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os objetos corriqueiros da experiência são compostos

irredutíveis de atualidade e potencialidade, de capacidade para


a mudança e de algo que persiste ao longo da mudança.
Especificamente, são compostos irredutíveis de matéria e
forma. A bola de borracha azul é composta de um certo tipo de
matéria – borracha – e uma certa forma – a forma de um objeto
azul, redondo, saltitante. A matéria sozinha não é a bola; afinal
de contas, a borracha também poderia assumir a forma de
uma borracha escolar, e de um grande número de outras
coisas. Tampouco a bola é a forma sozinha; não podemos
fazer com que o azul, o redondo e nem mesmo a elasticidade
saiam quicando por ai, pois essas coisas são meras
abstrações. É exclusivamente a forma e a matéria juntas que
constituem a bola. Assim, temos a famosa doutrina de
Aristóteles do hilemorfismo (ou “materioformismo”, para
expressar o significado do grego hyle ou “matéria” e morphe ou
“forma”).

Ora, algumas das formas que uma coisa tem são inessenciais.
Uma bola continua a ser uma bola, seja azul ou vermelha. Mas
outras formas são essenciais. Se a bola for derretida, perde a
forma redonda e a elasticidade; e por essa mesma razão, não
é mais uma bola de maneira alguma, mas apenas uma massa
viscosa.
Os atributos que são essenciais para uma coisa constituem
aquilo que Aristóteles chama de sua forma substancial – a
forma que torna uma coisa o tipo de substância ou coisa que
ela é, sua essência. Ser redonda é parte da forma substancial
ou essência de uma bola; ser azul não, elementos não
essenciais para a forma serão denominados “acidentes”.
Ser animal racional é (de acordo com os aristotélicos) a
essência ou forma substancial do ser humano; ter pele branca
ou negra não é parte dessa essência, uma vez que se pode
ser um animal racional e, portanto, um ser humano, qualquer
que seja a cor da pele. Como acontece com as atualidades, as
formas vêm em uma espécie de hierarquia. Há a forma
substancial ou essência de uma coisa (por exemplo, ser animal
racional no caso dos seres humanos); há várias propriedades
de uma coisa que não são em si parte da sua essência, mas
que procedem necessariamente dela (por exemplo, ter
capacidade de rir, que se segue de ser animal racional); e há
os aspectos “acidentais” de uma coisa, aqueles que ela pode
ter ou não ter, ganhar ou perder, sem afetar sua essência (por
exemplo, ser careca no caso dos seres humanos).

Que é exclusivamente forma e matéria juntas que constituem


uma bola é parte do que quero dizer ao chamar este composto
de “irredutível”. O que existe no mundo concreto é apenas a
própria bola. A matéria da bola não existe sem a bola, pelo
menos não enquanto a bola mesma existir. (É claro que é
possível derretê-la, mas nesse caso, embora a matéria ainda
exista, a bola não existiria; e mesmo assim, ainda que a
matéria perdesse a forma de bola, ela assumiria outra forma.)
A forma da bola também não existe sozinha; só existe na
medida em que a borracha assume esta forma específica.
Assim, a forma e a matéria consideradas em si mesmas são,
de maneira geral, simples abstrações; existem na mente, mas
não na realidade.
Entretanto, elas são aspectos diferentes da realidade – neste
caso, da bola. A forma não é a matéria e a matéria não é a
forma. Ainda que, ao contrário do que diz Platão, a forma da
bola não exista sozinha, tampouco é verdadeiro afirmar, à
maneira do materialismo, que a bola é “apenas um pedaço de
matéria”. Nada é apenas um pedaço de matéria, pois a matéria
não pode existir sem a forma e a forma (sendo o princípio que
responde pela permanência) não é material (a matéria sendo o
princípio que responde pela mudança).

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