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Brasil terá de desenvolver protocolos de segurança ambiental

Das várias preocupações que cercam os alimentos transgênicos, os efeitos sobre o


meio ambiente são uma das principais. É aí que se encontram as maiores incertezas:
perda de biodiversidade, eliminação de espécies nativas, surgimento de "super ervas-
daninhas", resistência de insetos a pesticidas, são conseqüências possíveis (pelo
menos teoricamente e, em alguns casos, comprovadamente) da introdução de culturas
transgênicas na agricultura. Para evitar que problemas desse tipo aconteçam, a
maioria dos países (mesmo os EUA, onde o incentivo aos transgênicos é grande) vem
adotando rígidos protocolos de biossegurança antes de autorizar a liberação no meio
ambiente de sementes ou outros organismos geneticamente modificados (OGM).

No Brasil, qualquer empresa (pública ou privada) que queira pesquisar, cultivar ou


comercializar transgênicos, deve atender às exigências de cinco órgãos: a Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), o Ministério do Meio
Ambiente (MMA) e o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).

A CTNBio, órgão responsável por "emitir parecer técnico prévio conclusivo sobre
registro, uso, transporte, armazenamento, comercialização, consumo, liberação e
descarte de produto contendo OGM ou derivados, encaminhando-o ao órgão de
fiscalização competente", estabelece uma série de normas para que seja autorizada a
liberação de transgênicos no meio ambiente (veja Instrução Normativa 03, de
13/11/1996). As exigências são extensas e incluem: descrever o tamanho do
experimento, em área ou volume, e sua localização; os motivos para a escolha da
área; as características da área que possam minimizar ou exacerbar efeitos
indesejáveis (direção do vento, lençol freático, proximidade de cursos d'água e áreas
de proteção, etc); a distribuição geográfica do organismo parental no Brasil e no
mundo; os genes introduzidos no organismo e quais as suas funções específicas;
descrição em detalhes do produto da expressão do gene e de seus possíveis efeitos
para a saúde humana, animal e ambiental; informações sobre a taxa de crescimento e
sobrevivência, para comparação do OGM com o organismo não modificado; etc.

Em seguida, há as exigências da Anvisa, do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente,


que, em conjunto, fornecem o chamado Registro Especial Temporário (RET), o qual se
aplica a OGM com característica biocida, ou seja, que eliminam bactérias, insetos, e
outras pragas (e poderiam, eventualmente, ameaçar outras espécies que não aquelas
para que foram "programados").

Finalmente, o Conama estabelece critérios e procedimentos para licenciamento


ambiental e exigência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para atividades e
empreendimentos com OGM e seus derivados. A Resolução regulamentando tais
critérios, no entanto, ainda está para ser aprovada. A última proposta foi apresentada
em dezembro de 2001 (versão disponível no site do Conama) e deverá ser apreciada
na próxima reunião ordinária do Conama, prevista para 14/05/02. O EIA/RIMA pode
ser solicitado pela CTNBio, quando esta considerar que a liberação proposta pode
provocar efeito negativo ao meio ambiente.

"Com todas essas exigências, que são legítimas", diz Maria José Sampaio,
pesquisadora da Embrapa, "é preciso investir no desenvolvimento de metodologias de
avaliação de impacto ambiental dos transgênicos, senão pouco adianta a pesquisa e o
desenvolvimento de novos cultivares, já que é preciso também provar que eles não
causam danos à saúde humana e ao meio ambiente". Maria José coordena um grupo
de trabalho na Embrapa, que está elaborando uma proposta de desenvolvimento de
protocolos de avaliação de impacto ambiental para três culturas pesquisadas pela
empresa: mamão, feijão e batata transgênicos, com resistência a vírus. A proposta
está em fase de finalização e deverá ser submetida em breve ao Ministério da Ciência e
Tecnologia. "Esperamos contar com recursos do Fundo de Tecnologia e do Fundo de
Agropecuária", afirma. Porém, ela reconhece que as dificuldades são grandes, pois são
necessários cerca de quatro anos para o desenvolvimento desses protocolos e os
custos são altos.

Os custos principais de tal projeto são relativos a infra-estrutura e procedimentos


laboratoriais. "Infelizmente, os laboratórios brasileiros não têm boas práticas
instaladas para análise ambiental de transgênicos e grande parte do investimento da
Embrapa deverá ser feito em BPL (boas práticas laboratoriais)", afirma Maria José. A
partir do momento em que um novo cultivar é inventado, são precisos dois anos de
testes obrigatórios para solicitar a liberação no meio ambiente. Os protocolos para um
tipo de cultivar podem ser adaptados a outros, mas há diferenças importantes que
precisam ser levadas em conta. Na área ambiental, as principais são: existência de
parentes silvestres (há, no Brasil, parentes silvestres do cultivar transgênico?) e tipo
de polinização (aberta ou não). "A soja, por exemplo, se autopoliniza e espalha
portanto muito pouco pólen, ao contrário do milho, cujo pólen se espalha largamente",
explica a pesquisadora. Segundo ela, as normas estabelecidas pela CTNBio foram
muito bem estudadas e estão padronizadas internacionalmente. É preciso agora que se
crie condições de atendê-las. "As empresas multinacionais conseguem cumpri-las
tranqüilamente; o Brasil, no entanto, tem dificuldades", daí a importância de
desenvolver metodologias de avaliação do impacto ambiental de transgênicos no país,
para as variedades aqui pesquisadas e criadas, na opinião de Maria José Sampaio.

Até agora, nenhum OGM foi autorizado para liberação no meio ambiente no Brasil. O
processo da soja Roundup Ready (resistente ao herbicida glifosato), da Monsanto, está
tramitando desde 1998 e aguarda agora a decisão de juízes do Tribunal Regional
Federal, que já deveriam ter se pronunciado, mas ainda não o fizeram (sobre a
legislação de transgênicos no país, veja também reportagem nesta edição).

A avaliação do impacto ambiental de transgênicos no Brasil permanece com muitas


questões a resolver. Não há padrões estabelecidos e, por outro lado, as exigências
para liberação de OGM no meio ambiente são grandes. Essa situação, contudo, não é
muito diferente em outros países. Na Europa, agora se começa a discutir uma
padronização para protocolos de biossegurança. Nos EUA, existem diversos protocolos
e os pedidos das empresas são julgados por três agências (FDA, APHIS e EPA). Quem
quiser acompanhar o desenvolvimento das propostas da Embrapa no Brasil, pode fazê-
lo pelo site da empresa www.embrapa.br.

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