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José C a rlo s S e b e B.

M e ih y

F a b ío la H o la n d a

HISTO RIA ORAL


como fazer,
como pensar

e d ito r a c o n te x to
C o p y rig h t© 2 0 0 7 José C arlos Sebe Bom M cihy

Todos os direitos desta edição reservados à


E ditora C o n tex to (E ditora Pinsky Ltda.)

M o n ta g em d e capa
G ustavo S. Vilas Boas
P rojeto gráfico e diagram ação
G ap p Design
R evisão
Cássio D ias Pclin
R uth Kluska

D ados Internacionais de C atalogação na Publicação (c ip )


(C âm ara Brasileira d o Livro, sp , Brasil)

M eihy, José C arlos Sebe Bom


H istória o r a l : co m o fazer, co m o pensar / José C arlos Sebe
Bom M eihy, Fabíola H o lan d a. - 2. ed., 4 a reim pressão. -
São Paulo : C o n tex to , 2015.

Bibliografia.
ISB N 9 7 8 -8 5 -7 2 4 4 -3 7 6 -0

1. H istó ria oral I. H o lan d a, Fabíola. II. T ítu lo .

0 7 -7 0 2 9 C D D -9 0 7 .2

índices para catálogo sistem ático:


1. H istória oral 907.2

E d it o r a C o n t e x t o
D ireto r editorial: J a im e P in sky

Rua D r. José Elias, 520 - A lto da Lapa


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pa bx : (11) 3832 5838
co n te x to ^ e d ito ra c o n te x to .c o m .b r
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2015
Para Suzana Lopes Salgado Ribeiro,
por tudo que o N eho quer ser.
Proibida a reprodução total o u parcial.
O s infratores serão processados na form a da lei.
42 História oral

A in d a q u e seja c o m u m o uso d a tra d iç ã o oral e m g ru p o s fechados,


c o m o trib o s o u clãs q u e a fro n ta m à m o d e rn iz a çã o , é possível fazer tra ­
b a lh o s de tra d iç ã o oral em sociedades u rb a n a s, in d u stria is, em q u e a U N ID A D E III - A P R Á T IC A E M H IS T Ó R IA O R A L
resistência aos p ad rõ es d o m in a n te s exige ritu alização de p ráticas an ces­
trais. O s resu ltad o s d e tra b a lh o s de tra d iç ã o oral, g e ra lm e n te , são a in d a
m e n o s im e d ia to s q u e os dem ais. P o rq u e re q u e r p a rtic ip a ç ã o c o n sta n te
e observações in ten sas, além de a c o m p a n h a m e n to a te n to q u e sem pre 5 - P rojeto de história oral
e x tra p o la o nível d a e n trev ista, a tra d iç ã o oral é de execução m ais le n ta e 5.1 - C o m u n id a d e de destino
5.2 - C olônia
exige c o n h e c im e n to s p ro fu n d o s ta n to d a situ ação específica investigada
5.3 - Rede
co m o d o c o n ju n to m itológico n o qual a c o m u n id a d e organiza sua visão de
6 - Condições para as entrevistas
m u n d o . U m c o n ju n to de m ito s a ju d a o e sta b e le cim en to de pressupostos
7 - Personagens e ética em história oral
a b erto s à c o n stru ç ã o dos d o c u m e n to s e análise das trad içõ es orais. P rin ­
cípios m ito ló g ico s o rie n ta m a percep ção p o p u la r so b re o fu n d a m e n to e
o d e stin o d e c o m u n id a d e s. 5 - P R O J E T O D E H IS T Ó R IA O R A L

H á alguns p rin c íp io s q u e o rg a n iz am a te o ria dos m ito s q u e devem


estar em m e n te ao se e la b o rar u m p ro je to d e tra d iç ã o oral. A ssim se p o d e “A história oral é uma grade de procedimentos
que privilegia o sujeito, o diálogo,
p e n sa r nos c h am ad o s m ito s d e origem (a p arecim en to d o m u n d o , d a vida, a criação textual desse diálogo...”
d o s seres h u m a n o s), nos referenciais sobre os in s tin to s básicos (re p ro ­ Alberto Lins Caldas

d u ç ã o e a lim e n ta ç ã o ), nas explicações sobre a h istó ria (guerras, pragas,


m o rte s), nas in d icaçõ es d o d e stin o pessoal (sorte o u n ão n o casa m en to O d e ta lh a m e n to d o p ro je to e m h istó ria oral é c o n d iç ã o p ara q u a lq u e r
e nos negócios) e nas explicações so b re o c o m p o rta m e n to e x tra o rd in á rio boa pesquisa, p rin c ip a lm e n te co m entrevistas. N essa lin h a, apresentam -se
(possessões, acessos). Esses fatores devem sem p re ser e q u ip a ra d o s aos as p artes c o n stitu in te s de u m p ro je to q u e te m características p ró p rias p o r
g ra n d e s sistem as d e m ito s explicativos da h istó ria . Isso faz c o m q u e o se tra ta r de “d o c u m e n ta ç ã o viva” . A seriação d e entrevistas d e m a n d a tra ­
investigador, o b rig a to ria m e n te , te n h a c o n h e c im e n to s universalistas a fim ta m e n to especial d a passagem d o oral p ara o escrito e isso é a p ro fu n d a d o
d e oferecer c o m p araçõ es q u e m o stre m a c o erên cia e n tre as lin h as in te r- no te m a d a transcriação. O p ro je to em h istó ria o ral é o in s tru m e n to n o r-
pretativ as d a h u m a n id a d e . Sugestões m ito ló g icas servem de p rin c íp io s te a d o r q u e a ju d a a p lan ejar o tra b a lh o de pesquisa, d e lin e a n d o a p ro p o sta
re c o rre n te s p ara diversos g ru p o s vistos sob a ó tic a d a tra d iç ã o oral: m ito a ser desenvolvida, a ju stific a tiv a /fu n d a m e n ta ç ã o , os m eios o p eracio n ais,
d o e te rn o re to rn o ; a visão d o paraíso terreal; a ideia d e te rra p ro m e tid a ; a q u e stã o d a fo rm a e a evid ên cia d o s o bjetivos p o r m eio d e h ip ó teses de
d e povo escolhido; a v itó ria d o b e m c o n tra o m al; a v o lta d o M essias. tra b a lh o . T u d o , p o ré m , é tra ta d o nos lim ites d iferen ciad o res d o p ro je to
em h istó ria oral em c o n tra ste c o m os dem ais.
A p o n ta d a c o m o re su lta d o d e u m pro cesso q u e vai d a tra n sc riç ã o
sim ples à textualização, as en trev istas são exem plificadas e m cada etapa.
44 História oral Unidade III - A prática em história oral 45

A tra n scriaç ã o é valorizada c o m o solução q u e c u m p re fu n ç ã o d u p la : em de aq u isição d e entrevistas d e m a n e ira a su g erir c o n sta n te s ajustes. A
si, c o m o te x to e d e p e rte n c im e n to ao corpus d o c u m e n ta l d o p ro je to . São d in â m ic a d a aq u isição e o rg an ização de textos d e h istó ria oral, p o r ser
a p re se n ta d o s ta m b é m os co n ce ito s d e c o m u n id a d e d e d e stin o , c o lô n ia e m a té ria viva, in d ic a m u d a n ç a s c o n sta n te s nos p lan o s iniciais. As n o v id a ­
rede q u e o rie n ta m m aneiras específicas de resolução de p roblem as teóricos des n ão previstas a p rio ristic a m e n te forçam m u d a n ç a s de ru m o . E xem plo
e técn ico s q u e os oralistas tê m n a fase d e ap reen são das entrevistas e na clássico disso é a aplicação d a “lei dos re n d im e n to s decrescentes”, o u seja,
c o n stitu iç ã o das narrações. Q u e stõ e s de “q u e m e n tre v ista r”, “q u a n d o ” e se n u m a rede prevista d e en tre v istad o s h á a rep etição de aspectos, desde
“o n d e ” são algum as das p reo cu p açõ es so m adas nessa p a rte . In fo rm açõ es q u e d e fin id a a m e m ó ria coletiva d a c o m u n id a d e , isso sugere a lg u m a
so b re o a c o m p a n h a m e n to e c o n tro le d o p ro je to de p esq u isa em h istó ria lim itaç ã o n a c o n tin u id a d e de entrevistas c o m o m e sm o seg m e n to . A
oral, c a rta de cessão e c a d e rn o de c a m p o finalizam essa sessão. força c u m u la tiv a das entrevistas deve ser prevista n o p ro je to , m as suas
O p ro je to é a essência d o s tra b a lh o s e m h istó ria oral. M ais d o q u e variações ta m b é m . A ssim , a eficácia das h ipóteses d e tra b a lh o e a veri­
m a n d a m e n to s seguros para e n c a m in h a r u m estu d o , o p ro je to em h istó ria ficação d a p ro b le m á tic a a ser so lu c io n a d a dev em se re n d e r à d in â m ic a
oral ju n ta a m o tiv ação d o tra b a lh o co m os p ro c e d im e n to s a serem e feti­ dos d o c u m e n to s em fo rm ação. É claro q u e n ão se faz p rim e iro a série
vados p ara a b o a realização d a pesquisa. A c o n ju g a çã o d e d u as partes, a de en trev istas p ara d ep o is inscrevê-las n o a n d a m e n to d o p ro je to . O p ro ­
in te n ç ã o e a p rá tic a d e e sta b e le cim en to de textos e sua e v en tu al análise, é gresso d o s e stu d o s evolui c u m u la tiv a m e n te em c o n ju n to , v in c u la n d o a
o q u e caracteriza a h istó ria oral e a d iferen cia d e o u tra s p ro p o stas, m esm o série c o m a verificação das p ro p o sta s iniciais. P ode-se m e sm o dizer q u e
das q u e ta m b é m se valem das fo n tes orais. C o m o c o m p o n e n te a tiv a d o r h ipóteses d e tra b a lh o e m h istó ria oral ch eg am a ser sugestões. O a p r io r i
d o processo, o p ro je to é o e le m e n to d istin tiv o q u e a rtic u la e o rie n ta os em h istó ria oral é sem p re u m a te m e rid a d e .
p ro c e d im e n to s d e cada etap a, fazen d o -o d a r se n tid o aos fu n d a m e n to s T o d o s os aspectos abrangíveis devem
Como rumo, o projeto em história oral
d a investigação c o m fo n tes vivas. sintetiza as decisões sobre como operar estar contem plados no projeto COITIO
t O projeto é a justificação e o mapa do durante todo o processo de investigação, . ,
D ife re n te m e n te d e p ro je to s baseados andamento da pesquisa com entre- mas não é uma camisa de força. partes que se comunicam, harmonizam,
, „ - i i vistas. Sem ele não se pode falar em
e m d o c u m e n ta ç ã o c o n v en c io n a l, os p ia- história oral. crescem e m u d a m . T u d o , p o rém , d ep en d e
nos q u e in c lu e m entrevistas em h istó ria de co n d içõ es p re v ia m e n te d e te rm in a d a s e esclarecedoras dos p rin c íp io s
oral p a rte m d a co n sid e ra ç ão de q u e a série d o c u m e n ta l em q u e stã o é básicos d a h istó ria oral: de quem, como e p o r quê. O p ro je to c o n te m p la
e la b o rad a , e sp ecialm en te, p ara esse fim . C o m o d o c u m e n to s “fabricados esses três vértices d a p ro p o sta , p o ré m ded ica-se c o m m ais d etalh es ao
a d o is”, em m ú tu a co la b o raç ã o , as entrevistas feitas p ara fins específicos “como”. “D e quem ” é p a rte c o n stitu tiv a das in te n ç õ es sem p re expressas
n ã o fazem ju s ao m e sm o tra ta m e n to dos d a d o s m a n tid o s em cartó rio s, nas justificativas, e, d a m e sm a fo rm a, o “p o r q u e ’ a m p a ra a in te n ç ã o
arq u iv o s, m u seu s o u b ibliotecas. A in d a q u e p o ssam c o m p o r p ro d u to s m ilita n te , d e tra n sfo rm a ç ã o d o status quo d o g ru p o ab ra n g id o .
g u a rd a d o s em arquivos, d esd e q u e resp eitad o o tip o d e te x to , entrevistas C o n sid e ra d a s as três prem issas básicas, faz-se im p o rta n te d e fin ir o
d e m a n d a m tra ta m e n to d ife re n c ia d o . E as en trev istas g a n h a m força em espectro d o q u e se p ro p õ e estudar. O a ssu n to deve ser d e lin e ad o c o m c u i­
c o n ju n to c o m o corpus d o c u m e n ta l. d a d o , pois envolve a in d icação d o pessoal d e fin id o c o m o co lab o rad o res.
A c o n stitu iç ã o d e u m novo tip o de série d o c u m e n ta l, e la b o rad o espe­ A p ro p o sta “de quem ” deve ser tra n ç a d a co m os fu n d a m e n to s u tilitário s
c ific a m en te p ara o fim p ro p o s to e m h istó ria oral, c o n fo rm a o processo d o e stu d o . Isso é o q u e delega ao p ro je to seu se n tid o e d e stin o . O esta b e ­
46 História oral U n id a d e III - A p rá tica em h is tó ria o ra l 47

le c im e n to d o p rin c íp io m oral d o e stu d o in fo rm a sobre os p ro c e d im e n to s, 6—bibliografia;


fazendo-OS ServOS da motivação social. A noção de mutabilidade do projeto 7—cronogram a.
j . . . . 1, . se deve ao conceito de "fonte viva",
lendo em Vista OS princípios básicos p0 jSj a o cont rário das fontes escritas,
d a h is tó ria oral: de quem , como e p o r que a dinâm,ca do Proce«° é ág'1e sutl1- O tem a - sem pre p ro p o sto de fo rm a c o m p o sta - além d e sua relevância
o p ro je to deve se in iciar a p a rtir d e escolhas q u e levem em c o n sid eração social deve a p o n ta r p ara a p o ssib ilid ad e d e políticas públicas. Por lógico
alguns fatores: n ão se p en sa em c o n q u ista s q u e resultem
Supõe-se que a indicação de medidas r . . r - l i
1 - relevância social da pesquisa; capazes de alimentar propostas de cm efeitos de transformações absolutas,
transformação seja meta adequada para £ m u m e s tu d o s o b re o s g a ris n a c i_
2 - exequibilidade em term os de abrangência de entrevistas, local e tem po; explicar a razao dos projetos temáticos. o
d a d e d e C u ritib a , e n v o lv e n d o as tra je tó ­
3 - diálogo com a com unidade que o gerou;
rias das pessoas, p o r e x em p lo , p o d e r-s e -ia p e n sa r q u e m ais d o q u e se
4 - responsabilidade na finalização e devolução ao grupo.
c o n se g u ir u m perfil desses tra b a lh a d o re s p o d e m -s e s u p o r p o lític a s de
a te n d im e n to social - d e e d u c a ç ã o , a lim e n to s , tra ta m e n to d e sa ú d e e
Essas características p recisam o rie n ta r u m a síntese q u e serve de títu lo /
a te n ç ã o fa m ilia r - a u m se g m e n to . A ssim u m p ro je to q u e p o d e ria re­
g u ia p a ra se in ic ia r a m a te ria liz a ç ã o d o pro cesso . Pelo m e n o s n o in íc io ,
c eb e r o n o m e d e “ H istória de v id a de trabalhadores da lim p eza urbana
o títu lo /g u ia deve ser c o m p o s to p o r p a rte s q u e se c o m p le m e n ta m a
de C u ritiba: ação e transformação" a b ra n g e ria u m esp aço de in fo rm a ç ã o
fim d e revelar n ú c le o s a serem a b ra n g id o s pela p e sq u isa . U m ex em p lo
a p ta a in d ic a r tip o d e escolas p ro fissio n a liz a n te s, p o te n c ia l c ria tiv o d o
d e títu lo in icial é “H istória oral de v id a de nordestinos em São Paulo: a
g ru p o e a té m e sm o c o rre ç ão d e tra je to s u rb a n o s . B asta e n u n c ia r o te m a
experiência m igratória da seca de 1958". N esse caso, p o d e -se d e c o m p o r
p a ra q u e se p en se, in clu siv e, n ã o a p en a s nas p o te n c ia lid a d e s in te rn a s
e le m e n to s q u e o rie n ta m o tra b a lh o a ser feito. A p ro p o s ta em tela seria:
ao g ru p o , à a d m in is tra ç ã o p ú b lic a , m as ta m b é m ao f u n c io n a m e n to
1) d e h is tó ria oral de vida; 2) o g ru p o a ser e n fo c a d o seria d o s n o rd e s ­
d a p ró p r ia c id a d e . A n o ç ã o d e “ação e tra n s fo rm a ç ã o ” , n o caso, g a n h a
tin o s q u e fo ra m à c id a d e d e São P aulo; 3) em d e c o rrê n c ia d a seca de
foros d e su tile za e su g estã o n a m e d id a e m q u e a p o n ta p a ra p rá tic a s de
1 9 3 8 . U m a p ro p o s ta c o m o essa ta n to m a rc a a relev ân cia social d o te m a
m u d a n ç a s q u e ta n to p o d e m ser d o s garis e n q u a n to pessoas c o m o d o
c o m o d e te rm in a sua e x e q u ib ilid a d e n a m e d id a em q u e b aliza o g ru p o
m a te ria l q u e re c o lh e m .
e m u m local e n u m te m p o precisos. A lém d isso , a ssu m e im p o rtâ n c ia
O seg u n d o item d o p ro je to é a justificação. C o m o “ação" para “justiçar
d ia n te d e u m g ru p o q u e se in d a g a q u a n to à id e n tid a d e n o rd e s tin a e
cabe nesse a to o b serv ar a te n ta m e n te o e n tro s a m e n to e n tre a p ro p o sta
p a u lis ta n a , brasileiras.
geral e o e stu d o em q u estão . O s m o tiv o s específicos q u e a m p a ra m a
U m p ro je to em h istó ria oral é c o n s titu íd o das seg u in tes partes:
investida d a p esquisa dev em ser claros e se re p o rta r aos g ru p o s q u e se
1 - tema;
p restam às entrevistas. A tu a aí m ais o “de quem" e o “p o r que '. O s m otivos
2 - justificação;
alegados c o m o m o to res d o tra b a lh o p o d e m ser d e o rd e m p e sso al/g ru p ai,
3 - problem ática e hipóteses;
a cad êm ica o u h istoriográfica. M as sem p re de fu n d o social e a te n ta ao
4 - corpus docum ental e objetivos; e n te n d im e n to d o tem po presente. A explicação d e ta lh a d a desses m o tiv o s
5 - procedim entos; deve refletir a relevância d o te m a em v ista d a fo rtu n a crític a a tin e n te
48 História oral Unidade III - A prática em história oral 49

ao a ssu n to m o tiv a d o r da investida. S u b ja c e n te a isso, a. justificação deve É p re c iso te r c laro q u a is os p ro b le m a s q u e se q u e r b u sc a r e c o m o


m o stra r a p e rtin ê n c ia d o assu n to visto p o r Se em qua|quer projeto é relevante sua se p o d e p e n sa r e m c a m in h o s, p e rg u n ta s,
Incluindo as chamadas hipóteses de
ân g u lo s novos. justificação, em história oral isso é vital, aptas a ajudar na verticalização dos ar- trabalho, a série de perguntas a serem
dado o comprometimento moral com . / • j • respondidas deve ser arrolada em
O realce aos m ecanism os operacionais o grupo destacado para revelar suas gumentOS. A o contrario dos projetos obediência ao sentido social do projeto.
experiências e versões dos fatos.
propostos visa a instruir dois procedim entos c o m d o c u m e n ta ç ã o “d a ta d a ”, c o n tu d o ,
que se com pletam : 1) a elaboração d o corpus d o c u m e n ta l; 2) a inscrição das as p ossibilidades de respostas d e p e n d e m , m u ito , d a b o a m o n ta g e m de
en trev istas n o p ro je to , fazen d o c o m q u e ele g a n h e se n tid o em c o n ju n to . redes d e en tre v istad o s. O fato d e se tra ta r d e “d o c u m e n ta ç ã o viva” é u m
T u d o p a ra se tra n s fo rm a r em a rg u m e n to capaz de in s tru ir processos de alerta p re p a ra tó rio p ara a falib ilid ad e das p ro b le m á tic a s o u hipóteses.
m u d a n ç a s sociais. P a ra d o x a lm e n te, ao m e sm o te m p o aí reside a fe rtilid a d e d o s pro jeto s
D e p o is d a justificação, é preciso explicitar os m ecan ism o s d e c o n s titu i­ em h istó ria oral.
ção e usos d o corpus d o c u m e n ta l p ro d u z id o . Essa a titu d e leva à escolha O e sta b e le c im e n to das e n tre v ista s o u fo rm u la ç ã o d o corpus docu­
d o g ên ero o u ra m o de h istó ria oral p re te n d id a : d e vida; tem ática; tra d i­ m en ta l é o u tr a e ta p a d o p ro je to . T e r claro o g ru p o e sc o lh id o é essencial
ção oral. E m te rm o s d e o p e ra çã o o u p ro c e d im e n to é necessário d efin ir p a ra a d e fin iç ã o d e c o m o h á d e se e la b o ra r u m c o n ju n to d e e n tre v istas
se se tra ta de: 1) h istó ria oral p u ra, feita c o m diálogos in te rn o s das falas capazes ta n to d e d iá lo g o in te rn o c o m o p ró p r io g ru p o c o m o c o m o
a p re e n d id a s, o u 2) h istó ria oral híbrida, q u a n d o as n arrativ as c o n c o rre m e n to rn o . O m e sm o se d iz a re sp eito d a e v e n tu a l in te ra ç ã o c o m o u ­
c o m o u tro s su p o rte s d o c u m e n ta is. Esse é u m m o m e n to im p o rta n te , pois tro s s u p o rte s d o c u m e n ta is . A c o n s titu iç ã o d e u m a série d o c u m e n ta l
exige q u e se d ê a d im e n sã o - e defesa - das a ltern ativ as d e c ru z a m e n to s re q u e r c u id a d o s. U m d o s p o n to s c ru c iais é a d e te rm in a ç ã o d e o n d e
e n tre as fo n tes escolhidas. D e u m a o u o u tra fo rm a é m iste r esclarecer q u e o u p o r q u e m co m eçar. N esse s e n tid o v alo riza-se a e n tre v is ta in icial. A
n u m p ro je to de h istó ria oral as fo n tes p rin c ip a is e em to rn o das q uais a e n tre v ista básica o u as e n tre v ista s in iciais são c h a m a d a s d e p o n to zero
p esq u isa gira são as n arrações d o s co lab o rad o res. e são elas q u e a n im a m a se q u ê n c ia p re te n d id a . É d a fase d e p o n to zero
N a justificação deve-se ev id e n cia r o m o tiv o d o uso d e redes de co la­ q u e se e x tra e m as p e rg u n ta s específicas q u e fav o recem a c o n tin u id a d e
b o ra d o re s. As versões o p o stas, as o p in iõ e s variáveis e c o n trá ria s, são das d e m a is. A fase d e p o n to zero deve fo rn e c e r e le m e n to s capazes d e se
b e m -v in d a s e su gerem a p o ssib ilid ad e d e diálo g o e n tre as falas. T a n to na a p ro fu n d a r os p o n to s in d ic a d o s n a p ro b le m á tic a e q u e d ev em ser perse-
a lte rn a tiv a d o uso d a h istó ria oral c o m o m e to d o lo g ia o u técn ica deve É importante realçar que os objetivos g uÍdoS n a in v estig ação . O s objetivos d o
v ig o ra r o p re ssu p o sto das diversas linhas q u e favorecem o d e b ate. A em história oral são derivados do tra b a lh o d ev em d e c o rre r d a in te n ç ã o d o
núcleo documental.
justificação te m q u e se a te r d e ta lh a d a m e n te ao c aráte r dialó g ico d a tra ­ e sta b e le c im e n to d o corpus docum ental.
m a. A liás, a d in â m ic a d o tra b a lh o está e x a ta m e n te n a p ro m o ç ã o dessas As n a rra tiv a s to rn a m -s e o n ú c le o c e n tra l das a te n ç õ e s, p o is delas
várias diferenças. d e c o rre m as razões e os d ile m a s e m b u tid o s nas justificações. Esse é o
Superada a fase de determ inação tem ática e de afirm ação dos m otivos do espaço p ara se fo rm u la r pressu p o sto s q u e vão se a d e n s a n d o n a m e d id a
projeto, o u seja, da justificação, o u tra etap a, é a problem atização, q u e deve em q u e o c ru z a m e n to de idéias e o p in iõ e s deixa d e ser in d iv id u a l e abraça
d e c o rre r das investidas iniciais q u e q u alificam o p ro je to . o coletivo. A problem atização deve se e n c a m in h a r p ara os objetivos. E os
50 H istória o ra l U n id a d e III - A p rá tic a em h is tó ria o ra l 51

objetivos elevem ser claros e d ire to s p ara fu n c io n a re m c o m o p a râ m e tro . o n d e se realizarão, q u a n to te m p o dev em durar? Esses d e ta lh es im p lica m
E m h istó ria oral, p o r c o n ta d o seu c aráte r p ú b lic o , os o b jetiv o s são d i­ a explicitação d o s co n ce ito s a lu d id o s ( C om unidade de destino, colônia e
v id id o s em : redes). P a rtin d o -se d o m a io r p ara o m en o r, tem -se q u e se p re te n d e com

1 - objetivo geral: que dá um a dim ensão mais am pla ao que se quer estudar, essa te rm in o lo g ia facilitar a o p eração e d a r co n sistên cia ao p ro je to q u e ,
a com unidade com o um todo, sem especificações; em su m a, te m as seg u in tes etapas.

2 - objetivos específicos: que se relacionam de m aneira mais próxim a com


as questões que envolvem subdivisões do grupo analisado;
5.1 - C O M U N ID A D E DE DESTINO
3 - objetivos com plem entares: que dizem respeito à devolução pública do
trabalho realizado.
“Esse é o a m o r f a c i que faz com que o destino não apenas se realize,
mas seja aceito, até mesmo amado com o tal.”
Michel Maffesoli
E x p licitar a o p eração , o u seja, o “c o m o fazer”, é u m dos passos cruciais
d o p ro je to . N esse estágio é preciso a d m itir c o n ce ito s a p ro p ria d o s para
d a r c o m p le x id a d e o u d im e n sã o ao p ro je to de h istó ria oral. Três c o n ceito s H á dois pressu p o sto s q u e in s tru e m a c o n c e itu a ç ã o de “com unidade

se h ie ra rq u iz a m de m a n e ira c o m b in a d a e sem eles m u ito b em d efin id o s de destino". A p rim e ira é de base m a terial e a seg u n d a de fu n d a m e n to

n ã o se o p e ra a d e q u a d a m e n te e m h istó ria oral: psicológico, d e gên ero o u o rie n ta ç ã o (p o lítica, c u ltu ra l o u sexual). N o

1 - C om unidade de destino; p rim e iro caso, e le m en to s d e efeitos físicos d izem respeito a situações
q u e v in c u la m pessoas, clãs e g ru p o s expostos a c irc u n stân c ia s q u e dão
2 - Colônia;
u n id a d e tra u m á tic a ao d e stin o das pessoas: calam id ad e s, te rre m o to s,
3 - Redes.
pestes, flagelos, m a rc a m a vivência coletiva d e u m g ru p o em u m lugar
físico e c u ltu ra l. O u tr a a lte rn a tiv a , esta de base psicológica, diz respeito
A p artir das especificações de cada u m desses elem entos é q u e se estabe­
às experiências de c u n h o m oral: pessoas afetadas p o r d ra m a s subjetivos
lece a con d u ção das entrevistas. Para se arm ar a d eq u ad am en te o q u a d ro dos
o u n ão n a tu ra is c o m o violência, ab usos, a rb itra rie d a d e s, d iscrim in ação .
colaboradores deve-se a d m itir co m clareza que não basta “fazer entrevista”
D e u m a o u d e o u tra fo rm a, a su ste n ta ç ão q u e m arca a u n iã o de pessoas
aleatoriam ente e nem decidir sobre a form a de pro ced im en to dialógico sem
são d ra m a s c o m u n s, c o etân eo s, vividos c o m in te n sid a d e e c o n seq u ên cias
obedecer às estratégias de cada situação. As grandes definições dos quadros
relevantes, ep isó d io s q u e a lte ra m n o p o rv ir o c o m p o rta m e n to p re té rito ,
Há um natural afunilamento da capa­ de colaboradores devem o rien tar o critério
cidade de apreensão das diversas expe­ ro tin e iro , e q u e im p õ e m m u d a n ç a s radicais d e v id a g ru p a i. L e m b ra n d o
decrescente, p a rtin d o do mais am plo para
riências e versões dos fatos derivados q u e , p a ra H a lb w ac h s, a m e m ó ria coletiva é m a rc ad a pela a fin id a d e re­
das entrevistas. Assim, da ampla deter­ o mais específico. Assim, apenas depois que
minação da comunidade de destino p e tid a d e vivência c o m u n itá ria d e alg u n s d ra m a s, é n a in c id ê n cia dos
passa-se à definição da colônia e dela se estabeleceu u m e n te n d im e n to d o q u e é
se chega á formulação das redes. p ro b le m a s e na busca de soluções q u e se evidencia o efeito d a experiência
co m u n id ad e de destino é q u e se pensa em
c o m u n itá ria . N essa lin h a, le m b ra r é u m desafio fu n d a m e n ta l. A m e m ó ria
colônia, para, p o r fim , chegar-se às redes.
se c o n stitu i assim em artifício p o lítico -so cial p ara m a rc ar os e le m en to s
D e p o is, é preciso d e ta lh a r as q u estõ es de o rd e m p rá tic a p ara a realiza­
id e n titá rio s d e u m a c o m u n id a d e .
ção das entrevistas, q u e serão: únicas o u m últiplas1,abertas o u direcionadas;
52 História o ra l Unidade III - A p rá tic a em h is tó ria o ra l 53

O coletivo é sinal d a in sistên cia de aspectos tra u m á tic o s q u e d e te r­ lônia" é sua p rim e ira divisão, a in d a q u e em b lo c o g ra n d e . D eve existir
m in a m c o m p o rta m e n to s registrados na m e m ó ria . Sem a rep etição e a u m c rité rio ex p lícito p ara se p ro c e d e r à divisão d o to d o , pois a fin alid ad e
to m a d a de con sciên cia d o d ra m a c o m u m A partir de uma postura comum de um d a “colônia” é facilitar o e n te n d im e n to d o
passado filtrado pelo trauma coletivo Menor que comunidade de destino,
n ã o há m e m ó ria coletiva. A p e rs p e c ti­ se formaria uma comunidade de coletivo q u e se p e rd e ría n a ab ra n g ên c ia . a colônia é fragmento substantivo,
va d e H a lb w a c h s preza a fo rm a ç ã o da destino que seria matéria de registro fração representativa, ainda que nu­
e verificação da história oral. A “colônia" é p a rte d iv id id a para possi­
mericamente inferior à grande comu­
m e m ó ria c o m u n itá ria c o n s tr u íd a m ais b ilita r o e n te n d im e n to d o to d o p re te n d i­ nidade de destino.
p o r afin id ad es afetivas, p o r trajetó rias re p a rtid a s em c u m p lic id a d e q u e do. M as há sutilezas nesse frac io n a m e n to ,
envolve a to d o s d o q u e p ro p ria m e n te nas altercações o u parcelas não pois é necessário guardar, ao m e sm o te m p o , características peculiares q u e
rep resen tativ as d o coletivo. ju stifiq u e m a fração e m a n te r os elos c o m u n s ao g ra n d e g ru p o . A ssim
E m te rm o s de h istó ria oral, as afin id ad es q u e en la ça m c id ad ão s q u e c o m o p o d e ria m o s s u p o r q u e , e n tre os n o rd e stin o s q u e v ieram p ara São
passam a te r d e stin o s c o m u n s são sem p re d istin g u id a s pela repercussão
P aulo n a seca d e 1958, os evadidos d e cada e stad o a p re se n ta m suas ca­
dos fatos na vida c o m u n itá ria . Seja p o r
racterísticas d ife re n te s, tem -se q u e , n a g ra n d e “com u n idade de destino",
A abrangência e a repetição são marcas
da memória coletiva e só interessa à te r so frid o prisões, te rre m o to s, abalos cli­
as co lô n ias são variadas c u ltu ra lm e n te .
história oral o sentido comunitário da m ático s, p a d ec id o to rtu ra s, epidem ias, os
memória. Mas a memória coletiva não A “colônia" visa a organizar a c o n d u ç ã o d o e stu d o fazendo-o viável.
é monolítica. g ru p o s são id en tificad o s na h istó ria oral
C o m o seria im possível p e n sa r a "comunidade de destino" c o m o u m bloco
c o m o p o rta d o re s d e u m a “com unidade de
indivisível, o p a rc e la m e n to em “colônia" seria u m a so lu ção o p e ra cio n a l
destino". A ssim , m ais o u m e n o s n a tu ra lm e n te , a h istó ria oral privilegia
q u e to rn a ria viável o estu d o . A decisão sobre "colônia", c o n tu d o , é sem ­
g ru p o s sociais deslocados —m igrantes e im igrantes —, parcelas m in o ritárias
pre a rb itrá ria , pois há várias fo rm as d e p ro c e d e r a esse p a rc e la m e n to . D e
excluídas, m arg in alizad as, e se vale de suas n arrativ as p ara p ro p o r u m
o u tra m a n e ira , p o r ex em p lo , p o d er-se-ia p e n sa r em estabelecer “colônia"
“outra história", o u h istó ria “ vista de baixo", d e â n g u lo in c o m u m , sobre
se g u n d o o c rité rio d e gênero: a m ig ração das m u lh e re s e m paralelo à dos
d e te rm in a d a realidade e m c o n tra p o siç ã o ao sile n c ia m e n to o u à visão
“m a jo ritá ria ” e in stitu c io n a liz a d a , a ssu m id a c o m o aq u ela q u e devem os h o m e n s; das crianças em c o m p a ra ç ã o c o m os velhos; a d o s q u e vieram

re c o n h ec e r c o m o “versão oficial”. Por lógico, a visão d o s g ru p o s de p o d e r so zin h o s e m e q u ip a raç ã o aos q u e tro u x e ra m fam ília. N esse caso, a "co­
interessa, m as c o m o c o n tra p o n to p ara o d iálo g o c o m os desvalidos. m un idade de destino" se m a n te ria a m e sm a - os n o rd e stin o s m ig rad o s
p ara São P aulo n a seca d e 1958 e a "colônia" - em vez d e se a te r ao to d o
in d is c rim in a d a m e n te , d iria resp eito o u à p ro c e d ê n c ia p o r e sta d o o u ao
5.2 - C O LÔ N IA g ên ero fe m in in o em c o m p le m e n to ao m ascu lin o . N o caso d o s estados,
prevalece a resistência cu ltu ra l —h ábitos alim entares, tradições dom ésticas,
“Com o alcançar a unidade na (apesar da?) diferença
m úsica - , e n o caso d o g ên ero as diferenças e n tre a experiência m ig rató ria
e como preservar a diferença na (apesar da?) unidade?”
Zigmunt Bauman p ara a m u lh e r e p ara os h o m e n s.

“Colônia" é d e fin id a pelos p a d rõ e s gerais d e parcela de pessoas d e u m a


m e sm a “com unidade de destino". Se "comunidade de destino" é o to d o , "co-
54 História oral Unidade III - A prática em história oral 55

5 . 3 -R E D E É possível tra b a lh a r c o m d u as o u m ais redes ao m e sm o te m p o , m as


o c u id a d o q u e se c o b ra é q u e n ão h aja m istu ra d e a rg u m e n to s. As q u e s­
“Para mim , as histórias são com o uns joguinhos de peças
tões a p re se n ta d as às m u lh e re s, p o r ex em p lo , são d iferen tes das feitas aos
e montá-los de um ou de outro jeito é como jogar.”
Gabriel Garcia Márquez h o m e n s. A a te n çã o aos a rg u m e n to s de cada rede justifica a intensificação
d o e n te n d im e n to das razões d e cad a seg m en to .
A “rede”, p o r sua vez, é u m a subdivisão da “colônia”, p o rta n to a m e n o r E x em p lo ap lic ad o a u m p ro jeto :
parcela d e u m a “com unidade de destino". D e n tro d a “colônia” é possível
id e n tifica r seg m en to s a in d a m ais restrito s q u e p o ssu am feições sin g u ­ Tema: “H istória oral de vida de nordestinos em São Paulo: a experiência m i­
gratória da seca de 1 9 5 8 ”.
lares. A rede deve ser sem p re p lu ral - id e a lm e n te várias p o rq u e nas
C o m u n id a d e de d estino: todos os nordestinos atingidos pela seca de 1 958.
d iferen ças in te rn a s aos diversos g ru p o s
C olôn ia: os nordestinos atingidos pela seca de 1958 e que migraram para a
Um dos fundamentos do bom estabe- . . ,. ,. ,.r
lecimento das redes preza o enten- residem as d isp u ta s o u o lhares d iferen tes cidade de São Paulo.
dimento em profundidade das razões ju stificam c o m p o rta m e n to s variados Redes: 1) h om ens q ue vieram com famílias; 2) h om ens que vieram sem família;
de segmentos organizados que com- * ' *
põem o todo. d e n tro de u m m e sm o p lan o . m ulheres que vieram com família; m ulheres que vieram sem família. Outras
divisões poderíam ser pensadas: pessoas - h om ens e m ulheres - com familiares
In teressam os a rg u m e n to s q u e ju s ti­
em São Paulo; pessoas que antes tiveram experiências em São Paulo.
ficam o fe n ô m e n o p ara cad a seg m e n to . A riq u eza das redes in d ic a a
fertilidade d o s m o tiv o s q u e , sob u m m e sm o m o tiv o cen tral - n o caso a
U m p ro je to desse tip o p o d e a b rir c a m in h o p a ra se p e n sa r nos papéis
seca d o n o rd e ste e a v in d a a São P aulo em 1958 te ria m p ro m o v id o os
sociais - m ascu lin o s, fe m in in o s, d e pais e filhos - , n u m processo de
d e slo c a m e n to s. A in d a s u p o n d o esse ex em p lo , cabe le m b ra r q u e as razões
m igração c o m o esse. P or o u tro lad o , a m e m ó ria das e stru tu ra s sociais
q u e tro u x e ra m os h o m e n s são diversas das q u e m o tiv a ra m as m u lh eres.
fica ex p o sta de m a n e ira a su g erir c rité rio s p ara a a d ap taç ã o e m u d a n ç as.
A ssim , p o d er-se-ia p e n sa r u m a rede m a sc u lin a e o u tra fe m in in a . S u b d i­
visões a in d a p o d e ría m ser co n sideradas: redes dos h o m e n s q u e vieram
c o m fam ílias e dos q u e vieram sós. P rin c ip a lm e n te n o caso d o tra ta m e n to
6 - C O N D IÇ Õ E S P A R A A S E N T R E V IS T A S
m e to d o ló g ic o - em q u e são c o n sid e ra d o s os a rg u m e n to s orais c o m o
fo rm a d e análise - , a c o m p a ra ç ã o de redes d iferen tes fornece, em geral,
“As entrevistas em casa aumentarão as pressões dos ideais
excelente o p o rtu n id a d e para con sid eração . ‘respeitáveis’ centrados no lar; uma entrevista num bar, mais
provavelmente, enfatizará atrevimentos e brincadeiras;
A o rig em d a rede é sem p re o pon to zero, e essa en tre v ista deve o rie n ­
e uma entrevista no local de trabalho apresentará
ta r a fo rm aç ã o das d em ais redes. A in d icação d e c o n tin u id a d e das redes a influência das convenções e atitudes ligadas ao trabalho.”
p re fe re n c ia lm e n te deve ser d eriv ad a d a e n trev ista a n te rio r. A ssim , em Paul Thompson

cad a e n tre v ista o c o la b o ra d o r deve in d ic a r alg u ém q u e c o m p o rá a rede.


A v a n ta g em dessa estratégia é q u e p o r ela m o n ta -se a rede de a c o rd o com S e g u n d o p re c e ito s firm a d o s n o p ro je to , h is tó ria o ra l im p lic a u m a
o a rg u m e n to dos e n tre v istad o s e n ão dos d ire to res d o p ro je to . C o m isso, série d e d ecisões so b re c irc u n stâ n c ia s das e n tre v ista s; assim , deve-se
se fortalece a razão d o g ru p o . especificar, alé m das d e fin iç õ e s d e esp aço e te m p o d e d u ra ç ã o , se elas
56 História oral Unidade III - A prática em história oral 57

te rã o o u n ã o e stím u lo s e se as n a rra tiv a s d e c o rre n te s serão livres o u re stau ran te s, cin em as, c o m b o n s resu ltad o s, m as, d e q u a lq u e r fo rm a,
e s tru tu ra d a s . V a n ta g e n s e d e sv a n ta g e n s d e c ad a s itu a ç ã o d e v e m fazer o ideal é sem p re haver co n d içõ es ad eq u ad as para a p u reza d o so m , e v ita n ­
p a rte d o s p ro je to s. d o -se in te rru p ç õ e s e o u tro s im p e d im e n to s q u e d istra ia m a co n ce n tra ç ã o .
A m e m ó ria in d iv id u a l, a p esa r d e se e x p lic ar n o c o n te x to social, é Q u a n to ao te m p o d a d o p ara cad a en tre v ista ta m b é m vale s u p o r a
a fe rid a p o r m e io d e e n tre v ista s nas q u a is o c o la b o ra d o r te n h a a m p la d in â m ic a d o e n c o n tro . A in d a q u e haja
A flexibilidade, evidentemente, deve
lib e rd a d e p a ra n a rra r. C u id a d o s d ev em ser to m a d o s e m relação às in te r­ existir; mas, em geral, a entrevista não n a rra d o re s m ais o u m e n o s e lo q u e n te s ,
ferên cias o u e stím u lo s p re se n te s nas e n tre v istas. E s tím u lo é in c ita ç ã o , deve ser "quebrada" ou "recortada" deve-se p la n e ja r o n ú m e ro d e h o ras para
sem fortes razões.
n ã o fo rm a d e c o lo c a r n a b o c a d o e n tre v is ta d o as resp o stas q u e se q u e r cada e n c o n tro . A lém d o a sp ecto p rá tic o
o b te r. E s tím u lo s p o d e m e x istir o u não; de cad a situ ação d e en tre v ista, deve ta m b é m prevalecer o c u id a d o co m
tu d o , p o ré m , d e p e n d e d o s p re ssu p o sto s 0 ocas'°nal uso de e s t í m u lo s deve ser o m aterial, pois é lam en táv el faltar fita, p o r exem plo.
r r r r apresentado ao colaborador antes de
e sta b e le c id o s n o p ro je to . suas eventuais aplicações, pois eles Q u e m en tre v ista q u e m é o u tro fa to r decisivo n a q u a lid a d e d o p ro je ­
alteram a naturalidade que, muitas
H á a u to re s q u e a p e n a s c o n s id e ra m vezes, é buscada. to. E m m u ito s casos, c o n v ém p e n sa r q u e deve h av er especificações no
a m e m ó ria , e n q u a n to fa to r d e análise, re la c io n a m e n to e n tre e n tre v istad o res e en tre v istad o s. O q u e é m e lh o r o u
d e p o is q u e elas são d e p u ra d a s p o r en trev istas m ú ltip la s. Para esses, m e ­ n ão, d e p e n d e sem p re d o tip o d e p ro je to . A lgum as p e rg u n ta s dev em ser
ras p o n ta s d e le m b ra n ç as, reações im ed iatas, eq u iv alem à fantasia o u à re sp o n d id as a n te s d e se p a rtir p a ra a a v e n tu ra das gravações: é m e lh o r
su p erficialid ad e. O u tro s , c o n tra ria m e n te , p referem o p e ra r c o m a e sp o n ­ saber o m á x im o possível sobre as pessoas o u não? É m e lh o r h o m e m e n ­
ta n e id a d e , a c re d ita n d o q u e a n a tu ra lid a d e seja u m a te sta d o d e p u reza da trev istar m u lh e r o u não? E as idades dev em se equivaler? E m se tra ta n d o
m e m ó ria e q u e , se tra b a lh a d as p o r estím u lo s o u exercícios, elas espelham de situações étn icas, seria a m e sm a coisa, b ra n c o e n tre v ista r n eg ro sobre
o rg anizações p ro g ressiv am e n te m ais sofisticadas. O s q u e a d v o g am u m a suas c irc u n stân c ia s raciais?
n a rra tiv a a rm a d a , o u seja, em q u e o c o la b o ra d o r te n h a tid o te m p o para U m a característica in teressan te das narrativas de m e m ó ria in d iv id u a l é
se p re p a ra r e assim p ro m o v e r u m a visão m ais o rg a n iz ad a d a h istó ria , q u e ela acaba p o r ser id e n tifica d a c o m o relevo das pessoas na sociedade.
p referem b u sca r a d efin ição d a c o n sciên cia n o q u e foi d ito . O s o u tro s Q u a se sem pre, é c o m u m e n c o n tra r pesso­
o p ta m pela n a tu ra lid a d e . Ao mesmo tempo, a percepção de que
as q u e n ão se a ch a m im p o rta n te s o u q u e uma narrativa centraliza o narrador,
A fim d e p ro d u z ir m elhores co n d iç õ es p ara as entrevistas, o local esco­ d elegam a o u tro s a c ap acid ad e de narrar. que passa a ser a origem dos aconteci­
mentos, gera sempre uma sensação de
lh id o é fu n d a m e n ta l. D eve-se, sem p re q u e possível, deix ar o c o la b o ra d o r Isso se deve a u m a característica d a nossa importância social com a qual muitas
pessoas não estão habituadas.
d e c id ir so b re o n d e g o staria d e gravar a e n tre v ista. E xistem situações sociedade sem pre aberta a celebrizar pesso­
em q u e e stú d io s, cen trais de sons, são re q u erid o s. N esses casos, logica­ as e d im in u ir o papel das pessoas c o m u n s.
m e n te , os p ro je to s desenvolvidos p o r m u seu s o u a rq u iv o s d e m a n d a m D a d a essa característica defeituosa sobre q u e m é m otivo de gravação, os
espaços privilegiados, m as g e ra lm e n te a casa d a pessoa, q u a n d o n ão há trabalhos de m em ó ria individual apenas têm g an hado publicidade q u a n d o
im p e d im e n to , passa a ser o espaço esco lh id o . E xistem situações em q u e são transparências de personagens consideradas im portantes. Q u e r seja pelo
escritó rio s, locais d e tra b a lh o o u de e n c o n tro s sociais, c o m o clubes, são papel o u pela circunstância que envolve algum a pessoa, a m em ória ganha u m
eleitos. Sabe-se d e a ltern ativ as de entrevistas gravadas em igrejas, h o téis, caráter em blem ático que, c o n tu d o , deve ser visto sem pre pela ótica social.
58 História oral Unidade III - A prática em história oral 59

S en d o a m e m ó ria sem p re d in â m ic a , e q u e m u d a e evolui de época para em im e d ia tism o s n o tra to das entrevistas. A in d a q u e sem p re p resida a
ép o ca, é p ru d e n te q u e seu uso seja relativizado, p o sto q u e o o b je to de in te n ç ã o de se p u b lic a r o u d isp o n ib iliz a r os resu ltad o s das entrevistas,
análise, no caso, n ão é a n a rra tiv a o b je tiv a m e n te falan d o n e m sua relação recom enda-se q u e elas sejam tratadas em sua íntegra. A o c o n trá rio de in d i­
c o n te x tu a l, e, sim , a in te rp re ta ç ã o d o q u e ficou (o u não) reg istrad o nas cações superadas p o r práticas c o m u n s na Sociologia, m esm o q u a n d o frag­
cabeças das pessoas e foi passado p ara a escrita. m e n ta d o s os discursos n arrativ o s, anexa, sem p re q u e possível, deve vir a
entrevista, tra b a lh a d a na íntegra. Q u a n d o isso não for viável - seja pelo ta ­
7 - P E R S O N A G E N S E É T IC A E M H IS T Ó R IA O R A L m a n h o o u pela característica d o p ro jeto - ,
Na realidade, a história oral demanda ó e v e ser o b r ig a to r ia m e n te in d ic a d o o
um complexo tratam ento entre as °
“O respeito pelo valor e pela importância de cada partes. Uma etiqueta rigorosa prescreve lu g ar de acesso a ela. C a b e ao d ire to r d o
indivíduo é, portanto, uma das primeiras lições de ética os procedimentos que devem ficar . _
sobre a experiência com o trabalho de campo na história oral.” claros segundo o projeto e explicitados p ro je to fazer tal indicação,
Alessandro Portelli
invariavelmente antes da realização A _ i • , r j
das entrevistas. A q u e stã o d o c o m p ro m isso é ru n d a -
m e n ta l n a te ia d e re la c io n a m e n to s d a
N o p assad o , o u e m e n te n d im e n to s tra d ic io n a is q u e a in d a v ig o ra m , a h istó ria oral. É relevante le m b ra r q u e c o m p ro m isso n ão q u e r dizer c u m ­
d e fin iç ã o d e q u e m era o e n tre v is ta d o r e o e n tre v is ta d o ficava c la ra m e n te p licid ad e o u afin id a d e ab so lu ta. É im p o rta n te te r em m e n te q u e m u ito s
e sta b e le c id a nas “tra n sc riç õ e s e x a ta s”, q u e , p o r sua vez, d e te rm in a v a m p ro jeto s, p ara serem m ais c o m p le to s, exigem q u e sejam in teg rad as no
q u e m era q u e m . Q u a s e se m p re se assinalava u m “E ” p a ra o e n tre v is ­ c o n ju n to das entrevistas pessoas q u e se c o lo cam em lin h as ideológicas,
ta d o r, o u tra s vezes usava-se a le tra “ P ” (de p e rg u n ta ) o u a in icial de pessoais, posições d iferen tes d o s d ire to res d o s e n trev istad o res. Isso, em
q u e m reg istrav a a e n tre v ista . V alia-se ta m b é m d o “ R ” p a ra sig n ificar vez d e significar m o tiv o de c o n tra ste , deve ser visto c o m o fa to r de e n ­
a re sp o sta o u as in iciais d o e n tre v is ta d o . E m m u ito s casos, ta m b é m riq u e c im e n to d o p ro je to , p o sto ser u m a fo rm a de c o m p le ta r visões de
a p e n a s se usav am travessões n o s inícios das p e rg u n ta s e das respostas. fe n ô m e n o s q u e ficariam c o m p ro m e tid o s sem o “o u tro lad o ”. P o rq u e tem
D a d o s os avanços da h istó ria o ral, essa relação se m o d ific o u p o rq u e ta m ­ sid o m u ito c o m u m se fazer h istó ria oral c o m setores c o m os q uais os pes­
b é m m u d a ra m os papéis referentes à a u to ria d o p ro je to e o significado q u isad o res se c o m p ra z e m o u a fin am , é im p o rta n te le m b ra r a necessidade
d o uso das entrevistas. A lém disso, in c o rp o ra n d o aspectos d a m o ral e da de ta m b é m se o u v ir o u tra s p artes e integrá-las n o p ro je to .
c id a d a n ia c o n te m p o râ n e a s , inclusive os d eb ates sobre as relações éticas, E m m u ito s projetos de história oral, confrontam -se as opiniões e, mais do
de d ire ito à a u to ria e a fu n ção social d o p ro d u to in te le c tu al, tê m im p o sto q u e elas, as orientações q u e m otivam as partes. N a suposição, p o r exem plo,
c u id a d o s e m relação ao uso d a en tre v ista e d e preservação d a im agem de u m estudo que enfoque to rtu ra d o s e to rtu ra d o re s , v ítim as e p e rp e tra ­
d o e n tre v istad o . d o re s, os e n tre v ista d o re s n ã o p re c isa m Evidentementenãoseadvogaapossibiii.
Nada deve ser espontâneo num encontro
In d e p e n d e n te m e n te dos prazos —q u e de história oral. Apenas a liberdade o b rig ato riam en te ser solidários o u afinados dade de uma aíáo neutra- distante e im-
° parcial. Isso simplesmente não existe. O
são c u rto s p a ra os jo rn alistas - n a h is­ de fala deve gozar de prerrogativas
descontraídas. com a parte contrária. R equer-se, isso sim , que se pede é uma postura profissional,
. r . , | . de alguém que sabe ouvir e dialogar.
tó ria oral, as en trev istas dev em p ro d u z ir u m a a titu d e profissional e dem ocrática que
resu ltad o s feitos c o m m o ro sid a d e e a te n ç ã o exageradas. Sem isso não ad m ita c o n tem p lar argum entos de am bos os lados. N o m o m e n to da apreen­
se realiza a c o o p eraç ã o e n ã o se explica a m ed iação . N ã o se deve p en sar são das narrativas, ta n to a lógica de u m a parte co m o da o u tra se faz válida.
60 H istória o ra l U n id a d e III - A p rá tic a em h is tó ria o ra l 61

P o r o u tro ângulo, o pró p rio entrevistador deve deixar ser u m observador à q u e stã o d o a u to r. B a sic a m en te a p e rg u n ta q u e se faz é se o a u to r é
da experiência alheia e se c o m p ro m e te r com o trabalho de m aneira m ais q u e m c o n to u a h is tó ria o u q u e m a re d ig iu , d a n d o -lh e u m a so lu çã o
sensível e com partilhada. T u d o isso sem perder de vista a visão d o projeto fo rm al d e fin itiv a? N a p rá tic a , esse p o n to te m c o m p lic a d o m u ito s p es­
c o m o u m todo. A m u d an ça d o significado dos papéis, de q u e m é q u em , não q u isa d o re s q u e se p e rd e m ao c o n f u n d ir o tra b a lh o d e c o la b o ra ç ã o na
está apenas ligada à superação das form as tradicionais de se fazer entrevistas. e n tre v ista c o m a d ire ç ã o c o m p a rtilh a d a d o p ro je to .
A d ep endência d o colaborador passa a ser m u ito m aio r d o que era antes. São conhecidos casos em que os autores
Não apenas os direitos autorais devem
N ã o apenas este tem que dar a autorização para a publicação de parte ou ser encaminhados para o autor, mas dividem os proventos das obras publicadas
também os riscos da condução da pes- e até sabe-se de situações em que os autores
d o to d o da entrevista, m as ele pode e deve tam b ém participar das etapas de guisa, dos usos das entrevistas e os even­
transcrição e revisão d o texto q u e lhe com pete. Indicações de c o n tin u id ad e tuais erros não explicitados nas apre­ abrem m ão dos direitos autorais em favor
sentações ou comentários publicados.
das entrevistas tam b ém p o d em favorecer o dos entrevistados. Essa decisão, porém , deve
. . Um dos pontos mais prezados na
papel ativo dos colaboradores. consideração da história oral está pertencer exclusivam ente ao autor. Apesar de o tratam en to d ad o ao entrevis­
r-, . , exatamente no fato de ela abrigar
D eve-se ter em m e n te q u e a capacida- possibilidades de enganos, menti- tado ser o de colaborador, m ediante as responsabilidades do escrito, o a u to r
d e d e n a rra r está na an u ên cia, no estado ras'. distorções e variações dos fatos deve ser sem pre q u em colheu a entrevista, dirigiu o projeto e assum iu publica­
registrados e conferidos por outros
psicológico e físico d o en trev istad o , q u e documentos, m en te a responsabilidade sobre o q u e está d ito , gravado e usado. A m u d an ça
p o d e, sim , d e cid ir sobre os ru m o s finais da consideração d o papel d o entrevistado tem ocasionado alguns problem as.
da entrevista. Isso q u e parece óbvio não é tão claro, pois se julga q u e o A novidade da questão e a in tim id ad e qu e m uitas vezes se estabelece entre as
c o n tro le da relação se c o n ce n tra nas m ãos d o en trev istad o r, q u e d e té m o partes têm provocado situações inusitadas e de risco. E m alguns casos, certos
g ravador e q u e po d eria a p ertar b otões d e c o m a n d o , a ssu m in d o os rum os colaboradores se sentem tão d o nos d o projeto que querem d ete rm in a r o seu
da relação. Essa tensão p e rm a n e n te c o n tin u a , pois ao te rm in a r a entrevista curso. É possível inclusive haver c irc u n stân c ia s em q u e os c o lab o rad o res
o u as sessões de gravação as decisões sobre detalhes d a transcrição passam forcem situações in c o n v e n ie n te s e até usem de c h a n ta g e m para a tu a r no
a ser c o m a n d a d o s pelo a u to r das transcrições. A o voltar para a conferência d e se n v o lv im e n to d a p esq u isa. O a u to r
Há projetos de história oral em que
das entrevistas, c o n tu d o , tu d o m u d a até q u e se estabeleça o texto final. tem q u e te r clareza d e seu papel e saber se faz necessário o esforço de equipe.
Nessas situações, deve-se proceder a
U m te rm o significativo n a relação de p o d e r das partes é a palavra “ne­ d ip lo m a tic a m e n te co lo car lim ites na in ­ repartição das tarefas, mas o trabalho
gociação”. M ais d o q u e p ô r o u tirar partes de u m a entrevista, tu d o deve ser terferên cia de c o lab o rad o res m ais afoitos. deve ter um diretor que será, sempre,
o responsável geral pelo andamento e
negociado. M u ita s vezes coisas ditas e m m o m e n to s inesperados o u co m o A ssim , se alg u ém o u u m c o n ju n to de controle das etapas do projeto.
p a rte d e u m a narrativa g a n h am relevo diferen te q u a n d o v e rtid o d o oral pessoas se responsabiliza pelas entrevistas
para o escrito. C aso haja necessidade e seja defin id a a relevância d o q u e foi de u m a rede, as tarefas dev em p e rm a n e c e r sem p re as m esm as. A m u d a n ­
falado, recom enda-se u m a m b ie n te de cam aradagem para a negociação. ça de ativ id ad es p o d e p re ju d ic a r a “especialização” e em tro c a pro v o car
O u tr o te rm o re le v an te n a m o d e rn a h is tó ria o ral é o d a “a u to ria ” . im provisações n o m a n e jo das tarefas. Q u a n d o o c o rre m tra b a lh o s com
S e g u n d o os c rité rio s das a n tig a s p rá tic a s d e tra b a lh o c o m e n tre v ista s, a eq u ip es, sugere-se q u e haja u m c alen d á rio d e reu n iõ es e q u e to d o s os
q u e s tã o d a a u to ria n ã o re p re se n ta v a n e n h u m p ro b le m a . P ara a h is tó ria m e m b ro s d a e q u ip e to m e m c o n h e c im e n to das funções e dos estágios dos
o ra l, c o n tu d o , u m d o s a sp e c to s m ais in te re ssa n te s e p o lê m ic o s re m e te c o m p a n h e iro s e d o p ro je to .

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62 História oral

H á u m a form a de história oral que exige cuidados especiais. E m deter­


m inados projetos trabalha-se com o pressuposto da história oral de pessoas
anônim as. Isso ocorre q u an d o , para evitar a identificação pública de e n tre­ U N ID A D E IV - E S T A T U T O D A H IS T Ó R IA O R A L
vistados célebres ou para se evitar constrangim entos envolvendo terceiros,
m uda-se o n o m e da pessoa e alteram -se as situações da história o u da versão de
algum fato capaz de possibilitar a precisão 8 - Em busca de um lu gar
Projetos que trabalham com situações
de risco, de vexames, de impressões dos casos. O m esm o acontece em relação
sobre outros, ou de denúncia, po­ 8.1 - História oral com o " fe rra m e n ta "
dem valer-se da "invisibilidade". Con­ à proteção de indivíduos q u e precisam do
8.2 - História oral com o "técnica"
tudo, na apresentação do trabalho a n o n im a to para não expor a si o u a família.
devem ficar claros o nível e as razões 8.3 - História oral com o " m é to d o "
do "disfarce". N esses casos, ta m b é m é im p o r ta n te 8.4 - História oral com o " fo rm a de saber"
8.5 - História oral com o "disciplina"
q u e se te n h a a autorização d o c o la b o rad o r
p a ra se p u b lic a r a entrevista. D a m e sm a fo rm a, o le ito r deve ficar avisado.
E xistem g ru p o s de leitores q u e c ritic a m n e g ativ am en te esse tip o de p ro te ­
ção d o c o la b o rad o r, m as em d e te rm in a d a s o co rrê n c ias ele é p le n a m e n te 8 - EM BU SC A DE U M LUG AR

ju stific a d o e até re c o m e n d a d o . U m dos exem plos m ais expressivos da


“Qual o sta tu s da história oral?
v alid a d e dos p ro je to s d e h istó ria oral d e p erso n ag en s a n ô n im o s rem ete
Difícil orientar-se em campo configurado
aos casos d e e stu d o s q u e en volvem pessoas p ú b licas, artistas e políticos. tão recentemente, em meio a
diversas concepções que se entrecruzam...”
Janaína Amado e Marieta de Moraes Ferreira

E m d iferen tes situações, n o m u n d o to d o , m u ito em p a rtic u la r pelos


efeitos d a globalização, a h istó ria oral c h a m a a ate n çã o p o r ser u m recurso
crescente, p rá tic o , persuasivo e, p ara m u ito s, respeitável. S ua u tilid a d e se
ab re p a ra a a p reen são , registro e, e v e n tu a lm e n te , tra b a lh o a n a lític o sobre
ex periências d e pessoas e g ru p o s q u e se d isp õ e m a deix ar te ste m u n h o s
o u q u e são c o n v id a d as p ara, pela fala, tra n s fo rm a r sua exp eriên cia em
d o c u m e n to s escritos. D e tal m a n e ira a p o p u la rid a d e d a h istó ria oral te m
se este n d id o q u e alguns defensores desse tip o de m anifestação se a m p a ram
n o te rm o oralista p ara d e sig n a r seus a d ep to s. M as, le m b re m o s, o te rm o
o ralista abriga u m a subversão capaz d e p ro v o car iras d e q u a n to s são aca­
n h a d o s na reco n sid eração d o papel d a escrita e d o oral. A su b stitu iç ã o
d o te rm o a n tes u sad o - “h isto ria d o re s o rais” p o r o ra lista - faz sen tid o

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