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AULA 3

TERAPIA COGNITIVO-
COMPORTAMENTAL NA
PREVENÇÃO AO SUICÍDIO

Profª Silvia Helena Brandt


TEMA 1 – APROFUNDANDO A COMPREENSÃO DO COMPORTAMENTO
SUICIDA

Para compreender o comportamento suicida, não basta fazer um recorte


do momento em que a pessoa agiu em direção ao objetivo da autolesão que pode
levar à própria morte. É preciso compreender um conjunto de fatores que incluem
aspectos biológicos, como a genética e a produção de neurotransmissores, por
exemplo. Também é importante compreender o papel do meio ambiente na
constituição da identidade e nas motivações do indivíduo, por meio por exemplo,
de mecanismos de identificação e de condicionamento. É importante também
compreender a história de vida da pessoa, por meio de quais crenças centrais ela
lê e interpreta o mundo e a si própria e as motivações para o suicídio, bem como
entender quais são os significados que esse ato tem para aquela cultura e, mais
especificamente, para aquela pessoa.
O ato suicida está na ponta do iceberg. De acordo com Nock et al. (2013),
embora não haja dados oficiais, analisando-se registros de serviços médicos e
inquéritos policiais, sabe-se que o número de tentativas de suicídio é pelo menos
10 vezes superior ao número de mortes pelo ato em si.
Uma das estratégias eficientes de prevenção é observar o método já
utilizado por uma pessoa. A escolha dos métodos utilizados para as tentativas de
suicídio é determinada por mais de um fator, como:

• acesso aos meios letais;


• cultura;
• preferências individuais;
• intenção por trás do ato de autoagressão;
• envenenamento e outros meios não violentos (geralmente utilizados por
mulheres.

De acordo com Silva et al. (2006), a ideação suicida mostra-se intimamente


ligada a sintomas depressivos, como humor deprimido e falta de energia. Aparece
ligado ainda ao uso abusivo de álcool ou tabagismo. Fatores de risco que podem
agravar a ideação suicida podem estar ligados ao fato de morar sozinho e ter
algum transtorno mental.
Observando os estudos globais acerca dos números de suicídio, tem-se
que a década de 1990 apresentou altas taxas de mortalidade por suicídio,

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havendo decréscimo a partir dos anos 2000 em nível mundial. No entanto o Brasil
não acompanhou essa estatística positiva, apresentando taxa de mortes por
suicídio superior à taxa de crescimento populacional, com um aumento de 20%
entre os anos 2000 e 2012, aproximando-se do número de 6 mortes para cada
100 mil habitantes ano, tendo como expoentes os adultos jovens do sexo
masculino.
Há estudos que apresentam a ideação suicida como um fator constante
entre a população que busca ajuda terapêutica ou se encontra, em algum
momento, hospitalizada, constituindo-se em importante fator a ser observado e
considerado como sinal de alerta.
É importante ter claro que falar em lucidez de consciência na
intencionalidade suicida é vago e pouco confiável, pois há inúmeros e diferentes
fatores que influenciam esse momento, e em alguns momentos críticos essa
lucidez é difícil de ser mantida.
Quando se estuda o comportamento suicida, é necessário ter cautela ao
caracterizar as pessoas. Por exemplo, há quem trabalhe com profissões de risco,
e nem por isso apresentam ideação, comportamento ou intenção suicida. No
entanto pode-se pensar ainda em dois termos:

• Suicídio crônico – para pessoas que fazem uso de SPA (substância


psicoativa), como tabagismo, álcool, entre outras drogas;
• Suicídio inconsciente – pessoas que sofrem alguns acidentes, que de
alguma forma, teriam sido provocados.

Conclui-se então que é de suma importância buscar a intencionalidade e a


motivação apoiada pela interação entre um profissional da saúde e seu paciente,
contando com conhecimento técnico e ético, sem julgamentos e sem culpar a
vítima.

TEMA 2 – SUICÍDIO É GENÉTICO?

Muitos estudos vêm sendo realizados em busca de respostas sobre o


comportamento suicida, as quais possam auxiliar na prevenção e na consequente
diminuição das taxas de mortalidade decorrentes deste ato. Antypa, Serretti e
Rujescu (2013) nos contam que o sistema que produz a serotonina regula a
resposta ao estresse e está relacionada a fatores que levam à depressão e ao
comportamento suicida.

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Observa-se que o ato suicida apresenta, via de regra, agressividade e
impulsividade. Mann, Brent e Arango (2001) relatam que pesquisas revelaram que
o ácido 5-hidroxi-indolacético (5-HIAA), que é um metabólito da serotonina,
encontrava-se em níveis abaixo do esperado no líquido cefalorraquidiano de
pessoas que tinham tentado o suicídio. Essas pesquisas, que se iniciaram da
década de 1970, continuaram a ser desenvolvidas e hoje apontam que a relação
entre agressividade – impulsividade e o baixo nível de 5–HIAA – se mantém
estável ao longo da vida e pode estar ligada tanto à genética quanto a fatores de
privação materna ou abuso físico na infância. Pessoas com essa característica
em níveis de serotonina podem apresentam até 5 vezes mais risco de cometerem
o suicídio.
Labonté e Turecki (2010) trazem à luz a importância de se incorporar os
fatores ambientais nas causas genéticas que propulsionam o suicídio. Uma série
de estudos recentes têm mostrado alterações na estrutura do DNA associadas ao
comportamento suicida. Essas alterações, chamadas de epigenéticas, ocorrem
por meio de mecanismos moleculares que, em função de fatores ambientais, não
alteram os genes em si, mas sua ativação ou desativação (expressão genética).
Estima-se que a hereditariedade possa apresentar uma taxa de 55%.
A taxa de concordância para o suicídio em gêmeos monozigóticos, por
exemplo, pode ser 17 vezes maior que a observada em gêmeos dizigóticos.

TEMA 3 – EFEITO WERTHER E MODELAGEM

3.1 Efeito Werther

Em 1774, Goethe publicou um romance chamado Die Leiden des Jungen


Werthers, nele o personagem principal, Werther, suicida-se ao terminar o
romance. Na ocasião da primeira publicação, foi observada uma onda de
suicídios, que teriam surgido como imitação ao romance. A esse fenômeno Phillips
(1974) chamou de Efeito Werther. Porém, como o próprio autor explica, a
associação entre a obra e o fenômeno nunca chegou a ser comprovada.
É importante observar que, como apontam Kreitman, Smith e Tan (citados
por Almeida, 2000), as pessoas que tentaram se suicidar possuíam, entre os
amigos, pessoas que também teriam a mesma propensão. Para Kreitman, Smith
e Tan (1969), Brent et al. (1992) e Hazel e Lewin (1993), há uma notória relevância
da imitação e encorajamento do grupo e da cultura na influência do suicídio. Isso

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porque se aprende por modelagem (veremos a seguir) e a proximidade ao fato, o
qual costuma gerar impacto emocional, em especial se a pessoa que o cometeu
tem valoração moral para aquela que o observa (ídolo, história de vida
semelhante, familiar etc.), o que pode dar início ou despertar a ideação suicida.

3.2 Modelagem

Phillips (1974) e Schaffer (1985) acreditam que a modelagem possa ser um


meio de aprendizagem acerca do comportamento suicida.
Diversos autores trazem estudos sobre aumento de suicídios na
adolescência e infância após passarem por processo de modelagem.
De acordo com Brandura (1986), aprender por modelagem é adquirir novos
padrões de comportamento com base na observação de comportamentos de
outras pessoas, as quais exerçam certa influência moral em sua vida. É importante
ressaltar que o modelo não precisa ser de uma pessoa real; pode ser um
personagem da literatura ou da televisão.
Recentemente vimos o número de suicídios aumentar entre os jovens, em
especial nos EUA, após a exibição do seriado 13 Reasons Why, em que a
protagonista tira sua própria vida. De acordo com Niederkrotenthaler (2019), o
aumento de suicídios entre jovens americanos de 10 a 19 anos nos 3 meses
subsequentes ao lançamento da série foi de 13%. Entre os do sexo masculino, o
aumento foi de 12%, e entre o sexo feminino foi de 21%.
Botega (2015) comentou a série e levantou uma série de hipóteses:

• Culpabilização (cada episódio traz um culpado);


• Supervalorizar a personagem que cometeu o suicídio;
• Apresentar uma cena em que aparece o método usado para tirar a própria
vida.

A cena do suicídio foi retirada da série no ano de 2019.


Uma das maneiras de compreender as hipóteses que o psiquiatra Botega
(2015) nos traz com base no conceito de desinibição, nos é relatada por Brandura
(1986). Esse conceito fala da influência que modelos suicidas podem exercer
sobre os observadores, fortalecendo um comportamento que já havia sido
previamente apreendido, porém não se apresentava devido às restrições sociais.
Quando o observador percebe que tal comportamento não é punido, sendo,
inclusive, passível de recompensas, diminuem-se as restrições do observador.

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Então, podemos entender que os suicídios que recebem atenção pública podem
sim influenciar pessoas que já possuíam em seu repertório algum nível de
comportamento suicida, inclusive porque geram expectativas de atenção
póstuma, sentimento de pena, de elevação do seu status social ou ainda de
vingança.
Almeida (2000, p. 38) nos informa que estudos comprovam que o efeito da
modelagem “depende do número de modelos, das características do modelo (e.g.,
idade, sexo e estatuto social), a intensidade com que o comportamento do modelo
é reforçado e as características do observador”.
A autora continua:

As semelhanças entre as características específicas do modelo e as do


observador desempenham um papel importante, mesmo na
aprendizagem a partir de modelos simbólicos. O facto de um modelo
pacífico ou subversivo estarem disponíveis também parece ser
importante. Desta forma, deve-se encarar a aprendizagem pela
modelagem como uma interação de determinadas variáveis, tanto do
modelo como do observador. Uma vez que a imitação também é
influenciada por variáveis complexas (como a autoestima), estas
poderão também moderar a probabilidade de se exibir o comportamento
aprendido (isto é, o desempenho), nomeadamente através da selecção
de informação. Em determinadas circunstâncias (por exemplo, em
estados motivados), pode-se recorrer à estratégia comportamental
adquirida pela observação (“aquisição” como uma variável do reportório
comportamental) mesmo se já tiver decorrido algum tempo após a
observação ter sido efectuada (“desempenho”). Assim sendo,
acontecimentos que possam servir de estimulantes ou processos que
possam servir de motivação determinam se os comportamentos
adquiridos por observação foram, de facto, desempenhados em
determinada altura. (Almeida, 2000, p. 38)

Almeida (2000) conta ainda em seu estudo que obteve como resultado de
sua pesquisa que entre os adolescentes que tinham amigos que haviam tentado
suicídio alguma vez, a ideação suicida era maior que entre os adolescentes que
não possuíam amigos com tentativas ou ideações anteriores.

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Figura 1 – Adolescente e suicídio

Crédito: PictureLux/The Hollywood Archive/Alamy/Fotoarena.

TEMA 4 – COMPORTAMENTO AUTOLESIVO DOS JOGOS SUICIDAS

4.1 Comportamento autolesivo

Comportamentos autolesivos podem também ser chamados de


automutilação e consistem em atos de picotar/cortar a pele, geralmente feitos nas
mãos, braços, pernas e barriga. A pessoa lesa a própria pele, geralmente sem a
intenção de levar-se à morte. No entanto, muitos autores revelam (e a prática
clínica evidencia) que, apesar de não apresentar explicitamente a intenção de
suicídio, é comum haver ideação suicida e risco elevado de tentativas de suicídio
com o passar do tempo, caso a pessoa não passe por tratamento adequado.
A motivação para o ato pode ser ocasionada pelo desejo de autopunir-se;
tentar reduzir a tensão que está sentindo em decorrência do fato de não saber
lidar com as emoções fortes, bem como sentimentos de angústia e tristeza
intensa, dentre outros.
As lesões são intencionais e é possível ver comportamento de busca por
objetos perfurocortantes, desde facas a pequenos pedaços de vidro.
A maior parte dos estudos indica que esses comportamentos aparecem e
são mais comuns na adolescência, não possuindo intensão suicida. Surgiriam
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como uma maneira do corpo se expressar, uma vez que ainda lhes faltem palavras
e repertório para lidar com as variáveis que se apresentam. De acordo com
Hawton, Saunders e O´Connor (2012), cerca de 10% dos adolescentes podem
apresentar comportamentos autolesivos pelo menos uma vez na vida, sendo mais
comuns entre as representantes do sexo feminino.
Entre os adolescentes que apresentam quadros clínicos, de acordo com
Whasburn et al. (2012), o percentual chega aos 82%.
Muitas vezes os comportamentos autolesivos estão ligados a abusos
físicos ou sexuais sofridos na infância ou adolescência.
Suyemoto (1998) definiu seis modelos explicativos para os
comportamentos autolesivos:

• Modelo ambiental: ligados às variáveis externas – relação entre a pessoa


e o ambiente. Pode ser adquirido ou mantido por meio de reforço
comportamental, modelagem e socialização. Podem sinalizar o sofrimento
da pessoa, já que em algum momento a comunicação sofreu a ponto de
não ser efetiva;
• Modelo de regulação emocional: forma de expressar as emoções intensas,
àquelas que a pessoa não encontrou repertório mais funcional para lidar.
Então é uma maneira de buscar o controle das emoções;
• Modelo antidissociativo: para esse modelo, o comportamento autolesivo
tem a função de provocar uma dor física intensa para interromper outra dor
intensa, mas esta emocional, a qual leva a pessoa para um estado de
despersonalização ou dissociação;
• Modelo sexual – com base na psicanálise, trata-se de um modelo em que
a pessoa usa o ato autolesivo para resolver um conflito interna, prevenindo
assim o suicídio;
• Modelo interpessoal – aqui a pessoa usaria o comportamento autolesivo
como um meio de delimitar o seu espaço pessoal, diferenciando o seu ego
– self – si mesmo, do meio externo.

4.1.1 Manejo do comportamento autolesivo

Ao receber uma pessoa com essa demanda na clínica, é preciso ouvir a


demanda. Pode-se fazer uso das técnicas de seta descendente ou de diálogo
socrático a fim de mediar a busca até entender-se a motivação do comportamento

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autolesivo, que podem ser as seguintes:

• Alívio das tensões (angústia, ansiedade, desespero etc.);


• Autopunição (quando a pessoa julga ter cometido ações erradas);
• Repetição (repete ato de alguém que tenha valor para ele). Pode estar
demonstrando o desejo da companhia de alguém específico, ou ainda o
medo de ficar só;
• Pertencimento (quando a realização deste ato lhe permite a entrada ou
manutenção em um grupo específico).

O profissional que atua com a terapia comportamental cognitiva deixará


claro para seu paciente que trabalha de modo a ouvir a narrativa sem julgamentos
e que irá auxiliá-lo a encontrar a motivação, para que possa reconhecer as
crenças nucleares que lhe fazem ter esse comportamento e colocá-las à prova a
fim de alterá-las; criar novos repertórios de comportamento que lhe possibilitem
lidar de modo funcional com as variáveis envolvidas e, por fim, alterar a percepção
de si e do mundo, o que alterará a emoção vinculada aos fatos.
Após explicar o papel das emoções, pensamentos e comportamentos e
como eles se retroalimentam, o profissional deve auxiliar o paciente a identificar
sua rotina e, dentro dela, o que lhe desperta emoções que acionem gatilhos para
o comportamento autolesivo, bem como emoções que o deixem leve e tranquilo.
Isso pode ser feito com base no RPD (Registro de Pensamento Diário). Diante
disso, é possível iniciar a criação de uma lista pessoal e criação de ancoras, bem
como o treino de habilidades sociais (todas essas técnicas serão relembradas em
uma aula específica).

4.2 Jogos suicidas

Vivemos em uma época em que tudo é fugaz, rápido, pouco duradouro e


passageiro. Temos como pano de fundo a modernidade líquida (termo cunhado
por Zygmunt Bauman). Aqui a possibilidade de movimentar-se com fluidez, de ir
rapidamente de um lugar a outro, de se relacionar com milhares de pessoas quase
que (senão ao mesmo tempo...) desorganiza todas as esferas da vida social: o
amor, a cultura, o trabalho etc.
E nessa liquidez diária, temos a ampla oferta de jogos online, que levam
muitos jovens e adultos para dentro de suas casas, diminuindo a capacidade de
interação social em grupos presenciais e debilitando as habilidades sociais. Nesse
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ínterim, há os chamados jogos suicidas, que são aqueles que pressionam o
jogador a cometer atos autolesivos para poder ser parte de determinado grupo. À
medida que o sujeito já se encontra com o repertório de comportamentos
funcionais na interação social mais debilitado e que surge a necessidade do
pertencimento (comum a espécie humana), é fácil permitir que a pressão do grupo
o leve a cometer os atos indicados.
Observa-se que, se por um lado, o comportamento autolesivo muitas vezes
tem a intenção de prevenir o suicídio, uma vez que fornece o alívio da tensão, por
outro lado, essa prática tende a deixar as pessoas cada vez mais tolerantes à dor,
o que pode conduzi-las a atos autolesivos cada vez mais graves, podendo causar-
lhes lesões graves e o próprio suicídio. A continuidade das ocorrências pode não
somente levar a morte como causar danos físicos graves e irreversíveis, como os
danos neurológicos, cegueira, dificuldades cognitivas, ataques epiléticos etc.
Menino de 13 anos morreu enforcado em outubro de 2016 durante um jogo
online chamado Jogo da Asfixia ou do Enforcamento, no qual os participantes
eram incitados a provocar o corte de oxigênio que chega ao cérebro, usando para
isso cordas, cintos ou qualquer outro utensílio que provoque o enforcamento.
O jogo Pokémon Go foi gerador de inúmeros acidentes, como
atropelamentos, quedas de edifícios e acidentes de carro.
O jogo Baleia Azul, criado na Rússia, continha uma lista de 50 itens que
levavam à autolesão e até à morte. A lista se iniciava com tarefas mais leves e à
medida que ia avançando, as tarefas iam ficando mais agressivas no que tange à
automutilação. Há relatos de que, ao querer desistir do jogo, a pessoa já envolvida
emocionalmente acabava por acreditar no discurso de que o curador do jogo
possuía dados de sua família, podendo prejudicar pessoas queridas, e então
seguia no jogo.
Este jogo foi associado a mais de 130 casos de suicídio em nível mundial
e no Brasil, ao menos três estados registraram casos de suicídio relacionados ao
jogo.
Quando falamos em jogos, não falamos apenas em crianças ou
adolescentes, falamos também no público adulto e cada vez mais temos esse
público no consultório, porém vale aqui fazer uma reflexão de ação junto ao
público mais jovem no que tange à questão da educação.
É de suma importância que o profissional de saúde compreenda os
aspectos do desenvolvimento humano a fim de ser empático em relação às

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questões relacionadas a cada etapa de aprendizagem. É importante também
compreender as funções parentais para orientar, caso necessário, seus pacientes
nas demandas que possam surgir com filhos ou dependentes.
O ideal é que o jovem sinta, por parte dos pais ou responsáveis, que ele
possui certa autonomia e que esta deve ser reforçada a cada novo contrato,
permitindo que ele saiba que os pais têm confiança de que sua palavra é
verdadeira e de que cumprirá o contrato. No entanto, vale salientar que os papéis
parentais lhe reservam a autoridade para o direcionamento da educação, e por
isso, deve-se realizar uma supervisão eventual em gavetas, armários e celular.
Em caso de quebra de contrato, os pais devem refletir com o filho as
consequências de suas ações, perdendo os direitos conquistados até aquele
momento. Com base nisso, juntos devem pensar e buscar encontrar novas
alternativa e repertórios de comportamento para que paulatinamente os direitos
da autonomia perdida sejam reconquistados e conquistados novos.
Mais especificamente em relação à internet e às redes sociais, deve haver
vigilância sobre como as relações e as conversas se desenvolvem, com a
finalidade de orientação e proteção, estando atentos ao conteúdo acessado, a fim
de que sejam evitados jogos suicidas, relações de abuso, pornografia, pessoas
mal-intencionadas etc., bem como observar se há e qual o nível de
comprometimento em relação aos jogos, seja como vítima, seja como vitimizador.
No entanto, frisa-se também que a vigilância é passageira. Quanto mais
comportamentos adaptativos o jovem apresentar no ambiente familiar, acadêmico
e entre seus pares, bem como quanto mais se verificar que ele esteja agindo com
idoneidade em relação às informações prestadas, menor deve ser a vigilância.
Por outro lado, a vigilância deve aumentar à medida que o oposto se confirmar
como verdadeiro: quanto mais comportamentos inadequados, problemas de
relacionamento interpessoal, familiar e acadêmico ele apresentar e quanto mais
mentiras suas são flagradas.
Em 2019, frente às demandas apresentadas pelos jogos suicidas, a
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) aprovou um Projeto de Lei
(847/2019) que aumenta a punição para crimes de indução a comportamentos
autolesivos ou ao suicídio. O crime diz respeito à indução, instigação,
constrangimento ou ameaça por meio da internet a qualquer pessoa, para que
esta pratique comportamento autolesivo ou suicídio. Para tal, a pena prevista é de

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4 anos mais multa, e pode dobrar se a vítima for menor de 18 anos, maior de 60
anos ou apresentar deficiência mental.

TEMA 5 – FALAR SOBRE O SUICÍDIO PREVINE SUA OCORRÊNCIA?

É fácil percebermos um certo tabu acerca do tema suicídio. A Associação


Brasileira de Psiquiatria (ABP, 2014) traz em seu escopo certo receio na maneira
como o ouvinte receberá a informação transmitida acerca do suicídio, pois o efeito
Werther pode surgir, dando assim encorajamento e elevando os índices de mortes
por suicídio. Não obstante, compreende-se que, ao falar sobre o tema, abrindo
espaço para explicitações de sentidos e significados e para que se encontre ou
se crie novo sentido de vida e novas formas e estruturas para viver sua realidade,
o efeito pode ser deveras positivo.
Por isso é importante que o profissional que se preste a realizar o trabalho
de prevenção tenha conhecimento amplo sobre o tema, sobre a psique humana,
bem como possua em sua constituição comportamento ético, acolhedor, não
julgador e compromissado com seus pacientes ou com o público que busca atingir.
Louza Neto (2007), referindo-se às dimensões do comportamento suicida,
menciona sete etapas:

1. Ideação suicida – pensamentos de menos valia da vida e insatisfação com


ela;
2. Desejo – surge a vontade de findar sua vida sem, no entanto, tomar
qualquer medida ou pensar uma forma de como realizar isso;
3. Intenção de suicídio – fato que geralmente antecede o plano de suicídio,
em que a pessoa expressa por variadas formas seu desejo de morte;
4. Plano de suicídio – em geral, a pessoa está tramando o como, o quando, e
com que meios, sendo possível deixar um bilhete;
5. Tentativa de suicídio – a pessoa chega a lesar-se, sem, contudo, ser grave
o bastante para matar-se. Conhecido também como o método de ensaio
para o suicídio;
6. Atos impulsivos – não há aqui um planejamento, mas sim uma tentativa,
também vista como um método de ensaio, mas nesse caso a intenção tem
a finalidade de correr o risco em ser letal é momentâneo e muito possível
de ser interrompido no meio por terceiros;
7. Suicídio – tem por finalidade o fim de sua vida.

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Faz-se necessário considerar que, embora Louza Neto (2007) considere
serem sete as dimensões do suicídio, algumas dessas fases podem ser omitidas,
tais como as etapas 3 e 4, expressão dos pensamentos e planejamento,
consecutivamente. Outras ainda podem ser vivenciadas em conjunto, caso das
etapas 5 e 6, tentativas de suicídio e atos impulsivos. Diria ainda que ambos
podem ser o mesmo. A diferença que Louza Neto (2007) faz, no primeiro caso, é
como se fosse um treino e, no segundo caso, ela não planejou e apenas partiu
para o tudo ou nada, mas ambos são passíveis de serem aperfeiçoados com o
intuito de chegar ao fim da vida.
Contudo a tentativa deve ser encarada com grande afinco e seriedade, uma
vez que, nos casos em que a pessoa chega ao ato do suicídio, as pesquisas
comprovam que em até 30% das ocorrências ela teve alguma ou várias tentativas
de suicídio antes. Dessa forma, o ditado de “Quem quer se matar, se mata, não
faz isso...” é falaciosa e não deve ser expressado, uma vez que pode incitar a
outra pessoa a tentar novamente a fim de provar que era real sua intenção
(Botega, 2005). Ainda é necessário considerar que, apesar de o suicídio não ser
catalogado como um transtorno mental, pode ser considerado que pessoas livres
de patologias também venham a tentar ou cometer o suicídio, porém leva-se em
consideração que, se a pessoa chegou a esse extremo, é porque não estava
necessariamente saudável.
Para que possamos enxergar o outro, é necessário refletir sobre si mesmo,
sobre nossas crenças, valores e mitos. Há vários comentários que tecemos a
respeito da pessoa que tenta ou que expressa seu desejo em morrer, no entanto
nesse momento não sabemos a dor da pessoa e os motivos que ela tem para
pensar ou agir dessa forma.
Uma vez que compreendemos ser necessário falar sobre o suicídio,
devemos também ter grande cautela sobre como tratamos esse assunto.
Igualmente é de grande valia pensar sobre a dor da outra pessoa. Considere duas
pessoas, uma com dores de cabeça (enxaqueca) e outra que levou uma
martelada, bateu a porta do carro, ou fechou uma porta qualquer sobre um de
seus dedos. Já imaginou? Quem lhe parece que sente a maior dor: a pessoa que
prendeu seu dedo com a força de algum objeto ou a que está com enxaqueca? A
resposta é que não há necessidade de sentir qualquer uma das duas dores para
saber que a dor maior é sempre a de quem a está sentindo. O que está em
questão não é a violência da dor, mas sim se a pessoa sentiu essa dor ou não!

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Não importa se o problema da pessoa que está em sofrimento é grande ou
pequeno, demasiado ou pouco intenso. O fato é que ela está sentindo dor e isso
deve ser levado em consideração

5.1 Ética e sigilo

Quando há risco de suicídio, como proceder? Há cuidados éticos


relacionados ao direito de sigilo por parte do paciente que devem sempre ser
respeitados, assim como consta no art. 9° do Código de ética profissional do
psicólogo: “É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger,
por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações,
a que tenha acesso no exercício profissional” (Brasil, 2005).
Cabe ressaltar a importância do sigilo a fim de manter a aliança terapêutica
e firmar esse vínculo, todavia se o terapeuta perceber risco ao seu paciente, o
mesmo Código de ética, no art. 10°, prevê o seguinte:

Art. 10°: Nas situações em que se configure conflito entre as exigências


decorrentes do disposto no Art. 9º e as afirmações dos princípios
fundamentais deste Código, excetuando-se os casos previstos em lei, o
psicólogo poderá decidir pela quebra de sigilo, baseando sua decisão na
busca do menor prejuízo.
Parágrafo único – Em caso de quebra do sigilo previsto no caput deste
artigo, o psicólogo deverá restringir-se a prestar as informações
estritamente necessárias. (Brasil, 2005)

Contudo, Kovacs (2013) fala criticamente a respeito do profissional que,


muitas vezes por medo de ter que encarar a justiça, opta pela quebra de sigilo no
caso de pessoas com predisposição ao suicídio e, dessa forma, quebra a aliança,
que pode ficar tão gravemente ferida a ponto de levar o paciente a findar seu
tratamento, ainda que não esteja reabilitado, fato que se deve à falta de confiança
em seu terapeuta. Ou ainda pior: o paciente pode continuar seu tratamento, mas
agora sem a confiança de outrora em seu terapeuta e, assim, não consegue
progredir em sua melhora. Kovacs (2013) ainda menciona que, embora haja a
possibilidade de quebra do sigilo, não necessariamente o terapeuta fará uso
desse direito a fim de manter a vinculação com seu cliente, sendo aqui de inegável
importância a avaliação de risco que o terapeuta fará em relação ao seu paciente.

5.2 Conclusão

Vimos nesta aula que existe o Efeito Werther, e que muito se aprende por
modelagem. Se assim compreendermos, podemos também chegar à conclusão

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de que a modelagem e a reflexão podem ser positivas quando valorizam a
resiliência de pessoas que conseguiram superar o comportamento suicida. Na
ópera de Mozart A Flauta Mágica, o personagem principal desiste de se matar e
por isso comumente chama-se este fenômeno, que é contrário ao Efeito de
Werther, de Efeito de Papageno.
Para Botega (2015), uma das estratégias de prevenção ao suicídio é
contextualizar a morte, não a colocando como um ato de heroísmo, mas
ressignificando-a, quando for o caso, esclarecendo que a busca pelo suicídio é a
busca desesperada por aliviar a dor, e que há outras maneiras de reconhecer,
acolher e transformar essa dor em algo que possa tornar-se produtivo na vida da
pessoa. É importante falar sobre sentimentos e emoções, sobre estratégias e
comportamentos funcionais, bem como sobre sonhos, expectativas e sentido de
vida.
Falando sobre o tema, de forma responsável, com conhecimento amplo e
ético, é possível abrir espaço de reflexão, de reconhecimento de dores, que a
própria pessoa não enxergava e que a motivavam a ter comportamento suicida.
Assim, abre-se espaço criativo para reestruturar-se, ressignificar-se e encontrar
ou reencontrar sentido de vida.

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REFERÊNCIAS

ABP – Associação Brasileira de Psiquiatria. Suicídio: informando para prevenir.


Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2014.

ALMEIDA, A. F. Efeito de Werther. Análise Psicológica, Lisboa, v. 1, n. XVIII, p.


37-51, 2000.

BERTOLOTE, J. M. O suicídio e sua prevenção. São Paulo: Ed. da Unesp, 2012.

BOTEGA, N. J. Crise suicida: avaliação e manejo. Porto Alegre: Artmed, 2015.

BOTEGA, N. J. et al. Suicidal behavior in the community: prevalence and factors


associated with suicidal ideation. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 27, n. 1, p.
45-53, 2005.

BRASIL. Conselho Federal de Psicologia. Código de Ética Profissional do


Psicólogo – Resolução CFP n. 10/05, de 21 de julho de 2005. Brasília: Conselho
Federal de Psicologia, 2005.

BRANDURA, A. Social Foundation of Thought and Action – A social cognitive


theory. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1986.

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