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Realização

Equipe de Organização

Comissão de Avaliação
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Sumário
Apresentação Oral.......................................................................................................4

Apresentação Criativa
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Apresentação Oral
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Sandra Fagionato-Ruffino1
Cristina Aparecida Ferreira2
Denise Ap. de P. Ribeiro Leppos3
Solange dos Santos P. Da Costa 4

Resumo: Este trabalho tem como objetivo apresentar os resultados de uma sequência de
vivências lúdicas realizadas, remotamente, em meados de 2020, com crianças entre 2 e 3
anos, em um centro municipal de educação infantil da rede municipal de educação de São
Carlos. Tal proposta apresenta, de maneira lúdica, como a brincadeira é uma forma
possível de aproximar a criança da natureza onde vive. Vale ressaltar que o brincar, desta
forma, atua como prática estruturante para o desenvolvimento cognitivo, social, motor e
emocional da criança. A experiência foi pensada a partir de documentos norteadores como
a BNCC e alguns pesquisadores que trazem à tona discussões sobre a importância do
brincar e o contato com a natureza na educação infantil.

Palavras-chave: Brincar. Natureza. Criança. Educação Infantil.

Introdução
A experiência aqui relatada aconteceu no segundo semestre do ano letivo de 2020,
com crianças entre 2 e 3 anos do CEMEI Deputado Vicente Botta, na cidade de São
Carlos. Insere-se no contexto das atividades remotas realizadas no decorrer de 2020 em
função da pandemia causada pelo novo coronavírus.
Conforme disposto na Instrução Normativa 1/20205, foi proposto que
[...] os/as docentes e educadores(as) de creche da Educação Infantil,
incluindo as escolas particulares, conveniadas e filantrópicas,
planejarão e ofertarão orientações e encaminhamentos aos responsáveis
pelas crianças, utilizando os meios e recursos possíveis e mais
adequados a esse momento. Para tanto, os/as docentes/educadores(as)
de creche e a gestão escolar devem seguir as seguintes normativas que
estão em consonância com a Resolução 001/2020 do Conselho
Municipal de Educação:

1 Prefeitura Municipal de São Carlos. E-mail: fagionato.sandra@gmail.com


2
Prefeitura Municipal de São Carlos. E-mail: crisapfer10@yahoo.com.br
3
Prefeitura Municipal de São Carlos. E-mail: de_depaula21@hotmail.com
4
Prefeitura Municipal de São Carlos. E-mail: sol_dos_santos@yahoo.com.br
5
Disponível em:
<http://www.saocarlos.sp.gov.br/images/stories/diario_oficial_2020/DO_30062020_1589.pdf>. Acesso
em: 21 de agosto de 2021.
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I – Manter e fortalecer o vínculo entre família e escola, utilizando


dos meios e recursos mais adequados para a comunicação e a
cooperação entre tais instituições;
II – Estabelecer contato semanal com os responsáveis ou familiares,
a fim de auxiliá-los e instruí-los quanto à rotina das crianças, mantendo
a experiência educativa;
III – Orientar as famílias de modo que elas se sintam apoiadas e
possam organizar momentos de trocas com os/as filhos/as, com
ações e brincadeiras significativas para o desenvolvimento e as
experiências de vida;
IV – Possibilitar aos pais a compreensão de que as crianças podem
ter aprendizagens diversas com os familiares adultos, diferentes
daquelas que ocorrem na escola com as/os docentes;
V – Sensibilizar os pais quanto à importância das brincadeiras,
ajudando-os a compreender que a aprendizagem e o desenvolvimento
se dão nos momentos em que as crianças dispõem de um tempo livre
para brincar, sozinhas ou com suas/seus irmãs/ãos (se tiverem), com
outras crianças que morem na mesma casa, ou mesmo com os adultos
que lhes são próximos (SÃO CARLOS, 2020, p.1, grifos nossos).

Deste modo, considerando a normativa e apoiadas em trabalhos de pesquisadores


como Kishimoto (1995, 1996), Brougère (2012), Schilindwein e Peters (2017) que nos
ajudam a compreender o brincar como parte estruturante da formação da criança e os
brinquedos e as brincadeiras assumindo papel significativo no processo de
desenvolvimento infantil, buscamos elaborar vivências lúdicas que tivessem a brincadeira
como o cerne das propostas.
Para este evento, apresentamos uma sequência de vivências que tiveram o brincar
de faz de conta como norteador da experiência. Ela foi pensada para as duas semanas
seguintes ao recesso escolar, no mês de julho e, aproveitando o contexto de férias
propusemos a vivência intitulada “Acampamento de férias”. Tal experiência convidava
as crianças, bem como suas famílias, a simularem uma viagem de acampamento na
natureza, mesmo estando em casa, a partir de brincadeiras simples do contexto de todos,
como a construção de cabanas, até práticas mais modernas, como a observação de aves.
O planejamento foi realizado de forma que considerasse a aproximação das
crianças com a natureza estimulando-as a realizarem observações e movimentos e
estimulando o uso da criatividade e o aumento de repertório cultural. O afastamento dos
seres humanos da natureza vem sendo denunciada por vários pesquisadores (DREW,
1994, LEFF, 1999, TREIN, 2008), fenômeno este estudado na perspectiva da Educação
Ambiental Crítica e da Psicologia Ambiental a fim de compreender as percepções, as
atitudes e os comportamentos dos seres humanos em relação ao ambiente natural. Esses
estudos sugerem que o modo de vida capitalista tornou tanto ser humano como natureza
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como objetos; destacam que o ser humano deixou de se sentir parte integrante da natureza,
sendo reduzido a trabalhador e consumidor e a natureza como matéria-prima utilizando-
a de forma predatória, desconsiderando sua capacidade de recomposição. Acredita-se que
o afastamento da natureza gera desconhecimento e falta de afeto, tornando-se mais difícil
o desenvolvimento de atitudes de conservação (LOUREIRO, 2009; TREIN, 2008).
As crianças em especial, apesar de todo seu interesse e deslumbramento pela
natureza, encontram-se emparedadas nas escolas, como nos coloca Tiriba (2006), presas
a um controle de seu corpo, de seu tempo e de seu ritmo o que as leva a não verem e não
se sentirem parte do mundo natural. Acreditamos que esta realidade não é diferente entre
as famílias. Cada vez menos vemos as crianças brincando nas ruas e quintais; as telas tem
tomado a maior parte de seu tempo, mesmo entre as bem pequenas. A natureza não é mais
cenário de faz de conta para muitas crianças.
A natureza que se apresenta às crianças, quando isso ocorre, é uma natureza
“pedagogizada”, revestida de um interesse de cunho científico, racional, e não para
desfrute ou deleite. Uma natureza distante: as crianças desde pequenas reconhecem o
elefante, o leão e a girafa, mas não conhecem o lobo-guará, tamanduá ou o sabiá.
Além da degradação ambiental, estudos tem mostrado que o afastamento da
natureza tem gerado problemas mentais e físicos, sobretudo para as crianças. Neste
sentido, em 2005, o jornalista e escritor americano Richard Louv criou a expressão
“Transtorno de Déficit de natureza” (UNICAMP, 2020).
O artigo Nature and mental health: An ecosystem service perspective, de Bratman
et al (2019), por meio de levantamento bibliográfico de estudos que tratam do tema,
apresenta uma visão geral sobre os impactos da natureza na qualidade de vida, tais como:
bem estar psicológico com aumento de sentimentos positivos, felicidade, propósito na
vida, melhor gerenciamento de tarefas cotidianas, memória e atenção, melhoria no
desempenho escolar, imaginação e criatividade de crianças. Acredita-se que as
experiências na natureza estão diretamente relacionadas à redução de fatores de risco para
doenças mentais, contribuindo, desta forma, para melhora do sono e da redução no
estresse, na diminuição da ansiedade, no déficit de atenção e no transtorno de
hiperatividade.
Considerando assim a necessidade de aproximação das crianças com a natureza,
não nos interessava uma vivência que levasse a uma percepção da natureza como um
recurso pedagógico, mas sim um encontro com a natureza, de forma que as crianças
pudessem experimentá-la por meio de seu corpo todo e de forma lúdica. Com a
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impossibilidade de sair de casa, e, portanto, a dificuldade para visitas a ambientes


naturais, pensamos uma prática que considerasse a natureza próxima.
Para nos mantermos presentes na vida das crianças e, assim, reforçar nosso
vínculo, optamos por gravar vídeos pessoais para o convite às vivências e
acompanhamento do grupo. Para a experiência aqui relatada, por exemplo, foram
enviados vídeos, nos grupos de WhatsApp das turmas, em que aparecêssemos
convidando as crianças a participarem de um acampamento de faz de conta. Nesses
vídeos, nós professoras apresentamos alguns ambientes naturais, curiosidades sobre os
materiais necessários para esse tipo de prática, como montar uma cabana simples e com
poucos materiais, uso de chapéu, mochila, lanche de trilha e uso de protetor solar.

Objetivos
Considerando, assim, o processo do brincar enquanto prática estruturante, o
principal objetivo da nossa proposta foi proporcionar às crianças e às famílias um
momento de descontração e criação coletiva, buscando uma maior aproximação com a
natureza e o ambiente e que vivem. Como objetivos específicos propusemos:
i) Ampliar a aproximação das crianças com a natureza e desenvolver o hábito de
observação do ambiente em que vive.
ii) Conhecer o ambiente em que vive bem como o mundo da qual a criança faz parte.
iii) Proporcionar brincadeiras simples que estimulassem o fazer criativo e o
movimento das crianças.
iv) Ampliar o repertório cultural das crianças e das famílias.

Descrição do caso
O principal meio de contato das professoras com as crianças e as famílias foi via
WhatsApp, pois consideramos ser o meio mais rápido e assertivo que nos possibilitava
observar se todas as famílias estavam recebendo as informações enviadas. Para tanto, foi
criado um grupo de WhatsApp para cada turma. As sugestões de vivências e orientações
eram também postadas na página do facebook da escola (Cemei Vicente Botta) e, sempre
que necessário, entrávamos em contato via telefone.
A vivência lúdica que aqui relatamos, intitula-se, como já mencionamos,
“Acampamento de férias” e foi realizada durante duas semanas. Todos os dias, eram
enviadas, às famílias, sugestões de brincadeiras, vídeos, fôlderes, dicas, orientações gerais
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sobre a proposta e comentários das professoras para estimular a participação. A


experiência se deu em etapas ao longo das semanas, como descrito a seguir.
Na Semana 1, dia 1 a vivência foi disparada com um vídeo de uma das professoras
convidando as crianças para um acampamento. No vídeo em questão, a professora
preparava a mochila, calçava botas, e tomava um ônibus para se dirigir ao local do suposto
acampamento, a saber: a Serra do Cipó. Além disso, ela estimulava as crianças a pensarem
como chegariam até o local de acampamento, cogitando um possível meio de transporte
(ônibus, carro, moto, bicicleta etc.). Com o vídeo, foram enviadas algumas orientações às
famílias de como iniciarem a conversa e estimular esse faz de conta com a criança,
explicando que participariam de um acampamento, e definindo juntos onde acampariam:
se em uma floresta, na praia em um camping, no bosque etc. No dia 2, enviamos um novo
vídeo mostrando como era escolhido um local para acampar. Para auxiliar e orientar as
famílias, foram enviadas instruções para escolherem um local na casa para montar a
barraca (construir uma cabana com lençóis ou outros materiais não estruturados).
No dia 3 enviamos um vídeo de outra professora indo ao encontro da primeira, na
Serra do Cipó. Na ocasião, a professora dizia que iria de carona, numa moto, ao
acampamento. Ao chegar próximo do local combinado, a professora mostrou o caminho
que precisou percorrer, passando por uma escadaria escura que simulava uma caverna
cheia de perigos e, ao final, montava uma cabana simples com cadeiras e uma manta,
servindo de dica e estímulo para as que ainda não tinham feito.
No dia 4, enviamos outro vídeo convidando as crianças para explorarem os
arredores do acampamento percorrendo uma trilha. As famílias foram orientadas a
explorarem o espaço onde vivem, por exemplo: andar pelo quintal ou pela casa,
explorando cada cantinho e descobrindo coisas (os animais, as plantas, os insetos, o céu,
o clima), simular subida em terreno íngreme (subir em uma escada, no sofá ou na cadeira),
passar por baixo de arbustos e outros obstáculos (passar por baixo da mesa, da cadeira,
de uma corda). Para quem não tinha quintal sugerimos colocar sons no celular para criar
o clima de floresta ou de praia. Neste dia, também enviamos um vídeo em que outra
professora fazia um trajeto diferente para chegar até a Serra do Cipó, ela ia de bicicleta,
mostrando algumas imagens do caminho que fizera, da estrada de terra que precisou
atravessar até encontrar as outras professoras.
Para encerrar esta primeira semana, no Dia 5, convidamos as crianças e as famílias
a fazerem uma parada para um lanchinho de trilha e a brincadeira de dormir na barraca.
Como era de costume, orientamos para aproveitarem essa situação e estimularem as
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crianças a comerem frutas e sucos simulando o horário de refeições no acampamento e a


hora de dormir na barraca. Além disso, outra professora gravou um vídeo com seus filhos
em uma cabana fazendo brincadeiras com luz e sombras e estimulando as famílias a
fazerem o mesmo. Para criar o clima foi sugerido colocar sons da floresta à noite.
Dando continuidade à sequência de vivências sobre acampamento de férias, na
Semana 2, dia 1, enviamos um vídeo tutorial com sugestão de construção de binóculos
com rolinhos de papel higiênico junto das crianças. No Dia 2, foi enviado um vídeo
simulando uma prática de observação de aves. No vídeo, a professora usava o binóculo
feito de rolinho de papel higiênico e apresentava algumas imagens de aves. Como era de
costume, estimulamos as famílias a realizarem tal experiência com as crianças, mostrando
como era possível explorar o próprio quintal.
No Dia 3 apresentamos um vídeo em que aparecia um comedouro para aves; nele,
a professora dava opções de como construir um comedouro e o que oferecer para as aves.
As famílias foram instigadas a construírem esses espaços de alimentação de aves como
uma forma de atrair as aves para o seu quintal e, assim, facilitar a observação das mesmas.
No Dia 4, foi enviado às famílias um guia de identificação de aves elaborado com
apoio de uma ornitóloga. As famílias foram orientadas a utilizarem o guia com as crianças
e tentar identificar as aves do quintal e fazer comparações ou mesmo conversar com as
crianças sobre as imagens dizendo os nomes das aves, as cores, mostrando o bico e outros
detalhes.
Para encerrar a semana, no dia 5, convidamos as crianças e as famílias a
observarem a noite: a sair no quintal e ouvir os sons, observar o céu, as estrelas, procurar
a lua e, para os mais aventureiros, fazer uma fogueira (de verdade ou de mentira).

Discussão
Apesar de poucos retornos, percebemos que muitas famílias deram asas à
imaginação proporcionando vivências semelhantes às que enviamos e complementando-
as. Recebemos vídeos das crianças com mochilas nas costas dirigindo-se de bicicleta e a
pé para o acampamento, outras mães relataram que o filho foi de trem para o
acampamento e que a filha quis ir de ônibus igual a professora. Foram enviadas várias
fotos das barracas; algumas mães relatavam que a criança quis que elas entrassem junto,
em outras aparecem os irmãos participando e uma das crianças levou o cachorro e a mãe
relatou que ela brincou muito. Outra família enviou-nos fotos de um jacaré entalhado na
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madeira que o avô trouxe de uma viagem feita ao Pantanal que a criança insistiu em
acrescentar na aventura.

Figura 1. Devolutiva: jacaré de madeira


Fonte: arquivo pessoal das autoras

A brincadeira de fazer trilha (Semana 1, Dia 4) para uma das famílias rendeu num
percurso interessante em que a mãe criou vários obstáculos no quintal para a criança
vencer: passar por baixo de cadeira, rastejar, andar sobre pinguela (feita com cabo de
vassoura) etc. Ainda sobre a trilha, uma mãe proporcionou um “banho de cachoeira” para
a criança com uma mangueira.

Figura 2. Devolutiva: construindo binóculos.


Fonte: arquivo pessoal das autoras

Algumas famílias enviaram fotos da construção de binóculos (figuras 2 e 3), dos


comedouros criados (figura 4) e do que observaram no quintal de casa (figura 5). Já
outras, enviaram mensagens de texto dizendo que as crianças adoraram nossos vídeos e
que queriam ir para uma floresta de verdade e encontrar vários bichos. Em alguns casos,
foi possível perceber a participação de vários membros da família, como irmãos, primos
e amigos.
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Figura 3. Devolutiva: Figura 4. Figura 5.


Confecção do Devolutiva: Devolutiva:
binóculo Comedouro para observação de aves
Fonte: arquivo pessoal aves Fonte: arquivo
das autoras Fonte: arquivo pessoal das autoras
A observação de aves rendeu um trabalho interessante entre algumas famílias,
pessoal das autoras
como podemos perceber na devolutiva de uma mãe:
Fonte: arquivo pessoal
das autoras
Sandra, estamos gostando muito das atividades. Percebi q ele se interessou pelos
passarinhos. Como fizemos horta em casa, muitos passarinhos estão vindo p cá. Vou
mandar algumas fotos que o Thiago tirou!

As famílias que nos deram retornos conseguiram compreender as propostas de


fantasiar com as crianças e, algumas, relatavam resgatar brincadeiras do tempo de criança,
fortalecendo ainda mais os laços familiares. Acreditamos que conseguimos, ainda que
timidamente, reacender nas famílias o desejo pelo faz de conta e proporcionar às crianças
um pouco dessas vivências. Como nos coloca Kishimoto (1995, p. 50) “assim como a
poesia, os jogos infantis despertam em nós o imaginário, a memória dos tempos passados”
e foi o que ocorreu em parte com as famílias.
Além disso, por meio dos vídeos elaborados por nós professoras, conseguimos, de
forma assíncrona, “conversar” e manter alguma interação com as crianças, reforçando o
vínculo que estava sendo construindo no primeiro mês do ano letivo de 2020.

Conclusões
Não é possível dizer assertivamente o quanto a experiência foi produtiva no
contexto das famílias como um todo, uma vez que, o retorno não era obrigatório. E mesmo
considerando os poucos retornos que tivemos, isso também não nos garante que de fato
as propostas tenham sido aplicadas. A participação das famílias e a interação nos grupos
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de WhatsApp das turmas foi pequena. Algumas mães relataram que continuaram
trabalhando fora do ambiente familiar e, com a sobrecarga, não conseguiam realizar todas
as vivências com as crianças.
A turma com participação mais frequente foi a que tinha mães professoras da rede
municipal e estadual; estas sempre davam algum tipo de retorno, enviavam fotos,
comentários ou áudios das crianças. Contudo, independentemente dos retornos dados ou
mesmo da ausência deles, não podemos garantir efetivamente que tais práticas foram
realizadas, pois havia famílias que, por opção, não participavam do grupo de WhatsApp
da turma, mas isso não significa que tal ação não fosse realizada.

Referências

BRATMAN, G. N. et al. Nature and mental health: An ecosystem service perspective.


2019. Science Advances, 24 Jul 2019, v. 5, no. 7. Disponível em:
<https://advances.sciencemag.org/content/5/7/eaax0903>. Acesso em: 20 Set. 2021.

BROUGÈRE, G. Le jeu peut-il être serieux ? Revisiter Jouer/Apprendre en temps de


serious game. 2012. Disponível em: https://experice.univ-paris13.fr/wp-
content/uploads/2015/02/Le_jeu_peut-il_tre_srieux__.pdf. Acesso em: 06 de julho de
2020.

DREW, D. Processos Interativos Homem-Meio Ambiente/David Drew; tradução de João


Alves dos Santos: revisão de Suely Bastos; coordenação editorial de Antonio
Christofoletti. – 3ª Ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.

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n. 2 [17], junho de 1995, p. 46-63.

KISHIMOTO, Tizuko Morchida (org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação.


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LEFF, E. Educação ambiental e desenvolvimento sustentável. In: REIGOTA, M. (org.).


VerdeCotidiano: o meio ambiente em discussão. Rio de Janeiro, DP&A Editora, 1999.

LOUREIRO, C. F. B. Trajetórias e fundamentos da Educação Ambiental. 3.ed. São


Paulo: Cortez, 2009.

SCHLINDWEIN, Luciane Maria; PETERS, Leila (Orgs.). A criança e o brincar nos


tempos e espaços da escola. Florianópolis: NUP, 2017. Disponível em:
https://nupedoc.paginas.ufsc.br/files/2017/10/A-CRIAN%C3%87A-E-O-BRINCAR-
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TREIN, E. A perspectiva crítica e emancipatória da Educação Ambiental. In: Educação


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01, p. 41-45. Março, 2008. Disponível em: <
14

http://forumeja.org.br/sites/forumeja.org.br/files/Educa%C3%A7%C3%A3o%20Ambie
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TIRIBA, Léa. Crianças, natureza e educação infantil. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPEd,
29, 2006, Anais... Caxambu: 2006. Disponível em <
https://www.anped.org.br/biblioteca/item/criancas-natureza-e-educacao-infantil>.Acesso em
20 set. 2021.

UNICAMP. Diretoria Geral de Recursos Humanos. Déficit de natureza: transtorno pode


causar problemas físicos e mentais. Campinas, 2020. Disponível em: <
https://www.dgrh.unicamp.br/noticias/deficit-de-natureza>. Acesso em 21 set. 2021.
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Adrianna Nunez 6

Resumo: Foi através desta proposta, a Sessão Simultânea de Leitura, que pudemos
garantir o primeiro encontro virtual entre as crianças, entre as crianças e suas professoras
e também o encontro com um objeto que os pequeninos têm bastante intimidade, uma vez
que convivem diariamente com ele nas classes da Educação Infantil: os livros de
literatura! A Sessão Simultânea de Leitura é uma proposta didática que se insere dentro
das situações habituais de leitura literária por parte do professor, mas com uma variante:
todos os docentes, no mesmo momento, leem um conto para as crianças de distintas salas
e de distintas idades, as crianças trocam interpretações acerca das obras e logo
recomendam oralmente os contos escutados para os companheiros de sua sala habitual.
Se forma assim um espaço público de leitura e intercâmbio, uma comunidade de
interpretação, onde os pequenos vão construindo referências compartilhadas ao falarem
juntos sobre os mesmos livros. No modo remoto, iniciamos esta proposta com a Educação
Infantil, em meados de março de 2020, na intenção de continuar com esta prática que é
tão importante para o desenvolvimento do trabalho com a literatura e com a formação de
leitores.

Palavras-chave: leitura literária – educação infantil – pandemia

Este trabalho apresenta um pouco da experiência vivida em uma escola particular,


localizada na cidade de Santos / SP. A escola atende crianças nos segmentos da Educação
Infantil até o Ensino Médio, e recebeu no mês de março de 2020 um desafio, assim como
também receberam milhares de educadores espalhados pelo mundo: levar a escola e o
processo de ensino e de aprendizagem para o modo remoto devido à pandemia do
coronavírus. Este relato tem como objetivo apresentar a experiência construída e vivida
pelas crianças, seus educadores e suas famílias, no que se refere ao início dos encontros
síncronos, assim como validar a importância do trabalho com as práticas de leitura
literária, mesmo em um contexto desafiador.
Tanto eu, enquanto coordenadora, como a equipe de professoras que trabalham
com as crianças que possuem entre 2 e 6 anos de idade, apresentamos com esta pandemia

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Adrianna Nunez - Mestranda em Escritura y Alfabetización na UNLP - Universidad Nacional de La
Plata / Argentina. (adriannanunez@gmail.com)
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que nos surpreendeu, uma espécie de negação, pois não admitimos, em um primeiro
momento, ter que lidar com a realidade que se apresentava a todas nós. Levar a escola à
distância era para a equipe algo inalcançável, inadmissível... principalmente para quem
trabalha com as crianças que estão na primeira infância. Para nós, que concebemos o
processo de aprendizagem como uma construção do sujeito que aprende, oferecer uma
escola distante não foi tarefa simples.
A escola que acreditamos é a escola presencial, uma escola onde existe a relação
direta entre todos os sujeitos que a integram e onde articulamos os saberes e as
experiências das crianças com o patrimônio que a humanidade sistematizou. Nossa
situação perfeita, nosso cenário ideal para que as aprendizagens aconteçam é garantir uma
escola onde todos possam se encontrar, onde as crianças possam participar de uma rotina
e de propostas pensadas para elas, com seus pares e professores próximos, em um
ambiente coletivo, com olhar e com escuta. Toda essa paisagem é extremamente validada
por nós, e justamente por não vermos, inicialmente, uma saída possível, sentimos a nossa
zona de conforto abalada. Pensamos: como apresentar uma escola à distância e ao mesmo
tempo considerar o modo de aprender das crianças, principalmente das crianças
pequenas? Como pensar esse período de distanciamento que não será curto? Como tornar
esse momento o mais próximo possível, apesar de estarmos nos encontrando através das
telas? Como auxiliar as famílias nesta nova parceria que a pandemia nos coloca?
Depois de muitas reuniões, reflexões, trocas e ideias entre os profissionais de
nossa equipe – processo este obviamente acompanhado por inúmeras incertezas, receios,
angústias – começamos a desenhar/construir juntas um possível trabalho pedagógico para
chegar à casa das crianças, trabalho este que sofreu ao longo do tempo inúmeras
modificações a partir das experiências infindáveis e totalmente inéditas que passamos a
colecionar desde o dia 23 de março de 2020 – primeiro dia da escola neste novo formato.
Logicamente, antes de tudo iniciar, enviamos às famílias muitos comunicados e informes
na tentativa de cercar todos os detalhes visíveis para nós. Agora, mais do que nunca,
precisaríamos dividir muitas das nossas intenções com os pais das crianças, afinal, uma
vez que as crianças pequenas não possuem ainda a autonomia necessária para realizar as
propostas em casa sem a ajuda de um adulto, eles seriam a nossa “ponte”, imprescindível,
ainda mais neste momento.
Perder a totalidade da nossa interação com as crianças neste momento também
nos angustiou muito. Como olhar para as crianças e perceber suas necessidades de
aprendizagem estando longe delas? Como dosar os desafios das propostas planejadas?
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Como ajustar nossos encaminhamentos e nossas intervenções à distância, uma vez que
fazemos isso a partir das respostas e sinais genuínos que as crianças nos oferecem a todo
instante quando estamos próximas à elas? Como garantir o espaço do erro tão essencial
para nós no processo de ensinar e aprender estando as crianças perto dos pais (uma vez
que imaginávamos que a tentação em fazer o filho acertar estaria presente)? Como
garantir que as crianças pudessem ser quem elas são em relação ao seu modo de
sentir/pensar durante a realização das propostas e colocar as suas hipóteses em jogo,
recebendo ao mesmo tempo um certo tipo de encaminhamento dos familiares?
Todas essas aflições rodearam por muito tempo o nosso fazer pedagógico... porém
sabíamos que tínhamos que lidar com elas para seguir ensinando de forma remota e que
precisávamos ter esta clareza para, ao mesmo tempo, fazer o manejo do possível. Era
necessário também compreender que os pais, neste momento, não poderiam, e nem
deveriam, receber a “missão” de serem os pedagogos, pois as famílias estabelecem uma
relação de natureza não pedagógica e neste sentido, isso implicaria uma série de situações
que sabemos não serem as mais ideais7, mas eram as possíveis para esta fase da nossa
história.

A construção do trabalho pedagógico na pandemia

Para levar o ensino de forma não presencial, a equipe precisou construir em pouco
tempo uma escola com um modelo de interação remota. Para o segmento que trabalha
com as crianças da Educação Infantil, volto a dizer que esta tarefa foi especialmente
desafiadora, mas os primeiros caminhos foram surgindo a partir do trabalho intenso de
todos os educadores envolvidos e também a partir de muitas trocas com profissionais da
Educação de várias partes de São Paulo, do Brasil e do mundo. Posso afirmar que
pudemos contar e participar de um grande movimento de trocas e construções coletivas.
Uma vez que muitos educadores estavam totalmente “online”, a quantidade de lives,
cursos, palestras, reuniões e mensagens cresceram muito. Todos com a única preocupação

7 Nos referimos aqui às situações que sabemos que podem “nascer” em casa na presença
dos pais que, aflitos com a falta da escola presencial na vida dos filhos, acabam oferecendo
caminhos nem sempre produtivos ou que comungam com a proposta pedagógica da escola.
Um exemplo são os pais que acabam comprando cartilhas para ajudar na alfabetização, o que
para nós é algo que pode atrapalhar o processo de aprendizagem das crianças e, apesar das
orientações que costumeiramente oferecemos às famílias, elas acabam cedendo ao que elas
sabem fazer para ajudar.
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de pensar juntos e construir uma escola possível para este tempo imprevisível que se
instalou na vida profissional (e pessoal) de todos.
A partir da troca e do conhecimento que eu, como coordenadora, busquei para
auxiliar a equipe com a qual trabalho e as crianças da escola, percebi que o principal
caminho no qual deveríamos apostar e seguir era o da manutenção dos vínculos, sempre
tão importantes para nós! Não poderíamos deixar a escola desaparecer da vida das
crianças, apesar de estarmos em um formato jamais imaginado. Foi então que, passado
aquele primeiro momento de negar a realidade, começamos a conceber as primeiras
estratégias de trabalho pedagógico e a oferecer às crianças situações de aprendizagem
possíveis.
Para levar a escola para dentro da casa das crianças, revisitamos (e desta vez com
um olhar ainda mais apurado) os princípios e valores do nosso projeto educacional no
intuito de não entregar algo que não éramos enquanto escola presencial. Não podíamos
correr o risco de alterar a nossa prática pedagógica só por estarmos no modo remoto, não
podíamos entregar uma escola que não acreditávamos só para cumprir exigências ou
ceder às pressões (pois estas também vieram de vários lugares). Nossa certeza maior, e
porque não dizer, a única que tínhamos desde o início: não iríamos entregar às famílias
uma escola falsa!
Mas o que significava não entregar uma escola falsa? Consistia em planejar e
desenhar propostas fundadas nas teorias que sustentam o nosso fazer pedagógico e
ancorar nossas decisões nos princípios que para nós são tão caros. Precisávamos levar até
as crianças um modo de aprender que seria diferente, mas deveríamos continuar com a
premissa de que na Educação Infantil as crianças aprendem e produzem conhecimento a
partir da sua própria experiência no mundo – segundo Dewey8 (2010), a criança constrói
sentido a partir dos seus vínculos práticos e emocionais. Paulo Fochi9 (2019) defende que
a criança “pega” tudo o que tem e coloca em tudo o que está se relacionando... ela vai

8 John Dewey (1859-1952) - filósofo norte-americano. Escreveu sobre filosofia e educação,


além de arte, religião, moral, teoria do conhecimento, psicologia e política. Seu interesse por
pedagogia nasceu da observação de que a escola de seu tempo continuava, em grande parte,
orientada por valores tradicionais, e não havia incorporado as descobertas da psicologia, nem
acompanhara os avanços políticos e sociais. Fiel à causa democrática, participou de vários
movimentos sociais. Criou uma universidade-exílio para acolher estudantes perseguidos em
países de regime totalitário. Morreu em 1952, aos 93 anos.

9Paulo Fochi – Pedagogo, Especialista em Educação Infantil pela Unisinos, Mestre e doutor
em Educação pela USP. É professor da Unisinos e coordena o Observatório da Cultura Infantil
– OBECI. Também foi consultor na Base Nacional Comum Curricular da Educação Infantil.
19

entender e ajustar a partir da sua relação com o mundo e não sentada em uma cadeira com
alguém apresentando um processo de repetição, respondendo aos “pedidos” de um adulto
– ela vai e precisa construir por si mesma.
E é neste ponto que entra a escola que defendemos e a que pretendíamos continuar
levando até a casa de nossos alunos. Acreditamos que o espaço escolar é um espaço social
com uma função extremamente importante, não só para instrução, mas também para a
formação humana, pois ela é, como defende Peter Moss10 (2019), um lugar de encontros.
Lugar onde crianças e adultos, alunos e educadores, se relacionam com seus pares, com
os outros, com o mundo. A tarefa de ensinar, principalmente no segmento da Educação
Infantil, não funciona com instrução, de fora para dentro. A construção do conhecimento
se dá na relação de um sujeito predisposto a aprender sobre algo, sobre o mundo (relação
do seu mundo interno com o mundo externo) mas que precisa de mediação atenta e boas
condições, que não podem ser pobres e que precisam necessariamente dar abertura para
o mundo interno das crianças. O perigo de não promover boas condições de aprendizagem
é empobrecer a curiosidade e o desejo de aprender das crianças.
Se a ajuda oferecida não estiver conectada de alguma forma aos
esquemas de conhecimento do aluno, se não for capaz de
mobilizá-los e ativá-los e, ao mesmo tempo, forçar sua
reestruturação, não estará cumprindo efetivamente sua missão.
(ONRUBIA, 2009, p.125).

O espaço para vínculos importantes

Depois de muitos estudos, trocas e reflexões com outros educadores e dentro da


própria equipe, e depois de vencerem também o receio e os inúmeros desafios para lidar
com a tecnologia, as professoras iniciaram uma fase em que puderam estar mais
confiantes sobre o caminho a seguir. Inauguramos então o envio semanal de uma
coletânea de propostas e logo em seguida os encontros síncronos com as crianças.
Procuramos então, depois da escolha destas duas estratégias, levar até as crianças
situações didáticas que já faziam parte da rotina escolar presencial, para que de certa
forma, pudessem recorrer à memória, recordar e estabelecer relações com os momentos
vividos presencialmente a partir do tempo que estivemos juntos.

10Peter Moss – Pesquisador do Thomas Coram Research Unit e Professor da área de


Provisão da Primeira Infância, do Institute of Education, University of London, Reino Unido.
20

Na escola, as crianças têm contato com uma prática pedagógica que procura
apresentar situações de aprendizagem com significado, que estabelecem relação com os
contextos sociais, presentes fora da escola, na vida de cada um. Não oferecemos cenários
descontextualizados, que “não dizem nada” para as crianças pequenas, mas situações em
que elas conseguem estabelecer relações, levantar conhecimentos prévios sobre
determinado assunto, que possam pensar por si mesmas, narrar, explicar, opinar, entre
outras ações. Sendo assim, uma vez que as propostas enviadas para casa possuem relação
com o que costumam fazer na escola e com as práticas sociais, estas também conseguem
estabelecer ligação rápida com aquilo que as crianças também podem fazer em casa –
mudam-se os contextos, mas não muda o nosso propósito educativo11. Há muito mais
para se aprender na ponte escola-sociedade / escola-família do que estamos acostumados
a enxergar.
Nesta fase da construção do trabalho, estávamos de certa forma garantindo duas
vertentes que para nós são imprescindíveis: a relação com as propostas didáticas que as
crianças já estão acostumadas, conhecem e participam com motivação e o vínculo com
os colegas e professores, durante as conversas nos encontros online.

Sessão Simultânea de Leitura: um espaço para o vínculo, o sentir/pensar e a leitura


literária.

Colocarei agora uma lupa no trabalho realizado por nós para dar ênfase e poder
compartilhar a situação didática que nos motivou e que nos impulsionou a iniciar os
encontros síncronos. Foi através desta proposta, a Sessão Simultânea de Leitura, que
realizamos habitualmente no modo presencial, que pudemos garantir o primeiro encontro
virtual entre as crianças de um mesmo grupo, entre as crianças e sua professora e também
o encontro com um objeto que os pequeninos têm bastante intimidade, uma vez que

11 Por exemplo: se na escola as crianças contam os pincéis para serem entregues aos colegas
durante uma atividade de pintura, em casa podemos criar um contexto em que elas precisam
contar quantos copos são necessários para todos da casa tomarem café, ou contar os
ingredientes necessários para preparar uma receita sugerida pela professora. Se na escola as
crianças observam a professora durante a escrita de uma lista de personagens de histórias
conhecidos, em casa podem participar da escrita de uma lista com os itens para a compra no
supermercado ou lista com os afazeres diários da família durante aquele dia ou durante a
semana... ouvir histórias preferidas... ouvir músicas... sentar para ver um álbum de família e
conversar sobre o que viveram... etc.
21

convivem diariamente com ele nas classes da Educação Infantil: o livro, em especial, os
livros de literatura!
A Sessão Simultânea de Leitura12 é uma proposta didática que se insere dentro
das situações habituais de leitura literária por parte do professor, mas com uma variante:
todos os docentes da Ed. Infantil, no mesmo momento, leem um conto para as crianças
de distintas salas e de distintas idades, as crianças trocam interpretações acerca das obras
e logo recomendam oralmente os contos escutados para os companheiros de sua sala
habitual. Como as sessões se replicam no dia ou na semana seguinte, as crianças terão a
oportunidade de eleger uma nova obra na próxima sessão. Se forma assim um espaço
público de leitura e intercâmbio, uma comunidade de interpretação, onde os pequenos
vão construindo referências compartilhadas ao falarem juntos sobre os mesmos livros.
Além de ser uma proposta que faz parte da rotina da escola presencial, e por sinal
muito querida e esperada pelas crianças, decidimos iniciar o estabelecimento do nosso
vínculo virtual através da literatura e da conversa literária por alguns motivos: por ser
uma experiência narrativa que possibilita o contato com diversas emoções e sentimentos
(das crianças e seus professores), por acreditarmos que ela possibilita um espaço potente
para a imaginação, para pensar sobre a própria existência, para ajudar a suportar
experiências ruins e boas, construir a própria leitura de mundo, reconhecer que o mundo
é maior e diverso, por auxiliar na construção dos processos de singularização e por ser
um espaço fecundo de produção simbólica. Foi então que, com esta proposta agora no
modo remoto, estabelecemos como intenção da ação docente, três principais objetivos:
proporcionar situações de leitura literária de qualidade às crianças, estabelecer conversas
literárias após e durante a leitura das obras e manter os vínculos entre
crianças/educadores/famílias.
Quando lemos um livro de literatura para as crianças, nossa intenção pedagógica
é criar um espaço para que elas possam ler o texto (leitura feita através do professor, já
que ainda não são leitoras convencionais) e ler as imagens/ilustrações – que possam ter
um lugar de fala e de escuta garantidos. E assim, ler é abrir possibilidades para que as
crianças sintam, pensem e construam sentidos possíveis para a história a partir do seu
ponto de vista, das suas experiências e impressões. Ao ler um livro, o professor não fecha
sentidos e significados, mas encaminha uma conversa literária garantindo um espaço para

12Proyecto Acompañamiento a la Enseñanza en los Jardines de Infantes para fortalecer la


implementación curricular en Prácticas del lenguaje – Subsecretaría de Educación. Dirección
Provincial de Educación Inicial – Buenos Aires / Argentina.
22

que as crianças construam a sua leitura, para que façam a sua interpretação, para que
tomem a palavra, troquem, discordem, silenciem... partindo tanto das suas reflexões
individuais como das outras tantas leituras feitas e compartilhadas pelas outras crianças
– neste sentido, a leitura de cada um vai sendo ampliada pela leitura do outro,
ressignificada, formando novas camadas de sentido – o que difere totalmente de um viés
de acúmulo sem reflexão. Esta experiência nos confirma ainda mais a necessidade de
mantermos este vínculo (mesmo à distância), pois sabemos que precisamos continuar a
oferecer um espaço em que as crianças tenham a sua voz garantida.
Escutar, assim como ler, tem que ver, porém, com a vontade e
com a disposição para aceitar e apreciar a palavra dos outros em
toda sua complexidade, isto é, não só aquilo que esperamos, que
nos tranquiliza ou coincide com nossos sentidos, mas também o
que diverge de nossas interpretações ou visões de mundo.(...)
Construir significados com outros sem precisar concluí-los é
condição fundamental da escuta, e isso supõe a consciência de
que a construção de sentidos nunca é um ato meramente
individual. (BAJOUR, Cecília, 2012, p.24-25)

Para lermos verdadeiramente com o outro, é preciso escuta atenta, com abertura e
disponibilidade para receber e conhecer outras visões de mundo e pressupõe um interesse
genuíno de me abrir para o outro. Ler, desta forma que defendemos, significa atuar no
mundo a partir da minha construção legítima, que nasce do meu encontro com outras
pessoas que me afetam. Na escola, estando ela no modo presencial ou no modo remoto,
precisamos apostar e confiar nos encontros.
Concluímos, após o término do trabalho, que nossos objetivos foram alcançados.
Notamos que as crianças participaram com empolgação e alegria dos encontros
planejados, pois fizeram durante muitos momentos ao longo das leituras, comentários
interessados e curiosos acerca das narrativas e ilustrações, trocaram opiniões sobre
personagens e desfechos, demonstraram emoções diversas em relação ao desenrolar das
histórias e estabeleceram (mesmo à distância) uma parceria genuína com os demais
colegas e familiares que participaram também como leitores. Já o retorno dos pais foi
igualmente positivo, pois ao final da proposta a equipe recebeu inúmeros comentários e
elogios sobre a forma como planejamos e encaminhamos – muitos pais se colocaram
surpresos com a postura participativa e crítica das crianças durante as leituras, e ainda
destacaram a forma criativa como iniciamos o vínculo remoto com as crianças.
Além de toda esta intenção pedagógica que sustenta o ato de ler livros de literatura
para as crianças pequenas, apostamos que esta também seria uma boa estratégia para
23

conseguirmos criar neste momento uma reserva emocional e criativa para o reencontro
que teríamos na volta para a escola presencial... Sabíamos que o retorno seria novo,
diferente e que também precisaríamos contar com uma mobilização inédita. Muitos
educadores já concluíram a partir desta experiência que vivemos que a escola, mais do
que nunca, precisará ser reinventada... Teremos que encontrar tempo e espaço para
pensar: o que fica do período remoto? O que do antigo período presencial precisa ir
embora?
Com muito ainda a ser pensado, concluo este relato com a certeza que já estamos
Educadores diferentes e que, ao vivermos esse período de distanciamento social,
encontramos caminhos criativos para continuar com a nossa escola da maneira que nos
foi possível, entretanto, todo esse aprendizado precisará também ser acomodado e
“digerido” por toda a equipe para que possamos devolver na forma de novas construções.

Referências Bibliográficas:

BAJOUR, Cecilia. Ouvir nas entrelinhas: o valor da escuta nas práticas de leitura.
São Paulo: Pulo do Gato, 2012.

DAHLBERG, Gunilla; MOSS, Peter; PENCE, Alan. Qualidade na Educação da


Primeira Infância: Perspectivas Pós-Modernas. São Paulo: Penso, 2019.

DEWEY, John. Experiência e educação. São Paulo: Vozes, 2010.

FOCHI, Paulo. Mini-histórias: Rapsódias da vida cotidiana nas escolas do


observatório da cultura infantil – OBECI. Porto Alegre: Paulo Fochi Estudos
Pedagógicos, 2019.

MACEDO, Lino de; ASSIS, Bernadete Amêndola de. Psicanálise e Pedagogia. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.

MOLINARI, Claudia. Situación didáctica Sesiones simultáneas de lectura.


Documento de trabajo. Proyectos coordinados de Formación Continua DPEI y DFC.
Buenos Aires: DGCyE, 2012.

ONRUBIA, Javier. Ensinar: criar zonas de desenvolvimento proximal e nelas intervir. In:
COLL, César. et al. O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 2009.
24

Denise Aparecida de Paulo Ribeiro Leppos13


Sandra Fagionato Ruffino14
Cristina Aparecida Ferreira15
Solange dos Santos Pereira da Costa16

Resumo: Este trabalho tem por objetivo mostrar como as brincadeiras infantis são
importantes para a formação e o desenvolvimento do sujeito-criança. Durante o ano de
2020, fomos abarcados pela pandemia provocada pelo novo coronavírus (COVID-19).
As atividades presenciais na escola foram substituídas por vivências lúdicas e
atendimento remoto. Sabemos que essa não é a forma ideal de oferecer e oportunizar
aprendizagens às crianças, mas, nesse momento em que distanciamento foi essencial, essa
foi a maneira que encontramos para nos mantermos presentes e oferecer atendimento às
famílias, proporcionando momentos em família de qualidade. É importante salientar que
muitas famílias passaram por dificuldades (de várias ordens), nesse sentido, buscamos
propiciar vivências em que elas pudessem se esquecer das intempéries ocasionadas pela
pandemia que ainda assola nosso país. Neste relato de experiência, apresentaremos uma
sequência de vivências lúdicas que tiveram como eixo norteador as brincadeiras do nosso
tempo de infância. Tentamos, de diversas formas, estimular a participação das famílias
expondo a importância da história da sua família, do rememorar, do brincar, do explorar
entre outros aspectos, na formação desse sujeito-criança.

Palavras-chave: Brincar; Infância; História; Desenvolvimento infantil; Família.

Introdução
A experiência aqui relatada aconteceu no segundo semestre do ano letivo de 2020,
com crianças entre 2 e 3 anos em um C.E.M.E.I., na cidade de São Carlos. Insere-se no
contexto das atividades remotas realizadas no decorrer de 2020 em função da pandemia
causada pelo novo coronavírus.
Conforme disposto na Instrução Normativa 1/202017, foi proposto que
[...] os/as docentes e educadores(as) de creche da Educação Infantil,
incluindo as escolas particulares, conveniadas e filantrópicas,
planejarão e ofertarão orientações e encaminhamentos aos responsáveis

13
Prefeitura Municipal de São Carlos. E-mail: de_depaula21@hotmail.com
14
Prefeitura Municipal de São Carlos. E-mail: fagionato.sandra@gmail.com
15
Prefeitura Municipal de São Carlos. E-mail: crisapfer10@yahoo.com.br
16
Prefeitura Municipal de São Carlos. E-mail: sol_dos_santos@yahoo.com.br
17
Disponível em:
<http://www.saocarlos.sp.gov.br/images/stories/diario_oficial_2020/DO_30062020_1589.pdf>. Acesso
em: 21 de agosto de 2021.
25

pelas crianças, utilizando os meios e recursos possíveis e mais


adequados a esse momento. Para tanto, os/as docentes/educadores(as)
de creche e a gestão escolar devem seguir as seguintes normativas que
estão em consonância com a Resolução 001/2020 do Conselho
Municipal de Educação:
I – Manter e fortalecer o vínculo entre família e escola, utilizando
dos meios e recursos mais adequados para a comunicação e a
cooperação entre tais instituições;
II – Estabelecer contato semanal com os responsáveis ou familiares,
a fim de auxiliá-los e instruí-los quanto à rotina das crianças, mantendo
a experiência educativa;
III – Orientar as famílias de modo que elas se sintam apoiadas e
possam organizar momentos de trocas com os/as filhos/as, com
ações e brincadeiras significativas para o desenvolvimento e as
experiências de vida;
IV – Possibilitar aos pais a compreensão de que as crianças podem
ter aprendizagens diversas com os familiares adultos, diferentes
daquelas que ocorrem na escola com as/os docentes;
V – Sensibilizar os pais quanto à importância das brincadeiras,
ajudando-os a compreender que a aprendizagem e o desenvolvimento
se dão nos momentos em que as crianças dispõem de um tempo livre
para brincar, sozinhas ou com suas/seus irmãs/ãos (se tiverem), com
outras crianças que morem na mesma casa, ou mesmo com os adultos
que lhes são próximos (SÃO CARLOS, 2020, p.1, grifos nossos).

Não obstante, realizamos propostas de vivências lúdicas que, em alguma medida,


contemplavam esses direitos colocando em evidência a importância da participação da
família para o desenvolvimento das crianças. A experiência escolhida para relatar neste
trabalho é constituída por um conjunto de sequências de vivências lúdicas, as quais
integraram o rol de práticas vencedoras do Prêmio Educação Infantil 2021, são elas: i)
“Resgatando brincadeiras infantis”, ii) “Brincadeiras cantadas: relembrando a infância e
iii) “Pintando o sete: retratos de brincadeiras infantis”.

Objetivos
O escopo das vivências foi resgatar nas famílias as brincadeiras de infância e,
dessa maneira, reforçar os laços afetivos entre elas (crianças e famílias). Para tanto,
propusemos os seguintes objetivos específicos:
i) Proporcionar às crianças e às famílias momentos de descontração,
aprendizagens e desenvolvimento através de brincadeiras antigas.
ii) Ampliar o repertório cultural através das cantigas de roda que fazem parte da
cultura popular brasileira.
26

iii) Ampliar o repertório cultural artístico por meio da exploração das obras de
artes de alguns pintores brasileiros que retratam ou retrataram em telas as
brincadeiras populares (de roda, de rua etc.).
iv) Desenvolver a coordenação motora fina e grossa bem como noções de espaço,
de tempo e de ritmo.
v) Estimular a criatividade e a imaginação por meio de brincadeiras e músicas.

Descrição do Caso
A primeira sequência de vivências lúdicas se deu em cinco etapas: i) enviamos
vídeos curtos explicando que já fomos crianças e qual brincadeira mais gostávamos
quando pequenas. A primeira brincadeira foi “bolinhas de sabão”; ii) a segunda
brincadeira sugerida foi “esconde-esconde”; iii) a terceira foi “subir em árvore”, iv) a
quarta “bobinho” e, por último, v) orientamos os adultos da família a conversarem com a
criança dizendo que já foram crianças e que contassem a elas as histórias de suas infâncias
– onde moravam, com quem moravam, se tinham irmãos e do que gostavam de brincar.
Depois, pedimos que ensinassem uma brincadeira de seu tempo de infância para a criança.
A segunda sequência de vivências lúdicas, cujo objetivo foi, além de todos já
citados anteriormente, a ampliação do repertório sobre cantigas de roda que fazem parte
da cultura popular brasileira. Foram enviados às famílias vídeos com
cantigas/brincadeiras que nós professoras gostávamos quando crianças: “Batatinha frita
um, dois, três!”; “Caranguejo não é peixe”, “De abóbora faz melão” e “O caminhão de
laranja”. As famílias receberam orientações para explorarem estas e outras cantigas com
as crianças durante a semana, conforme as etapas seguintes: i) pedimos que a família se
reunisse e explicasse para a criança que fariam brincadeiras com cantigas. Se fossem fazer
uma brincadeira de sua infância, que contassem a ela esse detalhe. Se fosse uma
brincadeira sugerida por nós professoras, que dissessem qual professora gostava de
brincar assim. Isso foi importante para contextualizar e fazer com que a criança
percebesse que cada pessoa tem uma história de vida e estimular a conversa em família,
ii) em outro momento, pedimos que dançassem ou brincassem com a criança
apresentando os movimentos tradicionais da cantiga a fim de preservar a cultura, mas
valorizando os movimentos espontâneos da criança e iii) por fim, sugerimos que
registrassem as brincadeiras de rodas desenvolvidas com as crianças e que comentassem
como tinha sido a experiência no grupo de WhatsApp da turma.
27

A terceira e última sequência de vivências lúdicas desse conjunto aconteceu em


quatro etapas, conforme descritas a seguir: i) primeiramente, enviamos às famílias, vídeos
em que falávamos um pouco sobre artistas/pintores e suas obras, a saber: Ivan Cruz,
Cândido Portinari18 e Ricardo Ferrari19. Também disponibilizamos algumas imagens de
suas obras que retrataram brincadeiras populares em suas telas. Orientamos as famílias
que mostrassem as imagens às crianças e conversassem sobre o que estavam vendo por
meio de perguntas, como por exemplo: O que você está vendo na imagem? São crianças
como você? O que as crianças estão fazendo? Ah, estão brincando... de quê? Será que
estão gostando? Por que você acha isso? entre outras; ii) após observarem as imagens,
sugerimos que o adulto perguntasse à criança qual a sua brincadeira preferida e o porquê.
Era importante que o adulto oportunizasse situações de diálogo; procuramos sempre
explicar às famílias que as conversas eram importantes para o desenvolvimento da fala e
ampliação do repertório vocabular, iii) escolhida a brincadeira preferida, foi o momento
em que criança e adulto fariam uma pintura para representá-la. A pintura poderia ser feita
como quisessem e com os materiais que tivessem disponíveis. As famílias foram
orientadas a estimular na criança a tomada de decisão e de escolha dos materiais. O
ajudante da criança poderia disponibilizar todo material que tivesse em casa e pedir para
que a criança escolhesse e a estimulasse a fazer o seu próprio desenho e iv) a pintura da
família seria enviada para as professoras a fim de compor uma exposição artística virtual.
Para ajudar as famílias, enviamos vídeos com sugestões de materiais que poderiam ser
utilizados para preparar tintas caseiras, de modo que, a família pudesse participar mesmo
se não tivesse tinta guache, por exemplo.
Salientamos que cada uma de nós professoras gravamos um vídeo pintando nossa
brincadeira preferida, cada uma utilizando um tipo de material bem diverso e de fácil
acesso (lápis de escrever, tinta guache, tinta caseira e pintura com bolha de sabão) para
que as famílias fossem incentivadas. Vale ressaltar que em nossas propostas o uso de
materiais sempre foi diverso, pois conhecemos a realidade das nossas famílias e nem
todas compartilham de alguns equipamentos. Sempre que sugeríamos algo, dávamos

18
Ver: AIDAR, Laura. Portinari - Kids. In.: TodaMatéria. 2010. Disponível em:
https://www.todamateria.com.br/portinari-kids/. Acesso em 07 de agosto de 2020.
19
Para mais informações, ver: Revista Prosa Verso e Arte. A criança é eterna nas pinturas de Ricardo
Ferrari. Fonte das pinturas: EF Errol Flyn (Galeria de Arte). s/d. Disponível em:
https://www.revistaprosaversoearte.com/a-crianca-e-eterna-nas-pinturas-de-ricardo-ferrari/. Acesso em
07 de agosto de 2020.
28

outras possibilidades para que todos pudessem, à sua maneira, participar das propostas
sem constrangimentos.

Discussão
As mudanças necessárias em decorrência da pandemia que resultou no trabalho
remoto aconteceram de forma rápida e a adaptação demandou tempo. Contudo,
aproveitamos o momento para aprender e conhecer recursos novos, a produzir e editar
vídeos, pois foi essa a forma que encontramos para nos mostrar às crianças, para elas não
nos esquecerem e mantermos o vínculo. As vivências foram desafiadoras e ao mesmo
tempo encantadoras, tanto para nós professoras quanto para as famílias de nossas
crianças. Num momento em que o distanciamento se fazia necessário, tentamos com
nossas experiências resgatar esses laços em família e, de algum modo, fazer-nos presente
na vida das crianças.
Em um momento tão difícil como este que vivenciamos, apostamos na
necessidade de reforçar ou resgatar os vínculos familiares. Nesse sentido, nossa sequência
de vivências sobre “brincadeiras da nossa infância” buscou enfatizar como os laços
familiares são primordiais para o desenvolvimento cognitivo e social da criança. Elas
mostraram não apenas às famílias, mas para nós professoras também, a importância do
trabalho em conjunto (professores + família + comunidade). Esse trabalho uniu as pessoas
independentemente de classe social, etnia, sexo etc., ensinou-nos que todos temos uma
história e que ela deve ser respeitada, ensinou-nos a ter empatia para com o próximo. Ele
foi que um projeto escolar, cumpriu uma função social.
As brincadeiras realizadas contribuem para o desenvolvimento de competências e
habilidades nas crianças, a saber: i) brincar de “bobinho” auxilia no desenvolvimento da
coordenação motora, do equilíbrio e da força muscular, além de trabalhar com
sentimentos de frustração e de superação; ii) ao brincar de fazer “bolhas de sabão”,
assoprando, a criança treina os músculos usados na fala e aprende a controlar o ar ao falar,
melhora a respiração e, consequentemente, a pronúncia das palavras, pois o movimento
de sopro é muito importante para o desenvolvimento da fala, iii) brincar de “esconde-
esconde” auxilia no desenvolvimento da criatividade, do raciocínio e da estratégia por
parte das crianças. A brincadeira exige que ela pense onde poderá se esconder, escolher
os locais mais adequados, relacionar seu tamanho com o espaço onde está, imaginar onde
a outra pessoa pode estar e iv) ao brincar de “subir em árvores”, ou pelo menos tentar
subir nelas, as crianças exploram o próprio corpo e o espaço, ajudando, desta forma, no
29

desenvolvimento motor, no controle da força, dos movimentos e na superação de


desafios. Além disso, aproxima as crianças da natureza: elas experimentam diferentes
texturas, odores, sentem o vento etc.
A criança enquanto sujeito social também é produtora de cultura, nesse sentido,
“a brincadeira infantil [pode] ser filiada ao folclore, pela oralidade. Considerada como
parte da cultura popular” (KISHIMOTO, 2017, p. 38), uma vez que, ela (a criança) pode
(re)produzir e criar novas culturas, novas tradições entre os pares. Desse modo,
Muitas brincadeiras preservam sua estrutura inicial, outras
modificam-se, recebendo novos conteúdos. As forças de tais
brincadeiras explica-se pelo poder da expressão oral. Enquanto
manifestação livre e espontânea da cultura popular, a brincadeira
tradicional tem a função de perpetuar a cultura infantil,
desenvolver formas de convivência social e permitir o prazer de
brincar (KISHIMOTO, 2017, p. 38-39).

Conceber o brincar enquanto parte estruturante na formação de crianças bem


pequenas é muito importante, pois a partir das brincadeiras é possível oportunizar
momentos de tomada de decisão por parte das crianças, perceber as regras explícitas e
implícitas dos jogos propostos etc. Vale salientar que o brincar não é intrínseco, a criança
não nasce sabendo, ela precisa ser ensinada, ou seja, precisa aprender a brincar
por meio das interações com outras crianças e com os adultos, [pois ao entrar] em contato
com objetos e brinquedos, certas formas de uso desses materiais observando outras
crianças e as intervenções da professora, ela aprende novas brincadeiras e suas regras.
Assim, ela vai garantindo a circulação e preservação da cultura lúdica (KISHIMOTO,
2010, p. 1-2).
Assim, o que pudemos perceber é que as crianças tiveram contato com diversas
experiências que oportunizaram e garantiram a exploração sensorial, como foi o caso da
brincadeira “bobinho” e da “bolha de sabão”. A criança teve contato com texturas
diferentes, cheiros, formas, cores etc. Além disso, as crianças tiveram contato com
brincadeiras como “bolha de sabão”, na qual elas puderam, por exemplo, soprar uma
mistura de água com sabão, produzindo bolhas de diversos tamanhos, formas e cores. “O
poder expressivo da brincadeira faz a criança compreender como ela cria tais situações
ao agir sobre os objetos. Assim, ela vai conhecendo o mundo, pela sua ação e pelos
sentidos: uma bolinha de sabão que voa longe ou se espatifa no chão” (KISHIMOTO,
2010, p. 6).
30

A brincadeira “subir em árvore” (individual) e “esconde-esconde” (coletiva)


promove uma experiência que estimula a confiança de si e do outro. De acordo com
Kishimoto (2010, p. 8), “o desconhecimento de brincadeiras pode levar a criança a
afastar-se do grupo. Ela precisa adquirir confiança para brincar com as outras” e, nesse
sentido, o brincar vai além do deixar a criança livre para fazer o que quiser, tornando-se
um momento de aprendizagem sem pedagogização.
As famílias puderam reviver as brincadeiras de infância, conhecer e praticar novos
jogos com as crianças e também compartilhar com os filhos e filhas as memórias de sua
infância, como podemos perceber nos relatos a seguir:
“Nossa, revivi minha infância, brincava mto com minhas irmãs!!! Tempo bom, que não
volta!!” (Relato de uma mãe sobre a brincadeira caminhão de laranja).
“Nunca vi. Gostei assim por alguns milésimos de segundo minha linda e adorável ágata
fica parada e em silêncio kkkkk” (Relato de uma mãe sobre a brincadeira batatinha frita
que propõe ficar estátua).
“Hoje ensinei para a Maria Rita e para o Miguel a brincadeira que eu amava e se chama
‘Elefantinho colorido’. Foi bem gostoso, mas depois acabamos brincando de pega-pega
e os cachorros tb entraram na dança...rs. Brinquei muito de elefantinho colorido na rua
da minha casa que era cheinha de crianças...bons tempos!”
Sobre a participação das famílias, inicialmente, tivemos mais participações e
interação no grupo de WhatsApp da turma. Aos poucos, esse envolvimento deixou de ser
uma constante e se tornou esporádica. Algumas mães, entretanto, relatavam-nos que
apresentavam às crianças os materiais em suas horas de folga, uma vez que, elas
continuaram trabalhando fora do lar. Já outras mães disseram que tinham dificuldades em
realizar as vivências com seu filho ou filha, pois cada dia a criança ficava com uma pessoa
(ente da família, vizinho, amigo etc.) para que ela pudesse trabalhar.
Ressaltamos que sempre nos dispusemos a ajudá-las no que fosse possível e no
que estivesse ao nosso alcance, estimulávamos a participação, perguntávamos se estavam
com dificuldades, se sim, quais, para que pudéssemos adequar nossas estratégias e
incentivar a realização das vivências lúdicas. Ao longo dos meses, também fomos
adequando nosso discurso para podermos atingir ainda mais as famílias, tal adequação
não se deu no sentido de menosprezar ou de inferiorizá-las, mas para que pudéssemos
mostrar o quão importante eram essas propostas para o desenvolvimento das crianças;
passamos a apontar nas experiências, como aquelas vivências ajudavam na ampliação do
repertório cultural, da oralidade, da coordenação motora etc.
31

Conclusões
Durante a pandemia, buscamos meios possíveis e acessíveis para nos
aproximarmos das famílias das nossas crianças, por meio do grupo de WhatsApp da
turma. Salientamos que não enviaríamos atividades para as crianças realizarem, mas sim
vivências lúdicas com práticas cujos objetivos seriam o de proporcionar às crianças e às
famílias momentos de descontração, de aprendizagens e de desenvolvimento através de
brincadeiras, musicalização, expressão corporal etc. Cabe ressaltar que todos os
materiais e os recursos utilizados para a realização das propostas partiram daquilo que as
famílias já possuíam em casa (como por exemplo: gravetos, folhas, prendedor de roupas
entre outros suportes encontrados na natureza, no quintal de casa) sem a necessidade de
gastarem, uma vez que, em algumas famílias algum membro havia perdido o emprego ou
estavam passando por problemas financeiros.
A ideia da sequência surgiu porque queríamos, de algum modo, aproximar-nos
das famílias e mostrar o quão importante estavam sendo para o desenvolvimento de
seus/suas filhos/as. Observamos que ao contarmos nossas experiências e nossas histórias,
as crianças e as famílias sentiram-se mais motivadas e mais próximas da gente e isso
influenciou positivamente na participação delas em nossas vivências lúdicas.
Em todo momento do trabalho remoto, buscamos oportunizar práticas em que os
direitos de aprendizagens de conviver, de brincar, de participar, de explorar, de expressar
e de conhecer-se, recomendados pela BNCC20, estivessem presentes. No trabalho em
questão, eles apareceram em diversos momentos, por exemplo: nas brincadeiras
propostas, na contação de histórias, nas músicas cantadas, nas mensagens de vídeo e de
áudios gravadas e enviadas via WhatsApp etc. O direito de conviver talvez tenha sido o
menos possibilitado, posto que nos encontrávamos num momento em que o
distanciamento e o isolamento social se fazia necessário.
Assim como buscávamos garantir os direitos de aprendizagens em nossas práticas,
os campos de experiências também foram contemplados, ora com ênfase em alguns ora
em outros. Todos os campos estiveram presentes na experiência aqui apresentada, já que
sempre os julgamos imprescindíveis para o desenvolvimento social, motor, cognitivo e
emocional da criança.

20
Ver: BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Disponível em:
<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf>. Acesso
em: 02 jun.2020.
32

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes


Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília: MEC, SEB, 2010.

KISHIMOTO, Tizuko. Brinquedos e brincadeiras na educação infantil. In.: Anais do I


Seminário Nacional: Currículo em Movimento - Perspectivas Atuais. Belo Horizonte,
2010. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2010-pdf/7155-2-3-
brinquedos-brincadeiras-tizuko-morchida/file. Acesso em: 02 de setembro de 2020.

KISHIMOTO, Tizuko (Org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 14. ed. São
Paulo: Cortez, 2017.

SÃO CARLOS. Instrução Normativa no 1 de 24 de junho de 2020. In.: Diário Oficial


de São Carlos. Ano 12, no 1589. Publicado em: 30 de junho de 2020. Disponível em:
http://www.saocarlos.sp.gov.br/images/stories/diario_oficial_202
0/DO_30062020_1589.pdf. Acesso em: 21 de agosto de 2021.
33

Elaine Cristina Florencio Sala21


Camila Milan Paulo Pizzocaro22
Priscila Domingues de Azevedo23

Resumo: O presente relato tem como objetivo apresentar os resultados de uma


experiência de leitura realizada de forma remota com crianças na faixa etária de 4 anos
de um Centro Municipal de Educação Infantil de São Carlos/SP, que visou orientar as
famílias, sobre a questão dos perigos dentro de casa, utilizando a literatura como uma
importante ferramenta de reflexão social. Para a realização desta vivência foi utilizado o
livro Infantil “Não me toca seu Boboca!” de Andrea Viviana Taubman, que destaca o
tema abuso sexual. Refletindo sobre o atual momento pandêmico devido ao covid-19,
escolas fechadas, as famílias em isolamento enfrentando diversos problemas sociais,
crianças vulneráveis a tantos riscos em casa, consideramos de extrema importância
trazer esse assunto através da literatura infantil. Para a realização desta prática, neste
momento de atividades não presenciais, e possibilitar uma interação com as crianças,
marcamos um encontro pela plataforma do Google Meet para a leitura da história e a
realização da brincadeira de caretas. A proposta da vivência Literatura infantil em
período remoto, contribuiu de forma significativa para a discussão da questão da
vulnerabilidade (abuso sexual), incorporando reflexões sobre as diferentes dimensões do
cuidar.

Palavras-chave: Educação infantil; Literatura Infantil; Vulnerabilidade; Trabalho


Remoto.

21
Prefeitura Municipal de São Carlos. E-mail: elaine.sala@professor.saocarlos.sp.gov.br
22
Prefeitura Municipal de São Carlos. E-mail: camila.pizzocaro@professor.saocarlos.sp.gov.br
23
Unidade de Atendimento à criança - UAC/UFSCar. E-mail: priazevedo@ufscar.br
34

INTRODUÇÃO

Desde o nascimento, as crianças vivenciam em seu contexto familiar situações


comunicativas de linguagens, que ao longo de seu desenvolvimento são construídas e
aprimoradas através de interações. Além do ambiente familiar, a instituição de Educação
Infantil é outro espaço em que as crianças possuem a oportunidade de vivenciar e fazer
diferentes leituras de mundo, ler diferentes tipos de textos portadores de conteúdos e
principalmente ler sem saber ler.

As experiências com a leitura infantil, propostas tanto no espaço familiar como


no espaço da Educação Infantil, ampliam o conhecimento de mundo através das contações
de histórias, vivências significativas que contribuem para desenvolver o gosto pela leitura
e que estimulam a criatividade e a imaginação dos bebês e das crianças.

O contato da criança com o mundo da literatura infantil e a articulação entre as


linguagens devem ser iniciadas e favorecidas com o objetivo de promover uma educação
que acolha, que reconheça a criança como um sujeito em desenvolvimento pleno e
integral, nas suas singularidades e diversidades.

Para Zabalza (1998), é importante suscitar ambientes que propiciem a


participação das crianças em situações comunicativas de linguagem, através de interações
entre educador-criança, criança-criança, que a faça colocar em jogo todo seu repertório.

Não resta dúvidas de que contar histórias na Educação Infantil, contribui com
a formação global da criança. Tal prática, além de favorecer a relação afetiva
da criança com o livro desde a mais tenra idade, proporciona momentos de
prazer, desperta a curiosidade, criatividade, fantasia e a imaginação. (COSTA;
VALADEZ, 2007, p. 172)

O momento da escuta de uma história é tão significativo e amplo, é adentrar em


um mundo imenso de conflitos, de dificuldades, de impasses, de soluções, que todos
atravessamos e vivemos, e nos identificamos e somos confrontados com as situações
resolvidas ou não pelas personagens de cada história. Situações que nos auxiliam a
enfrentar e esclarecer e encontrar caminhos para resolver nossos conflitos.
(ABRAMOVICH, 1998).
35

Mesmo no contexto atual de pandemia da covid-19, isolamento social, atividades


não presenciais, procuramos através de vivências virtuais manter as crianças em contato
com a literatura infantil, pois sabemos que muitas não possuem um ambiente favorável à
leitura em casa. Uma forma de interagir e ajudá-las a atravessar esse momento com leveza
e prazer, foi promovendo momentos de leitura e utilizando recursos tecnológicos como a
plataforma do Google Meet, para encontros síncronos, com o objetivo de dialogar sobre
conflitos que muitas vezes se assemelham à realidade social, no atual momento de
isolamento e assim garantir e criar situações de aprendizagens para que as crianças
aprendam, possam desempenhar um papel ativo diante de situações conflitantes,
sentirem-se encorajadas a resolvê-los e assim construam significados sobre si, os outros
e o mundo social e natural e assim seus direitos de aprendizagens estarão garantidos:

Participar ativamente, com adultos e outras crianças, tanto do planejamento


da gestão da escola e das atividades propostas pelo educador quanto da
realização das atividades da vida cotidiana, tais como a escolha das
brincadeiras, dos materiais e dos ambientes, desenvolvendo diferentes
linguagens e elaborando conhecimentos, decidindo e se posicionando.
Expressar, como sujeito dialógico, criativo e sensível, suas necessidades,
emoções, sentimentos, dúvidas, hipóteses, descobertas, opiniões,
questionamentos, por meio de diferentes linguagens (BRASIL, 2018, p. 2 –
grifo das autoras).

A pandemia da Covid-19 agravou os conflitos domésticos, as situações de risco


social e vulnerabilidade em muitas famílias, que tiveram não só sua liberdade privada,
mas tantas outras coisas e áreas de sua vida foram violadas: dificuldade financeira,
sensação de insegurança afetiva e emocional, aumento do uso de drogas lícitas e ilícitas,
altas taxas de violência doméstica, sexual e física e tantas outras situações as quais muitas
crianças estão vivenciando caladas e sozinhas. E o nosso papel enquanto educadores,
mesmo com o distanciamento social e instituições de Educação Infantil fechadas, é
orientar essas famílias e assegurar que os direitos e a proteção de nossas crianças sejam
mantidos e assegurados.

De acordo com o Art. 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8069


de 13 de julho de 1990): “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de
qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
36

crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou


omissão, aos seus direitos fundamentais” (BRASIL, 1990).

Foi pensando nestas situações de risco em especial no abuso sexual, que


preparamos um encontro virtual com nossas crianças e pais para dialogar e abordar de
maneira lúdica e leve, utilizando a literatura infantil, esse assunto tão importante e assim
prevenir e orientar os pais sobre os perigos que possam estar rondando sua casa.

OBJETIVOS

A vivência proposta teve como objetivos: propiciar um momento de reflexão à


criança, colocando-a em situação de conflito, pois a partir da leitura proposta ela pôde
entrar em contato com a linguagem oral e escrita; suscitar o gosto pela leitura;
desenvolver a concentração, imaginação e oferecer informação sem perder o
encantamento próprio da literatura infantil; permitir que a criança expresse suas opiniões,
aprenda sobre diferentes emoções e compreenda e reflita melhor seus próprios
sentimentos a partir daquilo que as personagens do livro vivem.

METODOLOGIA

Em decorrência da atual situação pandêmica que vivemos desde meados de março


do ano de 2020, o contato com crianças de 4 anos, matriculados num Centro Municipal
de Educação Infantil da cidade de São Carlos/SP, passou a ocorrer de forma remota,
intermediado pelas famílias.

Semanalmente enviamos sugestões de atividades para que as famílias, dentro de


suas possibilidades, realizassem em caráter colaborativo com as crianças, ou seja, não é
obrigatório. Essas sugestões foram inicialmente publicadas no Blog da escola e depois,
diante da demanda das famílias, também disponibilizadas em grupo via WhatsApp.

Pensando em melhorar o contato com as crianças e manter uma interação mesmo


que virtual, optamos também por realizar encontros síncronos semanais com a turma e
nosso relato de experiência surgiu em um desses encontros.

Sabemos que muitos pais retornaram aos seus trabalhos e antes de iniciarmos os
encontros síncronos, checamos com as famílias quem tinham acesso à internet, qual era
o interesse das mesmas para esta atividade e qual horário facilitaria sua participação.
Obtivemos boa receptividade das famílias em participar dos encontros síncronos, que
37

ocorriam no período da noite, já que foi uma demanda das mesmas, visto que a maioria
trabalhava e não conseguia acompanhar as crianças em outro horário.

Os encontros tinham duração de aproximadamente 30 minutos e ocorriam pela


plataforma do Google Meet e as crianças sempre eram acompanhadas por um
responsável. O link de acesso à plataforma era enviado às famílias, alguns minutos antes
dos encontros, por segurança, para que não houvesse invasão na chamada de vídeo,
através do grupo de WhatsApp da turma, que era nosso principal canal de comunicação
com as famílias.

As propostas dos encontros além de aproximar as crianças mesmo que


virtualmente foi orientar sobre situações que merecem cuidado como respeitar o
isolamento, manter uma rotina diária com as crianças e formas de se prevenir contra
situações de perigo. Num desses encontros realizamos a leitura do livro Infantil “Não me
toca seu Boboca!” publicado em 2020, pela editora Eletria, escrito por Andrea Viviana
Taubman e ilustrado por Thais Linhares, que destacam o tema abuso sexual.

Figura 1 – Capa do livro trabalhado no encontro

Fonte: Acervo pessoal das autoras (2021).


38

O livro usado para esta vivência “Não me toca seu Boboca”, aborda o tema do
abuso sexual de forma simples, leve e natural. A personagem Ritoca conta uma situação
que passou, quando um “tio” aparentemente bonzinho se tornou seu vizinho e cativou
todos seus amigos do bairro, com brincadeiras e presentes. Mas não demorou muito para
que o “tio Pipoca”, como era chamado, convidasse a turma para uma tarde de diversão
em sua casa, mas com a condição: não contar para ninguém! Muito esperta Ritoca logo
percebeu que tinha algo de errado, que esse tal de Pipoca estava mal-intencionado.
Quando tocou em sua orelha com a desculpa de olhar os brincos, tocou em seu pescoço
dizendo para não ficar assustada porque queria ver seu pingente, Ritoca logo percebeu
que essas atitudes eram imprudentes e diz: “O nosso corpo é um tesouro que devemos
tratar cuidadosamente. Se for de um sujeito suspeito ninguém deve tocar na gente” (2017).
Percebendo que estava sendo assediada Ritoca começa a gritar “Não me toca seu Boboca”
e sai correndo, seus amigos assustados percebendo que alguma coisa de errado tinha
acontecido também saem correndo da casa do Boboca. Os gritos da coelha foram ouvidos
por todos e o seu Boboca até tentou fugir, mas não conseguiu escapar.

O encontro tornou-se um pesadelo, mas felizmente Ritoca percebeu as intenções


deste desconhecido e salvou toda a turma, que conseguiram escapar de uma violência
sexual.

Antes de realizar a leitura, conversamos com as cinco crianças presentes no


encontro e explicamos que era muito importante que prestassem atenção e ao final elas
teriam a oportunidade de falar, então era necessário desligar os microfones, para que todos
pudessem ouvir. Todos respeitaram as orientações da professora que ao final perguntou:

“Quem gostou da história?” Todos responderam juntos - “Eu!”

“O que você mais gostou?”

Alguns responderam: Da Ritoca!

“ Por que vocês gostaram da Ritoca?”

Criança x: “Gostei porque ela ajudou os amigos a fugirem do Boboca.”

“ Então o Boboca era do mal?”

Todos responderam: Sim!!!


39

A professora também perguntou às crianças o que elas fariam se fossem a Ritoca,


ou seja, como agiriam se uma situação como a ocorrida na história acontecesse com ela.
Algumas crianças responderam que sairiam correndo, outra disse que também gritaria.
Durante este diálogo uma mãe disse “O certo é não ir na casa de pessoas que não
conhecemos” e “Contar sempre as coisas para os pais”. A intervenção da mãe contribuiu
muito para complementar as discussões, pois com base nesta fala as professoras
orientaram as crianças sobre os perigos que podemos encontrar ao ir na casa de pessoas
desconhecidas, sozinhas, sem consentimento de um responsável e permitir que um
estranho toque seu corpo, como devemos reagir nestas situações de perigo e para quem
devemos contar. As perguntas foram realizadas para orientar as discussões e para verificar
se as crianças perceberam o enredo da história, o que o Boboca pretendia fazer. Para
finalizar a professora sempre faz uma brincadeira e neste dia foi proposto fazer caretas
para espantar os bobocas. Foi um momento divertido, as crianças e suas famílias fizeram
várias expressões faciais, indicando descontentamento sobre o tema, caras e bocas e até
expressões orais foram emitidas por eles, como forma de protesto e militância a favor do
respeito ao corpo e a sexualidade de cada indivíduo.

Figura 2 – Print da tela do encontro – momento de contação de história, diálogo,


interações e brincadeira.

Fonte: Acervo pessoal das autoras (2021).


40

Ao final do encontro, também enviamos, via grupo de WhatsApp da turma, o livro


em formato PDF e orientamos as famílias para que, na medida do possível, fizessem
novamente a leitura com as crianças em casa.

DISCUSSÃO

Consideramos o tema de muita importância, especialmente no período da


pandemia da covid 19. Mesmo que as crianças tenham 4 anos de idade é importante tratar
de abuso sexual, elas precisam saber como reagir em determinadas situações. Se a
instituição de Educação Infantil oportunizar momentos para que as crianças sejam
participativas, estaremos prevenindo que crimes dessa natureza ocorram e impedindo que
a violação dos direitos humanos, entre eles impedir que violência contra crianças e
adolescentes aconteçam.

Essa discussão se insere na temática das dimensões do cuidar, ultrapassa a visão


higienista do cuidado e traz uma visão plural do tema, respeitando a dignidade e
singularidade das crianças, tornando-as conscientes e autônomas para lidarem com
situações adversas.

CONCLUSÕES

Através da vivência programada com as famílias para a realização da leitura da


história “Não me toca seu Boboca!” e do diálogo sobre o tema abuso sexual, foi possível
perceber que os objetivos propostos foram alcançados, pois observamos que as crianças
gostaram muito das personagens e quando foram convidadas a abrirem seus microfones
para falarem, demonstraram que reconhecem o perigo abordado na história, enalteceram
positivamente a atitude da personagem e destacaram que agiriam da mesma forma,
demonstrando serem capaz de resolver uma situação conflituosa, com a ajuda de um
adulto.

Os pais que estavam presentes também destacaram que o livro abordou uma
situação conflitante e importante, já que muitos estão trabalhando e tem que deixar seus
filhos com terceiros. Todos que participaram do encontro demonstraram satisfação, em
41

especial as famílias que agradeceram o alerta e a preocupação dos professores com a


segurança e proteção de seus filhos.

Reflexões sobre as dimensões do cuidar, envolvendo o próprio corpo, refletiram


positivamente nas falas das crianças e das famílias.

REFERÊNCIAS

ABRAMOVICH, F. Literatura infantil, gostosuras e bobices. São Paulo: Saipione,


1998.

BRASIL. Lei n. 8.69, de 13 de julho. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente


e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 16 Jul. 1990. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm#:~:text=Art.%205%C2%BA%20N
enhuma%20crian%C3%A7a%20ou,omiss%C3%A3o%2C%20aos%20seus%20direitos
%20fundamentais. Acesso em: 26, set. 2021.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.


Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase/#infantil. Acesso em: 26
set. 2021.

COSTA, P. L.; VALDES, D. Ouvir e Viver História na Educação Infantil: um direito


da criança. São Paulo: Alínea, 2007.

TAUBMAN, A. Não me toca seu Boboca. Aletria, 2017.

ZABALZA, M. A. Os dez aspectos chaves de uma educação infantil de qualidade. In:


_______. Qualidade em Educação Infantil. Porto Alegre, RS; ArtMed, 1998.
42

Priscila Domingues de Azevedo24


Resumo
Este relato é referente à experiência com crianças do Grupo 2 da Unidade de Atendimento
à Criança – UAC/UFSCar, do período da manhã, que por conta da pandemia da COVID-
19 estão realizando as propostas da turma de forma síncrona e assíncrona. A primeira
proposta do 2º semestre de 2021 foi com o tema cuidado. Quinze famílias receberam por
escrito várias propostas, como gravar um vídeo da criança falando o que é cuidado para
ela, quem cuida dela, de quem e do que ela cuida e como ela é cuidada. Foi proposto
também que elas brincassem de faz de conta em suas casas e criassem situações em que
o cuidado estivesse presente. Por fim, a última proposta foi que a criança representasse a
partir do desenho, situações de cuidado. Na outra semana, as crianças, no encontro
síncrono, apresentaram e explicaram para a professora e seus colegas suas produções
artísticas. Além disso, a professora contou a história “Quero colo” de Stela Barbieri e
Fernando Vilela. A experiência mostrou que as crianças sabem e vivem o que é cuidado.
Suas falas e registos surpreenderam os adultos, elas se mostram potentes e protagonistas
nas relações de cuidado que vão muito além da cultura higienista.
Palavras-chave: Cuidado; Educação Infantil; criança.

[...] Cuida com cuidado, da impaciência


Cuida com cuidado, da solidão
Cuida com cuidado, da violência
Cuida com cuidado, da dispersão
Cuidado com o bullying na escola
Cuidado com o mundo das drogas
Cuidado com a distância
Cuidado com a intolerância
Mas sem paranoia, cuida com carinho
Sem paranoia, cuida do caminho
Sem paranoia, cuida com afeição
Sem paranoia, prestando atenção
Sem paranoia, cuida com cuidado
Sem paranoia, fica lado a lado
Sem paranoia, cuida com amor
Sem paranoia, cuida com humor [...]
(Palavra Cantada - Compositores: Paulo Tatit / Ze Tatit, 2017)

24
Unidade de Atendimento à criança – UAC/UFSCar. Email: priazevedo@ufscar.br
43

Esse relato de experiência começa com uma epígrafe, trecho da música “Cuida
com cuidado” do grupo Palavra Cantada, que nos faz refletir e ampliar nosso conceito do
que é cuidado.
Cuidar da impaciência, da solidão, da dispersão, cuidado com a distância, com a
intolerância, são proposições que ultrapassam o cuidado físico, higienista que constitui
um horizonte normativo que orienta as práticas de saúde.
A Pedagogia defende o cuidado e a educação enquanto práticas indissociáveis na
Educação Infantil, Rossetti-Ferreira (2003) e Rosemberg (1999), por exemplo, trazem em
seus estudos e pesquisas as práticas de educar e cuidar na Educação Infantil, promulgadas
pela Lei de Diretrizes de Bases – LDB (BRASIL, 1996).
Cuidado envolve a ação de cuidar, preservar, guardar, conservar, apoiar, tomar
conta. Implica também ajudar os outros, promover o seu bem-estar e evitar que sofram
de algum mal. Também é possível cuidar de objetos (como uma casa) para impedir que
ocorram danos.
Podemos também pensar no cuidado envolvendo o autocuidado, o cuidado físico,
psíquico (mental e cognitiva), emocional e espiritual.
De acordo com Dalbosco (2006) “cuidado diz respeito então a uma atitude, a um
modo prático de ser-no-mundo adotado pelo ser humano em relação à sua ação e ao
fenômeno da vida em sua totalidade”.
Diante dessas definições, o objetivo dessa proposta foi envolver as famílias e as
crianças de 2 a 3 anos de idade, do Grupo 2, período da manhã, da Unidade de
Atendimento à Criança – UAC, localizada na Universidade Federal de São Carlos –
UFSCar, campus São Carlos, para contribuir com material imagético de áudio, vídeo e
produção artística da VII Semana de Formação, Pesquisas, Práticas em Educação Infantil
(2021), cujo tema é Dimensões do cuidar.
Os objetivos específicos envolveram: conhecer as dimensões do cuidar que a
criança de 2 a 3 anos tem; reconhecer situações nas quais as crianças lidam com o cuidado;
incentivar a linguagem oral para verbalizar as concepções de cuidado que a criança tem;
estimular a imaginação e criatividade nas brincadeiras de faz de conta envolvendo o
cuidado; motivar a produção artística das crianças a partir do tema cuidado; envolver as
famílias na discussão das concepções das crianças sobre o cuidado e utilizar a literatura
infantil para ampliar a concepção de cuidado das famílias e crianças.
44

Desenvolvimento

Por conta do contexto da pandemia da COVID-19, desde março de 2020 a


Unidade de Atendimento à criança – UAC está desenvolvendo suas atividades
remotamente, as propostas de cada turma estão sendo realizadas de forma síncrona e
assíncrona.
A primeira proposta do 2º semestre de 2021 foi com o tema cuidado. Quinze
famílias receberam um documento em formato PDF com três propostas. Primeira, gravar
um vídeo da criança falando o que é cuidado para ela, quem cuida dela, de quem e do que
ela cuida e como ela é cuidada. Segunda, proporcionar que as crianças brincassem de faz
de conta em suas casas e criassem situações em que o cuidado estivesse presente. Terceira
proposta foi que a criança representasse a partir do desenho situações de cuidado.
Na outra semana, as crianças, no encontro síncrono pelo Google Meet,
apresentaram e explicaram para a professora e seus colegas suas produções artísticas.
Além disso, a professora contou a história “Quero colo” de Stela Barbieri e Fernando
Vilela.
Durante uma quinzena, as famílias começaram a enviar os registros das propostas
sugeridas. Das quinze famílias, onze enviaram os registros pictóricos das crianças e seis
famílias enviaram também um vídeo da criança falando o que é cuidado, quem cuida dela,
de quem e do que ela cuida e como ela é cuidada.
Os vídeos trouxeram narrativas muito interessantes das crianças. Uma das frases
impactantes de uma criança foi utilizada na abertura do site do evento25.

Figura 1 – Print do site da Semana da UAC com a frase de uma criança do Grupo 2

Fonte: Acervo da autora (2021)

25
https://sites.google.com/view/semanauac/home?authuser=0
45

Essa frase “Do que você cuida? – Dos meus brinquedos. E como você cuida dos
brinquedos? – Brincando” é sensacional, pois nos faz ampliar nossa concepção de cuidar.
Significa que cuidar vai além de zelar, guardar para não estragar e conservar. Se essa
criança fosse seguir esse conceito de forma restrita, ela iria guardar o brinquedo e não
usar, mas ela ressignificou, transgrediu e com sua potência e protagonismo disse
“brincando”, que concepção mais linda quando podemos cuidar brincando, o brinquedo
sofrerá seus desgastes naturais com o tempo, mais sua função é permitir a brincadeira.
Macêdo (2006, p. 4) afirma que “as práticas de cuidar/educar implicam em
atitudes e comportamentos que demandam conhecimentos, habilidades e até valores
potencializados no sentido de contribuir para o desenvolvimento da criança”.
Desta forma, a brincadeira contribui para o desenvolvimento da criança e é um
direito da criança, logo cuidar da criança significa também garantir seu direito à
brincadeira. A brincadeira é uma forma privilegiada de conhecer o mundo, isso envolve
criar a cultura da infância.
Uma outra criança de 3 anos, em seu vídeo, respondeu da seguinte forma a
pergunta da mãe “De quem você cuida? - Eu cuido da mamãe e do papai. E como você
cuida da mamãe? – Com muito carinho.” O aspecto do afeto está muito presente na
concepção do cuidado dessa criança, mais uma vez transgride a concepção reducionista
que cuidado é físico.
O cuidado com as emoções e o cuidado das emoções é essencial no contexto da
educação da criança, seja na família ou na Instituição de Educação Infantil.
De acordo com Rosemberg (1999) é preciso estar atento aos afetos, emoções e
sentimentos das crianças, às relações com os outros, com as coisas e com o ambiente.
Outra criança de 2 anos, em seu diálogo com a mãe, em vídeo, destaca também o
aspecto do afeto, quando trata do cuidado “De quem você gosta de cuidar? – Da Vovó.
Como que você cuida dela? – Assim. Assim como? – De beijo e uma flor.”. Essa narrativa
evidencia o afeto, trazendo uma perspectiva ampla do que é cuidado.
Dar e receber afeto, proporcionar o desenvolvimento da autonomia e contribuir
para a constituição da identidade da criança é papel da Educação Infantil (MACÊDO,
2006).
Quanto à segunda proposta, brincar de faz de conta em casa e observar as
situações em que o cuidado estivesse presente, nenhuma família enviou o feedback.
Embora, em outras propostas do mês de setembro, como construir brinquedos com caixas,
46

o cuidado com a boneca ao alimentá-la apareceu e o cuidado com a louça suja, lavando
na pia de caixa esteve presente nas brincadeiras compartilhadas pelas famílias.
Quanto aos desenhos, onze crianças representaram as relações de cuidado mais
físico, de acordo com as legendas dos registros que as famílias escreverem, como: três
crianças desenharam que cuidam do cachorro. Três crianças desenharam que cuidam dos
galos, sapo, coelha e peixe. Uma criança desenhou ela “cuidando da minha casa, varrendo
com a vassoura”. Uma criança desenhou uma escada, pois a mamãe sempre fala para ela
tomar cuidado. Uma desenhou a mãe dando banho nela. Outra desenhou os amigos e o
parque; e uma criança desenhou flores para demonstrar o afeto à avó e à mãe.

Figura 2 – Exemplo dos registros das crianças cuidando dos animais – cachorro, galo,
coelho, peixe e sapo.

Fonte: Acervo da autora (2021)


47

Essa compreensão das crianças mais física, relacionada muitas vezes à higiene
não está errada, mas sabemos que o conceito de cuidado, ultrapassa essa definição, assim
como pudemos ver nos vídeos das crianças.
Para Montenegro (1999) o cuidado implica em cuidar do outro em toda sua
dimensão humana o que implica dizer que as ações de cuidar, diferentemente do que
pensa a grande maioria das pessoas não significa apenas atender às necessidades básicas
de sobrevivência.
Para finalizar a proposta, a professora em um encontro síncrono, pelo Google
Meet, pediu para cada criança apresentar seu desenho e as oito crianças presentes no dia,
falaram sobre o que produziram e demonstraram empolgação com o feedback da
professora, que o desenho estava lindo, que a arte que elas produziram merecia um lugar
especial para ficar em exposição em casa e as crianças se alegraram com os elogios que
validaram suas falas.
Depois disso, foi contada a história “Quero colo” de Stela Barbieri e Fernando
Vilela da coleção Itaú Social, da campanha de distribuição gratuita de 2018.

Figura 3 – capa do livro “Quero colo”

Fonte: Acervo pessoal da autora (2021)

A história mostra que o colo sempre é bom, qualquer hora do dia, em qualquer
situação, como símbolo de afeto, sintonia e cuidado. Lugar que desperta sentidos e
emoções, que protege e é amável. Nesse clima, finalizou-se naquele dia a discussão do
tema. Na outra semana o tema voltou com a proposta “Prazer em te conhecer”, pois a
turma recebeu sete crianças novas, as famílias e as crianças se apresentaram, falaram e
48

desenharam as coisas que gostam e percebeu-se que ao conhecer as singularidades de


cada pessoa, torna-se possível respeitá-la, entendê-la e cuidá-la.

Avaliação da experiência

Há quem diga que crianças de 2 a 3 anos não sabem definir o que é cuidado, mas
as crianças do Grupo 2 mostraram que sabem o que é cuidado, na sua dimensão mais
ampla, que vai além dos cuidados físicos.
Articular as formas de comunicação, a linguagem oral com o desenho, permitiu
que conhecêssemos mais profundamente o que as crianças compreendem sobre o cuidado.
Essa proposta trouxe bons resultados para as crianças, com o intermédio da
família, pois, conseguiram externalizar suas concepções sobre o cuidado.
No entanto, esse tipo de abordagem remota não substitui a qualidade e a
potencialidade da realização das vivências no contexto presencial da Educação Infantil.
Embora as crianças tenham se envolvido nas propostas, se estivéssemos no trabalho
presencial o compartilhamento das concepções das crianças poderia ser mais envolvente
e demorado, como por exemplo, em rodas de conversa. Na interação entre crianças-
crianças e crianças-adultos os registros poderiam ser potencializados e realizados de
diferentes formas bidimensionais ou tridimensionais, com diferentes suportes e
instrumentos, em diferentes espaços, com estrutura própria de uma instituição de
Educação Infantil.

Considerações finais

Tendo em vista as singularidades das crianças, que são seres completos em suas
dimensões cognitivas, afetivas, psicomotoras e sociais, que possuem necessidades,
peculiaridades e diferenças culturais, étnicas e de gênero, não podemos conceber uma
Educação Infantil em que não estejam presentes os cuidados com o seu corpo, sua
alimentação, sua saúde, seu crescimento e seu desenvolvimento cognitivo, motor e afetivo
(MACÊDO, 2006).
Nós enquanto professoras da Educação Infantil devemos ter uma concepção
substancial do que é o cuidado, visto que uma concepção rasa fragiliza o trabalho
pedagógico com os bebês e crianças, prejudicando o objetivo do desenvolvimento integral
dos mesmos.
49

O cuidado vai muito além das atividades básicas de sobrevivência humana tais
como alimentação, higiene, sono e guarda, ou disciplinamento moral. Complementar os
cuidados da família e respeitar a criança como um todo, compreendê-la na sua essência
é nosso papel. Contribuir para a construção da sua autonomia é uma das dimensões do
cuidado, como afirmava Paulo Freire, a partir de uma educação libertadora.

Referências
BRASIL. Presidência de República. Lei de Diretrizes de Bases da Educação
Nacional. Lei n. 9394. 1996. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm . Acesso em: 29 set. 2021.
DALBOSCO, Almir Cláudio. O cuidado como conceito articulador de uma nova
relação entre filosofia e pedagogia. Educação e Sociedade. v. 27, n. 97, set./dez.2006.
p. 1113-1135.
MACÊDO, Lenilda Cordeiro de. O cuidado e a educação enquanto práticas
indissociáveis na Educação Infantil. Anais... 29º Reunião anual da ANPEd. 15 a 18 de
outubro. Caxambu, 2006.
MONTENEGRO, Maria Thereza T. A educação moral como parte da formação para
o cuidado na educação infantil. 177 f. Tese (Doutorado em Psicologia Social)
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2001.
ROSEMBERG, Fúlvia. Educar e cuidar como funções da educação infantil no
Brasil: perspectiva histórica. São Paulo: Faculdade de Ciências Sociais, Pontifícia
Universidade de Campinas, 1999 (mimeo).

ROSSETTI-FERREIRA, Maria Clotilde. A necessária associação entre educar e cuidar.


Porto Alegre: Artmed. Revista Pátio Educação Infantil. Ano I nº 1 abril/ julho, 2003,
p. 10-12.
50

Lavinia Carneiro King26


Rafaeli Martins 27
Daiana Camargo28
Resumo: As aprendizagens e os desafios do encontro com as crianças no Estágio de
Docência, nos guiam na escrita deste texto. Dentre as vivências no curso de Pedagogia,
destacamos a experiência do estágio como momento ímpar, o qual nos marcou com as
possibilidades de escuta, de superação e reflexão. Toda a proposta de estágio
desenvolveu-se em uma instituição de Educação Infantil pública, no município de Ponta
Grossa – Paraná. Abordamos duas vivências com crianças do Infantil III, envolvendo
música e o tema dos medos das crianças. Organizamos as vivências ouvindo as
necessidades e interesses das crianças, o que nos permitiu aprender com elas e sobre
elas. Ficam em nós as marcas da inter-relação, da potência da sensibilidade e da escuta.
Palavras-chave: Estágio de docência. Formação de professores. Educação Infantil.

Contextos e começos

Apresentamos neste texto, algumas reflexões tecidas a partir das experiências


vividas no estágio curricular supervisionado de Docência na Educação Infantil.
Entendemos que o estágio é um espaço privilegiado de aprendizagem da docência, um
espaço de estar com as crianças e de compreender como se estrutura a prática educativa
na educação infantil, como se organizam tempos e espaços, relações e interações.

As inserções em campo de estágio aconteceram de maio a novembro de 2019,


contemplando encontros de reconhecimento da instituição e da equipe, tempos de
observação, planejamento, docência e reflexão, acompanhados de registro em memorial.
O campo de estágio foi uma escola municipal no município de Ponta Grossa – PR, cujo
espaço atende educação infantil e ensino fundamental.

26
laviniacarneiro@yahoo.com - Colégio Santa Marcelina – Piraí do Sul PR
27
rafaeli072010@hotmail.com – Secretaria Municipal de Educação – Palmeira - PR
28
camargo.daiana@hotmail.com; - Dpto de Pedagogia - Universidade Estadual de Ponta
Grossa- PR
51

Tendo como ponto de partida os diálogos com a equipe pedagógica e buscando


atender as demandas da instituição, nos propusemos a organizar o projeto geral de
estágio sobre as possibilidades do brincar. Delineamos como objetivos, compreender as
possibilidades de uma prática pedagógica lúdica, incentivar as interações e as
brincadeiras e ampliar o repertório de brincadeiras das crianças. As propostas e os
planejamentos foram construídos a partir das especificidades de cada turma e dos temas
desenvolvidos pelas professoras no período do estágio.

Tecendo reflexões sobre o estágio

O estágio considera não apenas a relação entre o aluno e o professor ou o aluno


e objeto, mas contempla também a união entre a escola e a comunidade, a escola e os
pais, um ciclo contínuo repleto de conhecimentos e experiências que juntos formam a
escola. A ida de um estagiário para a escola representa muito mais do que por em prática
o que aprendeu em sala, representar analisar novos contextos, pois cada escola tem sua
singularidade, tem sua função, o estagiário enxerga um novo caminho, uma nova
realidade.

Para Drumond (2013, p. 200) “[...] a ida dos (as) estagiários (as) a campo
representa a oportunidade de refletir sobre o próprio processo de formação, e também, a
possibilidade de problematizar o cotidiano das instituições de Educação Infantil.” O
estágio contribui significativamente para a formação do professor e é através dele onde
o ser professor se inicia.

O espaço do estágio permite ao futuro professor a possibilidade de articulação


teórico prática, sendo para muitos o primeiro contato com um grupo maior de crianças,
fora de seu convívio familiar. É tempo de encontro com as crianças, tempo de ouvir e
buscar conhecer suas necessidades e desejos. Infantino (2013, p.10), ressalta que “o
estágio é compreendido como um contexto formador teórico-prático, quebrando a
implícita suposição de que um momento teórico deve prevalecer sobre o prático”.
Entendemos que a problematização sobre as experiências vividas em campo de estágio,
quando amparadas em estudos sobre e com a criança, as infâncias, as políticas e práticas
pedagógicas de educação infantil, de algum modo possibilitam ao acadêmico subsídios
teórico-metodológicos para que, no cotidiano da docência, possa escolher, construir a
melhor forma de ser professor de crianças.
52

O brincar e a ludicidade como eixos do projeto de docência

Brincar é a realidade cotidiana da vida das crianças, e para que elas brinquem,
basta deixar que exercitem a sua imaginação que é um instrumento que permite às
crianças relacionarem seus interesses e às suas necessidades com a realidade. Esse é o
meio de interagir com o universo dos adultos é a partir das brincadeiras que a criança
expressa seus medos, suas fantasias, seus desejos, sentimentos e conhecimentos que vai
construindo a partir das experiências que vive. A brincadeira é desta forma, um espaço
de aprendizagem onde a criança age.

O brincar é capaz de aprimorar a consciência corporal, contribuindo para


construções específicas da educação infantil, como a própria identidade. As escolas que
ofertam a educação infantil têm uma enorme responsabilidade, pois carrega em si o que
vários especialistas e estudiosos da área afirmam com propriedade que a educação
infantil é a mais importante etapa do desenvolvimento do indivíduo. Essa é a fase onde
as crianças fazem as maiores descobertas e desenvolvem-se cognitivamente, é
necessário entender que nesta fase a criança tem o brincar como linguagem e forma de
expressão, portanto necessita maior valorização dentro das propostas educacionais.

Pensando nas condições de que as crianças desde muito cedo passam a maior
parte do seu tempo inseridas em um ambiente educacional e que tem como meta
resultados positivos, trabalhar com o corpo dessa criança é algo essencial, pois ao mesmo
tempo em que se espera aprendizagem e domínio dos conhecimentos historicamente
produzidos há também que se considerar a infância como algo essencial nessa fase da
vida.

De acordo com Friedmann (1998), brincadeiras são um patrimônio lúdico


cultural em que as crianças estão inseridas, pois elas transmitem valores, costumes,
formas de pensamento e ensinamentos. Normalmente são passadas de geração em
geração, ocorrendo algumas alterações no decorrer dos anos, a partir da necessidade e
criatividade do grupo em que ela está sendo desenvolvida.

Brincar é um direito da criança e a partir da brincadeira, ela irá se desenvolver


integralmente. Ao realizar brincadeiras, o professor deve ter um olhar crítico para
perceber se aquela brincadeira realmente está sendo desenvolvida de forma lúdica, pois
o que é lúdico para mim, pode não ser para o outro. Dornelles (2001) aponta que “a
53

brincadeira é algo de pertence à criança, à infância. Através do brincar a criança


experimenta, organiza-se, regula-se, constrói normas para si e para o outro”.

Ainda sobre o brincar, é importante ressaltar que as Diretrizes Curriculares


Nacionais para a Educação Infantil (Brasil, 2009) definem como eixos norteadores da
Educação Infantil a interação e as brincadeiras e a ludicidade é contemplada como parte
dos princípios estéticos a fim de integrar as diferentes manifestações artísticas e culturais
ao processo educativo.

Sobre as vivências do estágio e as marcas na formação

Do planejamento a escolha dos materiais, da docência ao registro, vivenciamos


um processo longo, desafiador, mas de grandes aprendizagens. A partir das sugestões
de temas pelas professoras e das particularidades da turma, nos dedicamos a planejar as
primeiras intervenções. Realizamos o estágio na mesma turma, um grupo do infantil III,
com 18 crianças. Alternamos nossas observações e docências, uma no período matutino
e uma no vespertino, assim pudemos conversar sobre temas e encaminhamentos,
articulando as propostas e conhecendo melhor as crianças.

Ressaltamos como fundamental a acolhida e a receptividade da professora, muito


compreensiva e prestativa para ajudar em qualquer momento, desde a interação com as
crianças até a utilização e a organização dos materiais, nos transmitindo segurança para
as ações realizadas.

Dentre os temas que desenvolvemos ao longo do estágio, destacamos como


marca as propostas com os instrumentos musicais e a intervenção utilizando luz neon
em ambiente escuro. A Lei Federal 8069/90- Estatuto da Criança e do Adolescente,
capítulo II, artigo16 que diz o seguinte no inciso IV- Brincar, praticar esportes e divertir-
se. Os nossos alunos brincaram, se divertiram e principalmente aprenderam.

Sobre os instrumentos musicais, optamos por mobilizar as crianças a partir de


uma história. Apresentamos em vídeo a obra Pedro e o Lobo29, a escolha foi realizada
devido a qualidade musical e as belas ilustrações que acompanham a gravação realizada
pela Orquestra Nacional da França. O encantamento das crianças pela obra e pelos

29
https://youtu.be/ggRJRSJvFTA
54

desenhos que se constituíam na tela foi surpreendente. Mobilizou a atenção de todos que
relataram com detalhes a história, mesmo sem falas.

Imagem 1- Pedro e o Lobo

Fonte: captura de tela-internet

Seguimos a manhã com conversas sobre o vídeo, sobre os instrumentos e seus


sons, inserindo brincadeiras com diversos materiais a fim de explorarem sons graves e
agudos. As crianças interagiam com confiança e alegria, já integradas com a professora
estagiária. A proposta teve continuidade na docência seguinte, a partir da exploração de
diferentes instrumentos musicais. Ficamos mais tranquila e realizamos com êxito as
propostas do plano. Confeccionamos com eles também instrumentos da sua preferência
e que poderiam levar para casa. Foi sensacional o trabalho deles e a participação de todos
nas atividades propostas. É importante destacar que a proposta com diferentes sons
nos deixou apreensivas, pois uma das crianças da turma apresentava comportamentos de
possível autismo, já em acompanhamento. Nos surpreendemos com a interação e o
envolvimento, Carlos30 em pouco tempo se apropriou do teclado, explorou todos os sons
e permaneceu com o grupo. As crianças se encantaram, pois algumas conheciam já uns
instrumentos e outras não. Quando levei os instrumentos de uma orquestra eles se
interessaram em aprender sobre e conseguiram ao final identificar os instrumentos
quando eu perguntava.

30
Nome fictício
55

Imagem 2 – Vamos dançar?

Fonte: registros de estágio – acervo das autoras

A proposta utilizando luz neon emergiu de um acontecimento em um dia de


observação, o dia estava chuvoso e a luz acabou por alguns minutos, todos ficaram
assustados e contaram que um dos seus maiores medos era o escuro. Porém o desafio
seria utilizar isso a favor deles, mostrando que não precisavam ter medo do escuro. Com
isso, a ideia do neon surgiu, algo que brilhasse no escuro para que assim quando
fossemos entrar no escuro, eles veriam algumas luzes e o medo não tomaria contar.

Nos dedicamos a pesquisa de possibilidades de propostas em que pudéssemos


abordar o escuro e o medo e optamos em iniciar por uma história “Medo do Escuro”
de Antônio Carlos Pacheco com ilustrações de Omar Grassetti.
56

Imagem 3- Livro

Fonte:Editora Ática

Após a contação de história, propusemos a construção coletiva de um móbile


utilizando tiras de tecido e desenhos feitos com tinta neon, para compor a proposta
seguinte, na sala escura. Para a sequência da proposta, fomos com as crianças para um
outro espaço, já preparado com antecedência, a sala escura continha objetos neons e
lâmpadas de luz negras que faziam tudo brilhar assim como na história contada.

De primeiro impacto as crianças ficaram assustadas, aos poucos se envolveram


e se dedicaram a explorar, a descobrir as possibilidades dos objetos. Era visível a
alegria e a diversão de brincar no escuro com as bexigas e pulseiras. Neste espaço
exploramos desenho com canetas neon e construímos a lanterna, contendo uma pulseira
neon em uma embalagem pet de refrigerante.

Aos poucos fomos incorporando novos elementos… Tintas neon para a pele,
estrelas (que faziam referência a história), e as crianças nos diziam: “Viu profe, não
tenho mais medo”!

Imagem 4 – Experiências no escuro


57

Fonte: registros de estágio – acervo das autoras

Finalizamos a tarde com música e alegria. As estrelas foram cuidadosamente


colocadas nas mochilas para que brilhem em casa. Certamente não brilharão tanto
como os olhos destes pequenos ao fim desta docência.

O que nos marca, certamente é o desafio ao novo. Não só o novo momento


formativo, mas o olhar para as crianças e para as práticas de outra forma, sair do
comum, desde os espaços aos materiais e ambientes, até as nossas próprias atitudes
para com as crianças. Superar o adultocentrismo que nos constitui e olhar para as
crianças, preparar propostas com as crianças.

Algumas reflexões

O estágio é essencial para uma boa formação. É ali que erramos e aprendemos
com os próprios erros. Aprendemos muito com as crianças, todas as vezes em que
estivemos na sala de aula. É um espaço de encontro com as crianças, como destacam
Peroza e Camargo (2019). Detalhes de um cotidiano que muitas vezes não damos
importância, mas que para os pequenos faz uma grande diferença, como abaixar para
conversar até um jogo da turma em que eles nos ensinaram as regras. Buscamos
organizar as docências considerando o que as crianças gostavam de fazer, ouvindo sobre
seus conhecimentos, interesses e sentimentos.

Nos desafiamos a propor novos materiais e organizarmos espaços para além da


sala da turma, dos papéis e mesas convencionais, dos registros, a fim de explorar
58

diversas possibilidades, amparados nos escritos de Cunha (2016) que nos impulsiona a
buscar o novo, a possibilitar a interação da criança:

Pode-se afirmar que os processos de criação nos diferentes campos e em


nosso cotidiano são desencadeados pela: curiosidade sobre algo,
necessidade e persistência de encontrar soluções, tensão que se forma entre
o que existe e o que poderá ser – o desconhecido -, ousadia de romper com
o instituído e abandono das certezas. (CUNHA, 2016, p. 11)

Foi um processo, verificamos inicialmente a dificuldade que as crianças tinham


em realizar algumas propostas que fugiam do seu contexto de sempre, como por
exemplo, realizar atividades fora da mesa, ou fora da sala. Para Salomão, Martini e
Martinez (2007, p.3) “A relação que a criança estabelece com os diferentes materiais se
dá, no início, por meio da exploração sensorial e da utilização em diversas brincadeiras”
e ressaltam que tudo isso influenciará na sua criatividade e imaginação. A criança
necessita de outros estímulos e materiais para que se desenvolva e aprenda, novas
oportunidades. Destas vivências, ficam em nós as marcas da interação, da potência da
sensibilidade e da escuta.

Referências:
CUNHA, S. R. V. Arte, Criação e trabalho pedagógico. Revista Pátio Ensino
Fundamental. Porto Alegre: Grupo A Educação S.A., Ano XX, no. 79, Agosto/outubro
2016, p.10-13

DORNELLES, L.V. Na Escola Infantil todo mundo brinca se você brinca. In: CRAIDY,
C.M.; KAERCHER, G. E. S. Educação Infantil: Pra que te quero? Porto Alegre:
Artmed, 2001.

DRUMOND, V. Estágio e formação de docentes de educação infantil em cursos de


Pedagogia. Olhares, Guarulhos, v. 1, n.1, p. 183-206, maio 2013.

FORTUNA,T. R.A formação lúdica docente e a universidade: contribuições da


Ludobiografia e da Hermenêutica Filosófica. Porto Alegre: UFRGS, 2011. Tese
(Doutorado em Educação), Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, 2011.

FRIEDMANN, A. O direito de brincar: a brinquedoteca. 4ª ed. São Paulo: Edições


Sociais: Abrinq, 1998.

INFANTINO, A. Estágio e formação na prática pedagógica em creches públicas


italianas. Olh@res, Guarulhos, v. 1, n.1, p. 7-39, maio 2013. Disponível em:
59

http://www.olhares.unifesp.br/index.php/olhares/article/viewFile/8/2 Acesso em: 21


set. 2021

PEROZA, M.A.R. ; CAMARGO, D. A experiência de encontro entre sujeitos


aprendentes: aspecto da formação docente vivenciado no estágio supervisionado em
docência na educação infantil. Revista de Educação, Ciência e Cultura, v. 24, p. 85,
2019.

SALOMÃO, H.A.S.; MARTINI, M.; MARTINEZ, A.P. A importância do lúdico na


educação infantil: Enfocando a brincadeira e as situações de ensino não direcionado.”
www.psicologia.com.pt. Documento produzido em 07-09-2007 Acesso em 20/09/2021.
Disponível em: https://www.psicologia.pt/artigos/ver_artigo.php?codigo=a0358
60

Suzana Tais Betoni1

Resumo: O presente trabalho é um recorte da dissertação de mestrado em que a


pesquisadora analisou suas práticas de linguagem escrita realizadas com crianças na
última etapa da Educação Infantil no ano de 2019. Foram apresentadas as análises a
partir de registros fotográficos envolvendo a linguagem escrita propostos pela
professora pesquisadora naquele ano. A pesquisa teve como aporte teórico contribuições
de principais autores emlinguagem escrita na perspectiva histórico-cultural. Trata-se de
uma pesquisa qualitativado tipo exploratória realizada a partir de pesquisa documental e
autoetnografia. A partir das práticas analisadas buscou-se compreender como foram
realizadas considerando as especificidades das crianças e a dimensão lúdica. O estudo
demonstrou que as práticas analisadas envolveram o uso social da escrita e brincadeiras,
em vivências significativaspara as crianças. Ainda assim, foram sinalizadas práticas de
cunho mecânico como cópiae contorno de letras, em contextos em que não era realizado
o uso social da escrita. Essasanálises provocaram a ressignificação do trabalho da
pesquisadora sobre suas próprias práticas em linguagem escrita como professora de
Educação Infantil, a partir de um processo reflexivo, propondo como produto da
pesquisa as práticas alinhadas à perspectiva histórico-cultural com a participação das
crianças e aspectos lúdicos envolvendo tais vivências.

Palavras-chave: Educação Infantil; Linguagem escrita; Ludicidade.

Introdução
A escrita está presente em nossas vidas desde a nossa infância, uns mais outros
menos, adepender do ambiente em que vivemos em placas, rótulos de produtos, outdoors,
receitas,bulas de remédio, livros, convites, revistas, gibis, meios digitais, entre outros
diversos portadores textuais. Mello (2010), autora que é referência em linguagem escrita
na Educação Infantil na perspectiva-histórico cultural, aponta que apesar de ter contato
coma escrita desde muito cedo na sociedade a forma como a criança se apropria do mundo
letrado depende de como a linguagem escrita chega até ela e dos significados que
atribuem a ela. De acordo com Mello (2010, p. 332) a criança estabelece relações com a
61

escrita em suas vivências e experiências fazendo uso social dessa linguagem, apontando
que

(...) situações em que a escrita é utilizada em sua função


social praescreve histórias, bilhetes ou registrar experiências
vividas, ela

1
Aluna do Programa de Pós-Graduação Profissional em Educação (PPGPE), Universidade Federal de
SãoCarlos (UFSCar); Professora de Educação Infantil na Prefeitura Municipal de São Carlos
(suzanabetoni09@gmail.com).

aprenderá a pensar a escrita em sua função social, como


instrumento cultural para escrever histórias, bilhetes, registros
de fatos vividos, enfim, como um instrumento de expressão.

Essa apropriação da linguagem escrita pela criança e o conceito que estabelece


sobre eladepende do ambiente em que as crianças estão inseridas e das pessoas com quem
convive,já que a escrita, de acordo com a abordagem histórico-cultural, é uma construção
social, ou seja, não é inata, mas sim apropriada pelos sujeitos a partir da interação com o
outro ecom o ambiente letrado.

A Educação Infantil não tem como função alfabetizar as crianças no seu sentido
técnico e sistemático de codificação (escrita) e decodificação (leitura), mas sim de inseri-
las na cultura escrita por meio de seu uso social, a partir do contato com diversos
portadores e gêneros textuais, levando em consideração as especificidades das crianças e a
importância dos aspectos lúdicos e das brincadeiras próprias da faixa etária. Segundo
Britto (2005, p.20),

O desafio da educação infantil não é o de ensinar a desenhar e


juntar letras, e sim o de oferecer condições para que as crianças
possam se desenvolver como pessoas plenas e de direito e,
dessa maneira, poder participar criticamente da sociedade de
cultura escrita. Antecipar o ensino das letras, em vez de trazer
o debate da cultura escrita no cotidiano, é inverter o processo e
aumentar a diferença.

Desta forma, as brincadeiras são fundamentais nesse processo, já que, segundo


Vygotsky(1989) quando brinca a criança faz representações simbólicas por meio da fala,
dos gestose dos objetos, o que auxiliará na apropriação da linguagem escrita a partir da
62

identificaçãode seu simbolismo, ou seja, quando escrevemos estamos comunicando um


pensamento ou a fala a partir de uma representação simbólica. Segunda Vygotsky (1989,
p. 114), a criança

(...) não se comporta de forma puramente simbólica no


brinquedo; ao invés disso, ela quer e realiza seus desejos,
permitindo que as categorias básicas da realidade passem
através de sua experiência. A criança, ao querer, realiza seus
desejos. Ao pensar, ela age. As ações internas e externas são
inseparáveis: a imaginação, a interpretação e a vontade são
processos internos conduzidos pela ação externa.

No presente trabalho será apresentado um recorte da dissertação de mestrado


realizada pela própria pesquisadora intitulada “Linguagem escrita na Educação Infantil:
Práticas de uma professora pesquisadora” (BETONI, 2021) no Programa da Pós-
Graduação Profissional em Educação (PPGPE) da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar) sob orientação da Professora Dra. Cleonice Maria Tomazzetti. Apresentaremos
a análise das práticas de linguagemescrita realizadas pela própria professora pesquisadora
com uma turma de crianças da última etapa da Educação Infantil em 2019 a partir de
registros fotográficos.

Objetivos
- Analisar práticas de linguagem escrita realizadas pela professora
pesquisadora em 2019em uma turma da última etapa da Educação Infantil a partir de
registros fotográficos de vivências envolvendo a escrita naquele ano.
- Refletir sobre essas práticas de linguagem escrita a partir da perspectiva
histórico- cultural.

Metodologia da pesquisa
A pesquisa de mestrado da qual faz parte as práticas aqui apresentadas foi
desenvolvida a partir da pesquisa qualitativa do tipo exploratória que segundo Bodgan e
Bliken (1996, p. 47 - 50) tem como características: ter o ambiente natural como fonte de
dados; é uma pesquisa descritiva; o pesquisador se interessa mais pelo processo do que
pelo produto; realiza os dados de maneira indutiva; se interessam na forma como as
63

pessoas dão significados e sentidos à sua vida. Ainda de acordo com Bodgan e Bliken
(1996), a pesquisa qualitativa pode ser um instrumento de melhoria na prática docente.

Como procedimentos metodológicos utilizamos a pesquisa documental e a


abordagem autoetnográfica. A pesquisa documental, segundo Gil (2002, p. 46), é
realizada a partir de materiais diversos que podem ou não já ter sido estudados antes, tendo
como vantagenso baixo custo, a não influência de sujeitos, a possibilidade de retornar à
fonte de pesquisaquando a qualquer momento e por várias vezes, sendo uma fonte rica e
estável de informações. No caso do recorte do trabalho aqui apresentado utilizamos as
fotos para a realização da pesquisa, o que contribuiu para a análise das práticas de
linguagem escrita utilizando também a autoetnografia que, segundo Ellis; Adams;
Bochner (2011) faz uso de princípios da etnografia e da autobiografia, possibilitando um
processo de reflexão fazendo um diálogo com o aporte teórico, resgatando experiências
pessoais contratando com as pesquisas já existentes, identificando problemas e
mobilizando para a ressignificação e novos olhares sobre o que está sendo analisado.

Discussão
A análise dos registros fotográficos de vivências de linguagem escrita realizadas
pela professora pesquisadora em 2019 em uma turma de última etapa da Educação
Infantilfoi dividia em oito temas gerais: Nome; Dados das preferências e brincadeiras;
Leitura deleite e contação de histórias; Calendário; Letras, números e palavras; Manuseio,
escritae leitura de portadores e gêneros textuais diversos; Produção de textos coletivos e
Desenho.

O primeiro tema denominado “Nome” apresentou vivências diversas envolvendo


os nomes próprios das crianças. Foram identificadas e analisadas vivências como uso de
fichas com os nomes (figura 1), modelagem do nome com massinha (figura 2), a escrita
do nome para identificar produções das crianças, e a construção de um gráfico de meninos
e meninas a partir dos nomes.
64

Figura 1 – Fichas com os nomes das crianças

Fonte: (BETONI, S. T., 2021)

Figura 2 – Escrita do nome utilizando massinha de modelar

Fonte: (BETONI, S. T., 2021)

Na análise desse tema também foram apresentadas jogos e brincadeiras


envolvendo o usodos nomes das crianças como quebra-cabeça dos nomes (figura 3), jogo
da memória dosnomes (figura 4), dança das cadeiras dos nomes e bingo dos nomes.

Figura 3 – Montando o nome com letras móveis com auxílio da ficha (quebra-cabeça)

Fonte: (BETONI, S. T., 2021)


Figura 4 – Jogo da memória dos nomes

Fonte: (BETONI, S. T., 2021)


65

No tema “Dados das preferências e brincadeiras” analisou-se um dado com uma


questão emcada face que deveria ser jogado por cada criança para ser respondida. Tal
dado tinha como informações a ilustração da escrita e a frase com a pergunta.
Apresentamos tambémbrincadeiras como faz-de-conta (figura 5) e blocos de encaixe e de
construção (figura 6), momentos de brincadeiras livres em que as crianças realizavam
representações simbólicasa partir da ludicidade, o que segundo Vygotsky (1989) contribui
para a apropriação da escrita pela criança.

Figura 5 – Brinquedos / Faz-de-conta

Fonte: (BETONI, S. T., 2021)

Figura 6 – Crianças brincando com blocos de encaixe e de construção

Fonte: (BETONI, S. T., 2021)

O terceiro tema “Leitura deleite e contação de histórias” foram apresentadas


vivências diárias em que aconteciam leituras de livros e histórias. Além disso, as crianças
tinham acesso a esses livros e posteriormente imitavam a leitura que havia sido a elas
identificavam os elementos escritos. Também foram realizadas contação de
históriautilizando recursos lúdicos como fantoches, palitoches (figura 7), caixas de
histórias (figura 8), releitura das histórias a partir de atividades artísticas, entre outras.
66

Figura 7 - Reconto da história com palitoches

Fonte: (BETONI, S. T., 2021)

Figura 8 - História contada em caixas de sapato

Fonte: (BETONI, S. T., 2021)

Dessa maneira, era realizado o uso social da escrita com elementos lúdicos que
são fundamentais nesse processo levando em consideração a faixa etária das crianças.
Segundo Abramovich (2009), a leitura e o contato com livros

(...) mostra à criança que o que ouviu está impresso num livro
(se for o caso) e que ela poderá voltar a ele tantas vezes quanto
queira (ou deixa-lo abandonado pelo tempo que seu desinteresse
determinar...). E quando a criança for manusear o livro sozinha,
que o folheie bem folheado, que olhe tanto quanto queira, que
explore sua forma, que se delicie em retirá-lo da estante
(encontrando-o sozinha, em casa ou na escola), que vire página
por página ou que pule algumas até reencontrar aquele
momento especial que estava buscando... (mesmo que ainda
não saiba ler, ela o encontra... e fácil!) (ABRAMOVICH, 2009,
p. 17).

No tema “Calendário” foram apresentados os calendários coletivo (figura 9) e o


individual (figura 10) em que a turma registrava o dia atual. O calendário marca a
temporalidade a partir de uma convenção mundial em que aparecem elementos de escrita
que apoiam sua leitura.
67

Figura 9 - Calendário Coletivo

Fonte: (BETONI, S. T., 2021)


Figura 10 - Calendário individual

Fonte: (BETONI, S. T., 2021)

No tema “Letras, números e palavras” foram sinalizadas vivências como jogo da


memóriadas vogais, caminhar sobre o traçado de um número ou de uma letra, bingo dos
númerose das letras e escrita espontânea com alfabeto móvel. Na figura 11 temos uma
lista de palavras realizadas no início de 2019 em que as crianças relataram o que gostariam
de fazer durante o ano na escola e a professora como escriba registrou na lousa. Além
disso,essa lista foi registrada em um caderno para que pudessem acompanhar ao longo do
anoo que já havia sido realizado.

Figura 11 - Lista de palavras sobre o que as crianças gostariam de fazer na escola

Fonte: (BETONI, S. T., 2021)

Segundo Vygotsky (2019, 133) a escrita precisa estar presente na vida dos
sujeitos demaneira que faça sentido a eles, em contextos significativos e em que “(...) o
ensino temque ser organizado de forma que a leitura e a escrita se tornem necessárias às
68

crianças”. Ainda no tema “Letras, números e palavras” foram encontradas atividades


de cunhomecânico como contorno repetitivo de letras (figura 12) e cópias de
palavras comdeterminada inicial de forma descontextualizada.

Figura 12 – Atividade de treino motor (contorno do pontilhado) das letras

F
F

Fonte: (BETONI, S. T., 2021)


Esse tipo de atividade, apesar de ainda comum na Educação Infantil, não faz uso
social da escrita e nem de aspectos lúdicos, o que acaba por, além de se tornar
desinteressante para as crianças, não colaborar para a aquisição da linguagem escrita de
maneira positivae significativa. Segundo Mello (2010, p. 337),

Quando se introduz à criança a linguagem escrita iniciando por


seu aspecto técnico, outro problema ainda se apresenta: as
tarefas de escrita, pela ausência de motivos geradores de
sentido, em geral se tornam longas e cansativas tomando o
tempo da atividade lúdica.

Em “Manuseio, escrita e leitura de portadores e gêneros textuais” a professora


pesquisadora apresentou vivências envolvendo rótulos (figura 13), receitas (figura 14),
convites, painéis e cartazes, músicas, poemas, parlendas, versinhos, gibis, contos de
fadas, entre outros, que possibilitaram interação entre as crianças e fazendo uso social da
escrita de forma significativa e lúdica. De acordo com Cruvinel (2010, p. 253),

(...) A criança se apropria da leitura quando é capaz de objetivá-


la inserindo-a em sua atividade social. Dessa forma, é relevante
nos dedicarmos ao ensino da leitura como ela é de fato
objetivada na sociedade, e isso só é possível quando a escola se
torna mediadora entre as crianças e o mundo da atividade
humana objetivada, quando ensina a leitura para além de seus
muros.
69

Figura 13 – Rótulos

Fonte: (BETONI, S. T., 2021)

Figura 14 – Receita: Massinha caseira

Fonte: (BETONI, S. T., 2021)

O sétimo tema apresentado foi “Produção de textos coletivos” que eram


produzidos coletivamente, tendo a professora como escriba, abordando determinados
temas trabalhados ou de interesse das crianças. Segundo Britto (2005, p. 18),

Na educação infantil, ler com os ouvidos e escrever com a boca


(situação em que a educadora se põe na função de enunciadora
ou de escriba) é mais fundamental do que ler com os olhos e
escrever com as próprias mãos. Ao ler com os ouvidos, a
criança não apenas se experimenta na interlocução com o
discurso escrito organizado, como vai compreendendo as
modulações de voz que se anuncia num texto escrito (...)

Finalmente, o último tema “Desenho” apresentou vivências em que as crianças


desenhavam individual ou coletivamente, de maneira livre ou dirigida. De acordo com
Vygotsky, a linguagem escrita se desenvolve da passagem do desenho de coisas para a
representação do sistema escrito, já que a criança começa a compreender que desenha
para representar um pensamento ou fala, e que pode fazer isso a partir da escrita para
comunicar algo.
70

Figura 15 – Desenho após a visita ao Parque Ecológico

Fonte: (BETONI, S. T., 2021)

Conclusões
As análises dos registros fotográficos, envolvendo práticas de linguagem escrita,
realizadas pela própria professora pesquisadora na dissertação de mestrado,
demonstraram que é possível trabalhar a escrita na Educação Infantil de forma prazerosa
e lúdica, a partir de brincadeiras e do uso social da escrita sem antecipar conteúdos do
Ensino Fundamental.

Tais práticas vão ao encontro do que preconiza a abordagem histórico-cultural,


realizandovivências significativas, em que as crianças são produtoras de cultura e sujeitos
ativos noprocesso.

Apesar disso, foram sinalizadas atividades de cunho mecânico, que não


contribuem para a aquisição da linguagem escrita pelas crianças, tendo caráter
escolarizante e não fazendo uso social da escrita, tampouco de aspectos lúdicos e
brincadeiras.

Essas análises em diálogo com os referenciais teóricos sobre linguagem escrita na


Educação Infantil possibilitaram uma reflexão da própria prática pela professora
pesquisadora, possibilitando sua mobilização para repensar e ressignificar seus saberes e
seu trabalho, levando em consideração as especificidades de seus alunos da Educação
Infantil.

Referências

ABRAMOVICH, F. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. São Paulo:


Scipione,2009. (Coleção Pensamento e ação na sala de aula).

BETONI, S. T. Linguagem escrita na Educação Infantil: Práticas de uma


ProfessoraPesquisadora. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal
de São Carlos, Centro de Educação e Ciências Humanas: 2021.
71

BODGAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação. Portugal:


PortoEditora, 1994.

BRITTO, L. P. L. Letramento e alfabetização: implicações para a educação infantil.


In:FARIA, A. L. G.; MELLO, S. A. (org.). O mundo da escrita no universo da
pequenainfância. Campinas – SP: Autores Associados, 2005. – (Coleção polêmicas
do nosso tempo, 93). p. 05 - 21.

CRUVINEL, F. R. Ensinar a ler na escola: a leitura como prática social. Ensino Em-
Revista. Uberlândia, v. 17, n.1, p. 249-276, jan./jun. 2010. Disponível em:
http://www.seer.ufu.br/index.php/emrevista/article/view/8194/5212. Acesso em: 05
jul.2021.

ELLIS, C.; ADAMS, T. E.; BOCHNER, A. P. Autoethnography: An Overview.


Forum: Qualitative Social Research, [S.l.], v. 12, n. 1, p. 1-18, nov. 2010. ISSN
1438-5627. Disponível em: http://dx.doi.org/10.17169/fqs-12.1.1589. Acesso em: 01
mai.
2021.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.

MELLO, S. A. Ensinar e aprender a linguagem escrita na perspectiva histórico-


cultural.Psicologia Política, vol. 10, n º 20, jul. – dez. 2010. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpp/v10n20/v10n20a11.pdf. Acesso em: 20 jan. 2020.

VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. Livraria Martins Fontes.


EditoraLtda. São Paulo-SP. 3ª edição brasileira: maio de 1989.
72

Bruna Camandaroba Chiari31


Marineide Rocha32
Patricia Aparecida Celestino dos Santos33
Waldirene dos Santos Faria34

Resumo
O presente relato tem por objetivo refletir sobre o cuidar e o educar juntamente com as
famílias de bebês e crianças bem pequenas em tempos de pandemia da COVID-19,
durante o atendimento remoto, visto que com a interrupção das atividades presenciais nas
instituições municipais de Educação Infantil de São Carlos/SP, as professoras tiveram
que inovar suas propostas pedagógicas a fim de orientar e manter um vínculo com as
famílias, por meio de vivências que pudessem colaborar não só no desenvolvimento e
aprendizagem, mas também com o cuidar, visando o desenvolvimento da autonomia e a
consciência corporal dos bebês e das crianças. Foram enviadas as propostas “hora do
banho”, “lavar as mãos e “brincando de estátua” com o propósito de estimular o cuidado
físico e mental. As vivências realizadas no âmbito familiar foram fundamentais para as
professoras cumprirem seus objetivos, no entanto, sabemos que elas não excluem a
necessidade de se vivenciar essas propostas na instituição de Educação Infantil.
Acreditamos que a parceria entre família e escola é fundamental para articular o cuidar e
o educar.

Palavras-chave: Cuidar, educar, vivências, Educação Infantil, CEMEI.

Introdução
O presente relato tem por objetivo refletir sobre o cuidar e o educar juntamente com as
famílias de bebês e crianças bem pequenas em tempos de pandemia da COVID-19,
durante o atendimento remoto. As famílias têm suas crianças matriculadas em uma
instituição de Educação Infantil pública em uma turma de 21 crianças com 1 a 2 anos com
4 professoras, autoras deste relato.
O ensino remoto foi estabelecido pelo Decreto Municipal 213/2020 e a Instrução
Normativa 01/2020, ambos foram publicados no Diário Oficial do munícipio de São

31
Prefeitura Municipal de São Carlos - bruna.chiari@professor.saocarlos.sp.gov.br
32
Prefeitura Municipal de São Carlos - Marineide.silva@professor.saocarlos.sp.gov.br
33
Prefeitura Municipal de São Carlos - patricia.santos@professor.saocarlos.sp.gov.br
34
Prefeitura Municipal de São Carlos - waldirene.faria@professor.saocarlos.sp.gov.br
73

Carlos/SP no dia 30/06/2020 e ficou estabelecido que os Centro de Educação Municipal


de Educação Infantis deveriam enviar para as famílias propostas de vivências e
orientações com o foco de manter o vínculo família e escola utilizando recursos virtuais.
Diante do proposto pelo decreto, para atender as famílias foi criado um grupo no
aplicativo Messenger e para as famílias que não tinham ou apresentavam dificuldades em
acessar o aplicativo, as professoras acompanharam pelo aplicativo WhatsApp.
No início da pandemia em 2020, as preocupações eram de continuar a promover o
desenvolvimento das crianças da mesma maneira que na instituição de Educação Infantil.
Com o passar do tempo ficou claro a impossibilidade das ações serem as mesmas
vivenciadas no espaço coletivo e formal da Educação Infantil.
As professoras perceberam que a parceria família e escola deveria ser mais estreita do
que as vivenciadas no ambiente institucional. O diálogo e apoio eram essenciais para
continuarem a garantir um mínimo de desenvolvimento com mediações intencionais
educacionais e deveriam ser com recursos caseiros simples e rápidos.
Com o tempo as professoras compreenderam que o papel não era apenas planejar e enviar
as vivências e solicitar o retorno das famílias, por meio de fotos, vídeos e ou relatos da
realização da proposta. Existiriam dificuldades e as famílias precisavam ser acolhidas
neste momento, pelo menos, pela escuta atenta e incentivo quando fosse necessário, e
coubesse tal ação.
Deste modo, nos grupos ou por mensagens particulares para as professoras, algumas
famílias apresentaram suas dificuldades. Os momentos de reuniões com as famílias foram
importantes para conversarem e compartilharem as dificuldades com a rotina da criança
sem ir à Educação Infantil enquanto tinham que trabalhar fora ou em casa, dificuldades
de terem que utilizar o celular para realizar as vivências entre outros assuntos.
Diante das ações e relatos das famílias as professoras perceberam que deveriam acolher
as suas dificuldades e respeitar as famílias que enviavam as vivências realizadas com
os(as) filhos(as) e as que não enviavam, pois, cada lar tinha sua história, que talvez,
poderia ser de contratempos dolorosos.
Assim, ficou claro para as professoras que a interação família e escola em tempo de
pandemia teria como base estrutural o cuidar e o educar com as famílias e cuidar da
família, no sentido de sentir empatia com as suas dificuldades e situações e apoiar. Que
seria indissociável o olhar para a família e para o bebê e a criança.
As professoras tiveram que aprender juntamente com as famílias como promover o ensino
e a aprendizagem de forma remota. As famílias tiveram que aprender a utilizar-se de
74

mídias a organizar o tempo e interpretar as propostas apresentadas pelas professoras. As


palavras de Freire (1996) nunca foram tão claras quanto as vivenciadas neste momento
de pandemia, “Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”
(FREIRE, 1996, p. 23).
A concepção de cuidar e educar neste relato está baseada de acordo com as Diretrizes
Curriculares Nacionais (BRASIL, 2013, p.17)

Cuidar e educar significa compreender que o direito à educação parte do princípio da


formação da pessoa em sua essência humana. Trata-se de considerar o cuidado no sentido
profundo do que seja acolhimento de todos (...)
Educar exige cuidado; cuidar é educar, envolvendo acolher, ouvir, encorajar, apoiar, no
sentido de desenvolver o aprendizado de pensar e agir, cuidar de si, do outro, da escola,
da natureza, da água, do Planeta. Educar é, enfim, enfrentar o desafio de lidar com gente,
isto é, com criaturas tão imprevisíveis e diferentes quanto semelhantes, ao longo de uma
existência inscrita na teia das relações humanas, neste mundo complexo. Educar com
cuidado significa aprender a amar sem dependência, desenvolver a sensibilidade humana
na relação de cada um consigo, com o outro e com tudo o que existe, com zelo, ante uma
situação que requer cautela em busca da formação humana plena.

Deste modo, ao analisar as vivências propostas foram destacadas as que mais


apresentaram-se evidente o binômio cuidar e educar. Não que qualquer outra vivência
fosse possível desvincular tal processo, mas as propostas que por meio das devolutivas
das famílias a satisfação dos bebês e das crianças e sensibilizações humanas ficaram mais
evidentes. Também obtivemos autorização das famílias para a divulgação das imagens
contidas nesta produção.
Desenvolvimento
As propostas foram elaboradas de acordo com a Base Nacional Comum Curricular -
BNCC (BRASIL, 2018) e foram planejadas pelas professoras tendo como metodologia a
brincadeiras, os brinquedos, a dança, as histórias e a interação adulto criança. Os objetivos
eram de promover o aprendizado e desenvolvimento de acordo com a fase a qual os bebês
e as crianças pequenas se encontravam. Propor, algumas vezes, mudanças na rotina
familiar com um olhar mais atento voltado para o bebê e para a criança promovendo
momentos de descontração; em outros momentos conciliar a rotina com momentos de
aprendizagem, desenvolvimento e cuidado.
Para isso, propomos diferentes vivências para atingir os objetivos propostos. A primeira
foi a vivência “Hora do banho”. Iniciamos com um planejamento da vivência (Figura 1).
Depois elaboramos o Flyer para enviarmos às 21 famílias que estão no grupo do
Messenger. 3 famílias fizeram a devolutiva (Figura 2).
75

Vivência 1 – Hora do Banho


Figura 1 - Planejamento

Fonte: acervo drive do CEMEI 1

Figura 2- Flyer da vivência

Fonte: acervo drive do CEMEI 2

Após o envio da proposta, as famílias começaram a enviar as devolutivas em forma de


texto, vídeos e fotos (Figura 3).
76

Figura 3 - devolutiva da família

Fonte: acervo drive do CEMEI 3

A vivência proposta “a hora do banho” foi um momento de conciliar a rotina da família


com o cuidar e o educar. Por meio do relato da mãe foi a primeira vez que foi dada a
oportunidade de a criança utilizar o sabonete e tentar lavar as partes do próprio corpo. As
professoras elogiaram a ação da mãe em realizar a vivência proposta e a incentivou a
realizar mais vezes.
Esse aspecto da frequência é fundamental para a apropriação de hábitos, além de
desenvolver a consciência corporal e a autonomia.
Depois dessa proposta do banho, enviamos a vivência “Lavar as mãos”. Primeiro fizemos
um planejamento coletivo (Figura 4) e depois elaboração o Flyer (Figura 5) para enviar
às famílias.
77

Fonte: acervo drive do CEMEI 4

Figura 5 - Flyer da vivência

Fonte: acervo drive do CEMEI 5

Depois do envio da proposta, 5 famílias enviaram as devolutivas com textos,


vídeos e imagens (Figura 6).
Figura 6 - devolutiva da família
78

Fonte: acervo drive do CEMEI 6

Durante a devolutiva da vivência “Lavar as mãos” pudemos perceber a mesma ação


ocorrida na vivência “A hora do banho”, a criança estava realizando a ação pela primeira
vez com autonomia e a água e o sabão tornaram-se um brinquedo e a criança brincava
com água e a mãe achou que não tinha sido bem sucedida com a proposta. Novamente as
professoras agradeceram a mãe pela devolutiva e orientou que é normal as crianças
brincarem com as coisas que são novidade para elas, ao fazer isso, o bebê e a criança
descobrem o mundo, a função dos objetos e aprende pela experimentação.
Depois dessa proposta de lavar as mãos, elaboramos uma terceira proposta, intitulada
“estátua”. Fizemos o planejamento coletivo da vivência (Figura 7) e elaboramos o Flyer
para enviarmos às famílias (Figura 8).
Figura 7- vivência 3 – Brincando de estátua

Fonte: acervo drive do CEMEI 7


79

Figura 8 - Flyer da vivência

Fonte: acervo drive do CEMEI 8

Depois de enviada a proposta, recebemos 3 devolutivas da brincadeira proposta (Figura


9).
Figura 9 - Devolutiva pela família

Fonte: acervo drive do CEMEI 9

A vivência “Brincando de estátua” diferencia-se das vivências “A hora do banho” e


“Lavar as mãos” pois, vem com uma proposta de modificar a rotina da casa e propõe o
brincar entre família. Pensando no conceito de cuidado de forma mais ampla, a vivência
estátua, visou trabalhar a saúde mental, a partir da música e a saúde física, a partir do
movimento e da consciência corporal. Por meio da análise do vídeo e relato da mãe ficou
evidente o envolvimento da mãe a o interesse pela brincadeira pela criança que com
atenção segue as regras da brincadeira demonstrando prazer em realizá-la.
Considerações finais
80

O cuidar com as famílias exigiu um acolhimento, encorajamento e apoio no sentido de


incentivar o desenvolvimento e aprendizado de cuidar de si e do outro. O educar envolveu
planejamento e atenção às necessidades de desenvolvimento dos bebês e das crianças,
envolveu sensibilidade as dificuldades das famílias e proporcionou formação humana não
só para a criança, mas para a família.
Vivências com as propostas refletem um pouco o trabalho realizado na instituição de
Educação Infantil, sem desvincular o cuidar do educar, no entanto, sabemos que as
vivências em casa não substituem as vivências que poderiam ser realizadas no Centro
Municipal de Educação Infantil. Acreditamos que elas se completam e por isso, as
famílias devem ser bem orientadas para que a parceria família escola se fortaleça cada
vez mais.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes


Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais
Gerais da Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013.

Diário Oficial de São Carlos. Terça-feira, 30 de junho de 2021. Disponível em: <
http://www.saocarlos.sp.gov.br/images/stories/diario_oficial_2020/DO_30062020_1589
.pdf> Acesso em: 10/09/2021.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São


Paulo: Paz e Terra, 1996.
81

Samantha Meconi35

Resumo: O presente artigo apresenta um relato de experiência no cuidado com a


formação de educadores da Educação Infantil, vivida pela ação supervisora na Rede
Municipal de São Paulo, em um contexto de pandemia e de atendimento remoto, de março
de 2020 até o presente momento. O objetivo é demonstrar como a Supervisão Escolar
atuou em um setor periférico, no território Noroeste de São, Paulo, especificamente nos
bairros de Perus e Taipas. Com o foco na perspectiva freireana, buscamos, mesmo em um
contexto pandêmico, construir coletivamente conhecimentos e dialogar com os
educadores da infância sobre as condições reais de atendimento nos Centros de Educação
Infantil em uma realidade inédita.

Palavras-chaves: Formação, Educação Infantil, Supervisão Escolar

Introdução
Em nossa ação supervisora, entendemos que o papel da educação pública deve
ser, prioritariamente, o de incentivar ações democráticas pautadas na dialogicidade, na
perspectiva de uma educação crítica, emancipatória e inclusiva, que garanta direitos e que
esteja a serviço da ciência e do desenvolvimento de bebês e crianças, adolescentes,
jovens, adultos e, consequentemente, da sociedade como um todo. Portanto, priorizamos
a formação permanente da comunidade escolar em nossa prática.
No entanto, é importante destacar que, desde março de 2020, vivenciamos no país
uma crise sanitária, causada pela pandemia do novo coronavírus, que provocou mais de
meio milhão de mortes e mudanças sociais profundas, afetando diretamente as dinâmicas
escolares e a vida como um todo.
A partir desse momento, começamos a pensar na Educação Infantil em tempos
pandêmicos, buscando, nesse cenário atípico, meios para resistir e reexistir com bebês e
crianças pequenas, uma vez que as atividades presenciais nas escolas foram suspensas,

35
Graduada em História, Mestre em Educação pela PUC-SP e Doutoranda em Ciências Sociais pela
PUC-SP. Supervisora Escolar na Rede Municipal de Educação. E-mail: sam.meconi@gmail.com
82

pois, no início da pandemia, o isolamento era a possibilidade plausível para garantir a


proteção e a prevenção. Ainda hoje, o isolamento social é a forma mais eficaz de evitar o
contágio e preservar a vida, porque não temos vacina para todos e todas e, especialmente,
ainda não temos vacinas disponíveis no Brasil para bebês e crianças até 11 anos.
Acreditamos que o isolamento social ideal deveria garantir o auxílio emergencial
para as famílias e alimentação para bebês e crianças. Porém, quando analisamos a situação
real do isolamento e a situação da educação nas periferias da cidade, percebemos a ação
do Estado pautada nos interesses do mercado, abandonando bebês, crianças e suas
famílias a própria sorte. Concordamos com o historiador camaronês Mbembe (2016),
quando ele define a necropolítica.

a noção de necropolítica e necropoder para explicar as várias


maneiras pelas quais, em nosso mundo contemporâneo, armas de
fogo são implantadas no interesse da destruição máxima de
pessoas e da criação de “mundos de morte”, formas novas e
únicas da existência social, nas quais vastas populações são
submetidas à condições de vida que lhes conferem o status de
“mortos-vivos” (MBEMBE, 2016).

A partir das considerações iniciais, o presente trabalho busca relatar a experiência


de cuidado com a formação dos educadores da infância a partir da ação supervisora,
desenvolvida junto às escolas públicas municipais de Educação Infantil da rede direta e
conveniada do território Taipas/Perus36, dando destaque à construção do trabalho coletivo
no contexto da pandemia e pautada nas ideias de Paulo Freire, especialmente em uma
concepção libertadora que se afaste de um modelo controlador e burocrático. Nos dizeres
de Freire:

“No momento em que o supervisor ou supervisora tomam como


objeto da sua supervisão os aspectos mais formais, ou certos
pormenores da prática de seu companheiro, mas sem se
comprometer com ela, então eu acho que os riscos para a
burocratização são enormes” (1982, p. 94)

36
Taipas e Perus são regiões da periferia da cidade de São Paulo, no território noroeste.
83

Descrição do caso

A partir da suspensão das atividades presenciais, foi preciso pensar o ensino


remoto ou uma “educação a distância” para a Educação Infantil. Tal situação mobilizou
pesquisadores da infância. Como manter vínculos?
As professoras e os professores, gestoras e gestores usaram seus equipamentos e
os dados da internet para acolher as famílias e para realizar o seu trabalho junto aos bebês
e crianças pequenas. E, na discussão de protocolos e possível retorno presencial, bebês e
crianças pequenas foram invisibilizados, pois o protocolo não contemplava as
especificidades de cuidado com os bebês. O colo e todos os outros momentos de cuidados
individualizados, não cabem no protocolo. Assim como os bebês e crianças, os
profissionais da Educação Infantil também não foram ouvidos para a construção do
protocolo sanitário.
Nesse cenário, durante os processos formativos que aconteceram no ano de 2020,
nos deparamos com uma situação desafiadora de realizar a ação supervisora à distância,
cuidando para manter a conexão com as pessoas, combater a fome e defender a vida.
A partir da pandemia global do novo coronavírus, as desigualdades sociais
aprofundaram-se extremamente, afundando o país em uma crise sanitária gerada pela
rápida e persistente expansão da doença COVID-19, associada à ausência de medidas
políticas efetivas de controle e combate ao vírus, que têm causado centenas de milhares
de mortes e profundas crises sociais. Além de devastar o país, a pandemia afetou
diretamente as dinâmicas escolares e a vida como um todo. A partir da leitura desse
contexto contemporâneo, a leitura de mundo que tanto preconizava Paulo Freire,
questionamos: qual é o papel da educação pública nesse contexto? Qual é o papel da
supervisão escolar na atuação junto às escolas públicas? De que maneira os ensinamentos
de Paulo Freire podem ser refletidos na ação supervisora? Conforme mencionado
anteriormente, a situação com a qual nos deparamos trouxe enormes desafios, como a
necessidade de realizar a ação supervisora à distância e também de aprender a lidar com
o uso das tecnologias, o que significou construir um diálogo com as pessoas que estão
“no chão da escola” e o cuidado com a formação dos profissionais da Educação Infantil
Acreditamos que a ação supervisora deve ser construída e pautada em uma postura
de diálogo, de troca de saberes, de cooperação com as escolas, promovendo a participação
84

e a construção de decisões coletivas com a finalidade de ampliar conhecimentos e garantir


espaços de cuidado e de vida. A observação das crianças e uma escuta atenta de seus
interesses, experiências e das culturas infantis faz com que o diálogo se efetive.
Portanto, para garantir a proximidade e a formação dos profissionais de Educação
Infantil, nos valemos da utilização das reuniões periódicas e remotas. A princípio, os
encontros formativos aconteciam uma vez por mês; porém, a partir da necessidade das
equipes gestoras, passamos a nos encontrar ora semanalmente, ora quinzenalmente.
A Educação Infantil traz em si complexidade. É preciso a escuta de quem vive o
dia a dia das escolas e das regiões periféricas. Concordamos com Freire, que nos ensina
que o nosso desafio é perceber que, nesse contexto, a educação é indispensável para a
transformação social.
Acreditando que toda ação educativa é um processo em construção, apresentamos
a seguir um relato de como construímos nossa ação supervisora nesse contexto de
pandemia em todas as etapas e modalidades da Educação Básica. Atuamos na Diretoria
Regional de Educação de Pirituba/ Jaraguá, especificamente na região Noroeste de São
Paulo, nos bairros de Taipas e Perus. Cada supervisor/a da DRE Pirituba Jaraguá
acompanha em média 11 escolas: Educação Infantil – Escolas Municipais de Educação
Infantil (pré-escola) e Centros de Educação Infantil (creches conveniadas, diretas e
indiretas)37 , Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação de Jovens e Adultos, Centro
Educacional e Cultural Indígena e Escolas Bilíngues para Surdos, além das escolas
particulares de Educação Infantil.
Realizamos frequentemente reuniões com nossos setores, com a equipe gestora
(diretor/a, assistente de diretor/a e coordenador/a pedagógico/a) e também convidamos
professores/as, mesmo que por representação por unidade escolar, para debater problemas
e ações em comum, trocar ideias e estudar. Chamamos esses encontros virtuais de
Diálogos no Território Noroeste, que foram se ampliando para além dos contextos
escolares, e tivemos a oportunidade de conversar com a comunidade escolar, com
convidados/as em um esforço de construir uma relação intersetorial e proporcionar uma
troca de saberes.

37
A rede direta é formada por escolas cuja instalações e RH são construídas e totalmente administradas
pela Secretaria Municipal de Educação. A rede indireta é formada por centros de educação infantil (CEI)
cujo prédio é de propriedade do poder público, ou alugado por ele, cuja gestão é feita por organização
privada conveniada com a prefeitura de São Paulo. A rede conveniada, atualmente chamada de parceira, é
constituída por equipamentos de educação Infantil nos quais tanto o prédio quanto a gestão são de
responsabilidade da Organização da Sociedade Civil.
85

Sendo assim, durante o processo formativo de 2020 a 2021, refletimos


coletivamente e dialogicamente com os profissionais da Educação Infantil. No início de
2021, com a autorização do retorno presencial, abordamos os seguintes temas: retorno
seguro e discussão dos protocolos sanitários; educação e cuidados; Abordagem Pikler;
Registro e Documentação Pedagógica; Mini-Histórias; organização dos espaços e
materiais em contexto de pandemia; alimentação e repouso; interações e brincadeiras em
contexto de pandemia. A partir dos registros, fotos, relatos, vídeos e documentação
pedagógica que as unidades traziam nas reuniões virtuais, pudemos olhar essa realidade
inédita e colocar os bebês e crianças, com segurança, no foco.

Discussão

Em nossa concepção, o Supervisor Escolar precisa estar ao lado das escolas,


discutindo e colaborando com as reflexões e ações referentes aos seus Projetos Políticos
Pedagógicos (PPPs), numa relação de horizontalidade e parceria às aprendizagens e a
produção de conhecimento, trazendo para o cerne do trabalho a reflexão e a ação no
diálogo com a comunidade, as famílias, trabalhadoras e trabalhadores como nós. Para
tanto, a ação supervisora precisa pensar os desafios da escola pública nos territórios
periféricos da cidade, pois como nos ensinou Paulo Freire (2002):

Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de


forma neutra. Não posso estar no mundo de luvas nas mãos
constatando apenas. A acomodação em mim é apenas caminho
para a inserção, que implica decisão, escolha, intervenção na
realidade.

Corroboramos com o pensamento de Paulo Freire que preconizava em sua ação


pedagógica a conscientização para a luta pela transformação social, econômica, ética e
política, garantindo assim os direitos humanos fundamentais.
Essa vivência formativa, de forma remota e em contexto de pandemia, foi muito
significativa, pois mesmo estando longe, procuramos estar juntos com as unidades de
Educação Infantil, como uma possibilidade de formação permanente numa concepção de
escola de Educação Infantil na qual a brincadeira e o diálogo sejam elementos fundantes.
86

Conclusões

Este relato teve como objetivo abordar o cuidado da ação supervisora em relação
à formação dos educadores de Educação Infantil inspirada nos princípios freireanos e,
especificamente, em um contexto da pandemia. Destacamos que todas as ações que
realizamos coletivamente revelam que conhecimento e atuação no território trazem
possibilidades e potencialidades e deveriam ser ponto de partida para o planejamento de
políticas educacionais.
Destacamos que em nossa ação supervisora reconhecemos a importância de cuidar
da formação de quem cuida, a potencialidade das ações coletivas, nas quais o diálogo é o
motor da reorganização do currículo e dos contextos educativos. Em nossos encontros
formativos e dialógicos, reconhecemos que são muitos os desafios. Porém, seguimos na
construção da escola à serviço do bem público e da garantia de direitos.
Assim como a gestão de Paulo Freire, que valorizou a participação e a autonomia,
acreditamos que, ao colocar em prática tais princípios, há o convite à tomada de decisões,
à colaboração e à responsabilidade compartilhada.

Referências Bibliográficas

FREIRE, P. A Educação na Cidade. São Paulo: Cortez, 1991

FREIRE, Paulo. Educação: o sonho possível. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org). O
educador: vida e morte. 8 ed. Rio de Janeiro: Edições Greal, 1982. pp
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MBEMBE, A. Necropolítica. Arte & Ensaios – Revista do PPGAV/EBA/UFRJ, n. 32, p.


123, dez.2016.
87

Bruna Cury de Barros38


Érica Carolina Romano Zanquim39

Resumo: A partir de um diálogo com pesquisadores da área da Educação Infantil (EI),


esse trabalho teórico discute sobre a construção do olhar cuidadoso sobre as crianças bem
como às propostas pedagógicas oferecidas à elas, especialmente nesse período da
pandemia da COVID-19. Tratamos a infância como uma etapa muito importante e única
na vida das crianças e, por isso, devemos garantir-lhes os seus direitos à educação de
qualidade, brincadeira, afeto, interações. Reconhecendo que a pandemia impactou
diretamente as vidas das crianças, distanciando-as dos espaços físicos das instituições de
EI, consideramos que escutar e observar a criança oferece pistas para a proposta de uma
prática pedagógica que respeite suas necessidades, sentimentos, formas de comunicação.
Ademais, também ressaltamos a importância do cuidado com os professores, o qual pode
acontecer por meio do oferecimento de apoio e formação para que possam constituir um
trabalho com mais sensibilidade nesse contexto de adversidades.
Palavras-chave: Infâncias; Cuidado; Educação Infantil; Pandemia.

Introdução

Quando alguém pensa em uma criança, a figura que lhe vem à mente se refere a
uma imagem que se criou - de acordo com crenças, valores, senso comum etc - sobre o
universo infantil. É provável que muitas pessoas imaginem um “padrão” de criança, um
ser pequeno, puro, inocente, sorridente, obediente, bem arrumado. Essa “romantização”
não se distancia das propagandas, fotos, anúncios que circulam nas diferentes mídias em
nossa sociedade. Entretanto, apesar de muitos imaginarem existir “a” criança e “a”
infância, não podemos tratar este assunto no singular ou idealizar um “padrão”, uma vez
que são diversas as infâncias e as crianças que as vivem.

38
Professora EBTT na UAC/UFSCar. Doutoranda em Educação pela UFSCar. E-mail:
brunacb@ufscar.br
39
Professora I, no município de São Carlos. Mestre em Educação Escolar pela UNESP. E-mail:
romano.ericac@gmail.com
88

Da mesma forma, a compreensão do papel da Educação Infantil (EI) para a vida


dessas crianças também se alterou. Se antes o atendimento era assistencial, bastando o
oferecimento de um local limpo onde bebês e crianças pequenas pudessem ficar sob os
olhares de um adulto, atualmente se reconhece a relevância da função pedagógica na EI.
Essas mudanças aconteceram por lutas políticas e sociais que defendiam práticas
pedagógicas que integrassem cuidado e educação, privilegiando o brincar, a ludicidade,
a experimentação e as mais diferentes linguagens (BARBOSA; CAMPOS, 2015).

Com o início da pandemia da COVID-19, em março de 2020, a EI enfrentou mais


um desafio: continuar a cumprir com o seu papel na vida das crianças e de suas famílias,
mesmo que de maneira remota. Entretanto, questiona-se: onde estão agora essas crianças
que pertenciam a estes espaços? A EI ainda faz parte de suas vidas? Se faz, de que maneira
está presente? Tais questionamentos são propostos, pois muito se discute sobre o retorno
das crianças no pós-pandemia, mas pouco se considera as crianças enquanto sujeitos deste
tempo, em que se dá a pandemia. Elas são sujeitos reais que se constituem nas relações
sociais pautadas nos tempos de hoje, bem como de suas limitações. Talvez seja ingênuo
da nossa parte achar que estão dentro de casa e que este período tem sido vivido de
maneira igualitária e com qualidade para todas.

Notando as muitas dimensões da pandemia e o que ela nos tem permitido perceber
em relação à escola (KOHAN, 2020), acreditamos que a situação atual – apesar de difícil
- pode ser importante para problematizações e mudanças na EI. Partindo desta
perspectiva, o presente texto se refere a um trabalho teórico, de caráter bibliográfico (GIL,
2002). Por meio do diálogo com autores da área da EI, discutimos a construção do olhar
cuidadoso sobre as crianças bem como às propostas pedagógicas oferecidas a elas,
especialmente nesse tempo de confinamento vivido por nós.

Dimensões do fazer docente na EI

A infância é um conceito moderno, construído socialmente e que tomou novas


dimensões ao longo dos anos. De acordo com Sarmento (2004), na Idade Média, as
crianças eram vistas como seres biológicos, sem nenhum tipo de status social, e
permaneciam assim até trabalharem ou participarem das guerras ou, ainda, se
reproduzirem. Apesar de sempre ter existido criança na sociedade, não se pode dizer o
mesmo sobre a infância. Para Sarmento (2004, p.3), “a construção histórica da infância
89

foi o resultado de um processo complexo de produção de representações sobre as crianças,


de estruturação dos seus quotidianos e mundos de vida e, especialmente, de constituição
de organizações sociais para as crianças”. Assim, a institucionalização da infância se deu
por: pelo processo de escolarização; produção de brinquedos específicos infantis; e, por
último, desenvolvimento do sentimento da família em relação à criança, oferecendo a elas
cuidado, proteção e estímulo (SARMENTO, 2004; MAIA, 2012). Considerando a
construção do sentimento de infância, podemos compreender que:

o lugar da infância é um entre-lugar o espaço intersticial entre


dois modos - o que é consignado pelos adultos e o que é
reinventado nos mundos de vida das crianças - e entre dois tempos
- passado e futuro. É um lugar, um entre-lugar, socialmente
construído, mas existencialmente renovado pela ação coletiva das
crianças (SARMENTO, 2004, p.2-3).

Partindo dessa perspectiva, tratamos a infância de maneira global sem deixar de


reconhecer as diversidades referentes à classe social, locais de moradia, etnia, gênero.
Falar sobre as crianças brasileiras, por exemplo, é considerar que há aquelas que
trabalham nas lavouras enquanto outras vão à escola; que há as que vivem com suas mães
ou avós ou em orfanatos; que moram em fazendas e, por isso, observam e interagem
diariamente com a natureza; mas que também existem as que vivem em apartamentos de
grandes cidades urbanas; há ainda crianças indígenas; crianças que falam com seus
diferentes dialetos, sotaques, gírias e expressões regionais. Todas essas crianças possuem
um modo próprio de ver as coisas a partir de suas vivências no mundo. Isso porque elas
nascem inseridas em grupos, etnias, classes sociais, e as experiências vivenciadas nestes
contextos influenciarão suas ações e significados construídos sobre objetos, pessoas,
relações (KRAMER, 2007).

Por esse universo ser composto por tantas experiências, histórias, contextos e
vidas, temos que reconhecer a infância como uma etapa muito importante e única. Por
isso, a criança deve “ser protegida da exposição inadequada de determinados assuntos ou
acontecimentos, bem como resguardadas de atitudes e situações violentas” (NOGUEIRA,
2016, p.493). Fato este que implica na garantia de direitos relacionados “a condições
dignas de vida, à brincadeira, ao conhecimento, ao afeto e às interações saudáveis”
(KRAMER, 2007, p.17) nos ambientes em que frequenta, especialmente nas instituições
de EI. Há caminhos para organizar práticas pedagógicas “sem abreviar a infância – ao
90

contrário, respeitando as formas da relação da criança pequena com o mundo da cultura


que a rodeia – e sem restringir seu acesso às formas mais elaboradas da cultura histórica
e socialmente acumulada” (MELLO, FARIAS, 2010, p.54).

Neste contexto de pandemia, também precisamos - mais do que nunca - olhar para
as crianças e a infância desta forma, pois se antes já nos era um grande desafio o exercício
de escuta às crianças, a pandemia as "silenciou" ainda mais. Isso porque houve grande
alteração na vida das famílias, professoras e equipe escolar. Todas/os tiveram que, em
pouquíssimo tempo, criar e reorganizar novas maneiras de viver tudo isso. Professoras
estão lidando com a sobrecarga de trabalho remoto; muitas vezes, não possuem
instrumentos, espaços e recursos adequados que sustentem esse cotidiano virtual
(KOHAN, 2020). As famílias, em especial as mães, para quem o trabalho doméstico recai
historicamente, vivem uma situação desafiadora, pois muitas atuam em trabalhos
considerados “essenciais”, outras perderam o emprego ou sua renda diminuiu. Somado
ao trabalho de casa e os desafios econômicos, de saúde e emocionais, estão agora
passando todas as horas do dia com as crianças.

Para Kramer (2020), a pandemia gerou uma inquietação, um desafio de como


continuar trabalhando com as crianças. Cada instituição - pública ou particular - está se
dirigindo às famílias e às crianças a partir do seu referencial de educação, da sua
concepção de infância, da sua visão de mundo e da sua compreensão do mundo hoje. Isso
gera comportamentos diversos, decisões políticas e ações desiguais.

Do outro lado desse cenário conturbado existem as crianças que, no caso da EI,
são ainda muito pequenas e não aprendem a partir de “conteúdos”, mas pelo brincar,
interações e linguagens. Por isso, a proposta pedagógica das instituições de EI devem ter
como objetivo principal/fundamental garantir às crianças acesso a “apropriação,
renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens,
assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à
dignidade, à brincadeira, à convivência e à interação” (BRASIL, 2009).

Assim, ao longo do seu processo de aprendizagem e desenvolvimento, a criança


irá interagir com o mundo – adultos, crianças, materiais, objetos, natureza – e se expressar
não somente por meio da linguagem oral como também pela apropriação e emprego de
outras simbólicas. Isto é, as linguagens simbólicas auxiliam na construção de sua
narrativa ao expressar aquilo que não se consegue por meio das palavras (MASCIOLI,
91

2015). Compreendemos, portanto, que a criança necessita de “um desenvolvimento


integral que englobe, entre outras coisas, o exercício de sua capacidade criadora,
[imaginativa] e sensorial e o estímulo a suas diferentes formas de linguagem e
expressividades” (MASCIOLI, 2015, p.64) pela brincadeira e arte. Assim, as propostas
pedagógicas devem estimular a “condição autoral e criadora da criança, promovendo uma
educação que oportunize às crianças se constituírem como sujeitos de linguagens de fato,
capazes de produzirem significados” (MASCIOLI, 2015, p.64).

Devemos, assim, nos atentar se nesse período de pandemia está sendo


oportunizado às crianças seus direitos fundamentais. É evidente que elas estão vivendo
um período de perdas, perda do relacionamento com os amigos da escola, com a
professora, com os outros familiares, dos passeios, necessárias ao período atual. Essas
perdas são temporárias e chegará o momento em que todos irão retomar à rotina de antes.
Entretanto, enquanto essa situação ainda permanece, consideramos que o papel do adulto
é oferecer escuta para as crianças e trazer informações para que elas possam ampliar seu
conhecimento sobre o vivido. Quando nos referimos a ‘escutar às crianças’ referimos a
ouvir o que elas dizem, mas também observar outras expressões (gestos, desenhos,
emoções, seus sonhos ou pesadelos), pois nem sempre aquilo que ela sente e pensa é
expressado pela fala, mas de modo difuso em sua forma de agir e nas suas relações. Se
elas expressam de diferentes formas, diversas formas nós temos de apresentar a situação,
através de histórias, vídeos, desenhos, enfatizando que ela está protegida e que muitos
adultos estão trabalhando para a situação melhorar.

Esses dois anos de isolamento social mostrou que a EI faz falta na vida das
crianças, por ser um espaço de tempo e de vivência plena da infância, de encontro com
outras crianças e por ser um ambiente acolhedor que alimenta não apenas o corpo
biológico, mas o ser social, cultural e histórico. Essa situação nos conduz a algo
importante: durante e após a pandemia - momento de restrição do interagir e movimentar-
se - será essencial deixar que as crianças brinquem! Para Kramer (2020, p.790) esse será
o maior ensinamento para a EI: “Os adultos vão ficar preocupados com os horários, as
rotinas de funcionamento, tensos e querendo trabalhar com o currículo [...] e as crianças
vão querer brincar, e isso vai ser muito bom”.

Não podemos mais aceitar práticas na EI que desrespeitem o direito de ser criança
e a maneira como ela interage com o mundo, consigo mesma e com o outro. A isso nos
92

referimos a adoção de cartilhas para treino motor (repetição incansável de letras; recortes
nas linhas pontilhadas; pinturas em figuras delimitadas) – materiais estes que também
ignoram a diversidade; a organização de salas com apenas mesas, cadeiras, bebê conforto,
sem a presença de materiais diversificados, espaços livres, cantos de brincadeiras e de
leitura – restringindo os movimentos dos seus corpos e interações com os outros; a
produção exacerbada de “trabalhinhos no papel”; o oferecimento da brincadeira como um
passatempo, não reconhecendo as aprendizagens, explorações, interações propiciadas
pelas atividades lúdicas. Esses são exemplos de práticas que veem a criança como um
sujeito passivo; menosprezam a capacidade infantil (crianças são pequenas em tamanhos
e não em saberes!) tratam a infância como algo “global” (não reconhecem a existência de
“infâncias” compostas por uma diversidade de histórias, vivências, contextos!);
valorizam apenas a escrita, desconsiderando as outras linguagens simbólicas presentes no
mundo infantil.

Ao não reconhecer o papel fundamental do lúdico, da imaginação e cultura para


o processo de aprendizagem e desenvolvimento infantil, não são oferecidos materiais,
objetos e outras condições para a promoção de vivências significativas (MELLO;
FARIAS, 2010) que estimulem o papel de autoria da criança. Em contrapartida,
defendemos que o âmbito “cuidar” na EI envolve a defesa e garantia do que consideramos
essencial e “específico da infância: seu poder de imaginação, a fantasia, a criação, a
brincadeira entendida como experiência de cultura” (KRAMER, 2007, p.15).

Seja durante o período remoto ou presencial é fundamental que pré-escolas e


creches proporcionem a interação da criança com livros, pinturas, fotos, dança, cinema,
histórias, músicas, peças, poemas, cantigas. De acordo com Kramer (2003, p.102), as
propostas desses tipos de experiências de “dimensão artística são importantes porque são
capazes de inquietar, de provocar a reflexão para além do momento em que acontecem”.
Sob tal perspectiva, as instituições devem ser cuidadosas ao planejarem vivências,
organizarem tempo e prepararem espaços de forma que ofereça: liberdade de expressão
às crianças por meio do uso de diferentes linguagens (fala, arte, toque) em momentos de
rodas de conversas, em cantos de brincadeiras, em pinturas individuais e coletivas, em
circuitos com pneus, bolas, cordas, tecidos, na investigação sobre a natureza, na
descoberta de livros; na promoção de brincadeiras em espaços, materiais e interações
adequados; na proposta de vivências que valorizam as diferentes infâncias, reconhecendo
a criança como um sujeito histórico que possui singularidades, saberes e necessidades
93

próprias. Tornar as crianças como centro do planejamento curricular, reconhecendo o seu


papel ativo sobre a descoberta do mundo é essencial e há infinitas possibilidades para
serem exploradas e que atinjam esse objetivo.

Podemos apresentar às crianças obras de arte e instigar a leitura que cada uma faz
sobre aquela pintura, desenho, escultura, como: Quais sons poderíamos imaginar ouvir
no quadro “uma festa” do Bruegel? A comida parece saborosa? Quantas frutas, legumes,
flores você consegue encontrar no rosto pintado por Arcimboldo? Se você fosse pintar
um rosto, o que usaria? O que as crianças estão fazendo no quadro de Portinari? Vocês
reconhecem alguma brincadeira? Será que está fazendo calor ou frio? Outra ideia é o uso
de recursos tecnológicos como uma forma das crianças demonstrarem o seu olhar sobre
o mundo em que está inserida. Assim, elas podem fotografar ou filmar momentos, falas,
brincadeiras, objetos, projetos, descobertas. O que elas têm a dizer sobre seus professores,
amigos, vivências, famílias, somente por meio de imagens? O que gostariam de falar
através dessa linguagem simbólica? E se elas produzirem podcasts sobre assuntos que
estudaram, pesquisaram?

Esses momentos, espaços, ações e vivências devem ser cuidadosamente


planejados a fim de que cumpram com o seu papel lúdico, educativo e significativo para
as crianças e em conformidade com o propósito da EI. Para a efetivação dessas práticas
também é necessário que os professores atuem como mediadores, promovendo a
participação ativa da criança com o objeto do conhecimento por ações que envolvam o
educar-cuidar-brincar (GUIMARÃES; GARMS, 2013). Para tal, é imprescindível que o
professor conheça a criança pequena para exercer plenamente seu papel de educador, o
que inclui valorizar e reconhecer suas manifestações privilegiadas, com destaque para as
atividades lúdicas (LIMA, 2008). Também é fundamental que ele receba apoio e
formação específica de forma a fundamentar a sua prática pedagógica, atendendo ao ser
criança, refletindo sobre suas ações e reconfigurando-as sempre que necessário de forma
a educar, estimular e interagir.

Considerações finais

Quando discutimos sobre a EI estamos tratando de questões que vão muito além
de aspectos relativos à instituição educativa em si - sobre como é organizada ou o seu
currículo ou suas necessidades ou qualidades. Falar sobre creches e pré-escolas é falar,
94

antes de qualquer coisa, sobre criança (DIDONET, 2001). É falar sobre ser criança na
nossa sociedade do passado, do presente e do futuro. “E é, também, falar um pouco de
nós mesmos, pois quando nos colocamos diante da criança, como pais ou educadores,
estamos nos interrogando sobre a nossa própria trajetória a partir da criança que fomos”
(DIDONET, 2001, p.11) e daquilo que imaginamos que uma criança deva ser.

Por mais que tenhamos criado uma definição global de criança (um ser inocente?
sorridente? feliz? sincero?) e de infância (seria esse um momento da vida em que o único
fazer dos pequenos é brincar?), devemos desconstruir essas concepções e crenças a fim
de reconhecer que nenhuma criança e infância se molda à caixinha que criamos em nosso
imaginário. Esse também é um passo importante para que as instituições de EI possam
cumprir com o seu papel de acolher e de estar aberta ao criativo, novo e inusitado
(DIDONET, 2001).

Ao reconhecer as crianças como sujeitos históricos e de direitos, entendemos que


a vivência particular de cada uma constitui sua identidade. O novo contexto educacional
requer, portanto, um olhar e uma escuta sensíveis e cuidadosas às crianças, sendo
reconhecidas em seus desejos, gostos, interesses e potencialidades; que as veja como
sujeitos ativos; requer novas práticas pedagógicas que garantam o desenvolvimento
infantil por meio do cuidado, da educação e da brincadeira; que possibilite que a criança
experimente e se relacione com o mundo por meio das diferentes linguagens; que estimule
a criação, valorizando as formas de expressão infantil (BRASIL, 2009).

Ao afirmarmos que as crianças elaboram e produzem culturas a partir das relações


que vivenciam, estamos dizendo que elas criam estratégias de ação por meio de diferentes
linguagens que usam para se manifestarem. Contudo, na pandemia, estes momentos
podem ter passado despercebidos pelos adultos do ambiente doméstico, justamente por
não possuírem formação para promoção do desenvolvimento infantil. É evidente que tudo
varia de acordo com a idade, as características da criança, o contexto familiar e social e,
principalmente, o jeito com que os adultos ao redor lidam com a situação. Mas todos os
conviventes com a criança tiveram, em algum tempo, a pensar sobre os momentos de
desenvolvimento e de cuidado, constatando que o processo educativo é algo complexo.

Além disso, a restrição da convivência com outras crianças trouxe evidências de


quanto essa interação é essencial. Quando as medidas de distanciamento social foram
adotadas, as crianças passaram a ter mais tempo sem uma ocupação estruturada. Apesar
95

da importância do tempo livre, ele precisa ser intercalado com momentos dirigidos e,
principalmente, com situações de interação. O tempo livre por si, a exposição a vídeos e
os brinquedos educativos não são suficientes para promover o desenvolvimento.

Nas relações virtualizadas, não conseguimos identificar o que de fato as crianças


estão vivendo e como estão produzindo sentidos em relação a tudo isso. E, para nós
professores, um grande desafio é exercer uma prática em essência educativa com tais
limitações. Por isso, consideramos que escutar e observar a criança em suas práticas
culturais, suas brincadeiras, criações e representações, permite-nos mais que uma
aproximação do universo cultural infantil. Isso nos instiga a outras indagações sobre a
visão que o adulto tem a respeito da criança, ao mesmo tempo em que nos oferece pistas
para o trabalho de intervenção pedagógica com maior sensibilidade, de maneira a não
tornar evasiva as oportunidades de aprendizagens e trocas por meio das manifestações da
cultura infantil.

Conforme Kramer, 2020, educar significa cuidar e ensinar. A educação é um


processo amplo, é nosso papel, nossa responsabilidade, está presente em todas as áreas.
Se olharmos para o que estamos vivendo hoje, (a pandemia causada pelo novo covid 19),
o cuidar se tornou tão relevante, tão importante não só na escola. Hoje a grande palavra é
“cuide-se”, cuide do outro, cuide de você.

É necessário, assim, se pensar no agora e organizar ações pedagógicas que tenham


um olhar cuidadoso sobre as crianças e suas necessidades próprias, principalmente nesse
contexto de pandemia. Práticas essas que devem possibilitar que elas se (re)conheçam, se
descubram, construam novos olhares sobre o mundo, despertem suas sensações,
aprendam sobre suas emoções, expressem seus sentimentos, inventem histórias,
construam laços afetivos.

Mas para que isso seja efetivado, devemos questionar: Como estão sendo cuidados
aqueles que devem ser cuidadosos com as crianças na EI? Talvez, professores de crianças
pequenas também tenham vivido durante muito tempo experiências que aprisionaram a
dimensão criativa, artística, inventiva (OSTETTO, 2013). Por isso, salienta-se a
necessidade do oferecimento de um apoio e formação aos professores nesse contexto de
pandemia de forma que “vise ampliar olhares, escutas e movimentos sensíveis, despertar
linguagens adormecidas, acionar esferas diferenciadas de conhecimento, mexer com o
corpo e alma” (LEITE; OSTETTO, 2013, p.11-12).
96

Oferecer vivências e experiências diversificadas durante a formação docente é


proporcionar aos professores um repertório de novas sensações que possibilitarão que eles
se (re)conheçam como pessoa e professor; que desconstruam olhares enrijecidos; que
tenham consciência do próprio corpo; que desenvolvam um olhar e uma escuta sensível;
que tenham uma visão de mundo mais ampliada; que superem estereótipos (LEITE;
OSTETTO, 2013). Desta maneira, estaremos a oferecer uma formação que não se
restringe ao ensino de técnicas e modelos de atividades prontas para serem utilizadas
presencialmente ou remotamente na EI. Propomos vivências para aguçar nos professores
o desejo de construir, criar, produzir, explorar e de se autoconhecer como pessoa e como
profissional.

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98

Apresentação Criativa
99

Danitza Dianderas da Silva (danitzads@ufscar.br)

O presente relato de experiência apresenta mini-histórias elaboradas pela professora da


turma do Grupo 2 (crianças de 2 a 3 anos – período da tarde) da Unidade de Atendimento
à Criança (UAC) localizada na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) no campus
de São Carlos – SP, ao final do primeiro semestre de 2021. As mini-histórias foram
elaboradas a partir de fotografias e vídeos enviados pelas famílias e se relacionam às
vivências planejadas e enviadas de forma remota - devido ao contexto da pandemia. De
pose destes materiais, a professora da turma analisou os mesmos e elaborou mini-histórias
cuja intencionalidade é documentar os percursos de aprendizagens de cada criança,
considerando sua individualidade. “A escrita de mini-histórias ocorre a partir da
revisitação dos observáveis que o professor produz sobre o cotidiano pedagógico, e, ao
revisitá-los, tem a chance de compreender a complexidade das atuações infantis e saber
narrá-las” (FOCHI, 2019, p. 88-89) dentre outros aspectos, as mini-histórias de
caracterizam por “quão abundantes e significativas são as percepções que essa
documentação pode nos dar sobre o mundo das crianças e seus modos de aprender”
(REGGIO CHILDREN, 2021, p. XVII), possuem ainda um caráter poético que se
aproxima do universo das infâncias. Para cada uma das oito crianças da turma foi
selecionada uma sequência de fotografias ou um vídeo, em que a professora buscou
capturar, destacar e dar expressividade aos acontecimentos contidos nos materiais,
buscando por meio de uma breve narrativa imagética e textual, elaborar fragmentos
poéticos que impulsionam e valorizam a ação de cada criança. Notamos que ao receber
as mini-histórias, as famílias das crianças recepcionaram novas significações sobre suas
crianças e o fazer pedagógico.
Palavras-Chave: Educação Infantil; Documentação Pedagógica; Mini-histórias.

Referências:
FOCHI, Paulo (org). Mini-histórias: rapsódias da vida cotidiana nas escolas do
Observatório da Cultura Infantil – OBECI. Porto Alegre: Paulo Fochi Estudos
Pedagógicos, 2019.

REGGIO CHILDREN. As cem linguagens em mini-histórias: contadas por professores


e crianças de Reggio Emilia. Porto Alegre: Penso, 2021.
100

Thais Fernanda Leite Madeira


Rebeca Miranda

Cozinhar como uma dimensão do cuidar surgiu a partir de trocas de receitas entre crianças
e famílias das crianças do Grupo 4 do período da tarde da Unidade de Atendimento à
Criança da UFSCar através do grupo de famílias em uma rede social- WhatsApp. Em
meio à Pandemia da Covid 19, as famílias começaram a trocar fotos dos momentos
vivenciados em família e, que, geralmente, eram cozinhando. À partir desta experiência,
começamos a inserir no encontro com as crianças do Grupo 4 vivências culinárias que
se constituiu como um momento de trocas, de afetos, de amores, do cotidiano, da rotina
e que vão além de receitas saborosas. Nesse momento de isolamento o ato de cozinhar foi
e ainda é tão importante porque propicia uma socialização dentro de casa, de sentar-se à
mesa, conversar, ensinar às crianças esse processo mágico e, principalmente do resgate
do cozinhar em casa. Achinte (2014) propõe uma reflexão em relação às “implicações
culturais do ato de comer”, sendo a alimentação uma ação que não deve ser considerada
inocente, para ele, comer vai além de alimentarse, pois esse ato é marcado por uma série
de relações sociais, culturais, raciais e de gênero, as quais são atravessadas pelo poder. A
forma como nos alimentamos e cultivamos nossos alimentos podem dizer muito sobre
como vivemos, nossa cultura e até mesmos aspectos sobre a política, poder e colonização.
Achinte (2014) chama de desculturação gastronômica o processo de incorporar os hábitos
alimentares impostos pelos colonizadores. Por isso, chama a atenção para a urgência deste
debate nas vivências culinárias, sendo importante para o resgate dos costumes, das
memórias aos saberes e sabores (ACHINTE, 2014), permitindo que se coloque em curso
o processo de descolonização e problematizando os alicerces do que seria ""uma boa
receita"", ""uma boa comida"", ""verdadeira cozinha"", "" alta gastronomia"", etc. Neste
sentido, é possível pensarmos no ato de cozinhar como um valor simbólico e metafórico.
como um caminho possível para o cuidado de si e do outro. No preparo das receitas, todo
o processo é uma experiência que promove resultados únicos, pois cada criança, cada
família, dispõe de um campo de referências próprio para o entendimento dos sabores e
gostos. E isso às crianças demonstraram durante essa jornada que trilhamos com a
interatividade, as trocas de receitas entre famílias e professora, entre as próprias crianças,
101

entre estagiárias e crianças, estagiárias e professoras e assim, compartilhamos além de


receitas, nosso tempo e o espaços da nossa casa, como nossas cozinhas, onde eram
preparadas e socializadas através das ferramentas tecnológicas como computadores e
celulares. Ao cozinhar criamos significados e representações em nossas vidas, ativamos
e resgatamos memórias, por exemplo, através de receitas familiares que são passadas de
geração em geração. O resultado desta experiência está registrado em livro de receitas
onde estão reunidas algumas destas experiências amorosas a partir das receitas que cada
família preparou e socializou. Como afirma Mia Couto (2016): Cozinhar é o mais privado
e arriscado ato. No alimento se coloca ternura ou ódio. Na panela se verte tempero ou
veneno. Cozinhar não é serviço. Cozinhar é um modo de amar os outros."" E foi nessa
dimensão do amor e do cuidado que as trocas aconteceram em tempos de pandemia.
Palavras-chave: cozinhar, cuidar, crianças, famílias, pandemia

Referência Bibliográfica

ACHINTE, A. A. Comida y colonialidad. Tensiones entre al proyecto hegemónico


moderno y las memorias del paladar. In: Calle14: revista de investigación en el campo
del arte, n. 4, julio/dezembro de 2010. Disponível em
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=279021514002. Acesso em 21.08.2020.

COUTO, MIA . A avó, a cidade e o semáforo’, do livro “O Fio das Missangas”. São
Paulo-Companhia das Letras, 2016."
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Andrea Cristina Campagnoli (andrea.campagnoli@yahoo.com.br)


Camila de Fátima Gonzalez (cafatgmartins@gmail.com )
Patrícia Pereira (patricinha.pereira@yahoo.com.br)

Introdução: Nos meses de agosto e setembro de 2021 propomos vivências, por meio de
grupos de WhatsApp com as famílias, com histórias infantis e cultura popular, por meio
de parlendas, cantigas e trava-línguas.para três turmas de fase 5 (crianças com idades
entre 4 e 5 anos), de um Centro Municipal de Educação Infantil de São Carlos. Justifica-
se essa temática pois desperta a curiosidade, estimula a imaginação, desenvolve a
autonomia e o pensamento, proporciona vivenciar diversas emoções como medo e
angústias, ajudando a criança a resolver seus conflitos emocionais. Além disso, estas
podem ser grandes aliadas no aprendizado das crianças, de uma forma prazerosa e
divertida, estimulando o desenvolvimento da criança na sua expressão oral, de leitura e
escrita (SILVA, PINHEIRO; 2019). Metodologia: Dessa forma, optamos pelas seguintes
histórias para o mês de Agosto: 1) A Galinha Ruiva: trabalhamos duas versões diferentes,
o desenho livre, a escrita, o recorte, a montagem e a colagem do nome da história, bem
como o compartilhamento de duas receitas feitas com milho, o ingrediente principal em
uma das versões. 2) Chapeuzinho Vermelho: sugerimos confecção de fantoches dos
personagens da história e reconto, feito pelas crianças utilizando esses fantoches. Além
da criatividade, a oralidade foi nosso objetivo com essa proposta. 3) Alice no país das
Maravilhas: trabalhamos uma lista com os personagens escolhidos pelas crianças e com
o conceito de comparação (grande e pequeno) entre objetos escolhidos em casa. 4) O
Monstro das Cores: nosso principal objetivo foi dialogar com as crianças sobre as
emoções e os sentimentos; reconhecer os personagens e relacioná-los com o sentimento
que expressam. Durante o mês de Setembro trabalhamos com parlendas, cantigas e trava-
línguas da seguinte forma: a)I nformativo sobre Parlendas e Cultura Popular com o
objetivo de sensibilizar as famílias para as vivências que serão propostas; b) Parlendas
“A Galinha do Vizinho” e “Hoje é domingo”; c) Adivinhas; d) Trava-Língua; e)
Quadrinhas; f) Ditados Populares; e g) Confecção do pião. Discussão: Considerando os
campos de experiência, julgamos importante que as crianças possam vivenciar momentos
de fala e escuta, potencializando sua participação na cultura oral, pois é através da escuta
103

de histórias, conversas, narrativas e descrições que a criança se constitui como sujeito


singular pertencente a um grupo social. Acompanhamos as famílias nos grupos
diariamente, percebemos e quantificamos que as famílias visualizaram as sugestões, mas
um número pequeno participou efetivamente, nos encaminhando as devolutivas e os
registros das experiências realizadas. Compreendemos que cada família tem enfrentado
inúmeros e diferentes problemas e assim não desistimos, ao contrário, procuramos
sempre nos aproximar, pensando em temas interessantes, prazerosos, e que encantem os
adultos e consequentemente as crianças, como nos temas apresentados. Conclusões:
Apesar de todo esse contexto que nos foi imposto, sabemos que nosso trabalho foi
pensado, estruturado e realizado para o atendimento virtual de nossas turmas, valorizando
sempre o interesse delas, com sugestões de diferentes atividades, para que mesmo à
distância pudessem proporcionar experiências significativas para a aprendizagem e o
desenvolvimento infantil.
Palavras-chave: Educação Infantil. Pandemia. Vivências.

Referências
SILVA, Karina Aparecida Ramos da; PINHEIRO, Fábio Henrique. CONSCIÊNCIA
FONOLÓGICA E O LÚDICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Revista Eletrônica da
Educação, [S.l.], v. 2, n. 1, p. 124-135, feb. 2019. ISSN 2595-0401. Disponível em:
<http://portal.fundacaojau.edu.br:8078/journal/index.php/revista_educacao/article/view/
42>. Acesso em: 29 sep. 2021. doi: https://doi.org/10.29327/230485.2.1-9.
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Clau Fragelli (claufragelli@gmail.com)

Introdução: Olhar para o céu é uma atividade cultural e coletiva, que perpassa as
sociedades desde a sedentarização da humanidade. A relação com os corpos celestes
advém da curiosidade e do mistério, mas também das necessidades sociais – localização
espacial através das estrelas; relação com os fenômenos sazonais para agricultura e caça
e a própria noção da passagem do tempo (FARES et al., 2004). A ciência, entendida como
uma construção humana histórica e cultural (ALBUQUERQUE et al., 2011), portanto, o
conhecimento científico, um produto cultural (FAGIONATO-RUFFINO, 2012).
Descrição do caso: O projeto “Experiências Astronômicas em Casa” foi uma proposta
desenvolvida na Unidade de Atendimento à Criança (UAC – UFSCar). Seus objetivos
incluíram: 1) Promover experiências voltadas à astronomia para crianças; e 2) Explorar
os fundamentos da astronomia numa perspectiva cultural e histórica, bem como princípios
da etnoastronomia. As experiências, vivências e atividades propostas às crianças e suas
famílias foram enviadas a cada professora de referência da turma, conforme demanda das
crianças, na forma de documentos escritos, vídeos e áudios. Todo o material foi produzido
de maneira lúdica e de forma virtual. Uma vez por mês, foi enviado um Caderno, com
sugestões, experiências, vídeos etc. para todas as crianças da unidade, que realizavam as
propostas e experiências em seu próprio tempo. A professora também participou do
encontro virtual de algumas turmas para realizar experiências e trocas. Muitas famílias
viveram o projeto intensamente, nos enviando devolutivas positivas e muitas fotos do que
criavam em casa. Discussão: As crianças experimentam, reproduzem e vivem a cultura
de seu contexto, mas também criam, inventam, fantasiam. As “culturas infantis”, são
produzidas e partilhadas pelas crianças nas interações. As crianças, em sua experiência
de ser criança e produzir cultura, se relacionam com a ciência e seus elementos (SOUZA,
2016). Em seu próprio processo investigativo, as crianças “têm uma atividade mental de
construção de conhecimentos muito próxima à atividade intelectual dos cientistas: elas,
como eles, procuram explicações para os fatos e fenômenos que observam, constroem
suas hipóteses baseadas em situações não-diretamente visíveis, dão nomes àquilo que
vêem e buscam explicar aquilo que não vêem e que procuram entender” (CAVALCANTI,
1995, p. 9, apud FAGIONATO-RUFFINO, 2012, p. 38). Tomando a astronomia da
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perspectiva da Etnoastronomia podemos perceber a pluralidade cultural atrelada à


construção cultural de significados e fenômenos, “as constelações, para quem as criou e
para os povos que delas faziam uso, podem ser entendidas não só como um agrupamento
de estrelas, mas como a representação simbólica de um conjunto de valores, crenças e
costumes próprios de cada sociedade” (FARES et al., 2004, p. 78). Assim, nossa relação
com os cosmos é cotidiana e ancestral. Conclusões: Ao entender a criança como
protagonista e produtora de seu próprio processo cultural, pudemos criar “espaços para
que as crianças vivenciem e experimentem a ciência, dentro da lógica infantil, que
engloba a criação, a imaginação, a fantasia e o desejo” (SOUZA, 2016, p. 50).
Palavras-chave: Educação Infantil, Astronomia

Referências
ALBUQUERQUE, V. et al. Astronomia e Cultura nas Pesquisas em Ensino de Ciências
na Última Década. I Simpósio Nacional de Educação em Astronomia. Rio de Janeiro,
2011. p. 1–10.

FAGIONATO-RUFFINO, S. O Diálogo entre os Aspectos da Cultura Científica com as


Culturas Infantis na Educação Infantil. Tese de Doutorado. Universidade Federal de São
Carlos, 2012.

FARES, É. A. et al. O Universo das Sociedades numa Perspectiva Relativa: exercícios de


etnoastronomia. Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia, n. 1, p. 77–85,
2004. Disponível em: https://doi.org/10.37156/relea/2004.01.077. Acesso em: 03 mar.
2021.

SOUZA, C. R. de. A Ciência no Espaço Educacional da Criança: do fazer ciência à


ciência do fazer. Revista Eletrônica de Educação, v. 10, n. 1, p. 42–51, 2016. Disponível
em: https://doi.org/10.14244/198271991449. Acesso em: 02 mar. 2021.
106

Andressa Cristina Dadério de Melo (andressa.daderio@unesp.br)


Janaina Antônia de Oliveira (janastar85@gmail.com)
Silvio Henrique Fiscarelli (silvio.fiscarelli@unesp.br)

No contexto atual, “a crise de saúde causada pela COVID-19 resultou no fechamento de


escolas e universidades, afetando mais de 90% dos estudantes do mundo (UNESCO,
2020)”. Não temos como mensurar o quanto e em quais aspecto a aprendizagem das
crianças foi afetada. Com o fechamento das escolas, devido a pandemia do COVID-19:
“a demanda por ensino a distância dispara e, em geral, sobrecarrega os portais existentes
para a educação remota. A transferência da aprendizagem das salas de aula para as casas,
em grande escala e de forma apressada, apresenta enormes desafios, tanto humanos
quanto técnicos (UNESCO, 2020).” Os gestores, professores e os responsáveis pelos
alunos não estavam preparados para lidar com esta nova realidade do ensino remoto, mas
a adaptação fez-se necessária, e os educandos e educadores tiveram que se adequar a uma
realidade à qual não estavam acostumados. Nas unidades de Educação Infantil, para que
o processo de ensino e aprendizagem das crianças não fosse interrompido, surgiram
dúvidas em relação a qual aplicativo seria o mais acessível para as famílias das camadas
populares, pois, essa parcela da população ainda não usufrui do acesso a um sinal de
internet com qualidade. Diante de todos esses desafios, a rede de ensino na qual atuamos
chegou à conclusão de que o aplicativo de WhatsApp, por ser de fácil acesso e estar
presente na maioria dos smartphones, seria o mais acessível, caracterizando-se como um
facilitador no processo de comunicação com os responsáveis pelas crianças, e uma
ferramenta com potencial para auxiliar no processo de ensino. No momento de iniciarmos
o uso deste aplicativo, como um recurso no processo de ensino e aprendizagem das
crianças, surgiram dúvidas em relação a como poderiam ser desenvolvidos os Campos de
Experiências descritos na Base Nacional Comum Curricular (2017), pois, os docentes não
estavam preparados, devido ao cenário ser novo e a inexistência, naquele momento, de
formações com vistas ao uso dos recursos tecnológicos para o ensino remoto na Educação
Infantil. No decorrer desse um ano os professores exploraram as ferramentas do
WhatsApp, no início optou-se pela postagem de textos e imagens, com o passar tempo,
por meio da autoformação, passaram a enviar áudios, textos em diferentes formatos,
vídeos de livre acesso, aprenderam a gravar e editar vídeos e realizaram aulas síncronas
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utilizando os recursos das chamadas de vídeo. Ao analisarmos esse cenário concluímos


que precisam ser ofertadas formações para os professores conhecerem os recursos
tecnológicos de livre acesso que podem auxiliar no processo de ensino e aprendizagem
na Educação Infantil, e um ponto positivo identificado foi a comunicação com as famílias
que foi ampliada a partir do uso desse recurso tecnológico, e um ponto negativo foi o de
não obter o sucesso desejado referente ao retorno das atividades realizadas pelas crianças.
Palavras-chave: Ensino Remoto, Educação Infantil, Recursos Tecnológicos

Referências

BRASIL, BNCC- Base Nacional Comum Curricular. Disponível em:


<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/> Acesso em 21/05/2018.

Protecting and Transforming Education for Shared Futures and Common Humanity. –
A Joint Statement on the COVID – 19 Crisis – International Comission on the Futures
of Education – 14 April, 2020.
<https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000373207/PDF/373207eng.pdf.multi>
Acesso em 03/10/2021
"

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