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Processo n.

º -------------------

Exmo. Sr. Juiz de Direito


Do ----------------------------

----------------------------, arguido, já devidamente qualificado, nos autos da Processo em


epígrafe, por sua procuradora infra-assinada, vêm, nos termos do disposto no artigo 311º-
B, apresentar Contestação , nos termos e com os seguintes fundamentos:
1o
O Arguido vem acusado de ter praticado cinco crimes de roubo qualificado, ps. e ps. pelo
art. 210o, n. 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204o, n. 2, al. f) do Código Penal, sendo
um na forma consumada e quatro na forma tentada por referência aos arts. 22o e 23o, todos
do Código Penal.
2o
Em que pese os actos praticados, infelizmente, o Arguido estava em surto, vez que já
vinha apresentando episódios de desequilíbrio psicológico complexo e, naquele
momento, era incapaz de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa
avaliação.
3o
O facto é que o Arguido havia iniciado acompanhamento para mudança gênero, fazendo
uso contínuo de medicamentos hormonais, bem como apresentava sintomas de depressão,
ansiedade e algum desequilíbrio psicológico mais complexo, causado pela pressão social
e fatores ambientais desconhecidos.
4o
O Arguido se enxerga como pessoa transgénero feminino, sendo conhecida como
_______

5o
A fim de que possa contextualizar a situação vivida pelo Arguido e como ele chegou no
ápice de seu desequilíbrio psicológico no dia dos factos é relevante ressaltar.
6o
O Arguido trabalhava no Setor de T.I desde os seus 17 anos. Com 24 anos iniciou a
faculdade de “Análise e Desenvolvimento de Software” na Universidade Senac-RS em
Porto Alegre, Brasil. No meio de 2013 o Arguido passou na prova para o curso Microsoft
“Students to Business Advance”, ministrado pela Dell na PUC-RS, tendo, inclusive, tido
o seu projecto considerado 1 dos 3 melhores da turma.
7o
Com tais cursos, o Arguido passou no processo seletivo para trabalhar como
desenvolvedor de Software na empresa TOTVS no parque tecnológico da PUC-RS, onde
trabalhou até o fim de 2017, quando foi convidado a trabalhar de forma remota na Baires
Dev, localizada na califórnia.
8o
Em Março de 2020, já com a faculdade concluída, a sua então companheira conseguiu
transferência para Barcelona. Assim, o casal chegou a Barcelona em 14 de março de 2020,
em plena Pandemia e, como é de conhecimento de todos, houve intensa restrição. Assim,
a relação sofreu um grande desgaste.
9o
Neste momento, além de toda situação pandémica que estávamos todos passando, o
Arguido também já enfrentava os desafios de buscar entender e conviver com a mudança
da sua identidade de género.
10o
Em decorrência de todas as mudanças e dificuldades, a então companheira do Arguido o
deixou em Fevereiro de 2021.
11o
Também em 2021 o Arguido iniciou seu tratamento psicológico pela “Transit”, divisão
de saúde para pessoas Trans e Não-Binária, pelo sistema de saúde pública da Espanha.
12o
Inicialmente, o Arguido foi atendido pela Dra. Diana Zapatta, profissional com quem
mais teve contato.
13o
Em março de 2021 o Arguido iniciou seu tratamento hormonal receitado pela
endocrinologista da “Transit”, com uma alta dosagem de Activelle, Espironolactona e,
por um tempo, também fez uso Citalopran (antidepressivo).
14o
Oportuno se faz pontuar as palavras da Dra. ______________, no relatório psicológico
____________________
15o
Após a psicóloga continua “No exame psicopatológico observou-se que o processo de
autoidentificação do gênero feminino não é um conflito interno. No entanto, tem
apresentado ideias suicidas, nas últimas visitas em maio de 2022, tendo estado irritadiça
e impulsiva, expressando ataques em meio social.”
16o
Por fim, a psicóloga concluiu ____________________
17o
Importante se faz destacar que a psicóloga data o relatório psicológico com a data de
23.09.2022, porém, ao final, informa que assinou o documento em Barcelona em
22.07.2022. Tal divergência pode se tratar de erro material, o que poderá ser esclarecido
pela própria médica ao ser ouvida pela Justiça.
18o
O facto é que, após longos anos de estudo e trabalho, o Arguido veio para Portugal
comemorar seu aniversário, que seria no dia ------------------, bem como visitar um antigo
professor da Faculdade, de nome -------------.
19o
Segundo o Arguido, o mesmo sentia a necessidade conversar com uma pessoa que o
conhecia e pudesse confiar, vez que sua família e amigos residem no Brasil, ficando
sozinho quase que o tempo todo em Barcelona.
20o
De acordo com o Arguido, o mesmo chegou até mesmo a voltar a se vestir com roupas
masculinas, as quais tinha guardado, bem como parou de fazer a barba, a fim de sentir
que iria viajar e passar sem ser percebido pela sociedade que tanto o machucava.
21o
O Arguido chegou a Portugal no dia -------, sendo que foi diretamente para a casa de seu
ex-professor, ----------------- (comprovativo anexo).
22o
(…)

77o
É inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, for incapaz, no momento da
prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa
avaliação. (artigo 20.º, n. 1, do Código penal)
78o
O Código Civil, no art. 257, regulando as incapacidades acidentais conjuntamente com
as hipóteses de falta ou vícios de vontade, prevê a anulabilidade do facto desde que a
incapacidade seja notória, isto é, manifesta para uma pessoa de normal diligência,
colocada na posição concreta do declaratário ou conhecida deste. São, assim, requisitos
da incapacidade acidental uma incapacidade de entendimento ou a ausência do livre
exercício da vontade, devido a qualquer causa, desde que a incapacidade de querer ou de
entender se verifique no momento da prática do facto e seja cognoscível ou conhecida
pelo declaratório. (citado Acórdão STJ de 1986/06/26 in bmj n359 pag. 522).
79o
A verificação da inimputabilidade por incapacidade acidental pressupõe a incapacidade
de entender e de agir livremente, no momento da prática da infracção e ainda que essa
anomalia seja conhecida ou cognoscível.

80o
Pode ser declarado inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica grave, não
acidental e cujos efeitos não domina, sem que por isso possa ser censurado, tiver, no
momento da prática do facto, a capacidade para avaliar a ilicitude deste ou para se
determinar de acordo com essa avaliação sensivelmente diminuída. (artigo 20.º, n. 2, do
Código penal)
81o
Para afastar a imputabilidade não basta, assim, a existência de uma anomalia psíquica,
sendo mais necessário que dela resulte a incapacidade de, no momento da infracção, o
agente avaliar a ilicitude do seu comportamento ou de se determinar de acordo com essa
avaliação, não lhe sendo, por isso, exigível outro comportamento.
82o
A inimputabilidade depende, assim, de factores biológicos mas é igualmente
condicionada por requisitos de ordem psicológica, determinantes da impossibilidade de o
infractor avaliar o conteúdo normativo do seu acto ou de se determinar livremente por um
comportamento diferente ou de que resulte, por força de uma anomalia psíquica grave,
não acidental, uma sensível diminuição da capacidade para avaliação da ilicitude do facto
ou para se determinar segundo essa avaliação, sem que possa ser censurado por não
dominar os efeitos dessa anomalia.
83o
Pontua-se que ------------- nunca foi processo ou condenado por qualquer crime ----------
------, portanto o que aconteceu foi claramente a consequência do desequilíbrio
psicológico mais complexo, depressão e ansiedade.
84o

Os factos narrados acontecerem em uma única noite e em continuidade.


85o
O arguido padecia de um desequilíbrio psicológico complexo. Em relação aos efeitos que
tal desequilíbrio produziu sobre o seu intelecto e a sua vontade, poderá ser demonstrado
que tal foi causa do comportamento que lhe é imputado e produziu, no momento da
prática dos factos, um efeito psicológico suscetível de o incapacitar para avaliar a ilicitude
do mesmo e de se determinar de acordo com essa avaliação.
86o
O arguido não pode ser considerado perigoso e nem ser condenado, conforme informado
o mesmo sempre foi um ótimo aluno, trabalhou, tem residência na Espanha em razão do
seu trabalho e nunca foi processo ou condenado por qualquer crime.
87o
Nesse sentido, fundamental a juntada dos documentos anexados, bem como que sejam
ouvidas a psicóloga e psiquiatra do estabelecimento prisional, as quais estão fazendo o
acompanhamento do Arguido.
88o
Alicerçando-se a fase instrutória do processo e a decisão sobre a mesma na recolha de
indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao
arguido de uma pena (art. 308.º, n.º 1 CPP), e como tal, num juízo de probabilidade de,
em sede de julgamento, o arguido vir a ser condenada (art. 283.º, n.º 2 CPP)
89o
Considerando-se como “indícios suficientes” “aqueles que fazem nascer, em quem os
aprecia, a convicção de que o réu poderá vir a ser condenado” – assim, Acórdão do
Tribunal da Relação de Évora, de 01/03/2005, processo nº 2/05-1; também neste sentido,
entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16/11/2010, processo nº
3555/09.TDLSB.L1-
90o
A imputabilidade do Arguido carece de apreciação.

91o
Existe probabilidade séria de, em sede de julgamento, não ser aplicada ao arguido
qualquer pena.
92o
Por fim, cabe informar que algumas das provas somente foram possíveis serem
encontradas após a irmã do Arguido, Sra. Carolina do Espírito Santo, vir do Brasil para
Portugal, vez que ---------------- não se recordava, por exemplo, onde havia deixado as
passagens que havia comprado. Por isso, junta-se a cópia do passaporte da mesma suas
passagens de vinda e volta.

Pedidos
Nos termos dos arts. 287.º, n.º2 e art. 290.º, n.º1, ambos do Código de Processo Penal,
requer se a realização das seguintes diligências probatórias:

1. Seja declarada aberta a instrução;


2. Sejam tomadas declarações das testemunhas abaixo indicadas;
3. Que sejam juntados os documentos legais.

Testemunhal:
Documental:

--------------------, 20 de março de 2023.

A Advogada,

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