos dados 41
2.10. Síntese do capítulo 41
CAPÍTULO III – PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DA UNIÃO DE FACTO 42
3.1. Princípio da dignidade da pessoa humana 42
3.2. Princípio da igualdade e da não discriminação em virtude da orientação sexual 43
3.3. O princípio da não discriminação em virtude da orientação sexual 45
3.4. É a homossexualidade crime em Angola? 46
3.5. O princípio da liberdade 47
CAPÍTULO IV– EFEITOS JURÍDICOS DA UNIÃO DE FACTO E O DIREITO DOS FILHOS
NASCIDOS NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO 49
4.1. Efeitos jurídicos pessoais 49
4.1.1. Dever de respeito 50
4.1.2. Dever de fidelidade 52
4.1.3. Dever de coabitação 52
4.1.4. Dever de cooperação e assistência 53
4.2. Efeitos jurídicos patrimoniais 53
4.2.1. Regime económico da comunhão de adquiridos 54
4.2.2. Regime económico de separação de bens 55
4.3. Direito dos filhos nascidos na União de Facto e as responsabilidades parentais 57
CAPÍTULO V – O PAPEL DO ESTADO NA PROTEÇÃO DA UNIÃO DE FACTO 60
5.1. Tratamento jurídico da União de Facto que não reúna todos os requisitos impostos por lei 63
5.2. Conceito de enriquecimento ilícito 64
5.3. O papel do conselho de família 65

6
5.4. Dissolução da União de Facto 67
5.5. Dissolução por morte 68
5.6. Dissolução por ruptura 68
5.7. Destino da residência comum em caso de ruptura da União de Facto 69
5.8. Direito à prestação de alimentos na União de Facto 73
5.9. Noção de alimentos 73
5.10. Natureza jurídica 74
5.11. Atribuição dos alimentos 75
5.12. Duração 75
CAPÍTULO VI – APRESENTAÇÃO, DISCUSSÃO E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS 76
6.1. Sobre a noção de União de Facto 76
6.2. Sobre a circunstância da tomada de conhecimento da noção de «união de facto» 76
6.3. A União de Facto na ótica dos inqueridos 77
6.4. Noção da idade de reconhecimento legal da União de Facto 78
6.5. Noção do tempo de duração da União de Facto 78
6.6. Conhecimento dos direitos e obrigações decorrentes da União de Facto 79
6.7. A legalização da União de Facto 79
6.8. Sobre a existe de património comum na União de Facto 80
6.9. Causas da ruptura do vínculo na união entre jovens 80
6.10. A divisão do património em caso de morte da mulher ou do homem 81
6.11. Sobre as partes mais fragilizadas com o fim da União de Facto 81
6.12. Do tratamento entre os filhos nascidos na União de Facto e fora dela 82
6.13. O tratamento à casa e aos bens do pai, em caso de sua morte 82
6.14. O parecer das fontes, quanto à família fundada na União de Facto 83
6.15. A conversão da União de Facto em casamento de forma compulsiva 83
6.16. Direitos e obrigações da União de Facto: como e quando reconhecer? 84
CONCLUSÃO 85
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 87
LEGISLAÇÃO 89
JURISPRUDÊNCIA PORTUGUESA 90
JURISPRUDÊNCIA ANGOLANA 91
ARTIGOS DE INTERNET 92

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Ac. – Acórdão
Al. – Alínea
Art. – Artigo
CFA – Código da Família Angolano
CRA – Constituição da República de Angola
CCA – Código Civil Angolano
CCP – Código Civil Português
CPA – Código Penal Angolano
CPP – Código Penal Português
CPC – Código de Processo Civil
CRP – Constituição da República Portuguesa
DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos
LUF – Lei da União de Facto
LCVD – Lei Contra Violência Doméstica
LGBT – Lésbicas Gays Bissexuais Travestis
Proc. – Processo
TRL – Tribunal da Relação de Lisboa
Ss. – Seguintes
Séc. – Século
STJ – Supremo Tribunal de Justiça

8
ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1: Género de participantes 37


Tabela 2: Faixa etária dos participantes 37
Tabela 3:Situação civil dos participantes 38
Tabela 4: Nível académico 39
Tabela 5: Residência 39
Tabela 6: Conhecimento sobre a União de Facto 76
Tabela 7: Fonte da informação sobre a União de Facto 77
Tabela 8: Forma de união 77
Tabela 9: Idade do começo da União de Facto 78
Tabela 10: Tempo de duração da União de Facto 79
Tabela 11: Conhecimento sobre os direitos e obrigações da União de Facto 79
Tabela 12: Lugar da legalização da União de Facto 80
Tabela 13: Acordo do património 80
Tabela 14: Razão da ruptura da União de Facto 81
Tabela 15: Divisão do património em caso de morte de um dos cônjuges 81
Tabela 16: A parte mais fragilizada com o fim da União de Facto 82
Tabela 17: Forma de tratamento entre os filhos nascidos na União de Facto e fora dela 82
Tabela 18: Recepção do paciente 83
Tabela 19: Recepção do paciente 83
Tabela 20: Conversão da União de Facto 84

9
INTRODUÇÃO

O presente trabalho de investigação, intitulado Problemáticas Emergentes da União de


Facto: O Papel do Estado na sua Proteção, é apresentado ao Curso de Direito da Faculdade
de Ciências Sociais da Universidade Autónoma de Lisboa como requisito fundamental para a
obtenção do grau de mestre em Direito na especialidade de Ciências Jurídicas, e foi
desenvolvido sob a orientação do Prof. Dr. Armindo Saraiva Matias.

A União de Facto enquanto instituto subjacente ao Direito de Família emana um


conjunto de direitos e deveres para os unidos, que se estende aos seus descendentes, com vista
quer a promover o princípio da estabilidade da família, quer salvaguardar os interesses
fundamentais dos descendentes e dos próprios unidos de facto. Neste termos, o instituto da
união de facto tem por finalidade prever os pressupostos legais para a proteção deste modelo
de família e, consequentemente, determinar-lhe os seus efeitos jurídicos.

Para a concretização dos desideratos a que esta investigação se propõe, o texto


contempla seis capítulos, além da introdução, em que se procede, de forma sintética, a uma
abordagem sobre os aspetos formais da investigação, nomeadamente a identificação dos
problemas da pesquisa, a explicitação dos objetivos, a determinação da importância do estudo,
a delimitação da pesquisa e da definição dos principais conceitos arrolados no trabalho. Segue-
se a conclusão e a bibliografia, que sustenta a dissertação.

De forma mais precisa, o primeiro capítulo compreende a Fundamentação Teórica, ou


seja, a explicitação de um conjunto de teorias e conceitos respeitantes ao presente estudo; o
segundo, Metodologia, em que se apresentam os métodos e os materiais usados para a
concretização do estudo.

O terceiro capítulo intitula-se Princípios estruturantes da União de Facto, e fala


precisamente sobre isso; o quarto, Efeitos jurídicos da União de Facto e o direito dos filhos
nascidos na constância da união, aborda sobre os efeitos jurídicos decorrentes da União de
Facto e o direitos dos filhos nascidos na união ou fora dela.

10
O quinto capítulo, O papel do estado na proteção da união de facto, diz respeito ao
posicionamento do Estado em matéria de proteção da União de Facto; e o último capítulo está
reservado à apresentação, discussão e interpretação dos resultados.

Identificação do problema principal

● O problema central da investigação prende-se com a constatação de que se a não


verificação cumulativa dos requisitos impostos legalmente para o reconhecimento
da União de Facto pressupõe a inexistência dessa união.

Problemas secundários
● Do problema central decorre a imprecisão de quais meios se podem servir os
descendentes e os conviventes para que tenham os seus interesses salvaguardados,
caso a União de Facto seja inexistente.

Objetivos de estudo

A abordagem persegue um objetivo geral e três específicos, como abaixo se discrimina.

Objetivo geral

Estudar o instituto da União de Facto no Ordenamento Jurídico Angolano.

Objetivos específicos

● Descrever os efeitos decorrentes da União de Facto reconhecida;


● Identificar os requisitos para o reconhecimento da União de Facto;
● Compreender como são assegurados os interesses dos descendentes em relações de
União de Facto.

11
Delimitação de estudo

O presente trabalho limita-se, do ponto de vista espacial, ao território angolano, mais


precisamente à província de Malanje; do ponto de vista teórico enquadra-se no sub-ramo de
Direito Privado, mais concretamente na área do direito da família, que é a parte do Direito
constituído por um conjunto de normas que visam regular relações familiares; do ponto de vista
temporal, limita-se ao período decorrente de 2010 a 2019.

Metodologia

Trata-se de um estudo de campo, exploratório, fundamentado na teoria das


Representações Sociais. Para a coleta de dados, recorreu-se à pesquisa bibliográfica, análise
documental e a entrevistas. No que tange ao método de abordagem, recorreu-se ao dedutivo,
que se resumiu no facto de que o desfecho da questão vai do universal ao particular.

A abordagem quantitativa justifica-se pelo facto de se terem tabulado alguns dados


relacionados com a técnica de amostragem, agrupados de forma estatística, isto é, quantidade
numérica e percentual. Por fim, quanto ao método de procedimento, utilizou-se o comparativo,
pelo que foi feita uma análise comparativa entre o ordenamento jurídico angolano e o português
em matéria de proteção da União de Facto.

Deste estudo, resultou a identificação de duas variáveis, designadamente uma


dependente: O Papel do Estado na sua proteção, e uma independente: Problemáticas
Emergentes da União de Facto.

O conceito de União de Facto

O conceito de União de Facto que aqui se apresenta segue a perspectiva do artigo 112.º
do Código de Família Angolano, que o apresenta como o estabelecimento voluntário de vida
em comum entre um homem e uma mulher.

12
CAPÍTULO I – GENERALIDADES E O ENQUADRAMENTO LEGAL DA
UNIÃO DE FACTO

1.1. Noção de família


Em todas as civilizações, a constituição de família sempre se mostrou necessária, por
força da natureza sociável do ser humano, e viver em grupos sempre constituiu uma prioridade,
pois, como se sabe, é na família onde se dá início aos primeiros passos de socialização, além
do mais, é a vida em grupo que permite uma melhor defesa e cooperação entre os seus
integrantes.

Quanto à noção de família, as concepções são díspares entre os autores. Essa


abrangência e complexidade semântica reflete-se, inclusive, na definição legal, pelo que o
legislador angolano se limitou a dizer as fontes de relações jurídicas familiares. Todavia, deve
olhar-se para a família como uma instituição social cuja concepção deve atender a critérios
históricos, sociais, culturais, políticos, e não só. O entendimento sobre o instituto da família
tem variado ao longo dos séculos, tudo isso devido ao seu caráter mutável e por conta da própria
evolução social.

Com o passar do tempo, vão surgindo novas formas de vínculos familiares, como é o
caso da União de Facto ou união estável. O Direito acompanha essa dinâmica social, até porque
as famílias são anteriores a ele. Assim, o Direito deve limitar-se a reconhecer aos novos
institutos familiares os direitos e deveres inerentes à natureza racional dos integrantes da
instituição familiar, garantindo o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. É neste
âmbito que Medina (2013, p. 18) define a família como sendo um grupo social relacionado
entre si por obrigações e direitos recíprocos.

1.1.1. Noção jurídica de família


Não tendo o legislador angolano definido o conceito de família, tendo simplesmente
determinado as fontes de relações jurídicas familiares suscetíveis de darem lugar à sua
constituição, pode olhar-se para a família como o vínculo jurídico estabelecido entre os
indivíduos, por meio do parentesco, casamento, união de facto e afinidade (CFA, artigo 7.°).

13
No direito português, não existe, igualmente, uma definição legal de família, limitando-
se o artigo 1576.° do CCP a determinar quatro fontes de relações jurídicas familiares
(casamento, parentesco, afinidade, adoção). Diferente do direito angolano, a União de Facto
não é apresentada como uma verdadeira fonte de relação jurídico-familiar, o que tem levantado
uma discussão na especialidade, pois alguns autores entendem que a União de Facto constitui
uma verdadeira fonte de relação jurídico-familiar e outros questionam a sua dignidade enquanto
fonte de relação jurídico-familiar, considerando apenas o casamento como o instituto apto a dar
lugar à constituição da família. Porém, o legislador português não deixa de acautelar o instituto
da União de Facto, sendo atualmente a proteção dos direitos e deveres dos unidos de facto
reconhecidos pela LUF (Lei n.º 7/2001).

1.2. Conceito de relações para-familiares


Para Coelho e Oliveira (2016), relações para-familiares são relações familiares que não
se inserem nas fontes de relações jurídico-familiares tradicionais previstas no artigo 1576.° do
Código Civil Português, mas que têm uma correlação com estas, por isso, dada a similitude das
relações, essas acabam por merecer a atribuição de certos efeitos jurídicos inerentes ao
casamento, parentesco, afinidade, e a adoção. Podem apresentar-se, como exemplos de relações
para-familiares, a União de Facto (que tem merecido muito dos efeitos jurídicos do casamento)
e o apadrinhamento civil.

1.3. Direito de constituir família


A constituição de vínculos familiares é uma realidade patente em todas as sociedades e,
no plano do Direito Internacional, a DUDH reconhece esse direito no n.º 1 do artigo 16.°. O
direito estabelecido neste artigo visa garantir a todos os sujeitos a faculdade de contrair
matrimónio e de constituir família não fundada no casamento, sem qualquer discriminação em
virtude da raça, sexo, identidade de género ou orientação sexual, nacionalidade, ou crença
religiosa, desde que as partes envolvidas possuam capacidade matrimonial. O mesmo artigo
consagra direitos iguais para ambos os cônjuges na constância do casamento e na fase da
dissolução, caso venha a ter lugar.

Do ponto de vista do direito interno, quer a Constituição Angolana (n.º 2 do artigo 35.°),
quer a Portuguesa (n.º 1 do artigo 36.°), conferem aos indivíduos a faculdade de livremente

14
constituírem vínculos familiares, desde que se tenha em atenção o respeito pelas normas
constitucionais e pela lei.

Quanto ao direito de constituir família, previsto no n.º 1 do artigo 36.° da Constituição


da República Portuguesa, deve referir-se que, no plano doutrinário, o seu entendimento tem
causado uma certa divisão entre os autores, para alguns autores esta norma semelhante ao que
ocorre no n.º 1 do artigo 16.° da DUDH e outros diplomas internacionais, consagra dois direitos,
por um lado, o direito de constituir família e, por outro, o direito de contrair o vínculo
matrimonial (celebrar casamento).

Para Francisco Coelho e Oliveira (2016), o direito de constituir família, previsto no


artigo 36.°, n.º 1 – primeira parte da CRP –, está ligado, por um lado, ao reconhecimento do
direito a procriar e, por outro lado, a existência de um direito que vem tornar possível vínculos
parentais. Já Campos (2008, pp. 102-103) afirma que: «[...] em si mesma, esta expressão não
significaria necessariamente qualquer opção a favor ou contra a família não fundada no
casamento». Para o autor, o que se pode retirar do n.º 1 do artigo 36.° da CRP é a ideia da
existência de um direito que a lei confere a qualquer indivíduo de se casar ou formar família
através da celebração do casamento.

Entretanto, essa liberdade de constituir família não tem o mesmo alcance da dos
negócios jurídicos em geral, em que a autonomia das partes lhes confere a liberdade de seleção
de tipo negocial e a liberdade de estipulação, pelo que, no plano dos negócios jurídicos
familiares, a autonomia da vontade dos seus integrantes sofre inúmeras restrições, até pela
própria sensibilidade da instituição em causa. Daí que Medina (2013, p. 63) define negócios
jurídico-familiares como sendo todos aqueles que criem, alterem ou ponham termo às relações
familiares.

Do ponto de vista da jurisprudência, o direito de constituir família não se limita apenas


à figura do casamento, pelo que se deve estender as uniões de facto reconhecidas e não
reconhecidas, independentemente do sexo dos unidos de facto.1

1
”O casamento não é a única forma de constituir família; as uniões de facto, registadas ou não, entre pessoas os
mesmo sexo são também uma forma de constituir família” Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, (processo
n.º 6284/2006-8), de 15-02-2007, disponível em http//www.dgsi.pt [Consultado em 28 de fevereiro de 2019].

15
1.4. O princípio da tipicidade das fontes de relações jurídico-familiares
No âmbito do ordenamento jurídico angolano e no plano do direito português, embora
vigore a liberdade de constituir família, as fontes de relações jurídico-familiares encontram-se
vedadas pelo princípio da tipicidade ou numerus clausus, ou seja, serão somente consideradas
como verdadeiras fontes de relações familiares suscetíveis de tutela legal aquelas que estejam
previamente determinadas pela lei. Não se admitindo, com base na autonomia da vontade das
partes, a criação ou modificação das fontes de relações jurídico-familiares (artigos 7.° do CFA
e 1576.° do CCP).

Por outro lado, como anteriormente foi referido, enquanto o artigo 7.° do Código da
Família Angolano reconhece expressamente a União de Facto como uma verdadeira fonte de
relação jurídico-familiar, o artigo 1576.° do Código Civil Português assim não procede,
reconhecendo apenas o casamento, o parentesco, a afinidade e a adoção como fontes de relações
jurídicas familiares. Todavia, isto não faz com que a União de Facto, na ordem jurídica
portuguesa, deixe de merecer qualquer proteção legal, pois a tutela dos direitos e das obrigações
decorrentes da União de Facto, é feita em sede da lei n .° 7/2001.

1.5. Natureza jurídica da união facto


Segundo Medina (2013), o instituto da União de Facto traduz-se: «na convivência
sexual comum entre um homem e uma mulher como se de marido e mulher se tratasse, sem a
existência de um casamento formalizado». Sendo assim, do ponto de vista da natureza jurídica
deste instituto, pode-se considerá-lo como um fato social suscetível de produzir efeitos jurídicos
(fato jurídico), caso seja reconhecida, e não como um contrato ou negócio jurídico, porquanto
não pressupõe qualquer formalismo jurídico para a sua constituição.

Segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa: « o casamento e a união de facto


são situações materialmente diferentes, assumindo os casados o compromisso de vida em
comum, mediante a sujeição a um vínculo jurídico, enquanto que os conviventes não o
assumem, por não quererem ou não poderem.»2

2
Cfr. TRL (Proc. 444/09.2TCFUN.L1-A-8,), de 29-11-2012, disponível em http//www.dgsi.pt [consultado em 11
de março de 2021].

16
1.5.1. Antecedentes históricos relevantes
No âmbito da realidade social angolana, a União de Facto é tida como a forma
preferencial de constituir família, precedente ao próprio instituto do casamento (civil ou
religioso). Todavia, essa figura nem sempre foi considerada como uma verdadeira fonte de
relação jurídico-familiar em muitos países desenvolvidos, a título exemplificativo, pode
destacar-se a República Portuguesa, que, por força da influência religiosa, durante muito tempo
considerou a União de Facto como uma «união pecaminosa», porque se entendia que violava
os preceitos religiosos que impunham que a constituição da família resultasse do casamento-
sacramento.

Em Portugal, essa realidade perdurou por muito anos. Esse posicionamento mudou
alguns anos depois da laicização, que se deu com a lei da separação do Estado e das igrejas, de
20 de abril de 1911, ou seja, o poder estadual tornou-se independente do poder religioso.

Por outro lado, importa salientar que, do ponto de vista do direito positivo, a União de
Facto foi referida pela primeira vez na ordem jurídica portuguesa com a reforma de 1977 feita
ao Código Civil, nos termos do art.º 2020.°. Esta disposição normativa fez referência expressa
à União de Facto, pela primeira vez, e veio assegurar ao unido de facto sobrevivo o direito de
exigir alimentos da herança do falecido.

Alguns anos depois, em Portugal se deu a criação do primeiro diploma legal com a
finalidade de assegurar a proteção da União de Facto, a Lei n.º 135/99, de 28 de agosto. Um
aspecto a destacar deste diploma é o facto de que somente protegia as uniões heterossexuais.
Foi com a lei atual, a Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, que a proteção legal da União de Facto
deixou de ficar condicionada à heterossexualidade, ou seja, atualmente o reconhecimento legal
da União de Facto se opera independentemente do sexo dos conviventes. Vale lembrar que a
Lei n.º 7/2001 já sofreu algumas alterações (Cruz, 2019).

Já no âmbito da sociedade angolana, que, por conta de influências culturais, tradicionais


e sociais, a União de Facto constituiu e constitui a forma originária de criação de vínculo
familiar, porque quer o casamento civil, quer o católico são consequências das influências
coloniais, pois, antes da chegada dos colonizadores, o casamento tradicional (alembamento ou
pedido), era a única exigência para que houvesse a constituição da família, dando, assim, lugar
a uma União de Facto não reconhecida.

17
No direito positivo angolano, a União de Facto foi referida pela primeira vez na Lei n.º
7/80, de 27 de agosto , referente à adoção. Este diploma legal veio no seu artigo 5.°: tornar
legítima a adoção por parte de indivíduos de sexo oposto que vivessem em União de Facto, ou
seja, pessoas que vivessem numa situação análoga à de pessoas casadas.

A possibilidade do reconhecimento legal da União de Facto na ordem jurídica angolana


é consequência da Lei n.º 1/88, que aprovou o atual Código da Família. Sendo assim, podem
encontrar-se o conceito e os requisitos para o reconhecimento da União de Facto nos termos do
112.° Ss. Do ponto de vista constitucional, a União de Facto, enquanto fonte de relação jurídico-
familiar constitucionalmente reconhecida com a revisão constitucional de 1992, começou a
merecer especial proteção do Estado, quando, pela primeira vez, foi introduzida pela Lei n.º
23/92, de 16 de setembro, no art.º 29.° n.º 1 (Medina, 2013, pp. 51-52, 350 e 351).

1.5.2. Conceito de União de Facto


O Código da Família Angolano, no seu artigo 112.°, define a União de Facto como
sendo a faculdade conferida a dois indivíduos, de sexo oposto, de, com base na sua autonomia
da vontade, estabelecerem uma vida em comum e, para o seu reconhecimento legal, está deve
obedece a um período mínimo de 3 anos.

No direito português, a LUF define a União de Facto no n.º 2 do artigo 1.° como sendo:
«a situação jurídica de duas pessoas que, independente do sexo, vivam em condições análogas
às dos cônjuges há mais de dois anos.»

Pode verificar-se aqui que, enquanto no âmbito do direito angolano a proteção da União
de Facto apenas tem lugar quando os sujeitos envolvidos sejam um homem e uma mulher, no
direito português, a proteção jurídica da União de Facto ocorre tanto nas uniões heterossexuais
quanto nas uniões homossexuais, não havendo lugar para qualquer discriminação em razão da
orientação sexual dos conviventes, respeitando-se, assim, o princípio da igualdade e da não
discriminação, consagrado no artigo 13.° da CRP.

No direito brasileiro, esta realidade é designada por «união estável», pelo que este
instituto se encontra consagrado nos termos do artigo 1723.° do Código Civil Brasileiro. Na
ordem jurídica brasileira, para que ocorra a tutela legal da união estável, o legislador determina
que os sujeitos sejam de sexo oposto, que haja convívio público, animus de constituir vínculo
familiar e que haja uma união com natureza estável e caráter duradouro.

18
1.5.3. Consagração constitucional da União de Facto no direito angolano
Em primeiro lugar, importa dizer que a “constituição” consiste na lei fundamental de
um determinado país, ocupando o primeiro lugar na hierarquia das fontes de direito, responsável
por estabelecer um conjunto de normas ou regras que têm por objetivo garantir a organização e
um bom funcionamento do próprio Estado. Por outro lado, a Constituição tem ainda por
finalidade limitar os poderes de atuação do Estado-governo e garantir a consagração de direitos
e deveres fundamentais dos cidadãos. Quanto às outras fontes de direito, para que sejam
eficazes, é indispensável que não sejam contrárias à Constituição, sob pena de
inconstitucionalidade e da não aplicação das mesmas.

No direito angolano, o reconhecimento da União de Facto, como anteriormente foi


mencionado, é consequência das influências costumeiras, tradicionais e culturais do próprio
país, pelo que, nos termos do artigo 7.° da CRA, é acolhido o costume como fonte de direito,
desde que este não se mostre contrário à Constituição, à lei, ou ponha em causa a dignidade da
pessoa humana:

Angola é um país formado por diversas comunidades jurídicas em que cada uma tem os seus
costumes, as suas crenças.

Esta situação deve-se ao facto de se dever tomar em consideração que nos processos de
colonização coexistiram sempre duas formas de exercício de poder: o poder central, do estado
colonizador, e o poder periférico, ou seja, o poder tradicional.

O poder do Estado circunscrevia-se às capitais de província, de municípios (áreas urbanas), e


em algumas comunas (utilizando aqui a terminologia da divisão político-administrativa da
República de Angola), sendo exercido pelas autoridades através dos vários órgãos do poder
colonial.

Em paralelo, em quase toda a área rural , o poder era efetivamente exercido pelas autoridades
tradicionais, de acordo com o direito costumeiro (que aplicava à resolução de conflitos regras
próprias de um direito diferente do formal, estatal).

Este processo de coexistência dos dois poderes não era homogéneo e variava de acordo com o
poder colonial existente. Após a proclamação das independências nacionais, e ao contrário do
que se esperaria, manteve-se a dicotomia poder central/estatal e poder periférico/costumeiro.

[...] A experiência mostra que a assumpção exclusiva das regras do direito formal não se adequa
à nossa realidade, razão pela qual o novo texto constitucional alterou os princípios e as regras
em que se fundavam os princípios das fontes de direito em Angola, assim é que a Constituição

19
da República de Angola, que entrou em vigor em fevereiro de 2010, fez o enquadramento
jurídico-constitucional do costume (artigo 7.° da CRA), estatuindo que «é reconhecida a
validade e a força jurídica do costume, que não seja contrária à Constituição nem atente contra
a dignidade da pessoa humana».

[...] A partir de agora, a lei deixa de ser a única fonte de direito já que o costume passa,
igualmente, a ter a mesma dignidade jurídica, salvaguarda que esteja o sistema jurídico-
continental vigente em Angola (Araújo e Nunes, 2014).

Sendo assim, a consagração da União de Facto é uma forma de conformação do direito


costumeiro ao direito positivo. Diante disto, o n.º 1 (segunda parte) do artigo 35.° da CRA
reconhece a União de Facto como uma verdadeira instituição familiar suscetível de proteção
jurídica pelo Estado, equiparando-a, assim, ao instituto do casamento civil.

Entretanto, este não é o posicionamento da Constituição da República Portuguesa, pois


essa lei fundamental não se refere expressamente à União de Facto em nenhuma das suas
disposições normativas. Autores como Moreira e Canotilho (2014) têm defendido que se pode
inserir a proteção da União de Facto nos termos do n.º 1 (primeira parte) do artigo 36.° da
Constituição, isto é, a faculdade de constituir família firmada na presente norma, anui a
extensão dessa tutela a famílias constituídas com base na União de Facto. Embora defendam
que, o fundamento legal da proteção da União de Facto, resulta do direito ao Desenvolvimento
da personalidade, previsto no n.º 1 (primeira parte) do artigo 26.° da CRP.

1.5.4 Pressupostos legais para proteção da União de Facto por mútuo


acordo
A União de Facto pode revestir-se de duas modalidades. Por um lado, a União de Facto
reconhecida e merecedora de proteção jurídica e, por outro, a União de Facto não reconhecida.
Todavia, caso a união não reconhecida atenda a todos os pressupostos legais exigidos poderá
naturalmente ser reconhecida junto de uma instituição de registo civil, porque, como já foi dito,
na realidade angolana a falta de reconhecimento da União de Facto não resulta necessariamente
da falta de pressupostos legais, muitas vezes é fruto do desconhecimento por parte dos unidos
de facto sobre a necessidade do seu reconhecimento por conta do baixo nível de escolaridade
da população das zonas mais afastadas (rurais), o que torna difícil o entendimento de certas
matérias de cunho jurídico.

20
Outro aspecto importante a chamar-se à colação diz respeito ao facto de em muitos
meandros das comunidades angolanas, sobretudo rurais, se confundir a “União de Facto” com
a figura do “concubinato duradouro”, pelo que, antes de mencionar os pressupostos legais para
tutela da União de Facto, é importante fazer uma distinção entre essas duas figuras.

Enquanto que a União de Facto é apresentada no âmbito do direito angolano como uma
verdadeira fonte de relação jurídico-familiar, por dar lugar à coabitação (comunhão de leito,
mesa e casa) e naturalmente a uma vivência comum, o concubinato duradouro consiste apenas
na comunhão de cama. Ou seja, há aqui um modelo de relação que dá lugar ao envolvimento
sexual entre duas pessoas de modo estável, sem que, para tal, as pessoas tenham comunhão de
mesa ou partilhem da mesma casa. À partida, o concubinato pode ser entre pessoas do mesmo
sexo ou entre pessoas de sexo oposto, podendo ainda ser qualificado ou simples.

Face ao exposto, para que determinada situação de facto ou convivência marital seja
reconhecida e tutelada pelo instituto da União de Facto, deve atender-se aos seguintes
requisitos: idade núbil; o consentimento das partes no reconhecimento da União de Facto;
capacidade matrimonial; coabitação; convivência marital consecutiva durante, pelo menos, 3
anos; singularidade da união e a prova da união.

1.5.4.1. Idade núbil


Como regra geral, para que se verifique o reconhecimento legal da União de Facto, é
indispensável que os sujeitos da relação sejam maiores de 18 anos, o que quer dizer que a União
de Facto não reconhecida pode ser constituída com uma idade inferior aos 18 anos. Contudo,
torna-se imperioso que, no ato de reconhecimento junto do conservador de registo civil, as
partes já possuam idade núbil, partindo-se do pressuposto de que com 18 anos os sujeitos da
relação já tenham atingido a puberdade e sejam psiquicamente capazes de regular a sua vida e
o seu património (artigo 24.° do CFA).

Todavia, o legislador admite excepcionalmente o reconhecimento legal da União de


Facto por parte de sujeitos que tenham idade inferior a 18 anos (homem com 16 anos e mulher
com 15), mas, para que tal seja possível, é necessário que os menores tenham demonstrado a
vontade de o fazer. Por outra, o reconhecimento da União de Facto nesses casos deve ter em
atenção a ponderação de certas situações, o que quer dizer que o reconhecimento deve ser o
melhor para os conviventes e, isento de qualquer tipo de coação.

21
Ainda sobre o reconhecimento legal da União de Facto entre conviventes menores de
idade, torna-se necessária a autorização dos presentes legais aquando do reconhecimento da
união (os pais, tutores, ou as pessoas que sejam responsáveis pelos menores) [n.º 2 e 3 do artigo
24 .° do CFA]. A autorização pode ser oficiosamente suprida pelo tribunal, mediante audiência
do conselho da família, pelo que, ao conselho da família, se impõe a obrigação de emitir um
parecer, sempre que a falta de autorização não se justificar.

A admissibilidade da celebração do contrato de casamento e, consequentemente, o


reconhecimento legal da União de Facto por sujeitos menores de 18 anos demonstra a
preocupação do legislador em atender a alguns aspectos de cariz costumeiro e tradicional das
famílias angolanas3, porque no território angolano, mais concretamente na província de Malanje
e nos municípios mais afastados, a constituição da União de Facto como consequência do
alembamento (casamento tradicional) ocorre, em geral, a partir dos 15 anos, que é a fase em
que os jovens se mostram fisicamente preparados para dar início a uma vida marital.

1.5.4.2. Consentimento das partes no reconhecimento da União de Facto


Como regra geral, a lei atribui a legitimidade para o reconhecimento da União de Facto
aos unidos de facto, de modo presencial ou por meio de uma procuração, quando um dos unidos
de facto dentro das suas faculdades tenha delegado poderes para o efeito. Todavia, a lei admite,
igualmente, o reconhecimento por via judicial, em caso de morte de um dos sujeitos da relação
ou ruptura da união (artigos 112.° e 122.° do CFA).

No entanto, para o reconhecimento da União de Facto, é necessário que as partes estejam


de acordo. O acordo mútuo consiste no facto de as partes estarem em concordância no que
concerne ao registo da União de Facto, pelo que devem consentir o ato por meio de uma
declaração de vontade expressa.

A vontade manifestada pelos conviventes deve ser livre, atual e feita junto de um órgão
de registo civil. Isto quer dizer que ninguém se deve ver obrigado a registar uma União de Facto
e, consequentemente, ser abrangido pelos efeitos jurídicos decorrentes do reconhecimento,
quando essa não for a sua real intenção. Sendo assim, deve ter-se em atenção, no ato do registo,
se de facto existe ou não o cruzamento entre a vontade real e a vontade declarada pelos unidos

3
O artigo 7.° da CRA reconhece o costume como fonte de direito.

22
de facto, sob pena da existência de algum vício na vontade manifestada suscetível de dar lugar
à invalidação da união.

1.5.4.3. Capacidade matrimonial


A tutela legal da União de Facto fica condicionada à capacidade matrimonial,
semelhante ao que acontece no casamento. Para que alguém seja apto a reconhecer a União de
Facto, precisa de atender a certos requisitos que o tornem, do ponto de vista jurídico, capaz de
compreender o alcance dos efeitos legais resultantes do ato a ser praticado (artigos 23.° e ss do
CFA), pelo que não se deve verificar qualquer impedimento matrimonial (a demência notória,
interdição, etc.), ou seja, o legislador quer evitar que indivíduos que não sejam
psicologicamente e fisicamente capazes de compreender a dimensão jurídica dos direitos e
obrigações decorrentes da União de Facto a possam reconhecer, sob pena de se reconhecer a
união estando numa situação de erro. Sendo assim, um indivíduo com capacidade matrimonial
é aquele que é suscetível de reconhecer a União de Facto ou contrair matrimónio, por estar
isento de qualquer impedimento matrimonial.

1.5.4.4. Coabitação
A coabitação é o elemento objetivo para o reconhecimento legal da União de Facto. A
expressão coabitação deriva do latim cohabitatio e pode ser entendida como “a convivência
marital entre duas pessoas, sem a existência de vínculo matrimonial”. Pelo que, no plano
doutrinal, para que haja lugar à coabitação, precisa reunir-se cumulativamente três
pressupostos: comunhão de leito, mesa e casa. Do ponto de vista jurídico, é exigível que a
coabitação seja entre um homem e uma mulher num período sucessivo de 3 anos, para haver
lugar ao reconhecimento legal da união de facto em Angola (n.º 1 do artigo 113.° do CFA).

Para o STJ4, o dever de coabitação consiste «na obrigação de os cônjuges viverem na


mesma casa, a casa de morada de família, salvo motivo ponderoso e em contrário. Este dever
impõe aos cônjuges a comunhão de mesa, leito, e habitação». Por outro lado, questiona-se sobre
qual o tratamento jurídico dado a relações que dão lugar ao nascimento de filhos, cujo casal
demonstre a intenção de constituir família, quando exista a comunhão de cama e mesa.

4
Proc. n.º 07A4317, de 12 de fevereiro de 2008.

23
Igualmente, quando capacidade matrimonial e a relação atenda ao prazo legal exigido (3 anos),
mas que, por questões profissionais, não dê lugar à comunhão de habitação.

O Código da Família Angolano e o Decreto Presidencial n.º 36/15, de 30 de janeiro,


referente à proteção da União de Facto, nada dispõe sobre essa questão, mas, olhando para o
acórdão anteriormente referido, demonstram que, caso a falta do pressuposto habitação resultar
de um motivo ponderoso (exemplo da questão profissional), deveria admitir-se o seu
reconhecimento. Porém, essa não é a posição adotada pelo atual Código da Família Angolano.

1.5.4.5. Convivência marital consecutiva a pelo menos 3 anos


Uma das condições legais para a tutela da União de Facto é o decurso de um prazo de 3
(anos) de coabitação consecutiva (n.º 1 do artigo 113.° do CFA). Na verdade, o que o legislador
angolano pretende é que sejam apenas tuteladas as uniões de facto que apresentem uma natureza
estável e duradoura, evitando-se, assim, o reconhecimento legal de uniões de factos marcadas
por constantes rupturas por conta dos comportamentos instáveis, conflituosos em que os
distúrbios levassem a constantes separações. Saliente-se que, embora a lei imponha um prazo
de três anos para o reconhecimento da União de Facto, uma vez reconhecida a união, a lei, nos
termos do artigo 119.° do CFA, vem atribuir eficácia retroativa à união, isto é, os efeitos se
produzem desde o início.

Paralelamente ao direito angolano, a ordem jurídica cabo-verdiana determina,


igualmente, no n.º 1 do artigo 1715.° do Código Civil, que, para efeitos do registo da União de
Facto, é necessário que os sujeitos da relação tenham coabitado num período mínimo de 3 anos.
Por outra, o n.º 2 desse mesmo artigo admite excecionalmente a tutela da união que não atenda
ao período mínimo de 3 anos ou a outros requisitos legalmente estabelecidos, sempre que da
união resulte o nascimento de um ou mais filhos.

Diferente dos dois ordenamentos jurídicos acima referidos, Portugal estabelece como
período mínimo para o reconhecimento da União de Facto, a convivência marital num prazo
mínimo de dois anos (n.º 2 do artigo 1.° da Lei n.º 7/2001 de 11 de maio).

24
1.5.4.6. Singularidade da união
No ordenamento jurídico Angolano, o reconhecimento da União de Facto fica
subordinado ao princípio da exclusividade da união, ou seja, o reconhecimento da união apenas
será possível se essa for monogâmica, isto é, um único homem com uma única mulher (n.º 1 do
artigo 113.° do CFA), não se admitindo o reconhecimento simultâneo de mais de uma União
de Facto.

Todavia, do ponto de vista social, por conta de influências culturais e tradicionais, em


alguns municípios da província de Malanje (Caculama e Lombe, por exemplo), a poligamia é
vista como uma prática normal e aceitável no seio da comunidade, ao contrário da poliandria,
que é completamente reprovada. Ou seja, os homens possuem socialmente a liberdade de
possuir mais de uma mulher, as quais podem, inclusive, partilhar da mesma residência (casa de
morada de família).

Por fim, deve salientar-se que a união de facto legalmente reconhecida ou casamento
anterior não dissolvido constituem impedimentos absolutos ao reconhecimento da União de
Facto [alínea b) do artigo 25.° do CFA].

1.5.4.7. Prova da União de Facto


Para o reconhecimento da União de Facto, a lei exige que se faça prova da união,
concretamente sobre a sua duração e singularidade. Porém, uma vez que este modelo de
constituição de família não obedece a qualquer ato solene no momento em que se inicia, exige-
se à partida que a prova seja feita através de testemunhas, o que pressupõe que a união seja
notória no seio da comunidade e as testemunhas, impondo-se, por conta do artigo 15.° e 16.°
do Decreto Presidencial n.º 36/15 de 30 de janeiro, o dever de prestar juramento junto do
conservador, pelo que a prestação de falsas declarações pode dar lugar à responsabilidade civil
ou criminal.

No entendimento de Coelho e Oliveira (2016, p.72), a prova testemunhal não deve


obstar a possibilidade da existência de prova documental, podendo ter-se como exemplo as
circunstâncias em que exista um comprovativo de morada, esse documento pode naturalmente
ser utilizado como prova do início da vida em comum dos unidos de facto (atestado de
residência passado pelos órgãos legalmente competentes). Portanto, no âmbito da ordem
jurídica angolana, a prova sobre o período de duração e singularidade da União de Facto pode

25
ser feita tanto por meio de testemunhas quanto por via documental, desde que o documento
apresentado tenha sido emitido por um órgão administrativo no lugar ou localidade em que se
pretende reconhecer a União de Facto (n.º 2 do artigo 116.° do CFA).

1.6. Quem pode se opor ao reconhecimento da União de Facto?


O artigo 18.° da Lei n.º 36/15, de 30 de janeiro, atribui a legitimidade para se opor ao
reconhecimento da União de Facto a qualquer indivíduo, com o fundamento da existência de
circunstâncias impeditivas (casamento anterior não dissolvido, demência notória, etc.), o que
pressupõe que o ato de oposição não deve ser posterior ao despacho final do conservador.
Contudo, caso a união seja reconhecida apesar de acarretar algum vício que, noutras condições,
impediria o seu reconhecimento, os interessados dispõem da faculdade de intentar uma ação
judicial para a invalidade do ato.

1.7. Circunstâncias que obstam o reconhecimento da União de Facto


Para o reconhecimento da União de Facto, o legislador angolano impõe que as partes
disponham de capacidade matrimonial, pelo que a sua ausência obsta o reconhecimento da
união e, igualmente, da celebração do casamento civil (artigo 23.° do CFA).

Quanto à noção de impedimentos matrimoniais, segundo Campos (2008, p. 202), são


incapacidades matrimoniais – as circunstâncias que impossibilitam a celebração do contrato de
casamento – , que se distinguem, na óptica deste autor, em impedimentos dirimentes e simples
impedientes e podem ser encontrados nos termos artigos 1601.°, 1602.°, 1604.° do CCP.

No ordenamento jurídico português, os impedimentos ou exceções ao reconhecimento


da União de Facto encontram-se previstos nos termos do artigo 2.° da LUF, que dispõe que
«Impedem a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte fundados na união de
facto»:

a) Idade inferior a 18 anos à data do reconhecimento da união de facto;


b) Demência notória, mesmo com intervalos lúcidos e situação de acompanhamento de maior, se
assim se estabelecer na sentença que a haja decretado, salvo se posteriores ao início da união;
c) Casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens;
d) Parentesco na linha recta ou no 2.° grau da linha colateral ou afinidade na linha recta;
e) Condenação anterior de uma das pessoas como autor ou cúmplice por homicídio doloso ainda
que não consumado contra o cônjuge do outro.

26
Ora, na ordem jurídica angolana, segundo dispõe os artigos 25.° e 26.° do CFA,
constituem impedimentos ao reconhecimento da União de Facto as seguintes circunstâncias:

A demência notória; interdição ou inabilitação por anomalia psíquica; casamento ou União de


Facto legalmente reconhecida anterior não dissolvido; o parentesco e a afinidade na linha reta;
o parentesco no segundo grau da linha colateral; e a pronúncia do nubente como autor ou
cúmplice por homicídio doloso contra o cônjuge do outro, enquanto não houver despronúncia
ou absolvição.

1.7.1. A demência notória


A demência notória constitui uma das circunstâncias que obsta o reconhecimento legal
da união, mesmo durante os intervalos lúcidos. Segundo o acórdão do STJ, esta figura deve ser
entendida como «o conjunto de perturbações mentais graves que alteram a estrutura mental da
pessoa em causa, com profunda diminuição da sua atividade psíquica (funções intelectuais e
afetividade), tornando-a incapaz de reger a sua pessoa e bens.»5

1.7.2. Interdição ou inabilitação por anomalia psíquica


Antes de mais nada, é importante chamar à colação o facto de que, no âmbito dos
negócios jurídicos, em geral, essas incapacidades poderão revestir-se de outras modalidades,
nomeadamente a interdição ou inabilitação por surdez/mudez, cegueira, e não apenas a
interdição ou inabilitação por anomalia psíquica. No plano do direito civil, essas figuras
encontram-se previstas nos termos do art.º 138.° e ss do código civil, quer angolano, quer
português. Outro aspecto que deve ser mencionado consiste no facto de que apenas as pessoas
maiores de idade estão sujeitas à interdição (n.º 2 do artigo 138.° do CCA).

A interdição ou inabilitação por anomalia psíquica constituem, igualmente,


incapacidades matrimoniais ou, simplesmente, impedimentos absolutos à celebração do
casamento e ao reconhecimento legal da União de Facto, cuja consagração legal é feita pela
alínea a) da segunda parte do artigo 25.° do CFA. Do ponto de vista da jurisprudência, a
interdição deve ser entendida como «um instrumento que visa tutelar os interesses do incapaz,

5
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (processo n.º 04B4602), de 27-01-2005, disponível em:
http//www.dgsi.pt [Consultado em 14 de fevereiro de 2019].

27
afirmando-se pela necessidade de cuidado da pessoa, e, implicando restrições fundamentais à
capacidade civil e do desenvolvimento da personalidade, consagrado no artigo 26.° da CRP,
encontra-se sujeita ao princípio da proporcionalidade». 6

Ao atender-se ao princípio da proporcionalidade, pretende garantir-se que as restrições


ao direito fundamental de constituir família imposto aos incapazes sejam adequadas e, do ponto
de vista concreto, necessárias, ou seja, é indispensável aferir-se em concreto a gravidade da
patologia ou insanidade mental do incapaz, para que se obste a celebração do casamento ou o
reconhecimento da União de Facto.

Quanto ao conceito de anomalia psíquica, segundo o Tribunal da Relação de Coimbra,


consiste de um modo amplo, na existência de distúrbios mentais, que inviabilizam o processo
de compreensão ou discernimento sobre a administração de interesses pessoais e patrimoniais
dos incapazes. Para Pinto (2012), deve associar-se a interdição por anomalia psíquica às
deficiências do intelecto, da afetividade ou da vontade.

Quanto à distinção entre a figura da interdição e da inabilitação por anomalia psíquica,


na ótica de Pinto (idem), a interdição distingue-se da inabilitação, porque o estado de demência
torna o demente desprovido de qualquer capacidade para reger a si e ao seu património, ao
passo que, na inabilitação, o incapaz dispõe de certa idoneidade para regular os seus interesses,
embora a sua sanidade mental se mostre especialmente afetada.

1.7.3. Casamento ou União de Facto legalmente reconhecida, enquanto não


for dissolvido
A ordem jurídica angolana em matéria de celebração de matrimónio e reconhecimento
legal da União de Facto atende a uma estrutura monogâmica, não admitindo o reconhecimento
simultâneo de mais de uma União de Facto, pelo que faz depender a tutela legal da União de
Facto ao princípio da singularidade da união como foi anteriormente dito (artigo 113.° do CFA).

Quanto à celebração de casamento, a lei proíbe que um sujeito se case com mais de uma
pessoa (artigo 25.° do CFA), o legislador ordinário demonstra uma reprovação à poligamia e à
poliandria, tanto que estabelece, como um dos efeitos pessoais do casamento, o dever de

6
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (processo n.º 63/2000.C1), de 11-11-2014, disponível em:
http//www.dgsi.pt [Consultado em 14 de fevereiro de 2019].

28
fidelidade, cuja violação deve constitui um ilícito conjugal. Vale lembrar de que o legislador
vai mais longe, estabelecendo, no título II do Código Penal Angolano referente aos crimes
contra a família, à criminalização da bigamia (artigo 221.°), prevendo uma moldura penal que
varia de 6 meses a 2 anos de prisão, ou uma pena de multa, que vai de 60 a 360 dias.

A ordem jurídica portuguesa obedece à mesma estrutura monogâmica em matéria de


casamento e União de Facto, criminalizando, igualmente, a bigamia, nos termos do (artigo 247.°
do CPP), tendo, igualmente, o dever de fidelidade como um dos efeitos pessoais do casamento
(artigo 1673.° do CCP). Contudo, nem sempre a violação do dever de fidelidade mediante o
adultério constituiu um mero ilícito conjugal, pois, o Código Penal Português, de 1852 atribuía
dignidade penal ao adultério, criminalizando a sua prática nos termos dos artigos 401.° e 404.°

Portanto, para efeitos de celebração de casamento e reconhecimento da União de Facto,


quer na ordem jurídica portuguesa, quer na ordem jurídica angolana, a lei proíbe a existência
de casamento ou união de facto legalmente reconhecida a relações anteriores não dissolvidas,
isto é, se alguém for casado ou estiver numa União de Facto reconhecida e quiser dar lugar ao
reconhecimento de uma nova União de Facto deverá antes dar lugar à dissolução da primeira
união ou casamento, sob pena de inexistência da segunda união.

1.7.4. O parentesco e a afinidade da linha reta


Estas duas figuras constituem impedimentos matrimoniais relativos, previstos na alínea
a) do artigo 26.° do CFA. O parentesco é definido pelo artigo 9.° do CFA como: «[...] o vínculo
que liga duas pessoas por virtude de uma descender de outra ou de ambas procederem de um
progenitor comum».

Por conta do artigo 8.° do CFA, o parentesco pode resultar de uma relação de
consanguinidade ou por intermédio da adoção. Com a proibição do casamento ou
reconhecimento legal da União de Facto entre parentes da linha reta, o legislador pretende evitar
a propagação de atos de incesto, uma vez que este é um fenómeno que, durante séculos, é alvo
de uma forte reprovação social e jurídica.

Embora, durante muito tempo em determinadas tribos do território angolano, se tenha


mostrado a preferência por uniões de facto (fruto do casamento tradicional) entre membros da
mesma família, com vista a garantir a propagação das tradições familiares e a manutenção do
património da família, atualmente, o código da família proíbe a contração de matrimónio ou a

29
proteção legal da União de Facto entre afins ou parentes da linha reta (casamento ou União de
Facto entre irmãos, pai e filho, sogro e genro, etc.), desencorajando, assim, a prática do incesto
e incentivando a constituição de família entre pessoas de grupos ou regiões diferentes.

A afinidade é uma fonte de relação jurídico-familiar que consiste no elo que se


estabelece entre um dos cônjuges e os parentes do outro, por conta dessa relação que emerge
fruto do casamento ou União de Facto reconhecida, a lei proíbe igualmente o casamento ou a
constituição de família através da União de Facto entre sujeitos que sejam afins de linha reta,
pelo que não se admite, por exemplo, o reconhecimento legal da União de Facto entre sogra e
genro, padrasto e enteada. Estas proibições encontram-se previstas nos termos dos artigos 14.°
e 15.° do CFA.

1.7.5. O parentesco no segundo grau da linha colateral


O Código da Família Angolano estabelece, na alínea b) do artigo 26.°, a proibição do
casamento e o reconhecimento legal da União de Facto entre indivíduos que se encontrem
abrangidos pelo parentesco no segundo grau da linha colateral, ou seja, não é admitido na ordem
jurídica angolana a proteção legal ou o reconhecimento jurídico da União de Facto entre irmãos.

1.7.6. A pronúncia do nubente como autor ou cúmplice por homicídio


doloso contra o cônjuge do outro
Quanto a este último impedimento, Medina (2013, p. 194) observa que: «[...] o
impedimento surge desde que tenha sido proferido o despacho de pronúncia do nubente pela
prática do crime de homicídio doloso contra o cônjuge do outro, e perdura enquanto o réu não
vier a ser despronunciado ou absolvido por decisão transitada em julgado».

Por fim, deve referir-se que, no que diz respeito ao reconhecimento da União de Facto
por mútuo acordo, sempre que a união atender a todos os requisitos para a sua proteção jurídica,
ou seja, sempre que os unidos de facto em comum acordo manifestarem o desejo de
reconhecerem legalmente a sua união, isto é, preenchendo cumulativamente todos os
pressupostos estabelecidos no n.º 1 do artigo 113.° do CFA e não recair sobre eles quaisquer
impedimentos matrimoniais (artigos 25.° e 26.° do CFA), impõe-se ao funcionário ou órgão do
registo civil competente pelo reconhecimento legal de uniões de facto o dever de emitir um

30
despacho de reconhecimento, caso os unidos de facto venham efetivamente a requerê-lo (artigo
118.° do CFA).

1.7.7. Reconhecimento excecional da União de Facto por via judicial


Embora, em geral, o reconhecimento da União de Facto dependa da vontade comum das
partes envolvidas, as quais, geralmente, devem fazê-lo de modo presencial ou por intermédio
do seu representante legal, isto é, junto de uma conservatória de registo civil, o Código da
Família Angolano veio admitir excecionalmente a possibilidade do reconhecimento da União
de Facto junto de um tribunal, em caso de ruptura ou morte de um dos sujeitos, por conta de
inúmeras divergências ou conflitos que tendem a emergir após a dissolução da união (por morte
ou vontade das partes), conflitos que tanto pode ocorrer entre os unidos de facto quanto entre
estes e os familiares do outro, por não se chegar a um entendimento sobre a atribuição ou divisão
dos direitos e das obrigações resultantes da constância da união (artigo 122.° CFA).

Nesta senda, a lei atribui a legitimidade para o reconhecimento da União de Facto por
via judicial aos conviventes em caso de ruptura e, em caso de morte, este direito é atribuído ao
unido de facto sobrevivo ou aos seus herdeiros, caso existam. Assim, a ação deve ser proposta
num prazo de 2 anos e reunir os requisitos legalmente estabelecidos para o seu reconhecimento
(artigos 123.° e 124.° do CFA).

Caso venha a ser proposta uma ação judicial com vista ao reconhecimento da União de
Facto, a lei impõe que o conselho da família seja ouvido aquando do reconhecimento da União
de Facto (artigo 125.° do CFA) e, caso o tribunal proceda o reconhecimento da União de Facto,
a sentença dará lugar à produção dos mesmos efeitos da dissolução do casamento, ficando ainda
a decisão do tribunal sujeita a registo (artigo 126.° do CFA ).

1.7.8. A necessidade do reconhecimento legal da União de Facto entre


pessoas do mesmo sexo
Do ponto de vista legal, o Código da Família Angolano não reconhece as uniões
homoafetivas ou homossexuais, conforme o conceito de União de Facto dado pelo artigo 112.°,
ou seja, são apenas legalmente reconhecidas as uniões entre pessoas de sexo oposto. Porém,
não existe qualquer proibição legal expressa sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo

31
ou sobre o reconhecimento legal de uniões homoafetivas, o que nos leva a crer que existe aqui
uma margem para futuramente se atender a esta questão, isto é, consagrar legalmente normas
que admitam esta possibilidade, por conta de certos problemas jurídicos que essas uniões
suscitam, como é o caso da atribuição da casa de morada de família em caso de dissolução da
união por morte ou por vontade das partes, a questão do enriquecimento ilícito, e correlatos.

A homossexualidade constitui um fenómeno que data dos tempos mais remotos, mas
que, durante muito tempo, foi alvo de uma grande reprovação social e o ainda em determinadas
sociedades, sendo vista socialmente como uma prática intolerável e, do ponto de vista religioso,
pecaminosa. A igreja acredita que a homossexualidade é resultado de influências de maus
espíritos ou espíritos satânicos (práticas biblicamente demoníacas).

No âmbito da sociedade angolana, não se tem uma informação precisa sobre a data do
seu início, todavia, nos últimos anos essa realidade foi ganhando maior notoriedade por conta
dos média.

Por outro lado, por conta de influências culturais e dada a natureza conservadora da
população e do poder da igreja, essa é uma prática ainda repudiada e alvo de uma enorme
reprovação. Contudo, com o crescimento acelerado da comunidade LGBT em Angola, tem-se
notado uma grande pressão sobre o Estado em reconhecer certos direitos constitucionalmente
estabelecidos a esses indivíduos, como o direito à liberdade de associação, por exemplo (artigo
48.° CRA).

Após anos de espera para o reconhecimento da primeira associação LGBT, denominada


Íris, finalmente o Ministério da Justiça procedeu ao seu reconhecimento em junho de 2018. Este
grupo associativo tem como principal objetivo defender os direitos fundamentais de pessoas
não héteros, por conta da existência de práticas discriminatórias e violadoras dos seus direitos
fundamentais, bem como, a insuficiência ou inexistência de políticas legislativas e políticas
públicas inclusivas para esse grupo minoritário (Tavares, 2018).

1.8. Como são tuteladas as uniões de facto entre homossexuais?


Primeiro, é importante referir que a constituição da União de Facto não obedece a
qualquer formalidade, o que quer dizer que dois indivíduos do mesmo sexo ou de sexo diferente
podem decidir em qualquer momento, dentro da sua autonomia da vontade, dar início ou
estabelecer uma vida em comum, similar a de pessoas casadas, ou seja, dar início a uma União

32
de Facto mediante uma comunhão plena de vida (comunhão de cama, mesa e habitação). Ora,
disso decorre a questão sobre como o direito da família angolano protege essas uniões
homossexuais, uma vez que legalmente não se admite o seu reconhecimento.

Respondendo a essa questão, o legislador angolano não prevê qualquer disposição


normativa para a proteção de indivíduos homossexuais que vivam em União de Facto. Todavia,
em caso de enriquecimento ilícito por um dos unidos de facto, o artigo 113.° n.º 2 do CFA tem
remetido à resolução deste o problema em sede da lei civil, remetendo para área dos direitos
reais, por exemplo (chamando-se à colação o instituto da compropriedade), isto é, para efeitos
de partilha de bens e, atribuição da casa de morada de família, mas jamais se resolve o problema
em sede de direito da família, devido à lacuna existente.

Dada esta lacuna, entende-se que, antes mesmo de uma possível revisão do Código da
Família Angolano, caso esse tipo de questão seja levada a juízo, podia aplicar-se similarmente
a lei da União de Facto para efeitos de partilha de bens e de outros direitos/deveres resultantes
da constância da união, face à similitude das situações, isto é, conforme o posicionamento da
jurisprudência.

A falta de disposições legais sobre a proteção da União de Facto entre pessoas do mesmo
sexo, e face aos problemas que essa inexistência jurídica tem gerado, faz nascer a necessidade
de o legislador ordinário semelhante ao que ocorre na ordem jurídica portuguesa atender a esta
nova dinâmica social, mediante uma reforma do atual código da família, porque, como
anteriormente foi mencionado, o instituto da família não é estático, tem caráter mutável e ao
direito se impõe o dever de assegurar ou atender aos novos desafios que possam vir a ter lugar,
porque o direito foi criando para trabalhar a favor das pessoas, e não o inverso.

1.9. Sobre o fundamento legal para a proteção de uniões de facto


homossexuais
O fundamento legal para a proteção de uniões de facto entre homossexuais pode ser
encontrado na própria Constituição da República de Angola:

● Artigo 1.°:

Angola é uma República soberana e independente, baseada na dignidade da pessoa humana e na


vontade do povo angolano, que tem como objectivo fundamental a construção de uma sociedade
livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social.

33
● Artigo 2.° (Estado Democrático de Direito):

1. A República de Angola é um Estado Democrático de Direito que tem como fundamentos a


soberania popular, o primado da Constituição e da lei, a separação de poderes e interdependência
de funções, a unidade nacional, o pluralismo de expressão e de organização política e a
democracia representativa e participativa.

2. A República de Angola promove e defende os direitos e liberdades fundamentais do Homem,


quer como individuo, quer como membro de grupos sociais organizados, e assegura o respeito e
a garantia da sua efectivação pelos poderes legislativo, executivo e judicial, seus órgãos e
instituições, bem como por todas as pessoas singulares e colectivas.

Estas duas disposições normativas apresentam o Estado angolano como um Estado


Democrático de Direito, que tem como princípios basilares o da dignidade da pessoa humana,
liberdade, igualdade. Onde ao Estado se impõe a obrigação de respeitar a vontade popular e de
assegurar a garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos indivíduos consagrados na
constituição e na lei, bem como , assegurar a sua proteção através da criação de mecanismos de
garantias adequados, criação de leis inclusivas, assegurar o acesso aos tribunais, etecetera.

Sendo assim , importa esmiuçar um pouco sobre cada um dos princípios acima referidos,
nomeadamente o da dignidade da pessoa humana, liberdade e o da igualdade, pelo que, mais
adiante, se fará uma análise individual de cada um deles. Para já, alguns autores entendem que
o fundamento para a proteção da união de facto entre homossexuais resulta do direito ao
desenvolvimento pessoal. O princípio do Estado de Direito é uma realidade histórico-cultural e
normativa que se define na CRA (2010) por um conjunto de elementos, a saber:

(i) «[a] submissão do Estado ao Direito (ou primado do Direito), a começar pelo respeito
devido à “referência cimeira” da dignidade da pessoa humana [artigos 1.° e 236.°,
alínea a), da CRA], a passar pela submissão à Constituição (artigos 2.°, n.º 1, 6.° e
226n.°) e à lei (artigos 2.º, n.º 1, e 6.°) e ainda pelo respeito pelos princípios
fundamentais do Direito, que se desenvolvem especialmente nos princípios da
igualdade, da proibição do arbítrio, da proporcionalidade, da segurança jurídica e da
protecção da confiança (artigos 2.°, 6.°, 23.°, 57.°);
(ii) o respeito e a protecção dos direitos e liberdades fundamentais do homem [artigos 2.°,
n.º 2, 21.°, alínea b), 22.° e seguintes, 56.° e 236.°, alíneas a), e) e g)];
(iii) a independência dos tribunais [artigos 175.° e 236.°, alínea i)];
(iv) enfim, o carácter necessariamente limitado do poder do Estado, de onde decorre
designadamente o princípio da separação e interdependência de poderes [artigos 2.°,
105.°, n.º 3, e 2n36.°, alínea j] (Alexandrino, 2013).

34
CAPÍTULO II – METODOLOGIA

2.1. Desenho de pesquisa

A metodologia de elaboração da presente pesquisa segue os pressupostos enunciados


por Gil (2008). Para o efeito, recorreu-se à abordagem quantitativa, pelo facto de se tabularem
alguns dados relacionados com a técnica de amostragem, agrupados de forma estatística, isto é,
quantidade numérica e percentual. Objetivamente, foram utilizados os seguintes modelos de
pesquisa:

(i) Bibliográfico: Para a elaboração dos capítulos teóricos. Para a


fundamentação teórica, procedeu-se a uma pesquisa exploratória para
analisar os aspectos doutrinários, legais e jurisprudências sobre assuntos
relacionados com o tema de referência no domínio.
(ii) Estatístico: Para uma melhor percepção do âmbito de estudo e para conferir
um suporte estatístico, foi utilizado um questionário.

2.2. Local de estudo

O campo de acção da presente investigação é Malanje, capital da província com o


mesmo nome, uma área territorial de 2 422 Quilômetros quadrados, limitada a Norte pelo
Município de Cuaba Nzogo, a Leste pelo Mucari, a Sul pelo Cangandala e Mussende e a Oeste
pelo Cacuso e Calandula e com aproximadamente 569 474 habitantes (cf. Santos, 2016).

2.3. População e amostra

Segundo Lakatos e Marconi (2003, p. 223), «a população é o conjunto de seres animados


ou inanimados que apresentam as mesmas características, tendo em conta o sexo, faixa etária,
e o grupo a que este pertence, etc.». Assim, partindo do pressuposto de que todos os habitantes
do município de Malanje partilham da mesma naturalidade, a população deste trabalho é de
569 474 indivíduos, o que corresponde ao total global de munícipes locais. Já a «amostra é
uma porção de indivíduos selecionada a partir do universo» (idem).

35
Para a selecção da amostra, optou-se pelo critério casual simples. Para uma ideia mais
precisa, dentro de um semestre, foram inquiridos 100 munícipes de Malanje sobre o tema em
análise.

2.4. Caraterística dos participantes da pesquisa

No âmbito da tabulação dos dados coletados no município de Malanje, especificamente


no que ao aspecto sócio-demográfico diz respeito, foram constatadas as seguintes
características da população: 40 participantes, correspondentes a 40%, são do género masculino
e 60 participantes, correspondentes a 60%, são do género feminino, como se passa a dar conta
na tabela a seguir.

Tabela 1: Género de participantes

N.º Género Tamanho Percentagem


amostral

1.º M 40 40%

2.º F 60 60%

Σ -------- 100 100%

Quanto à faixa etária, constatou-se que 27 participantes, correspondentes a 27%, estão


entre os 23 e 43 anos; 60 participantes (60%) estão entre os 44 e 64 anos e, por último, 13
participantes (13%), pertencem à faixa etária dos 65 anos em diante, como se pode ver na tabela
abaixo.

Tabela 2: Faixa etária dos participantes

N.º Faixa Tamanho Percentagem


Etária amostral

1.º 23 – 43 27 27 %

2.º 44 – 64 60 60 %

36
3.º 65 Em 13 13 %
diante.

Σ ------- 100 100 %

Quanto ao estado civil, 30 participantes, correspondentes a 30%, são casados, 11, 11%,
são solteiros, 9, 9%, vivem em União de Facto reconhecida e, por último, 50 participantes, que
correspondem a 50%, vivem em União de Facto não reconhecida, como abaixo se representa.

Tabela 3:Situação civil dos participantes

N.º Estado Civil Tamanho Percentagem


amostral

1.º Casado 30 30 %

2.º Solteiro 11 11 %

4.º Em União de Facto 9 9%


reconhecida

5.º Em União de Facto 50 50 %


não reconhecida

Σ ------- 100 100 %

Quanto ao nível académico, constatou-se que 10 participantes, correspondentes a 10%,


pertencem ao ensino primário, 35 participantes, correspondentes a 35%, pertencem ao 1.º ciclo,
35 participantes, correspondentes a 35%, pertencem ao 2.º ciclo. Constatou-se ainda que 16
participantes, 16%, pertencem ao ensino superior e, por fim, 4 participantes, correspondentes a
uma média de 4%, nunca estudaram.

37
Tabela 4: Nível académico

N.º Habilitação académica Tamanho da Percentagem


amostra

1.º Ensino Primário 10 10%

2.º I Ciclo 35 35%

3.º II Ciclo 35 35%

4.º Ensino Superior 16 16%

5.º Iletrados 4 4%

Σ ------------ 100 100%

Quanto à residência dos participantes, pode aferir-se que 7 participantes,


correspondentes a 7%, reside na Camoma; o outro grupo composto por 7 participantes,
correspondentes a 7%, reside na Cahala; 7 participantes, 7%, residem na Carreira de Tiro; 7
participantes, 7%, residem na Cangambo; 20 participantes, 20%, residem na Catepa; 20
participantes, 20%, residem na Kizanga; 7 participantes, 7%, residem nos Kalungas; 7
participantes, 7%, residem na Maxinde; 7 participantes, 7%, residem na Vila Matilde e, por
último, constatou-se que 13 participantes, que correspondem a 13%, residem na Canâmbua,
como abaixo se representa.

Tabela 5: Residência

N.º Residência Tamanho da amostra Percentagem

1.º Camoma 7 7%

2.º Cahala 7 7%

3.º Carreira de tiro 7 7%

4.º Cangambo 7 7%

5.º Catepa 20 20%

38
6.º Kizanga 20 20%

7.º Kwanza sul 7 7%

8.º Maxinde 7 7%

9.º Vila Matilde 7 7%

10.º Canâmbua 13 13%

Σ ----------- 100 100%

Quadro n.º 1. Tamanho da amostra


Categoria Tamanho da amostra

Munícipes 100

Total 100

Fonte: Adaptação da autora.

2.5. Técnicas e instrumentos da pesquisa

As técnicas e instrumentos como a entrevista, questionário, observação natural e a


pesquisa documental são importantes no campo de pesquisa (Oliveira, 2011). Para o presente
trabalho, utilizaram-se os seguintes:

a) Questionário, instrumento usado para a pesquisa, contendo 16 perguntas, dentre as


quais 15 diretas e fechadas e uma aberta. Todas as questões foram integralmente
respondidas por habitantes do Município de Malanje.
b) Entrevista, a técnica usada para a aplicação do questionário da pesquisa.

2.5.1. Tipo de pesquisa


a) Exploratória: Em primeiro lugar, buscou compreender-se o assunto em abordagem
para, posteriormente, se delimitarem os aspetos inerentes à União de Facto;
b) Descritiva: Procurou descreverem-se alguns aspectos inerentes à de União de Facto,
nomeadamente quanto aos pressupostos para o seu reconhecimento e quanto aos direitos
e às obrigações dos conviventes e dos seus descendentes, decorrentes desse vínculo.
39
c) Analítica: Procurou analisar-se os aspetos sociais, culturais, tradicionais e jurídicos,
que têm uma grande influência na União de Facto.

2.6. Validade e confiabilidade na pesquisa


Dado o elevado grau de seriedade da pesquisa, os dados foram recolhidos sem
manipulação que os comprometesse e, por conseguinte, a fiabilidade do trabalho. Por esta razão,
para não viciar os resultados, foram aqui incluídos os resultados da observação natural, e não
apenas os dados coletados.

2.7. Limitações e dificuldade


As principais dificuldades encontradas ao longo da investigação relacionaram-se com a
escassez de bibliografias de autores angolanos que abordassem especificamente sobre questões
ligadas ao estudo da União de Facto, além, obviamente, das dificuldades com a locomoção para
certas bibliotecas, dada a distância geográfica entre a investigadora e o campo de ação. Por fim,
uma das maiores dificuldades prendeu-se com a obtenção de jurisprudência e legislação
angolanas referentes ao tema em questão.

2.8. Análise dos dados


Os dados recolhidos foram tabulados, analisados e organizados com base nos critérios
estatísticos quantitativos e qualitativos, no programa Excel 2016 e Microsoft Word 2016.

2.9. Codificação dos dados


O trabalho dispõe de quadros ilustrativos criados com base nos resultados da pesquisa
de campo.

2.10. Síntese do capítulo

Neste capítulo, Metodologia, foi feita uma abordagem específica sobre os métodos de
pesquisa utilizados na obtenção dos dados para a presente investigação e os principais
resultados do trabalho. A amostra é composta por 100 habitantes, para uma população composta
por 569 474 munícipes. Quanto ao instrumento de recolha de dados, recorreu-se à
entrevista/questionário. Depois de recolhidos, os dados foram interpretados, analisados e
submetidos aos resultados da pesquisa no último capítulo.

40
CAPÍTULO III – PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DA UNIÃO DE
FACTO

3.1. Princípio da dignidade da pessoa humana


Este é um princípio primordial de um verdadeiro Estado de direito, que funciona como
limite à própria atuação do Estado. O direito à dignidade da pessoa humana dá lugar a um
conjunto de direitos, liberdades e garantias fundamentais. O Estado propõe-se a assegurar a
proteção desses direitos e sancionar quem os viola, como resulta do artigo 1.º da CRA.
Entretanto, do ponto de vista Constitucional, não existe qualquer referência normativa ao seu
conceito, todavia, a sua consagração é feita nos termos do artigo 1.° da CRA (2010). No direito
português, a dignidade da pessoa humana encontra-se, igualmente, consagrada nos termos do
artigo 1.º da CRP .

Quanto ao entendimento da perspectiva doutrinária, não existe unanimidade entre os


autores. Porém, a maior parte dos autores entende que se deve conceber o princípio da dignidade
da pessoa humana como um conjunto de qualidades ou valores morais e espirituais, intrínsecos
e extrínsecos inerentes aos indivíduos por conta da sua natureza racional. Por esta razão, ao
Estado se impõe apenas o dever de reconhecer aos indivíduos os direitos, liberdades e garantias
fundamentais inerentes à sua dignidade e de os respeitar, sem qualquer discriminação em
virtude da raça, sexo, etnia, orientação sexual, etc..

Sendo assim, o Estado deve assegurar o respeito, na sua acepção mais ampla, e uma
vida digna a todos os cidadãos. Pode mencionar-se, aqui, a título exemplificativo, o respeito
pelo direito à identidade pessoal, o qual se fundamenta na proteção da dignidade humana. O
direito identidade pessoal é um direito de personalidade, que consiste na autoconsciência, ou
seja, na forma singular como cada indivíduo olha para si e como concebe a sociedade, sendo
caracterizado como um direito imprescritível de conhecer a sua origem, essência, etc.
(consagrado no artigo 32.º da CRA, 2010). Outro exemplo é o do direito a constituir família,
previsto no artigo 35.º da CRA (idem).

O direito a constituir família, previsto no artigo 35.° CRA, deve ser entendido numa
perspectiva mais abrangente, como defendem alguns autores, e não se limitar apenas às relações
heterossexuais, ou seja, deve consistir na faculdade de formar vínculos familiares sem qualquer

41
discriminação, quer a família se funda no casamento quer na União de Facto,
independentemente da orientação sexual das partes, como sucede no direito português7.

No que concerne à dignidade, segundo Kant (1986) diz que «quando uma coisa tem
preço pode-se pôr em vez dela qualquer outra equivalente; mas quando uma coisa está acima
de todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então, tem ela dignidade». Seguindo a
lógica de Kant, deve olhar-se para a dignidade como um valor insuscetível de avaliação
económica, o quer dizer que não pode ser comprada ou vendida.

Quanto ao direito à dignidade da pessoa humana, tem sido caracterizado como um


direito de personalidade com caráter absoluto, pelo que sobre todos recai o dever geral de
respeito.

3.2. Princípio da igualdade e da não discriminação em virtude da orientação


sexual
O princípio da igualdade, responsável por garantir a igualdade de tratamento entre os
indivíduos, constitui uma pedra basilar no âmbito do direito angolano, consagrado nos termos
do artigo 23.° da Constituição da República (2010). Esse comando pode ser visto em duas
perspectivas: por um lado, determina que o Estado, com base na Constituição e na lei, crie
condições e políticas que permitam a igualdade de direitos e deveres entre os cidadãos; por
outro lado, impõe a criação de mecanismos que visam repelir as práticas discriminatórias que
atentem contra a plena concretização do direito à igualdade, sejam praticadas por particulares,
sejam pelo próprio Estado, por intermédio das suas instituições.

É nestes termos que (Bondo, 2015) entende que:

O princípio da igualdade é um princípio constitucional, segundo o qual todos os cidadãos têm a


mesma dignidade social e são iguais perante a lei, não podendo ninguém ser distinto,
beneficiado, desprovido, afetado, lesado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em
razão da ascendência, raça, cor, sexo, língua, território de origem, religião, convicções ou
ideologias, instituição, situação econômica, imposição social ou tendência sexual.

7
Lei n.º 9/2010 de 30 de maio, que veio permitir o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, e o artigo 1.º n.º
2 da Lei n.º 7/2001, que veio tornar possível a proteção legal da União de Facto, independentemente da orientação
sexual dos unidos de facto.

42
A proibição da não-discriminação no direito angolano encontra-se plasmada nos termos
do n.º 2 do artigo 23.° da CRA (2010). A título exemplificativo, descrevem-se as seguintes
possíveis motivações de práticas discriminatórias: sexo, cor, deficiência, raça, língua, local de
nascimento, etnia, convicções políticas, filosóficas ou ideológicas, condição económica, social
ou profissão e o grau de instrução.

Pode associar-se à lista acima, a discriminação em virtude da orientação sexual ou


identidade de género, o que quer dizer que se deve olhar para o conjunto de elementos previstos
no número 2 do artigo 23.° da CRA (2010), como uma relação de elementos exemplificativos,
e não como um conjunto de elementos taxativos.

Quanto à orientação sexual, Eder refere-a como: «[...] à capacidade que cada pessoa
possui para uma profunda atração emocional, afetiva e sexual, incluindo relações íntimas e
sexuais, por indivíduos do mesmo género, de género diferente ou de mais de um género8».

O princípio da igualdade apresenta o caráter da universalidade, no plano do direito


internacional, encontrando-se assegurado em diplomas específicos, como se pode aferir no
artigo 7.° da DUDH, bem como nos termos do n.º 1 do artigo 3.° da Carta Africana dos Direitos
Humanos e dos Povos, entre outros diplomas do âmbito do direito internacional.

No direito português, o direito à igualdade encontra-se assegurado nos termos do artigo


13.° da CRP, no que concerne ao fundamento da sua proteção, Canotilho e Moreira (2014, p.
338) afirmam que «a base constitucional do princípio da igualdade é a igual dignidade social
de todos os cidadãos» (n.º 1).

Por fim, cumpre, aqui, mencionar a seguinte frase, encontrada no preâmbulo da


Constituição da República de Angola (2010), que visa demonstrar a preocupação do Estado
angolano em garantir o respeito pelo direito à igualdade, justiça, dignidade e a diversidade:
«determinados a edificar, todos juntos, uma sociedade justa e de progresso que respeita a vida,
igualdade, a diversidade e a dignidade das pessoas».

8
Definição de orientação sexual, Eder (2015), apud, Rocha (2018, p. 12), disponível em http//comum.rcaap.pt
[Consultado em 25 de fevereiro 2019].

43
3.3. O princípio da não discriminação em virtude da orientação sexual
O princípio da igualdade e da não-discriminação são dois princípios estruturantes dos
direitos humanos, diretamente ligados ao princípio da dignidade da pessoa humana, plasmados
na DUDH, na Carta das Nações Unidas e, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.
Estes diplomas são responsáveis por assegurar a igualdade de direitos e deveres, bem como,
proibições de violações de direitos humanos e quaisquer práticas discriminatórias.

Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas começou a dar maior atenção à
expressão orientação sexual ou identidade de género, sob a perspectiva dos direitos humanos,
apenas em 28 de junho de 2011, quando acolheu, pela primeira vez, a resolução 17/19 acerca
dos direitos humanos, embora já tivesse sido referida nos media em épocas mais recuadas na
história do Direito.

A presente resolução de caráter não vinculativo propõe-se a erradicar condutas


discriminatórias e homofóbicas, violadoras dos direitos humanos praticadas contra certo grupo
minoritário, devido à sua orientação sexual. Quanto aos países africanos presentes à data da
aprovação da presente resolução, apenas a África do Sul votou a favor, tendo sido, por isso,
alvo de inúmeras críticas, pelo facto de muitos países africanos entendem que essa resolução
vai contra os costumes e tradições dos seus países. Ainda assim, o secretário geral da ONU não
deixou de apelar aos países para a descriminalização da homossexualidade e a criação de
políticas que desencorajam práticas discriminatórias em virtude da orientação sexual ou
identidade de género (Pillay, 2019).

Considerando isso, o princípio da não discriminação consiste, seguindo a perspectiva de


Bondo (2015, p.12), numa obrigação legal de o Estado assegurar uma proteção igual a pessoas
que se encontrem em situações semelhantes. Por outro lado, uma nota da Equality and Human
Rights Commission, ligada à proteção contra práticas discriminatórias faz a seguinte afirmação:

A discriminação ocorre quando você é tratado de forma menos favorável do que outra pessoa
em uma situação semelhante e este tratamento não pode ser objetiva e razoavelmente justificado.
A discriminação também pode ocorrer se você estiver em desvantagem por ser tratado da mesma
forma que outra pessoa quando as circunstâncias forem diferentes (por exemplo, se você estiver
incapacitado ou estiver grávida.9

9
Article 14: Protection from discrimination, disponível em https//www.equalityhumanrights.com [Consultado em
27 de fevereiro de 2019].

44
Portanto, o princípio da não discriminação em virtude da orientação sexual consistirá
numa das formas ou modalidades de proibição de discriminação, que tem por finalidade evitar
o tratamento desigual ou desfavorável por conta da opção sexual ou identidade de género dos
indivíduos, quando a lei impõe um tratamento igual a todos os que se encontrem naquela
situação.

3.4. É a homossexualidade crime em Angola?


A homossexualidade não constitui e nunca constitui um ilícito criminal no ordenamento
jurídico angolano, esta percepção errada que se firmou no seio da comunidade, é consequência
do facto de o código da família angolano não admitir o casamento ou a proteção legal da União
de Facto entre indivíduos do mesmo sexo.

Por outro lado, a inadmissibilidade do casamento ou proteção legal de uniões de facto


homossexuais deve-se ao próprio contexto histórico em que foi criado o código da família, as
influências culturais, tradicionais, religiosas, etc.. Todavia, o crescimento exponencial da
comunidade LGBT tem lutado para inverter este quadro, uma vez que constitui uma situação
que põe em causa o direito a constituir família, o direito à igualdade e não discriminação, o
direito à liberdade, o direito à identidade e ao desenvolvimento pessoal e à própria dignidade
da pessoa humana enquanto valor reconhecido a todos os indivíduos.

Pode concluir-se, então, que a homossexualidade nunca constituiu uma infração


criminal no direito angolano, como comprovam os artigos 197.° do CPA de 1886 .°. Desta
norma pode retirar-se a proibição da discriminação em virtude da orientação sexual e, como
anteriormente foi definido, o bem jurídico – orientação sexual – constitui a liberdade de cada
indivíduo escolher por quem se sentir atraído afetiva e sexualmente. Nestes termos, essa atração
pode ser heterossexual, homossexual, ou, ainda bissexual.

Durante muito tempo, em Portugal, a homossexualidade foi considerada como um ilícito


criminal. Atualmente, o código penal português descriminalizou-a, nos termos do n.º 1 do artigo
240.°, alínea a). Quem opte por violar essa disposição normativa através da adoção de condutas
discriminatórias, pode ter como sanção a aplicação de uma pena de prisão de até oito anos.

Para Canotilho e Moreira (2014), o direito à autodeterminação sexual subsume-se no


direito à autoafirmação e que, por seu turno, o direito à auto afirmação torna possível o
acolhimento constitucional de uma vasta gama de direitos de personalidade inominados. Estes

45
autores apresentam o direito à autoafirmação como uma das facetas do direito ao
desenvolvimento da personalidade assegurado pelo artigo 26.° da CRP.

Só para uma nota que se impõe neste domínio, países como o Irão, Sudão, Arábia
Saudita, etc. criminalizam a homossexualidade, prevendo a pena de morte10 para os agentes
desse tipo de crime, apesar de, no âmbito dos direitos humanos, a pena de morte constituir uma
violação grave dos direitos humanos, pois se acredita que o direito à vida é um direito supremo,
inviolável, indisponível, o qual todos os Estados são obrigados a respeitá-lo. Quanto ao
funcionamento da proibição da aplicação da pena de morte, importa referir que essa proibição
é fruto das limitações estabelecidas pelo princípio da humanidade das penas e da própria
dignidade da pessoa humana, que proíbem a existência de penas que ponham em causa a vida
e demais garantias a ela inerentes.

3.5. O princípio da liberdade


O direito à liberdade é um direito humano crucial para a realização da dignidade da
pessoa humana, reconhecido quer no plano dos direitos humanos (artigo 3.° da DUDH), quer
no plano do direito interno angolano. No ponto de vista constitucional, insere-se no Capítulo II,
referente aos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos.

O direito à liberdade ou princípio da liberdade pode revestir-se de diversas vertentes,


mas, para o presente trabalho, interessa somente olhar para a liberdade de consciência,
assegurada pelo artigo 41.° da CRA. O direito à liberdade de consciência confere ao seu titular
a faculdade de ter uma percepção própria sobre o mundo (liberdade de escolher o que é melhor
para si, ou seja, legislar a sua vida como lhe aprouver, segundo as suas convicções e a sua
vontade, tendo como limite a constituição e a lei).

Olhando, particularmente, para a questão da homossexualidade e para o direito de


constituir família, o direito à liberdade sem dúvida vem sustentar a ideia de que os
homossexuais são livres em optar por uma orientação sexual diferente do modelo tradicional e,

10
«Muitos avanços têm sido inequivocamente registados na luta pelos direitos dos homossexuais. Mas, segundo o
relatório anual da ILGA, em 72 países, ser homossexual ainda é um crime punido por lei. Em oito, a pena é de
morte» (David Silverman, Jornal Visão, disponível em http//www.visão.sapo.pt [Consultado em 3 de março de
2019]).

46
junto de outro indivíduo, de dar lugar à constituição de família conforme as suas convicções
pessoais (por casamento ou União de Facto).

O princípio da liberdade é, muitas vezes, referido como princípio da autonomia da


vontade ou liberdade da vontade. Para Kant (1986, pp. 67-94), deve entender-se por vontade o
direito de que cada indivíduo dispõe de regular as suas ações em obediência a determinadas
representações de leis, sob pena de uma vontade sem qualquer restrição constituir uma
incongruência ou absurdo. Ainda na perspectiva de Kant (1986, p. 75) sobre o princípio da
autonomia da vontade, «[...] todo o ser racional deve considerar-se como legislador universal
por todas as máximas da sua vontade, para deste ponto de vista se julgar a si mesmo e as suas
ações [...] reino dos fins».

Segundo a lógica de Kant, pode concluir-se que todo o indivíduo, por força da sua
natureza racional e por conta da autonomia da vontade, dispõe da faculdade de auto-regular a
sua vida, porém, deve subordinar as suas ações aos imperativos categóricos objetivos e aos
valores morais.

Por fim, deve chamar-se à colação a possibilidade da restrição de direitos, liberdades e


garantias fundamentais, como determina o artigo 57.°, n.º 1, da CRA. Por outro lado, a presente
disposição normativa estabelece a admissibilidade da restrição de direitos fundamentais,
somente quando a lei expressamente estipular e é necessário que a medida restritiva de direitos
obedeça ao princípio da proporcionalidade. Ou seja, é indispensável que a restrição do direito
se mostre necessária, adequada e razoável, no sentido de não haver soluções melhores para
dirimir o conflito de direitos existente naquele caso em concreto.

Com base nos princípios aqui enunciados, entende-se, aqui, que não é proporcional,
necessária e adequada a restrição do direito de constituir família através da União de Facto por
homossexuais sob o pretexto de esta prática ser socialmente imoral e ir contra as tradições ou
costumes angolanos.

47
CAPÍTULO IV– EFEITOS JURÍDICOS DA UNIÃO DE FACTO E O
DIREITO DOS FILHOS NASCIDOS NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO

Entende-se por efeitos jurídicos os resultados ou consequências jurídico-práticas de


determinado ato ou negócio jurídico. Para que se produzam os efeitos jurídicos legalmente
estabelecidos na União de Facto, é indispensável que a união preencha todos os requisitos
impostos legalmente para o seu reconhecimento, nomeadamente a idade núbil, convivência
comum num prazo consecutivo de 3 anos, capacidade matrimonial, etc.. Isto quer dizer que é
necessário que a união reconhecida esteja em conformidade com a lei e com os princípios do
direito, sob pena de inexistência jurídica ou invalidade do ato.

A União de Facto enquanto fonte de relação jurídico-familiar pode dar lugar a duas
categorias de efeitos jurídicos: por um lado, os efeitos jurídicos pessoais e, por outro, os efeitos
jurídicos de natureza patrimonial.

Vem este capítulo propósito da análise de alguns dos efeitos jurídicos da União de Facto
legalmente reconhecida e alguns direitos dos filhos nascidos na constância da união.

4.1. Efeitos jurídicos pessoais


Segundo o acórdão do Tribunal Constitucional (proc. n.º 426-A/2014), «a União de
Facto, mesmo que não reconhecida, é equiparada ao casamento, em homenagem ao princípio
da igualdade, com dignidade pessoal».

Diante deste posicionamento da jurisprudência angolana em sede de União de Facto,


conclui-se que a União de Facto enquanto fonte de relação jurídico-familiar não é considerada
inferior ao instituto do casamento, muito pelo contrário, essas duas formas de constituição de
família são tratadas de modo equiparado, isto é, dispondo dos mesmos efeitos jurídicos,
conforme determina o artigo 119.° do CFA e, uma vez reconhecida a União de Facto, esse ato
dará lugar à produção dos efeitos jurídicos retroativamente à data da sua constituição.

No ponto de vista legal, os efeitos pessoais do casamento e, simultaneamente, da União


de Facto, também designados por poderes-deveres, encontram-se previstos nos artigos 43.° a

48
48.° do CFA. O referido artigo 43.° do CFA prevê os seguintes deveres recíprocos entre os
conviventes: o dever de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência.

Não seria demais referir a óbvia constatação segundo a qual, no seio da comunidade e
do direito angolano, nem sempre vigorou o princípio da igualdade entre os unidos de facto
(marido e mulher), pois no ponto de vista familiar, durante muito tempo, a mulher estava
subordinada às ordens do marido, ou seja, o marido detinha poderes sobre a esfera pessoal e
patrimonial da mulher.

Atualmente, já se nota um posicionamento diferente do ordenamento jurídico angolano,


pois, o Estado tem procurado criar políticas que melhor integrem a mulher, não só no seio
familiar, como no próprio aparelho do Estado, permitindo-lhes ocupar cargos de destaque.
Entretanto, embora as mulheres disponham dos mesmos direitos e deveres legalmente
consagrados, ainda se verifica um certo machismo na tomada de decisões no seio da instituição
familiar. Por outro lado, vale ressaltar que os unidos de facto podem, por conta da sua
autonomia da vontade, determinar efetivamente o modo como pretendem levar a cabo a direção
da sua família, determinando a forma de repartição dos deveres jurídico-recíprocos, mas jamais
devem alterar o seu conteúdo ou simplesmente os afastar.

Diferente do direito angolano em matéria de proteção da União de Facto, o direito


português, através da LUF n.º 7/2001, de 11 de maio, não estabelece expressamente quaisquer
deveres aos unidos de facto à partida. Alguns autores entendem que os deveres conjugais
previstos nos termos do artigo 1672.° e ss do CCP não se devem estender à União de Facto por
consubstanciar características próprias ou deveres exclusivos do vínculo matrimonial.

Deve realçar-se, ainda, que muitos indivíduos optam pela constituição de família com
recurso à União de Facto, exatamente porque não se querem ver abrangidos por essas
obrigações. Por outro turno, naturalmente, os unidos de facto podem pautar as suas relações
com base nos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência.

4.1.1. Dever de respeito


O Código da Família Angolano não faz qualquer alusão ao conteúdo do dever de
respeito, apenas o reconhece como uma das obrigações conjugais nos termos do artigo 43.°.
Embora, o código não faça menção ao seu conteúdo, o dever de respeito é, sem dúvidas, um
elemento substancial para a manutenção de um ambiente familiar salutar, que vem assegurar a

49
concretização do respeito pelo direito à dignidade da pessoa dos cônjuges e dos unidos de facto,
enquanto direito fundamental constitucionalmente reconhecido a todos os indivíduos.

Paralelamente ao direito angolano, a ordem jurídica portuguesa não determina,


igualmente, o conteúdo do dever conjugal de respeito, simplesmente o prevê como um dever a
ser cumprido pelos cônjuges, nos termos do artigo 1672.° do CCP.

Do ponto de vista da jurisprudência, o dever de respeito traduz-se na abstenção da


adoção de condutas por parte dos cônjuges ou conviventes que ponham em causa a integridade
moral ou física um do outro, bem como no respeito pelos direitos de personalidade de cada um
e dos direitos conjugais legalmente consagrados.11

A violação do dever de respeito pode resultar em sanções de ordem civil ou criminal.


São exemplos de práticas violadoras desse dever: as agressões físicas, psicológicas e sexuais
(artigo 3.° da LCVD). Em casos desta natureza, a responsabilidade criminal do agente é aferida
em sede de uma lei especial, a Lei n.º 25/11 de 14 de julho, contra a violência doméstica:

O dever de respeito é um dever ao mesmo tempo negativo e positivo. Como dever negativo, ele
é, em primeiro lugar, o dever que incumbe a cada um dos cônjuges de não ofender a integridade
física ou moral do outro, compreendendo-se na “integridade moral” todos os bens ou valores da
personalidade: a honra, a consideração social, o amor próprio, a sensibilidade e ainda a
susceptibilidade pessoal. Infringe o dever de respeito o cônjuge que maltrata ou injuria o outro.
Mas, o dever de respeito como dever de non facere é ainda, em segundo lugar, o dever de cada
um dos cônjuges não se conduzir na vida de forma indigna, desonrosa e que o faça desmerecer
no conceito público.

Embora não dirigidas diretamente ao outro cônjuge, a relevância destas injúrias funda-
se na ideia segundo a qual o casal é uma “unidade moral”, de tal modo que a dignidade, a honra
e a reputação de um dos cônjuges são ao, mesmo tempo, a dignidade, a honra e a reputação do
outro. Dir-se-á que o dever de respeito como dever negativo é, também, o dever de não praticar
actos ou adoptar comportamentos que constituam “injúrias indiretas”. Se um dos cônjuges se

11
«Respeitar o outro cônjuge é, antes de mais, não lesar a sua integridade física ou moral, nem ofender os seus
direitos individuais, os direitos conjugais que a lei lhe atribui e os seus interesses legítimos». – Acórdão do Tribunal
da Relação de Coimbra (Processo n.º 844/07.2TBCNT.C1), de 03-11-2009, disponível em www.dgsi.pt
[Consultado em 14 de março de 2019].

50
embriaga ou se droga com frequência, ou comete um crime infamante, está a violar o seu dever
de respeito ao outro cônjuge12.

4.1.2. Dever de fidelidade


Como anteriormente foi referido, a União de Facto está subordinada ao princípio da
exclusividade (um único homem com uma única mulher), pelo que se proíbe o adultério, ou
seja, o envolvimento amoroso ou sexual dos unidos de facto com terceiros. A obrigatoriedade
do respeito pelo princípio da fidelidade resulta, também, do facto da União de Facto dar lugar
à presunção de paternidade, sendo que o recurso a atos de infidelidade põe de certo modo em
causa essa presunção, que, por outra, admite prova em contrário.

4.1.3. Dever de coabitação


O dever de coabitação, além de ser um efeito jurídico da União de Facto reconhecida, é
tido como um dos pressupostos legais para o seu reconhecimento. Este «poder-dever»
encontra-se regulado nos termos do artigo 44.° do CFA e traduz-se na obrigação de uma
convivência comum entre os conviventes, que atenda, cumulativamente, aos seguintes
elementos: comunhão de leito, mesa, e habitação. Por outro lado, o artigo 44.° do CFA
determina ainda que a escolha da habitação (casa de morada de família) resulte da vontade
mútua dos unidos de facto.13

12
Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (proc. n.º 844/07.22TBCNT.C1), de 03-11-2009.

13
Comunhão de leito “[...] Neste aspeto, o casamento obriga os cônjuges ao chamado “débito conjugal”. Já́ se viu
aqui que o casamento implica uma limitação lícita do direito à liberdade sexual, no duplo sentido de que a pessoa
casada fica obrigada a ter relações sexuais com o seu cônjuge e a não ter essas relações com terceiros” (Coelho e
Oliveira (2016, p.413)

51
4.1.4. Dever de cooperação e assistência
Quanto a esta obrigação, o artigo 45.° do CFA determina que o «dever de cooperação e
assistência importa para os cônjuges a participação solidária em todos os actos de vida familiar,
a contribuição para os encargos de vida familiar e a comparticipação nos trabalhos domésticos»
(artigo 45.° do CFA). Por conta desta norma, chega-se à conclusão de que, semelhante ao que
ocorre na relação matrimonial, os unidos de facto são legalmente obrigados a prestarem auxílio
mútuo, mediante a participação recíproca na vida um do outro, sempre que se mostrar
necessário (apoio emocional, económico, etc.).

Sendo assim, para uma boa harmonia familiar, é necessário que o casal de comum
acordo define estratégias que visem levar a bom porto a direção da família, através da repartição
das tarefas domésticas, despesas necessárias à sustentabilidade da vida familiar (encargos com
a alimentação, saúde, escola dos filhos, energia, água, etc.). Pois, para Coelho e Oliveira (2016):

Não se trata agora de cada um ajudar o outro. Trata-se de que a família é obra dos dois e ambos
devem assumir em conjunto as inerentes responsabilidades. Assim, o cônjuge que mostra um
absoluto desinteresse pela saúde e pela educação dos filhos não infringe apenas um dever em
relação a estes, mas também um dever em relação ao outro cônjuge, o dever de assumir em
conjunto com o outro as responsabilidades inerentes à vida familiar.

4.2. Efeitos jurídicos patrimoniais


A União de Facto reconhecida produz os mesmos efeitos jurídicos que o casamento,
neste sentido, semelhante ao que ocorre na celebração do casamento, os unidos de facto detêm
a faculdade de escolher dentro dos regimes económicos previstos no código da família angolano
aquele que entenderem ser melhor para regular o seu património familiar (artigo 116.° do CFA).
Sendo assim, o artigo 49.° do CFA determina duas modalidades de regime de bens,
nomeadamente, o regime de comunhão de adquiridos e o regime de separação de bens.

Para Amaral (2015), o regime de bens é um grupo de disposições normativas


responsáveis por pautar a parte patrimonial nas relações matrimoniais, tanto entre os cônjuges,
quanto entre aquelas que estes venham a estabelecer com terceiros. Amaral (2015, p.19), afirma
ainda que os direitos patrimoniais são originalmente compostos por direitos obrigacionais e
direitos reais. Portanto, os regimes económicos são responsáveis por determinar as regras

52
ligadas à administração de bens do casal, a alienação ou oneração de bens, a matéria sobre
responsabilidade por dívidas, etc..

Dada a amplitude da matéria ligada aos efeitos patrimoniais, limitar-se-á, aqui, proceder
à exploração de alguns aspectos importantes sobre o entendimento jurídico referente ao regime
de separação de bens e de comunhão de adquiridos. Mas, não antes de tecer algumas
considerações sobre os efeitos jurídico-patrimoniais da União de Facto, tutelada no
ordenamento jurídico português.

Diferente da ordem jurídica angolana, a Lei portuguesa n.º 7/2001, de 11 de maio,


referente à proteção legal da União de Facto, não estabelece qualquer regime de bens com vista
a regular a massa patrimonial dos unidos de facto, todavia, os unidos de facto dispõem da
autonomia de convencionarem, por meio de um contrato de coabitação, o modo como desejam
regular aspectos ligados à sua vida pessoal e, essencialmente, o seu património. Neto (2006,
p.95) refere-se ao contrato de coabitação como: «um instrumento apropriado para regulamentar
as relações patrimoniais e econômicas entre os unidos de facto. Em outras palavras, é um
instrumento que permite a autorregulação pelos conviventes, dos efeitos económicos
provenientes da sua própria relação afetiva».

Para alguns autores, a falta da previsão legal de regimes de bens na ordem jurídica
portuguesa no instituto da União de Facto resulta do facto de esses efeitos constituírem
características próprias e exclusivas do casamento, e pelo facto de muitos indivíduos recorrem
à União de Facto exatamente porque se querem ver livres dessas imposições. Porém, a LUF
reconhece alguns efeitos patrimoniais, como é o caso da proteção da casa de morada de família
em caso de dissolução da união, quer por morte, quer por ruptura (artigo 4.° e 5.° da LUF).
Mais adiante, abordar-se-á sobre este aspecto com mais pormenores, quando se falar sobre a
proteção da casa de morada de família, enquanto um efeito patrimonial da União de Facto.

4.2.1. Regime económico da comunhão de adquiridos


Este regime econômico é caracterizado por integrar bens comuns do casal e os bens
próprios de cada convivente, caso existam. Segundo o artigo 51.° do CFA, o património comum
dos unidos de facto é resultado dos direitos ou bens cuja aquisição implique onerosidade, isto
é, a partir do momento do reconhecimento da união. Por exemplo, o vencimento ou salário dos

53
unidos de facto, as pensões de que estes sejam titulares, os frutos ou acervos patrimoniais
estáveis que estes recebam, etc..

Diante disso, uma questão se impõe: o que acontece com os bens próprios dos
conviventes, anteriores à constituição ou reconhecimento da União de Facto? A isto se responde
que esses continuarão a ser próprios, ou seja, o convivente mantém a titularidade sobre o bem
ou direito. Sobre isso, pode ler-se o artigo 52.° do CFA, que dispõe o seguinte:

São bens próprios de cada um dos cônjuges:

a) os bens móveis e imóveis e os direitos que cada um deles tiver antes do casamento;
b) os bens e direitos adquiridos por cada um dos cônjuges, durante o casamento, a título gratuito
e os sub-rogados no lugar dos bens próprios;

c) os direitos de autor, os prémios e recompensas recebidas, resultantes da actividade pessoal de


cada um dos cônjuges;

d) os bens adquiridos em virtude de direito pessoal de cada um dos cônjuges;


e) os bens de uso pessoal e os objectos de trabalho exclusivos de cada um dos cônjuges.

4.2.2. Regime económico de separação de bens


Esta modalidade de regime de bens é caracterizada por dar lugar à manutenção do
domínio econômico sobre os bens próprios por cada um dos unidos de facto. Dito de outro
modo, quando se opta pela separação de bens, cada um dos cônjuges ou unido de facto conserva
o comando sobre o seu património atual ou futuro, podendo a qualquer momento dispor dos
mesmos, sem a necessidade do consentimento do outro (liberdade de disposição, oneração e de
administração), a não ser que se trate de uma situação excepcionada por lei (artigo 53.° do
CFA).

Por outro lado, quando surjam dúvidas sobre a titularidade de certa coisa móvel ou
coisas móveis, presume-se que estas pertençam a ambos (aos unidos de facto) no regime de
compropriedade, conforme dispõe o n.º 2 do artigo 53.° do CFA. O regime da compropriedade
encontra-se previsto no 1404.° e seguintes do CCA. Quanto à sua noção, o artigo 1403.° dispõe
o seguinte:

Existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são


simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. 2. Os direitos dos
consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam

54
ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na
falta de indicação em contrário do título constitutivo.

Relativamente à posição da jurisprudência (STJ), quanto ao regime de separação de bens


consta que:

No regime de separação de bens, inexistem bens comuns dos cônjuges mas, apenas, bens em
compropriedade, sendo configurável a existência de um mandato tácito para enquadrar as
hipóteses em que um dos cônjuges adquire bens em nome próprio mas com dinheiro que é
também do outro, atento o facto de a comunhão de vida implicar realizações econômicas
conjuntas.14

Para Coelho e Oliveira (2016), «a separação não é só de bens, mas também de


administrações, mantendo os cônjuges uma quase absoluta liberdade de administração e
disposição dos seus bens próprios». Enquanto que, para Medina (2013, p. 265), «segundo este
regime, existem duas massas patrimoniais absolutamente separadas, uma de cada cônjuge, ou
seja, os bens próprios do marido e os bens próprios da mulher».

4.2.2.1. O que ocorre quando os unidos de facto não declaram o regime de


bens no ato do reconhecimento da união?
O artigo 117.° do CFA admite a aplicação subsidiária ao instituto da União de Facto de
todas as disposições normativas ligadas ao casamento, salvo quando a lei expressamente
disponha em sentido contrário. Nesta senda, semelhante ao que ocorre no casamento, quando
os unidos de facto nada digam sobre o regime económico que pretendam que vigore na
constância da sua união, a lei determina a aplicação do regime da comunhão de adquiridos.

14
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (processo n.º 3/11.0TBOHP.C1.S2), de 14-04-2015, disponível em
www.dgsi.pt [Consultado em 20 de março de 2019].

55
4.3. Direito dos filhos nascidos na União de Facto e as responsabilidades
parentais
O direito dos filhos e as responsabilidades parentais são questões que se inserem no
âmbito do instituto da filiação, assegurado pelo artigo 35.° da CRA e pelos artigos 127.° e 196.°
do CFA. Medina (2013, p.100) define o instituto jurídico da filiação como: «o conjunto de
normas que estabelece essa relação específica entre pais e filhos, bem como as que definem os
direitos e deveres recíprocos entre uns e outros».

Desta feita, o legislador angolano, dada a sensibilidade e a necessidade da manutenção


de uma relação saudável entre pais e filhos e, de um modo geral, entre os membros da família,
achou por bem prever determinadas regras de cariz vinculativo para a relação entre pais e filhos
e vice-versa, ocupando-se, deste modo, da determinação dos direitos dos filhos, quer advenham
do vínculo conjugal, que de outro modelo de constituição de família, e estabelecendo, por outro
lado, alguns direitos e deveres parentais. A amplitude do instituto da filiação não se esgota nesta
abordagem, não obstante, procurar-se-á analisar, aqui, com particularidade os direitos dos filhos
nascidos na União de Facto e algumas responsabilidades parentais.

Durante muito tempo, vigorou em diversos Estados a prática do tratamento desigual


entre filhos nascidos dentro e fora do casamento, entendendo-se que os filhos nascidos fora do
casamento eram ilegítimos, também designados por «filhos bastardos» e, consequentemente,
não eram merecedores dos mesmos direitos que a lei reconhecia aos filhos cujo nascimento
resultasse do vínculo matrimonial. Esta realidade foi, também, verificável na sociedade
angolana e, por desconhecimento da lei , ainda se verifica em certos grupos sociais menos
instruídos.

Por exemplo, quanto ao direito sucessório, muitos indivíduos ainda acreditam que, no
que toca à sucessão necessária (herdeiros legítimo), os filhos nascidos no casamento merecem
uma percentagem superior da quota legítima em relação aos filhos nascidos fora do casamento,
por exemplo, os filhos nascidos na União de Facto, mesmo que não reconhecida ou no
concubinato. É, provavelmente, face a isso que Medina (2013) observa que o conceito de
filiação como é visto hoje não é o que existia anteriormente e que contrapunha os filhos
legítimos (que advinham do casamento dos pais) aos filhos ilegítimos ou filhos naturais, que
são muitas vezes considerados como filhos nascidos do pecado.

Sendo assim, por conta dessas práticas discriminatórias entre os filhos nascidos na
constância do matrimónio e aqueles fruto de relações extraconjugais, e não só o legislador

56
constitucional angolano, como forma de pôr fim a esses males veio assegurar o princípio da
igualdade dos filhos, quer em termos de direitos ou deveres, quer em termos de tratamento,
proibindo a discriminação entre estes (n.º 5 do artigo 35.° da CRA).

Fora a norma constitucional prevista no artigo 35.° n.º 5, o princípio da igualdade dos
filhos é assegurado e concretizado pelo artigo 128.° do CFA, esta norma para além de
estabelecer a igualdade de direitos entre os filhos, determina a sujeição destes às mesmas
obrigações perante os progenitores. Isto quer dizer que, sempre que dois filhos,
independentemente do tipo de modo de constituição de família que deu origem ao seu
nascimento, se encontrarem numa situação em que a lei determine o tratamento igual, ninguém
deverá ser prejudicado ou beneficiado por nascer do casamento, União de Facto reconhecida
ou concubinato, cabendo ao aplicador da lei dar o devido tratamento a ambos, abstendo-se de
práticas discriminatórias, quer por meio da utilização de adjetivos discriminatórias, quer através
de práticas que coloquem um em vantagem ou desvantagem, com base nos fundamentos aqui
enunciados.

Portanto, a partir do n.º 5 do artigo 35.° da CRA, chega-se à conclusão de que os filhos
nascidos na União de Facto são titulares dos mesmos direitos e deveres que os filhos nascidos
em qualquer outro modelo de relação familiar e que, por isso, os seus interesses devem ser
assegurados de modo igual e justo, ou seja, todos os filhos terão o mesmo direito ao nome, à
prestação de alimentos, à educação, à saúde, direito sucessório, etc.

Quanto às responsabilidades parentais ou paternais, refira-se, em primeiro lugar, que o


artigo 129.° do CFA reconhece a todos os indivíduos o direito à filiação sem qualquer
discriminação em virtude da raça, estrato social, etnia, etc..

No domínio Constitucional, o n.º 3 do artigo 35.° da CRA estabelece o princípio da


igualdade entre o marido e a mulher no seio da família, sujeitando-os aos meus direitos e às
mesmas obrigações no que diz respeito à convivência familiar e aos encargos que dela resultem.

Em matéria de filiação, o artigo 127.° do CFA vem concretizar o direito à igualdade


entre os pais, reconhecido pelo artigo 35.° da constituição, impondo ao pai e a mãe os mesmos
direitos e deveres quanto aos filhos. Estes devem concomitantemente empreender condutas que
melhor assegurem o bem estar dos filhos, dito de outro modo, aquando do exercício das funções
que lhes são legalmente incumbidas, devem os pais garantir que as decisões tomadas ou os atos
a serem realizados apresentem maior utilidade ou benefício para os filhos, ou seja, os pais não

57
devem adotar condutas ou tomar decisões que ponham em causa os interesses dos filhos ou lhes
sejam desvantajosas (n.º 2 do artigo 127.° do CFA).

A autoridade paternal deve ser desempenhada pelos dois, sendo ambos responsáveis por
garantir a criação e a transmissão de valores éticos, morais e sociais para os filhos , garantir que
estes disponham de condições necessárias para que possam ter um processo de instrução
adequado e, naturalmente, uma formação profissional que permita uma integração cabal no
mundo do emprego. Em suma, os pais devem, no domínio das suas possibilidades, permitir que
os filhos possam ter ao seu dispor meios que possibilitem uma formação pessoal e profissional
que lhes assegure a melhor integração social (artigo 130.° do CFA).

Sem dúvidas, o nascimento de um filho dá lugar ao surgimento de grandes


responsabilidades, de cariz patrimonial e extrapatrimonial, portanto, é importante que os pais
cooperem para que os direitos da criança sejam devidamente acautelados, devendo mutuamente
responder aos encargos com a alimentação, com a saúde, educação entre outros deveres. De um
modo geral, é necessário que estes prestem a assistência e os cuidados necessários para um bom
crescimento e desenvolvimento do filho (artigo 131.° do CFA, artigo 35.° n.º 6 da CRA).
Porém, do ponto de vista legal e conforme estabelece o artigo 132.° do CFA, os filhos não são
apenas titulares de direitos, pois, estes encontram-se vinculados ao dever de respeito, assistência
e cuidado perante os pais.

É indispensável mencionar ainda que os pais, enquanto dure o exercício do poder


paternal, assumem o papel de representantes legais dos filhos nos mais variados negócios
jurídicos, com exceção daqueles puramente pessoais (artigo 138.° do CFA).

Por fim, no que concerne à duração do exercício paternal, este dever extinguir-se,
quando os filhos atingem a maioridade, com a morte do pai ou da mãe ou com a adoção do filho
(artigo 134.° do CFA). Todavia, alguns autores apresentam a emancipação como uma das
causas possíveis para a cessação do exercício do poder paternal, mas, na prática, a duração do
exercício paternal vai depender dos valores particulares de cada família.

58
CAPÍTULO V – O PAPEL DO ESTADO NA PROTEÇÃO DA UNIÃO DE
FACTO

A família enquanto pilar basilar da sociedade é merecedora de especial proteção do


Estado e da sociedade. Como anteriormente foi referido, a constituição da família pode tanto
resultar do casamento quanto da União de Facto, sendo assim, independentemente do modo que
os indivíduos optem em constituir a sua relação familiar, o Estado é obrigado a garantir a sua
proteção de modo igual, despindo-se de qualquer tendência discriminatória (n.º 1 do artigo 35.°
da CRA).

Por outro lado, as crianças, os adolescentes e os jovens devem merecer uma maior
atenção por parte da família, do Estado e da própria sociedade, no sentido de lhes serem
garantidos alguns dos direitos fundamentais capazes de assegurar uma melhor realização
pessoal, ou seja, deve ser-lhes devidamente assegurado o direito à educação, saúde, a
assistência, entre outros direitos económicos, sociais e culturais aptos a garantir o seu pleno
desenvolvimento pessoal (n.º 6, 7 do artigo 35.° da CRA).

Para Araújo e Nunes (2014), o artigo 35.° da CRA, quando prevê o dever jurídico de o
Estado assegurar a proteção da família (olhando, em particular, para a União de Facto), encontra
o fundamento para essa proteção no caráter essencial que essa representa para sociedade. Assim
sendo, a proteção da família pelo Estado, na ótica destes autores passará:

a) pela criação de leis, com vista a regulação das relações familiares (casamento ou
União de Facto) na sua constância ou em caso de dissolução;
b) pela criação de políticas públicas que garantam maior acessibilidade ao saneamento
básico (educação, saúde, etc.) a famílias em condições económicas difíceis (famílias
mais carenciadas);
c) pela criação de políticas públicas que desencorajem a violência doméstica no seio
das famílias e, naturalmente, responsabilizem criminalmente aqueles que optem por
praticá-la;
d) pela proteção de crianças, jovens e idosos, em suma, criando mecanismos que
garantam uma melhor concretização do respeito pela dignidade da pessoa humana.

59
Na perspectiva de Medina, a intervenção do Estado no domínio das relações familiares
no sentido de assegurar a sua proteção é resultado da existência de valores familiares, aos quais,
dada a relevância, o Estado não se deve mostrar indiferente, cuja proteção deve assegurar,
consequentemente. São exemplo de intervenções necessárias por parte do Estado:

a) o caso da resolução de problemas familiares de modo pacífico ou com recurso aos


tribunais especializados em matéria familiar;
b) a tutela dos direitos das crianças, quando os pais não possam garantir o seu
cumprimento tal como manda a lei.

Uma das principais finalidades da proteção da família (em particular, a União de Facto)
pelo Estado consiste em evitar a degradação das instituições familiares, pelo que este se vê
obrigado a criar mecanismos que salvaguardam o equilíbrio e harmonia entre os membros da
família (Medina, 2013, pp. 29-30). A violência doméstica tem sido apontada como um dos
principais responsáveis pela degradação familiar (entre unidos de facto, ou a violência de pais
contra os filhos), como anteriormente foi referido.

Uma das maiores preocupações do Estado é garantir a harmonia e a estabilidade das


famílias. Sendo assim, no plano legislativo, como forma de garantir a proteção da família
(fundada na União de Facto ou no casamento), o Estado viu-se obrigado a regular a matéria
ligada à prática da violência doméstica e fê-lo mediante a criação da Lei Contra a Violência
Doméstica (Lei n.º 25/11, de 14 de julho).

Este diploma legal estabelece as suas finalidades, nos termos do artigo 1.°:

a) o combate à prática da violência doméstica;


b) a prevenção desses crimes;
c) a responsabilização civil, administrativa e criminal dos infratores;
d) a informação das vítimas sobre os seus direitos;
e) a criação de políticas públicas que desencorajam a violência doméstica
(sensibilização das famílias, etc.).

Nos termos do artigo 3.° da lei supracitada, «(...), entende-se por violência doméstica,
toda a ação ou omissão que cause lesão ou deformação física e dano psicológico temporário ou
permanente que atente contra a pessoa humana no âmbito das relações presentes no artigo
anterior».

60
Por fim, no que diz respeito às modalidades de violência doméstica, o n.º 2 do artigo 3.°
da Lei Contra a Violência Doméstica prevê as seguintes formas de violência: a violência sexual,
violência patrimonial, violência psicológica, violência verbal, violência física e o abandono
familiar.

Relativamente à proteção da criança15 pelo Estado, mostra-se necessário aludir que o


Estado angolano ratificou a convenção internacional sobre os direitos da criança, através da
resolução AN20/9010, em novembro de 1990. Segundo esta resolução, o fundamento para a
proteção dos direitos das crianças reside no facto destas apresentarem especial vulnerabilidade
física e mental, razão pela qual o Estado tem a obrigação de atender e assegurar as suas
necessidades especiais, quer as do domínio pessoal (acesso à saúde, a creches e instituições
escolares públicas, etc.), quer as do âmbito jurídico (criando leis que assegurem alguns direitos
especiais, prevendo deveres ou responsabilidades dos pais para com os filhos, responsabilizado
as pessoas que violem os direitos das crianças).

Quanto ao papel da mulher no plano familiar, deve dizer-se, aqui, que, atualmente, o
Estado lhe garante especial proteção enquanto membro da família e da sociedade, mediante a
consagração da igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, quer no domínio
familiar, quer no domínio social (n.º 3 do artigo 35.° da CRA), diferentemente de outros
períodos em que a mulher era vista como um ser inferior ao homem, desprovida de poder
decisório sobre as questões respeitantes à família e totalmente submissa às ordens do marido.

Ainda no que toca à relação entre pais e filhos, o pai e a mãe possuem os mesmos
direitos e, consequentemente, as mesmas obrigações, ao contrário da velha ideia de que apenas
o pai tinha autoridade sobre os filhos e que apenas ele era responsável por empreender esforços
para garantir a sua sustentabilidade, enquanto a mãe cuidava da casa. Atualmente, quer o pai,
quer a mãe são ambos responsáveis por garantir cumprimento das responsabilidades parentais
e, no exercício dessas funções, devem ter em atenção a preservação devida dos interesses das
crianças (artigo 127.° do CFA).

15
Segundo o artigo 1.° da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, criança é «todo o ser
humano com idade inferior a dezoito anos, a não ser que, de acordo com a lei aplicável à criança, a maioridade
seja alcançada antes». – Resolução 44/25 de 20 de novembro, referente à Convenção sobre os Direitos da Criança.
Disponível em www.ohchr.org [Consultada em 19 de abril de 2019].

61
Refira-se, ainda, que, no tocante à proteção da mulher e ao reconhecimento da igualdade
de direitos entre homens e mulheres, o Estado angolano ratificou a Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, de 1981, mediante a
resolução AN15/8419, de 17 de setembro de 1984. No artigo 1.° desta resolução, a expressão
“discriminação contra a mulher” quer dizer:

[...] qualquer distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo que tem como efeito ou como
objetivo comprometer ou destruir o reconhecimento, o gozo ou exercício pelas mulheres, seja
qual for o seu Estado civil, com base na igualdade dos homens e das mulheres, dos direitos do
homem e das liberdades fundamentais nos domínios político, económico, social, cultural e civil
ou em qualquer outro domínio.16

Além da convenção internacional acima referida, foi ratificado em 2007 o Protocolo


opcional Sobre a Convenção Contra Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher
através da resolução AN23/0723, de Junho de 2007. Portanto, nota-se, aqui, que, do ponto de
vista legal, o Estado angolano tem procurado criar leis e ratificar convenções internacionais que
visem garantir uma maior harmonia e proteção da família, com especial destaque para a
proteção da criança, mulher, idosos e adolescentes, pelo facto de estes serem tidos como seres
vulneráveis e pelo facto de a família ser a célula fundamental de qualquer sociedade,
independentemente do seu modo de constituição (União de Facto, casamento, afinidade,
adoção).

5.1. Tratamento jurídico da União de Facto que não reúna todos os


requisitos impostos por lei
A União de Facto não reconhecida por falta do preenchimento dos pressupostos exigidos
legalmente, é, à partida, considerada inexistente, ou seja, não dá lugar à produção dos efeitos
jurídicos pessoais e patrimoniais de uma União de Facto reconhecida, visados pelo Código da
Família e pelo Decreto Presidencial n.º 36/15, de 30 de janeiro, referente ao reconhecimento e
à dissolução da união.

16
Resolução AN15/8419, de 17 setembro de 1984, disponível em www.servicos.minjuisdh.gov.ao [Consultado
em 25 de abril de 2019].

62
Como se pode aferir, nos termos do n.º 1 do artigo 113.° do CFA, para que a União de
Facto venha a merecer especial proteção do Estado através das suas instituições, é indispensável
que atenda a certos pressupostos fundamentais, como é o caso da capacidade matrimonial, o
decurso do prazo de 3 anos seguidos de convivência marital, a singularidade da união, etc..

Nesta ordem de ideias, uma União de Facto que não possa ser reconhecida é aquela que,
embora dê lugar a uma convivência marital, não reúne todos os pressupostos que a lei impõe
para que ocorra o seu reconhecimento, como é o caso da União de Facto entre homossexuais,
pois, segundo o conceito de União de Facto, apresentado pelo artigo 112.° do CFA, é apenas
suscetível de reconhecimento legal a União de Facto entre um homem e mulher. Pode tomar-
se, ainda, por exemplo o caso de demência notória por parte de um dos unidos de facto, entre
outros impedimentos legais.

Quanto ao tratamento jurídico da União de Facto que não atenda aos requisitos legais,
segundo dispõe o n.º 2 do artigo 113.° do CFA, deve ser salvaguardada pela ordem jurídica,
sempre que se enquadrar nos casos previstos no Código da Família, ou quando ocorra o
enriquecimento ilícito, isto é, ao abrigo das normas gerais da lei civil (artigo 473.° e seguintes).

5.2. Conceito de enriquecimento ilícito


O enriquecimento ilícito, também denominado por enriquecimento sem causa, é um
princípio importante do direito das obrigações, isto é, no domínio civil, segundo qual «o
enriquecido fica obrigado a restituir ao empobrecido o benefício que injustificadamente obteve
à custa dele» (Leitão, 2016). Pode dizer-se, então, que, em geral, a União de Facto que não
possa ser reconhecida por falta de certos pressupostos impostos por lei é tida como inexistente,
sempre que estejam em causa impedimentos absolutos.

Porém, excepcionalmente, a lei admite que esta dê lugar à produção de alguns efeitos
jurídicos de natureza patrimonial, mas apenas quando se esteja ao abrigo de uma das situações
previstas no n.º 2 do artigo 113.° do CFA (caso de enriquecimento ilícito, ou dúvida sobre a
titularidade de um bem adquirido na constância da vida marital, etc.), ou seja, esta norma tem
por finalidade garantir a restituição de bens adquiridos ilicitamente na constância da união por
uns dos conviventes a custa do outro (empobrecido), assegurar uma justa partilha dos bens
comuns adquiridos na constância da união, na determinação do destino da casa de morada de
família em caso de ruptura. Mais adiante, abordar-se-ão alguns aspectos ligados ao destino da
casa de morada de família em caso de dissolução da união.

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Do ponto de vista da jurisprudência, o disposto no n.º 2 do artigo 113.° do CFA remete
para a ideia de que «terminada a União de Facto por ruptura, os unidos de facto têm direito a
participar na liquidação do património adquirido pelo esforço comum», os tribunais e a doutrina
têm sugerido, ainda, duas outras hipóteses para a resolução das uniões de factos abrangidas por
essa norma, nomeadamente o recurso ao regime da compropriedade e o regime da sociedade de
facto ou irregulares e, para efeitos da partilha dos bens comuns adquiridos na constância da
união, é necessário que se faça prova da natureza comum do património, ou seja, é necessário
que seja efetivamente provado que o património pertence a ambos (Acórdão da Câmara do
Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro – processo n.º 1623/10).

Na perspectiva de Medina (2013), quando o n.º 2 do 113.° do CFA fala em partilha de


bens, essa partilha não deve ser vista como a meação dos bens comuns, pois a meação ocorre
apenas em caso de dissolução do casamento ou nas circunstâncias em que haja uma União de
Facto reconhecida, isto é, a união que atenda a todos os requisitos impostos por lei à época do
seu reconhecimento. Para esta autora, a partilha prevista nesta norma deverá ser efetuada ao
abrigo do instituto da compropriedade, ou seja, cada um dos unidos de factos será tido como
titular de uma quota ideal.

Por fim, Medina (2013, pp. 362-364) afirma, ainda, que, em bom rigor, até a União de
Facto que não reúna todos os pressupostos impostos por lei pode dar lugar ao reconhecimento
legal, porém, esse reconhecimento não permite a produção plena de todos os efeitos jurídicos
da união de facto que se subsome nos termos do n.º 1 do artigo 113.° do CFA, o que quer dizer
que este reconhecimento se limita a dar lugar à produção dos efeitos jurídicos estabelecidos no
n.º 2 do artigo 113.° do CFA (para efeitos de partilha de bens e para atribuição do direito à
residência comum dos unidos de facto) e, igualmente, para as questões ligadas à presunção de
paternidade, b) do artigo 168.° do CFA).

5.3. O papel do conselho de família


O Conselho da Família é um órgão criado pelo Estado com o propósito de contribuir
para uma boa administração da justiça em matéria familiar. Este órgão público dispõe de uma
grande relevância no âmbito dos litígios familiares, desempenhando a função de auxiliar o
tribunal, visando, como já foi dito anteriormente, uma melhor administração da justiça. Do
ponto de vista do seu reconhecimento legal, este instituto jurídico encontra-se previsto no
Capítulo IV do Código da Família Angolano (artigos 16.° e 19.°).

64
Segundo Medina (2013), este é um órgão cuja criação teve como ponto de partida ou
inspiração às tradições familiares angolanas, concretamente a questão das sentadas ou reuniões
familiares. Nesse Modelo de reuniões, as pessoas mais velhas da família e vistas como mais
idóneas emitem opiniões sobre certos problemas que lhes são apresentados, isto é, no seio
familiar, com vista uma resolução pacífica e tornar possível a conciliação dos membros da
família envolvidos no problema. Para Medina (idem), «ao atribuir ao Conselho de Família tal
importância teve-se em mente a realidade social subjacente à sociedade tradicional angolana».

Quanto à natureza jurídica do Conselho de Família, este é um órgão consultivo do


tribunal em causas referentes às relações jurídico-familiares, sejam constitutivas, modificativas
sejam extintivas (n.º 1 do art. 16.° do CFA). O conselho da família é responsável por emitir
pareceres não vinculativos sempre que a lei imponha (ex. o reconhecimento da União de Facto
por via judicial art. 125.° do CFA) ou a pedido das partes (ex. quando estejam em causa
interesses de menores – art.º 215.° do CFA).

Quanto à constituição do Conselho de Família, por conta do artigo 17.° do CFA, este
órgão deve ser composto por quatro indivíduos. Esta representação é baseada numa
representação equitativa das partes (tanto podem ser parentes, cônjuges ou unidos de facto,
afins, amigos ou vizinhos próximos às partes litigantes), não devendo os membros deste órgão
ter algum interesse directo no caso submetido à tribunal e, tendo em vista uma melhor
administração da justiça, tem-se defendido que os membros do conselho devem agir com
imparcialidade e pautados pela boa fé.

Por outro lado, a indicação dos membros do Conselho é da competência das partes
litigantes (cada parte designa dois membros) ou pode resultar da iniciativa oficiosa do tribunal,
caso essas não façam as devidas indicações, existe ainda a possibilidade da substituição dos
membros do Conselho se se demonstrar ser fundamental (art. 18.° do CFA).

Por fim, não tendo o parecer do conselho da família natureza vinculativa, o tribunal pode
decidir não acatá-lo, pois, do ponto de vista processual, a decisão do juiz deve ser consequência
das suas convicções pessoais e da apreciação feita às provas obtidas em tribunal, tendo sempre
como fim último a descoberta da verdade material e a realização da justiça. Em caso de recusa
da adoção do parecer emitido pelo Conselho de família, é, certamente, necessário que se
fundamente.

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5.4. Dissolução da União de Facto
A constituição da União de Facto não obedece a qualquer ato solene ou qualquer
formalismo, podendo a qualquer momento dois indivíduos darem início a uma convivência
marital. Entretanto, para que a união venha a merecer proteção legal, é indispensável a
realização do seu reconhecimento, isto é, sempre que preencher todos os pressupostos legais.
O seu reconhecimento é da competência de uma instituição de registo civil da área de residência
dos conviventes ou unidos de facto (artigo 115.° do CFA).

Por outro lado, do mesmo modo que os indivíduos dispõem da autonomia da vontade
para dar início a uma vida marital ou União de Facto (direito de constituir família, artigo 35.°
da CRA) e a reconhecer legalmente, o Estado lhes garante igualmente a faculdade de pôr fim a
esta união, sempre que manifestem este interesse, pois a manutenção de uma União de Facto
forçada pelo Estado, certamente, poria em causa o direito à liberdade dos indivíduos (cf. artigo
36.° da CRA) e o seu direito à dignidade, de um modo geral.

Quando se fala, aqui, em dissolução da União de Facto, faz-se referência a uma figura
jurídica que torna possível o rompimento ou extinção da União de Facto legalmente
reconhecida, a qual, consequentemente, faz cessar os efeitos jurídicos oriundos do
reconhecimento.

O ordenamento jurídico angolano confere aos unidos de facto o direito de pôr fim à
união legalmente reconhecida, sempre que se mostrar insustentável a manutenção deste vínculo,
por já ter atingido um nível de deterioração insuscetível de reparação ou por não mais fazer
sentido a continuidade da união para os unidos de facto.

Os unidos de facto podem pôr termo ao vínculo familiar a qualquer momento. Tratando-
se de união legalmente reconhecida, a lei exige a apresentação de um requerimento junto da
instituição de registo civil competente, manifestando a vontade da dissolução da União de Facto
(artigo 26.°, n.º 1 do Decreto Presidencial n.º 36/15 de 30 de janeiro). Face a isso, importa
mencionar que o Decreto Presidencial 36/15 prevê, no n.º 2 do artigo 26.°, a possibilidade da
aplicação subsidiária das normas referentes à dissolução do casamento sempre que necessário.

Quanto às modalidades de dissolução da União de Facto, na ordem jurídica angolana a


dissolução pode revestir-se de duas modalidades, nomeadamente a dissolução por ruptura ou
por morte (art. 74.°, 262.° do CFA; art. 26.° do Decreto Presidencial n.º 36/15).

66
Já no plano do direito português, a dissolução da União de Facto pode revestir-se de três
modalidades, como se pode aferir nos termos do artigo 8.° da Lei n.º 7/2001, que dispõe o
seguinte:

1. A União de Facto dissolve-se:

a) Com o falecimento de um dos membros;

b) Por vontade de um dos seus membros;

c) Com o casamento de um dos membros.

2. A dissolução prevista na alínea b) do número anterior apenas tem de ser judicialmente


declarada quando se pretendam fazer valer direitos que dependam dela.

3. A declaração judicial de dissolução da União de Facto deve ser proferida na acção mediante
a qual o interessado pretende exercer direitos dependentes da dissolução da União de Facto, ou
em acção que siga o regime processual das acções de estado».

5.5. Dissolução por morte


O artigo 74.° do CFA prevê como uma das causas para a dissolução do casamento a
morte de um dos cônjuges e, segundo o n.º 2 do artigo 26.° do Decreto Presidencial n.º 36/15,
de 30 de janeiro, referente ao reconhecimento da União de Facto por mútuo acordo e à
dissolução da União de Facto reconhecida, admite-se a aplicação das normas ligadas à
dissolução do casamento com os devidos ajustes aos casos de dissolução na União de Facto
reconhecida, até porque no título IV do CFA, onde se encontra regulada a figura da União de
Facto, não se preveem as causas e o modo em que deve ocorrer a dissolução da União de Facto.

Sendo assim, aplicando-se de forma análoga o artigo 74.° do CFA, a morte de um dos
membros da união é tida como uma das causas para extinção do vínculo marital, sendo a morte
«a cessação irreversível das funções do tronco cerebral», nos termos do artigo 2.° da Lei n.º
141/99, de 28 de agosto. Nesta modalidade de dissolução da União de Facto, a extinção do
vínculo familiar é, à partida, alheia à vontade das partes, tratando-se de morte natural.

5.6. Dissolução por ruptura


Para Cruz (2019, p. 557), a ruptura da União de Facto acontece quando uma ou ambas
as partes decidem não prosseguir com a vida em comum.

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Nesta modalidade de dissolução da União de Facto, valoriza-se o elemento volitivo
(elemento subjetivo), ou seja, a extinção da convivência marital não resulta do fenômeno morte,
mas sim da vontade de um ou de ambos conviventes, sempre que a relação já não tenha remédio.

Por fim, a dissolução da União de Facto, quer resulte de morte, quer de ruptura faz cessar
os efeitos jurídicos inerentes ao reconhecimento e, naturalmente, pode dar lugar ao nascimento
de outros, por exemplo, quanto às questões de partilha de bens, à questão da proteção do unido
de facto, quanto à casa de morada de família e à obrigação da prestação de alimentos entre
unidos de facto em caso de ruptura.

5.7. Destino da residência comum em caso de ruptura da União de Facto


Conforme dispõe o n.º 1 do artigo 35.° da CRA, a família é considerada como o pilar
basilar da organização da sociedade, razão pela qual o Estado assegura legalmente a sua
proteção. A proteção da família pelo Estado visa assegurar a garantia dos direitos individuais
de cada membro da família (os direitos fundamentais de primeira geração), bem como os
direitos económicos, sociais e culturais, etc.. Aqui, pode destacar-se o direito à habitação e à
qualidade de vida, prescrito nos termos do artigo 85.° da CRA.

Quanto à importância do direito à habitação na vida das famílias, sabe-se que, para uma
perfeita realização da família (unidos de facto e os seus descendentes), é necessário que esses
disponham de uma casa, também, designada por residência comum ou casa de morada de
família. Vale lembrar, ainda, que para que ocorra o reconhecimento legal da União de Facto,
ou para que determinada união se insira no âmbito da União de Facto, um dos pressupostos
apontados pela doutrina e pela jurisprudência é a coabitação, mais concretamente no que tange
à comunhão de habitação, ou seja, a partilha de uma residência comum entre unidos de facto.

Casa é, no entender de Sandra Marques (2014), «o espaço onde um agregado familiar


reside de forma habitual e com caráter de permanência, devendo entender-se que da mesma
fazem parte os móveis e utensílios domésticos que a compõem por estarem afetos à vida
familiar daqueles que a habitam».

Diante disto, a questão que se levanta consiste em saber o que acontece com a residência
comum, em caso de ruptura da União de Facto reconhecida, ou não, por falta do preenchimento
dos pressupostos legais estabelecidos pela ordem jurídica em matéria familiar, ou em caso de
dissolução por morte de um dos unidos de facto.

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O Código da Família Angolano assegura a proteção do direito à atribuição da residência
comum ou casa de morada de família, em caso de dissolução por morte ou ruptura da União de
Facto nos termos do artigo 110.° do CFA e do n.º 2 do artigo 113.° do mesmo código, cabendo
a quem tenha interesse digno de proteção legal intentar uma ação judicial para o efeito.

O Código Angolano da Família não define o conteúdo de “residência comum” ou “casa


de morada de família”, limitando-se a reconhecer-lhe o direito à atribuição nos termos do artigo
110.° e do art.º 113.°, n.º 2 do CFA, como anteriormente foi referido. Mas, a jurisprudência e a
doutrina têm apresentado alguns conceitos ligados a esta figura.

No âmbito do direito português, não existe, igualmente, uma definição legal de


residência comum ou casa de morada de família, por outro lado, a escolha da residência da
família dispõe de uma maior atenção do direito, pelo facto de esta tornar possível uma melhor
unidade e a realização da própria família. No direito português, essa questão é regulada pelo o
artigo 1673.° do CCP, esta disposição normativa determina que escolha da residência comum
deva ser fruto da vontade de ambos os cônjuges e, aquando da escolha, devem ter-se em atenção
alguns aspectos ligados à vida profissional dos cônjuges, as preocupações dos filhos, ou seja, a
escolha da residência comum da família deve propiciar uma maior unidade e harmonia familiar,
e não o inverso.

Por outro lado, a lei prevê exceção a essa regra, quando estejam em causa situações
fortes que obstem a escolha fundada no mútuo acordo dos cônjuges, podendo, por conta do n.°
2 do artigo supra referido, o tribunal decidir sobre esta questão a requerimento de um dos
cônjuges, quando não seja possível chegar a um consenso sobre a fixação ou alteração da
residência da família.

No direito português, a proteção dos cônjuges quanto à casa de morada de família é


assegurado pelos artigos 1793.° e 1105.° do CCP. Em detrimento deste direito, salvo em caso
de separação de bens, a alienação, oneração ou arrendamento da casa de morada de família fica
sujeito ao consentimento de ambos os cônjuges [1682.°, alínea a) e 1682.º, alínea b) do CCP].

Quanto à proteção da casa de morada de família ou da residência comum, em relação


aos unidos de facto, no direito português, isto é, nos casos em que os indivíduos vivem numa
situação similar a de pessoas casadas num prazo igual ou superior a dois anos, a LUF consagra
este direito nos termos dos artigos 4.° e 5.°.

69
O artigo 4.° da LUF garante a possibilidade da aplicação, com os devidos ajustes, das
disposições normativas referentes ao instituto do casamento na União de Facto (as normas dos
artigos 1105.° e 1793.° do CCP). Um aspeto que deve, aqui, ser chamado à colação concerne
ao facto de o art. 5.° da LUF referir apenas a proteção da casa de morada de família em caso de
morte. A residência é um elemento fundamental na vida de uma pessoa (como decorre, aliás,
do art. 65.° da CRP) e, quando essa pessoa decide partilhar a sua vida com outrem, numa
convivência íntima e familiar, não pode o Direito ignorar a proteção desse lugar (Cruz, 2019).

Sendo assim, importa agora saber o que é de facto de “residência comum” ou “casa de
morada de família”, no ponto de vista da doutrina e da jurisprudência, pois, quer no
ordenamento jurídico angolano, quer no português, não existe uma definição legal desta figura.

Segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (proc. n.° 1747/14.0T8LRA.


C1, de 20-06-2017), «casa de morada de família é aquela onde, de forma permanente, estável e
duradoura, se encontra sediado o centro da vida familiar dos cônjuges (ou unidos de facto) [...]».

Para Cruz (2019, pp. 644-645), «a casa de morada de família será, além da mera
residência ou domicílio, o espaço onde a vida familiar se desenvolve numa premissa de
privacidade, segurança e bem-estar dos membros da família». A autora acrescenta, ainda, que
a casa de morada de família deve ser vista como a sede da família, pois, é lá o espaço onde, de
modo permanente, se dá a administração da instituição familiar.

Capelo de Sousa aponta para a casa de morada da família como aquela «que constitua a
residência habitual principal do agregado familiar, ou seja, aquela residência, determinável caso
por caso, que, pela sua estabilidade e solidez, seja a sede e o centro principal da maioria dos
interesses, das tradições e das aspirações familiares em apreço» (Marques, 2014).

Portanto, pode concluir-se que a residência comum ou casa de morada de família é a


sede da instituição familiar, ou seja, o lugar ou espaço em que, de modo fixo ou habitual, os
seus membros desenvolvam todas as atividades necessárias para uma maior unidade e harmonia
familiar.

Ora, é importante aludir-se, aqui, a algumas questões importantes que devem ser tidas
em atenção, aquando da atribuição da residência comum. Mas, antes, importa salientar que os
unidos de facto, segundo tem sido defendido pela doutrina e pela jurisprudência, podem, de
modo consensual, decidir sobre o destino a ser dado à residência comum, sem que, para tal, se
acionem mecanismos judiciais.

70
Isto quer dizer que toda a vez que não seja possível aos unidos de facto chegar a um
consenso sobre o destino a ser dado à residência comum, recorre-se à faculdade de propor uma
ação judicial para que o tribunal possa decidir sobre a questão. Este direito encontra-se
preceituado nos termos do art.º 110.° do CFA, por conta dessa disposição normativa, o tribunal
(juiz), ao apreciar o mérito da causa, deve ter sempre em atenção as condições de vida dos
cônjuges ou unidos de facto, as preocupações dos filhos do casal (caso possuam) e as razões
que motivaram a extinção do vínculo familiar (em caso de ruptura da União de Facto).

Por outro lado, quando a residência comum for arrendada, de acordo com as disposições
gerais do CFA, a disposição do direito ao arrendamento17 fica subordinada ao consentimento
mútuo do casal, independentemente do regime de bens que vigore entre eles (art. 57.° do CFA).
São exemplos disso: o subarrendamento total ou parcial da residência comum; a cessão da
posição contratual (ceder a posição de arrendatário a um terceiro), etc.. Entretanto, caso a
dissolução da União de Facto resulte da morte de um dos unidos de facto, admite-se legalmente
a possibilidade da transmissão do direito ao arrendamento ao unido de facto sobrevivo, isto é,
com base nos termos estabelecidos por lei sobre esta questão (art. 75.° do CFA).

Outra questão pertinente, concernente à atribuição da residência comum, diz respeito ao


tratamento jurídico do cônjuge ou unido de facto que se vê privado desse bem, por conta de
uma decisão judicial temporária ou por mútuo acordo dos conviventes, antes que se dê a partilha
do bem, isto é, dependendo do regime de bens que vigora na União de Facto, porque, como
anteriormente foi dito, diferentemente do ordenamento jurídico português que não prevê
regimes de bens no instituto da União de Facto, no direito angolano, existe essa possibilidade.

Sobre esta questão, o acórdão do TRC defende que: «[...] a fixação de uma compensação
patrimonial do cônjuge privado do uso daquela que foi a casa de morada de família por força
da sua atribuição ao outro cônjuge, até à partilha do bem. Tal compensação deve ter lugar por
razões de justiça e equidade, designadamente porque o cônjuge privado do uso desse bem pode

17
«O direito ao arrendamento da residência familiar na união de facto, mesmo que não reconhecida, só́ pode ser
alienado por ambos os companheiros» – artigos 113.° n.º 2 e 57.° do CFA, Acórdão do Tribunal Supremo (Proc.
231/95, de 15-03-1996). Disponível em www.tribunalsupremo.ao

71
estar sujeito, e, por isso, não pode deixar de ter em conta as circunstâncias concretas da vida
dos cônjuges».18

5.8. Direito à prestação de alimentos na União de Facto


Neste ponto, analisar-se-á a problemática do direito à prestação de alimentos na
perspectiva do direito da família. Certamente, não esgota o tema, aqui, dada a sua amplitude,
todavia procurar-se-á dar conta de algumas considerações importantes sobre o instituto,
nomeadamente quanto à sua noção, natureza jurídica, critérios de atribuição do direito e à sua
duração. Como anteriormente referido, a União de Facto reconhecida faz nascer um conjunto
de direitos e deveres, como é o caso do direito à prestação de alimentos, que pode ser exercido
em caso de dissolução da união (por ruptura ou por morte).

Do ponto de vista da doutrina, tem-se defendido que esse direito é consequência do


dever de cooperação e assistência, ou seja, o dever de participações recíprocas ou solidárias
entre os conviventes ou ex-conviventes. Uma nota importante a ter-se em conta é concernente
ao facto de o dever de solidariedade e cooperação perdurar mesmo após a dissolução da união,
o que quer dizer que o unido de facto que, por insuficiência de recursos financeiros não consiga
garantir a sua sustentabilidade, dispõe da faculdade de propor uma ação em tribunal para fazer
valer o seu direito a alimentos com vista a ultrapassar essa necessidade (artigos . 45.° e 260.° e
ss do CFA).

Maria Tomé considera que a solidariedade patrimonial, como «o fundamento último,


ético e jurídico da obrigação de alimentos entre ex-cônjuges, encontra-se num princípio de
solidariedade pós-conjugal».19

5.9. Noção de alimentos


No que tange ao conceito de alimentos, Medina (2013, p. 409) afirma que «está
abrangido tudo quanto o alimentado necessita para a sua sobrevivência e manutenção como ser

18
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (Proc. 3175/16.3T8VIS.C1), de 27-04-2017). Disponível em
www.dgsi.pt [Consultado em 9 de junho de 2019].

19
TOMÉ, Maria João Romão Carreiro Vaz. Reflexões Sobre a Obrigação de Alimentos Entre Ex-cônjuges. In
Textos de Direito da Família, Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, p. 588.

72
social». Na perspectiva jurídica, o art. 247.° do CFA limitou-se a dizer o seguinte: «1. Os
alimentos compreendem tudo o que for necessário ao sustento, saúde, habitação e vestuário; 2.
No caso dos menores, os alimentos compreendem ainda a educação e instrução».

Esta disposição normativa não prevê de modo pormenorizado cada figura que
compreende os alimentos, por exemplo, no caso da saúde, não se prevê que tipo de despesas
com a saúde se incluem e quais as que não se incluem no direito a alimentos. Pode dizer-se,
então, como defendem alguns autores, que se está em presença de uma norma indeterminada,
que dá uma maior liberdade de interpretação aos aplicadores da lei.

5.10. Natureza jurídica


Antes de se ir diretamente à questão de natureza jurídica do direito a alimentos, importa
referir que o Código da Família Angolano reconhece, nos termos do art.º 260.° e seguintes, o
dever recíproco da prestação de alimentos entre cônjuges e unidos de facto, mediante a reunião
de certos requisitos impostos pela lei. Esta obrigação ocorre durante a união e, em caso de
ruptura ou morte de um dos sujeitos da relação, a lei consagra o direito à prestação de alimentos
[cf. a alínea b) do art. 248.° do CFA referente aos destinatários do direito a alimentos].

Desta norma, depreende-se que dispõem da faculdade de requerer alimentos aqueles que
deles careçam. Assim, em caso de morte ou ruptura da União de Facto, pode requerer a
prestação de alimentos o unido de facto que careça ou companheiro sobrevivo que não disponha
de meios necessários para por si garantir o seu sustento (n.º 1 do artigo 261.° e o art. 262.° do
CFA), daí que é importante saber qual é a natureza jurídica desse direito.

Quanto à natureza do direito a alimentos, saliente-se que, do ponto de vista da doutrina,


não existe unanimidade entre os autores sobre a sua natureza jurídica, alguns defendem que tem
natureza patrimonial (porque, em geral, são prestações pecuniárias), e outros defendem que tem
natureza pessoal. Na visão de Medina (2013, p.411), por exemplo, «a obrigação de alimentos e
o crédito alimentar têm uma natureza estritamente pessoal e, em razão da sua própria natureza
jurídica, não estão sujeitas ao regime geral das demais obrigações». A autora sustenta a sua
posição, ao afirmar que a natureza estritamente pessoal resulta da causa que dá origem ao
próprio direito (vínculo familiar, seja casamento, seja União de Facto). Já Cruz (2019, p. 616)
entende que « os alimentos têm cariz patrimonial, apesar da sua vinculação frequente a relações
pessoais e familiares».

73
Nestes termos, o direito a alimentos tem natureza temporária. Quanto às suas
características, esse é um direito irrenunciável, impenhorável, intransmissível, indisponível,
etc..

5.11. Atribuição dos alimentos


A atribuição dos alimentos, nos termos do art. 111.° do CFA, impõe ao aplicador da lei
o dever de respeito por alguns aspectos ligados à situação socioeconômica do companheiro que
vier a requerer a prestação, os encargos com a educação dos filhos e os motivos que levaram à
extinção da relação.

Por outro lado, tem-se defendido, no âmbito da jurisprudência, que o ónus de provar a
situação de carência de alimentos é do alimentado, podendo o alimentante provar o contrário.
Vale, aqui, lembrar que a medida dos alimentos deve ser sempre proporcional à necessidade do
alimentado e a capacidade financeira do alimentante (art. 250.° do CFA). Quanto à modalidade
das prestações, em geral, são prestações pecuniárias mensais, todavia, a lei admite a adoção de
outras modalidades de prestações (art. 252.° do CFA).

5.12. Duração
O direito a alimentos tem natureza temporária e visa assegurar a reorganização da vida
do unido de facto que não disponha de meios financeiros para garantir o seu sustento nos
primeiros momentos após a ruptura do vínculo, ou em caso de morte do ex-convivente. Ou seja,
em geral, esta obrigação extingue-se quando a causa que tenha fundamentado a decisão deixa
de existir (possibilidade de alteração da decisão a qualquer momento – n.º 2 do artigo 111.° do
CFA.

Por outro lado, o art. 263.° do CFA prevê algumas circunstâncias que podem fazer cessar
o dever de prestação de alimentos entre unidos de facto, nomeadamente «quando se contrai
novo casamento ou quando é constituída nova União de Facto, ou quando se verifique atentado
contra a vida ou grave atentado contra honra do obrigado».

74
CAPÍTULO VI – APRESENTAÇÃO, DISCUSSÃO E INTERPRETAÇÃO
DOS RESULTADOS

Este capítulo consiste na apresentação dos resultados do inquérito aplicado no município


de Malanje. Para o efeito, as questões que constituem o inquérito serão aqui convertidas em
título, aos quais se farão leituras objetivas, cujos dados serão, em seguida, representados em
tabelas, de elaboração própria.

6.1. Sobre a noção de União de Facto

Noventa e um (91) munícipes, que correspondem a 91%, já ouviram falar e 9 munícipes,


que correspondem a 9%, nunca ouviram falar, como abaixo se representa:

Tabela 6: Conhecimento sobre a União de Facto

N.º Descrição Tamanho amostral Percentagem

1.º Sim 91 91%

2.º Não 9 9%

Σ ________ 100 100%

6.2. Sobre a circunstância da tomada de conhecimento da noção de «união


de facto»
Quatro (4) munícipes, 4%, ouviram na escola; 12 munícipes, 12%, ouviram na igreja; 7
munícipes, 7%, ouviram numa rede social; 7 munícipes, 7%, leram no jornal; 30 munícipes,
30%, ouviram na rádio; 15 munícipes, 15%, aperceberam-se pela televisão, 25 munícipes,
25%, ouviram numa conversa com alguém, como abaixo se representa:

75
Tabela 7: Fonte da informação sobre a União de Facto

N.º Descrição Tamanho amostral Percentagem

1.º Na escola 4 4%

2.º Na igreja 12 12%

3.º Numa rede social 7 7%

4.º No jornal 7 7%

5.º Na rádio 30 30%

6.º Na televisão 15 15%

7.º Numa conversa com alguém 25 25%

Σ ___________ 100 100%

6.3. A União de Facto na ótica dos inqueridos

Vinte e quatro (24) munícipes, 24%, pensam que a União de Facto é uma união
homossexual e 76 munícipes, correspondentes a 76%, pensam que a União de Facto é uma
união heterossexual (convivência marital entre um homem e uma mulher).

Tabela 8: Forma de união

N.º Descrição Tamanho amostral Percentagem

1.º Homossexual 24 24%

2.º Heterossexual 76 76%

Σ __________ 100 100%

76
6.4. Noção da idade de reconhecimento legal da União de Facto

Vinte e cinco (25) munícipes, que correspondem a 25%, pensam que a União de Facto
pode ser reconhecida na faixa etária dos 14 aos 20; 10 munícipes, que correspondem a 10%,
pensam que a União de Facto pode ser reconhecida na faixa etária dos 21 aos 27 anos; 15
munícipes, que correspondem a 15%, pensam que a União de Facto pode ser reconhecida na
faixa etária dos 28 aos 34 e, por último, 50 munícipes, que correspondem a 50%, pensam que a
União de Facto pode ser reconhecida na faixa etária dos 35 anos em diante. Representando:

Tabela 9: Idade do começo da União de Facto

N.º Descrição Tamanho amostral Percentagem

1.º 14 aos 20 25 25%

2.º 21 aos 27 10 10%

3.º 28 a 34 15 15%

4.º 34 em diante 50 50%

Σ _________ 100 100%

6.5. Noção do tempo de duração da União de Facto

Relativamente a este ponto, o inquérito permitiu aferir os seguintes dados: 60 munícipes,


que correspondem a 60%, pensam que o tempo de duração da União de Facto é determinado;
já 40 munícipes, que correspondem a 40%, pensam que o tempo de duração da União de Facto
é indeterminado, podendo ocorrer em caso de falecimento de um dos membros ou em caso de
separação, mas não se determina a priori o tempo da sua duração.

77
Tabela 10: Tempo de duração da União de Facto

N.º Descrição Tamanho amostral Percentagem

1.º Determinado 60 60%

2.º Indeterminado 40 40%

Σ ___________ 100 100%

6.6. Conhecimento dos direitos e obrigações decorrentes da União de


Facto
Relativamente a este ponto, pode ver-se que 33 munícipes, que correspondem a 33%,
conhecem, ao passo que 67 munícipes, que correspondem a 67%, não conhece, como abaixo
se representa:

Tabela 11: Conhecimento sobre os direitos e obrigações da União de Facto

N.º Descrição Tamanho amostral Percentagem

1.º Sim 33 33%

2.º Não 67 67%

Σ ________ 100 100%

6.7. A legalização da União de Facto

Relativamente ao conhecimento da instância em que se pode legalizar a união de facto,


o inquérito aferiu que 55 munícipes, que correspondem 55%, pensam que o lugar onde se
legaliza a União de Facto é na igreja; 10 munícipes, que corresponde a 10%, pensam que a
União de Facto é legalizável em conservatória; 35 munícipes, que correspondem a 35%, pensam
União de Facto é legalizável em sede de reunião familiar. Representando:

78
Tabela 12: Lugar da legalização da União de Facto

N.º Descrição Tamanho amostral Percentagem

1.º Na igreja 55 55%

2.º Na conservatória 10 10%

3.º Na reunião familiar 35 35%

Σ _________ 100 100%

6.8. Sobre a existe de património comum na União de Facto

Sobre este ponto, 17 munícipes, que correspondem a 17%, pensam que existe e 83
munícipes, que correspondem 83%, pensa que não existe, como abaixo se representa:

Tabela 13: Acordo do património

N.º Descrição Tamanho amostral Percentagem

1.º Sim 17 17%

2.º Não 83 83%

Σ ___________ 100 100%

6.9. Causas da ruptura do vínculo na união entre jovens

Com este tópico, correspondente à 9.ª questão do inquérito, foi possível obter os
seguintes dados: 25 munícipes, correspondentes a 25%, pensam que a morte de uma das partes
é a causa primária da ruptura do vínculo na união de facto, ao passo que 75 munícipes, que
correspondem a 75%, acreditam na existência de outros motivos, que não cabem no escopo
deste trabalho.

79
Tabela 14: Razão da ruptura da União de Facto

N.º Descrição Tamanho amostral Percentagem

1.º Morte de uma das partes 25 25%

2.º Outros motivos 75 75%

Σ _________ 100 100%

6.10. A divisão do património em caso de morte da mulher ou do homem

Sobre a divisão patrimonial em caso de morte de um dos cônjuges, a percepção de 15


munícipes, que correspondem a 15%, é que a divisão é feita pela via legal, já 85 munícipes,
correspondentes a 85% da amostra, entendem que a divisão do património se rege pelos
preceitos culturais de cada família e, como tal, resolve-se em sede do seio familiar.

Tabela 15: Divisão do património em caso de morte de um dos cônjuges

N.º Descrição Tamanho amostral Percentagem

1.º Via legal 15 15%

2.º No seio familiar 85 85%

Σ ___________ 100 100%

6.11. Sobre as partes mais fragilizadas com o fim da União de Facto

A parte mais fragilizada são os filhos, na ótica de 80 munícipes, o que corresponde a


80% da amostra, porém, para alguns, 15 munícipes (15%), a parte mais fragilizada é a mulher
e, por último, 5 munícipes, que correspondem a 5%, pensam que a parte mais fragilizada é o
marido, como se dá conta na tabela abaixo:

80
Tabela 16: A parte mais fragilizada com o fim da União de Facto

N.º Descrição Tamanho amostral Percentagem

1.º Filho 80 80%

2.º Mulher 15 15%

3.º Marido 5 5%

Σ __________ 100 100%

6.12. Do tratamento entre os filhos nascidos na União de Facto e fora dela

A questão relacionada com este tópico permitiu aferir que 45% (igual número de
munícipes) consideram haver parcialidade no tratamento entre os filhos nascidos na união de
facto e fora dele, o que contraria o disposto do ordenamento jurídico angolano, ao passo que,
para 55 munícipes, que correspondem a 55%, o tratamento é imparcial, como abaixo se
apresenta:

Tabela 17: Forma de tratamento entre os filhos nascidos na União de Facto e fora dela

N.º Descrição Tamanho amostral Percentagem

1.º Parcial 45 45%

2.º Imparcial 55 55%

Σ __________ 100 100%

6.13. O tratamento à casa e aos bens do pai, em caso de sua morte

Em caso de morte do pai, por regra, na ótica de 31 munícipes, que correspondem a 31%,
a casa e os seus bens ficam com os filhos; para 29 munícipes, que correspondem a 29%, a casa
e os seus bens ficam com a mulher e, por último, para 40 munícipes, que correspondem a 40%,
a casa e os seus bens ficam com os parentes do falecido (irmãos, sobrinhos, pais).

81
Tabela 18: Recepção do paciente

N.º Descrição Tamanho amostral Percentagem

1.º Filhos 31 31%

2.º Mulher 29 19%

3.º Parentes do falecido 40 40%

Σ __________ 100 100%

6.14. O parecer das fontes, quanto à família fundada na União de Facto


Relativamente a este ponto, 50 munícipes, que correspondem a 50%, são contra o
princípio de família fundada na união de facto, ao passo que 50 munícipes, 50%, são a favor,
num quadro de claro equilíbrio, como se pode notar abaixo:

Tabela 19: Recepção do paciente

N.º Descrição Tamanho amostral Percentagem

1.º Contra 50 50%

2.º A favor 50 50%

Σ ___________ 100 100%

6.15. A conversão da União de Facto em casamento de forma compulsiva

Este tópico é muito complexo por implicar muitas questões de ordem histórico-cultural.
Não obstante, a maior parte das fontes 73 munícipes, que correspondem a 73%, acham que se
deveria, sim, converter a união de facto para casamento de forma compulsiva, o que contraria
a posição de 27 munícipes, que correspondem a 27%. Vale dizer que este tópico poderá ser
objeto de outras e aprofundadas abordagens, em fóruns próprios.

82
Tabela 20: Conversão da União de Facto

N.º Descrição Tamanho amostral Percentagem

1.º Sim 73 73%

2.º Não 27 27%

Σ ____________ 100 100%

6.16. Direitos e obrigações da União de Facto: como e quando reconhecer?

Tendo em conta a quantidade excessiva de respostas a esta questão, conveio mostrar as


mais pertinentes, sem prejuízo do conteúdo arrolado nas demais:

● Munícipe 1 – A União de Facto é muito importante, por isso é que, sempre


que um jovem «fizer pedido», se não quiser, deve reconhecer a sua União
de Facto.
● Munícipe 2 – A União de Facto reconhece-se após os 18 anos de idade,
numa conservatória.
● Munícipe 3 – A União de Facto não tem muito peso, por isso casar-se na
conservatória é sempre melhor.
● Munícipe 4 – Quando achamos que o marido já está a andar à toa, temos
que reconhecer a União de Facto, para evitar problemas com a segunda
mulher que pode aparecer por aí.
● Munícipe 5 – Não tem uma data prevista, sempre que alguém achar que é
a hora, pode reconhecer nas entidades competentes.

83
CONCLUSÃO

O presente trabalho objetivou analisar as problemáticas emergentes da União de Facto


e o papel do Estado na sua proteção, não obstante, não se deixou de aludir, aqui, que, na ordem
jurídica angolana, é reconhecida a todos os indivíduos a liberdade de constituir família e que a
constituição do vínculo familiar tanto pode resultar da celebração do casamento quanto da
União de Facto (artigo 35 da CRA), existindo uma equiparação entre estes dois institutos, fruto
das influências sociais, culturais e tradicionais.

O campo de ação é Malanje, capital da província com o mesmo nome, em Angola, onde
se verificou que, de acordo com os dados coletados, que 50 munícipes, que correspondem a
50% da amostra, pensam que a União de Facto pode ser reconhecida na faixa etária dos 35 anos
em diante; 60 munícipes, 60%, referiram que a duração da União de Facto é determinada; 55%
das fontes pensa que o lugar onde se legaliza a União de Facto é na igreja; 80% afirmou que a
parte mais fragilizada em caso de ruptura da união são os filhos; 85% disse que é no seio
familiar onde se faz a divisão dos bens, em caso da morte de um dos conviventes, e, por último,
40% pensa que, na divisão dos bens, em caso de morte, a casa e o recheio deve ser dado aos
parentes do falecido.

Assim sendo, conclui-se que, à partida, as uniões de facto que não reúnem os requisitos
de fundo obrigatórios para o seu reconhecimento são inexistentes, ou seja, não dão lugar à
produção dos efeitos jurídicos da União de Facto legalmente reconhecida. Porém, o legislador
ordinário vem admitir excecionalmente, nos termos do n.º 2 do artigo 113.º do CFA, a
possibilidade do seu reconhecimento judicial, sempre que haja enriquecimento ilícito, para
efeitos de partilhas de bens, recorrendo-se às disposições gerais da lei civil, e para efeitos da
atribuição da residência comum, fora as outras situações previstas no código da família.

Do ponto de vista comparativo, diferente de Angola, o direito português não reconhece


constitucionalmente a União de Facto como uma verdadeira fonte de relação jurídico-familiar,
mas garante a sua proteção legal nos termos da LUF n.º 7/2001, de 11 de maio, prevendo um
prazo mínimo para o seu reconhecimento de dois anos, admitindo o reconhecimento de uniões
homoafetivas e, conferindo aos unidos de facto a liberdade da celebração do contrato de

84
coabitação para efeitos da regulação da massa patrimonial durante a união. Diferente da ordem
jurídica angolana, não estão previstos regimes de bens na União de Facto.

Todavia, deve referir-se que a União de Facto constitui uma verdadeira fonte de relação
jurídico-familiar no direito angolano, admitindo-se apenas o reconhecimento legal da União de
Facto entre um homem e uma mulher que dure, no mínimo, 3 anos de convivência marital
consecutiva, sempre que preenchidos os pressupostos legais do art. 113.° do CFA, dispondo os
conviventes da faculdade de escolher o regime de bens que lhes aprouver.

Quanto à sexualidade, sendo o Estado angolano um verdadeiro Estado de Direito, não


deve impor a heterossexualidade como requisito de fundo indispensável para o reconhecimento
da União de Facto, porque, deste modo, se atentam contra alguns direitos fundamentais
indispensáveis à realização da dignidade da pessoa dos indivíduos homossexuais, como é o caso
do direito a constituir família, liberdade e autoafirmação e o direito à igualdade e a não
discriminação, em virtude da orientação sexual.

Por último, quer o direito angolano, quer o português reconhecem os mesmos direitos
aos filhos nascidos dentro e fora da união, proibindo qualquer discriminação entre eles.

85
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JURISPRUDÊNCIA PORTUGUESA

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