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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 07/09/23, 12:17

Acórdãos TRP Acórdão do Tribunal da Relação do Porto


Processo: 282/17.9PCMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO COSTA
Descritores: CRIME DE OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA NEGLIGENTE
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
CONTRATO DE SEGURO
DANOS CAUSADOS POR ANIMAIS
ANIMAIS
ANIMAIS POTENCIALMENTE PERIGOSOS
Nº do Documento: RP20230208282/17.9PCMTS.P1
Data do Acordão: 08-02-2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO;
CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO INTERPOSTO PELA
CHAMADA; NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO
DEMANDADA
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Sabendo que a legitimidade processual, requisito da procedência do pedido, se
afere pelo pedido e causa de pedir tal como são apresentados pelo autor, o incidente
de intervenção principal provocada supõe uma cotitularidade da relação material
controvertida, com participação do chamado à intervenção.
II - Ora, no caso vertente, em momento algum da pedido de indemnização civil os
demandantes atribuem à chamada qualquer responsabilidade na verificação dos
eventos; por sua vez, em sede de contestação, também a demandada seguradora
invoca a chamada, mas apenas para efeitos de direito de regresso, alegando
argumentos completamente opostos e contrários aos desta, pelo que não estamos na
presença de qualquer situação de litisconsórcio necessário e voluntário nos termos do
disposto no artigo 316.º, n.º 1, n.º 3 do Código de Processo Civil, nem estamos na
presença de uma situação onde existam vários codevedores solidários, nos termos do
disposto no artigo 317.º, n.º 1, do mesmo Código.
III – Inexistem quaisquer razões que obstem à convolação nesta instância do incidente
de intervenção principal provocada para o incidente de intervenção acessória
provocada prevista no artigo 321.º do Código de Processo Civil.
IV – No caso vertente, o Tribunal a quo extravasou o que lhe foi pedido, violando o
princípio do dispositivo (artigo 3.º do Código de Processo Civil), princípio basilar do
processo civil, o que configura uma nulidade que afeta a sentença alvo de recurso,
pelo que a chamada não poderá ser condenada em qualquer pedido, sem prejuízo dos
efeitos decorrentes do chamamento previsto no referido artigo 321.º para efeitos de
regresso.
V- O facto de a demandada ser proprietária de um cão de raça Rottweiler, animal
potencialmente perigoso, ser irracional e fonte de perigo, e viver com ele, tê-lo
registado em seu nome, usufruindo da sua companhia diariamente permite a aplicação
do artigo 502.º do Código Civil; o facto de o arguido também o tratar como se fosse seu
dono não repele a responsabilidade pelo risco que pode impender sobre outrem nas
condições descritas nesse artigo.
VI - O objetivo da esterilização de um animal potencialmente perigoso é impedir a sua
reprodução e não atenuar a sua potencial perigosidade.
VII - Se é certo que a esterilização pode acalmar os animais, não pode concluir-se que
no contexto concreto do cão a que se reportam os autos tal teria esse efeito; nem
sempre a esterilização acalma os animais e, como tal, não pode dar-se como
presumida a acalmia e a redução da agressividade, fazendo funcionar uma presunção
judicial.

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VIII - Ocorrem situações em que após a castração os animais se tornam mais


perigosos, outras em que eles mantêm o mesmo registo de agressividade e outras em
que eles ficam mais calmos, não sendo correto afirmar-se que haja uma redução
maciça da agressividade dos cães depois da castração.
IX – O sentido da cláusula de exclusão da responsabilidade de uma seguradora
relativa à “inobservância de medidas de higiene, profiláticas, e terapêuticas
recomendáveis em caso de doenças infectocontagiosas ou parasitárias.” é, tão só, o
de evitar o contacto entre animais e a propagação de doenças de que eles sejam
agentes ou veículos e não propriamente o de criar condições para evitar que eles
possam atacar pessoas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 282/17.9PCMTS.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Criminal de
Matosinhos – Juiz 2

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No âmbito do Processo Comum Singular supra identificado em epígrafe foi proferida
sentença onde foi decidido:
«Em face do exposto, decide-se:
a) condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de
um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, previsto no artigo 33.º,
do Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro, por referência ao artigo 144.º, n.º 1, al.
a), do Código Penal (contra BB), na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;
b) condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de
um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, previsto no artigo 33.º,
do Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro, por referência ao artigo 144.º, n.º 1, al.
b), do Código Penal (contra CC), na pena de 9 (nove) meses de prisão;
c) condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de
um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto no artigo 148.º, do
Código Penal (contra DD), na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
d) absolver o arguido AA da prática, em autoria material, de um crime de ofensa à
integridade física grave por negligência, previsto no artigo 33.º, do Decreto-Lei n.º
315/2009, de 29 de outubro, por referência ao artigo 144.º, n.º 1, al. a), do Código
Penal (contra EE);
e) Realizar o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido AA, nos termos do artigo
77.º, do CP, assim determinando a aplicação de uma pena única de 2 (dois) anos de
prisão;
f) Proceder ao desconto de um dia de detenção na pena aplicada, ao abrigo do artigo
80.º, do Código Penal;
g) Substituir a pena de prisão aplicada por 480 (quatrocentas e oitenta) horas de
trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no artigo 58.º do Código
Penal;
h) Condenar o arguido AA em duas penas acessórias de privação do direito de
detenção de cães perigosos ou potencialmente perigosos, por um período de 6 (seis)
anos cada uma, ao abrigo do artigo 30.º-A, al. b), do Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29
de outubro;
i) Realizar o cúmulo jurídico das penas acessórias aplicadas ao arguido, aplicando-lhe
uma pena acessória única de 8 (oito) anos de privação do direito de detenção de cães
perigosos ou potencialmente perigosos, ao abrigo dos artigos 77.º do Código Penal e
30.º-A, al. b), do Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro;
j) Julgar parcialmente procedentes os pedidos de indemnização civil deduzidos e, em
consequência:
a. condenar solidariamente os demandados cíveis AA, FF e X..., Compañia de Seguros
y Reaseguros S.A. – Sucursal em Portugal a pagar à demandante BB, a quantia de €
26.202,73 (vinte e seis mil duzentos e dois euros e setenta e três cêntimos);
b. condenar solidariamente os demandados AA e FF a pagar à demandante BB a
quantia de € 36.350,53 (trinta e seis mil trezentos e cinquenta euros e cinquenta e três
cêntimos), e o montante que se vier a apurar em incidente de liquidação de sentença, a
título de danos futuros com tratamentos, cirurgias, exames, e demais despesas

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médicas e medicamentosas em que a demandante venha a incorrer, nos termos do


disposto no artigo 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, quantias que acrescem à
identificada no ponto precedente;
c. condenar solidariamente os demandados cíveis AA, FF e X..., Compañia de Seguros
y Reaseguros S.A. – Sucursal em Portugal a pagar à demandante/assistente CC a
quantia de € 14.062,22 (catorze mil e sessenta e dois euros e vinte e dois cêntimos);
d. condenar solidariamente os demandados AA e FF a pagar à demandante/assistente
CC a quantia de € 19.508,25 (dezanove mil quinhentos e oito euros e vinte e cinco
cêntimos), que acresce à identificada no ponto precedente;
e. condenar solidariamente os demandados cíveis AA, FF e X..., Compañia de Seguros
y Reaseguros S.A. – Sucursal em Portugal a pagar ao demandante/assistente EE a
quantia de € 9.735,05 (nove mil setecentos e trinta e cinco euros e cinco cêntimos);
f. condenar solidariamente os demandados AA e FF a pagar ao demandante/assistente
EE a quantia de € 13.505,25 (treze mil quinhentos e cinco euros e vinte e cinco
cêntimos), que acresce à identificada no ponto precedente;

quantias essas acrescidas de juros de mora, à taxa supletiva legal em vigor, desde a
data da citação, quanto aos danos patrimoniais, e desde a data da notificação da
presente sentença, quanto aos danos não patrimoniais e corporais, sempre até efetivo
e integral pagamento – cf. o disposto nos artigos 566.º, n.º 2, e 805.º, n.º 3, ambos do
Código Civil e o acórdão de fixação de Jurisprudência n.º 4/2002, de 09 de maio de
2002,
g. absolver os demandados cíveis do demais peticionado, tudo sem prejuízo do direito
de regresso da demandada X..., Compañia de Seguros y Reaseguros S.A. – Sucursal
em Portugal sobre a demandada FF.
k) Determinar a restituição da camisola/sweatshirt apreendida nos presentes autos (cf.
auto de busca e apreensão vertido a fls. 20 e 21) ao arguido AA após o trânsito em
julgado, porque não constituíram instrumento essencial da prática dos crimes, não se
justificando a respetiva declaração de perda a favor do Estado.
l) Condenar o arguido AA nas custas criminais do processo, fixando-se a taxa de
justiça em 5,5 UC – artigos 513.º, e 514.º, do CPP, e artigo 8.º, n.º 9, e Tabela III, do
RCP).

Custas na parte cível a dividir por todos os intervenientes, na proporção dos respetivos
decaimentos, que se fixam em da seguinte forma:
a. os demandados cíveis AA e FF, solidariamente na proporção de 83,78%, sendo a
demandada cível X..., Compañia de Seguros y Reaseguros S.A. – Sucursal em
Portugal, solidariamente com os demais demandados cíveis, mas apenas na proporção
de 24,73%;
b. a demandante cível BB, na proporção de 0,004%;
c. demandante/assistente CC, na proporção de 0,064%;
d. demandante/assistente EE, na proporção de 16,15%,

tudo nos termos conjugados dos artigos 446.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, e 523.º, do CPP,
527.º e 528.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
*
O TIR prestado pelo a fls. 50 permanece em vigor até à extinção da pena – artigo
214.º, n.º 1, e), do Código de Processo Penal.
*
Notifique.
Após o trânsito:
a) remeta boletins ao registo – artigo 374.º, n.º 3, d), CPP, e artigos 5.º, n.º 1, 2 e 3, 6.º,
al. a) e 7.º, n.º 1, al. a) e 2, da Lei n.º 37/2015, de 05 de maio.
b) Comunique à DGRSP para proceder à elaboração do plano de prestação de
trabalho a favor da comunidade nos termos supra determinados;
c) Comunique à Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), cumprindo o
disposto no artigo 41.º-A do Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro.»
*
Inconformada, a chamada ao processo FF, interpôs recurso, solicitando a nulidade da
sentença proferida por extrapolação do pedido, improcedência do direito de regresso e
da ausência de responsabilidade por factos ilícitos e pelo risco e demais

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consequências daí provenientes.


Apresenta em apoio da sua pretensão as seguintes conclusões da sua motivação
(transcrição):
« 1. A douta sentença recorrida é nula por condenação superior ao pedido, nos termos
do disposto no art. 615º n.º 1 al. e) do C.P.Civil.
2. Os Demandantes (BB, EE e CC) deduziram pedido de indemnização civil contra o
arguido (AA) e a Demandada Seguradora (X..., S.A.).
3. A Demandada Seguradora, em contestação, deduziu o seguinte pedido:
“A) deve o pedido civil ser julgado improcedente por não provado, absolvendo-se, por
conseguinte, a demandada cível do pedido;
B) deve ser admitida a intervenção principal provocada de FF, com domicílio na Rua
.../... ....”
4. Até ao momento quer os Demandantes quer a Demandada Seguradora não
requereram a alteração ou ampliação do pedido nem da causa de pedir.
5. Na decisão da douta sentença recorrida, a recorrente foi condenada solidariamente
a pagar aos
Demandantes a quantia total de €127.408,03; no direito de regresso da Demandada
Seguradora; e em custas na parte cível na proporção de 83,78%.
6. A condenação excedeu claramente o pedido porquanto os Demandantes, no pedido
de indemnização civil, deduziram pedido apenas contra 2 demandados (arguido e
seguradora) e acabaram por ser condenados demandados (arguido, seguradora e
recorrente).
7. A condenação excedeu claramente o pedido porquanto a Demandada Seguradora,
na contestação ao pedido de indemnização civil, deduziu o pedido de intervenção
principal provocada da recorrente (Chamada) e esta acabou por ser condenada no
direito de regresso à Seguradora, sem tal ter sido pedido.
8. Visto de outro modo, a nulidade da sentença pode também ser determinada com
fundamento previsto na al. d) do referido n.º 1 do art. 615º do C.P.Civil, por o Juiz ter
deixado de apreciar questões que devia apreciar, concretamente: da exceção dilatória
de ilegitimidade da Chamada.
9. Nesse sentido, a Chamada tem de ser considerada parte ilegítima no pedido de
indemnização civil, por não ter interesse em contradizer, nos termos em que foi
configurado pelos Demandantes e pela Demandada Seguradora. (ver art. 30º do
C.P.Civil)
10. Tal determina a exceção dilatória de ilegitimidade (art. 577º al. e) do C.P.Civil) que é
de conhecimento oficioso (art. 578º C.P.Civil), que obsta a que o Tribunal conheça do
mérito da causa, e dá lugar à absolvição da instância.
11. Sem prejuízo do supra alegado, em contestação a Demandada Seguradora veio
requerer a intervenção principal provocada da recorrente tendo como (causa de pedir)
fundamento (ver art. 24. a 40. Da contestação da Demandada Seguradora) o direito de
regresso quanto ao limite de capital seguro (€50.000,00) que é inferior ao pedido
(€127.408,03) e quanto à franquia.
12. Este chamamento foi deduzido pela Demandada Seguradora (Réu), nos termos do
disposto nos art. 316º n.º 3 al. b), 317º n.º 1, 318ºn.º 1 al. c) do C.P.Civil.
13. Nos termos em que foi pedida a intervenção principal provocada da recorrente
(Chamada) e tal como é permitido por lei (art. 317 n.º 1 C.P.Civil), apenas podia, e caso
tivesse sido pedido, ser reconhecido e
condenada na satisfação do direito de regresso.
14. Nesse sentido ensina Salvador da Costa, em “Os Incidentes da Instância”, 11ª
Edição Atualizada e Ampliada, Fl. 91 e 92:
“…Em suma, este normativo versa sobre a situação em que o autor faz valer na ação
uma obrigação solidária, mas aciona na posição de réu apenas um ou alguns dos
devedores, caso em que o chamamento para intervenção pode visar a condenação do
chamado ou dos chamados na conformidade do respetivo direito de regresso que ao
acionado possa vir a assistir se realizar a totalidade da prestação….”
15. Acontece que, como já vimos, a condenação excedeu de sobre maneira o pedido,
porquanto não foi deduzido nenhum pedido de condenação da recorrente (Chamada).
16. Decorre dos factos dados como provados (n.º 1, 2, 22, 26, 27, 71 e 73) que não
houve qualquer intervenção da recorrente (Chamada), ou seja, esta não praticou
qualquer facto (por ação ou por omissão). Assim nunca poderá a recorrente ser
responsabilizada pela prática de factos ilícitos.

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17. Contudo, na douta sentença recorrida foi atribuída à recorrente (Chamada) a


responsabilidade pelo risco, nos termos seguintes: “… responsabilidade à luz do
disposto no artigo 502.º, do mesmo diploma, responsabilidade essa que é objetiva, ou
seja, independente de culpa. Efetivamente, enquanto proprietária do canídeo, a
demandada FF frui dele – extraindo os respetivos benefícios – e sobre ela impende o
dever de vigilância do animal … e recorrer ao disposto no artigo 502.º do Código Civil,
já que, como supra se explicou já, a mordedura é um perigo especial do canídeo.
Estando reunidos os pressupostos do artigo 502.º do Código Civil, então, conclui-se
pela responsabilidade independente de culpa da demanda cível FF.”
18. No entanto, a responsabilidade pelo risco que foi atribuída à recorrente (Chamada)
tem de ser excluída desde logo porque não ficou demonstrado (ver factos provados)
que o arguido tivesse utilizado o canídeo no interesse da recorrente (Chamada). Pelo
contrário, ficou demonstrado (ver facto provado n.º 71) que “o arguido tratava e cuidava
do canídeo como se seu dono fosse”.
19. Face a o que ficou demonstrado no presente processo a responsabilidade pelo
risco apenas pode ser imputada ao arguido (possuidor).
20. Nesse sentido, no Código Civil anotado, volume I, 4ª Edição Revista e Actualizada,
a Fls. 512 e 512, explicam Pires de Lima e Antunes Varela, que: “…o disposto no art.
502º é aplicável aos que utilizam os animais no seu próprio interesse (o proprietário, o
usufrutuário, o possuidor, o locatário, o comodatários …)
É quanto a estas pessoas que tem inteiro cabimento a ideia do risco: quem utiliza em
seu proveito os animais, que, como seres irracionais, são quase sempre uma fonte de
perigos, deve suportar as consequências do risco especial que acarreta a sua
utilização (cfr., por ex., o acórdão do S.T.J., de 9 de março de 1978, no B.M.J., n.º 275,
págs. 191 e segs.)
Normalmente, este fundamento da responsabilidade atinge o proprietário ou aqueles
que, como o usufrutuário ou o possuidor, têm um direito real de gozo sobre o animal.
….”
21. Assim, tal como decorre dos factos dados como provados (facto provado n.º 71),
quem tinha o direito real de gozo sobre o animal era o arguido e não a recorrente
(Chamada), pelo que esta nunca poderá ser responsabilizada pelo risco.
22. Sem prejuízo do supra alegado quanto à inexistência do pedido, como já vimos não
foi considerado provado qualquer facto que suporte a condenação da recorrente
(Chamada) no direito de regresso relativamente à Demanda Seguradora porquanto
não foi demonstrada a responsabilidade da recorrente (Chamada) na prática de atos
ilícitos (nada fez) ou pelo risco (não tinha o direito real de gozo sobre o animal).
23. Por via disso, no máximo, nos termos do disposto nos art. 497º e 524º do Código
Civil, a Seguradora apenas poderá invocar o direito de regresso perante o causador do
dano, que seguramente não foi a recorrente (Chamada).
24. Face ao exposto, em primeiro lugar, a nulidade da sentença terá de ser declarada e
procedido à reforma da douta sentença recorrida, nos termos do disposto no art. 617º
do C.P.Civil.
25. Em seguida a recorrente (Chamada) terá de ser absolvida da instância, por ser
parte ilegítima, e do pedido. (que na verdade não existe!)
26. Por fim, face ao decaimento, a recorrente (Chamada) terá de ser absolvida do
pagamento das custas, nos termos do disposto no art. 527º do C.P.Civil.
27. Por ter decidido do modo como decidiu a sentença recorrida violou os normativos
supra indicados.»
*
Inconformada, a demandada cível companhia de seguros X..., Compañia de Seguros y
Reaseguros S.A., interpôs recurso apresenta em apoio da sua pretensão as seguintes
conclusões da sua motivação (transcrição):
«1. Com o presente recurso, a recorrente pretende ver reapreciada a douta decisão
recorrida, seja no que se refere à matéria de facto, seja no que concerne à solução de
direito, embora sem recurso à prova gravada ou documental.
2. A recorrente não se conforma com circunstância de o Tribunal a quo ter como não
provados os factos l), m) e n) da factualidade dada como não provada.
3. No caso vertente e em vista da pretendida modificação, os elementos a levar em
conta são os demais factos tidos por assentes, e a prova por presunção, legal e
judicial.
4. Concretamente, são os pontos 1 e 3 da matéria de facto dada como provada que, no

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entender da recorrente, impõe a decisão diversa da matéria de facto dada como não
provada.
5. A presunção representa o juízo lógico pelo qual, argumentando segundo o vínculo
de causalidade que liga uns com outros os acontecimentos naturais e humanos,
podemos induzir a existência ou o modo de ser de um determinado facto que nos é
desconhecido em consequência de outro facto ou factos que nos são conhecidos, e
que que proporciona racionalmente o que se pretende provar.
6. É consagrada a classificação em presunções legais (praesumptiones juris), quando
a operação lógica de dedução a faz a própria lei e presunções judiciais
(praesumptiones hominis seu iudices), quando a dedução se realiza pelo órgão judicial.
7. As presunções funcionam como modo de ultrapassar as dificuldades de prova, por
se referirem, por exemplo, a factos que não se objetivam pela sua própria natureza,
seja também quando é mais difícil de produzir para quem teria normalmente que
suportar o ónus probatório (relevatio ab onere probandi).
8. Ora, revertendo para o caso dos autos, temos que ficou cabalmente demonstrado e
provado que o canídeo “...” era de raça “Rottweiller”, e que não se encontrava
esterilizado.
9. A respeito da esterilização de cães de raça perigosa, ou potencialmente perigosa,
constante da Portaria 422/2004, de 27/04, como é o caso da raça “Rottweiller”, dispõe
o artigo 19.º do DL n.º 315/2009, de 29 de outubro:
“1 - Os cães perigosos, ou que demonstrem comportamento agressivo, não podem ser
utilizados na criação ou reprodução.
2 - Os cães referidos no número anterior devem ser esterilizados, devendo os seus
detentores, sempre que solicitados pelas autoridades competentes, apresentar o
respetivo atestado emitido por médico veterinário.
3 - Os cães das raças constantes da portaria prevista na alínea c) do artigo 3.º que não
estejam inscritos em livro de origens oficialmente reconhecido, bem como os
resultantes dos cruzamentos daquelas raças entre si e destas com outras, devem ser
esterilizados entre os 4 e os 6 meses de idade.
(…)”
10. Reconhecendo o legislador a especial perigosidade, em concreto ou em abstrato,
dos cães de raça perigosa ou potencialmente perigosa, impõe que os mesmos devem
ser esterilizados entre os 4 e 6 meses de idade.
11. Bem se compreende esta solução, tanto mais que é do conhecimento generalizado
que a esterilização de canídeos tem o condão de lhes acalmar o temperamento.
12. É o que se reconhece, aliás, na douta sentença em crise, quando diz que “é
conhecido do cidadão mediano que a esterilização pode «acalmar» os animais”.
13. Estabelece a presunção de que a esterilização, como medida profilática obrigatória,
reduz a agressividade dos canídeos, por um lado, e a de que a falta de esterilização
potencia a agressividade e perigosidade do canídeo.
14. Opera-se, pois, uma verdadeira inversão do ónus da prova, que bem se
compreende, atenta a verdadeira impossibilidade de qualquer parte, que não o
detentor do concreto animal, que com o mesmo convive diariamente e o leva ao
veterinário, em fazer a prova de tal factualidade por outro meio.
15. E os recorridos, vimos já, sucumbiram nessa prova.
16. Sem prescindir, foi reconhecido na douta sentença em crise que a esterilização dos
animais tem a virtualidade de lhes acalmar o temperamento.
17. Tal é o que resulta, também, da lei, e da experiência comum.
18. Assim, por simples presunção judicial, o Tribunal a quo deveria ter concluído, em
sede de fixação da factualidade relevante, que a omissão da obrigação de esterilizar o
canídeo constituiu causa, ou, pelo menos, concausa do evento.
19. É esta, também, a única conclusão a que se chega pelo singelo uso das regras da
experiência comum.
20. Portanto, deverá este Alto Tribunal, fazendo uma apreciação crítica e conjugada
das provas, alterar a resposta (negativa) aos pontos l), m) e n) da matéria de facto
dada por não provada, dando esses factos por provados.
21. Procedendo-se às alterações das respostas à matéria factual nos moldes que atrás
se indicaram e consideradas as respostas não impugnadas à restante factualidade tida
por assente e apurada, é firme opinião da recorrente que não se acham verificados os
pressupostos em que se escora a douta decisão ora em crise.
22. Com efeito, em tal situação, encontra-se plenamente preenchida a cláusula de

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exclusão atinente à inobservância de medidas profiláticas/de higiene/terapêuticas,


concretamente a cláusula n.º 5 das condições gerais da apólice, transcrita no ponto 78.
dos factos dados como provados e com o seguinte teor:
“EXCLUSÕES - Salvo disposição em contrário, expressa nas Condições Gerais, ficam
excluídos do âmbito de cobertura desta garantia os: […] m) Danos decorrentes da
inobservância de medidas de higiene, profilácticas, e terapêuticas recomendáveis em
caso de doenças infectocontagiosas ou parasitárias.”.
23. Donde, encontrando-se provada matéria de facto que permite concluir pela
verificação de cláusula de exclusão de responsabilidade, constante do contrato de
seguro, e sendo tal cláusula aplicável às relações inter-partes, mas também oponível a
terceiros, não poderá ser assacada qualquer responsabilidade à ora recorrente.
24. A douta sentença em crise violou, entre outras, as normas constantes dos artigos
artigo 19.º do DL n.º 315/2009, de 29 de outubro, Portaria 422/2004, de 27/04, artigo
7.º da Portaria 585/2004, de 29 de maio, artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 312/2003 e
artigo 9.º do Código Civil.»

Inconformado, o arguido AA interpôs recurso.


Apresenta em apoio da sua pretensão as seguintes conclusões da sua motivação
(transcrição):
«1. Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, o Arguido entende que da análise das
declarações e dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento os
pontos da matéria de facto que as Partes submeteram à sua consideração não foram
julgados correctamente, na medida em não podiam ter sido considerados provados,
nos moldes em que o foram, pelo que se assaca à sentença em crise, erro de
julgamento na vertente factual.
2. Perante as “divergências entre os diversos relatos feitos nos autos”, o Tribunal a quo
não podia ter concluído ser sua “firme convicção…que qualquer das testemunhas,
assistentes e arguido falou a verdade – rectius: a sua verdade -, tendo-se encontrado a
verdade material nos pontos de convergência de todas aquelas verdades individuais…”
3. Até porque, da confrontação dos referidos relatos, resultam três versões distintas
sobre os momentos e o encadeamento dos ataques do canídeo.
4. Ora, à excepção da versão trazida pelo Assistente EE, quer a Assistente CC, quer
as testemunhas DD e GG, independentemente de acharem, ou não, que o Arguido
podia ter feito mais, reconheceram a sua intervenção ACTIVA na tentativa de fazer
cessar o ataque – em especial a testemunha GG e relativamente àquele que terá sido
o segundo ataque.
5. Por outro lado, analisadas as declarações do Assistente EE, verifica-se que o
Tribunal a quo ignorou factualidade que assume especial importância para a decisão
da causa e que, por essa razão, deveria ter sido levada aos factos provados.
6. Designadamente, no que se refere ao modo e encadeamento que a factualidade
pela qual o Arguido vem condenado se “desenrolou”.
7. De facto, resulta da prova produzida nos autos que num primeiro momento em que o
canídeo aparece sem a presença do Arguido no local onde o Assistente EE e a filha se
encontravam no exterior da casa mortuária e se dirige em direcção àqueles, não tentou
de imediato morder a menor!
8. Sendo que, nesse primeiro momento, além do canídeo não ter tentado morder nem
o Assistente EE nem a sua filha, ao ter sido socado no focinho pelo Assistente,
afastou-se do local.
9. Pelo que, os Pontos 6., 7., 8., 9. e 10., não reproduzem a factualidade que deveria
ter sido considerada provada pelo Tribunal a quo, na medida em que as declarações
do Assistente EE e, em especial, a dinâmica e o encadeamento factual que resulta da
sua intervenção, assim o impunham.
10. Ademais, perante a prova produzida nos autos ficou claro que o animal só veio a
atacar e a abocanhar a Ofendida BB, após o Assistente e o Arguido terem iniciado uma
discussão entre si por causa do telemóvel e das fotografias que o primeiro terá tirado,
elevando o tom de voz mutuamente.
11. O que, resulta das declarações do Arguido e de ambos os Assistentes e ainda do
depoimento da testemunha DD, estando assim em contradição com a factualidade
dada (erradamente) como provada no Ponto 11. dos Factos Provados pelo Tribunal a
quo.
12. Acresce que, analisada a prova constante dos autos, impunha-se que o Tribunal a

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quo não tivesse desvalorizado a discussão entre o Assistente EE e o Arguido que


antecedeu o primeiro ataque do canídeo.
13. Já que, ficou evidente que a discussão entre os dois foi o “rastilho” que
desencadeou o ataque do animal contra a pequena BB e que só após os ânimos se
terem exaltado e o tom de voz usado por ambos se ter elevado e tornado mais
agressivo, é que o canídeo correu na direcção da criança, tendo-a iniciado o ataque e
acabado por a abocanhar.
14. Sendo que, a Assistente CC e a testemunha DD referiram que, enquanto ainda
estavam no interior da capela mortuária, além dos gritos da criança conseguiram
também ouvir uma discussão.
15. De qualquer forma, a Assistente CC e a testemunha DD, explicaram que quando
saíram da capela, puderam ver o Assistente agarrado ao pescoço do canídeo e o
Arguido – apesar de considerarem insuficiente – a dar palmadas e ordens para o
canídeo largar a criança.
16. Em face disso, contrariamente ao que é referido no Ponto 15. dos Factos Provados
pelo Tribunal a quo, resultou provado que o Arguido em comunhão de esforços com o
Assistente EE e a testemunha DD, também contribuiu para que se tivesse conseguido
soltar a criança da mandíbula do canídeo.
17. Após o animal ter libertado a criança do primeiro ataque e estando ainda o
Assistente EE agarrado ao pescoço do cão a tentar segurá-lo, face aos movimentos do
Arguido que se abeirou do Assistente para tentar conter o canídeo, entendeu a
testemunha DD que aquele estava a tentar tirar o telemóvel da posse do Assistente.
18. Tendo, por essa razão, puxado o Arguido para si e impedido que o mesmo
alcançasse o animal, sendo certo que, após ter dirigido umas palavras ao Arguido,
voltou a ouvir os gritos da criança e reparou que o canídeo se havia soltado dos braços
do Assistente.
19. Sucede porém, que ao contrário do que consta do Ponto 17. dos Factos Provados,
do depoimento da testemunha DD resulta que o animal não se terá soltado por acção
do Arguido – até por a testemunha referiu que o puxou e impediu de alcançar o
Assistente – mas antes porque o Assistente EE, pura e simplesmente não o conseguiu
conter.
20. Por outro lado, o Tribunal a quo errou ao não valorizar o depoimento da
testemunha GG e, apesar desta ser a pessoa que presenciou parte dos factos e que os
vivenciou com menos carga afectiva e emocional – porque totalmente estranha aos
restantes intervenientes – e ter afirmado veemente que o foi também através da
intervenção do Arguido que a criança conseguiu ser solta no segundo ataque e o
animal afastado, o certo é que a sentença in crise desconsiderou-o sem fundamento
aparente.
21. Em face disso, não se concebe que o Tribunal a quo, na confrontação dos
testemunhos prestados com das declarações dos Assistentes e do Arguido tenha
ficado plenamente convencido que as pancadas desferidas pelo Arguido no canídeo
aquando dos ataques tenham sido “quase festinhas” e que, perante o testemunho de
GG tenha concluído que esta “nunca disse ou sequer insinuou” que a intervenção do
Arguido para fazer cessar o ataque tenha sido determinante para lograr aquele
desiderato (pelo menos na parte dos factos a que assistiu).
22. Deste modo, no Ponto 20. dos Factos Provados impunha-se que o Tribunal a quo
tivesse julgado provado que a agressão apenas cessou em virtude da comunhão de
esforços não só do Assistente EE e da testemunha DD, como ainda do Arguido.
23. Ora, perante as imensas dúvidas que obrigatoriamente têm de persistir sobre a
veracidade de cada uma das versões apresentadas pelos intervenientes processuais,
ao abrigo do princípio in dubio pro reo, o Tribunal a quo devia ter valorado a prova a
favor do Arguido – o que nitidamente não fez.
24. Pelo que, o devido enquadramento da actuação do Arguido e, em concreto, a
correcta valoração da sua atitude activa na tentativa de cessar os ataques do canídeo,
deverá determinar não só a substituição da matéria de facto ora impugnada – nos
moldes requeridos – como deverá ainda ser tida em conta na determinação da medida
da pena.
25. “Sem prejuízo de tudo quanto se expôs:”
26. Devem as indemnizações arbitradas pela sentença aqui em causa, à Ofendida –
BB e à Assistente – CC, ser reduzidas na justa medida da responsabilidade partilhada
do Arguido e do Assistente EE para a produção da factualidade em questão nos

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presentes autos; e
27. Por fim, no que concerne à indemnização arbitrada ao Assistente – EE, esta deve
pura e simplesmente ser anulada, já que, este foi responsável directo na produção do
evento que provocou os danos que lhe foram causados.»

O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela


sua improcedência e pela manutenção da sentença recorrida, aduzindo em abono da
sua posição as seguintes conclusões (transcrição):
«Assim e atendo-nos às provas produzidas em audiência, que se encontram
enunciadas na fundamentação da decisão, verifica-se que esta se acha alicerçada em
adequados juízos de normalidade, não se perfilando a violação de qualquer regra da
lógica ou ensinamento comum.
De facto, resulta da decisão em apreço que a matéria de facto considerada provada se
baseou, para além da prova documental, nos depoimentos das testemunhas
enunciadas na mesma decisão, depoimentos que mereceram credibilidade ao tribunal.
Com efeito, o juízo valorativo, como se viu supra, tanto pode assentar nessa prova
como em prova indirecta ou indiciária da qual se colhe o facto a provar, socorrendo-se
o juiz, para o efeito, das regras da experiência comum.
Assim e em contrário do exercício feito pelo recorrente, vemos da respectiva
fundamentação que o tribunal analisou o conjunto das provas produzidas e da
conjugação de todas elas concluiu validamente pela sua condenação».

A companhia de seguros X..., Compañia de Seguros y Reaseguros S.A., respondeu ao


recurso apresentado pela interveniente FF em apoio da sua pretensão apresentou as
seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):

«1.ª – O recurso interposto pela recorrente não merece provimento.


2.ª – A douta sentença errou, de facto, mas por excesso e deve ser modificada no
sentido do defendido no recurso da demandada seguradora cujos argumentos e
conclusões aqui se dão por reproduzidos.»
*
Neste Tribunal da Relação do Porto, a Exmª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer
no sentido de que o recurso deverá ser julgado improcedente e a sentença recorrida
mantida, acompanhando a resposta apresentada pelo Ministério Público junto do
Tribunal recorrido.
*
Notificados nos termos do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, os recorrentes não
apresentaram resposta.
*
Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à
conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso.
*
II. Apreciando e decidindo:
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita
o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-
se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas
que são de conhecimento oficioso[1].
As questões que o recorrente arguido coloca à apreciação deste Tribunal de recurso
são as seguintes:
- Erro notório na apreciação da prova;
- Contradição insanável entre a fundamentação e a decisão;
- Erro de julgamento em sede de matéria de facto;
- In dúbio pro reo.
Pena excessiva.
Pedido de indemnização, seu montante e ausência relativamente ao assistente EE.

Recurso de FF.
Ilegitimidade.
Violação do princípio do dispositivo por não lhe ter sido deduzido pedido e por ter sido
condenada no direito de regresso à seguradora.

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Condenação pela responsabilidade pelo risco.

Recurso da X..., Compañia de Seguros y Reaseguros S.A.


Erro de julgamento e funcionamento das presunções judiciais.
Funcionamento de cláusula de exclusão e sua oponibilidade a terceiros.
*
Para análise das questões que importa apreciar releva desde logo a factualidade
subjacente e razões da sua fixação, sendo do seguinte teor o elenco dos factos
provados e não provados e respectiva motivação constantes da sentença recorrida
(transcrição):
«a. Factos Provados
Consideram-se provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:
1. No dia 25.04.2017, cerca das 09h40m o arguido encontrava-se com um canídeo de
nome “...”, com a raça Rottweiller, nascido em .../.../2016, com o n.º de identificação
eletrónica ..., na via pública, na Rua ..., em Matosinhos, próximo à Igreja ....
2. Tal canídeo era propriedade de FF, namorada do arguido e com este vivia, mas
encontrava-se, à data dos factos, à guarda e cuidados do arguido no período referido.
3. Assim é que, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o referido canídeo
encontrava-se naquele concreto local indicado, desprovido de trela ou açaime, sendo
que o mesmo não se encontrava, ainda, esterilizado.
4. O arguido deslocou-se, acompanhado do canídeo com o nome “...”, até às
imediações da Igreja ..., onde este esteve a correr, sempre sem trela ou açaime.
5. Nesse local encontravam-se também os ofendidos CC, BB, EE e DD, os quais
tinham ido ao velório do pai do ofendido DD.
6. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o referido canídeo com o nome “...”, que se
encontrava solto, aproximou-se do ofendido EE e da sua filha, a BB, o que causou
medo a nesta última.
7. Com o que, ato contínuo, o referido canídeo acabou por se aproximar ainda mais
daquela ofendida BB e, assim, tentou mordê-la, o que apenas não conseguiu
porquanto o ofendido EE (pai daquela) se interpôs em sua proteção.
8. Perante o sucedido, e após ter aparecido o arguido, perante a abordagem do
ofendido EE que lhe solicitou que prendesse o referido canídeo e o segurasse, o
arguido ripostou dizendo que o ofendido não era qualquer autoridade para o obrigar a
nada.
9. Continuando por deixar o canídeo que acompanhava, à solta, sem o manietar, após
o que continuou o seu percurso.
10. Ao aperceber-se o arguido AA de que o ofendido EE poderia estar a tirar-lhes uma
fotografia, exaltou-se e dirigiu-se a este último com o propósito de lhe retirar o
telemóvel, elevando o tom de voz nas expressões que lhe dirigia e abeirando-se sobre
o corpo do ofendido EE.
11. Perante esta atitude do arguido, ato contínuo e imediato, o canídeo referido,
agitado, correu em direção da ofendida BB, que se encontrava junto ao ofendido EE,
atirou-se sobre o seu corpo, fazendo-a tombar ao chão, de modo desamparado, e, ato
contínuo, abocanhou-a, com as suas mandíbulas, agarrando-a na parte superior do
crânio.
12. Após o que, continuando a agarrá-la com recurso às suas mandíbulas, e sem a
largar, o canídeo “...” arrastou a ofendida BB, pelo chão, segurando-a pela cabeça,
concretamente pela zona do couro cabeludo na parte traseira do crânio, por distância
não concretamente apurada, por distância não concretamente apurada, mas entre um
a dois metros.
13. Confrontado com esses factos, que se desenvolviam na sua presença, o arguido
pediu ao canídeo que largasse a menina, enquanto lhe desferia pancadas, tentando
que o animal soltasse a ofendida BB.
14. Perante o exposto, os ofendidos CC e DD apercebendo-se do que sucedia no
exterior, ao ouvirem os gritos da ofendida BB, correram a auxiliar de forma a
separarem o cão daquela.
15. O que apenas se conseguiu pela ação concertada dos ofendidos EE e DD, da
seguinte forma:
a. aquele agarrou-se ao pescoço do canídeo, com um braço, puxando-o para trás de
forma a soltar a criança enquanto que com a outra mão procurava abrir a mandíbula
daquele para soltar a criança;

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b. e o ofendido DD agarrou na outra mandíbula do canídeo, com o mesmo objetivo,


que conseguiram concretizar.
16. Em face do que a ofendida CC conseguiu segurar a filha, a ofendida BB, com vista
a resguardá-la, conduzindo-a para a entrada da capela.
17. Nesse momento, o ofendido EE segurava o canídeo, com o braço, tendo o arguido
voltado a tentar tirar-lhe o telemóvel, ao que aquele reagiu, largando o canídeo
inadvertidamente.
18. Ato contínuo, o canídeo deslocou-se ao encontro da ofendida BB e voltou a atacá-
la, mordendo-a, novamente, com as suas mandíbulas agarrando a zona do couro
cabeludo da ofendida BB, concretamente na zona traseira do crânio.
19. Com essa atuação, e porquanto a ofendida CC se aprontou a pegar na menina, a
ofendida BB, ao colo, para a afastar do canídeo, este cravou as unhas das suas patas
nos braços e pernas da ofendida CC, fazendo-a embater contra a parede da referida
Capela Mortuária, enquanto esta segurava a sua filha ao colo de forma a que o
canídeo a largasse.
20. Tal agressão apenas cessou porquanto o ofendido DD se aprontou a socorrer,
apertando, com as suas mãos, o focinho do canídeo, fazendo-o soltar a ofendida BB, a
qual se encontrava, ainda, presa ao mesmo por mordedura.
21. Após o canídeo ter soltado a criança e a ofendida CC ter-se ausentado com ela,
ato contínuo, o canídeo dirigiu-se ao ofendido DD e mordeu-o na zona da coxa direita
e, ainda, na zona ântero-lateral do antebraço direito, acabando por lhe causar lesões,
demandando o ofendido a receber tratamento médico.
*
22. Perante os factos indicados, o arguido dirigiu-se ao canídeo do qual tinha o dever
de guarda e sob sua responsabilidade, dizendo-lhe que parasse e largasse a menina
BB, aqui ofendida, e dando-lhe palmadas, nada mais tendo feito, porém, com vista a
fazê-lo cessar a sua conduta.
23. Sendo que, assim que conseguiram os demais ofendidos fazer o canídeo cessar a
sua conduta, resguardando a ofendida BB, o arguido apressou-se a colocar a trela no
canídeo e a sair do local, trazendo-o.
24. Após o que, deslocou-se o arguido AA à sua residência com a sua namorada FF,
proprietária do canídeo, sita à Rua ..., ..., Matosinhos, para ali deixar ficar, na marquise,
o referido canídeo.
25. E, ato contínuo, aproveitou para trocar de roupa, após o que voltou a sair à rua,
acabando por ser intercetado pelas autoridades policiais competentes, na via pública,
na Rua ..., em Matosinhos, onde acabou por ser detido.
26. Uma vez detido, o arguido deslocou-se com os agentes que procederam à sua
detenção até à sua residência sita à Rua ..., ..., Matosinhos, onde autorizou a
realização de uma busca domiciliária.
27. Já nesse local, foi apreendido um certificado de seguro relativo ao canídeo “...”,
assim como um boletim sanitário para cães, uma guia de receitas, um boletim “SIRA”
microship referente ao canídeo indicado e um recibo de requisição de certificado de
registo criminal, todos em nome de FF, namorada do arguido e com este residente e,
ainda, uma sweat de cor cinza claro com capuz e as inscrições “Motivation”, pertença
do arguido AA.
28. Tal camisola continha vestígios de sangue dos ofendidos sendo aquela que o
arguido envergava aquando dos factos tendo tal sangue sido ali deixado pelo canídeo.
*
29. Na sequência de tais atos, como consequência direta e necessária da conduta do
arguido e do animal, a ofendida ficou a ofendida BB teve de ser submetida a
intervenção médica, sendo socorrida na Unidade Local de Saúde ... – Hospital ..., sob
o episódio de urgência n.º ..., apresentando, à data de admissão, pelas 09h57m48s,
avulsão extensa do couro cabeludo com hemorragia abundante, assim como
escoriações nas mãos, omoplata direita e ombro direito.
30. Em face das lesões apresentadas pela ofendida BB, foi a mesma transferida, com
alta clínica administrativa, para o Centro Hospitalar ..., E.P.E., Hospital 1..., pelas
10h34m43s, onde teve admissão pelas 10h55m sob o episódio de urgência ....
31. Já nesse Hospital, a ofendida BB passou a mesma a integrar o Serviço de Cirurgia
Pediátrica daquele Centro Hospitalar ..., concretamente na Unidade de Cuidados
Intermédios da Urgência Pediátrica, apresentando, à sua admissão, escalpelo por
mordedura de cão, ferida no ombro, dorso e polegar direito.

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32. Com efeito, em face do quadro físico provocado na ofendida BB, do qual resultava
ferimento complicado de grandes dimensões do couro cabeludo, teve a mesma de ser
submetida a cirurgia para tratamento do esfacelo resultante da mordedura.
33. Após o que, teve de ser submetida a diversas outras cirurgias para limpeza e
desbridamento das feridas, com necessidade de realização de excertos cutâneos em
área de necrose do couro cabeludo provenientes da região reto-auricular.
34. Sendo que se manteve a ofendida BB internada ininterruptamente, decorrente
daqueles factos supra melhor descritos, de 25.04.2017 até 02.06.2017, num total de 39
(trinta e nove) dias, na Unidade de Cuidados Intermédios da Urgência Pediátrica do
Hospital 1....
35. Depois, uma vez tendo saído dessa unidade, a ofendida BB permaneceu internada
até agosto de 2017.
36. Após o que iniciou tratamento em regime de consultas vigiadas, diariamente, para
desbridamento das feridas, para o que carecia de ser sedada.
37. Com o que, apresentava, em 04.12.2017, epitelização completa, porém, má
cicatrização das cicatrizes retro-auriculares, com pele mais larga e ruborizada,
continuando, nesta data, a ser prescrita a toma medicamentosa e de produtos de
tratamento cutâneo.
38. Sendo que, ainda na sequência e por causa única e exclusiva das condutas supra
descritas, a ofendida BB teve de ser sujeita a diversas consultas de
otorrinolaringologia, tendo resultado perfuração bilateral da membrana do tímpano.
39. Para o efeito, foi a ofendida BB submetida a intervenção cirúrgica em janeiro de
2019 para colocar expansor na cabeça após o que iniciou o seu enchimento,
adenoidectomia e miringotomia esquerda em outubro de 2018, posteriormente a
timpanoplastia direita, em janeiro de 2020.
40. Ademais, teve, ainda, a ofendida BB de ser observada em diversas consultas de
otorrinolaringologia no Hospital 1..., no âmbito das quais careceu de ser submetida a
audiograma em 13.10.2018.
41. Foi, ainda, a referida ofendida BB sujeitada a adenoidectomia e miringotomia
esquerda, em 13 de outubro de 2018 e, posteriormente, a timpanoplastia direita, em
22.01.2020, por lhe haver sido detetada perfuração bilateral da membrana do tímpano,
o que reclamou, ainda, consultas em 27.05.2020 e 11.09.2020
42. Em face dos factos supra indicados a menina BB, ofendida, ficou a padecer, de
forma permanente, das seguintes sequelas:
a. No crânio:
i. área cicatricial de coloração esbranquiçada e áreas rosadas, situada na metade
direita da região frontal, com 12cm por 6cm de maiores dimensões, prolongando-se de
forma linear e de orientação de anterior para posterior e da direita para a esquerda,
com atingimento da região fronto-parietal esquerda, com 10cm por 1cm de maiores
dimensões, com hipossensibilidade à palpação, encontrando-se tal área cicatricial
aderente aos planos tecidulares profundos, com repuxamento tecidular, sem normal
implantação tecidular;
ii. cicatriz hipopigmentada e linear, de forma semi-circunferencial e de concavidade
anterior, situada na região mediana da região parietal, com atingimento
aproximadamente simétrico das metades esquerda e direita, com 20cm de
comprimento, com hipossensibilidade à palpação.
iii. área cicatricial nacarada, situada na região retro-auricular direita, com 8cm por 2cm
de maiores dimensões, com hiposssensibilidade à palpação, aderente a planos
profundos, sem repuxamento tecidular. Área cicatricial rosada, com áreas com
pontuado eritematoso, situada na região retro-auricular esquerda, com 8,5cm por
0,5cm de maiores dimensões, dolorosa à palpação, aderente a planos profundos, sem
repuxamento tecidular aparente;
b. No braço direito:
i. área cicatricial muito ténue, quase impercetível, situada na face postero-superior do
ombro direito, com 1cm por 0,2cm de maiores dimensões, não dolorosa à palpação,
sem reação queloide, com cicatriz hipopigmentada linear, de orientação oblíqua,
situada na face interna do polegar, com 1cm de comprimento, não dolorosa à
palpação, sem reação quelóide;
ii. área cicatricial hipopigmentada, situada sobre o bordo interno da omoplata direita,
com 2,4cm por 0,4cm de maiores dimensões, não dolorosa à palpação, sem reação
queloide;

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c. No ouvido direito:
i. hipoacusia à direita, de transmissão, de grau moderado, com sequela enquadrável no
anexo II, Cap IIB, alínea Sb0203 em 8 pontos, representando, no ouvido direito surdez
de transmissão com PMP de 53,5 dB na escala de Webber;
43. Ademais, por conta única e exclusiva da factualidade supra aduzida, a ofendida BB
apresenta, ainda, limitações várias no seu quotidiano e vida presente e futura,
concretamente apresentando dificuldade em adormecer, com insónias e queixas, ainda
que atualmente mais atenuadas, com pesadelos inicialmente constantes, mas agora
mais esporádicos.
44. Por outro lado, em face de tais factos supra descritos e das lesões daí decorrentes
a ofendida BB apresenta muita dificuldade em frequentar ambientes públicos,
nomeadamente sítios onde seja frequente encontrar animais (especialmente cães, mas
também outros animais).
45. Assim como apresenta a ofendida BB limitações na sua vida de formação, tendo
regressado ao infantário em janeiro de 2018, com recurso a lenços para encobrir a
área cicatricial de maiores dimensões.
46. Em face do que, atualmente a ofendida BB continua a carecer, ainda, de
acompanhamento psicológico sem previsão de cessação.
*
47. Na mesma circunstância e em face das supra descritas condutas, a ofendida CC
teve de ser assistida em episódio de urgência com o número ..., onde foi admitida
pelas 13h21m no Centro Hospitalar ..., apresentando duas feridas comunicantes em
membro superior esquerdo, tendo tido necessidade de se colocar um dreno com vista
a que não infecionassem atenta a elevada saída de tecido adiposo, iniciando, ato
contínuo, a toma de antibióticos durante quase três meses, e carecendo, à data, de
realização de pensos dia sim, dia não, o que ocorreu até 05.05.2017 junto daquele
Centro Hospitalar.
48. Em face das condutas supra descritas, por parte do ofendido e do animal, e por
causa e como consequência exclusiva delas, a ofendida CC sofreu diversas lesões,
das quais permanecem as seguintes sequelas:
a. No braço esquerdo, concretamente na face lateral de terço médio de braço,
complexo cicatricial que ocupa área quadrangular com 9 cm por 10 cm com pele de
tonalidade violácea e disposta da seguinte forma:
i. - área anterior (área cicatricial em "V" cada ramo com 3 cm por 0,5 cm) e área
cicatricial em posição superior à anterior (1 cm por 0,2 cm de área).
ii. - área posterior (duas cicatrizes com reação quelóide associada, duras na palpação,
forma quadrangular com 1 cm de lado (cada uma) distando entre si 5 cm (dolorosas na
palpação superficial)
iii. - em posição superior e posicionada entre as áreas cicatriciais descritas acima
compreende mancha cicatricial (disposta perpendicularmente ao eixo longo do
membro) com 3 cm por 0,2 cm.
49. Tais lesões causam e continuarão a causar dor à ofendida CC, especialmente
associada à mobilização do ombro esquerdo, após realização de movimento de 90º de
abdução, a qual irradia até ao bordo superior do músculo trapézio esquerdo e face
lateral esquerda da região cervical.
50. Tendo, pois, tais lesões resultado de traumatismo de natureza contundente e corto-
perfurante, as quais demandaram, para consolidação médico-legal, verificada a
08.02.2019, 654(seiscentos e cinquenta e quatro dias), dos quais 129 (cento e vinte e
nove) dias com afetação da capacidade de trabalho profissional (de 25.04.2017 até
31.08.2017) e, 525 (quinhentos e vinte e cinco) dias com afetação da capacidade de
trabalho geral (de 25.04.2017 até 31.08.2018).
51. O que demandou a ofendida CC à toma de medicação regular, não só pelas lesões
físicas, como para controlar o seu quadro emocional como ansiedade e perda de sono,
bem como pelo pânico que decorre quando confrontada com canídeos.
52. Ademais, em face dos atos supra descritos, e por causa única e exclusiva dos
mesmos, a ofendida CC apresenta as sequelas funcionais situacionais supra descritas
e, ainda, sequelas no seu quadro psicológico de stress pós trauma, tendo de beneficiar
de acompanhamento psicológico com periocidade mensal, o que poderá vir a ser
agravado em função das dificuldades que poderão advir do internamento da filha, a
menina BB para reconstrução e em face das sequelas que, na presente data ainda se
encontram, quanto àquela, por fixar na globalidade.

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53. Sendo, pois, tais sequelas psicológicas derivadas dos factos próprios (enquanto
vítima direta dos factos perpetrados contra si) e dos factos dirigidos contra a sua filha
BB (aqui como vítima indireta).
54. Factos que conduzem a reincidência de alguma da sintomatologia ansiosa da
ofendida CC, o que conduz e fundamenta a necessidade de continuidade do
acompanhamento, sem previsão de alta clínica.
*
55. Em face dos sobreditos atos e como resultado direto e necessário da conduta do
arguido e do animal, o ofendido EE padeceu de escoriação e traumatismo no cotovelo
e no punho esquerdos, os quais lhe causaram dores, e demandaram número de dias
não concretamente apurado para cura, sem que dos mesmos tenham resultado lesões
permanentes.
56. Acresce que, no seguimento e por causa única e exclusiva de tais factos, o
ofendido EE padece, como sequela permanente, de trauma direto (de acordo com a
sua própria circunstância) e indireto (por força dos factos perpetrados contra a sua
filha, a menina BB), de quadro psicológico de ansiedade pós trauma, do qual ainda
carece de acompanhamento psicológico.
57. Tais lesões apresentaram consolidação médico-legal em 08.02.2019, tendo
determinado, pois, 654(seiscentos e cinquenta e quatro) dias para consolidação, dos
quais 129 (cento e vinte e nove) dias com afetação da capacidade de trabalho geral e
profissional (de 25.04.2017 até 31.08.2017).
58. Ademais, os ofendidos BB, CC e EE continuam a carecer de apoio psicológico
continuado, sem previsibilidade de cessação do mesmo.
*
59. Como consequência direta e necessária da conduta do arguido e do animal, e no
seguimento de tais ferimentos, o ofendido ficou DD teve de ser assistido medicamente,
o que ocorreu pelo episódio de urgência n.º ..., na Unidade Local ..., E.P.E. – Hospital
..., com admissão pelas 10h01m01s, apresentando à admissão, lesões na face ântero-
lateral do antebraço direito, assim como lesões na coxa.
60. Em face do que, à avaliação do dano corporal, o ofendido DD apresentava:
a. No braço direito: cicatriz rosada com forma quadrangular com 2cm de lado e com
reação quelóide associada, localizada no bordo cubital de terço inferior de antebraço
(área anatómica de articulação de punho), com dor associada;
b. Na perna direita: na face ântero-medial de terço superior de coxa, três manchas
cicatriciais com tonalidade rosada e com forma circular, com 1 cm de diâmetro,
dispostas sobre linha arqueada com concavidade voltada medialmente;
61. Tais lesões causaram dores ao ofendido DD, tendo resultado de traumatismo de
natureza mista provocada pela mordedura do canídeo e das quais resultaram cicatrizes
e áreas cicatriciais.
62. Ademais as referidas lesões determinaram 20 (vinte) dias para a consolidação
médico-legal, que ocorreu a 15.05.2017, dos quais 10 (dez) dias com afetação da
capacidade de trabalho geral e 10 (dez) dias com afetação da capacidade de trabalho
profissional.
***
63. O arguido agiu com absoluto descuido e incúria, com plena consciência e
conhecimento das características do animal, como cão de raça potencialmente
perigosa que é, e como tal, suscetível de, com mais facilidade, sem qualquer
motivação ou provocação e por puro ímpeto, assumir comportamentos agressivos para
com pessoas, nomeadamente, agredindo-as e mordendo-as.
64. Ademais, sabia, ainda, o arguido que sobre si incidia a obrigação e especial dever
de vigiar o canídeo de forma a evitar que este pusesse em risco a vida ou a integridade
física de outras pessoas ou animais, mas, ainda assim, agiu com desrespeito por tal.
65. Não obstante, bem ciente de tal dever que sobre si impendia, o arguido circulava
com o animal à solta, na via pública, desprovido de qualquer açaime e/ou trela,
perdendo de vista o animal e permitindo que o mesmo andasse pela via pública,
desacompanhado.
66. O arguido, conhecendo as características do animal, sabia e tinha plena
consciência que ao exaltar-se com uma pessoa, no caso o ofendido EE, representando
atos de violência e exaltação, na presença do referido canídeo, estaria a atiçar os seus
comportamentos de ira e de atuação violenta, o que, não obstante, e mesmo
conhecedor de tal, ainda assim não se coibiu de assim agir, como agiu, como fez.

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67. Ademais, o arguido previu a possibilidade de atingir os ofendidos com os


comportamentos violentos e agressivos que o animal assumiu nas circunstâncias supra
descritas, e de, assim, lhes causar ferimentos, representando como possível que o
canídeo agisse como agiu, todavia, acreditou que tal não se verificaria.
68. Sabia que era proibida a presença de cães na via pública sem estarem
acompanhados por pessoa maior de 16 anos, munidos de açaime, conduzidos à trela,
mas, ainda assim, permitiu que o canídeo “...” deambulasse pela via pública, sozinho,
fora do seu alcance, sem açaime e sem ser conduzido por trela, o que quis e fez.
69. Ao omitir tais cuidados e diligências, a que se encontrava o arguido obrigado, e que
se encontram na esfera dos seus conhecimentos, tendo querido praticá-los, o arguido
permitiu, com a sua conduta, que o canídeo tivesse mordido os ofendidos BB, CC e
DD, como sucedeu.
70. Ao assim agir, o arguido agiu de forma imprevidente e sem o cuidado a que,
segundo as circunstâncias, estava obrigado e de que era capaz.

Mais se provou que:


71. O arguido tratava e cuidava do canídeo como se seu dono fosse.
72. Após levar o canídeo a casa, o arguido regressou à zona da igreja.
73. O canídeo foi entregue voluntariamente por FF ao C..., o qual o entregou ao Grupo
Operacional Cinotécnico da PSP do Porto para integração nas suas equipas de
intervenção.
74. O arguido entende que o assistente contribuiu para que os factos supra descritos
ocorressem.
75. O arguido não colocava açaime ao canídeo, porque este não reagia bem e
estragava (roendo e raspando) todos os açaimes que lhe aplicava.

Dos pedidos de indemnização cível:


76. Entre FF e a X..., Compañia de Seguros y Reaseguros, atualmente designada X...,
Compañia de Seguros y Reaseguros, COMPAÑIA DE SEGUROS E REASEGUROS,
S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, foi assinado um documento, que designaram de
«Contrato de Seguro do Ramo X1...», a que foi atribuída a apólice n.º ..., onde consta
que o meso «tem por objecto garantir, até ao limite fixado nas condições particulares e
de harmonia com o disposto nas respectivas condições gerais, a responsabilidade civil
extracontratual legalmente imputável ao segurado por danos patrimoniais e ou não
patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros por:
a. animal perigoso;
b. animal potencialmente perigoso;
c. outros animais de companhia (cães);
d. matilha (cães).
77. Ali fizeram constar que seriam abrangidas as reclamações feitas durante o período
de vigência da apólice e os eventos ocorridos durante esse período, mesmo que a
reclamação seja apresentada no ano seguinte ao termo do contrato.
78. Das «condições particulares e especiais» da apólice identificada em 76., consta:
a. nos dados de risco, o canídeo «...», da raça Rottweiler, com o chip ID n.º ...;
b. como data de início, o dia 29/07/2016;
c. como «vencimento», o dia 29/07;
d. como «duração», «ano e seguintes»;
e. como «capital», a quantia de € 50.000,00;
f. como «franquia», «10% do valor do sinistro, no mínimo € 125,00».
79. Na cláusula 5.ª das condições gerais daquele documento, consta: «EXCLUSÕES -
Salvo disposição em contrário, expressa nas Condições Gerais, ficam excluídos do
âmbito de cobertura desta garantia os: […] m) Danos decorrentes da inobservância de
medidas de higiene, profilácticas, e terapêuticas recomendáveis em caso de doenças
infectocontagiosas ou parasitárias».
80. Na cláusula 6.ª do «Contrato de Seguro do Ramo X1...», consta «2. Nos casos de
Seguro obrigatório, compete ao Segurador, em caso de reclamação de terceiros,
responder integralmente pela indemnização devida, sem prejuízo do direito a ser
reembolsado pelo Segurado do valor da franquia convencionado.».
81. Na cláusula 15.ª das condições gerais daquele documento, foi estipulado que «a
responsabilidade do Segurador é sempre limitada, seja qual for o número de lesados
por um sinistro, à importância máxima fixada nas condições particulares da apólice,

http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/08c8eff1b5233a9680258956003e8e0f?OpenDocument Página 15 de 51
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que não será inferior ao valor mínimo que, em cada caso, a lei exija no âmbito dos
seguros obrigatórios, seja qual for o número de pessoas lesadas por um sinistro. São
ainda limites de indemnização:
a. Por sinistro: o limite de indemnização por sinistro previsto no contrato representa o
montante máximo pelo qual o Segurador responde no âmbito de todas as
indemnizações, exigidas ao Segurado;
b. Por anuidade: o limite de indemnização anual previsto no contrato representa o
montante total que o Segurador, dentro do âmbito referido em a), despenderá durante
um ano de seguro, qualquer que seja o número de sinistros.

Salvo convenção em contrário:


a) quanto a indemnização atribuída aos lesados for igual ou exceder o capital seguro, o
Segurador não responderá pelas despesas judiciais;
b) se for inferior, o Segurador responderá pela indemnização e pelas mesmas
despesas até ao limite do capital seguro;
c) o Segurado obriga-se a reembolsar o Segurador pelas despesas judiciais por esta
despendidas, desde que, juntamente com a indemnização atribuída excedam a
importância máxima fixada nas condições particulares.

O segurador responde por honorários de advogados e solicitadores que tenham sido


por ele escolhidos.».
82. Na cláusula 26.ª das condições gerais daquele documento, consta o seguinte: «o
Segurador que tiver pago a indemnização fica sub-rogado, na medida do montante
pago, nos direitos do Segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro, obrigando-
se o Segurado a praticar tudo o que seja legalmente necessário para assegurar a
efectivação de tal direito.».
83. Na cláusula 1.ª da condição especial 1 daquele documento, consta que «para
efeitos do presente contrato, entende-se por: […]

2) Animal potencialmente perigoso: qualquer animal que, devido às características da


espécie, comportamento agressivo, tamanho ou potência de mandíbula, possa causar
lesão ou morte a pessoas ou outros animais, nomeadamente as seguintes raças: […]
IV. Rotweiller».
84. Na cláusula 3.ª da condição especial 2 daquele documento, consta que
«EXCLUSÕES - 1. Para além das exclusões previstas nas Condições Gerais, fica
excluída do presente contrato a indemnização decorrente de: […] c) Danos ocorridos
quando os animais se encontrem à guarda ou sob o domínio de Terceiros;».
85. Na cláusula 29.ª do documento identificado em 76, sob a epígrafe «Direito de
regresso do Segurador» consta «1. Satisfeita a indemnização, o Segurador tem direito
de regresso, relativamente à quantia despendida, contra o Tomador do Seguro ou o
Segurado, por:

a) Actos ou omissões dolosas respectivas, ou de pessoas por quem o Tomador do


Seguro ou o Segurado seja civilmente responsável;
b) Quando seja causa do sinistro, infracção deliberada por parte do Tomador do
Seguro ou do Segurado, ou de pessoas por quem qualquer destes seja civilmente
responsável, ao regime legal em vigor aplicável à detenção de animais perigosos,
potencialmente perigosos e animais de companhia;».
86. Os cães reagem mais facilmente aos comandos de quem deles habitualmente trata
do que de outras pessoas.
87. O arguido tinha pleno conhecimento que o seu comportamento agressivo e
provocatório iria fazer aumentar, em muito, o nível de agressividade e perigosidade do
canídeo “...”.

Dos danos patrimoniais


88. Em consequência dos factos que precedem, foram suportados os seguintes custos,
no total de € 483,25:
a. € 85,91 com o episódio de urgência n.º ... de 25/04/2017 referente à demandante
BB.
b. diversas as quantias com atividades de lazer para o período de férias de agosto de
2017, para a demandante BB, das quais esta não pôde usufruir em virtude dos factos

http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/08c8eff1b5233a9680258956003e8e0f?OpenDocument Página 16 de 51
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precedentes, concretamente:
i. € 342,34, para Inglês e praia.
ii. € 55,00 para frequência da creche.
89. Em consequência dos factos descritos em 1 a 23, a assistente CC despendeu a
quantia de € 195,47, para pagamento do seguinte:
a. € 50,81 com medicação para si;
b. € 6,75 com medicação para a sua filha BB;
c. pelo menos a quantia de € 20,00, com combustível para deslocações para visitar a
sua filha BB no período de internamento
d. € 85,91 com o episódio de urgência n.º ..., na Unidade Local de Saúde, EPE;
e. € 32,00 com uma ida à urgência em 25/04/2017 e 2 consultas externas, uma em
28/04/2017 e outra em 05/05/2017, junto do Centro Hospitalar ..., E.P.E.;
90. Em consequência dos factos descritos em 1 a 23, o assistente EE despendeu a
quantia global de € 198,30, de acordo com a discriminação seguinte:
a. € 19,00 com o episódio de urgência n.º ... e com o exame ao punho «2 incidências»;
b. € 30,00, € 20,00, € 31,00, € 30,00, € 31,00 com combustível;
c. € 37,30 com estacionamento,

combustível e estacionamento esses no âmbito de deslocações para visitas e


acompanhamento da sua filha durante o seu internamento.
91. Em consequência das lesões descritas, e da consequente afetação da capacidade
de trabalho, a assistente CC viu o seu rendimento salarial afetado, sendo que o seu
vencimento base, à data dos factos era de € 844,00 (quatrocentos e quarenta e quatro
euros).
92. As lesões sofridas pelo Assistente EE e consequente afetação da capacidade de
trabalho geral e profissional levaram a uma redução do seu rendimento salarial, sendo
que o seu vencimento-base à data dos factos era de € 1.550,00 (mil quinhentos e
cinquenta euros).

Dos danos não patrimoniais


93. A assistente CC sofreu um quantum doloris de 5 numa escala de 7, apreciado com
valoração do sofrimento psíquico e físico e um dano estético de grau 3 em 7.
94. A demandante BB sofreu um quantum doloris de 6 numa escala de 7, apreciado
com valoração do sofrimento psíquico e físico e um dano estético permanente de grau
3 em 7.
95. A demandante BB sofre de um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-
Psíquica fixável em 8 pontos.
96. A data da consolidação médico-legal das lesões da demandante BB é fixável em
08/03/2021, sendo:
a) o período de Défice Funcional Temporário Total de 542 dias;
b) o período de Défice Funcional Temporário Parcial de 872 dias
c) o período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 542 dias.
d) o período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial de 872 dias.
97. As lesões sofridas pela ofendida BB demandaram uma afetação da capacidade de
trabalho geral de 493 dias (de 25/04/2017 até 31/08/2018).
98. A ofendida BB sofre de otite média crónica no ouvido direito, com perda auditiva
moderada (de cerca de 40 a 50%).
99. A ofendida sofreu uma perfuração do tímpano e alterações inflamatórias do ouvido
direito.
100. A ofendida BB fez uma cirurgia de revisão de timpanoplastia, com rejeição do
enxerto, o que levou ao respetivo insucesso.
101. Não é conhecido o grau de comprometimento da atividade profissional da
demandante BB, estando prevista a necessidade de tratamentos médicos regulares e
ajudas técnicas, sendo que ainda tem de ser submetida a, pelo menos, uma nova
intervenção cirúrgica, com o intuito de corrigir a perfuração da membrana do tímpano,
a descontinuidade da cadeia ossicular e a hipoacusia.
102. Sendo bem-sucedida, poderá levar a uma recuperação total, sem que, contudo,
haja perceção da taxa de probabilidade de isso acontecer.
103. A cirurgia prevista para a ofendida poderá ser realizada a partir dos 10 anos,
importa anestesia geral, e, não sendo particularmente dolorosa, será fonte de stress e
importará um absentismo escolar de uma semana e consultas de acompanhamento

http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/08c8eff1b5233a9680258956003e8e0f?OpenDocument Página 17 de 51
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regulares.

Mais se provou que:


104. O arguido não chamou o INEM após os factos, mas reconhece que devia tê-lo
feito.
105. O arguido acompanhou a evolução do estado de saúde da ofendida BB através
da comunicação social e isso incomodou-o.
106. Nas imediações da Igreja ..., em Matosinhos, existe um infantário e um atelier de
tempos livres é habitual haver crianças, o que é e era do conhecimento do arguido.

Das condições económico-financeiras e pessoais do arguido:


107. AA é filho de um operário da construção civil e de uma auxiliar operacional num
lar de idosos, e tem dois irmãos.
108. O pai do arguido faleceu quando este tinha 16 anos.
109. O arguido cresceu num contexto familiar, coeso, propiciador das condições
educativas favoráveis a um crescimento equilibrado.
110. O arguido concluiu, aos dezanove anos, na escola profissional ..., de Matosinhos,
um curso profissional de técnico de multimédia, com a duração de três anos, que lhe
permitiu a equivalência ao 12º ano de escolaridade.
111. Enquanto frequentava o curso profissional, trabalhou como empregado de limpeza
na empresa siderúrgica nacional da ..., passando posteriormente a desenvolver
atividade como operador de máquinas na empresa onde se encontra presentemente,
desde há cerca de 10 anos.
112. Após relacionamento de namoro que perdurou durante cerca de nove anos, e
desde há cerca de 4 anos, o arguido passou a viver com a atual companheira, com
quem tem uma filha.
113. O arguido pratica atividades desportivas, designadamente ciclismo (BTT
Downhill).
114. À data dos factos, o arguido já namorava com FF, mas vivia com a mãe e os dois
irmãos.
115. Atualmente, o arguido vive com a companheira, de vinte e cinco anos, e com a
filha, de dois anos, num relacionamento classificado pelos próprios como estável e
solidário.
116. Residem num apartamento com usufruto disponibilizado graciosamente pela
proprietária, mãe da companheira, tipologia T2, com adequadas condições de conforto
e habitabilidade, situado em zona residência de ..., sem indicadores de problemática
social disfuncional.
117. O arguido vem desenvolvendo atividade profissional, com contrato de trabalho
efetivo, como operador de máquinas estabelecido com a empresa, S..., S.A., em ...,
auferindo cerca de € 800,00 líquidos por mês, sendo que recentemente foi instaurado
um processo especial de revitalização contra a empresa, desconhecendo o desfecho
do mesmo e auferindo uma quantia inferior àquela, por já não trabalhar aos sábados.
118. A sua companheira trabalha numa loja num centro comercial, auferindo cerca de €
800,00 mensais.
119. O arguido e a sua companheira pagam € 300,00 mensais pelo infantário
120. Nos tempos livres AA costuma passar o tempo preferencialmente em contexto
familiar com os coabitantes ou familiares de origem, rareando o convívio com amigos
ou saídas e encontros sociais.
121. Os familiares próximos do arguido, embora desconfortáveis com os factos e
presente processo judicial, apoiam-no.
122. O arguido tem atualmente um cão de porte pequeno, não equaciona ter um cão
de raça perigosa num futuro próximo, mas não afasta essa possibilidade daqui a algum
tempo.
123. O arguido já foi condenado pela prática, em 19/04/2014, de um crime de ameaça
agravada, por decisão, proferida no âmbito do processo n.º 526/14.9PBMTS, datada
de 18/03/2015, e transitada em julgado em 18/03/2015, numa pena de 60 dias de
multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), substituída por uma admoestação.
124. O arguido consentiu na prestação de trabalho a favor da comunidade.
*
b. Factos não provados

http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/08c8eff1b5233a9680258956003e8e0f?OpenDocument Página 18 de 51
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Foi considerado não provado, com relevo para a decisão da causa, que:
a) O cão encontrava-se desprovido de qualquer mecanismo de segurança,
designadamente coleira.
b) O canídeo estava enraivecido.
c) O arguido nada fez para que cessassem os ataques do canídeo.
d) O ofendido EE acabou por ser mordido no punho esquerdo, concretamente na face
cubital dorsal do punho esquerdo.
e) O arguido apressou-se a pegar no canídeo e colocar-se em fuga do local.
f) O arguido levou o canídeo para o deixar escondido na marquise.
g) O arguido trocou de roupa de forma a evitar ser identificado.
h) O sangue foi deixado na camisola do arguido pelo canídeo quando o agarrou para
conduzir para a sua habitação
i) Em resultado dos factos, o ofendido EE padeceu de escoriação na região mandibular
esquerda, de lesão de mordedura na face cubital dorsal do punho esquerdo.
j) As cicatrizes causadas ao ofendido DD, pese embora não sejam desfigurantes, são
permanentes.
k) Os ataques e as lesões teriam ocorrido, mesmo que o cão trouxesse açaimo e
viesse preso na trela.
l) O canídeo, por não ser esterilizado, encontrava-se especialmente tempestuoso,
imprevisível e mais facilmente violento.
m) A esterilização do canídeo é uma medida profilática que tem por objetivo reduzir a
agressividade do canídeo.
n) Tal falta de esterilização potenciou a agressividade e perigosidade do canídeo “...”,
tendo contribuído, de forma decisiva, para a verificação do ataque.
o) O arguido sabia que era proibida a presença de cães devidamente esterilizados na
via pública.

Dos pedidos de indemnização cível


p) O arguido nada fez para cessar o ataque.
q) O assistente EE foi mordido pelo canídeo.
r) A demandante BB terá de ser submetida a várias cirurgias plásticas que acarretam
internamentos, tratamentos e exames que a deixaram ainda mais ansiosa, insegura e
psicologicamente exausta.
s) A demandante continua a necessitar de lenços para encobrir as lesões do crânio.
t) Os assistentes tiveram, além dos supra indicados, ainda, os seguintes custos na
sequência dos factos que antecedem: relativamente à demandante BB, a quantia de €
4,25; a assistente CC, a quantia de € 36,24, e o assistente EE, o montante de € 14,70.
Da contestação da X..., Compañia de Seguros y Reaseguros S.A. – Sucursal em
Portugal:
u) O arguido, depois do ataque, ausentou-se do local com o canídeo, no intuito de não
ser identificado, tal era a consciência do seu comportamento e conduta.
*
Consigna-se que, na matéria de facto provada e não provada, não se incluíram factos
irrelevantes para a causa, matéria conclusiva ou de Direito.
*
c. Convicção sobre a matéria de facto

A convicção do Tribunal estribou-se na abundante prova documental existente nos


autos, e da concatenação desta com as declarações do arguido, dos assistentes e da
maioria das testemunhas, apenas não tendo assumido especial relevo a testemunha
HH, chefe de equipa de sinistros patrimoniais da demandada cível X..., Compañia de
Seguros y Reaseguros S.A. – Sucursal em Portugal. Isto apenas porque esta
testemunha não tinha conhecimento direto dos factos, tendo-se limitado a confirmar o
teor da apólice de seguros, que se encontra junta aos autos.
Todos os mencionados elementos de prova foram apreciados à luz das regras da
experiência, e com especial acuidade atentas as particularidades dos presentes autos.
Antes do mais, importa consignar que os factos já se passaram há mais de 4 anos (à
data do início do julgamento), o que torna o processo anamnésico de todos os
intervenientes menos natural do que quando são ouvidos pouco tempo após os factos.
Ademais, os presentes autos têm como objeto crimes negligentes, os quais, por
natureza, trazem consigo uma carga emocional muito forte – mormente quando, como

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in casu, está em causa integridade física de uma criança –, o que, inevitavelmente,


acaba por contaminar (pelo menos de forma residual ou marginal) os relatos de quem
viveu os factos. E aqui referimo-nos a todos os intervenientes/elementos de prova,
embora o possam estar em diferentes graus de intensidade.
Dito isto, desde já se adianta que, malgrado tenham existido divergências entre os
diversos relatos feitos nos autos, é firme convicção do Tribunal que qualquer das
testemunhas, assistentes e arguido falou a verdade – rectius: a sua verdade –, tendo-
se encontrado a verdade material nos pontos de convergência de todas aquelas
verdades individuais, mormente quando porque corroboradas por outros elementos de
prova, objetivos, nos termos que infra se pormenorizarão.
Vale isto por dizer que o Tribunal procurou ver além das (pequenas e praticamente
inócuas) incongruências existentes entre aqueles meios de prova e, feita a devida
catarse, conseguiu encontrar os pontos de cada narração que estariam enfermos por
viés cognitivos, encontrando, enfim, a verdade dos factos.
Vejamos.
*
O arguido prestou declarações e fê-lo de forma genuína e espontânea. Estava
consciente da sua responsabilidade na causação dos factos (embora não se reveja
como único responsável, nem evidencie consciência da censurabilidade dos seus atos,
em especial da não colocação do açaime ao cão) e reconheceu a cadência dos
acontecimentos até ao primeiro ataque do canídeo, apenas não assumindo a segunda
parte dos mesmos, pelo que, até aí, inexiste propriamente matéria controvertida.
Confirmou grande parte dos factos vertidos na acusação, tendo assumido especial
importância os factos referentes aos cuidados que deveria ter tido e não teve (em
termos do uso de dispositivos de segurança no canídeo), e da sua consciência da
obrigatoriedade legal de uso dos mesmos, estes, elementos do foro íntimo do arguido
e que apenas seriam percecionáveis mediante o reconhecimento pelo próprio e/ou a
respetiva apreciação a partir dos factos objetivos e à luz das regras da experiência
comum. O arguido sabia, pois, que devia ter adotado um comportamento distinto,
concretamente a colocação de dispositivos de segurança (embora não evidenciasse
saber o quão grave tal omissão é).
Descreveu os factos com bastante clareza e transparência, merecendo, por
conseguinte, o crédito do Tribunal na generalidade do seu conteúdo (exceção feita à
segunda parte do ataque e ao pormenor da tentativa de retirar o telemóvel ao
assistente, conforme infra se explanará, e quanto ao pedido de desculpas que afirmou
ter apresentado aos assistentes, pois isso não foi confirmado por nenhum deles, tendo
antes sido perentoriamente negado).
*
Igualmente credíveis foram as declarações de ambos os assistentes e do
ofendido/testemunha DD, cujas declarações e depoimento (respetivamente) foram,
grosso modo, coerentes em si mesmos e convergentes entre si.
Sucede, porém, que a versão do arguido não coincide em absoluto com a versão dos
assistentes, nem com a versão da testemunha DD. Tal fator demandou ao Tribunal um
esforço redobrado de saneamento, já que, como supra se referiu, todos eles foram
credíveis.
Cumpre, pois, explanar como foi feita semelhante triagem e em que se baseou o
Tribunal para a fazer.
*
Em primeiro lugar, a assistente CC prestou declarações muito enxutas, e fê-lo de uma
forma tranquila, genuína e límpida, mantendo uma postura corporal e um tom de voz
condizentes com as suas palavras, e procurando de forma evidente manter a
objetividade, malgrado a natural revolta que os factos lhe causam.
Referiu que sente impunidade em relação aos factos, e que a sua vida ficou «de
pernas para o ar», o que poderia ter obstaculizado a isenção da sua narração.
Contudo, tal não aconteceu de todo, já que a assistente se manteve calma, coerente e
muito clara, tendo atestado, com firmeza e de forma circunstanciada, os factos que
percecionou de modo direto e que coincidiram com os demais meios de prova supra
referidos e, ainda, com as perícias médico-legais.
Apenas assim não foi quanto à sua perceção do que o arguido (não) terá feito para
inverter o(s) ataque(s) do canídeo, quanto ao uso, pelo canídeo, de dispositivos de
segurança, e quanto à eventual existência de uma pessoa «careca» (a propósito da

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confrontação com as suas declarações de fls. 117), o que, apesar de tudo, é


compreensível e não contamina o remanescente das suas declarações.
Relativamente à postura do arguido, crê-se que o relato da assistente se relaciona com
a insuficiência da mesma, aos seus olhos, e à luz das consequências da sua conduta,
pois, perante estas, as palmadas e os comandos de voz que deu são muito
insuficientes para fazer cessar o ataque. Isso e nada, aos olhos de uma mãe nesta
situação, são praticamente sinónimos, pelo que se desvalorizou tais afirmações, que,
em rigor, se entendeu tratar-se de assunções/presunções e não propriamente de
relatos fácticos fidedignos. Na verdade, a assistente CC estruturou o seu discurso,
nessa parte usando, inclusivamente, o condicional, ao referir que «se a pessoa tivesse
segurado o animal, este não vinha num segundo ataque».
Daqui pôde o Tribunal retirar não uma afirmação convicta, de perceção direta e segura,
mas sim uma construção da própria, com base na imagem global dos factos, o que
ocasionou que, nessa parte, as suas declarações fossem desconsideradas, na medida
em que divergem das declarações do arguido e da testemunha DD, nesta parcela mais
sustentados e com maior objetividade.
No que tange aos dispositivos de segurança, não houve convergência entre as
diversas declarações e depoimentos prestados, o que bem demonstra a dificuldade de
todos, incluindo do arguido no processo anamnésico, nessa matéria.
Já no que concerne à supramencionada confrontação com as suas declarações de fls.
117, a mesma não teve impacto na convicção do Tribunal, por irrelevante, e porque
nem sequer arredou a credibilidade ou a coerência das declarações da assistente.
Com efeito, volvidos que estão quatro anos e meio desde os factos, parece-nos
absolutamente razoável que a assistente já não se recorde de uma outra pessoa
eventualmente presente e que se tenha focado – nas suas declarações e mesmo na
sua memória – nos intervenientes e nos elementos que efetivamente importam e que
intervieram nos factos. Trata-se de uma amnese que não conseguiu reverter,
certamente em virtude das emoções que envolve.
Note-se que o evento foi profundamente stressante e continha um potencial altamente
traumatizante – como se descortina a partir do senso comum, mas também das
inúmeras perícias patentes nos autos –, principalmente para os assistentes, já que se
trata de um ataque de canídeo à respetiva filha de quatro anos, que os mesmos não
conseguiram evitar e por pouco não conseguiam travar.
Pelo que, depuradas as suas declarações daqueles três aspetos, a versão da
assistente colheu. Para tanto, a sua objetividade foi determinante, tendo-lhe conferido
perfeita credibilidade, já que a assistente se ateve à pura narração fáctica, sem
procurar empolar os pormenores ou as consequências, chegando mesmo a diluir a
gravidade que algumas delas, conforme vertidas noutros elementos de prova,
assumem. Referimo-nos, designadamente, à gravidade dos seus próprios ferimentos e
ao espaçamento dos pesadelos da ofendida BB, pese embora as perícias forenses
sejam mais exacerbadas nessas matérias.
*
Por seu turno, o assistente EE também contribuiu de forma absolutamente credível e
escorreita para a convicção do Tribunal. Evidencia uma tristeza profunda com os
factos, a qual, contudo, não toldou o seu raciocínio, nem prejudicou o seu processo
anamnésico, que percorreu de uma forma perfeitamente coerente e mantendo a
cadência dos acontecimentos, não se abstendo de reconhecer que não deveria ter
tirado a fotografia, nem tido o «bate-boca» com o arguido, o que lhe conferiu ainda
maior credibilidade.
Porém, o Tribunal também não colheu, das suas declarações, qualquer contributo
atinente à reação do arguido, pois que, também o assistente, afirmou que o arguido
não se lhe dirigiu para o parar, o que foi contrariado pelo depoimento de DD pelas
declarações do arguido e por GG.
É, contudo, firme convicção do Tribunal que o assistente assim percecionou pois, aos
seus olhos, o que o arguido terá feito é manifestamente insuficiente para fazer cessar o
ataque – como foi. Tal-qual como sucedeu com a assistente. Acresce que o Tribunal
está absolutamente convicto de que o assistente EE, ao afirmar que o arguido nada fez
para impedir ou travar os ataques, não está a mentir, antes sim a atestar uma
convicção com que ficou, que, contudo, não corresponde à verdade material.
E conclui-se assim – tal como se concluiu supra quanto à assistente – por força do
choque que o assistente sofreu com os factos, e da distância temporal dos mesmos.

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O mesmo se dirá quanto à sua afirmação de ausência de dispositivo de segurança no


canídeo.
Em face do que foram as suas declarações depuradas nessas partes, tendo sido
acreditadas, no mais, em virtude da já mencionada genuinidade do seu contributo e da
convergência com outros meios de prova.
*
Por seu turno, a testemunha DD, também ofendido nos autos (mas que aqui não figura
como assistente, nem como demandante cível), evidenciou-se igualmente
determinante para a convicção do Tribunal, já que narrou os factos com linguagem
muito clara e com uma narrativa muito lógica, tendo sido seguro, suficientemente
circunstanciado, credível, isento e espontâneo.
A testemunha/ofendido foi muito descritiva, escorreita e assertiva, tendo merecido o
profundo crédito do Tribunal. Note-se que, de todos os intervenientes que se vem de
descrever, será o menos interessado no desfecho dos autos – já que não é arguido,
nem é demandante cível ou assistente – e foi o único que, das testemunhas, vivenciou
in loco os factos.
Ademais, a sua linguagem corporal e os seus trejeitos corroboraram em absoluto a
narração que fez dos factos. Embora também ele tenha sofrido com o acontecimento, e
tenha revelado emoção na sua narração, tais circunstâncias não contaminaram, de
forma alguma, o seu depoimento e muito menos o fizeram com a sua credibilidade.
De resto, a testemunha contribuiu de forma determinante para que o Tribunal pudesse
compreender qual foi a reação do arguido perante os ataques do canídeo,
concretamente que este se lhe dirigiu, dizendo-lhe que parasse e tocando-lhe no
corpo.
Foi, ainda, essencial para que se pudesse compreender como a ofendida/demandante
BB foi separada do cão, uma, e outra, vezes.
Na verdade, por tudo isso, esta testemunha foi pedra angular na formação da
convicção do Tribunal.
A única fragilidade deste depoimento – que, ainda assim, não assumiu impacto que
colocasse em crise a sua credibilidade – foi a afirmação de que o cão viria com uma
coleira, o que foi arredado, em face das declarações do arguido e da dúvida insanável
em que o Tribunal incorreu perante as divergências dos diversos depoimentos e ainda
o fotograma de fls. 16, tirado ao canídeo após os ataques, onde este dispunha de um
colete/arnês.
Note-se que a fotografia foi tirada no dia dos factos, após os mesmos, mas já em casa
da namorada do arguido, podendo o cão ter sido munido com aquele dispositivo
entretanto, ou tê-lo desde os factos. Não saberemos, mas também não sabemos se foi
como afirmou DD.
Independentemente deste pormenor, no que concerne à testemunha DD, foi, de facto,
o único ofendido que reconheceu o uso de um dispositivo de segurança, e que o cão
foi retirado do local pela trela, convergindo, assim, com o arguido. Uma vez mais, em
face do tempo transcorrido, e do choque dos factos, entende-se como natural o
enviesamento do seu depoimento quanto àqueloutro pormenor.
*
Por fim, a testemunha GG, embora aparentemente tranquila e isenta – já que não
conhece os envolvidos, nem foi vítima dos factos –, não foi segura no seu depoimento,
principalmente quando negou a segunda parte do ataque.
Na verdade, a testemunha apenas presenciou parte do ataque e nega que a
testemunha/ofendido DD tenha sido mordida, o que resulta demonstrado por outros
elementos de prova subjetivos (o depoimento do próprio e as declarações da
assistente CC) e objetivos (fls. 282 e 282 verso, de fls. 297 a 299, e perícias de fls. 269
a 271, de fls. 315 e seguintes).
Acresce que a testemunha afirmou com segurança que não estaria um terceiro
elemento nesse momento no local (ou seja, que a testemunha DD ali estivesse), o que
contraria, também, os demais meios de prova, incluindo o arguido, assim evidenciando
que a sua perceção atual não terá sido bem consolidada.
Crê o Tribunal que a testemunha pode ter confundido as pessoas presentes, ou poderá
ter uma perceção incorreta por estar à distância (de 10 a 15 metros) e num plano
elevado, que, muito embora permita uma visualização mais abrangente (por ser «de
cima»), pode ter sido perturbada pelos arbustos/arvoredo presentes no local – o que a
própria concebe. Também pode estar inquinado pela interrupção da visualização dos

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factos, entre o momento em que foi à janela e o momento em que desceu as escadas
e chegou à rua.
Acresce que, em face das divergências que esta testemunha veio trazer relativamente
aos depoimentos e declarações que a precederam (supra), foi realizada uma
acareação entre esta, o assistente EE e a testemunha DD, no âmbito da qual, embora
mantendo todos a versão que haviam trazido a juízo, se tornou evidente que a
testemunha GG admite a possibilidade de a sua perceção não corresponder
exatamente ao que sucedeu.
Isto, concatenado com os elementos objetivos já elencados, conduziu o Tribunal a
desconsiderar o seu relato quanto à parte do segundo ataque do canídeo e, em rigor,
quanto à forma como o arguido retirou o canídeo do local e quanto ao facto de o ter
agarrado ou não.
*
Em jeito de conclusão, acrescenta-se que, como é do senso comum, não é raro que,
perante situações traumáticas, as vítimas, ou as testemunhas, se foquem num
pormenor do agressor ou dos factos, e obnubilem ou aniquilem, da sua memória, os
demais pormenores ou fatores, ficando convictos da sua inexistência ou de uma
realidade distinta. Mas tal não significa que as mesmas estejam a (e muito menos que
queiram) mentir.
Crê-se que foi o que aconteceu com os assistentes quanto à atitude do arguido para
fazer cessar os ataques, e que pode ter acontecido com a testemunha DD quanto ao
uso de dispositivo de segurança, quando afirmou, de forma até veemente, que o
canídeo dispunha de uma coleira, que poderia ter ou não. No que concerne a esta
testemunha, a mesma focou-se no olhar do canídeo, tendo inclusive referido no seu
relato que este fixou o olhar em si, pormenor que – crê-se – modelou a sua memória,
podendo ter prejudicado o rigor do seu depoimento acerca dos dispositivos de
segurança, mas sem que tal tenha toldado a sua perceção quanto à cadência de factos
ou quanto aos outros pormenores.
Naquele detalhe, incorreu o Tribunal numa dúvida insanável, sobre se o cão traria um
colete – conforme afirmou o arguido e consta do fotograma de fls. 16 (foto, contudo,
tirada após os factos, desconhecendo-se quanto tempo após, mas sabendo-se que foi
algum tempo) –, coleira (como indicou a testemunha DD), ou se não traria nenhum
deles, conforme atestaram de forma veemente os assistentes.
O que é um facto é que quer o arguido, quer a testemunha DD asseguraram (apenas
contrariados objetivamente pela testemunha GG) que aquele arrastou o cão até casa
com uma trela, pelo que esta haveria de estar presa a um daqueles dispositivos.
No entanto, e no que tange concretamente ao dispositivo de segurança ao qual a trela
poderia ter sido presa, não logrou o Tribunal concluir o que quer que fosse, atenta a
disparidade supra descrita.
Ora, perante um non liquet como o acabado de referir, não pode o julgador correr o
risco de praticar um erro judiciário, ao decidir contra o arguido sem a certeza
juridicamente exigível. Com efeito, o artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República
Portuguesa (doravante, CRP) determina, como uma das garantias elementares do
processo criminal, a presunção da inocência, a qual configura um direito fundamental e
é diretamente aplicada, ex ui o artigo 18.º, n.º 1, da CRP, decorrendo, aliás, do
princípio da dignidade humana (artigo 1.º, da CRP) e do Estado de Direito Democrático
(artigo 2.º, da CRP).
Tal garantia emana, ainda, dos artigos 11.º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, 6.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 14.º, n.º 2, do
Pacto Internacional do Direitos Civis e Políticos, 48.º, n.º 1, da Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia, e 3.º, da Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016 (Jornal Oficial da União Europeia n.º L
65/1, de 11 de março de 2016), todos diretamente aplicáveis na Ordem Jurídica
Portuguesa ex ui artigo 8.º, da CRP.
Uma das suas dimensões expressa-se no princípio in dubio, pro reo, que determina
que, em caso de dúvida racional quanto aos factos, haverá que valorar a prova a favor
do arguido. A dúvida razoável existirá quando não for possível, no momento da decisão
final, afastar a dúvida inicial típica do processo penal e asseverar, com a certeza
juridicamente aceitável, em determinado sentido.
A dúvida plantada no Tribunal quanto ao não uso de qualquer dispositivo de segurança
não é, de todo, ultrapassável, motivo pelo qual não se deu isso como demonstrado,

http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/08c8eff1b5233a9680258956003e8e0f?OpenDocument Página 23 de 51
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apenas se tendo dado como provado que este não trazia trela ou açaime no início e no
decorrer dos ataques, o que foi confirmado por todos, incluindo pelo arguido. Ademais,
tal facto é compatível com os demais elementos objetivos de prova nos autos.
*
No que concerne ao segundo ataque e ao arrastamento da ofendida BB, a versão do
arguido – que os nega – não prevaleceu, pois (crê-se) o arguido nem sequer se terá
apercebido da concreta dinâmica dessas partes do incidente.
Com efeito, os ataques do canídeo decorreram na sequência de um, e, em rigor,
durante um, desentendimento entre o assistente EE e o arguido, o que distribuiu a
atenção deste entre as duas circunstâncias. O arguido estaria preocupado com a
fotografia que o assistente lhe terá tirado, e tentou chegar ao respetivo telemóvel já
depois do primeiro ataque, tendo canalizado a sua atenção para tanto, não tendo, por
isso, assimilado a segunda parte dos factos. É esta a firme convicção do Tribunal.
Embora o arguido negue ter tentado tirar o telemóvel ao assistente, tal foi confirmado
por este último de forma credível e lógica, e é o mais compatível com a dinâmica dos
acontecimentos, nomeadamente com o largar inadvertido do cão, pelo assistente, após
ter finalmente conseguido segurá-lo.
Acresce que, da concatenação das declarações dos assistentes com o depoimento da
testemunha DD, extrai-se com segurança a existência do segundo ataque, até porque
tal converge (rectius: é a única versão que converge) com as fotografias de fls. 15 –
onde se visualiza o sangue na parede da esquina onde este sucedeu (tal como
explicaram a assistente CC e as testemunhas DD e GG) – e com as lesões sofridas
pela assistente e pelo ofendido DD, que os próprios atestaram, e que estão
documentadas a fls. 222 a 224, 229, 246 a 250, 312, 329 a 330 (quanto à assistente) e
a fls. 282 e 282 verso, de fls. 297 a 299, e nas perícias de fls. 269 a 271, de fls. 315 e
seguintes (quanto ao ofendido DD), assim conferindo lógica à sua verificação.
Na verdade, se não tivesse havido a segunda parte do ataque conforme relatada,
nenhuma explicação haveria para as lesões que a assistente e a testemunha/ofendido
DD sofreram na mesma data, hora e local e com a mesma origem (mordedura de cão).
**
Já no que tange às consequências dos ataques, foram essenciais os esclarecimentos
de II, médica especialista em otorrinolaringologia, perita subscritora do relatório pericial
de fls. 515 a 519, e os depoimentos das testemunhas JJ, psicóloga e terapeuta do
assistente EE.
Com efeito, II esclareceu o Tribunal, de forma perfeitamente circunstanciada, e
sustentada em conhecimento clínico e direto do estado clínico da ofendida BB, tendo
sido absolutamente isenta e desinteressada. Atestou, com segurança e clareza, por
referência a 24/10/2020, as consequências dos factos ao nível da audição da ofendida
BB, bem assim como os procedimentos que a esperam para eventualmente a
recuperar em pleno.
Tudo também perfeita e amplamente descrito em todos os elementos clínicos dos
autos referentes à ofendida BB e muito especialmente nas perícias do INML.
*
JJ prestou um depoimento de forma isenta, credível, profissional e sustentada, embora
referenciada à fase anterior ao início da pandemia, pois desde então que não tem
acompanhado o assistente (em virtude de encerramento temporário da clínica onde o
fazia), reconhecendo contudo a necessidade de continuar o acompanhamento.
Explicou a profundidade do choque e do trauma sofrido pelo assistente EE, que, sendo
embora próximo de um stress pós-traumático, não poderá ser assim diagnosticado,
para já, com segurança, o que levou o Tribunal a afastar a prova desse facto, apenas
se tendo dado como provada a existência de ansiedade pós-trauma, na sequência do
que esta assegurou.
Mais atestou o sofrimento que o assistente EE tem tido, bem assim como a
necessidade de medicação.
*
As condições socioeconómicas do arguido resultaram do relatório social com a ref.
citius 30566368 e do seu contributo, que atualizou as informações dali constantes, e os
antecedentes criminais, do teor do respetivo certificado de registo criminal, com a ref.
citius 31986453.
*
Assim:

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Resultaram das declarações do arguido os seguintes factos: 1 a 6, 8 a 13, 14 (este,


indiretamente), 16, 22 (este, apenas quanto ao que fez e não quanto ao que não fez) a
28, 63 a 72, 74, 75, 86, 104 a 106, 114 (primeira parte), 122 e 124. Note-se que,
quanto ao facto n.º 9, a parte «sem manietar» apenas resulta indiretamente das suas
declarações, e, no que tange ao facto provado n.º 12, o arguido apenas não atestou a
parte referente ao arrastar a ofendida BB.
O facto provado n.º 1 é, ainda, fruto das declarações dos assistentes e da testemunha
DD, do auto de notícia por detenção de fls. 5 e seguintes, da certidão de fls. 356, do
contendo boletim sanitário para cães n.º ..., do Município ... (a fls. 2 a 4) e do sistema
de identificação e recuperação animal de fls. 356 (a fls. 21).
O facto provado n.º 2 espelha, também, a certidão de fls. 356, contendo boletim
sanitário para cães n.º 4210, do Município ... (a fls. 2 daquela certidão).
O facto provado n.º 3 verte, igualmente a certidão de fls. 356, contendo guia de receita
referente à licença n.º 526 do canídeo, a fls. 20 daquela, onde consta que não está
esterilizado.
Os factos provados n.º 4, 5, 6, 7, 12, 14, 15, 16, 18 (sendo que, aqui, o contributo do
assistente EE se resumiu à deslocação do canídeo e ao novo ataque, e o da
testemunha DD ao novo ataque e à sua descrição) resultam da concatenação das
declarações do arguido com as de ambos os assistentes e com o depoimento de DD.
Concretamente quanto ao facto n.º 15, consigna-se que nele não se contemplou o que
o arguido pretendia (cf. o seu requerimento com a ref. citius 32061707), ou seja que se
logrou soltar a ofendida BB das mandíbulas do cão devido, também, à intervenção do
arguido, pois, de todos os depoimentos e declarações, não foi isso que resultou. Na
verdade, houve divergências, conforme já explanado, sobre a perceção de cada um
acerca da intervenção do arguido para a soltar, mas de nenhum dos elementos de
prova se extrai que o resultado foi atingido também pela intervenção do arguido. Pelo
contrário. A testemunha DD até afirmou – convencendo plenamente o Tribunal – que
as pancadas eram «quase festinhas» e a testemunha GG, embora atestando que o
arguido teve uma intervenção ativa, na verdade, nunca disse ou sequer insinuou que
essa intervenção foi determinante para lograr aquele desiderato. Acresce que, em
rigor, a testemunha apenas viu partes do ataque, referindo-se a um outro momento,
aquele em que o arguido levou o cão para outro local, momento esse refletido nos
factos provados n.º 20 e 21 e não no deste facto n.º 15. Por fim, acrescenta-se que o
seu depoimento não foi totalmente acolhido, na medida em que a sua perceção dos
factos foi infirmada, em muitos pormenores, por elementos objetivos e subjetivos.
Os factos provados n.º 6, 8, 10, 11 resultam do auto de fls. 5 a 7, sendo que o facto 8,
tal como os factos provados n.º 7, 9, 10, 11 espelham, ainda, as declarações do
assistente EE.
O facto provado n.º 12 verte as declarações do assistente EE e o depoimento da
testemunha DD. O facto n.º 13 também retrata o depoimento desta testemunha.
O facto provado n.º 14 resultou da concatenação das declarações dos assistentes,
com o depoimento da testemunha DD e com as declarações do próprio arguido, que
embora não sabendo quem era quem, reconheceu que veio a mãe da menina e
identificou a presença de mais uma pessoa do sexo masculino.
No que concerne ao facto provado n.º 17, o mesmo resultou do depoimento de DD,
que o descreveu com clareza (exceto na parte em que o cão se solta, que não viu) e
das declarações do assistente EE. Contribuiu para a prova do mesmo, ainda que de
forma indireta, o próprio arguido, pois, embora não o reconheça, referiu que o ofendido
EE agarrou o cão, mas que nesse momento ainda estava a guardar o telemóvel e a
insultá-lo, o que, concatenado com os demais elementos de prova, permitiu concluir no
sentido que vai vertido no facto.
Os factos provados n.º 19, 20 e 21 espelham as declarações da assistente CC e o
depoimento da testemunha DD. O contributo da assistente para o facto n.º 21
restringe-se à sua referência a ter visto o ofendido DD nas urgências, com feridas por
mordedura, e ao facto de este ter recebido assistência médica.
Os factos provados n.º 22 e 23 foram compostos com base, também, nas declarações
das testemunhas DD e GG. A saída do local também se extraiu das declarações do
arguido.
No que tange ao facto n.º 22, o Tribunal não deu como provado que o arguido agarrou
o cão pelo lombo – conforme pretendido pelo arguido no seu requerimento com a ref.
citius 32061707 –, porque o próprio disse em juízo que o trouxe embora pela trela e

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que nunca o levou ao colo, de maneira que a que a camisola tivesse ficado com
sangue. Disso tem o arguido a certeza.
De resto, aqui, uma vez mais a testemunha GG perdeu credibilidade, porque afirmou –
contra as declarações do arguido e da testemunha DD – que o cão foi agarrado pelo
arguido.
O facto provado n.º 24 é fruto, ainda, do auto de detenção de fls. 5 a 7 e do auto de
busca e apreensão de fls. 20.
Os factos provados n.º 26 a 28 espelham a auto de reportagem fotográfica de fls. 12 e
seguintes, o auto de busca e apreensão de fls. 20, a autorização de fls. 10 e o auto de
notícia por detenção de fls. 5 a 7.
O facto 28 resulta, ainda, do relatório de inspeção judiciária de fls. 67 e seguintes.
O facto provado n.º 29 resulta da ficha de urgência de fls. 76, exceto quanto à
intervenção cirúrgica e sua relação com os factos (nexo causal), sendo que estas
espelham as fls. 111 e 112. 124 e s. (cirurgia e nexo).
Os factos provados n.º 30 a 33 vertem fls. 111 e 124 e s., o facto provado n.º 34 fls.
169, e cálculo aritmético (quanto ao n.º de dias); o facto provado n.º 35 espelha a
perícia com a ref. citius 30372698, perícia de fls. 438 verso e seguintes, o facto 36, a
perícia de fls. 428 verso e seguintes e de fls. 447, as declarações dos assistentes e,
em geral os documentos clínicos dos autos.
O facto provado n.º 37 resulta de fls. 252 (documento emitido pelo Hospital 1...). O
facto provado n.º 38 é fruto da perícia de fls. 447, e documentos clínicos de fls. 451. O
facto provado n.º 39 perícia de fls. 447; nota de alta de fls. 470, relato cirúrgico de fls.
474.
O facto provado n.º 40 obteve-se com base nas consultas: fls. 379 e seguintes e ofício
de 389; no audiograma: prescrição de fls. 377, na folha clínica de admissão e alta, na
fls. 468 (donde consta a data correta) e na nota de alta de fls. 470.
O facto provado n.º 41 é fruto de fls. 426 (relatório médico donde se retira a
identificação da ofendida BB e a submissão a adenoidectomia, em outubro de 2018),
fls. 458 a 500, com especial destaque no relato cirúrgico de fls. 474 e no boletim de
enfermagem de fls. 475 e s., história clínica de fls. 479, ficha de internamento de fls.
480 (quanto à cirurgia de outubro de 2018), declaração de fls. 481 (atestado, onde
consta a data correta como sendo 13/10/2018 e todos os dados clínicos de fls.
seguintes, datam de 2018, logo, os mencionados tratamentos teriam de ter sido
realizados a 2018), registo de fármacos prescritos de fls. 483, fls. 484 e 484 verso. fls.
485 (folha clínica de admissão e alta), 486 (nota de alta), fls. 489 e s. (relatório do
bloco), fls. 491 (relatório geral), relato cirúrgico de fls. 492, registo de recobro de fls.
493, registo do bloco de otorrino de fls. 494, história clínica de fls. 495, ficha de
internamento de fls. 496, atestado de fls. 497, registo de fármacos de fls. 499, folha de
vigilância de fls. 500, quanto à cirurgia de 22/01/2020; Perícia de fls. 504 e seguintes e
ref. citius 30372739.
O facto provado n.º 42 é fruto da ficha de consulta externa de fls. 379 e seguintes, das
perícias de fls. 438 verso e seguintes, com a ref. citius 30372739. Os pontos a. e b. do
facto n.º 42 retiraram-se da perícia com a ref. citius 30372739, e o ponto c., além
desta, também da perícia de fls. 515 e seguintes.
O facto provado n.º 43 resulta do relatório de acompanhamento psicológico de fls. 430
verso, do relatório de fls. 428, das declarações dos assistentes, da perícia com a ref.
citius 30372739, CC, refere que inicialmente eram, sendo agora mais esporádicos.
O facto n.º 44 reflete o relatório de acompanhamento psicológico de fls. 430 verso, o
relatório de fls. 428 e as declarações da assistente.
O facto n.º 45 espelha as declarações da assistente, o relatório médico de fls. 460 e a
perícia e fls. 321 e seguintes.
O facto n.º 46 verte as declarações da assistente, concatenadas com (pois confirmam
e atualizam) a informação vertida no relatório de fls. 428.
O facto provado n.º 47 espelha o relatório de urgência fls. 248 e s., 250, as
declarações dos assistentes e o depoimento de DD, bem assim como a perícia com a
ref. citius 30372698 e respetivos esclarecimentos oferecidos pelo INML (ref. citius
31567464), donde também se extraiu os factos provados n.º 48 a 53.
Os factos provados n.º 49 e 50 (aqui, quanto ao nexo causal) refletem, também, as
declarações da assistente.
O facto provado n.º 52 obteve-se com base em fls. 312 (acompanhamento
psicológico); fls. 330 (relatório clínico); perícia com a ref. citius 30372698, donde

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decorre ansiedade pós-trauma e esclarecimentos com a ref. citius 25271257, donde


resulta claramente o diagnóstico.
O facto provado n.º 53 também espelha a perícia com a ref. citius 30372698 e os
respetivos esclarecimentos e o facto provado n.º 54 resulta de fls. 312 e 330.
O facto provado n.º 55 é fruto da concatenação da perícia com a ref. citius 30372684 e
respetivos esclarecimentos com a ref. citius 31255560 com as declarações do próprio
assistente, que refere os «arranhões» (rectius: as escoriações) no braço.
O facto provado n.º 56 obteve-se a partir de fls. 227 e 228, das declarações do
assistente EE, do depoimento da testemunha JJ e de fls. 312, donde se retira que este
foi objeto de acompanhamento psicológico. Note-se que, muito embora a fls. 225 se
refira que o assistente recorreu ao serviço de urgência após mordedura de cão, foi o
próprio quem esclareceu em juízo que a mordedura não foi a si mesmo, dúvidas não
restando de que não houve qualquer mordedura ao assistente EE.
Neste facto, importa ainda esclarecer que da perícia não se retirou a existência de
stress pós-traumático, antes sim e apenas de ansiedade pós-traumática, sendo que a
testemunha JJ afirmou que o assistente podia padecer de quadro psicológico de stress
pós trauma, mas não havia ainda esse diagnóstico, apenas existindo aqueloutro.
O facto provado n.º 57 veio da perícia com a ref. citius 30372684 e respetivos
esclarecimentos com a ref. citius 31255560, e o facto n.º 58 de fls. 332, 331 (relatório
clínico), fls. 428, e das declarações de JJ, esta no que tange ao assistente EE.
O facto provado n.º 59 emerge de fls. 282 e 282 verso, e da notificação para
administração do tratamento antirrábico na sequência do incidente, de fls. 297 a 299; e
os factos n.º 60 a 62, da perícia de fls. 269 a 271 e de fls. 315 e seguintes, bem assim
como, de forma geral, do depoimento do próprio DD.
O facto provado n.º 65, além de decorrer das declarações do arguido, extraiu-se das
dos assistente e da testemunha DD.
O facto provado n.º 66, como já se referiu supra, bem assim como o facto provado n.º
86 emergiram, em parte, das declarações do arguido, mas também de presunção
judicial, já que o cidadão médio tem noção de que os atos de exaltação e de violência
perante um canídeo espoletam, neste, reações do mesmo tipo.
O facto provado n.º 73 consta atestado de fls. 160 a 163.
Os factos provados n.º 76 a 85 obtiveram-se a partir das condições particulares de fls.
602 verso e 603 e condições gerais e especiais de fls. 603 e seguintes, juntas com a
contestação.
O facto provado n.º 88.a. emerge do documento n.º 2 do pedido de indemnização cível,
sendo decorrente das regras da experiência comum que quem vai aos serviços de
urgência, tem de pagar as competentes taxas. O facto provado n.º 88.b.i. resulta dos
documentos n.º 1 e 4 do pedido de indemnização cível, que contêm dois recibos para o
mesmo mês, com referências/n.ºs distintos, assim correspondendo a quantias distintas.
O facto provado n.º 88.b.ii. retirou-se do documento n.º 3 do pedido de indemnização
cível.
Já o facto provado n.º 89.a. é fruto dos documentos n.º 6, 7, 8, 12, 13 do pedido de
indemnização cível; o facto provado n.º 89.b., do documento n.º 10 e das declarações
da assistente CC, que atestou que os pais iam ao hospital diariamente visitar a filha; o
facto 89.c. do documento n.º 11, e o facto 89.d. do documento n.º 16 (e estes dois
últimos das regras da experiência comum), sendo todos os documentos mencionados
do pedido de indemnização cível.
O facto provado n.º 90.a. resulta do documento n.º 15, o 90.b. dos documentos n.º 17 a
20, n.º 90.c. dos documentos n.º 21 e 22, todos do pedido de indemnização cível, e
ainda das declarações da assistente.
O facto provado n.º 91 emerge do documento n.º 5 e o facto n.º 92 do documento n.º
14, ambos do pedido de indemnização cível, quanto ao vencimento base da assistente
e do assistente (respetivamente), e de presunção judicial quanto à perda de
remuneração dos dois, pois é bem sabido que que quem se ausenta do trabalho por
baixa de doença (cf. resulta dos factos provados que sucedeu com ambos os
assistentes, e vem atestado nas respetivas perícias) vê a sua remuneração reduzida.
O facto provado n.º 93 espelha a perícia com a ref. citius 30372698, os factos n.º 94 a
103, as perícias sobre a demandante BB, designadamente a com a ref. citius
30372739, as perícias de fls. 366 e seguintes, de fls. 515 e seguintes, os
esclarecimentos com a ref. citius 31567474, concatenadas com as declarações da
perita II.

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Os factos provados n.º 107 a 120 refletem o relatório social com a ref. citius 30566368,
sendo que o facto 121 verte as declarações do arguido e o facto 123 o certificado do
registo criminal com a ref. citius 31986453.
*
No que aos factos não provados respeita, o facto a) foi assim qualificado, conforme
supra se explanou, por força do princípio da presunção de inocência, pois, não
havendo uniformidade entre os depoimentos das testemunhas, as declarações dos
assistentes e as do arguido, e tendo em conta a existência do fotograma de fls. 16,
cujo contexto o Tribunal desconhece, forçoso foi não levar aos factos provados que o
cão não trouxesse qualquer dispositivo de segurança. Na verdade, certezas nessa
matéria, apenas existem as de que, antes dos, e durante os, ataques, o cão não trazia
trela nem açaime. Quanto ao mais, não pôde o Tribunal ultrapassar a dúvida razoável.
O facto não provado b) resulta de não haver prova nesse sentido, apenas existindo –
isso sim – no sentido de que o mesmo se encontraria agitado (o que foi dado como
provado).
O facto não provado c) resulta da prova do contrário, o que foi atestado pelo arguido e
pelas testemunhas DD e GG, na medida do que foi levado aos factos provados.
O facto não provado d) emerge das declarações do próprio assistente EE, que admitiu
não ter sido vítima de qualquer mordedura – o que, como se explicou supra, se
sobrepôs à informação de fls. 212.
Os factos não provados e) a g) foram assim entendidos pelo Tribunal, pois acreditou
nas declarações do arguido, que, de resto, fazem sentido. Na verdade, este afirmou ter
saído do local com o canídeo para o resguardar – melhor dizendo: proteger as pessoas
daquele –, já que claramente não estava a conseguir controlá-lo. De resto, as próprias
circunstâncias ditavam precisamente uma retirada emergente e rápida, pois que, se o
canídeo não fosse retirado, agitado e com o sabor do sangue, como estava,
representava um perigo ainda maior.
Não se demonstrou que o arguido tivesse querido fugir, nem tão-pouco esconder o
cão, não podendo o Tribunal concluí-lo sem mais. Acresce que o arguido afirmou ter
tirado a roupa por estar suja, o que se crê fazer sentido e ser credível, natural e
razoável, tendo, uma vez mais, o Tribunal acreditado no arguido.
O facto não provado h) foi assim qualificado por não ter sido possível apurar donde
proveio o sangue. Na verdade, os depoimentos e declarações sobre o assunto são
confusos nessa parte. Por um lado, apenas se demonstrou que o arguido tenha
tentado cessar os ataques com base em palmadas e comandos de voz – não a agarrar
o canídeo (o que o próprio referiu) –, mas, por outro, a saída do local deu-se com o cão
pela trela, o que não permitiu ao Tribunal compreender em que momento o sangue ali
foi parar. Pode tê-lo sido a partir das próprias mãos do arguido, ou das vítimas.
Ademais, o próprio arguido diz que nunca agarrou o cão e que não pode ter ficado com
sangue na camisola por esse motivo.
O facto não provado i) foi contrariado pelas declarações do assistente, que afirma
perentoriamente não ter sido mordido e não referiu qualquer lesão na região
mandibular. Os factos não provados j) e k) resultam da absoluta ausência de prova
sobre os mesmos. Quanto ao j), a natureza permanente das cicatrizes não consta das
perícias, nem foi referida pelo próprio. Quanto ao k), além de não ter havido prova,
sempre as regras da experiência comum ditariam em sentido contrário, pois a verdade
é que a probabilidade de suceder um ataque e um ataque desta envergadura se o cão
tivesse os dispositivos de segurança colocados (concretamente o açaime e a trela), é
diminuta, se não mesmo nula.
Os factos não provados l) a n) são fruto de uma absoluta ausência de prova dos
mesmos. Inexiste nos autos um único elemento de prova sobre tais factos, não sendo
as regras de experiência (ou sequer a presunção judicial) suficientes para os extrair.
O facto não provado o) baseou-se nas declarações do arguido, que o atestou. De
resto, também não se provaram os factos subjacentes, donde, sem tais premissas,
jamais aquele facto poderia ter sido dado como provado.
O facto não provado p) é fruto da prova do contrário (emergente dos depoimentos de
DD e de GG e das declarações do arguido).
O facto não provado q) emerge das declarações do próprio assistente, que o nega
perentoriamente.
O facto não provado r) é fruto de ausência de prova. Na verdade, apenas o que consta
dos factos provados n.º 101 a 103 se pôde dar como provado, pois só isso resultou dos

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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 07/09/23, 12:17

elementos de prova produzidos.


O facto não provado s) resulta das declarações da assistente CC, que afirmou que a
vítima BB inicialmente tinha de tapar as lesões no crânio com lenços, mas que agora já
o conseguia fazer com o cabelo, puxando a «risca» da orelha, para disfarçar as
cicatrizes.
O facto não provado t) é fruto de inexistir prova de tais valores, sendo que o cálculo
aritmético dos montantes vertidos nos documentos juntos com o pedido de
indemnização cível não permite chegar àqueles montantes, apenas evidenciando os
montantes vertidos nos factos provados n.º 88 a 90.
Por outro lado, há documentos duplicados, que demandaram o devido saneamento
pelo Tribunal, que ignorou os documentos repetidos. São eles: o documento n.º 9 junto
com o pedido de indemnização cível, que repete as faturas dos documentos n.º 6 e 7,
e o documento n.º 10 (fatura à esquerda), que repete o documento n.º 11, todos do
pedido de indemnização cível. O que poderá justificar a divergência entre a alegação e
o que ficou demonstrado.
O facto não provado u) emerge das declarações do arguido, que atestou o contrário e
que mereceu o crédito do Tribunal.»
*
Vejamos então.
Iniciaremos pela apreciação do recurso do arguido AA.
*
O recorrente invoca também a violação do art. 410.º, n.º 2, do CPPenal, referindo-se
expressamente ao erro notório na apreciação da prova.
É pacífico o entendimento de que quanto à impugnação da matéria de facto pode o
recorrente seguir um de dois caminhos: ou invoca os vícios de lógica da sentença
previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPPenal, devendo, neste caso, ater-se apenas ao
texto da decisão e às incoerências que aí possam ser encontradas, ou apresenta uma
impugnação alargada, que lhe permite analisar a prova produzida em julgamento,
extrapolando o espaço limitado do texto da decisão recorrida.
Em qualquer das opções impõe-se ao recorrente o cumprimento de regras para que o
recurso possa ser apreciado e tenha viabilidade de sucesso em termos formais.

Quanto à primeira perspetiva, que abarca, em abstrato, os invocados vícios, importa


deixar bem claro que estão em causa defeitos que têm de resultar do próprio texto da
decisão recorrida, sem apoio em quaisquer elementos externos à mesma, salvo a sua
interpretação à luz das regras da experiência comum. São falhas que hão-de resultar
da própria leitura da decisão e que são detetáveis pelo cidadão médio, devendo ser
patentes, evidentes, imediatamente percetíveis à leitura da decisão, revelando juízos
ilógicos ou contraditórios.
Ora, no que concerne ao erro notório na apreciação da prova o recorrente condiciona a
sua argumentação à prova produzida.
Reproduz os depoimentos cujo teor considera traduzir a verdade dos acontecimentos.
Porém, quando alinhamos nos argumentos usados a prova produzida já não nos
encontramos no âmbito dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPPenal, mas sim do erro de
julgamento em sede de matéria de facto.
A verdade é que, tendo presente os contornos legais dos vícios imputados,
compulsado o texto da decisão recorrida e vista a matéria de facto provada e não
provada e respectiva motivação, bem como a decisão proferida, não se deteta
qualquer falha lógica evidente, qualquer interferência no percurso lógico do texto que
seja patente à leitura pelo cidadão mediano e que leve a concluir pela existência de
uma contradição, incongruência ou falha de raciocínio.
Também inexiste qualquer tipo de contradição.
O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a
decisão, ocorre “(…) quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da
decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir
que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a
fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre os factos provados,
entre os factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise
dos meios de prova fundamentos da convicção do Tribunal” – acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 1999, Colectânea de Jurisprudência –
Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano VII, Tomo III, p. 184.

http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/08c8eff1b5233a9680258956003e8e0f?OpenDocument Página 29 de 51
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 07/09/23, 12:17

Ou nas palavras de M.Simas Santos e M.Leal Henriques, “Por contradição, entende-se


o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas
proposições contraditórias que não possam ser simultaneamente verdadeiras e falsas,
entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o
mesmo atributo diferem na quantidade e qualidade. Para os fins do preceito (al.b) do
nº2) constitui contradição apenas e tão só aquela que, expressamente se postula, se
apresente como insanável, irredutível, que não possa ser integrada com recurso à
decisão recorrida no seu todo, por si só ou com auxílio das regras da experiência.”.
Código de Processo Penal, 2ª ed. II vol, pág.379.
No caso da contradição, como salienta o Ac. da RL de 21-05-2015 (proc. nº
3793/09.6TDLSB.L1-9) “O vício em apreço [contradição insanável de fundamentação],
como resulta da letra do art. 410, n.º 2 al. b) do CPP, só se deve e pode ter por
verificado quando ocorre uma contradição insanável na fundamentação ou entre a
fundamentação e a decisão, isto é, um conflito inultrapassável na fundamentação
ou entre a fundamentação e a decisão, o que significa que nem toda a
contradição é suscetível de o integrar, mas apenas a que se mostre insanável, ou
seja, aquela que não possa ser ultrapassada ou esclarecida de forma suficiente
com recurso á decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das
regras da experiência.
Transpondo para o caso concreto os conceitos enunciados, cabe desde já dizer que o
recorrente invoca os vícios prevenidos no nº2 do artº 410º do CPP fora das condições
legais, uma vez que se limita a divergir do modo como o tribunal recorrido valorou a
prova produzida em audiência.
Em face do exposto, e porque não se deteta que a decisão padeça de qualquer falha
de lógica, impõe-se concluir pela improcedência do recurso quanto à invocação do
vício indicado, ou quaisquer outros daquele citado artigo sendo de manter na íntegra,
por esta via, a sentença recorrida.
*
Erro de julgamento em sede de matéria de facto.
A questão que o recorrente suscita no segmento do recurso anterior, no que respeita
ao erro notório na apreciação da prova respeita, no fundo, à avaliação da prova. O que
o recorrente está a querer dizer é que o Tribunal a quo avaliou mal a prova produzida.
Mas, como se viu, a invocação de uma errada avaliação da prova não corresponde ao
vício do erro notório da avaliação da prova, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do
CPPenal, mas antes à invocação de erro de julgamento da matéria de facto,
impugnação alargada correspondente à mencionada segunda via que pode ser usada
para solicitar, em recurso, diferente decisão quanto à matéria de facto, via que impõe a
análise de elementos externos ao texto da decisão, isto é, a análise dos elementos
probatórios.
Posto isto, é jurisprudência pacífica que resulta do texto do art. 412.º, n.º 3, do
CPPenal que não é uma qualquer divergência que pode levar o Tribunal ad quem a
decidir pela alteração do julgado em sede de matéria de facto.
As provas que o recorrente invoque e a apreciação que sobre as mesmas faça recair,
em confronto com a valoração que for efetuada pelo Tribunal a quo, devem revelar que
os factos foram incorretamente julgados e que se impunha decisão diversa da recorrida
em sede do elenco dos factos provados e não provados.
Ou seja, não basta estar demonstrada a possibilidade de existir uma solução em
termos de matéria de facto alternativa à fixada pelo Tribunal a quo. Na verdade, é raro
o julgamento onde não estão em confronto duas, ou mais, versões dos factos
(arguido/assistente ou arguido/Ministério Público ou mesmo arguido/arguido), qualquer
delas sustentada, em abstrato, em prova produzida, seja com base em declarações
dos arguidos, seja com fundamento em prova testemunhal, seja alicerçada em outros
elementos probatórios.
Por isso, haver prova produzida em sentido contrário, ou diverso, ao acolhido e
considerado relevante pelo Tribunal a quo não só é vulgar como é insuficiente para, só
por si, alterar a decisão em sede de matéria de facto.
É necessário que o recorrente demonstre que a prova produzida no julgamento só
poderia ter conduzido à solução por si pugnada em sede de elenco de matéria de facto
provada e não provada e não à consignada pelo Tribunal.
E na análise da prova que apresenta na sua impugnação da matéria de facto
(alargada) tem o recorrente de argumentar fazendo uso do mesmo raciocínio lógico e

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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 07/09/23, 12:17

exame crítico que se impõe ao Tribunal na fundamentação das suas decisões, com
respeito pelos princípios da imediação e da livre apreciação da prova.

Esta ideia sobressai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-11-2017, onde


se afirmou[2]:
«I - Há uma dimensão inalienável consubstanciada no princípio da livre apreciação da
prova consagrado no art. 127.º, do CPP. A partir de um raciocínio lógico feito com base
na prova produzida afigura-se, de modo objectivável, ter por certo que o arguido
praticou determinados factos. Exige-se não uma certeza absoluta mas apenas e só o
grau de certeza que afaste a dúvida razoável, a dúvida suscitada por razões
adequadas. O que há-de ser feito mediante uma «valoração racional e crítica de
acordo com as regras comuns da lógica, da razão e das máximas da experiência
comum».
II - Percorrido este caminho na fundamentação, a impugnação dos factos há-de ser
feita com a indicação das concretas provas que imponham decisão diversa da
recorrida sob pena de tal impugnação redundar em mera discordância acerca da
apreciação da prova desses mesmos factos, respeitável decerto, mas sem
consequências de índole processual.»

E esta posição está igualmente associada à ideia – que é preciso não perder de vista –
de que o reexame da matéria de facto não de destina a realizar um segundo
julgamento pelo Tribunal da Relação, mas tão-somente a corrigir erros de julgamento
em que possa ter incorrido a 1.ª Instância.
Neste sentido, que é pacífico, decidiu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 20-09-2017[3]:
«I - O reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os
casos de renovação da prova, uma nova ou uma suplementar audiência, de e para
produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de
controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela
lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame
das provas que sustentam esse entendimento – art. 412.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP.
II - O recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de
facto, antes e tão só a sindicação da já proferida.»

Contextualizado, de forma sumária, o quadro legal e jurisprudencial em que assenta o


reexame da matéria de facto pelos Tribunais da Relação, passemos à análise em
concreto da impugnação da matéria de facto (alargada) apresentada pelo assistente.
O recorrente coloca em causa a factualidade dada como provada nos pontos 6, 7, 8, 9,
10, 11, 15, 17 e 20.
Sustenta-se na ideia de que existem 3 versões para estes factos e que deveria ter sido
dada como provada a que mais favorecesse o arguido em abono do principio do in
dubio pro reo na valoração da prova.
Desde logo cumpre dizer que esta parta da matéria de facto não foi assistida pela
testemunha CC que só terá testemunhado o segundo ataque e estes factos dizem
respeito ao sucedido antes e durante o primeiro ataque do cão. Ouvida a prova não se
pode concluir como o recorrente afirma que o cão não tentou um primeiro ataque
quando apareceu inicialmente junto do BB e do assistente EE. Só se pode
compreender a reação do assistente no sentido da proteção da filha e de ter desferido
um soco no focinho do animal para o repelir se não tivesse interpretado o
comportamento do cão como se de um ataque fosse. Repare-se que o assistente
esteve sempre a enxotá-lo com as mãos e com as pernas até lhe dar o murro e
aparecer o arguido, altura em que o animal se afastou na sua direção seguindo-o.
Repare-se que nesta versão a única testemunhada, o cão dirigia-se especificamente
em direção à criança que não conseguiu alcançar por intervenção do pai assistente,
pelo que não se pode concluir que não tenha tentado morder a criança. Trata de um
cão de grande porte potencialmente perigoso e que não conhecia pai e filha e perfilado
em chegar a ela. O tribunal deu como provado que o animal tentou morder a criança,
só não o conseguindo fazer em face da intervenção do seu pai. A matéria dada como
provada retrata a prova produzida e não fere as regras da experiência. Aliás tanto é
assim que em momento posterior o cão perfilou-se para a criança mordendo-a
efetivamente, o que denota que o animal, eventualmente por sentir o medo da criança

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(a mesma já tinha medo de cães) já se tinha e vinha e estava mais focado nela.
Relativamente ao demais, pretende o recorrente que se esmiúce melhor a matéria
fáctica apurada no sentido proposto, ou seja:
A) Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o referido canídeo com o nome “...” que se
encontrava solto e fora do campo de visão do Arguido, aproximou-se (ainda sem que o
Arguido tivesse chegado ao local) do Assistente EE e da sua filha, a BB, o que causou
medo nesta última.
B) Com o que, acto contínuo, o referido canídeo acabou por se aproximar ainda mais
do Assistente EE e da sua filha, o que terá levado o Assistente a colocá-la nas suas
costas, entre si e a parede.
C) Nesse momento, e porque o animal se tentava aproximar da sua filha, o Assistente
manteve-a atrás de si (fora do alcance do animal) e foi tentando enxotá-lo com as
pernas e com as mãos, tendo chegado a socá-lo no focinho.
D) Após ter desferido um soco no focinho do animal, o canídeo afastou-se do local
onde o Assistente se encontrava com a sua filha.
E) Entretanto, após ter aparecido o Arguido, perante a abordagem do Assistente EE
que lhe solicitou que prendesse o referido canídeo e o segurasse, aquele ripostou
dizendo que o Assistente não era qualquer autoridade para o obrigar a nada e voltou
ao seu percurso.
Ouvida a prova, este tribunal nada tem a opor, uma vez que tal como vem ora descrita
a dinâmica dos acontecimentos ela é melhor retratada, atendendo ao depoimento do
assistente e arguido na parte que convenceram o tribunal ad quo e ad quem, não
sendo propriamente um erro de julgamento, mas mais uma pormenorização do
acontecido salvo no que diz respeito à tentativa de morder e ao ponto 9 fixado pelo
tribunal e parte do ponto 10 pelo que altera-se a matéria fáctica nos seguintes termos:
6) Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o referido canídeo com o nome “...” que se
encontrava solto e fora do campo de visão do Arguido, aproximou-se (ainda sem que o
Arguido tivesse chegado ao local) do Assistente EE e da sua filha, a BB, o que causou
medo nesta última.
7) Com o que, ato contínuo, o referido canídeo acabou por se aproximar ainda mais do
Assistente EE e da sua filha, e, assim, tentou mordê-la, o que apenas não conseguiu
porquanto o assistente a colocou nas suas costas, entre si e a parede a fim de a
proteger.
7.A) Nesse momento, e porque o animal se tentava aproximar da sua filha, o
Assistente manteve-a atrás de si (fora do alcance do animal) e foi tentando enxotá-lo
com as pernas e com as mãos, tendo chegado a socá-lo no focinho.
7.B) Após ter desferido um soco no focinho do animal, o canídeo afastou-se do local
onde o Assistente se encontrava com a sua filha.
8) Entretanto, após ter aparecido o Arguido, perante a abordagem do Assistente EE
que lhe solicitou que prendesse o referido canídeo e o segurasse, aquele ripostou
dizendo que o Assistente não era qualquer autoridade para o obrigar a nada.
9. Mantém-se.
9.A.) Em ato contínuo, isto é, logo após o canídeo se ter afastado daquele local, o
Assistente resolveu tirar uma fotografia.
10) Mantém-se parte da redação encontrada pelo tribunal acrescentando outra ficando
redação definitiva a seguinte: Ao aperceber-se o arguido AA de que o ofendido EE
poderia estar a tirar-lhes uma fotografia, exaltou-se e dirigiu-se a este último com o
propósito de lhe retirar o telemóvel, elevando o tom de voz nas expressões que lhe
dirigia e abeirando-se sobre o corpo do ofendido EE passando ambos a discutir
verbalmente em tom de voz elevado.
Relativamente à discussão em tom elevado ela sustenta-se de facto nos depoimentos
quer do arguido quer do assistente EE, quer nos depoimentos de DD e CC que
estavam na capela mortuária e aí ouviram a discussão e os gritos da criança.
Impugna ainda o arguido o ponto 11), sustentando-se nos depoimentos do arguido, do
assistente EE, de DD e CC.
Ora, cumpre desde já dizer que tanto DD como CC só surgem depois. Não
presenciaram os momentos que antecederam o ataque à criança após o início da
discussão. Quando surgem já a criança se encontra a ser mordida. Por sua vez GG
surge já depois duma primeira retirada da criança de junto do primeiro ataque do cão.
Relativamente aos gritos da criança de facto tanto o arguido como o assistente EE e
ainda a testemunha DD e a assistente CC dão conta que a criança gritou. Assistindo à

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discussão do pai com o arguido é curial que a criança se tenha assustado ainda mais,
gritado, como aliás pai e arguido deram a entender.
Inexiste prova produzida que sustente ou imponha versão contrária à encontrada para
o ponto 11. com exceção dos gritos da menina. Tendo presente a versão em que o
tribunal se sustentou, a do assistente EE e ainda mais à frente na da testemunha DD, o
arguido não chegou a prender o cão e irritado com as fotografias que o assistente EE
tirou focou-se em confrontá-lo e em retirar-lhe o telemóvel, mesmo na presença de
uma criança, descurando completamente o cão. Não só se abeirou do assistente como
tentou tirar-lhe o telemóvel, o cão ficou em rédea solta. Ora o confronto assustou ainda
mais a criança que por força da atitude do arguido que veio confrontar o assistente,
gritou. Centrado na retirada do telemóvel, numa situação conflituosa, agitou e enervou
ainda mais o animal potencialmente perigoso, não cuidando dele assegurando que
estivesse bem preso, pelo contrário, o animal estava solto e agitado assistindo ao
“dono” em confrontação. Dono esse que estava focado no assunto do telemóvel. E foi
por esta atitude que o ataque ocorreu. A discussão e o confronto após a tirada de
fotografias foi da iniciativa do arguido. Quem procurou invadir o espaço físico do
assistente foi o arguido, que veio até ele, o qual descurou completamente o cão,
sabendo inclusive que já tinha sido advertido previamente pelo próprio assistente que o
seu cão não podia andar solto a assustar as pessoas. Foi este o rastilho. E que culpa
tem um pai que vê um cão a abeirar-se da sua filha de tenra idade procurando chegar
a ela para a morder (ainda que não fosse) em chamar a atenção do responsável do
cão e que recebe uma resposta como a que deu o arguido. E que culpa tem um pai
que tirando fotografias para identificar o cão que não cumpria a lei (sem açaime e sem
trela) vê o responsável com atitude agressiva e irritada voltar para trás com cão
potencialmente perigoso não seguro ou mal seguro e sem açaime, em direção ao
assistente iniciando uma discussão com ele na presença de uma criança, procurando
retirar-lhe o telemóvel. E ainda que o assistente também tivesse elevado a voz na
discussão na sequência da atitude do arguido, o ataque do animal não lhe pode ser
minimamente imputável. Foi a situação criada pelo arguido que ali deambulava com
um cão potencialmente perigoso sem trela e sem açaime e que ainda por cima
procurou um confronto com o assistente que se encontrava com uma criança e que
não prendeu e segurou devidamente o animal que estava sem açaime a origem dos
terríveis acontecimentos ocorridos. Se o animal tivesse este dispositivo nada de grave
tinha acontecido, o ataque não teria tido quaisquer consequências graves.
E ainda que se admitisse que o arguido segurava o cão pelo colete, como ele próprio o
refere, pergunta-se como poderia ele em simultâneo garantir a contenção de um cão
agitado com um peso de 80 kgs e de raça potencialmente perigosa e simultaneamente
abeirar-se do assistente tentando tirar-lhe o telemóvel numa situação de discussão?
Não o garantiu, afirmando ter ficado surpreendido com a reação do cão que se soltou.
Mas não era de prever o perigo da situação?
Aliás, é por causa da fixação no telemóvel e o desejo de se apossar do mesmo
retirando-o ao assistente que o arguido nega ao existência do último ataque junto à
capela onde a criança volta novamente a ser abocanhada, a mãe e o Sr. DD mordidos,
mesmo perante a evidência da prova documental e testemunhal. Pois se estivesse
centrado no animal, tinha-o prendido de imediato e retirado do local, quando o
conseguiram separar da criança no ataque após a discussão. Mas não, tal como o
assistente EE o referiu e a testemunha DD o disse, o arguido numa situação grave
como a que estava a ocorrer, onde se procurava proteger uma criança segurando o
animal como estava a fazer o pai assistente EE, aproveitando-se do mesmo se
encontrar no chão a agarrar um cão possante como é um Rottweiler, em vez de o
prender e se centrar no mesmo, ainda se debruça sobre o assistente para tentar tirar-
lhe o telemóvel, veja-se a sua prioridade!. Com o seu comportamento dificultou ainda
mais que o assistente conseguisse reter o animal e distraiu a testemunha DD, que
poderia ter ajudado a conter o animal, que teve de intervir afastando o arguido do
assistente EE. Esta segunda fase do comportamento, poderia eventualmente até
enquadrar-se numa atitude dolosa, que agravaria a sua situação jurídica.
A prova produzida não impõe outra versão a este respeito e como tal manter-se-á o
ponto 17. A versão apresentada pelo recorrente não tem qualquer suporte a não ser
nas declarações do arguido, que o tribunal não aceitou, apreciando devidamente dos
depoimentos quer do assistente EE, quer da testemunha DD cfr. resulta da sua
motivação e das descrições respetivas dos eventos.

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Mantém-se, pois o ponto 11. Acrescentando apenas os gritos da criança. Tem


sustentação na prova produzida e mostra-se devidamente ajuizada e apreciada pelo
tribunal a quo.
Ponto 11 passa a ter a seguinte redação: Perante esta atitude do arguido, a BB gritou e
ato contínuo e imediato, o canídeo referido, agitado, correu em direção da ofendida BB,
que se encontrava junto ao ofendido EE, atirou-se sobre o seu corpo, fazendo-a
tombar ao chão, de modo desamparado, e, ato contínuo, abocanhou-a, com as suas
mandíbulas, agarrando-a na parte superior do crânio.
Questiona ainda o recorrente o ponto 15 dos factos dados como provados
relativamente à sua atitude perante o ataque do cão, dizendo que teve uma postura
bem mais ativa em fazer cessar o ataque.
O tribunal sustenta-se nos depoimentos da mãe da criança do seu pai e ainda na
testemunha DD dando como provado que aquele lhe deu pancadas e ordens para que
largasse a criança, ponto 13º. Ora, o tribunal andou bem porque devidamente
sustentado na prova, ao entender e dar como provado que foi sobretudo a atividade
descrita pelo tribunal a quo perpetrada pelo pai e DD que foi determinante para repelir
o animal, descrevendo o que fizeram no ponto 15. No que diz respeito ao primeiro
ataque efetivo feito à criança as declarações do pai EE e DD foram fortemente
esclarecedoras e convincentes credibilizadoras em contraposição com as do arguido e
o tribunal fez uma correta apreciação da realidade, sendo que GG nada presenciou. No
que diz respeito ao terceiro momento que corresponde a novo ataque efetivo junto à
capela já com a criança ao colo da mãe, o Sr. DD terá sido confundido com o pai da
criança por parte da testemunha GG. O depoimento desta última não impõe outra
conclusão muito distinta da encontrada pelo tribunal a quo, a não ser no que diz
respeito ao puxar do animal. Também aqui foi determinante a atividade de DD e não a
do arguido que se limitou a dar umas palmadas e a puxá-lo e posteriormente a recolher
o animal já depois deste ter mordido a mãe CC e a testemunha DD para além da
criança. GG assiste ao ataque da sua janela já junto à capela, e identifica o Sr. DD
supondo ser o pai da criança. Quando deixa a janela e se aproxima do local já só vê
uma pessoa sentada no chão a chorar, o assistente EE. Entretanto, a testemunha DD
que era a que estava separar o cão da criança junto à parede da Capela, já se havia
retirado do local para junto da assistente CC a fim de lhe prestar auxilio para levar a
criança ao hospital, deduzindo, assim aquela testemunha GG que a pessoa sentada no
chão era a que tinha estado junto à parede da capela.
Posto isto e relativamente ao ponto 15 nada se altera, acrescentando-se ao ponto 22 e
puxando-o, o qual passa a ter a seguinte redação: ponto 22. Perante os factos
indicados, o arguido dirigiu-se ao canídeo do qual tinha o dever de guarda e sob sua
responsabilidade, dizendo-lhe que parasse e largasse a menina BB, aqui ofendida,
dando-lhe palmadas e puxando-o com vista a fazê-lo cessar a sua conduta.
Pelas considerações suprarreferidas nada há que alterar no ponto 20, considerando o
que fica a constar no ponto 22 e 23. Estes factos dão conta que o arguido também
tentou fazer cessar o ataque do animal, embora o seu comportamento não tenha sido
determinante, uma vez que o esforço maior foi sem dúvida do assistente EE e da
testemunha DD, como é bem explicado na motivação e resulta claramente da prova
produzida.

Ainda e relativamente a uma eventual partilha de responsabilidades do assistente EE.


Para além do que já se referiu a propósito, os factos dados como provados sustentam
essa ausência de partilha e como se referiu o facto de ter sido levado a discutir e
elevado a sua voz em correspondência ao comportamento do arguido não permite
concluir que o ataque do cão se deveu também a tal. Conforme já explicado o ataque
até poderia ter ocorrido, mas sem consequências se estivesse devidamente atrelado e
com açaime, não bastando uma mera coleira ou o colete.
Ainda a este propósito importa dizer que o tribunal a quo fez vingar o princípio do in
dúbio pro reo na valoração da prova como se lê da sua motivação. No que diz respeito
ao demais e tendo por base a apreciação critica que o tribunal a quo fez da prova
nenhuma duvidas mostrou o mesmo a propósito, tendo decidido convencido da prática
dos factos dados como provados e não provados, pelo que não se mostra violado tal
princípio.
Nem a decisão recorrida revela que o Tribunal a quo em algum momento ficou em
dúvida quanto ao reflexo da prova produzida no sentido a atribuir à factualidade

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provada e não provada, concretamente que ficou na dúvida se devia ter dado como
provados ou como não provados os factos enunciados sob os pontos impugnados,
nem igualmente se reconhece que a prova produzida nos termos em que vem descrita
na sentença recorrida só podia ter conduzido a tal estado de dúvida. Pelo contrário,
considerando todas as razões indicadas na sentença recorrida para sustentar que o
arguido foi o autor dos factos ilícitos apreciados nestes autos, a decisão tomada
mostra-se conforme às regras da experiência e está apoiada em juízos lógicos sólidos,
adequados e suficientes, pelo que nenhuma censura merece por parte deste Tribunal
de recurso.
Acolhendo esta perspetiva, decidiu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de
08-01-2014[4] que:
«XVI - O princípio in dubio pro reo, baseado no princípio constitucional da presunção
de inocência (art. 32.º, n.º 2, da CRP), constitui um limite normativo da livre convicção
probatória, assumindo uma vertente de direito, passível de controle pelo STJ, quando,
ao debruçar-se sobre o conjunto dos factos, procura detectar se se decidiu contra o
arguido, não declarando a dúvida evidente, já porque esta resultava de uma valoração
emergente do simples texto da decisão recorrida por si ou de acordo com as regras da
experiência comum, de acordo com aquilo que é usual acontecer, já por incurso em
erro notório na apreciação da prova.
XVII - Se a decisão recorrida não manifestou qualquer incerteza, nem qualquer dúvida
acerca das condenações impostas aos arguidos, o tribunal não decidiu «in malam
partem», não se verificando violação do dito princípio.»

No caso concreto, a decisão recorrida não violou qualquer norma legal ou


constitucional que devesse ter acolhido.
Analisados os argumentos do recorrente e a prova indicada não encontramos aí
fundamentos para alterar substancialmente a decisão do Tribunal a quo, onde são
explicados de forma racional, e sustentada, e não subjetiva, os motivos pelos quais tal
prova é suficiente para assegurar a demonstração dos factos provados.
A alteração que este tribunal ad quem fez não se mostra substancial para pretender-se
poder alterar o dispositivo relativamente ao arguido, não permitindo a alteração da
imputação jurídica que o tribunal a quo fez nem permitindo sequer a partilha de
responsabilidades com o assistente EE como se referiu supra e por força disso nas
suas responsabilidades de natureza civil, que se mantêm.
O exercício levado a cabo pelo recorrente constitui-se tão-somente como uma diferente
leitura da prova, com a qual pretendeu substituir a convicção do Tribunal do
julgamento, sem que verdadeiramente os apontados concretos erros de julgamento
impusessem a solução apresentada e pretendida e que de alguma forma tivessem
reflexo no dispositivo encontrado a quo.
Em suma, avaliada a prova invocada pelo recorrente – e a apreciação levada a cabo
pelo Tribunal a quo na sua motivação –, percebe-se que aquele apenas pretendeu
substituir a convicção do Tribunal do julgamento pela sua própria leitura da prova,
procurando impor uma versão dos factos perante outra apenas porque é sua.
Ora, apesar de a sua versão dos acontecimentos e análise da prova ser possível,
ainda que não se afigure a mais correta, razão pela qual ela não rebate a convicção do
Tribunal recorrido, a mesma nunca permitirá concluir que a solução por si [recorrente]
proposta seria a única que se impunha em face da prova produzida.
O Tribunal de julgamento não erra ao avaliar a prova só porque interpreta os relatos
produzidos e os conjuga entre si de forma diferente da que faz o arguido. E o
recorrente não ultrapassou este limite argumentativo.
Em face do exposto, impõe-se concluir que a decisão recorrida não revela a ocorrência
de erros de julgamento relevantes e não violou qualquer norma legal ou constitucional
que devesse ter acolhido, sendo de manter os pontos de facto impugnados embora
nalguns deles se tenham acrescido esclarecimentos que melhor descrevem a dinâmica
dos eventos, mas sem que disso resulte a alteração do enquadramento jurídico que
lhes foi feita.

Finalmente o arguido considera que da alteração que pretendida tal implicaria a


exclusão da responsabilidade civil para com o assistente EE e uma atenuação na
medida da pena.
Relativamente à responsabilidade civil já dissemos que não, por não haver partilha de

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culpas.
Relativamente à medida da pena.
No que diz respeito à participação do arguido para que o ataque cessasse, o tribunal a
quo considerou o seguinte : O arguido viu a menina BB agitada, viu o pai, que lhe
pediu para prender o cão, viu, depois, o ofendido DD a procurar acudir, viu outras
pessoas nas imediações da igreja, viu a mãe/ofendida CC, a segurar a criança ao colo.
Houve, inclusivamente, dois momentos distintos do ataque, sem que, entre ambos, o
arguido haja colocado o açaime ou, pelo menos, a trela ao cão. Trata-se, é certo, de
momentos de aflição, e que passam rapidamente. Mas nestes autos ficou clara a
divisão temporal dos ataques (ainda que sejam sequenciais), diversas oportunidades
de reverter a sua atuação e, por conseguinte, diversas condutas (censuráveis) do
arguido.(…) O arguido não tem antecedentes criminais por crimes idênticos aos dos
autos, nem mesmo por crimes que protejam o mesmo bem jurídico, que o aqui afetado.
Por outro lado, o arguido está socio profissionalmente inserido.
Não obstante, o Tribunal não pôde descurar a evidente falta de cabal interiorização do
desvalor da conduta, e do respetivo resultado, pelo arguido, sendo que, apesar de
reconhecer a sua culpa e que deveria ter chamado o INEM, na verdade, justifica de
forma quase leviana a não aplicação de açaime ao cão e insiste em partilhar
responsabilidade com o assistente. Acresce que, embora não o pondere no
curto/médio prazo, o arguido não descarta a possibilidade de, no futuro, vir a ter um
outro cão de raça potencialmente perigosa.
Na verdade, pese embora os antecedentes criminais do arguido não apontem nesse
sentido, entende o Tribunal que as necessidades de prevenção especial são elevadas,
atenta a postura do arguido de relativização do sucedido e do incumprimento das
normas e deveres a que estaria sujeito, por um lado, e a ponderação de voltar a ter um
canídeo de raça potencialmente perigosa. A sua postura de auto desresponsabilização
– malgrado assuma os factos, que devia ter cumprido os deveres e que deveria ter
chamado o INEM – não anuncia a suficiência de uma pena de multa para a adequação
da sua conduta futura, antes pressagiando a necessidade de uma pena não privativa
de liberdade para que esse desiderato preventivo seja logrado.(…) Dito isto, no
presente caso, o Tribunal sopesou para todos as penas, ainda, os seguintes
fatores:
- as elevadas necessidades de prevenção geral, atendendo à frequência com que
estes cães são avistados na via pública sem dispositivos de segurança (que vieram
vertidas no Projeto do Decreto-Lei que criminaliza a conduta, conforme supra se citou,
e que ainda hoje se mantêm);
- o elevadíssimo grau de ilicitude, manifestado no grau de violação dos deveres, ou
seja, no incumprimento de todos os sistemas de segurança vertidos no artigo 13.º, n.º
2, do Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro, omitindo o uso de caixa de
contenção, açaimo funcional e trela com menos de 1 metro de comprimento. De resto,
trata-se de deveres não meramente sociais ou morais – que existiam –, mas também
legais, assim agravando a ilicitude da conduta. Com efeito, o arguido deslocou-se com
o canídeo, desprotegido, a um local habitualmente frequentado por várias pessoas,
nomeadamente por diversas crianças, deixando-o correr livremente, muito embora
advertido para prender o cão;
- a exponenciação dessa mesma ilicitude pelo facto de, mesmo depois de o cão ter
atacado a criança, o arguido continuar focado noutros assuntos e distraído, não tendo
retirado imediatamente o canídeo do local, que, inclusivamente, se voltou a soltar
repetindo os ataques. E tal distração assenta em motivos censuráveis, desde logo
porque relacionados com a divergência com o assistente (referente à fotografia);
- a conduta do arguido para fazer cessar os ataques, pois, embora se haja dirigido ao
canídeo, ordenando-lhe que parasse, e dando-lhe palmadas, nada mais fez, não tendo
adotado um comportamento suficientemente ativo e eficiente para reverter aqueles
ataques: não o segurou, não se agarrou a ele, não o prendeu, nem mesmo quando
teve oportunidade (quando o assistente o imobilizou). Depois, o arguido, embora enfim
tenha retirado o cão do local para o prender em casa, não chamou ajuda (INEM,
ambulância).
- a evidente não assimilação, por parte do arguido, do desvalor da sua conduta e do
resultado, pois, malgrado reconheça o que fez, reclamou em juízo a partilha da
responsabilidade da sua conduta com o pai da criança, o assistente EE, e ainda
pondera vir a ter outro cão de raça perigosa ou potencialmente perigosa.

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Contudo, militaram a favor do arguido a ausência de antecedentes criminais por


condutas idênticas ou contra o mesmo bem jurídico e o reduzido (embora existente)
passado criminal do arguido. Mais sopesaram a sua situação pessoal, profissional e
familiar, que evidenciam que o arguido se encontra integrado socio-profissionalmente
(está a trabalhar, com um contrato de trabalhado efetivo, constituiu família, com que
vive, e os hobbies que tem), e por outro lado, os rendimentos de que dispõe, que,
sendo modestos, lhe permitirão uma vida confortável, atendendo a que não tem custos
com a sua habitação.
Também militou a seu favor o facto de ter (enfim) retirado o canídeo do local e de ter
regressado às imediações da igreja.
Por fim, o Tribunal teve em linha de conta que o canídeo já foi entregue a forças de
segurança para integração das respetivas equipas e que o arguido confessou
parcialmente os factos.

Tendo o Tribunal a quo referido que o arguido nada mais fez do que dar ordens para
que parasse, dando-lhe palmadas, resulta da prova que, se é certo que assim foi no
primeiro ataque feito à menina, já no segundo ataque junto da parede da Capela,
acrescenta-se o facto de ainda o ter puxado.
Contudo, como se pode ver do manancial fáctico para quem se considerava dono do
animal e seu responsável no momento, o seu comportamento foi pouco interventivo e
muito menos ativo do que o dos restantes intervenientes. E de facto não o segurou,
não se agarrou a ele, (como fez o assistente, limitando-se no último ataque a puxar)
não o prendeu, nem mesmo quando teve oportunidade (quando o assistente o
imobilizou). Depois, o arguido, embora enfim tenha retirado o cão do local para o
prender em casa, não chamou ajuda (INEM, ambulância), pelo que o desvalor da sua
conduta não se mostra atenuado para justificar que se mexa na pena concreta
encontrada, a qual se mostra devidamente ponderada, justa e equilibrada.
Improcede nesta parte o recurso.

Do montante fixado a título de indemnização cível.


Tendo presente o suprarreferido inexiste responsabilidade partilhada entre o arguido
AA e o assistente EE, pelo que nesta medida não existem razões para alterar o
decidido a quo não sendo de excluir o pagamento da indemnização fixada a favor
deste assistente nem de se lhe atenuar o montante e por consequência aos demais
demandantes, mostrando-se os valores encontrados adequados, justos e proporcionais
aos acontecimentos e à responsabilidade do arguido, subscrevendo-se por inteiro a
decisão a quo.
Improcede pois nesta parte o recurso.

Recurso de FF.
Afirma a recorrente que a sentença é nula por condenação superior ao pedido nos
termos do art. 615º, n º 1, al.e ) do CPC, uma vez que o pedido foi apenas formulado
contra a seguradora e o arguido AA, não tendo a seguradora deduzido pedido de
reconhecimento e de condenação no direito de regresso a quando da contestação.
Logo conclui que é parte ilegítima, art. 30º do CPC o que constituiu uma exceção
dilatória, pelo que deve ser absolvida nos termos do disposto no art. 576º e 577º do
CPC.
Mais refere que tendo sido chamada através do incidente de intervenção principal
provocada, apenas podia ter sido, se tivesse havido pedido, ser reconhecido e
condenada na satisfação do direito de regresso e não podia ter sido condenada
solidariamente nas indemnizações concretamente fixadas.
Mais refere que não poderá ser responsável por atos ilícitos.
E também não poderia ser responsabilizada pelo risco, por não ter ficado demonstrado
que o arguido tivesse utilizado o canídeo no interesse da chamada recorrente.

Vejamos
Primeiramente para afirmar que o tribunal a quo não considerou que a chamada
tivesse qualquer tipo de responsabilidades a nível da prática de factos ilícitos pelo que
não se coloca qualquer questão associada à responsabilidade por factos ilícitos,
porque a esse respeito o tribunal a quo afastou a imputação de tal responsabilidade à
recorrente FF.

http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/08c8eff1b5233a9680258956003e8e0f?OpenDocument Página 37 de 51
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 07/09/23, 12:17

Da nulidade da sentença.
Como sabemos a nulidade de qualquer decisão penal tem a sua própria base no
processo penal e ela sustenta-se na ocorrência dos vícios do art. 410º do CPP ou
então com a ocorrência de alguma das situações previstas no art. 379º do CPP ou em
outras situações previstas no processo penal, como seja. vg. o uso de métodos
proibidos de prova.
No âmbito da responsabilidade civil, pode ainda recorrer-se, se for o caso, ao disposto
no art. 615º do CPC onde estão também enquadradas situações de nulidade da
sentença em matéria cível.
Estriba-se a recorrente no facto de ter sido condenada em quantidade superior ou em
objeto diverso do pedido, art. 615º, al. e) do CPC.
O que consta da contestação que solicitou a intervenção provocada da recorrente é o
seguinte:
“CONTESTAÇÃO:
Questão Prévia:
1.
Por escritura de fusão, ocorrida em 19/12/2018, a demandada foi incorporada na
sociedade comercial X..., Compañia de Seguros y Reaseguros, passando a ter a
designação social de X..., Compañia de Seguros y Reaseguros, COMPAÑIA DE
SEGUROS E REASEGUROS, S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, sucedendo nos
direitos e nas obrigações da anterior X..., Compañia de Seguros y Reaseguros S.A.
Quanto à Douta Acusação do Ministério Público:
2.
A demandada cível X… aguarda a prova que vier a ser produzida em audiência de
discussão e julgamento, quer quanto à dinâmica do sinistro, quer quanto às
consequências que dele advieram.
Quanto ao Douto Pedido de Indemnização Cível:
3.
A demandada cível X… declara desconhecer a veracidade dos factos alegados no
douto requerimento dos pedidos de indemnização cível.
4.
Designadamente os factos alegados nos artºs 7º a 31º, inclusive, todos do douto
pedido cível.
5.
O que equivale a impugnação, nos termos e para os efeitos do nº 3 do artº 574º do
Código de Processo Civil.
6.
É certa a existência de um Contrato de Seguro do Ramo X1..., titulado pela Apólice nº
..., que garantia a responsabilidade civil emergente da detenção do canídeo “...”, da
raça Rottweiler, raça esta potencialmente perigosa, nos termos, quer do DL 315/2009,
de 29/10, quer das Condições Gerais e Especiais da Apólice em causa nos presentes
autos.
7.
Conforme se comprova pelas Condições Gerais da Apólice que aqui se junta como
documento nº 1, o Capital previsto para a cobertura Responsabilidade Civil é de
50.000,00 €, pelo que, em face dos diversos pedidos cíveis, terá que ser efectuado o
rateio entre esses mesmos pedidos cíveis.
8.
Estando contratualmente prevista uma franquia de 10% do valor do sinistro, no mínimo
de 125,00 €, franquia essa cujo pagamento caberá sempre à segurada.
9.
Sucede, porém, que, tendo em linha de conta os factos descritos na Douta Acusação,
o sinistro dos autos encontra-se excluído das coberturas da Apólice, e por motivos e
causas diversos.
10.
É absolutamente inquestionável que, na altura do sinistro, ou do ataque, o canídeo “...”
encontrava-se à guarda de um terceiro, que não a sua proprietária e segurada.
11.
Ora, nos termos e para os efeitos das Condições Gerais da Apólice que aqui se junta
como documento nº 2:

http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/08c8eff1b5233a9680258956003e8e0f?OpenDocument Página 38 de 51
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12.
Cláusula 3.ª
EXCLUSÕES - 1. Para além das exclusões previstas nas Condições Gerais, fica
excluída do presente contrato a indemnização decorrente de:
a) Danos sofridos pelos próprios animais;
b) Danos sofridos pelo Segurado, empregados do Segurado e seu agregado familiar;
c) Danos causados aos bens de que o Segurado seja proprietário ou usufrutuário;
d) Danos ocorridos quando os animais se encontrem sob o domínio de Terceiros, que
não sejam empregados do Segurado, a qualquer título;
e) Danos ocasionados em consequência de furto, roubo ou desaparecimento dos
animais seguros;
f) Danos causados a veículos transportadores dos animais seguros.
13.
Ou seja, sendo o arguido namorado da segurada, portanto, um terceiro, e não sendo,
como não é, empregado da segurada, está o sinistro dos autos excluído das
coberturas da Apólice em causa.
14.
E tal exclusão tem uma lógica: é que, como estamos perante uma raça potencialmente
perigosa, só mesmo quando o canídeo está à guarda da segurada é que se poderá ter
a garantia que o seu temperamento potencialmente perigoso estará mais controlado.
15.
Precisamente pela questão da habitualidade de tratamento (lembre-se, a este título, a
célebre experiência de Pavlov).
16.
O mesmo se diga a um empregado da segurada, precisamente pelos mesmos motivos:
é quem cuida e trata do canídeo.
17.
Não é o caso dos presentes autos.
18.
Mas há mais uma exclusão.
19.
Atente-se no seguinte artigo das Condições Gerais da Apólice:
20.
Cláusula 5.ª
EXCLUSÕES - Salvo disposição em contrário, expressa nas Condições Gerais, ficam
excluídos do âmbito de cobertura desta garantia os:
a) Acidentes ou danos devidos a actos de guerra, insurreição e terrorismo;
b) Pagamentos devidos a título de responsabilidade criminal, contraordenacional ou
disciplinar;
c) Danos causados aos empregados, assalariados ou mandatários do Segurado,
quando ao serviço deste, desde que tais danos resultem de acidente enquadrável na
legislação de acidentes de trabalho;
d) Danos causados aos sócios, gerentes e legais representantes ou agentes da pessoa
cuja responsabilidade se garante;
e) Danos causados a quaisquer pessoas cuja responsabilidade esteja garantida por
este contrato, bem como ao seu cônjuge, ascendentes e descendentes ou pessoas
que com eles coabitem ou vivam a seu cargo;
f) Danos causados ao detentor, vigilante tratador ou pessoa que habitual ou
esporadicamente tenha a guarda do animal;
g) Danos causados por animais quando na prática da caça e, que, nos termos da lei,
devam estar abrangidos por seguro obrigatório de responsabilidade civil de caçador;
h) Danos decorrentes de acidentes de viação, provocados por veículos que, nos
termos da legislação em vigor sejam obrigados a seguro de responsabilidade civil;
i) Danos decorrentes de custas e quaisquer outras despesas provenientes de
procedimento criminal, fiança, coimas, multas, taxas ou outros encargos de idêntica
natureza;
j) Danos causados pela inobservância das disposições legais em vigor que
regulamentem a detenção de animais de companhia, entendendo-se como tal todos
aqueles que não são considerados como perigosos ou potencialmente perigosos nos
termos da lei;
k) Danos causados pelo transporte de animais em veículos não apropriados para o

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efeito, assim como os causados aos veículos transportadores de animais;


l) Danos causados a outros animais da mesma espécie;
m) Danos decorrentes da inobservância de medidas de higiene, profilácticas, e
terapêuticas recomendáveis em caso de doenças infectocontagiosas ou parasitárias;
n) Indemnizações devidas a título de danos punitivos (punitive damages), danos
exemplares (exemplary damages) danos de vingança (vindicative damages) e outras
de natureza semelhante determinadas por aplicação de regime jurídico estrangeiro
ainda que reconhecidas na ordem jurídica portuguesa.
21.
Resulta dos autos que o canídeo “...”, à data dos factos, não se encontrava
esterilizado.
22.
Tal esterilização é uma medida profiláctica que tem por objectivo reduzir a
agressividade do canídeo, que, neste caso, é potencialmente perigoso.
23.
Tal falta de esterilização potenciou a agressividade e perigosidade do canídeo “...”,
tendo contribuído, de forma decisiva, para a verificação do ataque.
Do Direito de Regresso:
24.
A demandada cível, se não se verificar nenhuma das duas exclusões supra alegadas,
o que se não concebe nem tão pouco aceita, terá sempre direito de regresso, quer
sobre o arguido, quer sobre a sua segurada.
25.
Cláusula 29.ª
DIREITO DE REGRESSO DO SEGURADOR - 1. Satisfeita a indemnização, o
Segurador tem direito de regresso, relativamente à quantia despendida, contra o
Tomador do Seguro ou o Segurado, por:
a) Actos ou omissões dolosas respectivas, ou de pessoas por quem o Tomador do
Seguro ou o Segurado seja civilmente responsável;
b) Quando seja causa do sinistro, infracção deliberada por parte do Tomador do
Seguro ou do Segurado, ou de pessoas por quem qualquer destes seja civilmente
responsável, ao regime legal em vigor aplicável à detenção de animais perigosos,
potencialmente perigosos e animais de companhia;
c) Incumprimento do previsto nas alíneas a) a c) do nº.1 da cláusula 24.ªd) Actos ou
omissões do Segurado, ou de pessoas por quem este seja civilmente responsável,
quando praticados em estado de demência ou sob a influência do álcool,
estupefacientes ou outras drogas;
2. O previsto no número anterior é também aplicável contra o Tomador do Seguro ou o
Segurado que tenha lesado dolosamente o Segurador após o sinistro.7.
26.
Nos termos dos factos constantes da Douta Acusação, na altura dos factos, o canídeo
“...” não tinha o açaime colocado.
27.
Não estava preso a uma trela.
28.
Isto é, andava livre e à vontade, sem qualquer controlo por parte do arguido.
29.
O canídeo “...” integra a categoria de raças potencialmente perigosas.
30.
O arguido, necessária e obrigatoriamente, tinha que ter colocado ao canídeo “...”, para
com ele poder circular na via pública, uma trela e um açaime.
31.
Essa omissão, conforme se alcança supra integra o direito de regresso previsto na
alínea b) da cláusula supra transcrita.
32.
Pois a falta de uso de trela e açaime viola, de forma ostensiva, o disposto no artº 13º
do DL 315/2009, de 29/10.
33.
Por outro lado, toda a postura do arguido perante o cenário existente, designadamente
a postura de agressividade que o arguido demonstrou para com os ofendidos,
estimulou e potenciou os instintos agressivos do canídeo “...”, que é de uma raça de

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cães de guarda.
34.
O arguido tinha pleno conhecimento que o seu comportamento agressivo e
provocatório iria fazer aumentar, em muito o nível de agressividade e perigosidade do
canídeo “...”.
35.
Repare-se que o arguido, depois do ataque, ausentou-se do local com o canídeo, no
intuito de não ser identificado, tal era a consciência do seu comportamento e conduta.
36.
Tal comportamento integra o direito de regresso previsto na alínea a) da supra
transcrita cláusula.
37.
Justifica-se, assim, a intervenção da segurada da demandada cível, assim como do
arguido, que já tem a qualidade de demandado cível.
38.
Mas também se justifica a intervenção da segurada da demandada cível, e proprietária
do canídeo “...”, por duas ordens de razões, além das que já foram elencadas.
39.
A primeira prende-se com o limite de capital ao montante máximo de 50.000,00 €,
sendo certo que os pedidos cíveis ascendem a 127.408,03 €.
40.
A segunda, prende-se com a franquia contratual já invocada, pela qual responde a
segurada.
Dos documentos juntos pelos demandantes cíveis:
41.
Por terem natureza meramente particular, e sem qualquer obrigação do contrário, a
demandada cível X… declara desconhecer se corresponde à verdade o que está
contido em todos os documentos juntos com os dois pedidos cíveis, que não tenham
sido por si emitidos.
42.
O que declara, nos termos e para os efeitos do nº 2 do artº 374º do Código Civil.
43.
Bem como nos termos e para os efeitos do nº 1 do artº 444º do Código de Processo
Civil.
NESTES TERMOS,
A) deve o pedido cível ser julgado improcedente por não provado, absolvendo-se, por
conseguinte, a demandada cível do pedido;
B) deve ser admitida a intervenção principal provocada de FF, com domicílio na Rua ...
/ ... ....
PROVA TESTEMUNHAL(…)”

A propósito a juiz a quo proferiu o seguinte despacho(…)“ Em sede de contestação, a


demandada X..., Compañia de Seguros y Reaseguros S.A. veio requerer a intervenção
principal provocada de FF.
Assim, antes de mais, notifique os demandantes para, no prazo de dez dias, se
pronunciarem relativamente ao pedido de intervenção principal provocada formulado
pelo réu, nos termos do disposto no artigo 318.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.”
E decisão “Em sede de contestação, a demandada X..., Compañia de Seguros y
Reaseguros S.A. veio requerer a intervenção principal provocada de FF, com
fundamento no valor global dos pedidos cíveis que ascendem a € 127.408,03, inferior
ao capital máximo seguro de € 50.000,00, na existência de uma franquia contratual
pela qual responde a seguradora e no direito de regresso que poderá exercer sobre a
segurada.
Notificados para se pronunciarem, os demandantes civis não se opuseram ao incidente
deduzido.
Cumpre apreciar e decidir.
A possibilidade da dedução de incidentes de intervenção de terceiros em processo
penal tem recebido uma resposta controvertida na jurisprudência nacional, contudo os
nossos Tribunais Superiores têm entendido que o princípio da adesão se estende ao
ponto de permitir estes incidentes, sem que tal implique a remessa dos autos para os
meios comuns (cf. acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 16-05-2012, proferido

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no processo 246/09.6GAVNF.P1, de 11-11-2015 proferido no processo


13932/13.7TDPRT-A.P1 e de 03-10-2018 proferido no processo 4169/15.1T9AVR-
A.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt), argumentando-se que não é a mera dedução
do incidente que releva para fins de consideração do retardamento intolerável do
processo, nos termos do artigo 82.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
Posto isto, sobre o âmbito da intervenção principal provocada, dispõe o artigo 316.º do
Código de Processo Civil que:
«1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode
chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu
associado, seja como associado da parte contrária.
2 - Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de
algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra
quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.
3 - O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:
a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários,
sujeitos passivos da relação material controvertida;
b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo
autor.».
Prevê o n.º 1 a preterição do litisconsórcio necessário que se consubstancia, nos
termos do artigo 35.º do Código de Processo Civil, na situação em que há uma única
ação com pluralidade de sujeitos, designadamente nas hipóteses previstas nos artigos
33.º e 34.º.
Contempla o n.º 2 os casos de litisconsórcio voluntário que se consubstancia, grosso
modo, nos termos do artigo 32.º, na simples cumulação de ações, conservando cada
litigante a posição de independência em relação aos seus compartes.
Por fim, o n.º 3 prevê os casos em que o réu pode requerer o chamamento e estatui
que lhe é facultado quando mostre interesse atendível em chamar a intervir outros
litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida – alínea a)
– ou pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo
autor – alínea b).
Quanto à oportunidade do chamamento, dispõe o artigo 318.º do Código de Processo
Civil que o mesmo só pode ser requerido:
«a) No caso de ocorrer preterição do litisconsórcio necessário, até ao termo da fase
dos articulados, sem prejuízo do disposto no artigo 261.º;
b) Nas situações previstas no n.º 2 do artigo 316.º, até ao termo da fase dos
articulados;
c) Nos casos previstos no n.º 3 do artigo 316.º e no artigo anterior, na contestação ou,
não pretendendo o réu contestar, em requerimento apresentado no prazo de que
dispõe para o efeito.»
Volvendo ao caso em apreço, constata-se que a demandada civil enquadrou a sua
pretensão no âmbito da intervenção principal provocada, deduzindo-a, em simultâneo,
com a contestação oportunamente apresentada, pelo que, tomando por referência o
disposto no artigo 318.º do Código de Processo Civil, nenhuma dúvida subsiste quanto
à tempestividade de tal dedução.
Ora, um cão de raça Rottweiler é considerado um animal potencialmente perigoso (lista
anexa à Portaria n.º 422/2004, de 24 de abril), dispondo o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º
315/2009, de 29 de outubro que o detentor de qualquer animal perigoso ou
potencialmente perigoso fica obrigado a possuir um seguro de responsabilidade civil
destinado a cobrir os danos causados por este.
Tratando-se de seguro obrigatório, o lesado tem o direito de exigir o pagamento
diretamente ao segurador (artigo 146.º, n.º 1 do Regime Jurídico do Contrato de
Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril), não lhe impondo que o
demande conjuntamente com o segurado, exceto quando lei especial expressamente o
determine.
Contudo, no caso dos autos, constata-se que o valor global dos pedidos cíveis
formulados ascende a € 127.408,03, o que significa que o quantum indemnizatório não
se contém no montante do capital seguro, pelo que existe uma pluralidade de sujeitos
da relação obrigacional que fundamenta a intervenção como parte principal de FF.
Pelo exposto, admite-se a intervenção principal provocada de FF, ordenando-se a sua
citação (artigo 319.º do Código de Processo Civil).
Custa do incidente pela requerente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal (artigo

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539.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas
Processuais).
Notifique”
Importa saber se a chamada é parte legítima na presente ação, pois que, caso se
considere parte ilegítima, o incidente em apreço tal como foi admitido não o podia ser.
Sabendo que a legitimidade processual, requisito da procedência do pedido, afere-se
pelo pedido e causa de pedir tal como são apresentados pelo autor, o incidente de
intervenção principal provocada supõe uma cotitularidade da relação material
controvertida, com participação do chamado à intervenção.
Verificado este pressuposto, admitido o primeiro modo de chamamento, tal implicará
um alargamento do objeto do processo, que passa a reportar-se não só à relação
jurídica controvertida, como também ao “direito próprio” do interveniente, e à situação
jurídica de que este é titular, uma vez que a pretensão da Autora é deduzida com base
em responsabilidade civil extracontratual da demandada.
Ora, em momento algum da petição inicial os demandantes atribuem qualquer
responsabilidade à chamada na verificação dos eventos. Por sua vez, em sede de
contestação também a demandada seguradora invoca a chamada, mas apenas para
efeitos de direito de regresso, alegando argumentos completamente opostos e
contrários aos da chamada, pelo que não estamos na presença de qualquer situação
de litisconsórcio necessário e voluntário nos termos do disposto no artigo 316.º, n.º 1,
n.º 3 do CPC, nem estamos na presença de uma situação onde existam vários
codevedores solidários, nos termos do disposto no artigo 317.º, n.º1 do CPC, na
medida em que a chamada transferiu por força do contrato de seguro a
responsabilidade para a seguradora e portanto dentro do capital assegurada ela não se
apresenta como codevedora. O contrato de seguro celebrado entre a demandada
companhia seguradora e a chamada FF traduziu-se na criação de uma
responsabilidade conjunta e não solidária, pelo que a obrigação resultado da
celebração de tal contrato não é uma obrigação solidária passiva e não o sendo não
pode ser aplicado o disposto no art. 317º do CPC.
Na intervenção principal, o terceiro é chamado a ocupar na lide a posição de parte
principal, ou seja a mesma posição da parte principal primitiva a que se associa,
fazendo valer um direito próprio (art.º 312º do CPC), podendo apresentar articulados
próprios (art.º 314º do CPC) e sendo a final condenado ou absolvido na sequência da
apreciação da relação jurídica de que é titular efetuada na sentença, a qual forma
quanto a ele caso julgado, resolvendo em definitivo o litígio em cuja discussão (art.º
320º do CPC).
Por sua vez, na intervenção acessória o terceiro é chamado a assumir na lide uma
posição com estatuto de assistente (art.º 323º, nº 1 do CPC) e por isso a sua
intervenção circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na
ação de regresso invocada como fundamento do chamamento (art.º 321º, nº 2 do CPC
e a sentença final não aprecia a ação de regresso mas constitui caso julgado às
questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, com as
limitações do art.º 323º, nº 3 do CPC).
Em função destas consequências jurídicas da intervenção é fácil de antever que a
faculdade de requerer o chamamento depende obviamente da verificação das
situações em que a lei processual o permite.
No caso dos autos os demandantes nada requereram contra a chamada e a causa de
pedir centra-se no ataque do cão imputando responsabilidades ao comportamento do
arguido AA. Por sua vez a demandada seguradora centra-se apenas no direito de
regresso e com este fundamento que suscita a intervenção da recorrente.
Como resulta da própria epígrafe do preceito, “intervenção de litisconsorte”, o campo
de aplicação da intervenção principal, com exceção da situação prevista no art. 317º
do CPC, passou a estar confinado às situações de litisconsórcio: só pode intervir na
ação, assumindo a posição de parte principal, um terceiro que, por referência ao objeto
da lide, esteja em relação à parte a que se vai associar numa situação de
litisconsórcio, não sendo suficiente para o efeito uma situação de coligação e, muito
menos, uma situação que não preencha sequer os pressupostos da coligação. E isto é
assim quer no tocante à intervenção espontânea quer no tocante à intervenção
provocada, conforme resulta do disposto no art.º 316º do CPC que define os casos em
que o terceiro pode ser chamado pelas partes primitivas.
A figura do litisconsórcio refere-se à situação em que a mesma e única relação material

http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/08c8eff1b5233a9680258956003e8e0f?OpenDocument Página 43 de 51
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controvertida tem uma pluralidade de partes.


A figura do incidente intervenção acessória provocada encontra regulada nos art.ºs
321.º a 324.º, do C.P.C. vigente.
Este incidente, como já dissemos, visa permitir a participação de um terceiro perante o
qual o réu possui, na hipótese de procedência da ação, um direito de regresso, não
configurando como parte interessada. Para justificar esta intervenção não basta um
simples direito de indemnização contra um terceiro, tornando-se ainda necessário que
exista uma relação de conexão entre o objeto da ação pendente e o da ação de
regresso (cfr. art. 322, n.º 2, in fine, do C.P.C., vigente, art.º 331º nº 2 in fine, do C.P.C.,
revogado). E essa conexão está assegurada sempre que o objeto da ação pendente
seja prejudicial relativamente à apreciação do direito de regresso contra o terceiro (cfr.
Ac. Rel. Lisboa de 8/5/2003, proc.º n.º 10688/2002-6, relatado por Fernanda Isabel
Pereira).
Com este incidente o réu obtém não só o auxílio do chamado, como também a
vinculação deste à decisão, de carácter prejudicial, sobre as questões de que depende
o direito de regresso (art. 332º nº 4, hoje art.º 323, n.º 4) – (cfr. Ac.s STJ de
16.12.1987, BMJ 372/385, e de 31.3.1993, BMJ 425/473, citados pelo Ac. da Rel. de
Lisboa de 8/5/2003, supra citado).
No caso dos autos verifica-se pelo que acima se expôs que não estamos perante
nenhuma situação de litisconsórcio, na medida em que tal como foi configurada a
petição cível e a contestação a chamada não se configura com parte interessada e
parte legítima além de que apresenta segundo a contestação interesse diverso da
requerente seguradora, pelo que por estas razões o incidente suscitado não era o
adequado, sendo que o que está em causa é uma situação de intervenção acessória
provocada prevista no art. 321º do CPC. A situação em causa retrata um interesse
indireto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor, pela ideia da posição
processual que deve corresponder ao titular de uma relação de regresso, meramente
conexa com a relação jurídica material controvertida objeto da causa principal, pelo
que o chamado assume a posição de mero auxiliar na defesa, em termos de
acautelamento da eventualidade da hipótese de no futuro contra ele ser instaurada por
quem foi réu na ação anterior, ação de regresso para efetivação do respetivo direito,
ver Salvador da Costa, Incidentes da Instância, 6ª ed., págs. 95 e ss.

Acresce ainda que o tribunal a quo extravasou o que lhe foi pedido, violando o princípio
do dispositivo, princípio basilar do processo civil, o que configura uma nulidade que
afeta a sentença alvo de recurso. E isto porque nenhum pedido foi feito contra a
recorrente por parte dos demandantes, nem estes posteriormente na sequência da
informação chegada aos autos acerca dos limites do capital garantido pela seguradora,
solicitaram a sua ampliação.
É que não obstante o despacho do tribunal a quo ter transitado em julgado, uma coisa
é a admissão e outra é a discussão substantiva das questões subjacentes à ação de
regresso, tendo em atenção que a sentença produz caso julgado em relação ao
chamado relativamente a essas questões.

Por sua vez, não podia o tribunal a quo no despacho que admitiu a intervenção
justificar o seu deferimento dizendo, para além do mais Contudo, no caso dos autos,
constata-se que o valor global dos pedidos cíveis formulados ascende a € 127.408,03,
o que significa que o quantum indemnizatório não se contém no montante do capital
seguro, pelo que existe uma pluralidade de sujeitos da relação obrigacional que
fundamenta a intervenção como parte principal de FF, substituindo-se aos
demandantes. E também não o podia ter feito porque o fundamento suscitado pela
companhia seguradora para suscitar o incidente foi apenas o do direito de regresso.
Violou assim o princípio do dispositivo, art. 3º do CPC o que acarreta a nulidade
daquele despacho com as consequências inerentes na sentença ora em apreciação,
art, 615º, n º 1 al. e) do CPC. pelo que a mesma não pode ser condenada em qualquer
pedido, sem prejuízo dos efeitos decorrentes do chamamento previsto no art. 321º do
CPC para efeitos de regresso.

Tendo ainda presente que se mostra implícito pela alegação da ilegitimidade por parte
da chamada, que a mesma quis neste recurso questionar o incidente de intervenção
provocada, que pressupõe legitimidade, e que ao tribunal não está vedado determinar

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o instituto de intervenção que se mostre mais adequado desde que estejam presentes
os respetivos requisitos, coloca-se a questão de saber se é possível a sua convolação
para a intervenção acessória em sede de recurso.
Pois que neste vigora, entre o mais, a regra de que são as conclusões do recurso que
delimitam o objeto do recurso, o que é um outro modo de dizer que o tribunal de
recurso só decide as questões que lhe forem colocadas e que tenham a ver com as
decisões tomadas pelos tribunais recorridos.
A maioria da jurisprudência vai no sentido de ser admissível o tribunal convolar o
incidente de intervenção principal para o de intervenção acessória, desde que se
encontrem observados os elementos exigidos no incidente de intervenção acessória e
que o chamante os invoque.
A respeito veja-se:
Ac. da Rel. de Lisboa de 8/5/2003, relatado pela Desembargadora FERNANDA ISABEL
PEREIRA e proferido no Proc. nº 10688/2002-6 onde se refere “é legítimo ao tribunal
proceder à correcção oficiosa da forma de incidente de intervenção de terceiros, desde
que o respectivo requerimento comporte os elementos fundamentais da forma
incidental adequada ao caso». Ac. da mesma Relação de 22/4/2004, relatado pela
Desembargadora FÁTIMA GALANTE e proferido no Proc. nº 745/2004-6, onde se
refere “é legítima a correcção oficiosa da forma de incidente de intervenção de
terceiros, desde que o respectivo requerimento comporte os elementos fundamentais
da forma incidental adequada ao caso». Ac. da mesma relação de 31/10/2007, relatado
pela Desembargadora ISABEL TAPADINHAS e proferido no Proc. nº 7889/2007-4,
onde se refere “embora a parte tenha deduzido incidente de intervenção principal
provocada, nada obsta a que o tribunal proceda à correcção oficiosa da forma
incidental desde que o requerimento comporte os elementos fundamentais da forma
incidental adequada ao caso». Ainda no mesmo sentido o Ac. da Rel. do Porto de
15/10/2007, relatado pelo Desembargador ATÁIDE DAS NEVES e proferido no Proc. nº
0733398 onde se refere “apontando a correspondente factualidade alegada para a
existência de um direito de regresso do chamante, nada impede o juiz de, perante tal
factualidade, admitir o chamamento sob a veste adequada de intervenção acessória,
apesar de requerido a título de intervenção principal”. Ac. da mesma Relação de
29/1/2008, relatado pelo Desembargador MARQUES DE CASTILHO e proferido no
Proc. nº 0723574, onde se refere “se os factos alegados pelo réu o permitirem, o
tribunal, ao abrigo do disposto nos arts. 264º, 265º e 664º do CPC, deve qualificar o
incidente como de intervenção acessória provocada, apesar de o réu ter qualificado
indevidamente o incidente como de intervenção principal” e de 24/5/2004, relatado pelo
Desembargador FONSECA RAMOS proferido no Proc. nº 0452695.
Concordamos que é a solução que mais se adapta á lei é a que entende ser possível
ao tribunal convolar oficiosamente para o incidente de intervenção provocada, desde
que a parte alegue os requisitos exigidos pela norma (vg. direito de regresso ou sub
rogação). Porquanto com a reforma do processo civil veio claramente permitir-se a
opção por soluções que privilegiam aspetos de ordem substancial, em detrimento das
questões de natureza meramente formal.
Ao que acresce o princípio da cooperação, previsto no art.º 7. n.º 1, do C.P.C. vigente,
art.º 266º, nº 1 do CPC revogado, que tem por finalidade a obtenção, com brevidade e
eficácia, da justa composição do litígio, visando, por um lado, o apuramento da
verdade sobre a matéria de facto e, com base nela, a obtenção da adequada decisão
de direito; e, por outro o da cooperação em sentido formal, com vista à obtenção, sem
dilações inúteis, das condições para que essa decisão seja proferida no menor período
de tempo compatível com as exigências do processo.
Posto isto, inexistem quaisquer razões que obstem à convolação nesta instância e
assim quer por via de se estar perante um uma intervenção acessória quer pelo facto
de haver violação do princípio do dispositivo, a chamada FF não é sujeito da relação
jurídica material controvertida no processo, já que não foi contra ela, mas contra o
arguido e a ré seguradora, requerente do chamamento, que foi formulado o pedido da
ação, razão porque, a proceder, é a ré e não a chamada, que deve ser condenada. A
recorrente não influência a relação jurídica processual desenvolvida entre os autores e
a chamante e daí que não pode haver condenação quanto a ela não se podendo
sequer fazer constar na parte dispositiva o reconhecimento do direito de regresso
quanto às quantias que vierem a ser pagas ao autor. Ver Ac RLx de 26.05.11.
Posto que a ré seguradora chamou a recorrente para efeitos de direito de regresso,

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convola-se a intervenção provocada principal para intervenção provocada acessória


por se mostrarem preenchidos os requisitos.

A este respeito importa referir que o seu chamamento, ainda que acessório como
acima se expôs mantém relevância no que concerne às questões respeitantes ao
pedido e causa de pedir que tenham repercussão de caso julgado na existência e no
conteúdo do direito de regresso, nomeadamente no direito da seguradora de
restituição ou de indemnização da mesma contra FF pelo montante em que venha a
ser condenada a pagar aos demandantes pela procedência do pedido cível, a qual
emerge do negócio jurídico, contrato de seguro que realizaram e nessa medida não
pode a recorrente pretender ver improcedente o direito de regresso da seguradora,
sobre o qual nem sequer este Tribunal ou o quo podem dispor.

Contudo tem razão quando afirma que o tribunal a quo não deveria fazer menção ao
direito de regresso na parte do dispositivo, pelo que dali deve ser eliminada tal
menção, embora frise-se não tenha havido qualquer condenação a este respeito.
Procede parte do recurso.

Diz a recorrente que inexiste a sua responsabilidade pelo risco.


Para tal afirma que não ficou provado que o canídeo foi utilizado no interesse da
recorrente.
Sem razão. Não obstante ter sido dado como provado que o arguido tratava e cuidava
do canídeo como se seu dono fosse, também ficou provado no ponto 2. Que tal
canídeo era propriedade de FF, namorada do arguido e com o qual vivia, encontrando-
se, à data da prática dos factos à guarda e cuidados do arguido no dia e hora dos
eventos descritos.
O tribunal a quo para justificar a responsabilidade em causa refere:
A relação material controvertida em apreço nos autos convoca três potenciais
responsáveis cíveis: o arguido, enquanto detentor do canídeo, a demandada cível FF,
enquanto proprietária do canídeo, e a demandada cível seguradora, na sequência da
transferência da responsabilidade civil para esta.
O que remete o Tribunal para a apreciação da responsabilidade civil não só à luz do
que vem de ser explanado, mas também na ótica de outras fontes de responsabilidade
civil, concretamente da responsabilidade pelo risco.
Enquanto que na responsabilidade civil fundada na culpa se exige um juízo moral
da conduta do agente, que importe uma censura ao mesmo, na responsabilidade
civil pelo risco arreda-se esse mesmo juízo de desvalor, assentando a imputação da
conduta em «critérios objectivos de distribuição do risco (por exemplo, a obtenção de
benefícios a partir de uma zona de riscos; a possibilidade de exercer controle sobre
ela, ou a criação de perigos em resultado de uma actividade específica).» (MENEZES
LEITÃO, Luís, Direito das Obrigações, Volume I – Introdução. Da constituição das
Obrigações, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2017, p. 275). Os demais requisitos
supra elencados (facto voluntário, dano e nexo causal), repetem-se nesta outra fonte
de responsabilidade civil.
Como também ali se pode ler (p.276), na responsabilidade civil pelo risco cumprem-se
funções de reparação do dano, mas também, acessoriamente, finalidades de
prevenção, enquanto que na responsabilidade civil fundada na culpa as funções a
cumprir são de reparação (função principal), «preventiva e punitiva, a qual se
demonstra pela diminuição da indemnização em caso de negligência (art. 494º); pela
repartição da indemnização em função da culpa dos agentes, em caso de pluralidade
de responsáveis (art. 497.º, n.º 2); pela redução ou exclusão da indemnização em caso
de culpa do lesado (art. 570.º), e pela normal irrelevância da causa virtual na
responsabilidade civil.».
É que a ratio deste instituto repousa na compensação pela fruição, ou seja, numa
conceção de risco-proveito, em que ubi commoda, ibi incommoda. Trata-se de uma
figura de uso residual e excecional, por isso mesmo restringida aos casos legalmente
plasmados e que não podem ser aplicados por analogia.
No caso específico dos danos causados por animais, e tal-qual supra se indicou já,
quem usar o animal no seu próprio interesse, responde pelos danos que resultem
desse perigo especial, independentemente de culpa, por força do artigo 502.º, do
Código Civil.

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Conforme ensina o acórdão do venerando Tribunal da Relação do Porto de 09 de maio


de 2019, processo n.º 282/14.0T8MTS.P1 «A diferença de regime – artigo 502.º versus
artigo 493.º. ambos do C.C. – explica-se pela diversidade de situações a que tais
disposições de aplicam – enquanto o primeiro é aplicável aos que utilizam os animais
no seu próprio interesse (o proprietário, o usufrutuário, o possuidor, etc.), o segundo
refere-se às pessoas que assumiram o encargo da vigilância dos animais (o
depositário, o mandatário, o guardador, etc.).»
Contudo, no caso do artigo 502.º do Código Civil, exige-se o requisito adicional, de os
danos emergirem de um perigo especial da utilização do animal.
Nas palavras do acórdão do venerando Tribunal da Relação do Porto de 16 de janeiro
de 1990, apud o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11 de junho de 2015,
processo n.º 613/08.2TBSSB.E1, «os danos provocados pela mordedura de um cão
resultam de um perigo especial que envolve a sua utilização, não importando indagar
da culpa dos donos do cão, já que a responsabilidades deles se baseia no risco».
Aqui a responsabilidade pressupõe um poder real, material ou de facto sobre o animal.
E naturalmente não exclui a outra fonte de responsabilidade, vertida no artigo 493.º, do
Código Civil.
O que se exige é, portanto, que o dano se encontre numa adequada correlação com o
perigo especial do animal, porquanto, conforme se respiga do acórdão do venerando
do Tribunal da Relação do Porto de 09 de maio de 2019, processo n.º
282/14.0T8MTS.P1, «Como animais irracionais, os cães são dominados por impulsos e
instintos, não sendo, muitas vezes, possível prever os seus comportamentos e, por
isso, constituem também, com muita frequência, uma fonte de perigo.».
São assim requisitos específicos desta responsabilidade a utilização do animal no seu
próprio interesse e, ainda, o dano resultar de um risco normalmente relacionado com a
sua utilização.
*
Por fim, cumpre referir que, independentemente da fonte da responsabilidade civil,
havendo vários responsáveis pelos danos, a responsabilidade entre todos é solidária
(artigo 512.º, do Código Civil e acórdão do colendo Supremo Tribunal de Justiça de 03
de maio de 2016, processo n.º 613/08.2TBSSB.E1.S1), sem prejuízo do direito de
regresso eventualmente existente entre elas – cf. os artigos 497.º, n.º 1, e 507.º, n.º 1,
do Código Civil.
Isto posto, se se verificarem todos os pressupostos do instituto a aplicar, haverá que
reparar o lesado, de preferência in natura, de acordo com a teoria da diferença
(reconstituição da situação em que o lesado estaria se a lesão não tivesse ocorrido) -
artigo 562.º, do Código Civil. Caso tal forma de reparação não seja possível, haverá,
então, que recorrer à fixação da indemnização em dinheiro – artigo 566.º, do CC.
(…)
Da responsabilidade civil da interveniente principal/proprietária do canídeo FF
A proprietária do canídeo, não obstante não estivesse no local dos factos, nem haja
concorrido, com uma conduta ativa, para que os mesmos ocorressem, frui do facto de
ter um cão de raça potencialmente perigosa.
A responsabilidade que sobre si impende é, pois, uma responsabilidade nos termos do
disposto no artigo 493.º, n.º 1 do Código Civil, caso os seus pressupostos estejam
reunidos ou, em última instância, uma responsabilidade à luz do disposto no artigo
502.º, do mesmo diploma, responsabilidade essa que é objetiva, ou seja, independente
de culpa.
Efetivamente, enquanto proprietária do canídeo, a demandada FF frui dele – extraindo
os respetivos benefícios – e sobre ela impende o dever de vigilância do animal. Não
tendo sido demonstrada a sua influência direta no encadeamento dos factos, nem que,
naquele exato momento, em que o canídeo se encontrava à guarda e aos cuidados do
arguido, se mantinha o seu dever de vigilância, cumpre afastar o artigo 493.º n.º 1 e
recorrer ao disposto no artigo 502.º do Código Civil, já que, como supra se explicou já,
a mordedura é um perigo especial do canídeo. Estando reunidos os pressupostos do
artigo 502.º do Código Civil, então, conclui-se pela responsabilidade independente
de culpa da demanda cível FF.
Concorda-se integralmente com o supraexposto. O facto de ser proprietária do
Rottweiler, animal potencialmente perigoso, ser irracional e fonte de perigo e viver com
ele, tê-lo registado em seu nome, usufruindo da sua companhia diariamente permite,
desde logo a aplicação do art. 502º do C.P.C.O facto do arguido também o tratar como

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se fosse seu dono não repele a responsabilidade pelo risco que pode impender sobre
outrem nas condições descritas no art. 502º do CPC. Nesta parte improcede o recurso.

No conjunto procede parcialmente o recurso da recorrente.

Recurso da Companhia seguradora X....


Erro de julgamento e funcionamento das presunções judiciais.
Funcionamento de cláusula de exclusão e sua oponibilidade a terceiros.
Esta recorrente vem impugnar de facto defendendo que os factos dados como não
provados em l), m) e n) deveriam ter sido dados como provados.
Estão em causa:
l) O canídeo, por não ser esterilizado, encontrava-se especialmente tempestuoso,
imprevisível e mais facilmente violento.
m) A esterilização do canídeo é uma medida profilática que tem por objetivo reduzir a
agressividade do canídeo.
n) Tal falta de esterilização potenciou a agressividade e perigosidade do canídeo “...”,
tendo contribuído, de forma decisiva, para a verificação do ataque.
Resulta logo à evidência que a impugnação não segue e é bom recordar estamos no
âmbito do processo penal, o disposto no art. 412º do CPP, ou seja teria que indicar as
concretas passagens da prova gravada que impusessem versão contrária à
encontrada.
O que que no fundo faz a recorrente é questionar a apreciação da prova feita pelo
tribunal a propósito, considerando que houve erro nessa apreciação. Sustenta-se nos
factos assentes e na prova por presunção.
Alega que tendo o tribunal dado como provado que o animal, raça Rottweiler não
estava esterilizado. Ponto 3. da matéria assente, devia com recurso à presunção
judicial sustentada no art. 19º do D/L n º 315/2009 de 29 de out por referência à
Portaria 422/04 de 27.04 que classifica o animal dos autos como de raça perigosa, ter
concluído que a ausência de esterilização deste animal potenciou o perigo, ou seja
estabeleceu-se um presunção deque a esterilização, como medida profilática
obrigatória, reduz a agressividade dos canídeos e que a sua falta potencia a
agressividade e perigosidade do canídeo.
Considera assim que por simples presunção judicial, o Tribunal a quo deveria ter
concluído, em sede de fixação da factualidade relevante, que o canídeo, por não ser
esterilizado, encontrava-se especialmente tempestuoso, imprevisível e mais facilmente
violento, que a esterilização é uma medida profilática que tem por objetivo reduzir a
agressividade do canídeo e que a falta de esterilização potenciou a agressividade e
perigosidade do canídeo “...”, tendo contribuído, de forma decisiva, para a verificação
do ataque.
Ora o tribunal deu como provado que o animal não estava esterilizado e nos termos da
lei resulta que este concreto animal é potencialmente perigoso, mas daí a presumir-se
que por não estar esterilizado a agressividade e perigosidade deste concreto canídeo
foi potenciada é um salto que não pode dar-se.
Refere a exposição introdutória do referido D/L, “Pela experiência adquirida com a
aplicação daqueles normativos legais conclui-se, no entanto, que a punição como
contra-ordenação das ofensas corporais causadas por animais de companhia não é
factor de dissuasão suficiente para a sua prevenção, pelo que se entendeu como
adequado tipificar tais comportamentos expressa e claramente como crime.
A convicção de que a perigosidade canina, mais que aquela que seja eventualmente
inerente à sua raça ou cruzamento de raças, se prende com factores muitas vezes
relacionados com o tipo de treino que lhes é ministrado e com a ausência de
socialização a que os mesmos são sujeitos leva a que se legisle no sentido de que a
estes animais sejam proporcionados os meios de alojamento e maneio adequados, de
forma a evitar-se, tanto quanto possível, a ocorrência de situações de perigo não
desejáveis.
Para além disso, é necessário estabelecer obrigações acrescidas para os detentores
de animais de companhia perigosos ou potencialmente perigosos, entre as quais se
destacam a exigência de que reprodução ou criação de quaisquer cães potencialmente
perigosos das raças fixadas em portaria do Ministro da Agricultura, do
Desenvolvimento Rural e das Pescas se faça de forma controlada, em locais
devidamente autorizados para o efeito, com requisitos especiais quer no alojamento

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dos animais quer no registo dos seus nascimentos e transacções.


O seu art. 19º estabelece sob a epígrafe proibição de reprodução.
1 - Os cães perigosos, ou que demonstrem comportamento agressivo, não podem ser
utilizados na criação ou reprodução.
2 - Os cães referidos no número anterior devem ser esterilizados, devendo os seus
detentores, sempre que solicitados pelas autoridades competentes, apresentar o
respetivo atestado emitido por médico veterinário.
3 - Os cães das raças constantes da portaria prevista na alínea c) do artigo 3.º que não
estejam inscritos em livro de origens oficialmente reconhecido, bem como os
resultantes dos cruzamentos daquelas raças entre si e destas com outras, devem ser
esterilizados entre os 4 e os 6 meses de idade.
4 - A DGAV pode determinar a esterilização obrigatória de um ou mais cães, no prazo
máximo de 30 dias após a notificação do seu detentor, sempre que esteja em risco a
segurança de pessoas ou outros animais, devendo a mesma ser efetuada por médico
veterinário da escolha daquele e a suas expensas.
5 - O detentor fica obrigado a apresentar declaração passada por médico veterinário,
no prazo de 15 dias após a esterilização prevista nos números anteriores ter sido
efetuada ou até ao termo do prazo naquela estabelecido, na junta de freguesia da área
da sua residência, devendo passar a constar da base de dados nacional do SICAFE
que o cão:
a) Está esterilizado;
b) Não foi sujeito à esterilização, dentro do prazo determinado pela autoridade
competente, por não estar em condições adequadas, atestadas por médico veterinário,
indicando-se naquele atestado o prazo previsível para essa intervenção cirúrgica.
6 - A declaração referida no número anterior é emitida em modelo disponibilizado no
sítio da Internet da DGAV.
7 - As câmaras municipais prestam toda a colaboração que vise a esterilização
determinada nos termos dos n.os 3 e 4, sempre que se prove por qualquer meio
legalmente admitido que o detentor não pode suportar os encargos de tal intervenção.
O objetivo da esterilização é impedir a reprodução deste género de animais e não
atenuar a sua potencial perigosidade.
Se é certo que é conhecido do cidadão mediano que a esterilização pode acalmar os
animais como afirma o Tribunal a quo, não pode concluir-se que no contexto concreto
deste cão dos autos tal teria esse efeito. É que nem sempre a esterilização acalma os
animais e como tal não se pode dar como presumida a acalmia e a redução da
agressividade.
De facto ocorrem situações em que após a castração os animais se tornam mais
perigosos e outros mantêm o mesmo registo de agressividade e outros ficam mais
calmos, não sendo correto afirmar-se que haja uma redução maciça na agressão de
cães depois da castração. Essa redução estará mais associada ao treino e forma de
educação dos mesmos. Existem estudos que dão conta que a castração reduziu a
agressão a outros cães da casa em 1/3 dos casos, a pessoas da família em 30% dos
casos, a cães desconhecidos em 20% dos casos e a pessoas desconhecidas somente
em 10% dos casos. Repare-se só 10%. Portanto, castrar cães reativos ou agressivos
faz muito pouco para diminuir esses problemas, mas muitos veterinários sugerem
castrar cães agressivos, porque pelo menos isso impedirá a reprodução e transmissão
de quaisquer traços genéticos para agressão. E é exatamente o que nos parece que
está na ratio daquele artigo.
Existem diversos motivos para se ter um cão agressivo após a castração ou, até
mesmo antes do procedimento. Na maioria das vezes isso acontece quando o animal
está com medo ou precisa defender os seus recursos. A agressividade também surge
no momento em que dois machos precisam lutar pela atenção de uma cadela no cio,
por exemplo. As fêmeas também podem competir pelos machos. Nesses casos a
castração pode ajudar a controlar a agressividade, uma vez que esse tipo de
comportamento ocorre por controlo hormonal. Nos casos em que a agressividade
acontece por estímulo ambiental, como foi o caso dos autos, ou, quando o cão passa
por algum trauma, é preciso ter outras atitudes. Nesses casos é preciso trabalhar o
comportamento do cão juntamente com um adestrador profissional que esteja
acostumado a essas situações, não bastando a esterilização. Apesar de a castração
poder ser benéfica nesses casos, ainda assim não é possível garantir que o cão não
fique agressivo após a castração. Isso porque qualquer comportamento tem influência

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de diversos fatores, incluindo experiências de vida, idade, criação e a forma como o


cão vive. E ainda as determinações genéticas que levam à construção da
personalidade do animal.
É por este conjunto de razões que não se pode estabelecer uma presunção judicial
como a que pretende a recorrente.
Em face do exposto improcede o recurso, mantendo-se a resposta negativa dada aos
pontos l), m) e n).
Por consequência, também não pode proceder a questão suscitada quanto à matéria
de direito.
Afirma a recorrente Com efeito, a omissão de providenciar pela esterilização do
canídeo preenche plenamente a previsão da cláusula de exclusão atinente à
inobservância de medidas profiláticas/de higiene/terapêuticas constante do contrato de
seguro.
Concretamente, a cláusula n.º 5 das condições gerais da apólice, reproduzida no ponto
78. dos factos dados como provados tem o seguinte teor:
“EXCLUSÕES - Salvo disposição em contrário, expressa nas Condições Gerais, ficam
excluídos do âmbito de cobertura desta garantia os:
[…] m) Danos decorrentes da inobservância de medidas de higiene, profilácticas, e
terapêuticas recomendáveis em caso de doenças infectocontagiosas ou parasitárias.”.
Donde, encontrando-se provada matéria de facto que permite concluir pela verificação
de cláusula de exclusão de responsabilidade, constante do contrato de seguro, e
sendo tal cláusula aplicável às relações inter-partes, mas oponível também a terceiros,
não poderá ser assacada qualquer responsabilidade à ora recorrente.

Sucede, no entanto, que a clausula em questão tem por objeto, um conjunto de ações
de profilaxia médica e sanitária destinadas a impedir o desenvolvimento de doenças
entre os animais relativamente v.g à raiva, mas sempre dentro do domínio das doenças
infetocontagiosas ou parasitárias, pretendendo no fundo penalizar quem não
desenvolva de ações de higiene, profilaxia e terapia sanitárias.
O sentido da cláusula é tão só o de evitar o contacto entre animais e a propagação de
doenças de que eles sejam agentes ou veículos e não propriamente o de criar
condições para evitar que os animais possam atacar pessoas, que é a situação que
nos ocupa nos autos.
Para respeitar tal sentido parece, assim, dever entender-se que só estarão excluídos
da cobertura do seguro os danos causados pelo cão por razões sanitárias ou médicas,
como por exemplo os danos decorrentes de doença (v.g. raiva) transmitida pela
mordedura do cão.
O contrato de seguro é um contrato de transferência da responsabilidade civil dos
donos do cão, pelo que as cláusulas do contrato que definem os comportamentos
contratualmente relevantes a observar pelos contraentes se reportam naturalmente à
atuação dos donos do cão e não do próprio cão.

Por conseguinte, a cláusula do contrato tratando-se de uma norma de exclusão da


cobertura do contrato a mesma tem de ser interpretada em conformidade com a sua
redação literal e de acordo com aquilo que um declaratário normal pode concluir dessa
redação, não podendo ser objeto de interpretações extensivas que contribuam para
excluir afinal a transferência de responsabilidade que se pretendia com o contrato de
seguro de responsabilidade civil por danos causados por animais.
Mesmo que assim não fosse, ainda por outra razão se nos afigura não ser aplicável ao
caso a cláusula de exclusão da garantia do seguro. Por se manterem como não
provados os pontos l), m) e n). Na verdade, não resultou provado que o ataque do cão
resultasse do facto de não estar esterilizado.

Improcede assim esta questão suscitada pela recorrente.

Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação
do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, não obstante as
alterações feitas na matéria fáctica supra descritas as quais não tiveram qualquer
relevância para alterar o dispositivo fixado na sentença a quo.

http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/08c8eff1b5233a9680258956003e8e0f?OpenDocument Página 50 de 51
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 07/09/23, 12:17

Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela chamada FF, declarando nula
a sentença no que lhe diz respeito, absolvendo-a da condenação solidária no pedido
cível e custas processuais cíveis e eliminado do dispositivo a quo a expressão “ tudo
sem prejuízo do direito de regresso da demandada X..., Compañia de Seguros y
Reaseguros S.A.,.-Sucursal em Portugal sobre a demandada FF.”, assumindo a
chamada a posição acessória no processo.

Negar provimento ao recurso interposto por X..., Compania de Seguros Y Reaseguros,


S.A- Sucursal em Portugal.

Manter no demais a decisão a quo confirmando.

Custas criminais pelo recorrente AA, fixando-se em 5 UC a taxa de justiça (arts. 513.º,
e 514º do CPP).

Sumário.
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………………………………
………………………………

Porto, 08 de fevereiro de 2023


(Texto elaborado e integralmente revisto pelo relator, sendo as assinaturas autógrafas
substituídas pelas eletrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha
_______________
[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido,
entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 -
5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Proc. n.º 146/14.8GTCSC.S1 - 5.ª Secção, acessível in www.stj.pt
(Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos).
[3] Proc. n.º 772/10.4PCLRS.L1.S1 – 3.ª Secção, acessível in www.stj.pt
(Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos).
[4] Proc. n.º 7/10.0TELSB.L1.S1 – 3.ª Secção, acessível in www.dgsi.pt.

http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/08c8eff1b5233a9680258956003e8e0f?OpenDocument Página 51 de 51

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