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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA PAULISTA DE POLÍTICA, ECONOMIA E NEGÓCIOS


DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Estevão Alves Sousa Assunção Aragão

164.510

1º Termo – Integral

Para o total entendimento das ideias de Maquiavel, é indispensável um breve


conhecimento de sua biografia e do contexto social e político o qual estava inserido
durante a produção de suas obras. Nesse sentido, é possível realizar, primeiramente,
uma breve narração de sua vida: nascido em Florença, de uma família pouco abas-
tada, Niccoló di Bernardo dei Machiavelli, ou simplesmente Nicolau Maquiavel, teve
acesso à educação de alta qualidade, proporcionada por seu pai, um advogado pro-
fundo conhecedor de humanidades.

Apesar de mostrar desenvoltura nos estudos desde a infância, possuía 29 anos


quando alcançou um cargo de destaque na Segunda Chancelaria, “posição de consi-
derável responsabilidade na administração do Estado. Nessa atividade, cumpriu uma
série de missões, tanto fora da Itália como internamente, destacando-se sua diligência
em instituir uma milícia nacional” (SADEK, 2011, p. 15). Com isso, é possível perceber
sua inclinação à vida política e de onde obteve o conhecimento prático que ilustra nas
suas obras.

Além disso, cabe relembrar que o cenário político o qual a península itálica se
encontrava: afundada em instabilidades, no qual coexistiam diferentes culturas, mo-
delos políticos e econômicos, divididos em Estados pequenos. Nessa perspectiva, a
suscetibilidade a invasões e ameaças estrangeiras era enorme, com uma constante
alternância de poderes na região.

Assim, Maquiavel se apresenta como um homem de seu tempo. Isso porque,


analisando a conjuntura a qual estava inserido, define que “todos os Estados, todos
os domínios que tiveram e têm poder sobre os homens foram e são repúblicas ou
principados” (MAQUIAVEL, 2013, p. 22) e defende que “as condições seriam propícias
para que um príncipe novo, prudente e virtuoso introduzisse uma nova forma de go-
verno pela qual fizesse a felicidade do povo italiano” (MAQUIAVEL, 2013, p. 109).

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Apesar de Maquiavel ser republicano, essa defesa por um principado ocorre na
busca por liberdade, a qual é considerada como “resultado do movimento de resistên-
cia ativa do povo ao desejo de dominação [...] fruto da ação – da luta política” (AMES,
2019, p.1), isto é, a capacidade de resistir a ocupação estrangeira, algo comum du-
rante o período em que viveu. Portanto, propõe que, para alcançar esse fim, um go-
verno forte, capaz não só de resistir às ameaças estrangeiras, mas também às inter-
nas, deveria ser estabelecido, focado na imagem do príncipe.

Contudo, o autor, reiteradamente, esclarece que o príncipe merecedor de tal


conquista não deve ser escolhido ao acaso, mas o político apropriado deveria aliar a
fortuna à virtù, dois conceitos-chave para a obra de Maquiavel. Nesse sentido, en-
quanto a fortuna pode ser entendida como as circunstâncias as quais o governante
está inserido, a virtù explica-se como a habilidade de se manter no poder. Assim, o
governante ideal não seria, necessariamente, o com maior força bruta, “mas sobre-
tudo o que demonstra possuir virtù, sendo assim capaz de manter o domínio adquirido
e se não o amor, pelo menos o respeito dos governados” (SADEK, 2011, p. 20). Essa
concepção rende a Maquiavel uma das suas mais mal interpretadas críticas, a de que
ele defendia o estabelecimento de um governante inescrupuloso e até cruel. No en-
tanto, a verdadeira defesa que ocorre é que o príncipe não deve permanecer atado
ao moralismo nos casos em que sua permanência no poder esteja ameaçada, utili-
zando-se dos meios necessários para se perpetuar no poder

Dessa maneira, Maquiavel inaugura um novo período na história do pensa-


mento político, o chamado realismo, o qual se contrapõe ao idealismo que era predo-
minante na sua época. Além disso, esse novo período é marcado pelo estudo do que
ele considera ser a realidade como ela é, não como imagina que deveria ser, a partir
da análise da verdade efetiva (verità effettuale). Nessa perspectiva, “não se trata mais
de estudar o tipo ideal de Estado, mas de compreender como as organizações políti-
cas se fundam, se desenvolvem, persistem e decaem” (BARBOSA; COSTA, 2015, p.
3) e, para obter êxito em sua análise, Maquiavel utiliza uma metodologia histórica-
comparativa.

Antes de aprofundar nesse recurso, entretanto, cabe ressaltar, ainda, a visão


de natureza humana para Maquiavel. Nesse seguimento, tal conclusão é obtida após
o estudo da história e da rememoração do seu tempo como funcionário público, além

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da comparação com os homens da antiguidade clássica e sua vida prática. Sob essa
perspectiva, novamente o autor se contrapõe ao idealismo, pois, enquanto acreditava-
se que homem era propenso a vida social – devido ao conceito de zoon politikon de
Aristóteles – Maquiavel considerava que os homens estariam propensos a sua des-
truição. Assim, o autor postula a existência características fundamentais e imutáveis
intrínsecos ao ser humano, afirmando que “os homens são ingratos, volúveis, simu-
ladores e dissimuladores, fogem do perigo e são sempre ávidos por ganhos” (MAQUI-
AVEL, 2013, p. 78) e que “os homens e suas paixões são os mesmos em todo o
tempo” (MAQUIAVEL, 1994, p. 18 apud FREITAS NETO, 2015, p. 1)

Portanto, levando em consideração a natureza humana como algo inalterável


e que tende ao conflito, a escolha do meio histórico-comparativo de análise decorre
da sua crença em uma história cíclica, já que a natureza humana e suas paixões se-
riam indomáveis, sempre repetindo o ciclo de caos da história. Por conta disso, o seu
estudo não se baseia apenas em um sequenciamento factual ou em simples obtenção
de conhecimento, mas um espaço extraordinário de ensinamento sobre motivos e so-
luções de acontecimentos do mundo político, almejando desfrutar do maior tempo de
estabilidade possível.

Por fim, para finalizar este fichamento, considero que os trechos a seguir foram
os quais me chamaram mais atenção:

“Luís cometeu cinco erros na Itália: arruinou os fracos; 69 aumentou a força de


um poderoso; introduziu um poderoso rei estrangeiro; nunca foi à Itália para ali fixar
residência e nunca estabeleceu colônias” (MAQUIAVEL, 2013, p. 29)

“Somente então os venezianos puderam considerar a temeridade do que ha-


viam feito 55 para conseguir a posse de duas cidades na Lombardia: fizeram que o
rei se tornasse senhor de dois terços da Itália.” (MAQUIAVEL, 2013, p. 28)

“Quem não prepara as bases com antecedência pode habilmente estabelecê-


las depois de sua ascensão ao poder, embora isso seja feito a desconforto do arqui-
teto e a perigo da edificação.” (MAQUIAVEL, 2013, p. 41)

“Os homens esquecem mais rapidamente a morte do pai que a perda de seu
patrimônio.” (MAQUIAVEL, 2013, p. 78)

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“Para que um príncipe saiba bem empregar a sua natureza animal, precisa to-
mar como modelo a raposa e o leão, porque a raposa não sabe se defender dos lobos
e o leão não sabe se proteger das armadilhas. Portanto, é preciso ser raposa para
conhecer as armadilhas e leão para atemorizar os lobos.” (MAQUIAVEL, 2013, p. 80)

“A história é cíclica [...] assim, a ordem sucede à desordem e esta, por sua vez,
clama por uma nova ordem. Como, no entanto, é impossível extinguir as paixões e os
instintos humanos, o ciclo sé repete.” (SADEK, 2011, p. 18)

Referências bibliográficas
AMES, J.L. Reflexões sobre a concepção maquiavelina de liberdade, sua corrupção
e sua restauração. Pensando - Revista de Filosofia, Teresina, v. 10, n. 21, p. 44-
56, 2019.
BARBOSA, E; COSTA, T.C.A. A veritá effetuale como fundamento do realismo polí-
tico de Maquiavel. Perspectiva Filosófica, Recife, v. 42, n. 1, p. 22-34, 2015.
FREITAS NETO, J.A. Breves considerações sobre a natureza humana em Maquia-
vel. Revista Hypnos, São Paulo, n. 2, p. 99-106, 1997.

MAQUIAVEL, N. O príncipe: comentários de Napoleão I e Cristina da Suécia. 2.ed.


São Paulo: Jardim dos Livros, 2013.
SADEK, Maria Tereza. Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o intelectual de
virtù. In: WEFFORT, F.C. Clássicos da política, 1. 14.ed. São Paulo: Ática, 2011.

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