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MSc. Stefanie Ane Valério de Souza

O uso de fitocanabinóides no tratamento


dos distúrbios gastrointestinais

Há muitos anos a planta Cannabis sativa e seus compostos como os


fitocanabinóides vêm sendo utilizados pela humanidade devido às suas propriedades
medicinais e curativas. A recente redescoberta do uso medicinal da Cannabis impactou
todo o mundo, primeiramente em relação a epilepsia refratária infantil, e a partir daí,
cada dia mais pesquisas mostraram as relações benéficas no tratamento de diferentes
condições de saúde, incluindo as disfunções do trato gastrointestinal (TGI).

Os potenciais usos da Cannabis e seus derivados na gastroenterologia são


diversos, e incluem desde o tratamento de náuseas e vômitos, dor abdominal,
gastroenterite, gastroparesia diabética, motilidade hiperativa, diarreia, inflamação
intestinal e Doença de Crohn, entre outros. Mas, por mais que existam fundamentos
biológicos e dados em animais sugerindo efeitos benéficos da Cannabis nessas
condições, pesquisas que confirmem esses efeitos clinicamente ainda são escassas.

O uso medicinal da planta no tratamento das mais diversas patologias


gastrointestinais ainda são conhecidos e considerados por poucos profissionais médicos
e da área da saúde. Um recente documento divulgado pela Crohn’s and Colitis
Foundation (EUA) pediu uma mudança na política governamental e regulatória afim de
facilitar pesquisas em terapias baseadas em canabinóides, visando quem sabe mais
robustez nos dados para as recomendações terapêuticas (Swaminath et al., 2019).

Mecanismo de Ação

O efeito terapêutico da Cannabis no TGI é baseado no sistema endocanabinoide,


um importante sistema regulador da homeostase corporal, formado pelos receptores
canabinóides (CB1 e CB2), seus ligantes endógenos anandamida (AEA) e 2-AG, e as
enzimas de síntese e degradação desses compostos. Dados pré-clínicos de modelos
animais de colite mostraram que os agonistas dos receptores canabinóides - como o
THC, principal fitocanabinóide psicoativo da planta, podem limitar a inflamação
intestinal e a gravidade da doença. Consequentemente, tem havido grande interesse
em investigar o papel terapêutico dos canabinoides no TGI, especialmente nas doenças
inflamatórias intestinais (DII). Assim, esta revisão trará um olhar mais aprofundado para
as doenças intestinais inflamatórias.

Direitos autorais reservados a Stefanie Ane V. Souza


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Os fitocanabinóides atuam principal, mas não exclusivamente, via receptores


canabinóides CB1 e CB2, que estão amplamente distribuídos pelo TGI. No sistema
nervoso, os receptores CB1 estão localizados nos neurônios centrais e periféricos,
incluindo o córtex, hipocampo, núcleos basais e amígdala, bem como no sistema
nervoso entérico ao longo do trato gastrointestinal, no epitélio e nos terminais
sensoriais de neurônios vagais e espinhais. A ativação desses receptores diminui a
motilidade ao longo do TGI, principalmente por inibir a liberação contínua do
transmissor contrátil (Cohen and Neuman, 2020).

Figura 1. Distribuição e efeitos do SEC no TGI. Nesta representação estão os neurônios aferentes primários
[azul], interneurônios [roxo], secretomotores [amarelo] e neurônios motores excitatórios [verde],
neurônios motores inibitórios [vermelho] (Nasser et al., 2020).

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Os receptores CB1, localizados em sua maioria no cérebro e no sistema nervoso


entérico do TGI, podem regular a função de barreira intestinal a nível do epitélio, e a dor
visceral, pelos aferentes primários espinhais e na medula espinhal. O CB1 é expresso por
todas as classes de neurônios entéricos colinérgicos nos plexos mioentéricos e
submucosos como neurônios aferentes primários, interneurônios, secretomotores e
neurônios motores excitatórios, mas não nos neurônios motores inibitórios, e também
é encontrado em algumas células enteroendócrinas e no epitélio. Os receptores CB1
expressos neurônios aferentes primários extrínsecos vagais e espinhais são regulados
pela alimentação (vagal) e estresse (espinhal), respectivamente.

O trato gastrointestinal também apresenta uma extensa rede de receptores CB2


que podem promover a integridade do epitélio intestinal e mediar efeitos
antiinflamatórios mucosos significativos. O receptor CB2 é expresso por neurônios
entéricos e células imunes do TGI. Em condições de inflamação e lesão, as células do
sistema imunológico ficam aumentadas e o CB2 é regulado positivamente no epitélio,
com aumento na função dos neurônios entéricos.

Os efeitos da ativação dos receptores canabinoides no TGI em estudos com


animais incluem redução da motilidade, redução da inflamação e redução da ativação
imunológica, conforme o esperado. Deste modo, os canabinóides atuam como
inibidores endógenos da inflamação intestinal, modulando a função das células
imunológicas, promovendo a cicatrização de feridas e diminuindo a permeabilidade
intestinal (Nasser et al., 2020).

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Figura 2. Uma representação esquemática dos locais de ação da cannabis (representados pela folha da
cannabis) no eixo intestino-cérebro (Picardo et al., 2019).

A náusea e o vômito também são regulados pelos receptores CB1 e


possivelmente por CB2 no córtex insular e no tronco cerebral, respectivamente. Nas
regiões do tronco encefálico envolvidas no controle do vômito (área postrema e núcleo
do trato solitário), a ativação dos receptores canabinoides atenua o reflexo emético,
reduzindo a liberação de transmissores excitatórios. No prosencéfalo, a liberação de 2-
AG no córtex insular visceral inibe, de forma retrógrada, a liberação de
neurotransmissores, incluindo a serotonina (5-HT), que atua nos receptores 5-HT3 para
produzir náusea. Até o momento, esse modelo foi estudado em ratos, já que em
humanos, o THC (agonista CB1) é reconhecido por reduzir a náusea. Os antagonistas do
receptor 5-HT3 são excelentes antieméticos, mas são menos eficazes na redução da
náusea (Sharkey and Wiley, 2016).

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Figura 3. Papel do sisitema endocanabinóide no controle de náuseas e vômitos (Sharkey and Wiley, 2016).

Outro indício dos prováveis benefícios no uso de fitocanabinóides nessas


patologias são as alterações encontradas no sistema endocanabinóide dos pacientes
com transtornos do TGI. Estudos relatam tanto um aumento quanto uma diminuição no
tônus endocanabinoide em pacientes com doença inflamatória intestinal ativa
(Alhouayek and Muccioli, 2012). Polimorfismos genéticos em receptores canabinoides
também foram associados à DII. Uma variante do receptor CB2 (R63) foi associada ao
risco aumentado para o desenvolvimento de síndrome do intestino irritável (SII),
juntamente com o aumento da gravidade da doença em um estudo de caso-controle
(Strisciuglio et al., 2018).

Um trabalho de 2007 de Smid e colaboradores examinou cortes dos músculos


longitudinais e circulares do cólon humano in vitro, e descobriu a colocalização da AEA
com receptores colinérgicos no cólon humano normal. Os achados do estudo indicam
que os endocanabinoides anandamida e 2-araquidonoilglicerol suprimem a
contratilidade colinérgica colônica por meio de uma via canabinóide não convencional
ou não canabinóide, e ainda que a contração colinérgica pode ser modulada
tonicamente por endocanabinoides (Smid et al., 2007).

Um estudo demonstrou que polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs) no


receptor CB1 modulou a suscetibilidade à colite ulcerativa e alterou o fenótipo de
pacientes com doença de Crohn (Storr et al., 2010). Em outro trabalho do mesmo grupo,
os SNPs na enzima degradativa endocanabinoide amida hidrolase de ácido graxo (FAAH)
foram associados ao início precoce da doença na colite ulcerativa e aumento da
gravidade da doença de Crohn com doença fistulizante associada e manifestações

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extraintestinais (Storr et al., 2009). Esses dados indicam que o sistema endocanabinóide
desempenha um papel na patogênese da DII.

Figura 4. Canabinóides e o intestino. As alterações no tônus canabinoide estão associadas a diferentes


distúrbios do trato gastrointestinal. A figura mostra os efeitos de reduzir (à esquerda) ou aumentar (à
direita) o tônus canabinóide com diferentes ligantes endógenos e drogas exógenas. 2-AG, 2-
araquidonoilglicerol; CBD, canabidiol; FAAH, hidrolase de amida de ácido graxo; GI, gastrointestinal; IBD,
doença inflamatória intestinal; IBS, síndrome do intestino irritável; IBS-D, diarreia predominante IBS; IBS-
M, IBS misto; LES, esfíncter esofágico inferior; MAGL, monoacilglicerol lipase (Uranga et al., 2018).

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Doenças Inflamatórias Intestinais

De causa desconhecida e sem cura até o momento, as doenças inflamatórias


intestinais (DII), incluindo a doença de Crohn e a colite ulcerativa, são condições
imunomediadas intestinais crônicas, caracterizadas por períodos de surtos de
inflamação descontrolada, resultando em sintomas gastrointestinais e extra-intestinais
que, em muitos casos, tem progressão para cirurgia ou incapacidade funcional. Esse
processo usual de surto, quiescência e recaída dos pacientes coloca um impacto
substancial psicológico, emocional e sintomático sobre os indivíduos afetados, além dos
próprios impactos da doença per se.

O manejo bem-sucedido da doença inflamatória intestinal envolve uma revisão


cuidadosa por um especialista e a coordenação de terapias médicas, cirúrgicas,
psicológicas e complementares para atender às necessidades complexas do paciente de
maneira individual. Os objetivos terapêuticos atuais tem se concentrado na melhora dos
sintomas e da qualidade de vida, predominantemente pelo controle da inflamação com
terapias de base imunológica, visando a redução da inflamação, eliminação ou redução
dos sintomas e prevenção de complicações. Mais recentemente, o objetivo do manejo
incluiu tanto a melhora dos sintomas quanto a evidência objetiva de controle
bioquímico, conhecida como “remissão profunda.”

A remissão profunda foi associada à melhora no controle da doença ao longo do


tempo, e está associada a redução de hospitalização e cirurgia. Os avanços na
compreensão do os mecanismos imunopatológicos por trás da doença levaram ao
desenvolvimento de novas terapias eficazes usadas na indução e manutenção da
remissão da atividade da doença. No entanto, apesar dos avanços significativos na
eficácia das terapias médicas para pacientes com DII, permanecem necessidades não
atendidas e lacunas nas opções de tratamento para muitos pacientes. Além disso,
apesar de melhorias substanciais na capacidade de curar o intestino e até mesmo
modificar os resultados de longo prazo da doença, alguns pacientes continuam a sofrer
de uma variedade de sintomas inespecíficos, como náusea, fadiga, fraqueza, perda de
apetite e problemas psicossociais coexistentes (Swaminath et al., 2019).

Deste modo, os pacientes frequentemente recorrem a medicamentos


complementares, e a Cannabis pode ser um adjuvante de medicamentos no controle da
inflamação, bem como melhorar os sintomas e a qualidade de vida do paciente. Como
vimos, os canabinoides podem influenciar uma ampla variedade de reações fisiológicas,
como a motilidade gastrointestinal, secreções intestinais, na inibição de mediadores
inflamatórios, além de atuar no controle do humor, dor e apetite no SNC. Além disso,
foi demonstrado que a planta tem importante propriedade antiinflamatória e, portanto,
pode ser uma opção no tratamento de uma série de condições inflamatórias crônicas,
incluindo a DII.

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Estudos Clinicos

Embora os estudos pré-clínicos em modelos de roedores tenham mostrado


grande promessa, ainda não há evidência clínica conclusiva e robusta sobre o uso de
canabinoides para o tratamento das disfunções gastrointestinais com a DII. Ensaios
clínicos randomizados maiores controlados por placebo, examinando resultados
objetivos / endoscópicos ainda são necessários. Assim sendo, a recomendação ainda é
de não substituir a terapia médica aprovada para o tratamento de qualquer doença
gastrointestinal, hepática ou pancreática se a terapia aprovada estiver disponível e não
tiver sido usada.

Estudos observacionais de canabinoides em pacientes com DII geralmente


mostraram resultados positivos em relação à gravidade da doença. Um estudo
observacional retrospectivo de 30 pacientes com DII que consumiram Cannabis revelou
um diminuição significativa no Índice Harvey Bradshaw (HBI) após o consumo de planta
(Naftali et al., 2011). Da mesma forma, um estudo caso-controle retrospectivo de
pacientes com a doença de Crohn analisou os dados do Projeto de Custo e Utilização de
Saúde e concluiu que os usuários de Cannabis tinham taxas mais baixas de doença
fistulizante, menor necessidade de nutrição parenteral total e menos ressecções
cirúrgicas do cólon (Mbachi et al., 2019), em contraste com os dados coletados
anteriormente (Storr et al., 2014).

Naftali e seus colaboradores conduziram um estudo observacional prospectivo


de 127 pacientes com DII que se candidataram para fazer uso medicinal da Cannabis. O
HBI médio diminuiu significativamente durante o período de acompanhamento e o uso
de esteróide, imunomodulador e tiopurina foram significativamente reduzidos após o
consumo de Cannabis. No entanto, 14% dos pacientes interromperam seus
medicamentos sem consultar o médico prescritor, o que é extremamente preocupante
(Naftali et al., 2019). Deve-se notar que esses estudos observacionais não relatam
índices objetivos de atividade da doença, como calprotectina fecal ou atividade
endoscópica e, portanto, devem ser interpretados com cautela.

Poucos ensaios clínicos randomizados de canabinoides foram realizados na SII.


Apenas dois ensaios clínicos pequenos foram realizados na doença de Crohn. Naftali
conduziu um ensaio clínico duplo-cego randomizado controlado por placebo de 21
pacientes com doença de Crohn refratária moderada a grave. Os pacientes foram
randomizados para fumar cigarros contendo 115 mg de THC ou cigarros "placebo" (sem
THC) duas vezes ao dia por 8 semanas. Embora não tenha havido diferença significativa
na incidência de remissão completa entre os grupos, 10/11 pacientes no Grupo THC vs
4/10 pacientes no grupo placebo tiveram uma diminuição significativa no Índice de
atividade da doença de Crohn (CDAI >100). Nenhum efeito colateral significativo foi
relatado e os pacientes que usaram THC relataram uma melhora no sono, dor, e

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qualidade de vida. No entanto, nenhuma medida endoscópica da atividade da doença


foi realizada (Naftali et al., 2013).

O mesmo grupo examinou o efeito do canabinoide não-psicoativo, CBD, em 20


pacientes com doença de Crohn refratária moderada a grave. Os pacientes foram
randomizados para receber 10 mg de CBD oral duas vezes ao dia ou placebo por 8
semanas. O CBD não teve efeito sobre a atividade da doença e nenhum efeito adverso
considerável foi relatado (Naftali et al., 2017). Prém uma revisão da Cochrane
considerou esses dois estudos com alto risco de viés (Kafil et al., 2018) e alertou que
estudos em coortes maiores são necessários antes de se chegar a qualquer conclusão
sobre o papel dos canabinóides na doença de Crohn ativa.

O CBD também foi avaliado em um estudo sobre colite ulcerosa. Neste estudo
relativamente maior, 60 pacientes com colite ulcerativa leve a moderada foram
randomizados para receber placebo ou 10 semanas de CBD oral em um “extrato
botânico” contendo até 5% de THC. A dose do extrato foi aumentada nas primeiras 2
semanas do teste para um máximo de 500 mg / dia. Nenhuma diferença foi observada
entre os grupos na taxa de remissão clínica; uma análise por protocolo de Mayo dos
escores totais e parciais favoreceu o CBD, enquanto os resultados secundários, como a
qualidade de vida, mostraram uma tendência de melhora nos pacientes que receberam
o extrato de CBD. No entanto, 38% dos pacientes no grupo CBD não completaram o
ensaio e 90% dos pacientes relataram efeitos colaterais devido à baixa tolerabilidade do
extrato (Irving et al., 2018).

Outro estudo de Naftali e equipe na colite ulcerosa é relatado em formato


abstrato (Naftali et al., 2018). Um total de 28 pacientes com colite ulcerosa moderada
foram randomizados para fumar cigarros contendo 11,5 mg de THC ou cigarros
"placebo" (sem THC) duas vezes ao dia por 8 semanas. Uma melhora significativa no
índice de atividade da doença foi observada em pacientes que receberam THC. É
importante ressaltar que uma análise endoscópica foi incluída neste estudo e a
pontuação endoscópica Mayo foi significativamente melhorada naqueles pacientes que
receberam THC quando comparado ao placebo. Uma revisão da Cochrane considerou
os dados deste último estudo com alto risco de viés (Kafil et al., 2018).

Cannabinoides e alguns distúrbios funcionais

Wong e colaboradores também estudaram 75 pacientes com SII (90% mulheres)


com barostato do cólon descendente, randomizados para dose única de placebo, 2,5 mg
ou 5,0 mg de dronabinol. Nesse estudo, descobriu-se que o dronabinol diminui o índice
de motilidade do cólon e aumenta a complacência colônica. Os efeitos foram mais
pronunciados em pacientes com diarreia predominante ou alternada (Wong et al.,
2011). Um estudo de acompanhamento realizado pelo mesmo grupo de 36 pacientes,

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randomizados para placebo, 2,5 mg ou 5 mg de dronabinol por via oral, duas vezes ao
dia, não mostrou nenhuma diferença no nível gástrico, no intestino delgado ou trânsito
colônico por radiocintilografia (Wong et al., 2012).

Em termos de função gástrica, Esfandyari e colegas avaliaram os efeitos dos


canabinóides na função intestinal superior, randomizando 30 voluntários saudáveis para
receber placebo ou dronabinol 5 mg por via oral duas vezes ao dia em três doses
(Esfandyari et al., 2006). Houve uma diminuição geral do esvaziamento gástrico com
dronabinol em comparação com o placebo. O efeito foi mais forte nas mulheres em
comparação com os homens. Não houve diferenças significativas de tratamento nos
volumes gástricos, teste de saciedade ou intestino delgado cintilográfico ou trânsito
colônico. Apesar da aparente desaceleração do esvaziamento gástrico em voluntários
saudáveis, dados de ensaios observacionais (Jehangir et al., 2019) e ensaios não
controlados e sem cegamento (Barbash et al., 2019) sugerem benefícios sintomáticos
de canabinóides em pacientes com gastroparesia.

Kafil e colegas revisaram as publicações disponíveis sobre a segurança e eficácia


da Cannabis em adultos com colite ulcerativa ativa e relataram uma tendência não
estatística de eficácia sem sinais de desfechos clínicos adversos (Kafil et al., 2018). Um
levantamento sobre prevalência e padrões de uso de maconha em adultos jovens com
doença inflamatória intestinal enfatizou a necessidade de se pesquisar a forma como
esses indivíduos usam a planta e as diferentes implicações do modo de
autoadministração (Phatak et al., 2017)

O uso da Cannabis e dos fitocanabinóides em várias formas tem sido associado


a melhorias na náusea, dor abdominal e apetite. Uma revisão sistemática mostrou que
nos pacientes oncológicos em processo de quimioterapia, esses medicamentos podem
ser considerados como terapia primária ou adjuvante por períodos de prescrição
limitados para o gerenciamento de náuseas e vômitos refratários associados à
quimioterapia, dor abdominal, especialmente onde a terapêutica convencional foi
ineficaz (Whiting et al., 2015). Outro trabalho de revisão, que acresceu uma meta-
análise dos seus dados concluiu que os canabinóides produziram eficácia significativa no
tratamento de náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia (Smith et al., 2015).

Embora a ação sobre a função secretora tenha sido menos estudada, um estudo
pré-clinico demonstrou que a secreção de ácido gástrico foi reduzido com a ativação do
CB1 (Coruzzi et al., 1999), sugerindo um potencial terapêutico para o tratamento da
diarreia em pacientes com DII. A ativação do receptor CB1 também demonstrou
aumentar o apetite e promover a ingestão de alimentos e a conservação de energia (Di
Marzo and Matias, 2005), e a ativação dos receptores CB1 e CB2 também demonstrou
reduzir a sensibilidade visceral e a dor associada à distensão colônica em modelos
animais (Sanson et al., 2006; Fioramonti et al., 2008). A administração de cannabis, por

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meio de sua interação com os vários receptores do ECS, modula o sistema


gastrointestinal, aumentando o apetite e reduzindo náuseas, secreções gástricas,
contratilidade intestinal, peristalse , sensação visceral, bem como inflamação intestinal
(Izzo and Sharkey, 2010).

Conclusões

Cada dia mais evidências sobre os benefícios clínicos da cannabis em pacientes


com transtornos gastrointestinais como a DII. Muitos pacientes já estão usando a planta
para ajudar a controlar os sintomas associados à doença, e os médicos não podem
ignorar isso ao acompanhar seus pacientes. Os estudos atuais que exploraram o uso de
cannabis na DII demonstraram melhora em uma série de sintomas gastrointestinais,
bem como na qualidade de vida do paciente. Não houve nenhuma evidência clara, no
entanto, de que a cannabis modula inflamação ou melhora a atividade da doença.

A maior parte da literatura atual consiste em dados observacionais


retrospectivos. Os poucos ensaios clínicos randomizados que foram realizados são
pequenos e com potência insuficiente para detectar quaisquer diferenças clinicamente
significativas entre Cannabis e placebo. Grandes estudos prospectivos randomizados
controlados com preparações padronizadas de cannabis e acompanhamento de longo
prazo são necessários para avaliar a eficácia da Cannabis nessas patologias.

Por mais que a planta não tenha demonstrado nenhuma melhora na atividade
da DII, ela pode auxiliar a melhorar os sintomas clínicos e a qualidade de vida dos
pacientes. Assim, na prescrição os riscos e benefícios do uso devem ser considerados
para cada paciente individualmente. A Cannabis ainda não deve substituir as terapias
atuais para a DII, mas pode ser usada como um adjuvante complementar em muitos
casos.

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Direitos autorais reservados a Stefanie Ane V. Souza

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