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PAULO FREIRE, A LIBERDADE, A EDUCAÇÃO E OS DIREITOS HUMANOS

VICENTINI, Dayanne
Pedagogia – Universidade Estadual de Londrina
dayannevicentini@hotmail.com
VERÁSTEGUI, Rosa de Lourdes Aguilar
Educação – Universidade Estadual de Londrina
rosaguilar@uel.br

O objetivo deste texto é tratar sobre a liberdade, a educação e os direitos humanos sob o
olhar de Paulo Freire. Esta é uma pesquisa bibliográfica com reflexões pessoais, sendo
que as principais referências teóricas utilizadas neste trabalho são as próprias obras do
autor. O tema está dividido em “a educação como um direito humano”, “ a educação em
direitos humanos e a diversidade cultural” e “ educando em direitos humanos por meio
da escola cidadã”. Esperamos com isto ecoar a necessidade de levar os direitos humanos
em todo nível escolar, desde o ensino básico até o ensino superior, para poder encontrar
soluções aos problemas de violação em direitos humanos e educarmos dia a dia.
Palavras-chave: liberdade; educação; direitos humanos.

INTRODUÇÃO

No artigo pretendemos ressaltar a liberdade como um direito humano. Neste


sentido observamos a importância que tem a liberdade e a educação para Paulo Freire e
como numa sociedade estes dois conceitos caminham juntos.

No livro Pedagogia do Oprimido (1968), o educador e filósofo brasileiro Paulo


Freire dedicou seus escritos “aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem,
e assim, descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam” (FREIRE,
1987). Dessa forma, foi pensando nos oprimidos – aqueles que “não tem voz na
sociedade” que Freire propõe uma educação voltada para a liberdade do ser humano,
capaz de fundamentar e ajudar a refletir sua própria condição humana e o faça um
construtor ou conquistador da sua liberdade, ou seja, a “libertação das injustiças
históricas, econômicas, políticas e sociais, cuja superação passaria necessariamente pela
educação entendida como ‘prática de liberdade’.” (PADILHA, 2005, p. 167).

Segundo Ghiraldelli (1991), tal concepção de liberdade afirma que o homem


possui uma vocação para ser “sujeito da história” e não para ser um mero objeto na
sociedade. Neste sentido, a educação libertadora vem com o intuito de libertar o homem
do povo e romper o seu tradicional mutismo e inércia política. Ao propor uma
pedagogia Libertadora, Freire se preocupou em forjar uma nova mentalidade, trabalhar
para a conscientização do homem e engajá-lo na luta política tornando-o apto a se
construir crítica e responsavelmente. Para Fiori (2011) a dinâmica estrutural da nossa
sociedade conduz à dominação de consciências e a pedagogia que impera é a pedagogia
das classes dominantes. Dessa maneira, os métodos opressivos não servem para a
libertação dos oprimidos. É nesta sociedade governada pelos interesses de grupos e
nações dominantes, que a educação como prática de liberdade postula necessariamente
uma pedagogia que ajude o oprimido.

A prática da liberdade só encontrará adequada expressão numa


pedagogia em que o oprimido tenha condições de, reflexivamente,
descobrir-se e conquistar-se como um sujeito de sua própria
destinação histórica. (FIORI, 2011, p.11).

Dessa forma, Freire (2011) tem como uma de suas bases o diálogo, que
possibilita a conscientização do sujeito, com o objetivo de formar cidadãos para a práxis
progressista, transformadores da ordem social, econômica e política injusta. Os
oprimidos, ao descobrirem nitidamente o opressor, necessitam engajar-se na luta
organizada pela sua libertação, assim, começam a crer em si mesmos, superando sua
“convivência” com o regime opressor. Mas, para que isso aconteça, é preciso um sério
empenho de reflexão. Para Freire (2011) o diálogo crítico e libertador tem que ser
realizado com os oprimidos qualquer que seja a situação em que esteja a luta pela sua
libertação. Neste sentido, os oprimidos precisam se reconhecer como homens em sua
vocação ontológica e histórica de ser mais, já que o sujeito humano se configura como
um ser inacabado na concepção de Freire. Para o educador, somente a reflexão conduz à
prática consciente. Ele ainda ressalta que “não podemos esquecer que a libertação dos
oprimidos é a libertação de homens e não de ‘coisas’” (Freire, 2011). Por isso, é que
ninguém se liberta sozinho e ninguém liberta ninguém, o homem se liberta em
comunhão com os outros homens, pois somos seres políticos e sociais que não podemos
lutar sozinhos.

É entre estes e outros fatores, que a pedagogia libertadora procura forjar no


sujeito a luta pela sua libertação dos opressores, aqueles que domesticam e se apoderam
das camadas mais ingênuas da sociedade, que exploram, que consideram as mazelas da
sociedade como fatalismos, que enxergam os oprimidos como mero objetos. Para eles,
só existe apenas um direito: “o seu direito de viver em paz, ante o direito de
sobreviverem, que talvez nem sequer reconheçam, mas somente admitam aos
oprimidos”. (Freire, 2011, p. 62). A única coisa que interessa ao opressor é ter mais e
cada vez mais à custa dos dominados, de sua saúde, de suas misérias, se sua vida,
inclusive do ter menos ou do nada ter desses indivíduos.

Deste modo, os oprimidos necessitam de uma educação que os incentivem a ir à


luta incessante para a libertação dessas injustiças podendo recuperar a sua humanidade
enquanto sujeitos históricos capazes de reconhecer seus direitos e deveres como
cidadãos. A este reconhecimento, Paulo Freire notou grande importância, entendendo
que deve haver uma educação para os direitos humanos na qual sirva de instrumento
para a participação cidadã do sujeito e para uma sociedade democrática crítica.

A Educação como um Direito Humano

Com a transição democrática depois dos terríveis anos da ditadura militar no


Brasil, o debate acerca dos Direitos Humanos emergiu no cenário social e educacional,
constituindo-se como um tema a ser incorporado nos diferentes espaços educacionais,
tanto formais quanto informais. Neste sentido, Paulo Freire considera a educação como
uma possibilidade no bojo das transformações contemporâneas, além disso, afirma que
o diálogo constante entre educador e educando é a essência dessa educação, no qual
promove a reflexão e o exercício da criticidade frente aos fatores sociais e políticos da
realidade. Segundo Magri (2012) a educação sendo uma verdadeira práxis de
transformação do mundo, consequentemente será uma educação para os direitos
humanos.

Em seus estudos, Paulo Freire destaca que a própria educação já é um direito


humano e, portanto, todos devem ter o acesso a ela. Além dela se configurar como um
direito, ela possui um importante papel de educar para os direitos humanos, na medida
em que compreendemos a educação como uma ação humana, “a partir dos princípios da
justiça, dialógicos, estabelecendo relações de horizontalidade dos envolvidos no
processo.” (MAGRI, 2012)

A educação para os direitos humanos, na perspectiva da justiça, é


exatamente aquela educação que desperta os dominados para a
necessidade da ‘briga’, da organização, da mobilização crítica, justa,
democrática, séria, rigorosa, disciplinada, sem manipulações com vistas
à reinvenção do mundo, à reinvenção do poder. (FREIRE, 2001, p. 99).
Considerando a educação como uma ação humana, é preciso que ela vise
transformar a realidade que oprimem os sujeitos, que os domina. É preciso que ela
desperte nas pessoas que elas são portadoras de direitos e que na medida em que eles
forem negados, podem construir alternativas que possam ajudar na busca de seus
direitos.

A educação em direitos humanos que Freire defende, é a que nos prepara


para construir uma sociedade menos injusta, para que aos poucos se torne mais justa.
Uma sociedade que se reinvente sempre com uma nova compreensão de poder. “Uma
sociedade que a gente tenha gosto de viver, de sonhar, de namorar, de amar, que querer
bem. Esta tem que ser uma educação corajosa, curiosa, despertadora de curiosidade”.
(FREIRE, 2001, p. 101). Dessa forma, a educação em direitos humanos, prima pela
ação dos sujeitos no processo, de modo que eles possam primeiramente defender seus
direitos e auxiliar na defesa de quem ainda não possui competências para tal. Com isso,
a partir da educação os sujeitos podem “incorporar os instrumentos e mecanismos para
sua vida, para suas ações.” (MAGRI, 2012).

Candau (2000) norteia alguns princípios que regem de modo geral a


educação em direitos humanos, tais como: o compromisso com a vigência dos direitos
humanos, buscando a construção da cidadania, da paz e da justiça; compromisso com a
educação em direitos humanos como meio para a transformação social, a construção da
cidadania e a realização integral das pessoas e dos povos; afirmação da dignidade
humana, grupo social e cultura; e o respeito à pluralidade e à diversidade entre as
pessoas.

O elemento fundamental é compreender que a educação com e em


direitos humanos significa mais do que transmitir a vivência de valores aos educandos.
A educação em direitos humanos desenvolve neles a consciência de seus direitos, bem
como a sua inserção crítica na realidade. De tal maneira que, esta educação os leva a
construírem atitudes e competências sobre os temas abordados, para que eles sejam
protagonistas da educação. E estes sujeitos partícipes e ativos, se sofrerem violações ou
presenciarem pessoas sendo violadas nos seus direitos, possam ter conhecimento das
atitudes a serem tomadas e quais instrumentos utilizarem.

Para Freire, pensar em direitos humanos, significa pensar nos direitos


básicos do cidadão, como o direito de comer, de se vestir, de dormir, de pensar, o direito
de estar com, o direito de estar contra, etc. Mas para ele “não é possível atuar em favor
da igualdade, do respeito aos demais [...] num regime que negue a liberdade de
trabalhar, de comer, de falar, de criticar, de ler, de discordar, de ir e vir, a liberdade de
ser”. (FREIRE, 1994). Ao analisarmos este trecho citado pelo autor, nos reportamos ao
regime da ditadura militar no Brasil, período este, em que Paulo Freire foi exilado para
o Chile, onde aprofundou seus estudos sobre a pedagogia libertadora. Este período foi
marcado pelas profundas repressões dos sujeitos no qual o exercício de seus direitos
eram quase nulos. Ninguém tinha a liberdade de criticar, de discordar, e de ir e vir como
vimos anteriormente. Os movimentos populares, preocupados com a ordem social e
política do país foram totalmente reprimidos e os indivíduos eram tratados
violentamente pela classe dominante que estava interessada na manutenção do status
quo, na massificação e na domesticação das camadas mais ingênuas da sociedade. Nesta
época, os direitos humanos assumiam o compromisso de defender a vida daqueles que
lutavam internamente para a redemocratização.

O regime militar acabou, e hoje vivemos numa sociedade dita


“democrática”. Mas será que mesmo estando inseridos nesse modelo, os sujeitos estão
conseguindo exercer os seus direitos de forma plena? Os oprimidos tem voz na
sociedade? Reconhecem os seus direitos? Estes são questionamentos que nos instigam a
pensar e analisar as condições dos indivíduos no que se diz respeito aos seus direitos.

Segundo Viola (2010) educar em direitos humanos, significa assumir o


primeiro direito fundamental, o direito de ser uma pessoa para além dos privilégios e
das desigualdades. Para Freire (1967) a educação deve ser para fazer o homem o sujeito
de sua própria ação, ou seja, torna-lo capaz de assumir plenamente sua condição de
cidadão, de assumir compromissos e ser responsável por eles.

A educação para os direitos humanos é uma arma poderosa de luta pela busca do
ser mais e para o exercício da democracia, pois para Bobbio (1992) a democracia não
pode existir sem direitos humanos e direitos humanos não existe sem democracia.

A educação em Direitos Humanos e a Diversidade Cultural

A busca pela paz e pela humanização dos sujeitos históricos, segundo


Paulo Freire, pressupõe uma confrontação justa e crítica dos conflitos existentes, que
provocam a intolerância e a falta de solidariedade. Mas para o autor da utopia, o mundo
não precisa de guerra para ser mundo, pois “o homem não é o ser da guerra, mas do
amor, da afetividade, da esperança e da utopia”. (PADILHA, 2005, p.170). O que lhe
falta é a abertura para aprender com a diversidade e lutar por uma sociedade que
consiga alcançar uma ética fundada no respeito às diferenças.

Segundo Padilha (2005) os ensinamentos de Paulo Freire se relacionam


diretamente com os debates acerca dos direitos humanos. Além disso, é imprescindível
o reconhecimento na sociedade e nos espaços educacionais, a presença do
multiculturalismo, no qual

[...] não se constitui na justaposição de culturas, muito menos no poder


exacerbado de uma sobre as outras, mas na liberdade conquistada, no
direito assegurado de mover-se cada cultura no respeito uma da outra,
correndo risco livremente de ser diferente, sem medo de ser diferente, de
cada uma ‘para si’, somente como se faz possível crescerem juntas e não
na experiência da tensão permanente, provocadas pelo todo-poderosismo
de uma sobre as demais, proibidas de ser. (FREIRE, 1994, p.156).

A multiculturalidade é criação histórica, e como tal, exige de nós a instauração


democrática e coletiva de fins comuns para uma convivência ética. Dessa forma, a
educação aparece com um grande papel para a realização dessa convivência e para as
trocas entre diferenças culturais. Ela deve configurar-se como um espaço que respeite as
diferenças, de modo a contribuir para que não haja etnocentrismos, ou seja, para que
não haja a pretensão de superioridade de uma cultura sobre outra.

Os direitos humanos com intervenção da conotação pluralidade registra a


condição de relação que exige respeito à diversidade humana, ou seja, do
reconhecimento e valorização da multiculturalidade. Em Pedagogia do Oprimido, Freire
aborda a importância de pensar e agir mediados pela dialética, pelas vocações
ontológicas de humanização, de amorosidade, de ser mais coletivamente. Refere-se
ainda ao diálogo como o meio indispensável aos homens e mulheres que buscam em sua
radicalidade autêntica, a condição de sua existência, de sua incompletude humana.
Segundo Rosas (2013) a pluralidade nesse contexto, como uma condição humana,
inscreve-se pelo reconhecimento das dimensões históricas e culturais e de diversidades
que se cruzam quando homens e mulheres do mundo estabelecem relações. Neste
sentido é que “humanização e desumanização, dentro da história, num contexto real,
concreto, objetivo, são possibilidades dos homens como seres inconclusos e conscientes
de sua inconclusão” (FREIRE, 2011).
A educação em direitos humanos, que prima pela valorização da vida, do
respeito aos sujeitos desfavorecidos, oprimidos de seus direitos dimensionada pela
prática educativa libertadora, popular, precisa conotar à pluralidade humana uma
essencialidade na qual insere-se como práxis revolucionária, como atitude de
transformação social.

Educando em Direitos Humanos por meio da escola cidadã


Na concepção de educação libertadora para Freire o professor deve sempre
manter o diálogo com os educandos, fazendo várias perguntas e questionamentos com o
objetivo de desenvolver no sujeito o senso crítico e a busca pelo saber, o desejo pelo
conhecimento e a conscientização de seu inacabamento como ser humano.

O diálogo para Freire deve ser constante entre o educador e o educando de modo
que submeta todas as palavras à reflexão, tornando a educação uma verdadeira práxis na
busca do reconhecimento dos direitos humanos. Além disso, o diálogo apresenta-se
como um instrumento de transformação e só acontece dentro da sociedade, por isso
deve estar em constante relação com o contexto social num todo. Educar, não é
simplesmente ensinar a ler e a escrever, e sim ensinar a pensar, é ajudar o sujeito a
construir sua autonomia por meio da responsabilidade ética, econômica, social e
política, cultural, entre outras.

Brandão comenta acerca da educação libertadora proposta por Paulo Freire:

Por meio de processos intencionais e ordenados de uma educação


libertadora (de pessoas e de culturas), de uma alfabetização
conscientizadora, de uma “arte popular” (não da do “próprio povo”,
mas uma arte crítica a ele dirigida) seria possível criar com o povo, por
uma “pedagogia do oprimido”, uma nova cultura. Uma cultura enfim
verdadeiramente popular, crítica, “desalienada”... “revolucionária”.
(BRANDÃO, 2001, p.128).

Isso era o que Paulo Freire almejava: uma sociedade “desalienada”, crítica,
pensante que lutasse para a transformação da realidade injusta, onde as pessoas
pudessem reconhecer seus direitos e exercê-los plenamente. Mas segundo Padilha
(2005) não se pode falar em educação para os direitos humanos se o educador não se
respeita, nem respeita seus próprios direitos, e que às vezes nem os conhece e que não
sabe defende-los. Será que ele tem condições de ensinar outro alguém sobre o exercício
de um direito ou sobre qualquer outro conteúdo de forma crítica e emancipadora? Ou
ainda como um educador que se deixa vencer pela rotina, por mais dura que for, pode
contribuir para a formação de sujeitos que exerçam a sua cidadania de forma plena e
saibam defender seus direitos, sociais, civis e políticos?

Se a educação assume um caráter político, como dizia Freire, isso exige do


professor, que ele saiba, em nível de objetivo, em nível de sua prática “a favor de
alguém ou contra alguém, a favor de algum sonho, e, portanto, contra um certo esquema
de sociedade, um certo projeto de sociedade”. (FREIRE, 2001, p.95). É preciso que a
politicidade exija do educador que ele seja coerente com sua opção. Por exemplo, todo
professor tem direito a ser reacionário se prima pela manutenção do status quo. Dessa
forma, ele deve ser coerente com a sua opção reacionária, ou seja, com a sua postura
ideológica. Para este professor reacionário, a educação e os direitos humanos têm a ver
com a educação da classe dominante. Dessa forma, ele luta para preservar as condições
materiais da sociedade, reproduzindo a ideologia dos opressores e do seu poder por
meio da educação, preservando também o seu poder político e econômico sobre os
indivíduos.

Segundo Paulo Freire, o professor para ser consistente com sua postura política,
deve ser um professor competente, tanto o reacionário, quanto o progressista. Ambos
têm que ensinar realmente. Em contrapartida, a maneira como ensinam já não pode ser a
mesma. Isso nos leva às questões de natureza filosófica e política como a relação entre
método, conteúdo e objetivos. Para o autor, o professor de postura progressista não
pode tratar o mesmo conteúdo da mesma forma que trata o professor reacionário, pois a
temática educação em direitos humanos soa de modo diferente, de acordo com sua
postura, com sua compreensão política e ideológica.

Enquanto para um professor elitista, a educação em direitos humanos tem


a ver com o tratamento fidalgo do conhecimento, para

[...] um professor progressista, a discussão sobre o ato de conhecer, se


apresenta como um direito dos homens e mulheres das classes
populares, que vem sendo proibidos e proibidas de exercer este direito,
o direito de conhecer melhor o que já conhecem, porque praticam, o
direito de participar da produção do conhecimento que ainda não existe.
(FREIRE, 2001, p.97)

Neste sentido, o professor elitista orienta a educação como um freio para as


classes populares e defende a ascensão dos opressores. Já os professores progressistas,
não podem caminhar assim, pois precisam desenvolver nos educandos a consciência
crítica de seus direitos e a possibilidade de lutarem por eles. Deste modo, a visão ou
compreensão dos direitos humanos depende de como eu me vejo no mundo
politicamente, depende com quem estou a serviço de quem e a serviço de que eu sou um
educador.

Em Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa, Paulo


Freire traz uma reflexão acerca do trabalho dos educadores para com os educandos. Para
educar em direitos humanos, primeiramente é preciso que o professor tenha a
consciência de seus direitos, que utilize o diálogo como ferramenta indispensável para
as reflexões sobre a prática, que respeite os saberes de seus educandos, que seja crítico,
que corporifique as palavras pelos exemplos, aceite o novo e qualquer forma de
discriminação, identifique reconheça a identidade cultural, que tenha a consciência do
inacabamento do homem, respeite a autonomia de seus educandos, que seja humilde e
tolerante e lute em defesa dos direitos dos educadores, que tenha alegria e esperança,
comprometimento e que queira bem os educandos.

Ao considerar o âmbito da educação, Padilha (2005, p.171) coloca a seguinte


questão: “qual seria a melhor forma de se educar em direitos humanos e, em especial,
qual seria a contribuição concreta de Freire.” Para responder a essa questão, Gadotti
(2001) fala da validade universal de teoria e da práxis de Freire, que estaria ligada a
quatro intuições originais: a primeira seria a ênfase nas condições gnosiológicas da
prática educativa, em que educar é conhecer e ler o mundo para poder transformá-lo. A
segunda seria a defesa da educação como um ato dialógico, a terceira trata da noção da
ciência aberta às necessidades populares, uma educação voltada para as questões sociais
como o trabalho, a pobreza, fome, doença, entre outros. A quarta seria o planejamento
comunitário, participativo, a gestão democrática e a pesquisa participante que se traduz
em experiências educacionais atuais, na qual tem tido grande impacto em diferentes
locais e comunidades brasileiras, tais como o Movimento pela Escola Cidadã.

Segundo Padilha (2005) a partir do legado de Paulo Freire, podemos construir ou


reconstruir experiências educacionais, que respeitem os direitos humanos e que
considerem o ser humano naturalmente como um “ser da intervenção no mundo [...] e
por isso mesmo deve deixar suas marcas de sujeitos e não pegadas de puro objeto”
(Freire, 2000, p. 119).
O movimento da Escola Cidadã nasceu no final dos anos de 1980 na educação
municipal de São Paulo para fazer frente ao projeto pedagógico neoliberal e que se
traduziu na continuidade do movimento de educação popular comunitária, na qual ficou
conhecida durante a década de 1980 como “escola pública popular”. Esta escola para
Freire se assume como um centro de direitos e deveres, que viabiliza a cidadania de
quem está nela e de quem vive nela. Ela é cidadã na medida em que exercita na
construção da cidadania de quem usa seu espaço. É coerente com a liberdade, pois luta
para que os educandos-educadores também sejam eles mesmos. É uma escola de
comunidade, de companheirismo e que não pode ser jamais autoritária.

Segundo Padilha (2005) alguns princípios da Escola Cidadã contribuem para que
consigamos construir a escola que Paulo Freire sonhou e tanto trabalhou: uma escola
que fosse estatal quanto ao financiamento, democrática e comunitária quanto à gestão e
pública e popular quanto à destinação. Ela é uma instituição de ensino e aprendizagem
que valoriza o diálogo, a amorosidade, a afetividade, estimulados com base nas
experiências acumuladas pela humanidade, no que se diz respeito às contribuições das
diferentes culturas, das diferentes ciências e formas de expressão e manifestações
simbólicas. A escola que Freire busca é aquela que se embase num planejamento
dialógico e num processo de avaliação dialógica continuada, onde seu currículo seja
intertranscultural e, portanto, inter e transdisciplinar, no qual tenha por referência um
processo rico e participativo de leitura de mundo, que resulte na definição do
conhecimento científico significativo para o aluno, trabalhando com base nas suas
experiências concretas e no contexto sociocultural em que vive, respeitando seu ritmo
pessoal, histórico e social construído.

É preciso dar continuidade ao legado de Paulo Freire, de forma a contribuir para


que as atuais e futuras gerações possam ver respeitados cada vez mais os seus direitos,
que são humanos. Que elas possam contribuir para preservá-los, ampliá-los e reinventá-
los para o bem de toda a humanidade.

Considerações Finais

Ao longo desta pesquisa, procuramos enfatizar a liberdade como um direito


humano e a educação como a grande protagonista neste processo de reconhecimento dos
direitos pelos sujeitos oprimidos.
Desta forma, consideramos que Paulo Freire ao propor uma educação que se
preocupe com a liberdade do ser humano, estaria contribuindo de forma significativa
para a libertação das injustiças históricas, econômicas, político e sociais sofridas pelos
oprimidos, de modo a conscientizá-los na luta política tornando-os aptos a se
construírem crítica e responsavelmente, superando a opressão causada pelos
dominadores do regime opressor.

Para o autor, os sujeitos oprimidos necessitam de uma educação, que os ajudem


a recuperar sua humanidade enquanto sujeitos históricos, que sejam capazes de
reconhecerem seus direitos e deveres como cidadãos. Para isso, notou-se grande
importância à educação para os direitos humanos, no qual serve como arma de luta para
a participação numa sociedade crítica democrática.

A própria educação já é por si só um direito humano, como afirma Paulo Freire.


Portanto, todos os indivíduos devem ter acesso a ela. Além disso, é preciso que ela
desperte nos oprimidos a consciência de que possuem direitos e que é preciso lutar por
eles caso esses direitos forem negados. Essa educação deve ser capaz de construir uma
sociedade mais justa e de oferecer os instrumentos e mecanismos para que os sujeitos
possam ser os agentes da transformação da realidade injusta que impera em nossa
sociedade, que possam ser ativos e partícipes na defesa dos direitos de outras pessoas
caso presenciem sua violação.

A busca pela transformação social e pela paz da humanidade requer que os


sujeitos aprendam a lutar por uma sociedade pautada em uma ética fundada no respeito
às diferenças. Este reconhecimento deve estar contido dentro dos espaços educacionais
para uma convivência ética frente ao multiculturalismo e para a valorização da vida.

Educar para os direitos humanos, segundo Paulo Freire demanda do professor,


manter um constante diálogo com seus alunos, de modo que os levem a uma reflexão
crítica da realidade, e que os incentive na busca do reconhecimento dos direitos
humanos. Além disso, o diálogo apresenta-se como um instrumento de transformação
de uma sociedade alienada, para uma sociedade desalienada, crítica e pensante, menos
injusta e mais igualitária.

Neste contexto, o professor deve adotar uma postura política e educar em


direitos humanos, sendo coerente com a opção que escolheu, pois a visão e a
compreensão dos direitos humanos dependem de como os educadores se veem no
mundo politicamente.

Com a criação da escola cidadã, na qual Paulo Freire assumiu como um centro
de direitos e deveres foi possível realizar um trabalho de educar para os direitos
humanos. Ela se configura como uma escola que exercita a construção da cidadania é
uma escola da comunidade e que não pode jamais atender aos princípios autoritários e a
manutenção do status quo, que valoriza o diálogo, a amorosidade e a afetividade.

Em suma, podemos considerar que é necessário dar continuidade no trabalho de


Paulo Freire, de forma a conseguirmos educar para os direitos humanos, contribuindo
para que haja uma abertura de consciência crítica nos sujeitos frente à realidade política
e social vigente em nossa sociedade. É preciso lutar pelos direitos humanos e que estes
sejam respeitados e preservados cada vez mais para que consigamos chegar a uma
sociedade mais justa e democrática.

REFERÊNCIAS

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