Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A saúde ideal do sono envolve vários fatores, incluindo duração, tempo para
início, eficiência e sensação de sono restaurador, que deixa o indivíduo alerta e funcional
ao longo do dia. Ter um sono disfuncional é ruim tanto para a saúde física quanto
mental, sendo parte fundamental de quase todos os transtornos psiquiátricos humanos.
De acordo com alguns estudos, o uso da planta pode reduzir o tempo que leva
para adormecer e prolongar o tempo de sono profundo - fase em que ocorre o processo
de restauração, enquanto encurta o tempo gasto no sono REM – a fase do sono na qual
ocorrem os sonhos mais vívidos. A Cannabis tem diferentes compostos químicos
naturais como os fitocanabinóides, terpenos e flavonoides que podem afetar o sono.
Assim, diferentes cepas podem ter efeitos diferentes, sendo energizantes, calmantes ou
sedativos, dependendo do equilíbrio entre os diferentes compostos de cada cepa
específica.
O sono é de suma importância para que o indivíduo possa restaurar suas energias
e então conseguir executar as funções normais no dia seguinte. O sono humano é
composto por diferentes fases. Uma delas é caracterizada pelo movimento rápido dos
olhos, o chamado sono REM (do inglês rapid eyes moviment) ou ainda sono paradoxal
devido ao fenótipo do EEG (ondas dessincronizadas e de baixa amplitude) semelhante
ao estado de vigília. Existe também o chamado sono de ondas lentas ou sono não REM
ou ainda NREM, que pode ser subdividido em quatro fases, de acordo com a
“profundidade” do sono em estágio 1, 2, 3 e 4. Isso permite que os investigadores
comparem o estado do cérebro e os padrões de movimento (Figura 1) que graças ao
eletroencefalograma (EEG) foram reconhecidos como característicos das diferentes
fases do sono (Aloe et al., 2005).
Figura 1. Diferença nos registros de eletroencefalograma (EEG) nas diferentes fases do sono.
Figura 3. Modelo de dois processos de regulação do sono. Processo Homeostático de regulação do sono
se acumulando ao longo do dia e sendo dissipado durante o sono (cinza). Sol e lua formam a curva que
representa o Processo Circadiano de regulação do sono. Em Vermelho outra curva representando a
propensão ao sono consequente da ação dos dois processos. Fonte: Borbely and Acherman, 1999.
Figura 4. Localização do núcleo supraquiasmático (SCN) no cérebro humano. Fonte: Divisão de Medicina
do Sono da Harvard Medical School (http://healthysleep.med.harvard.edu/image/200).
O papel do SEC nos ritmos circadianos foi reforçado por um trabalho que
demonstra que a falta de sono normal causa desregulação dentro do sistema
endocanabinóide, enquanto a elevação no nível do receptor canabinóide está envolvido
no processo homeostático recuperação do sono após sono anormal (Vaughn et al.,
2010). A flutuação diurna dos níveis de endocanabinóides em estruturas límbicas e
sensório-motoras pode refletir seu papel complexo na aprendizagem relacionada ao
comportamento acordado, por exemplo, aprendizagem associativa relacionada ao
controle de ação e aprendizagem relacionada ao sono-comportamento, por exemplo,
consolidação da memória dependente do hipocampo. A perturbação do sono também
estava entre os efeitos colaterais relatados nos ensaios clínicos do antagonista/agonista
inverso CB1 - rimonabanto, o que corrobora com as evidências supracitadas que os
canabinoides podem contribuir para a estabilidade do sono em humanos pela
modulação do SEC.
Figura 5. Efeitos gerais da atividade do receptor canabinóide tipo 1 (CB1) no sono de ondas
lentas (SWS) e no sono paradoxal (PS) em roedores e humanos. As linhas superior e inferior mostram
tendências relacionadas a SWS e PS, respectivamente. O painel de roedores ilustra tendências
extrapoladas de Pava et al. (2016). As tendências humanas são ilustradas usando setas que mostram a
direção, ou seja, aumento ou diminuição geral, da mudança em SWS e PS associada ao uso inicial de
Cannabis, uso estendido e tolerância associada e cessação de uso (Kesner and Lovinger, 2020).
Figura 6. Mecanismos moleculares da ação central dos canabinóides. Diagrama esquemático das
perturbações do sistema endocanabinóide (eCB) que foram usadas em experimentos e alteraram o sono.
Os eCBs, seja anandamida / N-araquidonoiletanolamina (AEA) ou 2-araquidonoilglicerol (2-AG), são
gerados e então liberados do neurônio pós-sináptico e tipicamente agem nos receptores pré-sinápticos
CB1 para reduzir a liberação do neurotransmissor pré-sináptico através de várias cascatas de sinalização
intracelular. AEA e 2-AG são então catabolizadas pelas enzimas amida hidrolase de ácido graxo (FAAH) e
monoacilglicerol lipase (MAGL), respectivamente. Adaptado de Kesner and Lovinger, 2020.
A pesquisa pré-clínica ofereceu uma visão geral sobre as ações centrais dos
principais fitocanabinóides - THC e CBD, na alteração dos estados de sono-vigília e sua
fisiologia. Estudos usando gravações de EEG em camundongos, ratos, coelhos, gatos e
macacos começaram no final da década de 1960 com relatos de que, em geral, extratos
de Cannabis contendo uma combinação de compostos fitocanabinoides produziram
um aumento de NREM e uma redução de REM, apresentando algumas evidências de
tolerância após regimes de tratamento crônicos. Entre esses relatórios iniciais, vários
estudos mostraram efeitos sinérgicos de um extrato de Cannabis contendo THC e CBD
com o sono causado por anestésicos e outros compostos hipnogênicos potentes.
Alguns trabalhos sugeriram que o uso a longo prazo de Cannabis poderia têm
um impacto negativo no sono de duas maneiras principais. Primeiro, indivíduos podem
se encontrar em um ciclo vicioso do uso da planta para controlar o sono, habituando-se
aos efeitos e usando mais Cannabis para obter o efeito desejado, o que pode ocasionar
em padrões problemáticos de uso. Em segundo lugar, os distúrbios do sono são a marca
registrada da abstinência de Cannabis e podem servir para manter o uso dela na
intenção de prever recaídas (Babson et al., 2017).
O CBD isolado também pode ser benéfico nos distúrbios do sono. Um estudo de
caso detalhado na literatura sobre uma menina de 10 anos com trauma de primeira
infância (Shannon and Opila- Lehman, 2016). A tentativa de tratamento com óleo de
CBD oral (25 mg) resultou na diminuição na ansiedade da paciente e melhora na
qualidade e quantidade de seu sono. Uma série de casos retrospectivos mais
substanciais de 72 adultos que receberam CBD para ansiedade e queixas de sono em
uma clínica psiquiátrica (como um complemento ao tratamento usual) avaliou os dados
dos pacientes mensalmente durante 12 semanas (Shannon et al., 2019). Os escores de
ansiedade na Escala de Avaliação de Ansiedade de Hamilton (HAMA) diminuíram no
primeiro mês em 79% da amostra e permaneceram baixos durante a duração do estudo.
A pontuação do Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh também melhorou no
primeiro mês em 67% da amostra, mas flutuou com o tempo. Deve-se notar que os
dados não foram analisados quanto à significância estatística, e parecia que a
subamostra que se apresentava principalmente para tratamento da ansiedade não se
saiu tão bem quanto a coorte que se apresentou principalmente com problemas de
sono.
Outro ensaio clínico recente que avaliou os efeitos agudos de 100 mg de CBD
versus uma preparação de Cannabis dominante em CBD descobriu que a inalação de
vapor da planta rica em CBD aumentou a sonolência subjetiva. Os pesquisadores
observaram que o CBD sozinho não teve efeitos significativos na sonolência, então,
possivelmente, os efeitos da planta dominante em CBD foram devido às quantidades
pequenas (3,7 mg) de THC em sua preparação (Spindle et al., 2020). Essa concentração
é semelhante como encontrado em muitos produtos comerciais de CBD chamados
espectro total ou '' full spectrum '' (<0,3% THC) (Corroon e Kight, 2018), outro indício de
que mais pesquisas controladas sobre os efeitos desses produtos são necessárias. Ainda
não está totalmente esclarecido se a administração aguda desta dose relativamente
baixa de THC sozinha é suficiente para produzir sonolência, ou se tem efeitos sinérgicos
com CBD e outros fitocanabinóides na cepa de Cannabis dominante em CBD usada neste
estudo pelo conhecido efeito comitiva ou “entourage”.
Conclusões
Highlights
Material Complementar
Referências Bibliográficas
Aloe, Flávio; Azevedo, Alexandre Pinto de and Hansan, Rosa. Mecanismos do ciclo
sono-vigília. Rev. Bras. Psiquiatr. [online]. 2005, vol.27, suppl.1 [cited 2021-02-19],
pp.33-39. Available from:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
44462005000500007&lng=en&nrm=iso>.
Andre, C. M., Hausman, J.-F., & Guerriero, G. (2016). Cannabis sativa: the plant of the
thousand and one molecules. Frontiers in Plant Science, 7, 19.
Babson, K. A., Boden, M. T., & Bonn-Miller, M. O. (2013). The impact of perceived sleep
quality and sleep efficiency/duration on cannabis use during a self-guided quit attempt.
Addictive Behaviors, 38(11), 2707–2713.
Babson, K. A., Boden, M. T., Harris, A. H., Stickle, T. R., & Bonn-Miller, M. O. (2013). Poor
sleep quality as a risk factor for lapse following a cannabis quit attempt. Journal of
Substance Abuse Treatment, 44(4), 438–443.
Babson, K. A., Sottile, J., & Morabito, D. (2017). Cannabis, cannabinoids, and sleep: a
review of the literature. Current Psychiatry Reports, 19(4), 23.
Barratt, E. S., Beaver, W., & White, R. (1974). The effects of marijuana on human sleep
patterns. Biological Psychiatry.
Bolla, K. I., Lesage, S. R., Gamaldo, C. E., Neubauer, D. N., Wang, N.-Y., Funderburk, F. R.,
Allen, R. P., David, P. M., & Cadet, J. L. (2010). Polysomnogram changes in marijuana
users who report sleep disturbances during prior abstinence. Sleep Medicine, 11(9),
882–889.
Bonn-Miller, M. O., Boden, M. T., Bucossi, M. M., & Babson, K. A. (2014). Self-reported
cannabis use characteristics, patterns and helpfulness among medical cannabis users.
The American Journal of Drug and Alcohol Abuse, 40(1), 23–30.
Borbély AA, Achermann P. Sleep homeostasis and models of sleep regulation. J Biol
Rhythms. 1999 Dec;14(6):557-68. doi: 10.1177/074873099129000894. PMID:
10643753.
Brown, M. R. D., & Farquhar-Smith, W. P. (2018). Cannabinoids and cancer pain: A new
hope or a false dawn? European Journal of Internal Medicine, 49, 30–36.
Budney, A. J., Moore, B. A., Vandrey, R. G., & Hughes, J. R. (2003). The time course and
significance of cannabis withdrawal. Journal of Abnormal Psychology, 112(3), 393.
Budney, A. J., Vandrey, R. G., Hughes, J. R., Thostenson, J. D., & Bursac, Z. (2008).
Comparison of cannabis and tobacco withdrawal: severity and contribution to relapse.
Journal of Substance Abuse Treatment, 35(4), 362–368.
Carlini, E. A., & Cunha, J. M. (1981). Hypnotic and antiepileptic effects of cannabidiol.
The Journal of Clinical Pharmacology, 21(S1), 417S-427S.
Chait, L. D. (1990). Subjective and behavioral effects of marijuana the morning after
smoking. Psychopharmacology, 100(3), 328–333.
Corroon, J., and Kight, R. (2018). Regulatory status of cannabidiol in the United States: a
perspective. Cannabis Cannabinoid Res. 3, 190–194. doi: 10.1089/can. 2018.003
Feinberg, I., Jones, R., Walker, J., Cavness, C., & Floyd, T. (1976). Effeets of marijuana
extract and tetrahydrocannabinol on electroencephalographic sleep patterns. Clinical
Pharmacology & Therapeutics, 19(6), 782–794.
Feinberg, I., Jones, R., Walker, J. M., Cavness, C., & March, J. (1975). Effects of high
dosage delta‐9‐tetrahydrocannabinol on sleep patterns in man. Clinical Pharmacology &
Therapeutics, 17(4), 458–466.
Fernández, Ó., Costa-Frossard, L., Martínez-Ginés, M., Montero, P., Prieto, J. M., &
Ramió, L. (2020). The Broad Concept of “Spasticity-Plus Syndrome” in Multiple Sclerosis:
A Possible New Concept in the Management of Multiple Sclerosis Symptoms. Frontiers
in Neurology, 11, 152. https://doi.org/10.3389/fneur.2020.00152
Gorelick, D. A., Goodwin, R. S., Schwilke, E., Schroeder, J. R., Schwope, D. M., Kelly, D. L.,
Ortemann‐Renon, C., Bonnet, D., & Huestis, M. A. (2013). Around‐the‐clock oral THC
effects on sleep in male chronic daily cannabis smokers. The American Journal on
Addictions, 22(5), 510–514.
Mechoulam, R., & Parker, L. A. (2013). The endocannabinoid system and the brain.
Annual Review of Psychology, 64, 21–47.
Nicholson, A. N., Turner, C., Stone, B. M., & Robson, P. J. (2004). Effect of Δ-9-
tetrahydrocannabinol and cannabidiol on nocturnal sleep and early-morning behavior
in young adults. Journal of Clinical Psychopharmacology, 24(3), 305–313.
Pacher, P., Bátkai, S., & Kunos, G. (2006). The endocannabinoid system as an emerging
target of pharmacotherapy. Pharmacological Reviews, 58(3), 389–462.
Piper BJ, Beals ML, Abess AT, et al. Chronic pain patients' perspectives of medical
cannabis. Pain. 2017;158(7):1373-1379. doi:10.1097/j.pain.0000000000000899
Pivik, R. T., Zarcone, V., Dement, W. C., & Hollister, L. E. (1972). Delta‐9‐
tetrahydrocannabinol and synhexl: Effects on human sleep patterns. Clinical
Pharmacology & Therapeutics, 13(3), 426–435.
Pranikoff, K., Karacan, I., Larson, E. A., Williams, R. L., Thornby, J. I., & Hursch, C. J. (1973).
Effects of marijuana smoking on the sleep EEG. Preliminary studies. JFMA, the Journal
of the Florida Medical Association. Florida Medical Association, 60(3), 28.
Russo, E. B., Guy, G. W., and Robson, P. J. (2007). Cannabis, pain, and sleep: lessons from
therapeutic clinical trials of Sativex, a cannabis-based medicine. Chem. Biodivers. 4,
1729–1743. doi: 10.1002/cbdv.200790150
Sanford, A. E., Castillo, E., & Gannon, R. L. (2008). Cannabinoids and hamster circadian
activity rhythms. Brain Research, 1222, 141–148.
Shannon, S., Lewis, N., Lee, H., & Hughes, S. (2019). Cannabidiol in Anxiety and Sleep: A
Large Case Series. The Permanente Journal, 23, 18–41. https://doi.org/10.7812/TPP/18-
041
Spindle, T. R., Cone, E. J., Goffi, E., Weerts, E. M., Mitchell, J. M., Winecker, R. E., et al.
(2020). Pharmacodynamic effects of vaporized and oral cannabidiol (CBD) and vaporized
CBD-dominant cannabis in infrequent cannabis users. Drug Alcohol Depend.
211:107937. doi: 10.1016/j.drugalcdep.2020. 107937
Suraev AS, Marshall NS, Vandrey R, McCartney D, Benson MJ, McGregor IS, Grunstein
RR, Hoyos CM. Cannabinoid therapies in the management of sleep disorders: A
systematic review of preclinical and clinical studies. Sleep Med Rev. 2020
Oct;53:101339. doi: 10.1016/j.smrv.2020.101339. Epub 2020 May 16. PMID: 32603954.
Tringale, R., & Jensen, C. (2011). Cannabis and insomnia. Depression, 4(12), 0–68.
Vandrey, R., Budney, A. J., Kamon, J. L., & Stanger, C. (2005). Cannabis withdrawal in
adolescent treatment seekers. Drug and Alcohol Dependence, 78(2), 205–210.
Vandrey, R. G., Budney, A. J., Hughes, J. R., & Liguori, A. (2008). A within-subject
comparison of withdrawal symptoms during abstinence from cannabis, tobacco, and
both substances. Drug and Alcohol Dependence, 92(1–3), 48–54.
Vandrey, R., Smith, M. T., McCann, U. D., Budney, A. J., & Curran, E. M. (2011). Sleep
disturbance and the effects of extended-release zolpidem during cannabis withdrawal.
Drug and Alcohol Dependence, 117(1), 38–44.
Vaughn, L. K., Denning, G., Stuhr, K. L., De Wit, H., Hill, M. N., & Hillard, C. J. (2010).
Endocannabinoid signalling: has it got rhythm? British Journal of Pharmacology, 160(3),
530–543.