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Aula Teórica

Movimentos Básicos
SUMÁRIO
Movimentos Básicos
Tónus e Actividade Postural
Definição de Conceitos
Estruturas Envolvidas
Aspectos Funcionais
A Locomoção
Definição de Conceitos
Perspectiva Cognitivista
Perspectiva Dinâmica
Estruturas Envolvidas

Psicofisiologia
P S I C O F I S I O L O G I A

Objectivos

1. Conhecer as definições de Postura e Tónus

2. Conhecer as estruturas envolvidas na regulação motora destes


comportamentos

3. Conhecer o funcionamento destas estruturas

4. Conhecer o conceito de Locomoção

5. Conhecer as teorias Cognitivista e dos Sistemas Dinâmicos

6. Conhecer o funcionamento das estruturas do SN envolvidas na


locomoção

Definição de Conceitos
O nosso comportamento motor tem duas componentes:
1. Acções musculares fásicas que dão origem à parte mais visível do nosso
comportamento motor: o movimento.
2. Acções musculares tónicas que compõem e mantêm a atitude e
fornecem o acompanhamento postural que serve de suporte às acções
fásicas. A estas acções normalmente dá-se o nome de tónus.
Tónus Segundo Jarrel et al. (1976, in Madeira, 1986), tónus é o estado de tensão
permanente ao nível do músculo que se manifesta não só no estado de repouso,
mas em toda a actividade cinética. É uma actividade do tipo reflexo que é regulado
por dois sistemas:
1. Sistema que efectua o ajuste constante e automático das novas posturas. A
actividade postural é, assim, função de uma harmonia tónica e não de
acções musculares fásicas;
2. Sistema emocional que define o tónus como resultado da nossa relação
com o meio exterior (e.g., quando estamos ansiosos estamos com o tónus
mais pronunciado do que quando estamos tristes).
Actividade Postural O primeiro destes sistemas está associado à actividade postural que se traduz pela
imobilização das peças do esqueleto em posições determinadas solidárias umas
com as outras, dando ao corpo uma atitude de conjunto. Essa atitude exprime a
forma como o organismo enfrenta as estimulações do mundo exterior e se prepara
para nele agir (Madeira, 1986).

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Já vimos a manutenção da posição bípede é uma proeza de difícil alcance, pois o


nosso corpo comporta-se como um pêndulo invertido, pois a parte com maior
peso situa-se no extremo oposto do fulcro.

CG

Figura 1- Posição bípede = Pêndulo Invertido

Sistemas de Para resolver este problema a evolução presenteou-nos com o Sistema de Manutenção
do Equilíbrio que contém elementos que actuam de forma sinérgica, isto é, em
Manutenção do
simultâneo e em consonância na procura do alcance de um mesmo objectivo que,
Equilíbrio neste caso, será o de ficarmos de pé. Recordando, os seus elementos são:
1. Aparelho Vestibular - Detecção dos movimentos lineares e angulares;
2. Visão - Localização do Horizonte Visual. É o sistema mais fiável e que
fornece a informação que normalmente prevalece.
3. Proprioceptividade - Detecta alterações no grau e velocidade de
estiramento dos músculos e variações na amplitude articular.
A actividade postural utiliza este sistema, procurando dar resposta a dois tipos de
estimulação do envolvimento: (1) as forças permanentes e estáveis (e.g., a força da
gravidade) que dá origem à denominada actividade postural antigravitária; e (2) as
forças variáveis (e.g., resultantes de deslocamentos) reguladas pela actividade
postural direccional.

Estimulação
do Envolvimento

Permanentes e Estáveis Variáveis


(força da gravidade) (e. g. deslocamentos)

Actividade Postural Antigravitária Actividade Postural Direccional

Figura 2 - Tipos de Actividade Postural

Actividade Postural Actividade Postural Antigravitária


Antigravitária
Ela manifesta-se por três tipos de reacções:

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Reacções de Endireitamento que são o resultado da exigência que a actividade


locomotora e exploratória fazem de uma colocação adequada do corpo e seus
segmentos. É-lhes atribuído o papel de recuperar a posição fundamental e de
contribuir para a orientação do corpo no espaço.
As reacções de endireitamento utilizam estímulos como a força da gravidade, a
superfície de apoio, o peso do corpo e o horizonte visual para cumprir a sua tarefa.
Para isso vão dar maior importância às informações vestibulares, seguidas das
visuais e tácteis considerando, por último, as proprioceptivas.
Reacções de Sustentação que condicionam a manutenção da posição
fundamental. A sustentação do corpo na postura habitual depende da fixação
conveniente das peças móveis do esqueleto (membros e cinturas), o que implica a
actividade combinada entre flexores e extensores, em que os extensores têm um
papel antigravitário predominante.
A origem dos estímulos é predominantemente exteroceptiva (contacto da
superfície de apoio com o solo), sendo complementada pela vertente
proprioceptiva (através do estiramento dos ligamentos e dos músculos que resulta
da repartição do peso do corpo sobre as alavancas móveis do esqueleto na posição
adoptada).
A última reacção denomina-se Estabilização da Posição Fundamental que será a
modificação activa ou passiva da posição fundamental e envolve o funcionamento
de dispositivos de:
a) Compensação - reorganização da repartição do tónus em função da nova
situação. São as denominadas Reacções de Adaptação Estática
As reacções de adaptação estática possibilitam a estabilização do corpo quando este
está imóvel. Estas reacções apoiam-se na actividade de adaptação tónica da
musculatura (que entra em acção logo que o corpo se desvia da vertical) e nas
condições mecânicas do equilíbrio (que são alteradas quando se modifica a base de
sustentação, quando não há informação visual ou quando o tónus de base é
modificado, por exemplo, por aspectos emocionais).
Outro mecanismo das reacções de adaptação estática resulta da adaptação à carga.
Ela é resultado dos processos que levam a que toda a força tendente a modificar de
maneira progressiva as condições físicas do equilíbrio, encontre uma resistência
compensatória de adaptação que tende a opor-se à acção desequilibradora da força
agente.
O último mecanismo de adaptação estática deriva da adaptação às mudanças de
posição do corpo e dos segmentos móveis. Este mecanismo leva a que qualquer
modificação da posição fundamental implique um reajustamento tónico, no
sentido do máximo equilíbrio.
b) Correcção - reacções tendentes ao restabelecimento do equilíbrio e
movimentos correctores, denominam-se Reacções de Equilíbrio
As reacções de equilíbrio intervêm pelo facto da precariedade do equilíbrio,
brusquidão do gesto ou intensidade das forças desequilibradoras não poderem ser
compensadas pelos sistemas de adaptação estática. Exprimem-se por movimentos
correctores implicando a posição dos membros ou do corpo.

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Estas reacções podem ter duas origens. As de origem muscular, exprimindo-se


através:
• Do afastamento dos membros inferiores aumentando a base de
sustentação,
• Movimentos compensatórios dos membros superiores, como o seu
balanceamento
• Deslocamentos bruscos do corpo inteiro, saltitar lateral
• Abaixamento do Centro de Gravidade
E as de origem vestibular, sendo evidentes através de:
• Reacções aos deslocamentos rotativos, que obrigam à orientação da cabeça
e olhos, implicando uma nova repartição tónica (possibilidade de
aprendizagem e condicionamento)
• Reacções aos movimentos rectilíneos - reacção de queda, reacção de
ascensor.
Actividade Postural Actividade Postural Direccional
Direccional
Estes mecanismos permitem a manutenção da postura perante forças variáveis.
Penso que os três processos subjacentes este tipo actividade postural são melhor
explicados utilizando uma metáfora sobre o funcionamento de robots (aliás a
cibernética apoia-se nestes conhecimentos para os desenvolver).
Façamos um exercício de memória e procuremos uma imagem do comportamento
motor de um robot que tenhamos visionado no cinema. A série de filmes Guerra
das Estrelas será talvez o exemplo mais fácil de evocar. Recordem então o C3PO
(aquele dourado um bocado cobarde e bem falador cuja fisionomia se assemelha à
nossa), numa situação em que algo lhe chama a atenção e ele procura deslocar-se
no seu sentido. Deverão discernir o seguinte conjunto de acontecimentos:
1. Primeiro ele imobiliza as suas acções, suspendendo a sua actividade e
mantendo-se em equilíbrio (e não é nada fácil parar um deslocamento).
2. Seguidamente o C3PO orienta a sua cabeça e corpo em relação às fontes
exteroceptivas da estimulação, resultando numa preparação para a
recepção óptimal dos estímulos. Recordem que, quer nele, quer em nós, a
maior parte dos receptores exteroceptivos está localizado na cabeça.
3. Por último ele posiciona os órgãos receptores e efectores, permitindo a
execução da resposta.
Sistemas de Manutenção do Equilíbrio e a Actividade Postural
Como seria de esperar, os três mecanismos que estão envolvidos na manutenção
do equilíbrio têm um papel preponderante na actividade postural, interagindo
estreitamente com a substância reticulada (que controla o tónus muscular), os
núcleos do tecto (que controlam a actividade oculomotora) e o núcleo vestibular
(que processa as informações vestibulares).
O cerebelo também intervém na actividade postural, processando
permanentemente as informações proprioceptivas e vestibulares, dando origem a

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conjunto de instruções (conselhos) que serão trabalhadas pelas estruturas que


comandam as acções tónicas e fásicas dos músculos relacionadas com a actividade
postural (SR, Núcleo Vestibular e Vermelho).
Antecipação e Correcção do Movimento
O cerebelo intervém ainda em conjunto com estruturas superiores ao nível do
Córtex e Núcleos Cinzentos da Base, quando, na elaboração do movimento, se
incluem elementos de antecipação e correcção do movimento. Estes elementos,
que são de natureza essencialmente postural, fazem já parte do programa motor, de
maneira a maximizar a eficácia do movimento.
Por exemplo, quando, numa posição bípede equilibrada, realizamos uma flexão dos
ombros elevando rapidamente os braços, o nosso corpo realiza simultaneamente
uma hiperextensão do tronco para possibilitar a manutenção do CG na base de
sustentação.

Figura 3 - Reacção pré-programada à flexão dos ombros. Notem que o tronco realizou uma hiperextensão (notória através
da deslocação da lina dos ombros e do pavilhão auricular em relação à vara de referência) para que o Centro de Gravidade
se mantivesse na base de sustentação. (Retirado de Leonard, 1998, p. 190)

Complementarmente surgem elementos do movimento que parecem estar pré-


programados (poderemos chamá-los de reacções pré-programadas). Esta
actividade postural surge com um tempo de latência na ordem dos 60-80 ms,
portanto demasiado rápido para poder ser uma reacção derivada do processamento
da informação de retorno, parecendo estar associadas ao programa motor para
lidar com as alterações posturais decorrentes das acções do programa motor.
Sinergia do Movimento
Voltamos então à ideia inicial desta aula, de que o nosso comportamento motor
tem duas componentes, uma tónica e outra fásica. Estas componentes são
reguladas por uma combinação de sinais controlo que asseguram o movimento de
um segmento corporal, dando origem à sinergia do movimento.
O investigador russo Bernstein foi o criador desta noção, fazendo uso,
precisamente, da porção do movimento que estudámos nesta aula: a actividade
postural e tónus. Para este autor a existência de combinações de sinais de controlo

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que asseguram a nossa postura, as denominadas sinergias posturais, é um factor de


extrema importância para que se possa reduzir a carga de trabalho que,
normalmente, é designada ao córtex e SNC.
Na visão tradicional, de índole cognitivista, do movimento, existem tantas ordens
motoras que derivam do SNC como acções musculares observáveis no decorrer de
um movimento. Isto obriga a um grande envolvimento em termos de estruturas e
de processos de recolha de informação, que não se tem repercutido nas medidas
feitas experimentalmente. Se for como a figura 3 representa, teremos de ter um
conjunto de estruturas para as sinergias posturais (essencialmente de carácter
tónico) e outro para as sinergias do movimento (essencialmente de carácter fásico).
Esta divisão dentro do SNC parece ser feita essencialmente pelos investigadores,
para facilitar a definição de competências, mas o que parece acontecer está mais
próximo da figura 4 com um comando motor único envolvendo todas as sinergias,
fazendo com que a actividade postural surja inerentemente associado ao programa
motor, em vez de um seu anexo.

Tarefa Envolvimento Tarefa Envolvimento


SNC SNC

Comando Motor
Comando Motor Comando Motor
Movimento Postural

Art1 Art2 Art3 Art4 Art1 Art2 Art3 Art4


Movimento Ajustamentos Movimento Ajustamentos
Focal Posturais Focal Posturais
+ - + -
Pertubação Correcções Pertubação Correcções
Figura 4 – Persp. cognitivista do mov. Pre-programadas Figura 5 – Persp. sinérgica do movimento Pre-programadas
Nas próximas aulas desenvolveremos esta diferenciação de perspectivas de
explicação do movimento, colocando em confronto as denominadas teorias da
programação motora, de âmbito cognitivista, com as dos sistemas dinâmicos.

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Locomoção
O texto que se segue é baseado essencialmente no capítulo 20 do
Neurophysiological Basis of Movement de Latash (1998).

Abordagens ao estudo da Locomoção


Locomoção A locomoção é, provavelmente, o comportamento motor mais comum dos
animais. É definida como a acção motora durante a qual a localização da totalidade
do corpo no envolvimento é alterada (Latash, 1998).
A locomoção teve um papel essencial ao nível da evolução, proporcionando aos
animais que a adquiriram uma grande vantagem evolutiva, presenteando-os com
um novo conjunto problemas que os “obrigou” a novas adaptações, quer a nível
motor, quer a nível cognitivo e de recolha de informações. Reparem que, por
exemplo, as estratégias de alimentação deixaram de ser estar-atento-para-apanhar-
algo-que-passe-ao-alcance, para procedimentos de procura activa, exigindo do
nosso SN a gestão de acções muito diferentes.
Vamos então ver como é que resolvemos estes novos problemas, apresentando
duas perspectivas: (1) programação motora; e (2) sistemas dinâmicos; que têm
concorrido entre si para o lugar de melhor teoria explicativa do nosso
comportamento motor (não só da locomoção mas de todas as acções motoras).
Perspectiva Cognitivista
Esta perspectiva deu origem à Teoria da Programação Motora que surge com o
desenvolvimento da cibernética (quando quiseram que os robots se locomovessem
tiveram de encontrar uma forma de regular esse comportamento).
Homúnculo Os investigadores desta corrente de pensamento
procuraram definir um conjunto de esquemas que
possibilitassem a geração de um sinal rítmico,
utilizando para esse fim circuitos cíclicos de
elementos de feedback e feedforward.
Geradores Centrais Os investigadores da área do movimento sugeriram
que esses circuitos cíclicos existem no nosso corpo,
de Padrões
sendo denominados de Geradores Centrais de
Padrões (GCP). Os GCP situam-se a um nível do
SN onde se “sabe” para onde, quando e como nos
devemos deslocar. Este nível recebe informações
dos receptores relacionados com o movimento
Figura 5 - Esquema representativo de um (recordando: proprioceptivos e exteroceptivos,
Gerador Central de Padrões (adaptado de destes últimos o sistema visual é preponderante) e
Latash, 1998, p. 173)
de um nível superior, que regulará a voluntariedade
do comportamento.
A corrente dos GCP baseia-se em experiências que procuraram localizar os centros
locomotores utilizando estratégias de descerebração ou aplicação de venenos como
o curare (que inibe a transmissão neuromuscular e assim a actividade do músculo).
Analisemos algumas dessas experiências.

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Centros
Superiores No final da década de 60, Shisk, Orlosvky e Severin
(1969, in Latash, 1998) investigadores da ex-União
GCP Soviética, estimularam a substância reticulada (SR)
de gatos que tinham sido descerebrados (i.e., com
uma corte no SNC que impedia a transmissão de
Aferentes informação do encéfalo médio para cima e vice-
versa), verificando que, em algumas zonas da SR,
os gatos iniciavam um padrão motor semelhante ao
Motoneurónios da sua locomoção.
alfa
Figura 6- O Gerador Central de Padrões (GCP) pode ser
estimulado quer pelos centros superiores quer pela informação
aferente. Os GCP actuam junto dos Motoneurónios Alfa

Na continuidade destas investigações os autores definiram o que denominaram de


zona locomotora da SR, comprovando que era possível regular o comportamento
motor característico da locomoção a partir desta área.
Zona Locomotora da
Substância Todavia, algumas experiências posteriores lançaram novos dados acerca da
localização dos GCP. Parece que eles não existem apenas na SR mas também ao
Reticulada
nível da espinal medula, portanto, a um nível mais baixo em termos de hierarquia
do SN. Pensa-se que a zona locomotora da SR seria responsável pela regulação
destes GCP mais baixos.
As experiências que revelaram a existência de GCP a um nível mais baixo foram
efectuadas em gatos uma secção do SN que impedia a ligação entre o encéfalo e a
espinal medula (portanto, um corte, mais “radical” em termos de regulação
motora). Estas investigações resultaram, aliás, de algumas observações do dia-a-dia
daquela época, como seja por exemplo, o comportamento motor das galinhas
imediatamente após a sua decapitação, sendo usual o padrão de corrida ou mesmo
de voo.
Voltando aos gatos, verificou-se que eles não eram capazes de reagir a um estímulo
externo, como um prato de comida colocado a uma distância que os obrigava a
locomover, mas se fossem colocados em cima de uma passadeira rolante eles
iniciavam um padrão motor idêntico ao da locomoção (desde que fossem
suportados por uma espécie de andarilhos). (por favor não tentem isto em casa...)
Isto prova que não havia apenas o tal controlo superior, mais voluntário, mas que
deveriam existir centros de regulação do movimento relacionados com a
locomoção a nível medular.
Recentemente o mesmo padrão de movimento foi detectado em humanos com
lesões da espinal medula que originavam paraplegia, sugerindo os investigadores
que deverá existir um GCP a nível torácico e outro a nível lombar. Esta teoria foi
reforçada por estudos com estimulação eléctrica destas áreas que levaram à
produção de movimentos semelhantes aos da locomoção.
Outros GCP Parece, então, que os mamíferos devem ter um conjunto de GCP nos níveis
inferiores da hierarquia do SN (i.e., SR e espinal medula) mas que esses centros não
são suficientes para criar uma locomoção com sentido, já que, primeiro e mais
importante, faltam os factores de para onde se deslocar e qual o seu objectivo, pois
carecem as informações exteroceptivas relativas aos objectivos atractivos ou
perigosos. Em segundo lugar, a locomoção está intimamente ligada à actividade

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postural, sem ela não é possível manter um padrão motor equilibrado e produtor
de locomoção. Os animais descerebrados ou sem ligação encéfalo-espinal estavam
seguros por dispositivos especiais que lhes asseguravam a manutenção da postura
necessária para a locomoção, sem estes dispositivos eles não conseguiriam realizar
os movimentos criados pelos GCP.
Em terceiro e último lugar, a locomoção está associada a perturbações, por
exemplo, escorregar ou tropeçar, que implicam correcções automáticas integradas e
urgentes em que intervêm os níveis superiores.
Perspectiva Dinâmica
Uma das abordagens alternativas ao programa motor e aos GCP surge com os
trabalhos de Kelso, que procurou explicar as acções motoras através de equações
diferenciais não lineares (não se preocupem que não vamos falar muito delas...).
Estas equações procuram descrever a dinâmica que se estabelece entre as estruturas
nervosas centrais, os efectores e as forças resultantes do movimento. São
denominadas não-lineares porque uma alteração em qualquer um
destes factores tem um efeito desproporcional no nível do
comportamento motor., isto é, uma pequena alteração pode
resultar numa mudança radical do movimento e uma grande
alteração não resultar em mudanças significativas.
Esta teoria explica bastante bem os movimentos multi-articulares,
mas falta um factor de ciência muito importante: não se conseguiu
ligar estas equações a parâmetros psicofisiológicos observáveis, o
que torna complicado provar a veracidade desta teoria. Mas, por
outro lado, também não se provou o contrário, que a teoria não é
verdade, pelo que o “jogo está em aberto” entre estas duas teorias.
Os autores menos radicais nas suas posições, como é o caso de
Latash (1998), propõem que o comportamento motor será melhor
explicado por uma teoria híbrida. A figura 3 ilustra as teorias que
tenho vindo a apresentar. A parte superior do desenho (A)
representa a teoria da programação motora, isto é, existe um
centro de controlo superior onde deverá existir um homúnculo
(neste caso, um mochúnculo...), que manieta todos os detalhes do
movimento do mocho, como se de uma marioneta se tratasse.
A parte intermédia do desenho (B) representa a teoria dos sistemas
dinâmicos, com o mocho a ter inúmeras ligações entre as partes do
seu corpo que efectuam o movimento, sem nenhum
Figura 7 - Ilustração das teorias de “mochúnculo”. As equações diferencias não-lineares representarão
programação motora (parte A); sistemas
dinâmicos (parte B) e teoria híbrida (parte a dinâmica criada entre essas ligações e interacções físicas entre os
C). (retirado de Latash, 1998, p.177) efectores dos movimentos, tendo ainda a considerar variáveis
externas que representarão as informações exteroceptivas (reparem
que no desenho o mocho está de olhos bem abertos).
Notem que a teoria da programação motora não considera as interacções entre os
efectores do movimento, ou melhor, considera-as controladas por centros
superiores, e que todo o movimento é lá programado e regulado. Este é,
precisamente, o “calcanhar de Aquiles” desta teoria, pois colocam-se problemas de
velocidade de condução de estímulos nalgumas acções mais rápidas que somos

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capazes de realizar (e de alterar muito rapidamente face às exigências do


envolvimento). Também os movimentos coordenados que são observados em
animais sem ligação entre o encéfalo e a espinal medula (portanto sem homúnculo),
põem em causa a teoria da programação motora.
O desenho do meio, representativo dos sistemas dinâmicos, resolve o problema da
coordenação entre os efectores do movimento mas é redutor no que respeita aos
mecanismos de controlo superior, não os considerando. Este mocho não irá alterar
o seu comportamento motor por vontade própria, só o poderá fazer em resposta a
estímulo externo.
Teoria Híbrida e Latash (1998) propõe, na parte inferior do desenho (C), a teoria híbrida, que retém
os elementos de coordenação dos sistemas dinâmicos e, simultaneamente, prevê
Princípio da
um centro superior de controlo, que pode gerar movimento independentemente
Iniciativa de
das exigências do meio (não somos seres apenas reagentes, somos também agentes,
Bernstein como postula o princípio da iniciativa de Bernstein). O que parece não levantar
dúvidas é que, quer os elementos de coordenação, quer os de controlo, podem e
devem coexistir para permitir que formemos centralmente movimentos com
sentido e intenção, bem como os ajustamentos coordenativos para controlar as
interacções entre os efectores e a nossa interacção com o meio.

Referências Bibliográficas
Essenciais Actividade Postural e Tónus
Latash, M. (1998). Neurophysiological Basis of Movement. Champaign, IL: Human
Kinetics (pp. 163-172)
Ghez, C. (2000). Posture. In E. Kandel, J. Schwartz, e T. Jessel (eds), Principles of
Neuroscience (4rd Ed.). Norwalk, Conneticut: Appleton & Lange.
Carlson, N. (1998). Physiology of Behavior. Massachusetts: Ally and Bacon. (pp. 203-
205)
Leonard, C (1998). The Neuroscience of Human Movement. Missoury: Mosby-Year
Book
Essenciais Locomoção
Latash, M. (1998). Neurophysiological Basis of Movement. Champaign, IL: Human
Kinetics (pp. 172-179)
Leonard, C (1998). The Neuroscience of Human Movement. Missoury: Mosby-Year
Book

Web
www.gcmas.org
Site da Gait and Clinical Movement Analysis Society. Contém alguns
documentos de interesse geral que vos poderão ajudar a aprofundar os
conhecimentos sobre a locomoção e postura.

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