Você está na página 1de 22

ESTÁGIO PROBATÓRIO: A TELEOLOGIA DE SUAS DISPOSIÇÕS LEGAIS

QUANTO AO PRAZO, DIREITOS E DEVERES.

Kleber Rocha Sampaio1

RESUMO:

O presente artigo tem por objeto o estudo do instituto do estágio probatório: período de
experiência que são submetidos os agentes públicos nomeados para cargos públicos de
natureza efetiva. Com a introdução da obrigatoriedade da avaliação especial de desempenho
para aprovação no estágio probatório, este se apresenta atualmente como pressuposto material
para aquisição da estabilidade no serviço público. A pesquisa aborda a questão da distinção
dos referidos institutos (efetividade, estabilidade e estágio probatório), demonstrando que há,
entre eles, uma forte relação quanto ao lapso temporal, mas que não se confundem quanto à
natureza, conteúdo e finalidade.
Palavras chaves: Efetividade, Estabilidade, Estágio Probatório.

ABSTRACT:

This article focuses on the study of the probation stage: probation shall be submit the public
agents appointed to public office of effective nature. With the introduction of the mandatory
special assessment of performance for obligatory stage acceptance, it presents itself as a
material presupposition for acquisition of the stability at public services, such that the search
broaches to the distinction question of the institute mentioned (effectiveness, stability and
probation), demonstrating what there are, among them, a strong relation how much to the
temporal lapse, but not confuses itself how much to the nature, content and purpose.
key words: effectiveness, stability, probation stage.

1
Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor de Direito
Administrativo e de Hermenêutica Jurídica do Curso de Direito da Faculdade Cearense - FaC. Advogado da
Assessoria Jurídica da Secretaria da Saúde do Estado do Ceará. E-mail: kleber@faculdadescearenses.edu.br.
1
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Distinção entre
efetividade, estabilidade e estágio probatório. 3. Prazo
para cumprimento da estabilidade e do estágio
probatório. 4. Agente público em estágio probatório
como titular provisório de cargo público: direitos e
deveres inerentes. 5. Conclusão.

1. Introdução.

O estágio probatório é um período de avaliação que o servidor público -


empossado em cargo público de natureza efetiva ou vitalícia - se submete, a partir do
momento que entra em exercício, com fim de ser averiguada sua aptidão e capacidade para o
exercício das atribuições do cargo, observados os fatores de assiduidade, disciplina,
capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade.
Esta fase da vida funcional do servidor público já era prevista desde a
Constituição Federal (CF) de 1937, quando em seu art. 156, alínea “c”, estatuiu que: “os
funcionários públicos”2, depois de dois anos, quando nomeados em virtude de concurso
público de provas, e em todos os casos, depois de dez anos de exercício, só poderão ser
exonerados em virtude de sentença judicial ou mediante processo administrativo, em que
sejam ouvidos e possam defender-se. A CF de 1946 seguiu na mesma esteira, contudo reduziu
o prazo de dez para cinco anos para os “funcionários efetivos3” nomeados sem concurso. Já a
CF de 1967, assegurou que a “estabilidade” ocorreria para os funcionários concursados, após
dois anos.
Por sua vez, a CF/88 estabeleceu no seu art. 41 que são estáveis - após dois anos
de efetivo exercício - os servidores nomeados em virtude de concurso público. Ela previa
ainda uma estabilidade excepcional para aqueles que - na data de sua promulgação - haviam
ingressado no serviço público há pelo menos cinco anos continuados, sem concurso público.

2
A expressão “funcionário público”, até bem pouco tempo corrente no Direito Brasileiro, e ainda hoje bastante
presente na linguagem comum, não foi prestigiada nem pela Constituição de 1988, nem por importantes
documentos legais que se lhe seguiram, como v.g. o Regime Jurídico dos Servidores Civis da União, suas
fundações e autarquias (Lei n° 8.112/90), nem tampouco pelos estatutos estaduais e municipais elaborados por
força do art. 38m caput, da Carta Magna. De tal forma que, pelo menos no âmbito da elaboração legislativa,
constitui locução em desuso (PESSOA, Roberto. Curso de Direito Administrativo Moderno. Rio de Janeiro:
Forense, 2003, p. 426)
3
Na época havia nomeação para cargo de natureza efetiva, sem a observância do concurso público, em face de
ingerências meramente políticas.
2
Na rota de regulamentação dos direitos dos servidores públicos federais assegurados
constitucionalmente, foi editada a Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 19904, que prescreveu:
“ao entrar em exercício, o servidor nomeado para cargo de provimento efetivo ficará sujeito a
estágio probatório por período de 24 (vinte e quatro) meses”.
Denota-se que desde a primeira menção à estabilidade no serviço público, criou-se
um clima propenso a conflitos de interpretação, devido não ficar claro o conteúdo objetivo das
expressões: “estabilidade”, “efetividade” e “estágio probatório”. Entretanto, como o estágio
probatório era considerado como um mero requisito formal (decorrência de tempo) 5 para a
aquisição do direito à estabilidade, a questão não obteve maior interesse por parte da doutrina.
Até mesmo quando, por falta de rigor técnico, a CF/88 estabeleceu o prazo para a estabilidade
em anos e o Estatuto previu o lapso temporal para o cumprimento do estágio probatório em 24
meses, o interesse dos juristas continuou inerte, tendo em vista que em última análise o tempo
de estágio não diferia do da estabilidade.
Ocorre que a reforma administrativa introduzida através da Emenda
Constitucional n° 19/98 ampliou o prazo para a aquisição da estabilidade de dois para três
anos, e exigiu a demonstração material de aptidão e capacidade para o exercício das
atribuições do cargo. De imediato surgiram várias dúvidas quanto ao período de estágio
probatório. Juristas de porte passaram a sustentar que o estágio probatório continuava a ser de
24 meses, tendo sido alterado apenas o prazo para a estabilidade, fundamentando tal tese na
distinção entre os dois institutos. Outros, não menos ilustrados, fizeram coro à tese de que o
art. 20 do Estatuto não fora recepcionado pela EC n° 19/98, conforme se depreende de uma
interpretação sistemática e teleológica dos dispositivos atinentes.
Fato é que a nova redação da EC n° 19/98 trouxe mais dúvida que luz ao tema.
Surgiram conflitos quanto à sua natureza e finalidade, havendo quem o confundisse ora com o
instituto da efetividade ora com o da estabilidade. Também suscitou acirrado debate quanto ao
prazo do estágio e quanto o seu conteúdo formal e material, pois alguns o consideravam, até
então, mera decorrência de tempo. Ainda fomentou a discussão sobre se o agente em estágio

4
Dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Civis da União, das autarquias e das fundações públicas
federais.
5
Entendia-se, conforme a CF/88 e constituições anteriores, que o estágio probatório era mero lapso de tempo,
sendo desvinculado de qualquer prova concreta de aptidão e capacidade do servidor para o exercício do cargo,
assim que juristas de prestígio afirmavam: “aos funcionários nomeados em caráter efetivo, após concurso de
provas ou de provas e títulos, é fatal a estabilização após dois anos de exercício. Ou seja, a aquisição da
estabilidade se processa automaticamente; não depende de qualquer ato declaratório ou constitutivo”
(DALLARI, Adilson Abreu. Regime Constitucional dos Servidores Públicos, 2a. Ed,.São Paulo, Revista dos
Tribunais, 1990, pág. 81).
3
probatório é servidor público ou será considerado servidor somente depois de confirmado no
cargo efetivo? Qual o tempo que pode ser considerado de efetivo exercício para a contagem
do estágio probatório e quais os direitos tem esse agente?
É certo que os institutos da efetividade, estabilidade e estágio probatório têm
natureza, conteúdo e finalidade diferentes. Parece crível que o entendimento de que o prazo
de 24 meses para o estágio probatório foi implicitamente derrogado, pois não teria sentido a
aprovação do agente no estágio probatório, sem a consequente segurança do direito a
permanecer no serviço público. Bem assim, entende-se que a introdução de requisitos
objetivos para auferir a aptidão e a capacidade do servidor para o exercício das atribuições do
cargo afasta a antiga concepção deste período ser considerado apenas um aspecto formal. Por
outro lado, a investidura no cargo público se dá com a posse, de forma que a partir daquele
momento forma-se a relação funcional entre a Administração e o nomeado, passando ele a
ostentar, de já, a condição de servidor público, embora com algumas restrições constitucionais
e legais ao pleno exercício dos direitos conferidos aos servidores estáveis.
A questão, entretanto, comporta várias dúvidas no campo jurídico. Isso ocorre
face às diversas interpretações possíveis e à insistência de alguns em rejeitar a evidência que
leva à razão da interpretação sistemática e teleológica dos dispositivos que regem a matéria. A
legislação é dúbia, a jurisprudência trilhou caminhos temerários, embora haja uma tendência
de pacificação. Na prática da docência, muitas vezes constata-se a aflição dos discentes em
face da questão, que por sua própria problemática desperta curiosidade. Essas as razões que
justificam o presente estudo, no sentido de trazer luz ao debate, sem, contudo, pretender
esgotar o tema, face à sua complexidade.
O estudo será enfrentado a partir da legislação, analisando as diversas posições
doutrinárias, sem descurar do entendimento dos tribunais, que em última instância, consagra a
interpretação aplicada ao caso concreto.

2. Distinção entre efetividade, estabilidade e estágio probatório.

Convêm traçar a distinção entre efetividade, estabilidade e estágio probatório,


tendo em vista as possíveis dúvidas sobre o conteúdo técnico jurídico de cada uma destas
expressões.

4
Antes é preciso dizer que efetividade, estabilidade e estágio probatório estão
relacionados diretamente ao cargo público, adquirindo conotações diferentes quanto à
natureza, conteúdo e finalidade.
A efetividade é tratada de forma diversa, pois alguns entendem que é “uma
característica do cargo público” (DALLARI, 1990), outros sustentam que “definitivo ou
efetivo é o provimento do cargo” (CAMMAROSANO, 1984), já outros defendem ser “a
estabilidade em cargo de provimento efetivo” (MELLO, 2006). Sobre este último
entendimento, registre-se que existe hipótese de estabilidade sem efetividade, como no caso
da estabilidade excepcional concedida nos moldes da EC n° 19/98, e o “reconhecimento de
estabilidade a estes servidores não implicou em efetividade, porque esta só existe com relação
a cargos de provimento por concurso” (DI PIETRO, 2009). Esse fato sobressai da redação do
§ 1° do art. 19 da aludida EC, que admite a contagem de tempo pelos servidores estabilizados
excepcionalmente como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação.
Nesta mesma esteira de pensamento, o STJ assentou:

A estabilidade conferida pelo art. 19 do ADCT não permitiu o


alcance, também, da efetividade, que se dá única e exclusivamente
através da aprovação prévia em concurso público de provas ou de
provas e títulos, conforme exigido pelo art. 37, inciso II, da
Constituição Federal de 1988. (RMS n° 14806/RO. 2002/0058419-0.
Min. Gilson Dipp. 23/06/2004. DJ de 02/08/2004, p. 421).

Depreende-se, portanto, que efetividade e estabilidade são coisas diversas. Certo é


que a efetividade só alcança os detentores de cargo público nomeados através de concurso
público. Logo, efetividade corresponde a uma característica do cargo, que é provido com
caráter de definitividade, “embora se refira ao servidor, é apenas um atributo do cargo
concernente à sua forma de provimento” (MEIRELLES, 2010). Efetivo, portanto, é o cargo e
não o servidor que o titulariza, este pode ser estável (CUNHA, 2006).
Em linhas gerais a estabilidade constitui garantia do servidor ocupante de cargo de
natureza efetiva (concursado, portanto), que após o cumprimento do estágio probatório e
avaliação especial de desempenho, adquire o direito de permanecer no serviço público, só
podendo ser demitido ou exonerado na forma estabelecida em lei (Art. 41, da CF/88). A
despeito disto, excepcionalmente alcança servidor que na data da promulgação da vigente

5
Carta Magna possuía cinco anos contínuos no serviço público, sem haver ingressado nos
quadros da Administração Pública por concurso público (art. 19, ADCT, da CF/88). “As duas
categoriais têm igual garantia de permanência no serviço público” (DI PIETRO, 1999).
Há quem considere que o instituto da estabilidade se apresenta com duas faces, a
saber:
É ao mesmo tempo direito e garantia do servidor público efetivo
concursado, e que porquanto, ingressou de forma legítima nos quadros
da Administração Pública, mas também se revela como garantia de
profissionalismo transparência e independência do servidor público,
na medida em que fomenta o correto desempenho das funções
públicas sem quaisquer favoritismos, particularismo ou ingerências
políticas. (PESSOA, 2003)

Mostra-se razoável a visão acima, uma vez que se por um lado o servidor estável
tem direito à permanência no serviço público6, somente podendo ser demitido7 por sentença
judicial transitada em julgado ou mediante processo administrativo disciplinar (art. 41, § 1°, I
e II da CF/88), valendo dizer que somente perderá o cargo por demissão quando cometer,
comprovadamente, ilícito; por outro oferece as condições indispensáveis para o servidor
manter-se sempre eficiente (DI PIETRO, 1999), independente e imune às ingerências
políticas, sob pena de vir a ser exonerado em decorrência de avaliação periódica de
desempenho8 (art. 41, § 1°, III, da CF/88), a qual estará submetida, não apenas no período
denominado estágio probatório que precede a aquisição da estabilidade, mas durante todo o
tempo em que estiver em atividade.

Observe-se que a avaliação de desempenho é prevista tanto como


condição de aquisição de estabilidade quanto como hipótese de quebra
da estabilidade. Na primeira situação é realizada uma única vez,

6
A estabilidade não gera direito adquirido ao cargo, mas sim a permanência do servidor nos quadros da
Administração Pública (CUNHA JR. Dirley. Curso de Direito Administrativo. Salvador: PODIVM, 2006, p. 217)
7
Demissão é dispensa a título de penalidade funcional, diferente de exoneração, que é dispensa a pedido ou
por conveniência da Administração, nos casos em que a lei permite (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito
Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 390.)
8
Bandeira de Melo entende que a estabilidade restou mitigada, face à introdução da avaliação periódica de
desempenho como hipótese autônoma de desligamento do servidor, devido colocara o servidor a mercê da
conveniência para a manipulação em proveito dos interesses eventuais dos governantes de turno (Curso de
Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Malheiros, 2006, p. 289).
6
através de comissão idônea para tanto instituída. Na segunda hipótese,
deve ser realizada periodicamente, nos termos a serem previstos em
lei complementar, de tal forma a evitar que o servidor concursado se
acomode sob o palium da estabilidade, em detrimento do eficiente
desempenho das atribuições do seu cargo. . . Em ambos os casos, a
avaliação de desempenho deverá levar em conta diversos aspectos da
vida funcional do avaliado, tais como eficiência no desempenho das
funções, assiduidade, pontualidade, interesse e dedicação pelo
trabalho, participação em cursos de aperfeiçoamento e reciclagem,
urbanidade no trato com os administrados, zelo, diligência. (PESSOA,
2003)

Com efeito, um dos pressupostos para a estabilidade é o cumprimento do estágio


9
probatório , período no qual se observa aptidão e capacidade do servidor, considerando-se
requisitos de assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e
responsabilidade. Requisitos estes que, também, deverão ser analisados na avaliação periódica
de desempenho (CUNHA JR., 2006), realizada de tempo em tempo, após a declaração de
estável, pois nada adiantaria à administração pública esta avaliação, se não fosse para auferir a
eficiência do servidor.
Neste ínterim, é de especial realce o fato de que o instituto do estágio probatório,
após a EC n° 19/98, passou, “na linha do princípio da eficiência, a tornar obrigatória essa
avaliação especial de desempenho, condicionante da aquisição da estabilidade, por uma
comissão, instituída para essa finalidade” (NETO, 2005).
O estágio probatório, portanto, é pressuposto, em regra, para a aquisição da
estabilidade. Implicando dizer, que se o servidor não for considerado apto no período de
estágio probatório, deverá ser exonerado: “uma forma de desprovimento que deverá ser
necessariamente motivado, com base nas conclusões da comissão que concluir pela sua
incapacidade, insuficiência de desempenho ou inadaptabilidade para o serviço público”
(NETO, 2005). Contudo, não se pode olvidar as exceções constitucionais, como o caso dos
estabilizados excepcionalmente, por força do art. 19 da ADCT da CF/88, que não passaram

9
Funcionário público. Cargo isolado. Não se pode falar em estagio probatório quando a nomeação foi feita sem
concurso. Não aplicação da sumula 21. Recurso conhecido e provido. (STF, RE 63138, MG, Segunda Turma,
Relator: Min. ADAUCTO CARDOSO, data do julgamento 17/04/1969, RTJ VOL-00051-01, PG-00125).
7
por estágio probatório. Bem assim, os ocupantes de certos cargos públicos vitalícios que estão
desobrigados do estágio probatório:

A vitaliciedade é também uma garantia de permanência no serviço


público, assegurada, porém, a alguns agentes públicos, distinguindo-se
da estabilidade em razão de maior proteção que proporciona e da
natureza dos cargos que ensejam sua aquisição: somente os cargos de
juiz (juízes, desembargadores e ministros), de promotor (promotores e
procuradores do MP) e de conselheiros e ministros dos Tribunais de
contas geram a vitaliciedade. Porém, para os cargos de juízes e
promotores, no primeiro grau, essa garantia ainda depende do
transcurso de 02 anos de exercício, dependendo a perda do cargo,
nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver
vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em
julgado. (CUNHA JR., 2006)

Assim, juízes e promotores - apesar de ocuparem cargo de natureza vitalícia - só


adquirem esta qualidade após dois anos de estágio probatório, ficando os desembargadores,
ministros dos Tribunais Superiores, Conselheiros e Ministros dos Tribunais de Contas
dispensados do período probatório.

O estágio probatório vincula-se, inexoravelmente, à garantia da


estabilidade ou da vitaliciedade, sendo pressuposto para a aquisição
dessas garantias funcionais. Somente é exigível de agentes que as
possam adquirir de forma permanente, sem vinculação a qualquer
mandato temporário, após concurso público.
Por isso, objetivamente, o instituto é aplicado apenas para os cargos
de provimento efetivo ou vitalício, vocacionados a incorporar agentes
de modo definitivo, depois de vencido o período de prova, adaptação
ou avaliação do estágio de confirmação.
Nas hipóteses em que a Constituição reconhece as garantias da
estabilidade, ou da vitaliciedade, mas dispensa concurso público, não
se cogita de estágio probatório. (MODESTO, 2002)

8
Do que foi exposto até o momento, depreende-se claramente a distinção entre os
institutos estudados: a efetividade relaciona-se com o provimento do cargo que tem natureza
de definitividade; a estabilidade destina-se a garantir a permanência do agente público no
serviço público, como tal é um direito10 do servidor; o estágio probatório é uma obrigação a
que deve se submeter o servidor público, em homenagem ao princípio da eficiência, para
demonstrar, na prática, que tem aptidão para o cargo ao qual foi selecionado em concurso
público.

3. Prazo para cumprimento da estabilidade e do estágio probatório

A questão do prazo para cumprimento da estabilidade e do estágio probatório, no


que pese ter sido alvo de intensos debates doutrinários, parece ter sido pacificada em face da
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ, sem embargos de alguns juristas
insistirem em tese contrária.
A compreensão do problema exige um conhecimento histórico dos referidos
institutos. Assim, importa relembrar que desde a constituição de 1937, quando inaugurados no
direito brasileiro, ambos andaram atrelados, de modo que o estágio probatório foi sempre um
pressuposto para a aquisição da estabilidade ordinária11. Esta dependência da estabilidade
exigiu, por questões lógicas12, que o prazo para o cumprimento do estágio probatório fosse
determinado em lapso temporal semelhante ao prazo para a aquisição da estabilidade.
A Constituição de 1988 não fugiu a regra, pois em sua redação original previu a
estabilidade no serviço público para os servidores ocupantes de cargo de natureza efetiva (art.
41), bem assim a vitaliciedade para determinados cargos, conforme já destacado antes, após
dois anos de efetivo exercício. Com fim de regulamentar o art. 41, a Lei 8.112/90, estatuiu no

10
A estabilidade é direito do servidor público; é uma garantia que adquire contra a ingerência de terceiros no
exercício de suas funções, com vistas ao desempenho dos seus trabalhos de forma independente e
permanente, sem perturbações de ordem externa, protegendo-se assim a impessoalidade e a continuidade dos
serviços.
11
Entenda-se como estabilidade ordinária, aquela prevista pela regra geral, que se materializa com a
decorrência do lapso temporal, conforme art. 156, alínea ”C” da CF/1937, art. 41 da atual Constituição Federal.
12
A vinculação lógica entre os dois institutos é demonstrada com louvar pelo Ministro Maurício Correia, ao
analisar o Recurso extraordinário n° 170.665: “3.1. A estabilidade é a garantia constitucional de permanência
no serviço público outorgada ao servidor que, nomeado em concurso público em caráter efetivo, tenha
transposto o estágio probatório de dois anos (art. 100, EC n° 01/69; art. 41 da CF/88). O estágio probatório,
pois, é o período de exercício do funcionário durante o qual é observada e apurada pela Administração a
conveniência ou não de sua permanência no serviço público, mediante a verificação dos requisitos
estabelecidos em lei para a aquisição da estabilidade” (RE 170.065, Ministro Maurício Corrêa, DJ 29.11.96)
9
seu art. 20, que o estágio probatório seria de 24 meses, reproduzindo a similaridade histórica
entre o tempo para aquisição da estabilidade e do cumprimento do estágio probatório. A
polêmica que poderia ter se estabelecido em torno do fato da CF/88 tratar o prazo em anos e a
lei estatutária em meses, não se concretizou, posto que - em termos pragmáticos -, a lógica
demonstrava não haver discrepância substancial.
A EC n° 19/98, que fez a Reforma Administrativa, alterou o redação do art. 41 da
CF/88, passando a exigir três anos de efetivo exercício para o servidor ocupante de cargo de
natureza efetiva adquirir a estabilidade, exigindo, ainda, avaliação especial de desempenho,
por comissão especialmente designada para esse fim.
Denota-se, numa interpretação meramente literal, que foi estabelecido uma
diferenciação entre o prazo para a estabilidade e o prazo do estágio probatório regulamentado
nos termos da Lei estatutária vigente. Entretanto, numa interpretação sistemática e
teleológica, não há como dissociar o prazo do estágio probatório do exigido para a aquisição
da estabilidade. Tanto é assim, que o art. 28, da EC n° 19/98 assegurou - para aqueles que
estavam em cumprimento de estágio probatório na data de sua promulgação - o prazo de dois
anos. Logo, é de se convir que implicitamente a intenção era alterar também o prazo do
estágio probatório para três anos, para aqueles que ingressassem no serviço público, por
concurso de provas ou de provas e títulos, após a sua promulgação.
Junte-se a isso, o fato de que para dissipar possíveis dúvidas e seguir fiel à
historicidade dos institutos que, em relação ao prazo, sempre caminharam juntos, foi editada a
Medida Provisória n° 431, de 14.05.2008, que introduziu diversas alterações na Lei 8.112/90,
em especial a correção da redação do art. 20, alterando a duração do estágio probatório para
trinta e seis meses. Entretanto, ao ser convertida na Lei n° 11.784, de 22.09.2008, o legislador
esqueceu-se de fazer referência a aludida alteração, continuando até os dias hodiernos a
figurar a redação original, que exige apenas vinte e quatro meses para o estágio probatório.
(MAZZA, 2011)
A polêmica então se estabeleceu de vez. Juristas de plantão e até alguns de
indiscutível saber jurídico, baseados na distinção entre estabilidade e estágio probatório,
passaram a sustentar que a primeira se adquire após três anos de efetivo exercício e o segundo
se completa com apenas dois anos13. Até mesmo o Tribunal Superior de Justiça marchou neste
equívoco:

13
Alguns entendimentos minoritários passaram a sustentar a tese absurda de que o estágio probatório
continuaria sendo de vinte e quatro meses (Estatuto), mas a estabilidade somente seria alcançada após três
anos (Emenda 19), de modo que, mesmo encerrado o período do estágio probatório, o servidor permaneceria
10
MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORES PÚBLICOS.
ESTÁGIO PROBATÓRIO. ART. 20 DA LEI 8.112/90.
ESTABILIDADE. INSTUTUTOS DISTINTOS. ORDEM
CONCEDIDA.
1. Durante o período de 24 (vinte e quatro) meses do estágio
probatório, o servidor será observado pela Administração com a
finalidade de apurar sua aptidão para o exercício de um cargo
determinado, mediante verificação de específicos requisitos legais.
2. A estabilidade é o direito de permanência no serviço público
outorgado ao servidor que tenha transposto o estágio probatório. Ao
término de três anos de efetivo exercício, o servidor será avaliado por
uma comissão especial constituída para essa finalidade.
3. O prazo de aquisição de estabilidade no serviço público não resta
vinculado ao prazo do estágio probatório. Os institutos são distintos.
Interpretação dos arts. 41, § 4° da CF e 20 da Lei 8.112/90.
4. Ordem Concedida. (STJ. Terceira Seção. MS 9373/DF. Ministra
Laurita Vaz, DJ. 20.09.2004, p. 182).

Felizmente, o STJ reviu seu entendimento, passando a considerar que os institutos


do estágio probatório e da estabilidade são distintos, porém extremamente interligados, de
forma que não há como se conceber prazos diferenciados para eles, sob pena de frustrarem a
finalidade da EC n° 19/98 (Informativo STJ, 435, de 17 de junho de 2010). O Ministro Felix
Fischer, do STJ, relatou Mandado de Segurança nesse sentido, tendo sido, assentando:

MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL.


ESTABILIDADE. ART. 41 DA CF. EC Nº 19/98. PRAZO.
ALTERAÇÃO. ESTÁGIO PROBATÓRIO. OBSERVÂNCIA.
I – Estágio probatório é o período compreendido entre a nomeação e a
aquisição de estabilidade no serviço público, no qual são avaliadas a
aptidão, a eficiência e a capacidade do servidor para o efetivo

mais um ano até adquirir estabilidade. Esse inaceitável ponto de vista criou um ano, o terceiro após a posse, de
‘limpo’ em que o servidor supera o estágio probatório, mas não é ainda estável. (MAZZA, Alexandre. Manual de
Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 437.)
11
exercício do cargo respectivo.
II – Com efeito, o prazo do estágio probatório dos servidores públicos
deve observar a alteração promovida pela Emenda Constitucional nº
19/98 no art. 41 da Constituição Federal, no tocante ao aumento do
lapso temporal para a aquisição da estabilidade no serviço público
para 3 (três) anos, visto que, apesar de institutos jurídicos distintos,
encontram-se pragmaticamente ligados.
III – Destaque para a redação do artigo 28 da Emenda Constitucional
nº 19/98, que vem a confirmar o raciocínio de que a alteração do prazo
para a aquisição da estabilidade repercutiu no prazo do estágio
probatório, senão seria de todo desnecessária a menção aos atuais
servidores em estágio probatório; bastaria, então, que se determinasse
a aplicação do prazo de 3 (três) anos aos novos servidores, sem
qualquer explicitação, caso não houvesse conexão entre os institutos
da estabilidade e do estágio probatório. (MS 12.523/DF, Rel. Ministro
FELIX FISCHER, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/04/2009, DJe
18/08/2009)

No STF, essa questão ainda não foi objeto de apreciação pelo Pleno ou pelas
Turmas, contudo, em decisões monocráticas o Min. Presidente Gilmar Mendes, ao proferir
decisão antecipatória de tutela na Suspensão de Tutela Antecipada (STA) nº310 e 311,
entendeu que o prazo do estágio probatório deveria ser de 03 anos.
Assim, como ressalta o professor baiano Paulo Modesto, se o estágio probatório é
condição para aquisição da estabilidade, “admitir a existência de prazos diferenciados é o
mesmo que admitir que após o término do estágio o servidor não terá qualquer direito”. Logo,
a teleologia do estágio probatório exige que o seu prazo seja idêntico ao tempo determinado
para a aquisição da estabilidade, e tal é o que se depreende da interpretação sistemática da
nova redação do art. 41 da CF c/c o art. 28 da EC n° 19/98.
Saliente-se que atualmente o requisito do estágio probatório não se satisfaz com o
simples decorrer do prazo14, é obrigatória avaliação especial de desempenho por comissão

14
Até o advento da EC/19, juristas sustentavam o aspecto simplesmente formal do estágio probatório: “(...) aos
funcionários nomeados em caráter efetivo, após concurso de provas ou de provas e títulos, é fatal a
estabilização após dois anos de exercício. Ou seja, a aquisição da estabilidade se processa automaticamente;
12
especialmente designada, com fim de auferir a aptidão e capacidade do servidor,
compreendendo: “condições morais, psicológicas, mental e física para o exercício das funções
inerentes ao cargo, além dos fatores: assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa,
produtividade e responsabilidade.” (PESSOA, 2003). A evidência decorre da própria redação
do art. 41, § 4º, da CF/88, que estabelece como condição para a aquisição da estabilidade, a
obrigatoriedade da avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa
finalidade. Essa condição constitucional veio afastar a abulia administrativa em matéria de
estágio. “É que sem a avaliação o estágio era mera referência temporal na folha do servidor,
sem qualquer compromisso concretamente arrostado administrativamente.” (ROCHA, 1999)

4. Agente público em estágio probatório como titular provisório de cargo


público: direitos e deveres inerentes.

No que pese dúvida quanto à condição do agente público em estágio probatório


ser ou não considerado servidor público15, é de se considerar que a redação do art. 41, da
CF/88, não faz qualquer ressalva entre servidores estáveis e não estáveis, senão no tocante ao
direito dos primeiros só perderem o cargo16 mediante processo administrativo, sentença
judicial transitada em julgado ou mediante procedimento de avaliação periódica de
desempenho17. O Estatuto Federal, por sua vez, também não faz qualquer distinção, senão
referente ao exercício de determinados direitos, os quais são reservados para os servidores
estáveis (art. 20, §§ 3° e 4ª da Lei n° 8.112/90).
Logo, se nem a Constituição18 nem a lei estatutária fez qualquer oposição quanto
ao status de servidor público do agente não estável, não cabe ao intérprete tangenciar nesse

não depende de qualquer ato declaratório ou constitutivo” (DALLARI, Adilson Abreu. Regime Constitucional dos
Servidores Públicos, 2a. ed,.São Paulo, Revista dos Tribunais, 1990, pág. 81).
15
Entendeu-se, no passado, que o agente em estágio probatório não era propriamente servidor público, mas
apenas “quase funcionário” ou “agente administrativo em condições sui generis” (veja a esse respeito
CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de Direito Administrativo, Vol. IV, 1967, Forense, p. 229.)
16
“A ideia de cargo se conota ao lugar que deverá ser ocupado pelo servidor na Administração Pública. Esses
lugares são criados por lei, com denominação, funções e remuneração específica. [...] Conjunto de atribuições e
responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.” (MOREIRA
NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2005, p. 288-289.)
17
Existe ainda uma hipótese de perda do cargo, decorrente da aplicação da Lei 101/200 (Lei de
Responsabilidade Fiscal), quando a folha de pagamento de pessoal ultrapassa 50% (União) ou 60% (Demais
entes Federais), da receita corrente líquida dos entes federados (Ver art. 169, § 4º, da CF/88).
18
A seção II, do Capítulo VII, do Título III – DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, DA CF/88, com a EC nº 18/98, passou
a denominar-se “DOS SERVIDORES PÚBLICOS”, alcançando as pessoas que prestam serviços com vínculo
empregatício à Administração Pública direta, autarquias e fundações públicas. (FREIRE, Elias. Direito
Administrativo: Teoria e Jurisprudência e 1.000 questões. Rio de Janeiro: Ed. Elsevier, 2006, p.6)
13
sentido, até porque a condição para ser considerado servidor público é ocupar cargo público
de natureza efetiva, conforme se depreende do Estatuto Federal (Lei nº 8.112/90).
É certo que o agente público nomeado em virtude de concurso público só adquire
estabilidade (ou em alguns casos, vitaliciedade) após aprovação em estágio probatório, porém
já inicia o período de estágio probatório detendo a condição de servidor público19 em caráter
provisório, pois não possui ainda a prerrogativa de permanência no serviço público. Tanto é
assim, que o provimento de cargo público nada mais é que a designação de uma pessoa para
titular referido cargo (MELLO, 2006) e “o estágio probatório não se qualifica como processo
concorrencial, eliminatório, de índole coletiva, mas como processo de verificação da
adaptação individual dos agentes recém ingressos no serviço público” (MODESTO, 2002),
como pressuposto para a estabilidade. Valendo dizer, que a partir da investidura no cargo 20,
que “ocorre com a posse” (MAZZA, 2011), o servidor passa ao status de servidor público
provisório, passando a ser titular de um plexo de atribuições e deveres públicos, embora
sujeito a certas limitações, em face da dependência da aquisição da estabilidade. Não fosse
assim, não precisaria, caso não entrasse em exercício21, ser exonerado do ônus que assumiu,
ao tomar posse22, de desempenhar as atribuições do cargo, nem lhe seria possível aplicar a
pecha de exercer atividade incompatível com o cargo que titulariza. Aliás, essa condição de
servidor público provisório, do agente em estágio probatório, já vem sendo sustentada desde a
constituição pretérita:

“Em face do direito pátrio, é funcionário, apesar de ficar em situação


precária quanto à mantença no cargo, sujeito à exoneração, em
reconhecida a sua falta de aptidão para o seu exercício. Alias, é
funcionário de cargo efetivo, por se tratar de nomeado para cargo de

19
MODESTO, Paulo. Estágio Probatório: questões controversas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro
de Atualização Jurídica, nº. 12, março, 2002. Disponível na Internet: <http://www.direitopublico.com.br>.
Acesso em: 20.10.2011.
20
A Constituição da República dispõe, em seu art. 37, II, o seguinte: “a investidura em cargo ou emprego
público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a
natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para
cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”
21
Exercício é o início efetivo do desempenho das atribuições do cargo. É na data do início do exercício que
começa o estágio probatório, que culminará na avaliação especial de desempenho, como pressuposto para a
aquisição da estabilidade. (MAZZA, Alexandre. Manual de Direito administrativo. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011,
p.436-437.)
22
“A posse no cargo público ocorre, nos termos do art. 13 da Lei nº 8.112/90, pela assinatura do termo de
posse no qual deverão constar atribuições, deveres, responsabilidade e direitos inerentes ao cargo que não
poderão ser unilateralmente alterados.” (MAZZA, Alexandre. Manual de Direito administrativo. São Paulo: Ed.
Saraiva, 2011, p.436.)
14
tal quadro, de natureza permanente, e que pede titular, outrossim,
permanente. Não obstante a situação passível de transitoriedade, em
virtude de achar-se em período de estágio probatório, salvo a situação
jurídica de efetivado, todos os demais direitos e deveres lhes cabe,
como os de qualquer funcionário efetivo e estável.” (MELLO, 1969)

O agente em estágio probatório, portanto, possui atribuições e obrigações iguais a


qualquer titular de cargo público efetivo ou vitalício que detenha estabilidade, assim goza de
todos os direitos inerentes, salvo os que se mostrem incompatíveis com a sua situação de
avaliando, desde que expressamente ressalvados em lei.
Durante o estágio probatório o servidor poderá inclusive exercer cargo de
provimento em comissão ou funções de direção, chefia ou assessoramento no órgão ou
entidade de lotação, mas somente poderá ser cedido para outro órgão ou entidade para ocupar
cargo de natureza especial, cargos em comissão do grupo Direção e Assessoramento Superior
(DAS) de nível 6, 5 e 4 ou equivalentes (art. 20, § 1º da Lei nº 8.112/90).
Não terá direito as seguintes licenças, por incompatível com a sua condição de
não estável: para capacitação, para tratar de interesses particulares e para desempenho de
mandato classista (art. 20, § 4º, c/c o art. 81 da Lei nº 8.112/90). Contudo, poderá se licenciar,
ficando suspenso o estágio probatório (art. 5º, do art. 20, da Lei nº 8.112/90): por motivo de
doença em pessoa da família, por motivo de afastamento do cônjuge ou companheiro, para o
serviço militar e para atividade política. Também lhe será conferido o direito a afastamento
para o exercício de mandado eletivo, para estudo ou missão no exterior, para servir em
organismo internacional de que o Brasil participe ou com o qual coopere e para participar de
curso de formação decorrente de aprovação em concurso para outro cargo na Administração
Pública Federal (art. 94, 95 e 96 da Lei nº 8.112/90).
Considerando o direito subjetivo dos servidores em estágio probatório à licença e
afastamento, cumpre esclarecer qual o período que deverá ser levado em conta para o
cumprimento do estágio. É que a CF/88, desde sua redação original, exige não apenas o
cômputo do exercício funcional23, como o faz para alguns direitos como aposentadoria e para
a estabilidade excepcional para aqueles que estavam em exercício a mais de cinco anos da

23
A contagem do tempo de exercício para aposentadoria, disponibilidade, adicional por tempo de serviço,
entre outras hipóteses, a lei ordinária tem reconhecido como de “efetivo exercício” situações funcionais
diversas e exercício fictício, a exemplo dos períodos transcorridos no gozo de licença gestante, afastamentos
para desempenho de mandato classista ou exercício de mandato eletivo.
15
data da promulgação da Constituição24. Para o estágio probatório25 exige o “efetivo
exercício”, afastando, portanto, a contagem de tempo fictício, salvo aqueles períodos 26, que
por sua natureza não prejudiquem a avaliação especial do servidor27 e sejam
constitucionalmente inafastáveis. Aliás, sobre o conceito da expressão “efetivo exercício”,
merece realce:

O conceito de efetivo exercício é um conceito-realidade, expressão


que utilizo recordando figura conhecida do direito do trabalho
(contrato-realidade). Repelem ficções, construções artificiais, burlas
ao propósito constitucional de realizar a avaliação dos servidores no
desempenho concreto da atividade funcional.
Mas qual o conteúdo deste conceito? Ele se confunde com a rotina, os
dias de expediente nas repartições públicas? Penso que não.
Entendo que o melhor caminho para determinar o conceito de efetivo
exercício durante o período de prova é inserir o servidor durante o
processo de estágio probatório na atividade regular do Estado. Neste
sentido, será de serviço efetivo o tempo em que o servidor exercita a
sua função integrada na atividade normal da Administração,
entendendo-se esse exercício tanto o período de dedicação direta às
funções do cargo quanto o período no qual o servidor em estágio
probatório permaneça à disposição da administração, à semelhança
dos demais servidores, para o desempenho de suas funções. O efetivo

24
Veja o art. 40 da CF/88 e o art. 8º, § 4º da ADCT, que exige apenas o tempo de exercício, sem qualificá-lo com
o adjetivo de “efetivo”.
25
“É preciso que esse período experimental seja desempenhado no exercício do cargo para o qual se ascendeu
por concurso, para o cumprimento dessa condição constitucional.” (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo.
Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2005, p. 303.)
26
São considerados não prejudiciais à avaliação especial de desempenho, os direitos constitucionais, que
somente podem ser usufruídos com o afastamento do servidor do exercício funcional, como v.g.: os dias de
repouso semanal remunerado (CF, art. 39, §3o, combinado com art. 7o, XV), o período de férias (CF, art.39,
§3o, combinado com art. 7o, XVII), entre outros.
27
“As licenças para tratamento de saúde são consideradas de efetivo exercício para a contagem de tempo para
aposentadoria, mas não para a aquisição da estabilidade, quando se configurar um período tão prolongado que
impeça a avaliação competente e, agora, obrigatória e periódica do desempenho. Mesmo não contribuindo
para o seu afastamento e havendo um motivo justo, como é o de tratamento de saúde, o servidor fica
impossibilitado de ser competentemente avaliado em seu desempenho pelo período necessário para a
conclusão, que conduzirá, ou não, à estabilização do vínculo com a pessoa pública. Logo, tal afastamento não
pode ser computado como estando ele em efetivo exercício para os parâmetros constitucionais referentes à
estabilidade” (ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos. São Paulo: Ed.
Saraiva, 1999, p. 232)
16
exercício é o exercício possível nos períodos de atividade regular
do serviço e nos marcos do regime normal de trabalho dos
servidores em geral. Tempo de exercício efetivo é o tempo dedicado
à administração, tenha ou não esta expediente de trabalho. Havendo
expediente, o tempo de efetivo exercício conta-se em serviço, porque
há serviço. Não havendo expediente, por determinação legal, que
alcance à generalidade dos agentes, há mera disponibilidade para o
serviço, o único exercício possível neste contexto para qualquer
servidor, inclusive o servidor em estágio. Por isso, deve ser
reconhecido como efetivo exercício, para fins de integralização do
estágio probatório, o descanso semanal remunerado, os dias de
feriado, bem como todos os dias de inatividade que alcancem
generalizadamente os servidores da administração. (MODESTO,
2002)

É razoável, deste modo, afastar do cômputo do tempo de efetivo exercício as


licenças e afastamentos de caráter individual, isto é, aquelas que afastam o servidor de suas
funções28, continuando o funcionamento normal da Administração Pública, como: a licença
por motivo de doença em pessoa de família; licença por motivo de afastamento de cônjuge;
licença para atividade política; afastamento para servir em organismo internacional de que o
Brasil participe ou com o qual coopere; designação para cargos de confiança; licença para
serviço militar; licença para tratar de interesses particulares; licença para desempenho de
mandato classista, entre outras hipóteses. (ROCHA, 1999)

Na esteira acima, é pertinente a seguinte lição:

Não se deve perder de vista que, conforme vem especificando a


jurisprudência, o tempo de exercício efetivo a ser computado é o
tempo de exercício em cargo de provimento efetivo específico, não

28
O direito às férias anuais constitui situação à parte. [...] As férias constituem direito reconhecido a todos os
trabalhadores, ocupantes de cargos ou empregos (CF, art. 7o, XVII, c/c art. 39, §3o.) e que todos devem poder
gozar. Trata-se de período que deve também ser considerado como de efetivo exercício, uma vez que o
servidor usufrui um direito constitucional reconhecido a todos os agentes públicos, segundo uma programação
definida pela própria Administração, e permanecem à disposição da administração, sem particularizar a sua
situação de afastamento em face dos demais agentes públicos. (MODESTO, Paulo. Estágio Probatório: questões
controversas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, nº. 12, março, 2002.
Disponível na Internet: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 20.10.2011)
17
sendo considerado o tempo de serviço prestado em outro cargo, da
mesma ou de outra entidade.

Tampouco deve ser considerado no cálculo do tempo de efetivo


exercício de agente investido em cargo efetivo o tempo de serviço
prestado por ele em outra condição jurídica, como agente temporário,
contratado, ocupante de função, ainda que o cargo tenha sofrido
posterior transformação em cargo de provimento efetivo. Além disso,
ainda quando legítima a reintegração, após anulação do ato de
demissão que haja colhido agente em estágio probatório, não se conta
para fins do estágio probatório o período em que o agente não estava
no desempenho de suas funções.

Assim, em resumo, não deve ser computado no estágio probatório:

a) licenças, afastamentos e outras hipóteses de ausência ao serviço,


referenciadas unicamente na situação peculiar dos agentes em estágio,
quando houver funcionamento normal da administração pública;
b) períodos de tempo ficto, artificialmente construídos por lei
ordinária;
c) o período de serviço prestado a outra pessoa ou entidade pública,
para o mesmo ou outro cargo;
d) o período de serviço prestado à mesma pessoa ou entidade pública,
relativamente a outro cargo público;
e) o período de serviço prestado à mesma pessoa ou entidade pública,
relativamente ao mesmo cargo, porém como interino, substituto,
prestador de serviços ou ocupante de função de confiança, antes da
transformação da natureza do cargo;
f) o período transcorrido entre demissão do serviço e o
reconhecimento da reintegração, por vício de legalidade no ato
sancionador. (MODESTO, 2011)

Por fim, pela importância do tema, registre-se que mesmo havendo previsão
constitucional e legal para o servidor em estágio probatório poder ser nomeado para cargo em
18
comissão, como também desenvolver atividade de representação sindical, tais períodos não
podem ser computados para fins de cumprimento do período experimental29, posto que
contrastem com a finalidade do instituo, devendo, nesses casos, ficar suspensa a contagem do
lapso temporal do estágio, reiniciando a fluir quando do retorno do agente ao efetivo exercício
funcional.

5. Conclusão.

Surgiram conflitos quanto à sua natureza e finalidade, havendo quem o


confundisse ora com o instituto da efetividade ora com o da estabilidade. Também suscitou
acirrado debate quanto ao prazo do estágio e quanto o seu conteúdo formal e material, pois
alguns o consideravam, até então, mera decorrência de tempo. Ainda, fomentou a discussão
sobre se o agente em estágio probatório é servidor público ou será considerado servidor
somente depois de confirmado no cargo efetivo? Qual o tempo que pode ser considerado de
efetivo exercício para a contagem do estágio probatório e quais os direitos tem esse agente?
O estudo levou à constatação de que há uma distinção clara e objetiva entre os
institutos da efetividade, da estabilidade e do estágio probatório, não só quanto à natureza,
mas, sobretudo, quanto ao conteúdo e finalidade destes. A efetividade relaciona-se com o
provimento do cargo que tem natureza de definitividade, conteúdo ligado às funções
continuadas e permanentes do cargo e finalidade de assegurar a permanência do efetivado no
cargo enquanto este existir; a estabilidade destina-se a garantir a permanência do agente
público no serviço público, como tal é um direito do servidor e ao mesmo tempo uma garantia

29
Ementa: NOMEAÇÃO DE SERVIDOR, EM ESTÁGIO PROBATÓRIO, PARA CARGO DE CONFIANÇA. I- A
Constituição Federal não estabelece óbice à nomeação de servidor - integrante de quadro de carreira técnica
ou profissional e que esteja no período do estágio probatório - para o exercício de funções de confiança (cargo
comissionado ou função gratificada). No entanto, nos termos do preconizado pela Lei Maior, artigo 37, I, norma
infraconstitucional poderá estabelecer requisitos para o provimento destas funções de confiança, dentre os
quais poderá figurar a exigência do cumprimento do estágio probatório. Na hipótese de não haver vedação de
natureza legal, a nomeação deste servidor - no curso do estágio probatório, para exercer funções de confiança
- implicará a SUSPENSÃO do período probatório, que só voltará a ser computado a partir do retorno do servidor
ao exercício do cargo efetivo. (TCE-PE, Decisão T.C. N: 0408/96, ÓRGÃO JULGADO: FAC.DE FORM.DE PROFES.DE
BELO JARDIM-PRESIDENTE, Data Publicação: 11/04/96). Sobre o direito do exercício de representação sindical,
veja o seguinte julgado: “ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. ESTABILIDADE SINDICAL. A Constituição,
conquanto haja estendido ao servidor público o exercício de prerrogativas próprias do empregado regido pelo
direito comum do trabalho (art. 39, § 2º), cuidou de estabelecer limitações indispensáveis a que o exercício de
tais direitos não entre em choque com as vigas mestras do regime administrativo que preside as relações
funcionais, entre essas, a relativa à estabilidade sindical do art. 8o., VIII, que importaria a supressão do estágio
probatório, a que estão sujeitos todos os servidores. Recurso não conhecido (STF, RE 208436-RS, Relator:
ILMAR GALVAO, Primeira Turma, Data do Julgamento: 13/10/1998 Publicação: DJ DATA- 26/03/99 PP-00017
EMENT VOL-01944-04 PP-00856).

19
para o exercício de suas funções imunes a interferências políticas e externas; por sua vez, o
estágio probatório é uma obrigação a que deve se submeter o servidor público, em
homenagem ao princípio da eficiência, para demonstrar, na prática, que tem aptidão para o
cargo ao qual foi selecionado em concurso público.

Verificou-se que a interpretação sistemática da nova redação do art. 41 da CF c/c


o art. 28 da EC n° 19/98, consagra a ideia de que a teleologia do estágio probatório exige que
o seu prazo seja idêntico ao tempo determinado para a aquisição da estabilidade, pois admitir
a existência de prazos diferenciados é o mesmo que admitir que após o término do estágio o
servidor não terá qualquer direito. Assim, o prazo do estágio probatório para cargo de
natureza efetiva é de três anos, a iniciar-se no exato momento em que o servidor entre em
exercício.

Saliente-se que atualmente o requisito do estágio probatório não é apenas uma


etapa formal para a aquisição da estabilidade, uma vez que não se satisfaz com o simples
decorrer do prazo. É, com efeito, uma etapa material, obrigatória, que só se concretiza com a
avaliação especial de desempenho por comissão especialmente designada, com fim de auferir
a aptidão e capacidade do servidor, compreendendo fatores de assiduidade, disciplina,
capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade. A evidência decorre da própria
redação do art. 41, § 4º, da CF/88, que estabelece como condição para a aquisição da
estabilidade, a obrigatoriedade da avaliação especial de desempenho por comissão instituída
para essa finalidade.
É certo que o agente público nomeado em virtude de concurso público só adquire
estabilidade após aprovação em estágio probatório, porém já inicia o período de estágio
probatório detendo a condição de servidor público em caráter provisório. O caráter provisório
se impõe, tão somente por não possui ainda a prerrogativa de permanência no serviço público.
Não fosse assim, não precisaria, caso não entrasse em exercício, ser exonerado do ônus que
assumiu, ao tomar posse, de desempenhar as atribuições do cargo. Ademais, é crível que ao
ser investido no cargo de natureza efetiva, o que se dá com a posse, atrai para si todo o
complexo de atribuições e responsabilidades do cargo, além dos direitos inerentes aos
servidores estatutários em geral, com exceção daqueles que são incompatíveis com sua
condição de estagiando.

Ficou demonstrado que no estágio probatório o período a ser considerado como de


efetivo exercício é aquele que corresponde ao exercício real das funções do cargo, não
20
podendo ser considerado tempo fictício, como: a licença por motivo de doença em pessoa de
família; licença por motivo de afastamento de cônjuge; licença para atividade política;
afastamento para servir em organismo internacional de que o Brasil participe ou com o qual
coopere; designação para cargos de confiança; licença para serviço militar; licença para tratar
de interesses particulares; licença para desempenho de mandato classista, entre outras
hipóteses.

O enfrentamento do tema requereu uma abordagem sucinta e objetiva, sem levar a


exaustão, posto sua complexidade, extensão e relevância. As variadas situações consideradas
representam apenas uma parcela do debate que o tema está a exigir, uma vez que ainda é
muito carente de exploração pela doutrina e judiciário, como, por exemplo, a questão da
efetividade da avaliação especial de desempenho e os limites dos critérios a serem adotados.
Espera-se, por fim, ter este artigo contribuído para aclarar algumas dúvidas sobre a matéria,
mas, acima de tudo, espera-se ter despertado o interesse de outros à exploração do tema.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL: Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Gráfica do Senado


Federal, 2011.
BRASIL: Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000. Legislação Administrativa. São
Paulo: Saraiva, 2011.
BRASIL: Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Legislação Administrativa. São Paulo:
Saraiva, 2011.
CAMMAROSANO, Márcio. Provimento de Cargos Públicos no Direito Brasileiro. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1984.
CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de Direito Administrativo, Vol. IV, 1967. Rio de
Janeiro: Forense, 2009.
CUNHA, Dirley. Curso de Direito Administrativo. Salvador: Ed. JusPODIVM, 2006, p. 217.
DALLARI, Adilson Abreu. Regime Constitucional dos Servidores Públicos. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 1990.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella de. Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Atlas, 1999.
HERGER, Marcelo et all. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011.

21
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Ed. Malheiros,
2010.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Ed.
Malheiros, 13a. Ed. 2001.
MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Princípios Gerais de Direito Administrativo, Vol. II,
Rio de Janeiro, Ed Forense, 1969.
MODESTO, Paulo. Estágio Probatório: questões controversas. Revista Diálogo Jurídico,
Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, nº. 12, março, 2002. Disponível na Internet:
<http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 20.10.2011.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro:
Ed. Forense, 2005.
PESSOA, Robertônio Santos. Curso de Direito Administrativo Moderno. Rio de Janeiro: Ed.
Forense, 2003.
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos. São
Paulo: Ed. Saraiva, 1999.

22

Você também pode gostar