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WILLIAM FREIRE ADVOGADOS ASSOCIADOS • DIREITO TRIBUTÁRIO

O julgamento pelo STJ sobre a


impossibilidade de inclusão de
benefícios de ICMS na base de
cálculo do IRPJ e da CSLL: o que
o futuro nos reserva?

SÃO PAULO BELO HORIZONTE BRASÍLIA


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Introdução
No dia 12 de junho de 2023, o STJ publicou os acórdãos relativos ao julgamento dos Recursos
Especiais (REsp) nº 1945110/RS e 1987158/SC, afetados ao rito do recursos repetitivos, configurando
o Tema 1182, assim definido por aquela Corte Superior: “Definir se é possível excluir os benefícios
fiscais relacionados ao ICMS, - tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota,
isenção, imunidade, diferimento, entre outros - da base de cálculo do IRPJ e da CSLL (extensão do
entendimento firmado no ERESP 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases
de cálculo do IRPJ e da CSLL).” Foram fixadas três teses de julgamento:

“1. Impossível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, - tais como redução de base
de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros - da base de cálculo do IRPJ
e da CSLL, salvo quando atendidos os requisitos previstos em lei (art. 10, da Lei Complementar
n. 160/2017 e art. 30, da Lei n. 12.973/2014), não se lhes aplicando o entendimento firmado
no ERESP 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ
e da CSLL.
2. Para a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS, - tais como redução de base de
cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros - da base de cálculo do IRPJ e
da CSLL não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou
expansão de empreendimentos econômicos.
3. Considerando que a Lei Complementar 160/2017 incluiu os §§ 4º e 5º ao art. 30 da Lei
12.973/2014 sem, entretanto, revogar o disposto no seu § 2º, a dispensa de comprovação
prévia, pela empresa, de que a subvenção fiscal foi concedida como medida de estímulo à
implantação ou expansão do empreendimento econômico não obsta a Receita Federal de
proceder ao lançamento do IRPJ e da CSSL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado
que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia
da viabilidade do empreendimento econômico.”

Resumidamente, pode-se afirmar que o STJ decidiu o seguinte: (i) o tratamento conferido aos
créditos presumidos, isto é, exclusão na apuração de IR e CSLL em razão do princípio federativo
se mantém, mas não se aplica a outros benefícios de ICMS; (ii) a LC nº 160/2017 criou uma ficção
jurídica, pela qual todos os benefícios de ICMS devem ser tratados como se fossem subvenção para
investimento para fins de exclusão da base de IR e CSLL, ainda que não tenham sido concedidos com
essa expressa finalidade, exceto imunidades, que não são propriamente concedidas pelos Estados,

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configurando limitação à sua competência; (iii) a exclusão desses demais benefícios das bases de
IR e CSLL depende do cumprimento das condições estipuladas pelo art. 30 da Lei nº 12.973/2014,
notadamente a constituição de reserva de capital e a não distribuição aos sócios; e (iv), entre
tais condições, inclui-se aquela prevista no § 2º do art. 30 da Lei nº 12.973/2014, interpretada,
para preservação da ficção jurídica criada pela LC nº 160/2017, como utilização para “garantia da
viabilidade do empreendimento econômico”, e não propriamente como destinação a investimentos
(implantação ou expansão).

Logo após a publicação dos acórdãos, a PGFN publicou nota em seu sítio eletrônico, manifestando
sua interpretação sobre a decisão1. Não se trata de parecer vinculante à RFB, mas tão somente de
uma nota à imprensa e à comunidade jurídica, dada a relevância do caso. Justamente por isso, trata-
se de documento sucinto, com teor comemorativo.

Importa aqui as seguintes afirmações da PGFN sobre a decisão do STJ: (1) as subvenções, na forma
da LC nº 160/2017, “não são lucro e devem cumprir o regramento legal para futuro reinvestimento.”; e
(2) “o valor correspondente ao benefício deve ter registro na reserva da empresa e posteriormente
ser reinvestido na expansão ou implantação de um empreendimento.”

As duas afirmações têm em comum a ideia de que, para o STJ, o § 2º do art. 30 da Lei nº 12.973/2014
imporia a necessidade de a destinação do resultado positivo decorrente da desoneração do ICMS
se dar em efetivos investimentos na expansão ou implantação de um empreendimento, ainda que a
finalidade pela qual os benefícios tenham sido concedidos seja de simples custeio da atividade. Isso
já representa a concordância da PGFN quanto à superação da interpretação da RFB veiculada, entre
outras, na Solução de Consulta Cosit nº 15/2022, segundo a qual a necessidade de que os benefícios
“tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos
econômicos” seria condição normativa à exclusão do resultado de subvenção. Mas há mais a
averiguar.

A primeira afirmação da nota da PGFN, ao referir ao cumprimento do “regramento legal para futuro
reinvestimento” parece pressupor a noção de sincronia, conhecida a partir de sua criação no Parecer
Normativo CST nº 112, de 1978, e ainda presente na Instrução Normativa RFB nº 1.700, de 14 de
março de 2017:

“Art. 198. [...]


§ 7º Não poderá ser excluída da apuração do lucro real e do resultado ajustado a subvenção
recebida do Poder Público, em função de benefício fiscal, quando os recursos puderem ser
livremente movimentados pelo beneficiário, isto é, quando não houver obrigatoriedade de
aplicação da totalidade dos recursos na aquisição de bens ou direitos necessários à implantação
ou expansão de empreendimento econômico, inexistindo sincronia e vinculação entre a percepção
da vantagem e a aplicação dos recursos.”

1 Cf. << https://www.gov.br/pgfn/pt-br/assuntos/noticias/2023/pgfn-divulga-nota-sobre-acordao-do-stj-de-12-6-2023 >>.

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A n t e s d e a n l i s r a er f i d a n o t a d P G F N , é i m p o r t a n e d i z e r o q u e o S T J ao julgar o
emaT 1182: (1) não enfrtou a porblemática contábil sober a interpação do Pornuciameto
CP nº 07, que tra das subvençõ governam tis, já que podem haver benfícios de ICMS
c o n t a b i l z d o s o u n ã o n a f o r m a d a er f i d a n o r m a , s e m q u e h a j q u a l e r e f i t o m a t e r i l n o
er s u l t a d o d a e m p r s a , q u e p e r m a n c á o m e s o e m t o d c a s o ; ( 2 ) t a m p o u c d e c i u s o b er a
f o r md aep c i n l z a ç ãd o s u e c i q , p o d e s a r m i n t e u nolivr
d e a p u r ç ã o d l u c or e a l ( L u r ) , s e m q u h a j c o n t a b i l z ç ã o d e r c i t a d e s u b v n ç ã o a f o r m
CdPo07,ou coresp nd t ao p s iv e cr tu ado e n l , com
a g e r ç ã o d c e r s p n d t e r c i a d s u b v e n ç ã o , a s e r c x l u í d a n o L l, q u r a d c o n t a b i l z ç ã o
ocrenfamdCoP07.

E s e p o n t s n ã o d e c i o s p e l o S T J s ã o m u i t o e r l v a n t s . o rP e x m p l o , do ICMS –
exprsamntceixdsoamlnçd160/
p C ºo e L a 2017–em,uitocsa nãé
contabilzfCdoPr07,
ma viermtudo 2(dban)ormc táiqlu,earmnãot
d “ a c o n t b i l z a ç ã o d e a s i t ê n c g o ve r n a m t l o u t r a f o m d e b n f í c i o q u a n d s e t r m i n a
o er s u l t a d o t r i b u á ve l , o u q u a n d o s e d e t r m i n a o v a l o r d o t r i b u o , q u e n ã o t e n h a c a r t e i z ç ã o
c o m s u b v e n ç ã g o r a m e n t l . E x p od se b n f í c i o s ã e n ç õ t s m p o r á i a u e d ç õ s
d o t r i b u o s e m a c a r t e í s i c a d e s u b ve n ç ã o g o ve r n a m t l , c o m a p e r m i s ã o d e d e p r c i a ç ã o
a c e l r d , e u ç õ s d e a l í q u o t . e O c” m s o c r e o m c e r t o s b e n f í c i o s d e c a r á t e g r a l , q u e
s a i l t o r e b m u f d áê n c a , m o b - e i s é c
e s p c i a m n t e , o q u e o c r i a s e b e n f í c i o s e c o n e d i p o r a l g u m er i e s p c i a l , p o r
e xm p l o .

Ainda s im, o d ferim nto e dos emais ben fícios d impost e adu l, a desp ito da f rm
com ncedi os – se m caráte g ral ou ind v ual – foram considera pelo STJ com sujeito
a o m e s t r a m e n o j u r í d i c o a s u b ve n ç ã o p a r i n ve s t m o , p a r n s d e c x l u s ã o n a p u r ç ã o
doIReCaSL,notsrmdCaLº160/2017.

oC n t r a d e c i s ã o , f r a m o p s t E m b a r g o s d e D e c l a r ç ã o , p e n d t s d e j u l g a m e n t o .á r i V s
a s p e c t f o r m a g u i d s n o e r c t , n d o p e r a d o , p r e x i s t q mu a eo d s , p i
modulaçãteporldsfeitoadcsã:

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Apesar de vários Ministros, nos debates orais realizados no momento da fixação das teses de
julgamento, terem anunciado que estariam dispostos a aprofundar os debates sobre a exclusão
das imunidades da parte dispositiva da decisão, assim como a inclusão da expressão “entre outros”
benefícios de ICMS, denotando qualquer um existente ou que venha a ser criado, referidos pontos
não foram suscitados em Embargos de Declaração.

Feita essa introdução, pode-se demarcar os aspectos a serem avaliados adiante: (1) a correção
da nota da PGFN publicada após o julgamento e (2) a forma de operacionalização da decisão,
considerando o aspecto contábil, ou seja, a (ir)relevância da contabilização na forma do CPC 07,
sobretudo para casos como o do diferimento do ICMS.

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A nota da PGFN publicada após o julgamento do STJ


Começando pelo item (1), tem-se, de duas, uma: a nota da PGFN está incorreta ou a discussão sobre
o § 2º do art. 30 da Lei nº 12.973/2014 (viabilidade econômica versus investimentos) é irrelevante
em termos práticos.

É certo que a 3ª tese fixada no julgamento afirmou duas coisas: (a) invocou o § 2º do art. 30
em comento, para (b) atribuir-lhe, no caso concreto – contexto da ficção jurídica criada pela LC
nº 160/2017 –, o sentido de proibir a destinação da receita de subvenção à “finalidade estranha à
garantia da viabilidade do empreendimento econômico”.

Garantir a viabilidade econômica do empreendimento econômico é algo bastante distinto de


investir em expansão ou implantação de empreendimentos. No primeiro caso, pode-se realizar
quaisquer gastos vinculados à atividade, ante a impossibilidade apenas de sua distribuição aos sócios
mediante constituição de reserva de capital. Basta que o gasto atenda, por exemplo, ao trinômio
normal-usual-necessário, sendo custo, despesa ou investimento. No segundo caso, a exigência seria
de comprovação específica de aquisição de investimentos (ativos não circulantes), destinados à
expansão ou implantação de empreendimento.

A dizer pela 3ª tese fixada no julgamento, a nota da PGFN está errada. Resta saber se a tese possui
respaldo nos votos dos Ministros, ou seja, na ratio decidendi.

O Ministro relator Benedito Gonçalves, cujo voto foi acompanhado pelos demais, fez referência a
julgados da Segunda Turma da Primeira Seção, todos relatados pelo Ministro Mauro Campell, para
afirmar que “há a necessidade de registro em reserva de lucros e limitações correspondentes, nos termos
da Lei, muito embora não se possa exigir a comprovação de que os incentivos o foram estabelecidos
como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.” Ao final, conclui que “a
hipótese é de autorizar a possibilidade de dedução dos benefícios fiscais de ICMS da base de cálculo do
IRPJ e da CSLL, desde que observado o cumprimento das condições e requisitos previstos em lei (art. 10,
da Lei Complementar n. 160/2017 e art. 30, da Lei n. 12.973/2014)”, sem citar especificamente o §
2º do art. 30 ou deduzir considerações adicionais sobre seu conteúdo.

Fica claro que a destinação do resultado positivo decorrente das desonerações do ICMS para
investimentos não foi uma preocupação do voto do Ministro relator. Por outro lado, foi uma
preocupação de seu voto afirmar que não se pode exigir a comprovação de que os incentivos tenham

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sido concedidos como estímulo a investimentos. Associando as duas coisas, é de se concluir que a
essência do entendimento do relator consiste em que não há necessidade de prova de destinação
concreta do resultado a investimentos, já que, fosse essa sua posição, constaria expressamente em
seu voto, por se tratar de uma relativização da sua compreensão sobre a ficção jurídica criada pela
LC nº 160/2017.

Conforme fica claro no voto da Ministra Assussete Magalhães2, a proposta de inclusão da 3ª tese
fixada no Tema 1182 – ponto ora em análise – foi feita pelo Ministro Herman Benjamin. Vejamos,
portanto, a sua compreensão da matéria.

O Ministro Benjamin invoca o Parecer da Comissão de Finanças e Tributação sobre o então projeto
que culminou na LC nº 160/2017, no qual consta que a ideia da nova norma seria deixar “claro que
os incentivos e benefícios fiscais de ICMS recebidos pelas pessoas jurídicas, desde que esses valores
sejam mantidos em conta de reserva no Patrimônio Líquido, são subvenções para investimentos, sobre
eles não incidindo, por consequência, IRPJ e CSLL.”

Como há no referido Parecer apenas uma condição para a não tributação dos benefícios, qual seja,
destiná-los a conta de reserva no patrimônio líquido, o Ministro afirma, categoricamente, que a LC
“indica nítida intenção de forçar a equiparação dos incentivos fiscais, qualquer que seja sua natureza,
à ‘subvenção de investimento’, exigindo como contrapartida que os respectivos valores sejam mantidos
em conta de reserva no Patrimônio Líquido.”, repetindo a única condição do Parecer da Comissão de
Finanças e Tributação.

Na sequência, o Ministro introduz a proposta da 3ª tese do julgamento do Tema 1182, tendo o


contexto supra como parâmetro dessa proposta. Veja-se: “não se pode perder de vista que a menção
à segurança jurídica qualifica a garantia de ‘viabilidade econômica’ dos ‘empreendimentos realizados’, o
que sugere que o legislador intencionalmente não dispensou a verificação da destinação dada a esses
valores, que precisam estar vinculados à viabilidade econômica do empreendimento.” O entendimento
do Ministro fica absolutamente claro, tendo-se o contexto do seu voto e da sua compreensão de
que a LC nº 160/2017 criou ficção jurídica (“forçar a equiparação”), de tal sorte que, sabidamente,
os benefícios de ICMS equiparados à subvenção para investimento jamais foram concedidos para
que houvesse investimentos. Em consideração a isso, não se poderia exigir do contribuinte a prova
de que haja investimentos, porque isso esvaziaria, em alguma medida, a própria lógica da ficção
criada pela lei complementar.

Daí que, à toda evidência, a nota da PGFN esteja errada. Mas, ainda que estivesse certa, para que
houvesse efeito prático relevante, seria imprescindível a manutenção do requisito da sincronia,
consoante Parecer Normativo CST nº 112/1978 e Instrução Normativa RFB nº 1.700/2017. Isso
porque, apenas se houvesse a obrigação de sincronia, poder-se-ia exigir a prova de que o resultado
positivo da desoneração do ICMS fora aplicado em investimentos na mesma competência em que se

2 “Comungo, igualmente, com a proposta do Ministro HERMAN BENJAMIN, de acrescer um terceiro item às teses repetitivas ao final fixadas, ao
que já manifestaram aderência os Ministros FRANCISCO FALCÃO, HUMBERTO MARTINS e MAURO CAMPBELL MARQUES. Este acréscimo, a
meu sentir se justifica em face do art. 30, § 2º, da Lei 12.973/2014, com a redação dada pela Lei Complementar 160/2017.”

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promove a sua exclusão das bases de IRPJ e CSLL. Lado outro, inexistindo obrigação de sincronia, a
retirada dos benefícios das bases desses tributos poderia ocorrer sem a prova dos investimentos,
que poderiam ser realizados a qualquer tempo, inclusive após o transcurso do prazo decadencial
disponível ao Fisco.

Ocorre que a posição atual da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF é marcadamente
contrária à exigência da sincronia como requisito à exclusão de subvenções da base de IR e CSLL.
Como exemplo, cite-se o acórdão nº 9101-005.850, relator Conselheiro Caio Quintella, publicado
em 31.12.2021, em que, por maioria de votos, definiu-se que, após a LC nº 160/2017, “a averiguação
do efetivo cumprimento dos requisitos e exigências trazidos no Parecer Normativo CST nº 112/78,
agora legalmente superado, é irrelevante para o desfecho da demanda. Dessa forma, a existência de
sincronia e de vinculação entre o recebimento da benesse estatal e a sua aplicação nos empreendimentos
privados não mais é elemento oponível aos contribuintes para fundamentar e manter exações de IRPJ
e CSLL.”

Ou seja, ainda que a nota da PGFN estivesse certa, ela seria irrelevante em termos práticos, porque,
inexistindo requisito de sincronia – já afastado pela CSRF –, não se poderia vincular a exclusão dos
benefícios de ICMS da base de IR e CSLL à prova de realização de investimentos durante o prazo
decadencial.

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A forma de operacionalização da decisão, considerando o aspecto contábil


Esclarecido o primeiro ponto, vamos ao segundo: a forma de operacionalização da decisão,
considerando o aspecto contábil, ou seja, se a contabilização na forma do CPC 07 seria requisito
para fruição da norma criada pela LC nº 160/2017.

Para que seja possível compreender a decisão do STJ sobre esse ponto, deve-se ter claro o
fundamento que levou a Corte a diferenciar os créditos presumidos dos demais benefícios de ICMS,
para então situar o papel da LC nº 160/2017 na temática e a natureza da norma veiculada por ela
em seus arts. 9º e 10.

O Ministro relator Benedito Gonçalves se filiou à posição manifestada em julgados anteriores pelo
Ministro Mauro Campbell. Segundo ambos, em todos os benefícios de ICMS, exceto no crédito
presumido, ocorreria a desoneração em certo ponto da cadeia produtiva que seria compensada pela
ausência de crédito do adquirente sobre o valor desonerado.

Por consequência, a saída subsequente geraria um débito do imposto a valor cheio que não seria
abatido de créditos decorrentes da entrada, parcial ou totalmente desonerada, fazendo com que o
Estado recuperasse o valor desonerado na saída anterior. É o que se chamou nos acórdãos de “efeito
de recuperação”:

ICMS incidente = 18% débito na saída


sem créditos a serem compensados

A B C
ICMS diferido = 0% débito na Saldo da cadeia = 18% para o Estado,
saída e 0% crédito na entrada recuperando o ICMS diferido

Já em relação ao crédito presumido, isso não ocorreria. Haveria uma efetiva redução da arrecadação
estadual, em prol de certo contribuinte, que não seria recuperada posteriormente na cadeia:

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ICMS incidente = 18% débito na saída


com créditos presumidos a serem compensados

A B C
ICMS não incidente = 0% débito e Saldo da cadeia = (-) 18% para o
18% crédito presumido na entrada Estado e (+) para o contribuinte

Com essas premissas, os Ministros concluíram que o crédito presumido, se fosse tributado pela
União (IRPJ/CSLL), representaria uma afronta à autonomia financeira do Estado de abrir mão da sua
arrecadação, já que os recursos desonerados seriam parcialmente transferidos dos cofres estaduais
para o tesouro federal. E isso não seria verificado em relação às desonerações no meio da cadeia
(isenções, reduções de alíquota, de base ou diferimentos), porque, como visto, nesses casos, o
Estado não renunciaria propriamente à arrecadação, que seria recuperada com o aumento do ICMS
na etapa subsequente, já que o adquirente não teria crédito sobre o valor desonerado ao realizar a
sua aquisição. Logo, não haveria que se falar em transferência de recursos de um ente subnacional
ao ente central.

Isso implica que, para o STJ, a impossibilidade de inclusão dos benefícios de crédito presumido
nas bases de IR e CSLL seria decorrente do próprio sistema jurídico, em razão do federalismo, sendo
irrelevantes nessa hipótese os critérios definidos pela LC nº 160/2017 e pelo art. 30 da Lei nº
12.973/2014.

Para os demais benefícios de ICMS, por outro lado, o STJ entendeu que aplicar a tese do pacto
federativo e impedir a tributação federal seria o mesmo que criar isenção heterônoma. Nas palavras
do Ministro Mauro Campbell, cujo entendimento foi expressamente referenciado pelo relator,
“todas as vezes que uma isenção ou redução da base de cálculo de ICMS for concedida pelo Estado,
automaticamente a União seria obrigada a reduzir o IRPJ e a CSLL da empresa em verdadeira isenção
heterônoma vedada pela Constituição Federal de 1988”. Como se sabe, isenção heterônoma é
aquela dada sobre tributos que não são de sua competência (ou seja, os Estados, e não a União,
desonerando IR e CSLL), ao passo que a isenção autônoma é aquela instituída pelo próprio ente
detentor da competência tributária.

Em outras palavras, sendo isenção (heterônoma ou autônoma) uma modalidade de benefício fiscal,
o STJ concluiu que (i) não haveria motivos inerentes às noções de renda ou lucro para excluir
tais benefícios de ICMS das bases de IRPJ e CSLL, (ii) a não ser que houvesse uma norma criadora de
benefício fiscal de IRPJ e CSLL que determinasse que incentivos de ICMS não integrariam mais suas
bases, mas essa norma de benefício fiscal não poderia ser heterônoma.

Essa ideia fica clara no voto de relatoria também quando se analisa os pedidos da PGFN. O Ministro
dá razão à União, afirmando que o impedimento à incidência de IRPJ e CSLL sobre os resultados

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positivos da desoneração do ICMS, por si só, na forma do pacto federativo, representaria uma violação
aos conceitos de renda e lucro, na forma em que densificados para as bases de ambos os tributos pelo
art. 6º do Decreto-Lei nº 1.598/1977 e pelo art. 28 da Lei nº 9.430/1996:

“No ponto, a Fazenda Nacional pugna, em síntese, pela impossibilidade de exclusão dos demais
benefícios fiscais de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, por inaplicabilidade do EREsp
1517492/PR (o qual, repise-se, versou exclusivamente sobre a espécie de benefício fiscal do
“crédito presumido”).
Diante das premissas lançadas neste voto para tese a ser firmada neste tema 1.182, com razão
a recorrente quanto à alegada violação ao conceito legal de lucro real (art. 6º do Decreto-Lei nº
1.598/77), bem como à base de cálculo da CSLL (artigo 28 da Lei nº 9.430/96).”

Infere-se que, para o STJ, a exclusão de benefícios de ICMS, exceto crédito presumido, das bases de
IRPJ e de CSLL deveria ocorrer mediante a criação de uma regra de benefício fiscal autônoma, e não
como uma consequência das normas já existentes no sistema jurídico, vide conceitos de renda ou
lucro ou o princípio federativo. Regra esta que, concedendo benefício fiscal para os tributos federais,
poderia estipular os requisitos e as condições para a sua fruição.

Essa regra de benefício fiscal autônoma, que reduz as bases de IRPJ e de CSLL, é justamente aquela
preconizada pelos arts. 9º e 10 da LC nº 160/2017, que é lei complementar nacional, apta a alterar
a legislação tributária federal, sem o problema da “isenção heterônoma”. Daí que, para o Ministro
relator, ainda que se afaste a tese federativa para esses casos, “Nada impede que seja acolhida a
pretensão dos contribuintes, em menor extensão, a fim de proporcionar a aplicação do art. 10, da Lei
Complementar n. 160/2017”.

Portanto, como primeira premissa, deve-se ter claro que a LC nº 160/2017 criou, na visão do STJ, um
legítimo benefício fiscal de redução das bases de IRPJ e de CSLL, já que, não fosse essa norma, as
demais normas existentes no ordenamento jurídico não permitiriam o mesmo efeito fiscal.

Se a exclusão dos demais benefícios de ICMS, exceto o crédito presumido, das bases de IR e CSLL
não decorre dos conceitos de renda e de lucro, e sim de um benefício fiscal, esses mesmos conceitos
e as grandezas que lhes compõem – como o lucro líquido, custos, despesas ou receitas – não podem
ser invocados como razões para impedir a incidência do benefício fiscal, sob pena de se esvaziar o
conteúdo normativo da LC nº 160/2017. Isto é, não se pode arguir, como fez a União perante o STJ,
que não haveria uma receita específica de subvenção a ser excluída. Tanto que esse fundamento foi
expressamente afastado por ser considerado impertinente ao caso, vide voto do Ministro Herman
Benjamin:

“[...] acerca da necessidade de comprovação de que houve tributação (IRPJ e CSLL) sobre
benefícios fiscais que jamais teriam sido contabilizados como receita [...] a recorrente não produziu
argumentação tendente a demonstrar a relevância dos pontos suscitados.”

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oC m s , a difernc ação das ciên as contábil e jurídica é de suma importânc a.


Ao p a s o q u e o D i e r t o d e m a n s u a p ó r i a s e r g a s p a r d e t r m i n a a e r n d a t r i b u á v e l , a
oC n t a b i l d e , p o s u i n d o u t r a s f u n ç õ e s , n ã o s e r v a o p or ó s i t
j u r í d i c o e m n s u r a ç ã o e d t r m i n a ç ã o d er n a t i b u á ve l , a n ã o s e r n a q u i l o e p ór i o D e t
a u t o r i z e . S e n d o u m a c i ê n a d e s c r i t v a e a o u t r a p e r s c i t v a , h á n a oC n t a b i l d e s u b j a c e n t
incompatblidecfoumansçõxridpelas epla no
r i b u D tT á e o .

q u “ e a i n d r m j o F á ub T a l S p e r m o q u e m o t s i v p r É elabor d
p a r n s d e i n f o r m a ç ã a o m e cr a d o , g e s t ã o e p l a n e j m t o d a s e m p r s a p o s a s e r t o m a d p e l a
lei com p nto de partid par det rminação d s ba es d cál u o de ivrso t ibu os,
.” S e a c i ê n a c o n t á b i l n ã o s u b o dr i n a a t r i b u a ç ã o , a c i ê n a j u r í d i c a
t a m p o u c s b dr i n a c o t b i l z a ç ã o .

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t ã o s m e n “ c a r i b ” e c i dt a s u b v n ç ã o , c f m r d ea s p á - l m a i s , e v d n c a o
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07,
C P d o f r m a n q u c ea é rp xl d t is n o – m h á I C v M S ,
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criadpelCnLº160/2017.

3 RE606107,eRlatroibuOWnTSEABP,leojugadem22.05.2013.

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WILLIAM FREIRE ADVOGADOS ASSOCIADOS • DIREITO TRIBUTÁRIO

Admitir que apenas os benefícios contabilizados na forma do CPC 07 poderiam ser excluídos seria
violar todas as premissas acima indicadas: (i) a natureza jurídica de benefício fiscal da LC nº 160/2017,
(ii) a autonomia do Direito Tributário frente à Contabilidade, que não pode subordinar a tributação,
e (iii) o fato de que, em todo caso, o lucro líquido é o mesmo, havendo a mesma grandeza sobre a
qual o benefício fiscal deve incidir, reduzindo as bases tributáveis de IR e CSLL.

Isso significa que a decisão de contabilizar benefícios de ICMS nos termos do CPC 07 é estritamente
contábil. Os acórdãos do STJ no Tema 1182 não devem determinar a decisão contábil, assim como a
contabilização não deve impedir a realização do conteúdo normativo da LC nº 160/2017.

Se houver a contabilização na forma do CPC 07, as receitas de subvenção evidenciadas em resultado


devem ser destinadas à respectiva reserva de capital, consoante determinado pelo STJ, em sua
interpretação do art. 30 da Lei nº 12.973/2014. Por outro lado, admitir-se-á, nessa hipótese, não
apenas o ajuste de exclusão no Lalur da receita de subvenção, mas também a dedutibilidade da
respectiva despesa com o passivo (ICMS devido, no exemplo acima) que foi desonerado pela regra
de benefício fiscal estadual.

A RFB não poderá glosar a dedutibilidade dessa despesa, sob pena novamente de se esvaziar o
conteúdo normativo da LC nº 160/2017 e afrontar as premissas aqui fixadas, notadamente a de que
a Contabilidade não pode subordinar o Direito Tributário. Se a evidenciação do resultado implica
uma despesa de ICMS que foi diferido, e se a forma de fruir o benefício fiscal da LC nº 160/2017
nesse caso é deduzindo a despesa respectiva, não poderá haver questionamento sobre esse ponto.

É por esse motivo que causa preocupação a possível interpretação da RFB, considerando seu
entendimento (em contexto fático distinto, é certo, mas cuja racional poderia ser aplicável aqui)
de que “o valor do crédito de ICMS tomado na entrada no insumo e operacionalmente estornado para
obtenção da benesse fiscal não pode ser considerado como custo ou despesa para fins de apuração da
base de cálculo do IRPJ”, conforme Solução de Consulta Cosit nº 12/2022, dentre outras. Esperamos
que o Fisco federal compreenda as premissas apresentadas anteriormente.

Lado outro, se a decisão contábil for pela impossibilidade de aplicação do CPC 07 ao benefício fiscal
estadual, por exemplo em relação ao ICMS diferido, a forma de operacionalizar o benefício fiscal
criado pela LC nº 160/2017 será o ajuste de exclusão diretamente no Lalur. Conforme art. 6º, § 3º,
“a” do Decreto-lei nº 1.598/1977, poderão ser excluídos do lucro líquido do exercício, na apuração
do lucro real, “os valores cuja dedução seja autorizada pela legislação tributária e que não tenham sido
computados na apuração do lucro líquido do exercício”. No caso, é a LC nº 160/2017 que autoriza a
dedução dos benefícios de ICMS, como o diferimento no exemplo ora visto, da base de IRPJ e de
CSLL.

A criação de reservas de capital, por sua vez, pode ser uma decisão gerencial da entidade, inclusive
para atender aos requisitos impostos pelo art. 30 da Lei nº 12.973/2014. O art. 194 da Lei nº
6.404/1976 afirma que o estatuto poderá criar reservas, desde que, para cada uma, indique, de

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modo preciso e completo, a sua finalidade, fixe os critérios para determinar a parcela anual dos
lucros líquidos que serão destinados à sua constituição e estabeleça o limite máximo da reserva.

Para a constituição dessa reserva, deve-se ter o controle apartado do efeito da desoneração do ICMS
no lucro líquido, ainda que não contabilizado como receita de subvenção. Feito isso e observado o
critério dos gastos com a viabilidade econômica do empreendimento, ter-se-á atendido aos critérios
legitimados pelo STJ no Tema 1182 para a exclusão do benefício de ICMS na base de IR e CSLL,
consoante prescrição da LC nº 160/2017.

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4

O que o futuro nos reserva?


Há ainda muitos pontos que podem gerar contencioso tributário, apesar do julgamento do Tema
1182 pelo STJ. Como apontado acima, os principais são: (1) interpretação do que foi decidido quanto
ao § 2º do art. 30 da Lei nº 12.973/2014, se há necessidade de investimentos ou se basta a realização
de gastos vinculados à atividade do contribuinte; (2) se houver a necessidade de investimentos,
a verificação sobre a prevalência da atual jurisprudência dominante no CARF sobre a dispensa do
requisito da sincronia; (3) a necessidade de contabilização dos benefícios de ICMS na forma do CPC
07 e, por consequência, se a fruição do benefício fiscal criado pela LC nº 160/2017 pode se dar, em
qualquer caso, pela dedutibilidade da despesa correspondente ao passivo escriturado ou por mero
ajuste de exclusão no Lalur.

Além disso, o STJ precisará julgar os cinco Embargos de Declaração opostos pelos contribuintes,
avaliando a modulação de efeitos da decisão e, possivelmente, esclarecendo a inaplicabilidade da
tese do pacto federativo aos demais benefícios de ICMS que não sejam crédito presumido, bem
como o que foi decidido quanto ao § 2º do art. 30 da Lei nº 12.973/2014.

Esse cenário recomenda cautela quanto à aplicação concreta do decidido pelo STJ no Tema 1182,
devendo-se avaliar as melhores alternativas e suas repercussões em cada caso concreto, inclusive
para aqueles contribuintes que já possuem ações em curso ou que tenham proposto novas demandas
após o julgamento pela Corte Superior. A correta formulação dos pedidos nessas ações é ponto
decisivo para evitar problemas quanto à plena fruição do que restar expresso na parte dispositiva
das sentenças que transitarão em julgado.

Paulo Honório de Castro Júnior


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