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Copyright © 2021 Aline Damasceno

Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento ou a


reprodução de qualquer parte desta obra – física ou eletrônica -, sem
autorização prévia do autor. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código
Penal.

Capa e Diagramação
Jéssica Macedo

Revisão e Preparação de texto


Ana Roen

1ª edição

Livro digital

Damasceno, Aline

Selo segredo

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produto da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais
teve como intuito ambientar e dar veracidade a história.
Sumário

Sinopse: 7
Prólogo 9
Capítulo um 18
Capítulo dois 24
Capítulo três 29
Capítulo quatro 38
Capítulo cinco 44
Capítulo seis 50
Capítulo sete 55
Capítulo oito 61
Capítulo nove 69
Capítulo dez 77
Capítulo onze 85
Capítulo doze 92
Capítulo treze 99
Capítulo quatorze 106
Capítulo quinze 112
Capítulo dezesseis 123
Capítulo dezessete 134
Capítulo dezoito 139
Capítulo dezenove 148
Capítulo vinte 157
Capítulo vinte e um 165
Capítulo vinte e dois 175
Capítulo vinte e três 186
Capítulo vinte e quatro 197
Capítulo vinte e cinco 207
Capítulo vinte e seis 213
Capítulo vinte e sete 221
Capítulo vinte e oito 228
Capítulo vinte e nove 233
Capítulo trinta 241
Capítulo trinta e um 246
Capítulo trinta e dois 258
Capítulo trinta e três 268
Capítulo trinta e quatro 276
Capítulo trinta e cinco 281
Capítulo trinta e seis 288
Capítulo trinta e sete 298
Capítulo trinta e oito 304
Capítulo trinta e nove 311
Capítulo quarenta 316
Capítulo quarenta e um 322
Capítulo quarenta e dois 327
Capítulo quarenta e três 332
Epílogo 337
Agradecimentos 341
Sobre a autora: 342
Conheça outros livros da autora: 343
Sinopse:

Solteirão convicto e CEO da maior companhia do ramo de


alimentos do país, Jefferson Richelme tinha apenas um objetivo de
vida: tornar-se ainda mais poderoso e rico; o que não incluía formar
uma família, para o desgosto do seu avô, Estebán.

Nascido em berço de ouro, o milionário sempre teve tudo o


que desejava. Depois de descobrir que o próprio pai desviava
dinheiro da empresa do avô, ele queria mais do que nunca que
Estebán tirasse o seu genitor da presidência, rebaixando-o de cargo
e assim, salvando o negócio da família. Mas convencer o velhinho a
fazê-lo não seria nada fácil, pois o avô só daria ao empresário o que
tanto almejava se ele lhe desse um outro herdeiro.

Um filho, definitivamente, não estava em seus planos.

Encurralado e não querendo se envolver com uma


desconhecida e ficar amarrado a ela para sempre, o magnata, se
sentia cada vez mais pressionado a ter um bebê. Mas um plano
surge em sua mente ao ouvir que a menina que viu crescer, a sua
melhor amiga de infância, desejava ser mãe. Não havia mulher mais
perfeita para gerar o seu filho, já que Sofia era adorada pelo avô.
Um CEO precisando de um herdeiro, uma mocinha traída,
uma proposta indecente e uma gravidez! Uma comédia romântica
doce que deixará o seu coração quentinho.
Para meus leitores Jefferson e Rosimeire, com amor
Prólogo

Dois meses atrás

— Não acredito que você ainda o deixará no controle da


Richelme Alimentos, vovô. — Soltei um suspiro exasperado ao
passar os dedos pelos meus cabelos curtos e negros.

Eu andava de um lado para o outro do amplo escritório como


um tigre enjaulado, odiando completamente a situação. Embora eu
tivesse meu próprio império do ramo alimentício para gerir, que
abarcava uma parte diferente da empresa que a duras penas o
homem à minha frente tinha construído quando veio da Argentina
para o Brasil, eu não podia consentir que o meu pai continuasse
dilapidando o negócio familiar dessa maneira. Era uma completa
loucura que o grande Estebán Richelme deixasse isso acontecer,
mesmo com todas as provas atestando que o atual presidente teria
desviado dinheiro para seus negócios pessoais. Não era a primeira
vez que tinha essa conversa com meu avô e estava ficando
completamente cansado de tentar argumentar com ele, além da
pressão que eu estava sofrendo dos outros conselheiros da
Richelme por eu ser o neto do empresário.

— E o que eu posso fazer? — A voz grave e potente me fez


estacar no lugar e olhar para a figura sentada na poltrona de couro
em um canto do cômodo.

Embora tivesse mais de oitenta anos, meu avô era uma figura
imponente em seu terno impecável e seu olhar aguçado, que
indicava sua lucidez. O que não conseguia entender era por que ele
abriu mão da presidência para colocar o imprestável do meu pai em
seu lugar, que só pensava em farra e mulheres desde que minha
mãe faleceu quando eu era ainda bem pequeninho. Um grande tolo
que se deixava levar pelo desejo e por impulsos, não pela
racionalidade exigida de alguém que queria obter sucesso.

— Substituí-lo?
Voltei a caminhar e, sem que me desse conta, comecei a
desfazer o nó da minha gravata, que estava começando a me irritar,
removendo-a, bem como a calma aparentada pelo meu avô. Como
ele poderia estar tão calmo quando Ronaldo estava agindo como
um sanguessuga?

— Não posso fazer isso, você sabe bem disso, Jefferson.

— Por que não? Pelo que sei, nada o impede.

Franzi o cenho e voltei a fitá-lo. Seus olhos castanhos


brilhavam com uma intensidade que me indicava que o meu avô
tinha algo em mente. Bufei, completamente exasperado.
Definitivamente, eu não era um homem conhecido pela paciência e
tato, ainda mais envolvendo negócios. E Estebán, mais do que
ninguém, sabia disso, pois eu tinha herdado o seu gênio implacável.

— Além de você, ele é o meu único herdeiro, Jeff, e você tem


seu próprio império para gerenciar. — Fez uma pausa. — Quando
criei a Richelme, queria mantê-la sob o controle da família, queria
que fosse passada de geração a geração.

— E se depender de Ronaldo, ela não passará da segunda


— comentei, amargo.

— A gente nem sempre tem o que quer, então paciência.


— Você é inacreditável, vovô.

Caminhei até um aparador em um canto da sala e me servi


de uma dose de whisky, o líquido amargo descendo queimando pela
minha garganta me era bastante reconfortante. Enchi novamente o
meu copo e peguei outro, colocando dois dedos da bebida, e o levei
até o meu avô.

— Obrigado — disse ao pegar o destilado e bebericar um


gole. — Estupendo!

— De fato. — Inquieto, sentei-me na poltrona que ficava de


frente para a dele e abri os botões da minha camisa social enquanto
com a outra eu girava o whisky no copo.

— Odeio meu médico por limitar o meu consumo de bebida


alcoólica a apenas uma dose. — Ele fez uma careta enquanto
saboreava a bebida.

— Vai sobreviver, pelo menos ele não te proibiu de todo. —


Dei outro gole no meu.

— É, irei.

— Mas voltando ao nosso assunto…


— Diga. — Pousou o copo na mesa lateral e entrelaçou os
dedos, fitando-me com atenção.

— Já pensou na proposta de fusão que deixei na sua mesa?


Nós dois teríamos muito a ganhar caso isso ocorresse, vovô, e a
empresa seria perpetuada da forma que você quer. Não é um
processo fácil, porque exigirá bastante tempo e recursos, mas nos
tornará ainda mais ricos e poderosos.

— Sabe, filho, pensei muito sobre o assunto e, embora a


proposta ressalte o crescimento que isso acarretará, o que tenta
qualquer um, não sei se gostaria que a Richelme fosse diluída em
outra empresa, por mais que saiba que você a faria prosperar. Além
do mais, seu pai não gostaria nada disso.

— Não me importa muito o que Ronaldo achará da fusão.


Tenho certeza que você ainda tem poder suficiente para afastá-lo do
cargo de presidente, e está mais do que na hora de detê-lo e
impedi-lo de foder com tudo que a duras penas você construiu, pois
se continuar assim, mesmo que você queira, não sobrará nada. —
Soei mais agressivo do que deveria, repetindo o que disse
anteriormente, mas não me importei.

Em poucos meses à frente da presidência da indústria de


alimentos, meu pai tinha dilapidado o patrimônio do meu avô em
milhares de reais e continuaria o seu trabalho até destruir toda a
reputação da Richelme. Ronaldo sempre foi um homem mesquinho
e egoísta, um péssimo pai, meu avô sendo muito mais uma figura
paterna para mim do que meu próprio progenitor, porém nunca
pensei que ele seria capaz de lesionar o próprio pai, roubando-o,
para manter o seu estilo de vida luxuoso, muito além do que ele
poderia com o seu salário.

— Não posso negar que você não é o único que tem um


relacionamento difícil com ele. Sinto que eu e a sua avó falhamos e
muito no modo como o criamos. — Fez uma pausa e, pegando seu
copo, deu outro gole na sua bebida. — Mas ainda o amo, afinal ele
é o meu filho.

— Eu respeito isso, vovô — disse, suavemente.

Tentei não julgar Estebán, mesmo acreditando que existiam


limites para esse amor. Era graças aos meus avós que eu conhecia
o sentimento, o de ser amado, já que minha mãe veio a falecer
quando eu tinha apenas dois anos de idade. Pouco conseguia
lembrar-me dela, embora Estebán e dona Ilda, minha avó paterna,
também falecida, sempre me contaram histórias do quanto ela me
amava e me queria, diferentemente do meu pai, então poderia
considerar que nutria algo pela mulher que via nas fotos, além do
evidente pesar.

— A fusão seria uma boa alternativa.


— Não para mim, meu filho.

— Entendo. — Suspirei, cansado. — Apenas acho que tirar o


controle da Richelme das mãos dele é o melhor a se fazer —
completei, tentando voltar a minha linha de raciocínio. — Rebaixá-lo
de cargo, sei lá. Só assim você conseguirá manter a empresa.

— Certo, Jefferson. — Bebeu o restante do whisky e se


ajeitou melhor na poltrona ao pousar o copo no móvel, parecendo
lânguido.

— Sério? — perguntei, incrédulo.

Meu avô tinha uma expressão serena no rosto, contudo o


brilho que ardia em seus olhos me dizia que ele estava tramando
algo. Sabia que o que eu queria viria com um alto preço a se pagar,
pois Estebán nunca saía perdendo em suas negociações e não me
entregaria de mão beijada o que eu queria. Ele não tinha saído da
pobreza para se tornar um dos homens mais ricos e poderosos da
indústria alimentícia mineira sendo complacente. Ele enredava as
pessoas na sua teia pela astúcia.

— E o que preciso fazer? — Fui direto ao ponto e levei o


resto da minha bebida aos lábios.
— Me dê um herdeiro ou herdeira, para que assuma a
empresa no futuro.

Tive que me controlar para não cuspir o longo gole de whisky


que tinha bebido, e senti o esôfago queimar e meus olhos
lacrimejarem ao tragar o líquido. Comecei a tossir freneticamente,
não podendo acreditar naquilo que acabei de escutar. O homem
arqueou a sobrancelha branca enquanto assistia o meu breve
momento de descontrole.

— Você só pode estar brincando — sussurrei num fio de voz


enquanto tentava me recuperar.

— Tem mais de trinta e cinco anos, Jefferson, não é mais um


menininho. Está na hora de começar a constituir a sua família. —
Franziu o cenho e fez uma careta.

— Não é a minha prioridade no momento e estou bem


solteiro — respondi na defensiva. Dentre as inúmeras coisas que
passaram pela minha cabeça, nunca poderia imaginar que ele me
pediria tal coisa. Desde que completei maior idade, dediquei-me aos
estudos e, posteriormente, a minha própria empresa que exigia de
mim cuidados em tempo integral para se tornar ainda maior. Embora
eu tivesse sido criado com tudo do bom e do melhor, eu almejava o
meu próprio poder e dinheiro, e estava contente com os resultados
que já tinha obtido. Mas eu ansiava por mais, e uma família não se
encaixava ainda na minha equação para o sucesso. Não que não
pretendesse um dia me casar, mas isso aconteceria daqui alguns
anos.

— E eu estou ficando velho e quero ver meus bisnetos


crescerem. — Deu de ombros.

— Bobagem, vovô — fiz um gesto com a mão, sentindo-me


desconfortável com o olhar intenso dele sobre mim —, sua saúde é
de ferro.

— Quando foi a última vez que saiu com alguém, Jefferson?


— Sua voz soou grave e eu engoli em seco, passando as mãos no
meu cabelo curto.

Tentei me recordar quando me envolvi intimamente com uma


mulher, porém não consegui me recordar. Diferentemente dos
exemplares do meu sexo, eu era um homem que sabia controlar os
meus desejos, então tive muitos poucos casos ao longo dos anos.
Não via o sexo como uma válvula de escape, mas sim o trabalho.
Nada era mais prazeroso do que afundar-me em relatórios, planilhas
e projeções de crescimentos, essa última, a melhor parte. A Comer
Bem estava em plena ampliação com a distribuição de alguns
gêneros de alimentos industrializados que estavam sendo bem
aceitos em várias regiões do Brasil e pretendia expandi-los para
outros países, então meus últimos meses foram completamente
dedicados aos negócios. E concentrado no crescimento de alguns
investimentos paralelos que eu fazia na bolsa de valores, meu corpo
não ansiava por nenhum alívio sexual.

Eu gostava da minha vida assim, frenética, dedicada a alguns


momentos relaxantes junto ao meu avô e, no resto do tempo, na
companhia do dinheiro. Não havia espaço para ninguém mais, muito
menos uma família.

— Seu silêncio me diz muita coisa, Jeff. — Levou a mão ao


rosto e soltou um suspiro. — Nem tudo se resume ao trabalho, meu
filho. É muito bom ter alguém para quem voltar todas as noites,
compartilhar os problemas. Os beijos, os toques, as risadas
cúmplices, as conversas. Amar e ser amado…

— Sinto falta dela também, vovô — falei suavemente,


compreendendo que ele estava preso na saudade que sentia da
mulher amada. Ilda tinha sido uma mulher memorável e
completamente apaixonada pelo marido, mesmo com todos os
problemas, brigas e momentos difíceis.

— E é também por ela que eu desejo que você constitua sua


própria família e me dê um herdeiro. Sempre desejamos a sua
felicidade, Jefferson. Ilda me esfolaria vivo se soubesse que eu
permiti você se afogar no trabalho e deixar tudo o que mais importa
de lado.
— Eu… — Ele ergueu a mão fazendo um gesto para que eu
parasse. Como um menino pequeno, apenas obedeci.

— Me dê um bisneto ou bisneta que eu tiro Ronaldo da


presidência.

Engoli em seco e assenti.

— Agora me conte como foi a negociação com os produtores


de gado da região centro-oeste, estava curioso para saber os
resultados dessa sua viagem.

Mudou de assunto deliberadamente, então eu me pus a


discorrer sobre tudo o que ocorreu quando eu estava fora e o quão
difícil foi convencê-los a vender a carne para a minha empresa a um
preço justo para ambos. Mas enquanto eu falava, minha mente
buscava algum argumento que me permitisse obter o que eu queria,
sem ter que dar o tão sonhado bisneto que ele queria.

Era inconcebível me tornar pai apenas porque ele assim


desejava e achava que seria o melhor para mim. Não cederia a essa
barganha. Definitivamente, não havia espaço nem tempo para um
bebê e uma mulher em minha vida.
Capítulo um

Tinha sido um plantão puxado e estava louca para chegar ao


meu apartamento, que ficava em um conjunto habitacional em uma
das principais avenidas da cidade. Eu amava trabalhar cuidando de
pessoas, embora nem todas fossem gentis, o que era
compreensível. Desde pequena minha brincadeira favorita era fingir
que meus ursinhos de pelúcia eram meus pacientes, os quais, com
meus calorosos cuidados, ficavam bons uma hora depois. E isso fez
com que eu quisesse me tornar enfermeira e, com o apoio da minha
mãe e do senhor a qual ela trabalha há anos, consegui me graduar
e me especializar em Terapia Intensiva, Emergências e Traumas.

Mas hoje meu corpo doía pela tensão e pela briga que tive
mais cedo com uma das minhas colegas de profissão, sobre o modo
como ela estava tratando um paciente menor de idade que tinha
sofrido um acidente de moto. Não gostava muito da mulher que era
auxiliar de enfermagem, e ver ela destratando a todos, a cada dia
que passava, só me fazia desgostar ainda mais. Eu não suportava
injustiças e perdi as estribeiras com ela. Embora fôssemos
concursadas, isso não nos dava o direito de tratar as pessoas como
se fossem animais. Definitivamente, essa era a parte ruim de se
trabalhar em um hospital público, ainda mais em um em que a
população local considerava os profissionais como carniceiros.

Respirei fundo ao caminhar pelo shopping que dava para a


estação de ônibus, sentindo meu pé incomodar na sapatilha, mas,
pelo horário, para a minha felicidade, eu conseguiria ir sentada. E
assim aconteceu. Durante todo o trajeto pela Avenida Antônio
Carlos, apenas observei a paisagem, que se transformou muito nos
últimos anos devido a implantação da Linha Verde, não tão verde
assim, iluminada pelos postes. Belo Horizonte não era a cidade
mais bonita do mundo, mas amava seu clima agitado e o fato de eu
encontrar várias pessoas conhecidas quando eu menos esperava.
Foi assim que reencontrei João, um colega do ensino médio, e
começamos a namorar depois de alguns encontros.

Não podia negar que, depois de dois anos de


relacionamento, estávamos mais em baixa do que em alta. As
brigas se tornaram uma constante, principalmente sobre o que
queríamos para o futuro. Ele queria aceitar uma vaga de emprego
no interior, e eu, manter o meu próprio. Eu sonhava em ser mãe, ele
desconversava e dizia que ainda tínhamos algum tempo antes de
dar esse passo. Eu até poderia dar razão a ele, mas algo dentro de
mim me dizia que era apenas uma desculpa, podia ver isso em seus
olhos sempre que tocava no assunto. Apenas não entendia por que,
depois disso tudo, ainda continuávamos juntos, insistindo em algo
que claramente não daria certo ao longo prazo. Por mais que eu
ainda gostasse e muito dele, não éramos mais compatíveis, e o fogo
que existia entre nós não mais queimava. Tudo se tornou mecânico,
os beijos não tinham mais aquele sabor, e João parecia cada vez
mais distante. Mesmo assim, me apegava a ideia de que ainda
poderíamos dar certo, de que teria a família feliz e o amor que
sempre vi entre o senhor Estebán e Ilda, os patrões da minha mãe.

Presa a esses pensamentos, quase perdi a estação que tinha


que descer, mesmo com o sistema do ônibus avisando os nomes
delas. Segurando minha pequena bolsa contra mim, caminhei até o
conjunto IAPI sentindo a brisa da noite contra a minha pele,
alcançando o bloco em que ficava o apartamento que eu tinha
comprado e dividia há três meses com João. Assim que abri a porta,
percebi algumas malas na nossa sala pequena, o que me fez franzir
o cenho. Não sabia que João viajaria nos próximos dias e, pelo
número de bolsas, por muito tempo.

— Amor? — o chamei, colocando minha bolsa em cima da


mesa. Não obtendo resposta, fui até o nosso quarto e encontrei-o lá,
guardando uns itens pessoais em uma sacola. — O que está
fazendo?

— Indo embora. — Sua voz soou grossa e nervosa. Nunca o


tinha visto dessa forma e seus gestos fizeram soar um alarme
dentro de mim; algo de muito estranho estava acontecendo.

Senti um frio varrer meu corpo e instintivamente me abracei


enquanto o observava, incrédula. Tudo bem que há alguns minutos
estava pensando no fadado fim do meu relacionamento, mas não
esperava que fosse hoje, não depois de encerrar um plantão de
doze horas seguidas e estar exausta, sem uma conversa madura e
racional entre duas pessoas.

— O quê? — perguntei, depois que minha mente cansada


assimilou que de fato ele estava me deixando.
— Cansei de você, Sofia. Nossa vida a dois está uma bosta
há alguns meses. Não aguento mais seu papinho de futuro, formar
família e crianças. Você não tem outro assunto não? — debochou.

Fiquei em silêncio, me sentindo atônita com o seu tom


jocoso.

— Estou me mandando daqui.

Bati palmas irônicas, tentando ser forte, mesmo sentindo todo


o cansaço pesar sobre os meus ombros.

— Então a culpa é completamente minha? — Cruzei os


braços. — Canalha!

— Estávamos bem, mas você tinha que vir com essa sua
chatice de ter filhos. — Bufou, irritado, se levantando.

— Se é assim que você quer, vá com Deus — gritei, sentindo


a raiva substituir o frio que anteriormente eu sentia. Não iria
derramar uma lágrima na frente daquele imbecil imaturo que
isentava sua parcela de culpa no nosso fim. Não deixaria que ele
visse o quanto sua atitude me desestabilizava. Por mais que
estivesse esperando pelo fim, não estava preparada para o modo
frio e burlesco que usou. Fins nunca eram fáceis e, ao que parecia,
os dois anos que passamos juntos nada significaram para ele, podia
ver isso no seu olhar cínico e arrogante. Tinha sido uma grande tola.
— Mas não ache que te aceitarei de volta, ainda mais quando
estiver sem dinheiro.

— Você que correrá atrás de mim, Sofia. — Apontou para si


mesmo. — Homem melhor você não acha, ainda mais um que tolere
esse papo de ter filhos.

Bufei.

— E eu preciso de um por acaso? — Arqueei a sobrancelha,


tentando me manter forte por fora, embora por dentro me sentisse
desmoronando.

— Toda mulher necessita de um. — Deu de ombros. — E


você precisa mais que qualquer uma, já que não conseguirá fazer
um filho sozinha. — Gargalhou alto, vendo graça em seu próprio
comentário, como se fosse a piada do ano. Eu quis me encolher e
sumir dentro de mim mesma, envergonhada.

— Vá embora — gritei sem me importar com mais nada e


sentei-me na cama, minhas pernas não me aguentariam por muito
mais tempo em pé.

— Com o maior prazer — deu uma gargalhada e pegou sua


sacola.
Subitamente mais cansada, fiquei fitando minhas mãos até
que ouvi o barulho da porta da frente batendo com força,
recordando-me que tinha que ter pedido a ele para deixar a chave.
Melhor, como amanhã era o meu dia de folga, chamaria um chaveiro
para mudar todas as fechaduras, não correria o risco de ele entrar
no meu apartamento novamente. Eu que tinha pagado cada uma
das prestações até agora, bem como os móveis, então ele não tinha
direito a nada. Levantei-me, sentindo minhas pernas trêmulas, o
acontecido sendo absorvido pela minha mente, e fui até a sala para
trancar a porta, sentindo meu rosto úmido pelas lágrimas que nem
sabia que eu havia derramado.

Poderia não estar completamente devastada, mas uma


dorzinha apertava o meu peito, talvez pela crueldade com que ele
debochou do meu sonho de ter filhos e do quanto eu precisava de
um homem para fazê-lo, mesmo sabendo que eu só necessitava do
sémen, algo que um banco de materiais genéticos poderia me
fornecer. Nunca pensei que ele usaria meu desejo de ser mãe como
argumento para terminar comigo. Deveria ter previsto isso, João
tinha me dado vários sinais a esse respeito, mas fui tola demais por
insistir.

Limpando meu rosto com o dorso da mão, fui para a minha


suíte e comecei a me despir no corredor sem me importar com
nada. Tudo o que eu precisava nessa noite era de um banho quente
demorado, um moletom e uma boa pizza, acompanhada de uma
comédia romântica com final feliz e minhas barras de chocolate que
guardava na geladeira de sobremesa. Era um jeito estupendo de
afogar as mágoas e digerir o fim do meu relacionamento. Amanhã,
bem cedinho, procuraria o consolo na voz da minha doce mamãe.
Embora tivesse a certeza de que ela diria que nunca tinha gostado
desse homem, Rosimeire teria várias palavras para me consolar e
animar.
Capítulo dois

— Filha? Bom dia. — A voz suave da minha mãe soou ao


telefone, e só de ouvi-la eu senti meu coração confortado. — Tudo
bem? Não está de plantão hoje? Esses seus horários são muito
malucos, nunca sei quando você está trabalhando ou não. Daqui a
uma hora tenho que ir para o trabalho.

— Bom dia. Não muito, mãe. — Acomodei-me melhor no


sofá, dobrando minhas pernas. — Hoje estou de folga. Entupindo-
me de porcaria, mas de folga.
— Por que, Sofia? O que aconteceu? — perguntou,
preocupada. — Não estou gostando do tom da sua voz.

— Eu e João terminamos. — Suspirei.

— Sinto muito por isso, querida. Mas fazia tempo que você
estava se queixando de que seu relacionamento estava indo de mal
a pior. — Fez uma breve pausa. — Nunca gostei muito dele, para
ser sincera. Algo nele me cheirava mal.

— Sei que você não ia muito com a cara do João. — Mordi


meus lábios enquanto apoiava meu telefone no ombro. — Pensei
que daríamos certo, embora fôssemos muito diferentes um do outro.
Eu tinha algum carinho por ele, mesmo não estando mais totalmente
apaixonada e com os problemas que tínhamos… — confessei.

— Infelizmente a gente não escolhe essas coisas, mas sim o


coração — comentou com secura, provavelmente se lembrando do
meu pai, um homem que, no início, era bastante carinhoso, mas
mostrou-se um verdadeiro crápula. — Nós duas temos péssimo
gosto para homem, misericórdia.

A gargalhada brotou no fundo da minha garganta e, sem que


eu me desse conta, nós duas estávamos rindo alto, vendo graça no
seu comentário que muitos poderiam não ver. Por mais que
fôssemos mãe e filha, éramos amigas, e somente ela conseguiria
me animar dessa forma.

— E o pior é que dele teve a cara de pau de dizer que o


problema era eu e o meu sonho de ser mãe — disse, após
recuperamos o fôlego depois de ficarmos rindo por vários minutos.
— Confesso que estava esperando o fim, mas isso foi o que mais
me magoou, ele debochar e dizer que foi isso que acabou com tudo,
eximindo sua culpa.

— Que canalha, minha filha. Não acredito que ele usou isso
como desculpa — esbravejou. — Agora que não gosto mesmo dele.
Onde já se viu? Isso é jogar muito baixo.

— Pois é, mãe. Mas acho que fui burra, a verdade estava na


minha cara esse tempo todo. Tudo bem que sou nova e ainda nem
éramos noivos, mas já vivíamos juntos e achava que poderíamos
começar a planejar um futuro. Agora penso se não o pressionei
demais…

— Claro que não, Sofia. É natural que um casal converse


sobre essas coisas, é preciso para um relacionamento dar certo. —
Soltou um suspiro. — Fazer planos juntos faz parte do processo.

— E ele nunca esteve disposto a conversar, pelo jeito.


Estiquei as pernas e peguei o aparelho, sentindo uma lágrima
quente escorrer pelo meu rosto. Droga, não queria recomeçar a
chorar só porque o assunto me era sensível, mas me sentia
vulnerável só de pensar nele. Não sei por que a maternidade me era
um tema tão caro. Me sentia uma grande tola por almejar tanto isso,
já que a vida poderia me dar muito mais. Mas sempre gostei de
crianças, e me sentindo realizada com o meu emprego, parecia que
ter um filho coroaria a realização pessoal que eu buscava.

— Ele não era o homem certo para você, filha. Nunca foi.

— Tem razão, mamãe. Por mais difícil que seja reconhecer


isso menos de um dia depois do término. — Funguei.

— Tome seu próprio tempo, querida.

— Obrigada, mãe. Não sei o que faria sem os seus


conselhos.

— Eu te amo, minha menina. Vivo pela sua felicidade, e só


quero o melhor para você. E, definitivamente, você é muito mulher
para aquele moleque.

— Ele tem a minha idade.

— Mas é um bobão. Como diz a música, você não perdeu,


mas se livrou.
Comecei a gargalhar quando minha mãe parafraseou um
trecho de um dos funks que ela tanto gostava de ouvir, de uma tal
de MC Mirella. Embora Rosimeire estivesse com cinquenta e cinco
anos e tido uma criação mais conservadora, minha mãe era uma
mulher moderna, e com ela não existia preconceito musical. Ela
gostava do funk a bossa nova, das românticas ao tecnobrega. Eu
era muito diferente dela, pois minha mãe era uma mulher alegre,
festeira, mesmo com todos os dissabores que sofreu na vida, e eu a
admirava e muito por isso.

— Só você, mãe… — Com um sorriso no rosto, maneei a


cabeça mesmo que ela não pudesse ver.

— Agora preciso ir, tenho que me arrumar para ir ao trabalho.


— Fez uma pausa. — Vai ficar bem, Sofia? — O tom descontraído
ganhou ares de preocupação.

— Conversar com você me ajudou e muito, querida — disse


com uma voz suave. — Depois de me acabar ontem no chocolate,
hoje farei brigadeiro. Não tem nenhuma tristeza que fique depois de
um bom doce — brinquei.

— Olha a glicose, menina! — Deu uma risada. — Te encontro


no bar do Índio mais tarde? Podemos comer aquelas porções
deliciosas com refrigerantes.
— Para mim está perfeito.

Sorri. Sabia que minha mãe iria querer me tirar de casa e ver
com os próprios olhos que eu estava bem, mesmo que morássemos
em cidades diferentes. Talvez sair um pouco fosse uma boa ideia,
fazia algumas semanas que não saia com a minha mãe.
Conversaríamos muito e, com certeza, riríamos muito juntas.

— Beijos, filha. Te amo.

— Até mais tarde.

Ela desligou e eu fiquei por um momento encarando meu


aparelho, vendo a foto de perfil dela, que tínhamos tirado há muito
tempo atrás no mesmo boteco, fazendo-me lembrar do quanto
estávamos empolgadas quando ela conseguiu quitar sua casinha.
Estava na hora de tirar uma nova foto e criar outras lembranças
junto a ela.
Capítulo três

— Como está se sentindo hoje, senhor Moreira? — O homem


havia sofrido um acidente de carro que vitimou duas outras pessoas.
Tinha ficado desacordado por algumas horas e tido cortes e
escoriações graves pelo corpo, que poderiam infeccionar. O hospital
em que trabalhava poderia não ser especializado em neurologia,
mas atendíamos esse tipo de trauma por falta de vaga em outros
locais.
— Doido para voltar para casa, não aguento mais ficar preso
a essa cama — resmungou.

— Acredito que amanhã o senhor terá alta — disse


suavemente, ignorando o tom ríspido com que falou. Nós do quadro
de saúde, tanto enfermeiros, técnicos e até mesmo médicos,
éramos considerados por parte da população como ignorantes e
arrogantes, e não podia negar que alguns profissionais abriam
margem para esse tipo de comentário, mas alguns pacientes
também eram terrivelmente difíceis, mesmo eu sendo gentil com
eles. Mas eram os ossos do ofício, e eu queria dar o meu melhor
sem me importar com nada além de fazer o meu trabalho.

— Hmph — começou a soltar uma série de impropérios,


sendo que eu não tinha feito nem dito nada demais. Apenas suspirei
fundo, colocando minha luva de látex.

— Vamos cuidar do seu ferimento, senhor?

— Faz logo isso. Esse velho só enche o saco — a mulher


dele, que até então estava calada, respondeu por ele e um bate-
boca entre os dois começou, os decibéis das suas vozes
aumentando exponencialmente.

— Por favor, senhores, estão incomodando os outros


pacientes da enfermaria. — Tentei intervir.
— Não se intrometa, mulher — soou agressivo, e trêmula,
caminhei com passos trôpegos até uma pequena recepção onde
ficavam algumas técnicas de enfermagem, local não tão longe de
onde o encrenqueiro estava.

— O que está acontecendo, Sofia? — uma delas me


interpelou quando gritos altos se fizeram ouvir ali.

— Chame um segurança, por favor, Adriana — pedi em um


fio de voz. — Começou com uma discussão conjugal besta e está
tomando proporções enormes.

— Sua vadia! — gritou o paciente. — Você me traiu com


aquele filho da puta!

— Já chamei. Ficarei a postos para ligar para a polícia se for


necessário.

— Obrigada.

— Nada.

Dei um sorriso trêmulo e voltei para a enfermaria que estava


um caos ainda maior, com o caçador de confusão discutindo com
outros pacientes. Por sorte, dois vigilantes não demoraram a chegar,
aplacando os ânimos. Troquei as luvas e pus-me a cuidar do
homem chato que agora resmungava baixinho, não poderia ignorá-
lo, afinal isso não era do meu feitio.

Era apenas o início do plantão e se o ocorrido indicasse algo,


aquele seria um dia daqueles! Torcia para que estivesse
completamente errada.

***

De fato estava certa em minha previsão, e boa parte do


plantão tinha sido uma correria quando vítimas em estado grave
chegaram e eu tive que auxiliar na emergência que pareceu
banhada em sangue. Demorou cerca de cinco horas para que
conseguíssemos deixar todos estáveis para que pudessem ser
transferidos para outros locais. Meu corpo todo estava dolorido pela
tensão de ajudar aquelas pessoas a sobreviverem, mesmo que
alguns dos meus colegas tivessem sussurrado que eles não
passavam de escórias e que gastar recurso com eles era
desnecessário. E em meio ao cansaço e a dor, era esse tipo de
comentário que me deixava mais para baixo. Mas tinha que
continuar, ainda faltava algum tempo para encerrar minha jornada
de trabalho. Porém, uma pequena pausa era sempre bem-vinda.

Adentrei a sala pequena onde a equipe de plantonistas


costumava fazer suas refeições e encontrei minha amigas ali, uma
das melhores enfermeiras do hospital. Ela mexia no celular, mas
ergueu o rosto em minha direção e franziu o cenho.

— Você está péssima — comentou sem largar o aparelho.

Apenas dei de ombros e caminhei até a cafeteira, por sorte


ainda tinha um pouco do líquido que alguém tinha feito. Era uma
raridade.

— Dia difícil no plantão — respondi quando me sentei ao seu


lado no sofá.

— Nem me fale, estou doida para fazer vários nadas. Mas


combinei de levar meu filho no Parque Municipal para andar no
brinquedo do Wallygator. — Fez uma careta, mas depois sorriu. Ela
era apaixonada pelo pequeno de apenas quatro anos e faria tudo
por ele.

— Tem sorte dele não te convencer a andar no barquinho a


remo.

Ri ao relembrar da vez que me arrisquei a remar no lago da


região central de Belo Horizonte, mas não tinha conseguido sair da
margem, para o deleite das crianças que me assistiam. Tinha sido
uma completa negação.

— Merda! — praguejou e nós duas caímos na risada.


— Você vai sobreviver, Júlia. — Beberiquei o café que não
estava tão gostoso, mas que dava para o gasto.

— O que não fazemos pelos filhos, não é mesmo? — falou


com displicência, mas sua expressão que estava sorridente logo se
transformou em uma careta de raiva. — Porra, não acredito!

— O quê? — Um incômodo sem sentido brotou no meu peito


e eu tratei de ignorar. — O que aconteceu?

— Esse não é o João? — Apontou para o próprio celular e


estranhamente apertei a caneca entre meus dedos com força, com
medo de deixá-la cair com a apreensão que me tomou.

Olhei para a fotografia reconhecendo de cara o homem


moreno com cabelos cacheados abraçado com uma mulher loira,
uma antiga colega de trabalho que tinha passado em um concurso
em outro lugar.

Mas o que verdadeiramente me deixou trêmula e ofegante foi


ler a legenda: ela estava com dois meses de gravidez e o pai era o
homem que tinha me deixado há duas semanas. Se eu estivesse
em pé, com certeza minhas pernas não me sustentariam e, sem que
me desse conta, soltei um som estrangulado, a dor me invadindo
por completo. Minha amiga falava uma série de palavrões, mas tudo
que conseguia focar era no sentimento de traição que me deixava
perdida. Meu relacionamento poderia ter estado em decadência há
muito tempo, mas nunca poderia imaginar que o homem, que jogou
na minha cara que minha vontade de engravidar tinha sido o pivô do
nosso término, seria pai com outra mulher.

Uma lágrima escorreu pelo meu rosto, seguida de outras, e


senti minha amiga envolver os meus ombros a fim de me confortar.

— Como ele pôde? — sussurrei fracamente a pergunta,


sentindo um bolo se formar na minha garganta. — Zombar do meu
sonho de ser mãe, me trair esse tempo todo e ser pai do filho de
outra? — Pousando a caneca na mesinha de centro, levei a mão ao
rosto, me sentindo sem chão.

— Ele é um babaca, Sofia. — Tirou uma mecha que grudou


no meu rosto molhado. — Ele não é um homem, é uma galinha.
Quando você me falou a forma que ele te deixou, se tivesse na
minha frente, eu o matava.

Seu comentário fez uma gargalhada amarga brotar na minha


garganta, misturada com a dor que eu sentia no fundo do peito. Eu
estava mais ferida e magoada com o que li na rede social do que
com o fim em si. João, mais uma vez, encontrou outro modo de me
machucar.
— Não consigo acreditar… Mas por quê? — sussurrei. — Eu
era tão ruim…

— Pare com isso já, Sofia. — Apertou meu ombro com força.
— Você é uma mulher linda, gentil e amorosa. Será uma excelente
mãe quando tiver seus filhos, e a prova viva disso é o modo como
você se doa quando interage com as crianças que passam por aqui
e no seu trabalho voluntário. — Fez uma pausa. — João que é um
bocó.

— Realmente, um escroto… — Limpei a lágrima que


escorreu pelo meu rosto com o dorso da mão. A tentativa da minha
amiga de elevar minha autoestima estava funcionando. — Obrigada.

— Só digo verdades. — Riu do próprio comentário. — Sei


que você teve duas experiências ruins com homens, mas ainda
encontrará um cara gentil, que te ame e que principalmente
compartilhe desse sonho com você, querida. Um que queira
realmente se dedicar a ser pai, que quer cuidar e proteger a criança.

— Hmph. É difícil. — Bufei, descrente.

— E se não encontrar, já pensou em fazer inseminação


artificial? Ser mãe solo não é fácil, a realidade das mulheres que se
encontram nessa condição é dura, porque todos os erros e acertos
são julgados pela sociedade, mas é uma opção.
— Um pouco.

Confesso que quando João me deixou, jogando na minha


cara que eu precisava de um homem, no calor das emoções, pensei
em procurar uma clínica de fertilização. Mas embora a inseminação
sem ser in vitro fosse mais acessível, tinha outras questões que eu
precisava refletir que iam além do doador, pois como minha colega
disse, ser mãe solteira não seria algo fácil, já que teria que conciliar
minha carreira com os cuidados necessários de um bebê, apesar de
saber que dona Rosi, que em breve se aposentaria, estaria comigo
para tudo. Ela seria uma vovó bastante coruja, mas não queria dar
mais trabalho a ela. Mas não podia negar que o comentário da
minha amiga tinha me enchido de esperanças de realizar meu
sonho e, presa na tristeza de descobrir que fui traída pelo homem
que zombava de mim, me agarrei a possibilidade de ser mãe
através da inseminação. Eu precisava e muito daquilo para não
desabar ainda mais no meu ambiente de trabalho.

— Sofia? — A voz da minha amiga fez com que eu saísse do


transe momentâneo que eu estava.

— Oi? — Virei-me para ela.

— Precisamos ir, o resto do plantão nos espera, infelizmente.


— Deu um suspiro ao colocar o celular no bolso da calça.
Afastando-se de mim, levantou, e eu fiz o mesmo. — Você vai ficar
bem, amiga?

— Sim, só preciso de um tempo para assimilar e lidar com


tudo. — Me encolhi.

— Estarei com você para o que precisar, querida. — Me


abraçou como se através desse gesto pudesse me passar essa
certeza.

— Obrigada, Júlia. — Abri um sorriso fraco para ela.

— Agora coloque essa caneca na pia e vá lavar o rosto —


ordenou. — Temos muito trabalho pela frente. — Fez uma pausa, e
seu rosto assumiu uma expressão divertida. — Tomara que não haja
mais nenhuma confusão, não é mesmo?

— Tomara — respondi, entendendo a alusão do acontecido


mais cedo, pois essas coisas sempre corriam rápido. Quem não
gostava de uma boa fofoca, não é mesmo?

— Vou lá.

Assenti e observei ela deixar a cozinha pequena, fechando a


porta atrás de si. Soltando um suspiro profundo, peguei a caneca, a
lavei, e em seguida fui para o banheiro.
Júlia estava certa, tinha muitos pacientes para atender ainda,
muitos cortes e ferimentos para limpar e costurar. Deixaria para
ruminar o fato de que João seria pai para quando estivesse em
casa, embora soubesse que isso me assombraria e machucaria por
um bom tempo, mesmo não estando mais apaixonada por ele.
Afinal, traição era traição, e pelo jeito ele me traía há meses.
Capítulo quatro

A cada dia que passava, a exigência do meu avô de que eu


desse a ele um bebê, um bisneto ou uma bisneta, pesava sobre
meus ombros. Não que o velhinho astuto me cobrasse algo
diretamente, eu o fazia por mim mesmo, mais e mais, enquanto
observava de longe Ronaldo fazer mais uma cagada na Richelme
Alimentos. Não tinha dúvidas de que a reunião que eu teria com os
funcionários de gestão seria para falar sobre isso, e sabê-lo me
deixava completamente irritado.
Tinha tentado de todas as formas apelar para o bom senso
do grande Estebán para os negócios, mas de nada adiantara.
Parecia irredutível em afastar meu pai do controle da sua empresa e
com isso frear a queda daquilo que ele batalhou tanto para construir.
Frente à frustração que sentia, parecia que só me restava uma
única alternativa: me tornar pai, embora não o quisesse.

No Brasil era proibido pagar alguém para gerar um filho, mas


poderia encontrar alguém disposto a ser minha barriga solidária,
algo legalizado, porém não conhecia nenhuma mulher que se
prestaria a isso. E a ideia de uma desconhecida gestar um filho
meu, estranhamente me era abominável; talvez fosse conservador
demais.

Sobre o método tradicional, bem, não me atraía transar com


alguém só para engravidá-la porque meu avô desejava ter mais um
herdeiro, outro além dos que já tinha, como meu pai e eu. Não era
do meu feitio sair por aí tomando todas que via no meu caminho, e
também não tinha intenção de arrumar uma namorada, algo que,
provavelmente, era o que Estebán realmente queria. Não menti
quando disse que estava bem sozinho e que tinha consciência que
o amor que meu avô sonhava que eu tivesse, um igual ao dele e da
vovó, não caía do céu. Era algo raro e que dificilmente acontecia. E
definitivamente não era para mim.
Além de que, seja apenas sexo ou namorada, diferentemente
da barriga solidária, eu estaria ligado a essa mulher para sempre,
pois filho era um laço eterno, mesmo que nós não tivéssemos uma
relação. Com o meu dinheiro, poderia brigar pela guarda na justiça,
mas também não me agradava em nada afastar alguém do seu
filho, eu sabia o quanto o amor materno fazia diferença na vida de
uma criança, pois embora eu tivesse a minha avó, nada supriu a
perda da minha mãe. Poderia ser considerado um homem prático e
completamente focado no trabalho, mas não era desumano a tal
ponto.

Enquanto caminhava até a sala de reuniões, minha mente


parecia presa no assunto em busca de uma solução para o meu
problema inevitável, e a cada passo que dava, aumentava a minha
irritação e a sensação de que meu tempo estava se acabando, que
eu não tinha outra escolha. Torcia para que uma alternativa me
surgisse. Idiota!

Tentando não pensar muito mais sobre isso, ajeitei a minha


gravata, que parecia subitamente apertada, e adentrei a sala de
reuniões. Embora estivesse adiantado, todos me esperavam com
um semblante severo no rosto e um silêncio sepulcral tomava o
ambiente. Nesse momento tive a certeza de que,
independentemente do que Ronaldo pudesse ter feito, nada se
compararia ao que escutaria hoje. E o que ressaltava ainda mais
isso era a ausência do meu pai. Sem dizer nada, sentei-me no lugar
a mim reservado e os fitei.

— Boa tarde, ao que devo essa reunião de última hora em


plena manhã? — Minha voz soou mais grave e severa do que eu
gostaria, mas não me importei. A apreensão era sufocante.

Ninguém respondeu. Eu apenas ergui a sobrancelha,


esperando que alguém se manisfestasse.

— Como neto de Estebán Richelme, gostaríamos de saber se


é verdade o boato de que a Richelme Alimentos poderá ser vendida.
— Um dos funcionários mais antigos da casa interpelou-me e eu fitei
seu rosto coberto por tensão. Precisei de alguns segundos para que
suas palavras fossem assimiladas pela minha mente e uma raiva
descomunal me invadiu.

— O quê? — gritei, batendo meus punhos cerrados em cima


da mesa, fazendo com que todos olhassem para mim, assustados.
— Do que você está falando? A Richelme não está à venda e nunca
estará!

— Não é o que parece, senhor, infelizmente — comentou.

— Explique-se. — Trinquei os dentes.


— Senhor, ouvimos falar que Ronaldo tem tentado vender a
empresa a um dos nossos principais concorrentes, e isso tem
deixado alguns dos nossos fornecedores de matéria prima
preocupados, receando um possível calote, por mais que os
pagamentos nunca tenham sido feitos após o prazo.

— Merda!

— Embora achássemos que eram apenas boatos,


conseguimos encontrar um documento que prova que nossos
medos não são infundados.

Não pude conter vários impropérios que saíram da minha


boca quando o homem me passou uma pasta e meus olhos
percorreram uma cópia de uma proposta, que não fazia ideia de
como chegou nas mãos de meros gerentes. A cada linha que eu lia,
eu sentia minha raiva pelo meu pai aumentar ainda mais. O
documento não apenas deixava claro que Ronaldo estava querendo
vender a Richelme Alimentos por um valor bem abaixo do mercado,
caso a empresa realmente estivesse sendo comercializada, sem o
consentimento do meu avô, como especificava que o dinheiro a ser
transferido iria diretamente para conta de Ronaldo, deixando o pai
dele na rua da amargura. Por esse valor, até mesmo eu iria querer
adquiri-la, acabando de vez com a necessidade de eu ter um filho
para poder tirar meu genitor da empresa.
Mas o que verdadeiramente me preocupou foi constatar a
ausência de cláusula que protegesse os funcionários, podendo
então ocorrer demissões. Canalha de merda! Eu não deixaria isso
acontecer.

— E então, senhor? — perguntou, ansioso, o gerente. Eu


olhei para todos os presentes e vi que aguardavam minha resposta
com apreensão.

— Fiquem tranquilos que isso não acontecerá — disse entre


dentes. — Só se for por cima do meu cadáver.

— Como procedemos, senhor Richelme? — Outro me


interpelou. — Precisamos dar essa garantia a todos, principalmente
aos nossos colaboradores e fornecedores.

— Felipe — olhei para o homem responsável pelo


departamento de marketing —, peça a equipe para fazer um aviso
de circulação interna e outro para os nossos parceiros desmentindo
a venda. Mas não deixem vazar para o público externo.

— Certo, senhor. Iremos providenciar. — Assenti, ainda


sentindo a fúria me invadindo.

— E o senhor Ronaldo? — O gerente mais corajoso me


perguntou.
— Eu cuidarei dele em breve.

Me contive para não chamar meu pai de imbecil na frente de


todos. Já tinha perdido a compostura antes ao falar palavrões na
frente dos funcionários do meu avô, algo que definitivamente eu
abominava. Provavelmente eu ficaria irritado com a minha conduta
mais tarde, quando minha raiva arrefecesse. Eu era um homem de
negócios e autocontrole era uma característica necessária para
obter sucesso, prestígio e respeito. Tinha uma reputação para
preservar e isso não incluía agir movido pela emoção.

— Enquanto isso — continuei —, colocarei meu avô a parte


de tudo que está acontecendo e do plano de meu pai. Tenho certeza
que ele também não deixará isso acontecer.

Ninguém disse nada e eu continuei fitando-os, como se


desse coragem a eles de perguntar ou comentar algo, porém,
quando vários minutos se passaram e continuaram em silêncio, dei
a reunião por encerrada, sem deixar de frisar meu pedido para o
responsável pelo marketing.

Com a cabeça pulsando, levantei-me da mesa dando um


aceno de cabeça em despedida e encaminhei-me para o
estacionamento subterrâneo. Tinha que falar com o meu avô e
rápido.
Capítulo cinco

Observei meu avô tomando seu café calmamente, como se


nada tivesse acontecido, com o cenho franzido. Com tato, tinha
exposto a ele sobre como Ronaldo estava tentando vender a
empresa a uma concorrente e, o pior disso tudo, como o suposto
contrato poderia deixar nossos colaboradores em uma situação
difícil. Porém o longo silêncio dele me perturbava mais do que
poderia imaginar. Esperava que aquele homem, antes firme e
impassível quando dizia respeito a sua empresa, aquele em que me
espelhei desde que era menino, reagisse, colocando um fim em
tudo aquilo, fazendo com que meu pai deixasse o cargo de
presidente da empresa imediatamente.

— E então, vovô? — Não contive minha impaciência quando


ele nada respondeu. Fitei seus olhos tão escuros quantos os meus,
com um brilho de decepção cintilando brevemente.

— O que você quer que eu diga, Jefferson?

Pousou a xícara vazia na mesa de centro e juntou as mãos,


que estavam um pouco trêmulas, sobre a barriga. Nunca tinha visto
Estebán tão vulnerável e eu não gostei nada de vê-lo assim. Engoli
em seco e passei a mão pelos cabelos, não respondendo de
imediato.

— Ele não conseguirá vender de todo modo — falou com a


voz tensa, revelando-me que, diferentemente do que eu pensava,
meu avô não estava tão indiferente assim.

— Quem garante isso? — Arqueei a sobrancelha.

— Eu, Jeff. — Suspirou profundamente. — Mesmo sendo o


presidente, ele só conseguiria vender com a sua assinatura. Você
pode não estar no comando da minha empresa como eu gostaria,
mas tem cinquenta por cento de tudo. Te fiz meu herdeiro legal.
— Entendo. — Embora me sentisse um pouco mais aliviado,
algo ainda me incomodava.

— Então todos podem ficar tranquilos quanto a isso. —


Soltou um suspiro ruidoso, como se já esperasse algo do tipo vindo
do próprio filho. E não sei por que, constatar isso me deixou ainda
com mais raiva

— O que fará com Ronaldo? — Fiz uma pausa e o fitei com


seriedade. — De um empresário para o outro, acredito que isso é
justificativa o suficiente para afastá-lo agora, já que não o fez
quando soube que ele desviava dinheiro e tem afundado a empresa
cada vez mais.

— Nada.

Descruzou as mãos, pousando-as sobre a coxa, dando de


ombros. Eu bufei, incrédulo. Sabia que ele amava e muito o filho, da
mesma maneira que a mim, mas não esperava que ele fosse deixar
passar em branco aquilo, agindo como se algo de tão grave não
tivesse acontecido. Mesmo que soubesse que não existia a
possibilidade de a venda acontecer, era muito para mim.

— Vovô...
— Só você pode fazer algo, Jeff — comentou com a voz
aveludada e eu me mexi inquieto na poltrona, torcendo para que ele
não mencionasse aquilo que, tirando os acontecimentos do dia,
mais me irritava. — Me dê um bisneto ou… — Mexeu a mão,
indicando somente com gestos aquilo que queria dizer.

Merda!

— Está em suas mãos — continuou.

— Não existe mesmo outro modo? — disse entredentes.

— Para te ver feliz? Não, Jefferson. Faz mais de dois meses


que tivemos nossa primeira conversa sobre isso e seu estilo de vida
continua o mesmo. Quanto tempo faz que não tira um dia para si
mesmo?

— Eu... — tentei argumentar, mas fui interrompido com um


gesto de pare.

— Não me diga nada, pois sei que é mentira. — Repreendeu-


me, como se eu tivesse cinco anos de idade e tivesse acabado de
roubar uma guloseima da cozinha, e soltei outro um grunhido
irritado.

Não acreditava que estava tendo essa conversa novamente


com o meu avô. Parecia que não existia para ele nada além desse
assunto mais do que irritante.

— Sou adulto, pelo amor de Deus! Um grande empresário,


um dos homens mais ricos de Belo Horizonte.

— Mas ainda é o meu neto e nem sempre sabe o que é


melhor para si mesmo.

— Como se uma mulher e um filho fossem imprescindíveis na


minha vida. — Bufei.

— Um dia me agradecerá por isso, Jefferson. — Fez uma


pausa e eu olhei sua expressão implacável. — Eu era igualzinho a
você, meu filho. Não cheguei aonde estou sem ambição e aproveitei
todas as oportunidades que tive. Mas o amor de uma mulher nos
muda muito, fazendo-nos ver quanto tempo perdemos e o quão tolo
fomos.

— Hm… — Dei de ombros.

— Sua avó e seu pai, apesar da dor de cabeça que ele me


dá, foram as melhores coisas que aconteceram na minha vida —
sorriu. — A mulher certa, que na minha opinião pode estar mais
próxima do que você imagina, fará você mudar também.

Prescrutou-me seriamente e ficou em silêncio, servindo-se


mais um pouco de café enquanto eu sentia um arrepio percorrer a
minha coluna. Não que eu acreditasse nas palavras do meu avô no
que tangia a mim, mas, mesmo assim, foi impossível conter a minha
reação. Seus dizeres mais pareciam uma maldição, ou pior, uma
premonição. E quando um sorriso começou a se formar em seu
rosto, outro calafrio me varreu e não contive um tremor.

Sem que me desse conta, desatei o nó na minha gravata,


que subitamente começou me incomodar, ainda mais quando a
frase na minha opinião pode estar mais próxima do que você
imagina começou a ecoar na minha mente. Porra! Não existia
mulher alguma em minha vida, e tão cedo teria, mas os olhos
negros dele me diziam que eu estava errado. Tinha a ligeira
impressão de que Estebán via além do que eu poderia enxergar.
Mas o que ele via? Eu não tinha ideia.

Apenas minha respiração ruidosa se ouvia no cômodo e


quanto mais ele me fitava, mais confuso e estranho eu me sentia.
Estava dividido entre escolher o rebaixamento de cargo de Ronaldo,
com meu avô removendo meu pai da presidência, algo que eu tanto
queria, ou a manutenção do meu estilo de vida de solteirão. Mas,
merda, como eu daria um neto para o meu avô? Tinha pensado em
todas as possibilidades, mas nenhuma me pareceu boa o suficiente.
Eu me sentia em um mato sem coelho. Talvez o melhor a ser feito
era deixar que meu pai arrastasse para lama a empresa do meu
avô, acabando de vez com tudo aquilo, e manter completamente o
meu foco na Comer Bem Alimentos. Mas algo dentro de mim
rebelava-se contra a ideia de desistir de tudo e do legado do
Estebán, da mesma maneira como a ideia de ser pai me
atormentava.

Sentindo-me em conflito e prestes a me sufocar com a


angústia, ergui-me da poltrona e, lançando um último olhar para o
sorriso diabólico do meu avô, que pressagiava algo que não sabia o
que era, e eu fiz aquilo que nunca tinha feito desde que me tornei
homem feito: fugi, como se estivesse sendo perseguido pelo próprio
diabo, esquecendo-me completamente de Ronaldo, o quanto isso
poderia prejudicar outras pessoas, e a raiva que sentia por aquilo
que ele tinha feito.
Capítulo seis

Eu caminhava a passos largos pelos corredores da mansão,


sem destino algum. Afastar-me do meu avô não diminuiu em nada a
batalha interna que estava travando comigo mesmo. Minha
respiração estava completamente acelerada. Nunca tinha me
sentido assim antes, era um homem decidido que não hesitava em
nada, mas nunca precisei lidar com meus sentimentos pessoais.
Estava tão perdido em mim mesmo que nem reparei que me
aproximava da cozinha até que ouvi pessoas conversando. A voz
feminina que há algum tempo não escutava fez meu corpo vibrar,
como sempre acontecia quando eu a ouvia.

Sofia…

A conheci quando eu era um adolescente e ela uma doce


menininha curiosa, que algumas vezes acompanhava a mãe ao
trabalho quando dona Rosimeire, a nossa cozinheira, não tinha
ninguém para deixar a pequena, e meus avós, sempre bastante
generosos, não se importavam com o fato. Mesmo que houvesse
uma diferença de dez anos de idade entre nós, isso não me impediu
de brincar com a pequena, que era completamente encantadora. E
o que começou com uma simples brincadeira de crianças, tornou-se
uma amizade infantil que infelizmente foi se dissolvendo à medida
em que crescíamos e eu ficava cada vez mais distante pelas minhas
responsabilidades na escola, depois na faculdade e em seguida na
minha própria empresa. Mas, mesmo assim, vez ou outra
esbarrávamos nos corredores e engatávamos uma conversa sobre
amenidades, oportunidades em que não pude deixar de perceber as
mudanças em seu corpo, principalmente quando ela completou
dezoito anos.

A pequena menina, que mais parecia uma boneca viva com


seus olhos castanhos claros, se tornou uma mulher extremamente
sedutora, mesmo que não tivesse consciência disso. Por mais que
eu quisesse ser um cavalheiro, pelos velhos tempos, toda vez que a
encontrava, não conseguia conter o meu olhar que a percorria da
cabeça aos pés, devorando cada pedaço do seu corpo bem-feito,
embora pequeno e frágil. Um fogo varria toda a minha extensão,
coisa que não deveria sentir por ela, me fazendo sentir culpa por
comê-la com os olhos, afinal ela era a doce Sofia, criança pela qual
meu avô e minha falecida avó nutriam carinho como se fosse uma
neta. Sentir-me atraído por aquela mulher me soava como algo
completamente proibido, mas, mesmo assim, só de ouvir sua voz,
sentir seu cheiro e fitá-la, uma sensação estranha me dominava.
Mas eu a sufocava.

E agora, ouvindo sua voz abafada pela distância,


experimentava aquela mesma sensação que me invadia sempre, e
esquecendo momentaneamente a confusão que me tomava quando
deixei a conversa com meu avô, me aproximei mais da cozinha,
como se fosse uma mariposa atraída para a luz. Porém, antes de
adentrar o recinto, algo me fez estacar no lugar, e mesmo não
querendo e não sendo do meu feitio, escutei a sua conversa,
sabendo o quanto aquilo era errado. Mas o tom da sua voz parecia
um pouco para baixo, o que me incomodava de uma maneira que
eu não sabia explicar.

— Sabe, mãe, sei que ainda estou muito ferida com aquilo
que João fez. Ainda não consigo acreditar que ele será pai com
outra mulher.
Ouvi dona Rosi soltar um bufo e um palavrão nada educado,
fazendo-me arquear a sobrancelha, pois nunca tinha escutado a
mulher praguejar dessa forma antes. Interessante...

— E me irrita ainda mais pensar que aquele idiota zombou de


você. — Praguejou. — Humph. Nunca precisou dele e está muito
bem sozinha. É muito mais inteligente e linda do que aquele lá.

Sem querer, um sorriso de satisfação tomou os meus lábios.


Então ela estava solteira novamente? Deveria me sentir indiferente,
mas uma euforia me invadiu.

— Obrigada, mamãe. — Fez uma pausa. — Pode parecer


maluco, mas Júlia reforçou uma ideia que também tive, e confesso
que estou pensando muito sério em colocá-la em prática daqui a
algum tempo. Eu teria que me organizar, mas…

Como aconteceu quando estava conversando com meu avô,


um calafrio me percorreu. O que contaria a mãe, não fazia ideia,
mas eu senti que o que ela diria mudaria algo em meu futuro. Eu
deveria estar me sentindo mais perdido e fodido do que imaginava
por encarar tudo o que me falavam hoje como uma espécie de
premonição. Tolo!

— Então, menina? — Dona Rosi perguntou.


— Inseminação artificial — respondeu com a voz suave, e eu
por alguns segundos prendi minha respiração, assimilando sua fala.

A Chaveirinho queria ser mãe? Saber isso fez com que algo
revirasse no meu estômago. Senti meu coração se acelerar ao
passo que minha mente fervilhava. Uma luz no fim do túnel estava
surgindo para mim.

— Nunca tinha pensado na possibilidade de ser uma mãe


solo, mas muitas mulheres solteiras têm optado pelo método, pois
não precisaria de um homem para participar no processo de criação.

— Hm… É algo muito difícil, minha filha. Você, mais do que


ninguém, sabe o quanto foi pesado para mim criar uma criança
sozinha.

— E você fez um excelente trabalho, mamãe.

— Você que foi uma criança doce e comportada, minha


menina. — Rosimeire respondeu com a voz emocionada e ouvi um
choramingo vindo dela.

Por um momento, sentime um intruso ouvindo a conversa e a


troca de carinho entre as duas, mas continuei ali, escutando.

— Eu te amo, mamãe.
— E eu ainda mais. Sabe, Sofia, se for isso mesmo o que
você quer, eu te apoiarei incondicionalmente. Não será mãe sozinha
como eu fui, pois sempre terá a mim, e farei o que puder para te
ajudar a realizar seus sonhos. Sempre!

— Não sabe o quanto ter você ao meu lado vai ser


importante para mim. — Uma felicidade sem igual transpareceu na
voz dela. — Mas em todo caso, não será agora. Não agirei no calor
do momento, magoada pelo fato do meu ex ser pai com outra.
Tenho muitas coisas para ajeitar primeiro antes que eu possa me
tornar mãe. Primeiro, preciso encontrar uma maneira para conciliar
tudo, por mais que minha vontade seja chutar o balde e ter logo meu
bebê. Eu amo tanto crianças!

— Está certo, minha filha.

— E eu preciso arranjar um doador de sêmen também. Mas é


para isso que existem os bancos genéticos.

Franzi o cenho com o comentário dela, porém a gargalhada


suave de Sofia, ecoando por toda a cozinha e chegando até o
corredor, se infiltrou em mim, me fazendo dar alguns passos para
trás, e fiquei atônito com a intensidade com que me atingia, todo
meu corpo reagindo a ela com força.
Mas logo me recompus, aprumando-me, quando meus
pensamentos convergiram para uma única ideia: ela queria ter um
filho e necessitava de um doador; eu precisava dar ao meu avô um
bisneto ou uma bisneta para conseguir o rebaixamento do meu pai e
evitar a completa ruína da Richelme.

Agora só precisava convencer, e rápido, Sofia a ser mãe do


meu herdeiro.
Capítulo sete

Esperando elas mudarem o tema de conversa, para que dona


Rosi não desconfiasse que eu tinha escutado a conversa íntima
entre as duas, aproximei-me do arco que separava o corredor da
cozinha e a vi. Contive o tremor que percorreu o meu corpo quando
fitei a massa de cabelos loiros ondulados que caíam pelas suas
costas. Deixando que meu olhar fixasse na sua cintura fina, em seus
quadris mais largos e na bunda avantajada, que não era
completamente redonda, era um pouco achatada, mas que mesmo
assim um homem como eu poderia muito bem se sentir tentado a
enterrar os dedos na carne macia.

Porra, como eu uma ova! Pretendia, sim, convencer Sofia a


ser mãe do meu filho ou filha, ela era a mulher perfeita para tal, já
que meu avô a tinha em autoestima, considerando-a da família há
tempos. Mas, apesar de tudo, não estava nos meus planos tocá-la,
por mais linda que ela fosse. Só de pensar em fazê-lo me parecia
como uma espécie de profanação, embora fôssemos ambos
adultos. Me soava como se maculasse tudo o que compartilhamos
quando éramos mais novos. Soltei um bufo com o rumo dos meus
pensamentos e isso fez com que a Chaveirinho virasse na minha
direção e, depois de me fitar por uns poucos segundos, desse um
sorriso largo, como se estivesse mais do que feliz por me
reencontrar. Percebi que isso sempre acontecia quando me via.
Seus olhos claros cintilavam de prazer.

— Grandão! — Deu um grito animado, parecendo a mesma


menininha que não podia me ver. — Há quanto tempo.

E mesmo que eu não quisesse, um calor invadiu meu peito


quando ela caminhou na minha direção e eu encurtei a distância,
encontrando-a no caminho. Ficando nas pontas dos pés, envolveu
meu pescoço com seus braços finos e deu um beijo no meu rosto
em cumprimento. Senti a minha pele queimar onde ela me tocou
inocentemente com os lábios. Envolvi sua cintura e a abracei de
volta, aproximando-a mais de mim, o calor do seu corpo pequeno
transpassando o tecido do meu terno. O cheiro suave do seu
perfume estava me embriagando, e um prazer imensurável me
tomou. Não era desejo, mas sim ternura, a emoção de tê-la em
meus braços.

O ex dela tinha que ser um grande babaca por tê-la traído e


depois a deixar. Ela era uma das mulheres mais doces e ternas que
já conheci. Quem a tivesse ao seu lado, teria sorte.

— Saudades, Chaveirinho. — Dei um beijo na sua fronte,


retribuindo o carinho.

— Nossa, nem me fale. — Abraçou-me com mais força e eu


sorri, algo que não passou despercebido para Rosi.

— Anda trabalhando tanto que esquece dos antigos amigos


— brinquei, soltando-a quando o olhar da mãe dela ficou intenso, o
que me incomodou por alguma razão que não sabia distinguir. Ela
não me reprovava, disso tinha certeza. Gostava muito de Rosimeire
e sabia que a mulher tinha carinho por mim, mas, mesmo assim, me
senti um menininho pego fazendo coisa errada.

A Chaveirinho enrugou o cenho para mim e, quando dei um


passo para trás, ela aproximou-se novamente, como se a
proximidade entre nós dois fosse algo tão natural hoje como era
quando erámos menores. Talvez, diferentemente do maldito canalha
que me sentia, Sofia não fosse tão consciente de que, antes de
tudo, éramos homem e mulher. Era um cretino mesmo por colocar
maldade onde não havia.

— Você é a última pessoa que pode falar de mim, Jeff — deu


um passo para trás e seus lábios rosados se curvaram levemente
para cima, um brilho ardendo nos olhos castanhos dela —, eu
trabalho doze horas, descanso trinta e seis, te garanto que você não
pode dizer o mesmo, Grandão.

Gargalhando com o seu próprio comentário, enchendo a


cozinha com a doce melodia, deu um tapinha no meu peito, em
diversão, e deu outro beijo estalado na minha bochecha. Depois, se
afastou, aproximando-se da dona Rosi, que modelava uns biscoitos
e os colocava em um tabuleiro.

— Então quem é o workaholic aqui, hein? — comentou


maliciosamente, sua boca sorrindo provocantemente. — Não foi um
tal de Jefferson Richelme, o CEO da Comer Bem Alimentos, que
deu uma entrevista recentemente em um dos principais jornais de
economia do mundo que disse que para ser bem-sucedido é
necessário dedicar bastante tempo, inclusive os finais de semana,
ao trabalho?
Dei de ombros e abri um sorriso. Ela sempre conseguia me
pegar ou me colocar contra a parede. E o ar de satisfação que
tomou o seu rosto me indicava que Sofia sabia bem disso. Se eu
não a conhecesse tão bem, ela conseguiria me dobrar por completo.

— É o preço alto que tenho que pagar, como você bem sabe.

— Convencido! — Não contive a risada quando Chaveirinho


fez uma careta e vi Rosimeire em silêncio, maneando a cabeça
como se observasse duas crianças pequenas interagindo.
Provavelmente estava se recordando de quando éramos menores e
agíamos da mesma maneira.

— Bonequinha!

— Bobalhão!

Fitando Sofia profundamente, caminhei com passos lentos


até ela, como se fosse um predador, esquecendo-me
completamente de tudo e do quanto pareceria infantil, parei na
frente daquela mulher linda que me encarava risonhamente, e
erguendo minha mão comecei a fazer cócegas nela, arrancando
uma gargalhada rouca enquanto ela se contorcia sob o meu toque.

Envolvido pelo som e pelos ofegos que ela emitia, sua palma
quente apoiando-se nos meus ombros com medo de cair, por um
momento me pareceu que só existiam apenas nós dois no mundo, o
que era algo completamente absurdo, mesmo assim, não parei,
apreciando a proximidade. Eu não deveria estar tocando aquela
mulher assim, ainda mais que ela encarava tudo como uma
brincadeira inocente enquanto eu me sentia queimar lentamente.
Quando foi a última vez que me senti tão vivo? Ignorei a pergunta e
continuei fazendo-a se dobrar, com lágrimas de tanto rir escapando
pelos seus olhos.

— Crianças! Parem com isso. — A mulher mais velha soltou


um suspiro resignado, ralhando com nós dois e eu estaquei,
abaixando a mão e juntando-a ao meu corpo. — Não na minha
cozinha.

— Tá. — Sofia pareceu se recompor primeiro, mesmo que


sua voz estivesse rouca e entrecortada. — Desculpa, mamãe.

Suas palavras fizeram com que eu recuasse um passo, e


estranhamente um ressentimento por Rosimeire ter nos
interrompendo me invadiu. Era infantil, mas mesmo assim, foi
impossível de conter o impulso. Mas sabia que eu tinha que
agradecê-la por isso, tinha agido de maneira completamente
inapropriada para o homem que era hoje. E por mais que ela
sempre me recebesse com sorrisos e beijinhos, não éramos
exatamente amigos. Ainda.
Esse pensamento foi o suficiente para me lembrar dos meus
planos para com ela. Ao mesmo tempo que achava que seria bom
para nós dois termos uma amizade para criarmos juntos nosso
bebê, sabia que não deveria passar disso. Minha vida estaria ligada
à dela, certamente, mas seria apenas em prol da criança que meu
avô tanto queria.

Com isso em mente, aprumei-me, ajeitando a abotoadura que


ornava o meu blazer e fitei Sofia, a futura mãe do meu filho.

— Já que a falta é minha — comentei, retomando o assunto


sobre a distância que nos separava pelas nossas carreiras, quando
um silêncio desconfortável tomou o ambiente —, que tal um café
pelos velhos tempos? Quero saber o que anda aprontando.

E também partir logo para o ataque, pensei comigo mesmo.


Capítulo oito

Acomodei-me na poltrona de couro enquanto observava Sofia


fazer o mesmo à minha frente, removendo as sapatilhas e dobrando
as pernas, parecendo completamente à vontade no escritório que
mantinha para mim na mansão caso precisasse receber alguém de
última hora. A mulher loira e delicada afundada no sofá macio,
segurando sua caneca de café, era um grande contraste com o
ambiente sóbrio e masculino, deixando-o mais colorido. Seu sorriso
para mim parecia iluminar todo o ambiente. Desde que era pequena,
ela sempre teve essa capacidade de deixar tudo mais alegre apenas
com a sua presença. Uma tolice, claro, mas enquanto bebericava a
bebida sem açúcar, eu a observei por alguns minutos, sentindo meu
peito esquentar, efeito que coloquei a culpa no café quente. Era uma
sensação boa, apesar de tudo.

— E então, Jeff? — A voz melodiosa fez com que eu


aprumasse o corpo no assento e desviasse o olhar dela, fitando
meu café, para depois encará-la novamente. Porra, eu não era um
adolescente para ficar com medo de ser pego olhando-a. Estava
sendo um homem ridículo.

— O quê? — Franzi o cenho.

— A vida, ué. — Levou sua caneca aos lábios e seus olhos


brilharam com diversão. — O que anda fazendo além de trabalhar?

— Arrumando mais trabalho. — comentei displicentemente,


fazendo-a gargalhar.

— Existe vida além disso, sabia? — Arqueou a sobrancelha


loira perfeitamente delineada.

— Meu avô vem me dizendo a mesma coisa. — Não sei por


que confessei isso para ela, mas acabei soltando.

— Deveria escutar ele, então. — Deu de ombros e sorriu.


— Estou bem assim — disse em um tom grosseiro. — Os
números, relatórios e os melhores investimentos não nos esperam.
E se quero que a Comer Bem continue prosperando e se torne
reconhecida mundialmente pelos seus produtos industrializados,
principalmente no mercado estrangeiro, tenho que dedicar cada
hora do meu dia para isso. Principalmente na logística.

— Entendo. — Ela não disse mais nada, apenas bebericou


seu café.

— Então meu estilo de vida é bom o suficiente para mim. —


Fui áspero.

— Se você diz, quem sou eu para contestar, Jeff —


respondeu em um fio de voz.

Merda! Não quis soar tão arrogante, mas acabei sendo mais
rude do que gostaria com a Chaveirinho, que me olhou com receio
enquanto se encolhia contra o sofá, e eu me odiei por isso. Uma
pontada fincou no meu peito.

Tinha sido um comentário banal dela, nada que eu não


tivesse escutado de outras pessoas além do Estebán, mas acabei
descontando minha confusão nela. Sofia não tinha culpa da
frustração que sentia ao lidar com a necessidade de dar um novo
herdeiro para o meu avô e o quanto um sentido de urgência me
tomava para impedir maiores cagadas por parte de Ronaldo. Pelo
contrário, eu tinha que a tratar bem já que queria que ela fosse a
futura mãe do meu filho. Sofia era a minha única solução. Meu plano
de convencê-la disso tinha começado com o pé esquerdo e eu sabia
que tinha que fazer algo para contornar a má impressão que
nitidamente tinha causado. Pousando a xícara sobre a mesa, fiquei
olhando por alguns minutos a mulher loira a minha frente, o
semblante delicado, o pequeno nariz arrebitado, a boca carnuda
rosada e bem-feita, o lábio inferior um pouco mais cheio, e os olhos
castanhos claros que me fitavam com certa mágoa pela minha
rispidez. Soltei uma série de impropérios mentalmente tamanha a
minha burrice.

— Desculpe, Chaveirinho — pedi com uma voz de derrota, a


forma que me sentia ao vê-la olhando assim para mim. Menorzinha,
ela sempre me olhou como se eu fosse o seu super-herói, seu
salvador, e não gostei nada de ver a pontada de ressentimento,
como se eu a tivesse repreendido, em seu olhar. — Sei que não
justifica, mas ando mais estressado do que o normal e não estou
conseguindo lidar muito bem com as coisas. Fui um idiota.

— Tudo bem, Jeff — bebeu um pouco do café e colocou a


caneca na mesinha lateral, sorrindo suavemente —, você não
precisa se explicar, não para mim. Não precisa me dar satisfação.
— Mesmo assim, acho necessário. Perdi a estribeira com
coisa pequena, um comentário inocente seu. Eu… Me desculpe. —
Franzi o cenho quando a risada dela ecoou pelo cômodo, deixando
o ambiente mais leve depois da minicagada que tinha feito. — Qual
é a graça?

— Ah, Jeff, sei que não deveria te cutucar novamente, ainda


mais depois dessa breve explosão, mas Estebán está certo, você
precisa urgentemente tirar uma hora para você.

— Eu malho — defendi-me em tom brincalhão,


definitivamente não queria que ela voltasse a ficar ressentida. —
Então não posso dizer que não tiro.

— Posso ver que sim — fitou-me com um sorriso malicioso e


eu não contive a corrente elétrica do desejo que percorreu todas as
extremidades do meu corpo, principalmente com o ar travesso em
suas feições delicadas, que lhe conferia uma sensualidade. Me
deixando com todos os sentidos em alerta a ela, por mais que eu
soubesse que Sofia estava brincando comigo.

Uma onda de satisfação me engolfava só de pensar na


possibilidade dela me enxergar como homem. Tolo! Eu não queria
aquilo, queria? Não deveria me sentir eufórico por saber que Sofia
poderia achar meu corpo atraente. Precisava que ela fosse a mãe
do meu herdeiro, nada além disso.
Se eu era bonito, sexy ou o diabo a quatro, pouco deveria me
importar. Porém minha mente tinha outros planos, e reagiu a sua
expressão maliciosa. Inevitavelmente imagens de como ela ficaria
com aquele mesmo sorriso enquanto se despia para mim, ou
quando nossos corpos nus se chocavam um contra o outro, em
busca de satisfação, me dominaram, sem que eu pudesse controlá-
las. Remexi-me desconfortavelmente na poltrona, inquieto pelo
desejo inesperado que se assomava em meu corpo, enquanto ela
me olhava parecendo alheia o que causava. Já seria complicado o
suficiente com um filho e a eterna ligação que eu teria com Sofia,
então não extinguir a chama que me consumia e me parecia
completamente inapropriada, já que ela continuava a ser a
menininha que vi crescer, só dificultaria tudo. De fato, não desejava
mulher alguma em minha vida e permaneceria assim.

— Extravasar na academia, evidentemente, não está fazendo


o efeito desejado — continuou e eu saí do transe momentâneo de
pensamentos.

A interrupção poderia soar muito bem-vinda, porém os


significados implícitos da sua fala, que minha mente perversa
aumentou, imaginando uma atividade que me extenuaria mais
ainda, com ela esgotando todas as minhas forças, não me ajudou
em nada. Eu prezava e muito pelo meu autocontrole, mas hoje ele
parecia ter virado papa perante a Chaveirinho. Meu avô e Ronaldo
estavam me afetando mais do que poderia imaginar. Maneei a
cabeça, tentando afastar essa torrente de imagens e pensamentos
indesejados.

— É, talvez você esteja certa. — Peguei a xícara e matei o


resto de café quase frio.

— Talvez… — Sorriu e disse com uma voz insinuante, que


me fez arquear a sobrancelha: — Pode não querer algo sério, mas
com certeza tem os seus “rolos”. — Fez uma pausa. — Conte-me
esses babados, minhas colegas de trabalho adoram essas fofocas
suculentas dos famosos.

— Hey! — Meu tom foi brincalhão e comecei a rir quando ela


desgramou a gargalhar. Mesmo mais velhos, ainda éramos muito
bobos um com o outro. — Eu não tenho nenhum “rolo”.

— Sei. — Fingiu que acreditava em mim, e pensar que ela


não confiava em minhas palavras fez com que eu engolisse em
seco. Um desconforto tomou o meu peito.

Eu não era de comentar sobre a minha vida pessoal com


ninguém, mas algo me impelia a convencê-la disso, mesmo que ela
soubesse que eu não era mulherengo. Queria mostrar a ela que eu
não era leviano.
— Não estou mentindo, Chaveirinho. — A fitei com
intensidade e minha voz soou séria, e a surpresa apareceu em sua
expressão. Por mais estranho que fosse conversar com ela sobre
sexo, eu o fiz, sem pudores e ressalvas. — Faz meses que não saio
com ninguém. Não sou esse tipo de homem, Sofia. E nunca serei.

— Entendo — a voz dela soou baixinha. — Deveria imaginar.

— Eu não faço as coisas só por fazer. — Acrescentei.

Percorri-a com o olhar mesmo que não devesse. Não tinha


sido minha intenção fazer esse último comentário, já que eu não
tinha outros objetivos para com ela, além de ser o pai do filho que
Sofia carregaria, entretanto meu inconsciente e minha boca deram
vazão aos anseios do meu corpo, que mesmo eu me contendo,
pareciam eclodir dentro de mim. O arfar suave que ela emitiu com o
meu comentário fez com que um novo estremecimento me tomasse.

Sentindo minha respiração ficar acelerada, permanecemos


em um silêncio desconfortável até que eu o quebrei:

— E você? — provoquei-a, perguntando com duplicidade.

Ao ouvir a conversa com a mãe dela, eu sabia que ela tinha


sido vítima de uma traição, mas não era isso que a minha mente
lasciva queria saber. Algo me dizia que, como eu, Sofia não se
entregava pela metade na cama. Não que me dissesse respeito,
mas mesmo assim me peguei novamente imaginando como seria.
Porra, estava começando a me arrepender de ter achado que
conversar hoje com Sofia seria uma boa ideia. Eu estava mais
fodido que imaginava. Mas para minha decepção, ela não
respondeu aquilo que eu desejava.

— Solteira, traída... — Um som amargo escapou pela sua


boca e ela bebeu o restante do café dela. — Durante o tempo todo,
João sabia que eu queria ser mãe e ele ficava empurrando o
assunto para debaixo do tapete, dizendo que ainda era cedo. Mas
ao terminar comigo, ele jogou na minha cara que isso era o
problema.

Não disse nada e a deixei continuar falando, sentindo que em


poucos minutos o meu plano dela conceber o meu filho entraria em
ação. Era aquela oportunidade que estava esperando e Sofia não
poderia ter me dado uma brecha melhor.

Ignorei tudo, até mesmo o suor frio que cobriu a minha pele
ao saber que quando ela dissesse sim, parte da minha vida
mudaria, mesmo que eu não quisesse.

— O problema para ele era eu e meu desejo de ser mãe, não


o fato de que ele me traía. — Soltou um bufo nada elegante,
colocando alguns fios de cabelo para trás, exasperada. — E
magicamente, duas semanas depois, descobri que ele vai ser pai.

— Sinto muito, Chaveirinho. — Disse com pesar, apesar de


não poder achar a situação ruim de todo, pois, caso eles estivessem
juntos, meu plano iria para o saco. E, a meu ver, Sofia era a mulher
perfeita.

— Não o sinta, Jeff. — Sua voz ficou um pouco mais suave.


— João apenas me fez ver que eu não preciso dele.

Chegou a hora!

— E de fato não precisa, Sofia. — Soei convicto.

— Mesmo? — perguntou, desconfiada.

— Eu serei o pai do seu bebê.


Capítulo nove

Relaxada por conversar com uma pessoa que não iria me


olhar com pena ou que tomaria minhas dores para si, como, de
certa forma, minha mãe e Júlia faziam, comecei a me abrir com Jeff,
me sentindo extremamente confortável em fazê-lo, até a afirmação
arrogante dele ser absorvida lentamente pela minha mente,
fazendo-me arregalar os olhos, incrédula. Meus ouvidos deveriam
estar me pregando uma peça ou eu escutei errado. Aquele homem
poderoso, que mal tinha tempo para si mesmo, não me proporia
uma coisa dessas, não mesmo. Por mais que eu achasse um pouco
triste ele não querer ouvir o avô nesse aspecto e preferir uma vida
solitária, o respeitava. Mesmo que não fôssemos mais tão próximos
um do outro, eu conhecia a sua obstinação e sabia que ele se
dedicaria ao extremo para alcançar aquilo que deseja. E eu
admirava isso nele. Sabia que ele iria alcançar o patamar que queria
para a Comer Bem, custe o que custar, mas ser pai não parecia
entrar na equação dele.

Enquanto refletia sobre o que ouvi, uma raiva começou a me


consumir ao pensar em uma hipótese, a única que fazia sentido
para mim: Jefferson estava debochando do meu desejo de ser mãe?
Ele não sabia que eu iria tentar fazer uma inseminação artificial
quando me organizasse melhor, então não era um oferecimento
gentil, nem tínhamos intimidade para tal.

Pensar que ele estava brincando com isso, com a minha


ânsia, fez com que, mesmo que não devesse, eu revivesse a
zombaria de João, a raiva sendo substituída pela tristeza. Foi com
muito custo que contive as lágrimas que se assomaram nos meus
olhos. Nunca pensei que o homem que sempre admirei desde
pequena pudesse ser tão cruel.

Sem que me desse conta, encolhi-me no sofá onde estava,


abaixando minha cabeça. Se pudesse, eu ficaria em posição fetal.
Não deveria me importar com isso, mas era o Grandão que estava
falando.
— Isso não tem graça nenhuma, Jefferson. — Queria que a
minha voz tivesse soado mais firme, mas tudo o que consegui
produzir foi um esganiçar ferido e vulnerável. Maternidade era um
assunto muito delicado para mim e me afetava muito.

— Porra, Chaveirinho — o tom tenso da sua voz, fez com que


eu saísse do meu casulo de dor e erguesse meu rosto, fitando-o.

O rosto másculo com a barba bem-feita formava uma


carranca. Ele trincava os dentes como se estivesse furioso, seus
olhos negros cintilando com um brilho perigoso, como se me
advertisse de algo que eu não sabia. Engoli em seco, e um calafrio
varreu o meu corpo ao constatar que nada nele indicava sua
pilhéria. Mas eu poderia estar enganada, pois embora eu achasse
que o conhecesse pelos velhos tempos, era inegável que as
pessoas mudavam.

— Eu nunca brincaria com algo assim, Sofia — disse


entredentes, com raiva, e o olhando melhor, pude ver que ele falava
a verdade. — Não me confunda com o canalha do seu ex. Posso ter
os meus defeitos, Chaveirinho, mas nunca zombaria de algo tão
importante para você.

— Eu… — Não sabia o que dizer, minha mente era pura


confusão.
— Serei o pai da criança que você irá ter. — Afirmou com
tanta certeza que eu dei um pulinho no sofá, assustada.

— Você só pode estar ficando doido — disse, minutos depois,


tentando assimilar a sua fala. Não conseguia compreender de onde
ele tinha tirado essa ideia, mas Jeff parecia completamente convicto
disso. O que era estranho, já que mais cedo ele tinha afirmado com
todas as letras que ele estava muito bem com a vida que estava
levando e o quanto ela exigia dele. E agora vinha afirmar tal
absurdo.

— Te garanto que estou completamente são, Chaveirinho.

A voz aveludada, que tinha a intenção de me adular, fez com


que os pelinhos do meu braço se arrepiassem, fazendo-me franzir o
cenho com a minha reação desmedida. Mas a intensidade com a
qual ele me olhava não ajudava em nada, uma expressão que
nunca tinha visto antes.

Desde que eu era pequena, achava Jefferson bonito, e


muitas vezes nunca conseguia evitar o rubor que tomava minhas
bochechas perante a sua gentileza, mas à medida que ficava mais
velha, mais consciente ficava de que ele era completamente
sedutor. Secretamente, posso ter torcido quando era uma
aborrecente para que Jeff me desse bola, mas isso acabou
morrendo dentro de mim quando nos distanciamos por conta da
faculdade e da empresa que ele abriu, além disso, fui conhecendo
outros caras também.

Porém ser alvo daquele olhar intenso e arrebatador era, no


mínimo, desnorteante. Nunca o meu corpo tinha ficado tão
consciente do dele, do poder que ele exalava apenas com sua
presença, do calor com que me fitava. E isso fez com que eu
tentasse reagir, voltando minha atenção para o absurdo que era sua
afirmação.

— Pois para mim, parece que sim. — Levantei do sofá e


comecei a andar pelo escritório austero, me sentindo inquieta por
Jeff continuar me encarando.

— Te horroriza tanto o fato de transarmos, Chaveirinho?

Estaquei no lugar, sentindo o coração bater mais forte no


meu peito. Mesmo que o tom que ele usou tivesse um quê de
brincadeira, um formigamento de antecipação e calor surgiu na
minha pele. Sem que eu quisesse, imaginei como seria sentir aquele
corpo definido e poderoso completamente nu pressionando o meu
contra o colchão enquanto ele se cravava dentro de mim, minhas
unhas fincando em sua pele morena com o impacto. Deus, a
simples imagem começava a deixar a minha boca seca. Afinal eu
era uma mulher que, como qualquer outra, gostava de sexo e tinha
desejos, embora fosse muito seletiva nesse aspecto. Porém não
estava tendo pensamentos eróticos com um homem qualquer, mas
sim com o Jefferson, meu amiguinho de infância, aquele por quem
sempre nutri um amor fraternal. Sonhar em transar com Jeff, mesmo
que acordada, parecia manchar o sentimento puro que tinha por ele.
Mas, pelas suas palavras seguintes, parecia que não era apenas eu
que estava seguindo essa linha de raciocínio.

— Sim, seria muito gostoso, Sofia — falou com a voz tão


carregada de desejo que não contive minha ânsia, e girando em sua
direção, vi que ele estava de pé, sorrindo de um jeito que faria
qualquer uma correr para os seus braços. Até mesmo eu. Mas não o
faria.

— Hm? — Soltei um gemido, mordendo meus lábios logo em


seguida, apenas para provocá-lo, não gostando em nada das
sensações absurdas que me tomavam. Dois poderiam jogar aquele
jogo.

Para minha completa surpresa, Jefferson rilhou os dentes


com força e virou de costas para mim, suas mãos fechadas em
punho. A respiração dele ficou mais ruidosa, seus ombros subindo e
descendo com rapidez. Fiquei apenas o observando, sentindo um
prazer sujo de ver o descontrole dele quando não deveria.

— Mas não estava pensando em fazê-lo de forma tradicional.


— Comentou tempos depois, se virando para mim novamente,
controlado. — Estava pensando em inseminação.

Jogando um balde de água fria em mim, trouxe à tona o


motivo real pela qual estávamos tendo aquela conversa sem
sentido, sua afirmação maluca de que ele vai ser o pai do meu filho.

— Porque, Jeff? — Externei a pergunta que me consumia


antes de ser envolvida pela teia de sedução dele. — Ter um filho
nunca esteve em seus planos. Você mesmo disse que a Comer
Bem toma todo o seu tempo.

Antes de me responder, ele caminhou lentamente na minha


direção, seu corpo se agigantando contra o meu. De fato, diante da
estatura do homem, eu parecia uma miniatura. Era quase cinquenta
centímetros mais baixa do que ele. Erguendo sua mão, segurou o
meu queixo com a sua palma quente, inclinando minha cabeça um
pouco para trás para que eu pudesse fitá-lo diretamente. O simples
contato foi o suficiente para aquecer minha pele.

— Quero ajudar a realizar o seu sonho, Sofia… Nada além


disso. — Passou o polegar pelos meus lábios, e eu os senti queimar
onde Jeff os tocava.

Encarando aqueles olhos negros brilhantes e persuasivos,


quase disse sim, mas um relâmpago de sanidade me tomou. Não
poderia agir no impulso só porque João tinha me humilhado ao ser
pai com outra mulher. Precisava de sensatez.

Por mais que eu estivesse pensando em fazer uma


inseminação artificial e precisasse encontrar um doador, Jefferson
não me parecia a melhor escolha a se fazer. Primeiro, por mais
gentil que ele fosse em se oferecer, eu sabia que ele não queria ter
filhos, e pela amizade que tinha por ele, não poderia sujeitá-lo a
isso. Segundo, se eu aceitasse só complicaria tudo para mim. Usar
uma amostra do banco de doação de material genético garantiria
que eu não conhecesse o doador, portanto o pai do meu filho, mas
se aceitasse a proposta dele, nos ligaria para sempre, pois
compartilharíamos algo em comum: uma criança. Pensar no
pequeno foi mais do que suficiente para eu recusar, pois embora
fosse difícil não conhecer o pai, eu mesma sabia na pele o que era
isso, temia que fosse igualmente ruim conhecê-lo e não ter o amor e
o carinho de um, assim como Jeff não teve de Ronaldo.

Não, eu não poderia fazer isso com o meu filho.

— Agradeço, Jeff, mas eu não posso.

— Por que não, Chaveirinho? — perguntou suavemente, a


ponta do seu dedo contornando meu lábio superior. — Deixe-me
fazê-lo.
— Não, Jefferson. Não é tão simples assim como você
pensa, e traria consequências desastrosas para nós dois. —
Suspirei fundo, sentindo-me estranhamente dilacerada. — Não se
resume a gerar apenas uma vida, mas cuidar, amar, se doar a outro
ser humano. E conhecendo seus objetivos, não posso pedir tal
sacrifício a você.

Vi ele engolir em seco e me afastei do seu toque. Estava


prestes a chorar por ver a possibilidade de ter algo que queria
novamente escorregar pelas minhas mãos. Eu precisava fugir do
Jefferson, pois não queria correr o risco de ele me convencer a
aceitar. Estava prestes a abrir a maçaneta da porta quando a mão
quente dele segurou meu braço, meu corpo reagindo a ele
instintivamente.

Virando-me, prensou-me contra a porta de madeira, colando-


nos um ao outro, o calor do seu corpo fazendo-me estremecer.
Abaixando a cabeça, aproximou seus lábios dos meus e roçou-os
suavemente, fazendo minha boca formigar de antecipação, um
desejo irracional correndo pelas minhas veias. Eu não deveria me
sentir assim nos braços do Jefferson, mas enquanto ele
movimentava sua boca sobre a minha, experimentando-me com
lentidão, deixei-me levar pela sensação do breve toque inocente que
era capaz de me incendiar. Erguendo minha mão, puxei os fios
curtos do seu cabelo trazendo-o mais de encontro a mim, pedindo
através de um gemido que ele aprofundasse nosso contato,
querendo sentir o calor e o gosto da sua boca. Com um grunhido,
Jeff segurou o meu rosto e deu aquilo que eu pedia, sua língua
adentrando meus lábios entreabertos, saboreando lentamente cada
cantinho da minha boca antes de entrelaçar nossas línguas em uma
dança agonizante, arrancando de nós grunhidos que mais se
assemelhavam a sons insatisfeitos.

Inebriada pelo sabor dele acrescido ao gosto de café que ele


tinha tomado, fechei os olhos, aproveitando cada sensação
despertada pelo seu tato, calor e cheiro, pelo seu corpo poderoso,
rígido, excitado, contra o meu. Nunca imaginei que pudesse ter
tanto poder sobre aquele homem fascinante, gentil e completamente
poderoso.

Arqueei-me contra ele quando Jeff aprofundou o beijo, me


devorando, revelando-me a fome que tinha por mim. E eu retribuía
com a mesma intensidade, sedenta por mais, ansiando que
Jefferson aplacasse o desejo que aumentava exponencialmente no
meio das minhas pernas. Queria que ele me tomasse ali mesmo, no
seu escritório.

Meu Deus, o que estava fazendo com o Jefferson?

Sentindo minha tensão momentânea, ele interrompeu o beijo,


recuando um passo, e me fitou com seus olhos nublados pelo
desejo, como se questionasse o motivo da minha súbita apreensão.
Apenas maneei a cabeça em negativa, não querendo explicar nada,
somente necessitava sair dali. Eu era pura confusão e não
conseguia raciocinar, muito menos lidar com tudo aquilo que
Jefferson suscitava.

Virei-me novamente para a porta e girei a maçaneta, mas


antes que eu chegasse na metade do corredor, ouvi a voz suave de
Jefferson atrás de mim, fazendo-me estremecer:

— Não desistirei do seu sonho, Chaveirinho!

E ali eu soube que aquela conversa não tinha tido um fim.


Capítulo dez

Podia dizer que eu conhecia muito bem os cômodos daquela


mansão, afinal brinquei muito de pega-pega naquele local, correndo
e sendo perseguida por Jefferson, mas no momento meus sentidos
eram tomados por confusão provocados pelo beijo e a fome
desmedida que ele despertou em mim. Um sentimento avassalador
que foi capaz de roubar toda minha capacidade de raciocinar e que
me deixou completamente trêmula. Meus lábios ainda formigavam
pelo contato, seu gosto parecia impregnado na minha boca fazendo-
me ansiar por mais. Que ele me beijasse novamente, pois não teria
mais forças para interromper essa loucura. Pensar que eu não o
impediria fez com que minhas pernas ficassem bambas e um tremor
percorresse o meu corpo, minha pele esquentando só com a ideia.

A única coisa que eu tinha certeza é que não poderia deixar a


mamãe me ver nesse estado. Ela me conhecia bem o suficiente
para saber que algo havia acontecido e não sei se estava pronta
para confessar que deixei-me beijar por Jefferson e o quanto tal
coisa tinha mexido comigo. Sabia que Rosi não me julgaria por ter
gostado e por querer mais, mas, sentia que precisava de um tempo
para refletir, sozinha. E também havia a proposta que eu tinha
recusado: a de ser mãe.

A mãe do filho de Jefferson.

Soltando um suspiro, ainda em conflito, caminhei a esmo


pelos cômodos, torcendo para não encontrar ninguém por onde
passava, até que me lembrei da estufa que os Richelme mantinham
no fundo da propriedade, que parecia se integrar perfeitamente com
a mata que circundava o terreno. Era o lugar perfeito para ficar
sozinha com meus pensamentos.

Fazia muito tempo que não pisava no ambiente repleto de


rosas de várias espécies, talvez porque a pessoa que as cultivava
com tanto amor e zelo não mais estava lá para me ajudar a manejar
a terra, cortar as folhas sem me machucar nos espinhos, ensinando-
me a cuidar delas.

Sentia o sol de final de tarde aquecer a minha pele pouco a


pouco, e apreciei o calor que ele proporcionava, algo brando, bem
diferente do fogo que Jefferson tinha colocado em mim. E eu
agradecia por isso.

Assim que abri a porta de vidro da estrutura enorme feita de


metal, o perfume pungente das rosas infiltrou-se nas minhas narinas
e eu respirei fundo, enquanto caminhava até um banco de madeira
que ficava em um canto, próximo a alguns arbustos bem podados.
Envolvida pela tranquilidade do lugar, pelo cheiro, e até mesmo por
algumas lembranças da risada de dona Ilda, já que era impossível
não recordar da mulher doce que amava tanto esse lugar e foi uma
espécie de avó para mim, deixei-me ser tragada pelos meus
pensamentos, fitando as linhas das minhas mãos sem de fato olhá-
la. Nem percebi o tempo passar até que o som de passos ecoou na
estufa me fazendo sair do torpor que sentia. Com medo de que
fosse Jefferson, pois não sabia como reagiria ao estar com ele a sós
depois do beijo, ergui meu olhar e soltei um suspiro de alívio quando
vi um homem bem diferente se aproximar de mim. Ele se sentou ao
meu lado.

— Tudo bem, Estebán? — perguntei com a voz suave e


pousei minha cabeça no ombro forte, sabendo que ele não me
rejeitaria.

Prova disso foi quando ele passou o braço sobre o meu


corpo, me abraçando, dando em seguida um beijinho no topo da
minha cabeça. O argentino foi a única figura masculina que tive
enquanto crescia e eu o amava, bem como a sua falecida esposa. E
seria eternamente grata aos dois pelo carinho e pela ajuda que me
deram para estudar. Os amava como os avós que nunca tive.

— Sempre venho aqui quando a saudade dela aperta o meu


peito, quando a dor parece insuportável demais para aguentar. —
Seu tom saiu baixinho, sussurrado, revelando toda a sua tristeza
pela perda da mulher amada e o quanto ele sentia a falta dela. —
Tudo aqui me lembra Ilda. A fragrância que emana das rosas me
recorda o perfume da sua pele, os botões desabrochando, seus
lábios doces sempre convidativos aos meus, e as pétalas, a
suavidade do toque dela. — Soltou um suspiro. — Apenas nesse
lugar me sinto mais próximo a ela, como se ainda estivesse aqui
comigo.

Enquanto ele continuava a falar de Ilda, senti lágrimas se


formando em meus olhos e não as contive. O amor que Estebán
nutria por ela era tão puro, forte e grandioso que era impossível não
se emocionar quando falava dela com tanta poesia, comparando-a à
flor que mais amava. Por um momento, permiti-me pensar como
seria ser amada dessa maneira, com tanta ânsia e fervor, com
devoção, mesmo que todo relacionamento tivesse seus problemas e
concessões.

Um leve tremor me percorreu ao pensar o quão raro era viver


um amor assim. Não que eu não acreditasse que poderia acontecer
algo parecido comigo, mas achava que era improvável. Como Rosi
disse, tínhamos dedos podres para homens. Mas pelo menos, pude
ver aquele lindo romance de contos de fadas da vida real entre duas
pessoas queridas, o que me dava esperanças de que eu poderia ter
pelo menos a metade disso.

— Que vontade eu tenho de tomar Ilda novamente em meus


braços e beijar aqueles lábios risonhos. Sinto falta do seu abraço e
calor.

— Eu também sinto saudades dela — comentei, quando mais


uma lágrima escapou pelos meus olhos.

Ficamos em um silêncio momentâneo, aproveitando o


conforto que um proporcionava ao outro, cada um com sua tristeza
e seus pensamentos, até que ele se acomodou no banco de modo
que seus olhos negros gentis, tão parecidos com os do seu neto,
permanecessem fixos nos meus.

Ele me encarou por um bom tempo, como se pudesse


encontrar as respostas das perguntas silenciosas que ele fazia a si
mesmo na minha expressão. Embora parecesse enxergar mais do
que eu gostaria de revelar a ele, não recuei, pelo contrário, ergui o
queixo e fitei o rosto amável com uma expressão gentil.

— O que está fazendo aqui sozinha, minha menininha?

Ergueu a mão e tocou o meu rosto com suavidade, como


sempre fazia quando estava preocupado comigo. Fechei os olhos,
apreciando o contato paternal, algo que nunca tive do meu
progenitor, já que não o conheci. Minha mãe se relacionava com um
homem estrangeiro que dizia amá-la, mas assim que descobriu que
estava grávida de mim, ele a abandonou, sumindo completamente
do mapa, deixando-a com o coração partido e com toda
responsabilidade para criar uma criança sozinha. Embora tivesse
dado o seu melhor no papel de mãe solteira, nada conseguiu suprir
a ausência de um pai, principalmente nas datas comemorativas.

Esse pensamento fez com que novamente eu pesasse a


proposta de Jefferson, mas agora por esse ângulo. No calor das
emoções, pensei que seria pior para o meu filho conhecer o pai e
não o ter em seu cotidiano, ficando sem seu carinho, mas será que
o contrário também não traria consequências terríveis para a sua
vida? Tudo bem que, quando ficasse mais velho, explicaria a ele
como funcionava a confidencialidade da inseminação artificial, mas
sabia que isso talvez não fosse o suficiente para suprir a ausência
de um pai.
E olhando para Estebán, vendo a ternura em seu rosto,
soube que se eu tivesse aceitado a “imposição” do neto dele, meu
filho ou filha poderia ter um pai completamente focado no trabalho,
mas ganharia um bisavô carinhoso, dedicado e completamente
apaixonado pelo bisneto. Se Ilda estivesse viva, ela teria ficado
encantada. Abri um sorriso ao imaginar Estebán segurando um
pequeno pacotinho em seus braços, sorrindo com ternura para o
bebezinho, uma imagem que aqueceu completamente meu coração.
A criança ganharia uma família além de mim e minha mãe, mesmo
que Jefferson fosse ausente.

— Qual a razão do sorriso, menina? — Tirou-me do transe


momentâneo, acariciando o meu rosto. A ideia de tê-lo como bisavô
do meu futuro bebê soava completamente tentadora. Ele nunca
negaria nada a ele, pelo contrário, o cercaria de afeto. — Minutos
atrás você estava tão perdida em si mesma, desolada e pensativa.
Prefiro vê-la sorrindo assim.

— Obrigada, meu bem. — Peguei a mão enrugada dele e


plantei um beijo no dorso.

— O que tem te deixado tão preocupada, Sofia? — Fez uma


pausa. — Nesse estado?

Não poderia me abrir completamente com ele, muito menos


contar a proposta feita por Jefferson de ser o pai do meu bebê,
porque algo me dizia que Estebán poderia não gostar muito da
conduta do neto, embora na minha opinião Jeff tenha sido um pouco
generoso em se oferecer para tal. Mas poderia colocar para fora
algumas coisas que estavam me incomodando. Ainda não tivemos
oportunidade de conversar a sós, pois quando o encontrei mais
cedo, minha mãe estava presente.

— O fato de João, meu ex, ser pai me afetou mais do que eu


poderia imaginar — confessei.

— Ah, aquele palerma. — Gargalhei alto pelo uso da palavra,


fazendo-o sorrir. — Sei o quanto ser mãe significa para você, minha
menina, e o quanto você gosta de crianças. O modo como você fala
dos pequenos que visita no seu tempo de folga diz muito para mim.
Como minha Ilda e sua mãe, você será uma mamãe maravilhosa. —
Deu um tapinha no meu rosto. — Sortudo será o homem que
descobrir a mulher maravilhosa e companheira que você é. E ele
não hesitará em largar alguns compromissos e mudar seu estilo de
vida para ficar com você. O amor e a ânsia de estar junto com você
farão com que ele não se preocupe com mais nada além de amá-la.

Engoli em seco, um nó se formando na minha garganta,


cedendo a uma recaída momentânea, pois achava que essa
espécie de homem nunca existiria em minha vida.
— Não, minha filha — maneou a cabeça em negativa, como
se adivinhasse o rumo dos meus pensamentos, e um brilho
estranho cruzou seus olhos negros, como se tivesse certeza do que
estava falando —, esse homem existe, sim. Nunca foi esse tal de
João, ele nunca foi o homem certo para você. Pelo contrário, ele só
te faria infeliz, como o fez agora.

— Eu… — Não soube o que dizer, ainda mais perante o ar de


determinação que tomava suas feições.

Um arrepio percorreu meu corpo quando seu olhar ficou mais


intenso, e uma sensação de que Estebán sabia de algo que eu não
tinha conhecimento me deixou inquieta. Suspirei fundo, balançando
a cabeça com o absurdo.

— Não desejo nada menos para você do que eu e Ilda


tivemos, Sofia. Felicidade, amor, companheirismo. — Fez uma
pausa dramática. — Sempre digo isso para o Jefferson, que ele
precisa de uma família, de encontrar uma mulher doce que faça com
que ele veja que há muito mais na vida do que trabalho, que faça
com que ele largue tudo em nome do amor.

Seus olhos negros brilharam e eu senti um calafrio varrer-me.


Não, eu deveria estar imaginando coisas. Estebán era um homem
astuto, não tinha como negar que ele sabia muito bem como
manipular as pessoas, deixando-as onde queria, mas bancar o
cupido era demais até para ele. Por certo ele imaginava uma mulher
completamente diferente para o neto, uma do mesmo nível social,
com as mesmas ambições e tino para os negócios. Mas o sorriso
lento que se formava no rosto do argentino me dizia que eu não
poderia ter completa certeza disso. Ou eu que estava ficando
completamente louca.

— Realmente, Estebán — juntei as mãos no meu colo e


comentei — não nego que acho que ele deveria diminuir um pouco
o ritmo, mas ele sabe o que é melhor para si mesmo.
Definitivamente, Jeff não tem as mesmas ideias do que precisa para
se tornar completo que você.

— Nem sempre ele está certo — disse em um suspiro


cansado e eu sorri, pois não havia pessoa perfeita nesse mundo. —
Mas tenho certeza de que o amor é tudo que ele precisa.

— Hmm… — Abstive-me de fazer qualquer comentário, pois


embora achasse que o Grandão trabalhasse demais, respeitava-o o
suficiente para acreditar que ele poderia ser feliz apenas com os
negócios dele.

— Vocês ainda viverão um amor tão puro e forte quanto o


meu e da Ilda. Sinto isso na minha alma. — Profetizou com tanta
convicção ao se levantar que os pelos dos meus braços se
arrepiaram. — Vamos, menina, já ficamos tempo demais aqui e
Rosimeire deve estar procurando por você. Você pode ter crescido e
se tornado uma mulher, mas ela ainda parece uma galinha com o
seu pintinho.

Rindo do seu comentário, ergui-me do banco de madeira, só


agora me dando conta que algumas luzes que iluminavam o
caminho até a casa estavam acesas e o céu em poucos minutos
escureceria completamente. Dando o braço para Estebán,
caminhamos lentamente em direção a mansão.

Tinha ido até a estufa de dona Ilda para pensar e ordenar


meus sentimentos, principalmente a respeito da maternidade, mas a
cada passo que eu dava em direção a casa, mais incerta eu me
sentia.
Capítulo onze

— Filha, tudo bem?

Minha mãe me analisou da cabeça aos pés quando me viu


adentrar a cozinha de braços dados com Estebán. Ela me conhecia
o suficiente para perceber cada leve alteração em minha expressão.
Não teria como escapar do interrogatório dela, mas, por sorte,
conseguiria fugir hoje, pois cobriria uma colega de trabalho e já era
mais tarde do que imaginava. Tinha que pegar dois ônibus para
voltar para casa.
— Pensei que estava conversando com Jefferson —
continuou, fixando seu olhar bem nos meus, claramente insinuando
algo. — Mesmo tanto tempo distantes, é inegável o carinho e
amizade que nutrem um pelo outro.

Dona Rosimeire não perdia tempo. Sabia que ela estava


supercuriosa para saber o que tanto conversei com Jeff. Não podia
negar que mamãe não era a única a apreciar uma fofoca suculenta,
pois se eu estivesse no lugar dela, também gostaria de saber de
tudo, mesmo que não tivesse nada demais. Mas depois da proposta
de Jefferson e do beijo, a mera insinuação da minha mãe me
incomodou, ainda mais quando um brilho cruzou sua expressão, o
que era ridículo.

— Estava na estufa, mamãe — tentei tomar o controle da


situação —, fazia tempo que não visitava as rosas da dona Ilda.

— Hmph — bufou, parecendo não acreditar na minha


desculpa esfarrapada.

— Acabei encontrando essa boneca por lá e fiz ela ouvir meu


papo de gente velha. — Estebán estalou a língua, em um gesto
brincalhão, fazendo-nos rir. — Nem eu suporto as minhas
senilidades, às vezes.
— Hey — soltei-me dele e dei um tapinha no seu braço —,
não fale assim de si mesmo.

Ele deu de ombros.

— Tenho que concordar com vovô. — A voz grossa de


Jefferson ecoou pela cozinha e custou-me muito conter o arrepio
que somente o tom produziu. Mas tive que me segurar muito mais
para não me virar na sua direção para fitá-lo, instigada pela aura de
poder que dele emanava, evitando assim que eu revelasse a ele o
quanto seu beijo me desestabilizou. — Eu também não consigo
compreender as loucuras que ele faz por Ronaldo.

Porém seu último comentário sobre Estebán me fez


finalmente virar e encará-lo. Sabia que Ronaldo era um playboy de
meia idade e que tinha sido um péssimo pai para o Jefferson, mas o
tom crítico e irônico dele falando sobre o avô fez com que eu
franzisse o cenho.

— Não fale assim e nem nesse tom, Jefferson — disse,


erguendo o queixo e fitando seus olhos negros, que brilharam com
uma advertência silenciosa para que eu não me intrometesse. Que
eu desconhecia muita coisa que acontecia na família era fato; não
poderia negar, certamente não sabia tudo, mas ele não precisava
ser tão arrogante. — Ronaldo é o filho dele!
— Ele está certo, menina — Estebán disse com uma voz
fraca, cansada, não escondendo o quanto se sentia falho. Se
mostrava vulnerável, seus ombros curvados para baixo. — Eu errei
e continuo errando com Ronaldo, minha filha. Uma insanidade.

Ele se virou e fitou o neto, que, em seu terno


meticulosamente arrumado mesmo depois de um dia inteiro,
exalava poder, dinheiro e uma sensualidade que fazia com que
minhas pernas ficassem levemente bambas. O que estava
acontecendo comigo? Controle-se, Sofia, você é uma mulher
madura e conseguiria lidar muito bem com um beijo que nada
deveria significar.

— Mas não estou errado e muito menos insano em relação a


você, Jefferson. — Disse com seriedade e, mesmo que não fosse
diretamente comigo, estremeci. E ao que parecia, Jeff não ficou
indiferente às palavras do avô, pois ele cerrou os lábios, como se os
impedisse de dizer alguma coisa que iria se arrepender. O som da
sua respiração ficou completamente audível.

Um silêncio estranho tomou a cozinha e eu olhei as horas no


relógio em formato de vaquinha que ficava próximo a geladeira,
vendo que se eu não fosse logo, iria perder o ônibus que saía às
sete e vinte e teria que esperar pelo menos uma hora para pegar o
próximo. Essa era a desvantagem de não ter um carro. Com isso
em mente, girei nos meus calcanhares e caminhei até a minha mãe,
que tinha uma expressão curiosa no rosto.

— Está ficando tarde, mamãe, preciso pegar o ônibus para


voltar para casa. — Peguei uma de suas mãos e ela me fitou
atentamente, colocando uma mecha do meu cabelo loiro atrás da
orelha.

— Pensei que você iria dormir lá em casa. — Fez cara de


muxoxo, provavelmente porque não teria suas fofocas hoje.

— Entrarei mais cedo no plantão amanhã, infelizmente não


posso.

— Ah! Que pena, filha. Mas esses horários malucos seus…


— Maneou a cabeça em negativa, desapontada. — Estou com
saudades de você.

— Eu também, por isso eu vim te ver.

Como prova disso, a envolvi nos meus braços, e ela retribuiu


o afago, dando-me um beijo na minha bochecha. Não havia nada
melhor no mundo do que um abraço de mãe. O calor dela
representava conforto, proteção e amor. Será que meu filho ou filha
um dia também acharia isso de mim?
Senti uma mão leve no meu ombro enquanto continuava
abraçada a Rosimeire e virei-me para encarar Estebán, e então me
afastei de mamãe.

— Não irá jantar conosco, pequena? Gosto de ter vocês dois


aqui comigo. Não vai me dar essa honra?

Com ele me pedindo com aquela carinha de cachorro pidão


quase não resisti, mas sabia que Estebán gostava de tomar um
tempo após o jantar para apreciar um belo café da roça. Com a lábia
dele, era capaz de eu perder o último horário do ônibus
intermunicipal e teria que acordar bem cedo para chegar às seis no
hospital que trabalhava.

— Eu te levo em casa, Chaveirinho — Jefferson disse com o


seu tom que não permitia recusas e contive o gemido de
exasperação. Tudo o que eu não queria era ficar uma hora a sós
com Jefferson no carro dele, sentindo seu cheiro, lembrando do
gosto da sua boca misturado ao do café. Merda, eu não era imune à
sedução que exalava do meu ex-melhor amigo. — Passarei pela
Avenida Antônio Carlos mesmo.

— Que sugestão ótima, Jeff — foi minha mãe que falou,


completamente animada, e eu quis me encolher. — Não sei por que
essa menina não tem um carro! Até eu tenho uma moto.
Dei um sorriso leve para minha mãe. Eu a admirava e muito
pelo fato de ela ter tirado carteira assim que entrei na faculdade.
Não que eu gostasse de motos, na verdade, tinha pavor, mas fiquei
feliz dela ter a sua própria independência nesse sentido. Mesmo não
gostando, poderia pedir a ela que…

— Então está decidido! — Estebán pôs fim ao assunto, nem


me dando a oportunidade de inventar uma desculpa para recusar ou
falar que minha mãe poderia me levar, já que não queria incomodar.
Não que achasse que teria muito escolha, pois tanto minha mãe
como Estebán estranhariam, já que ele passaria na frente da minha
casa de todo modo. Ainda mais Rosimeire, que tinha visto eu
abraçá-lo efusivamente mais cedo. Ela ficaria mais desconfiada do
que já estava, pois não fazia sentido recusar uma carona. —
Coloque um prato na mesa para você também, Rosi. O que teremos
de bom?

— Empanadas argentinas, que dona Ilda me ensinou, senhor.


A massa está no freezer, daqui a pouco começarei a montar.

— Faça também um molho de queijo para acompanhar —


Estebán pediu. — Ah, e uma salada também.

— Perfeito. — Minha mãe assentiu e se afastou de mim,


caminhando até a geladeira para pegar não sei o quê, começando o
seu serviço.
— Enquanto isso, Jefferson e Sofia, por que não fazem
companhia a esse velho na sala?

— Claro, vovô.

Olhei para Jeff. Ele tinha as mãos dentro da calça social, e


percebi que me fitava com intensidade, parecendo satisfeito consigo
mesmo, como se tivesse ganhado uma partida, que nem sabia que
estávamos jogando. Ele sempre foi competitivo e eu não podia
negar que, para acompanhá-lo, eu também o era, mas dessa vez
não entraria no seu jogo, pois claramente eu iria sair perdendo.
Cada parte do meu ser iria me trair.

Lançando-me um último olhar de vitória e o percorrendo por


todo o meu corpo, deu as costas e caminhou em direção ao
corredor que levava a sala. Enquanto Estebán me dava o braço e
começava a tagarelar o quanto adorava empanadas recheadas de
carne moída e batatas, foi inevitável pensar o quão difícil iria ser
sobreviver a esse jantar, e pior ainda, a viagem de carro tendo
apenas Jefferson Richelme e a iluminação da estrada como
companhia.
Capítulo doze

Jantar com Estebán e minha mãe tinha sido completamente


delicioso. Rimos, contamos casos, e principalmente relembramos
momentos do passado. Estebán era muito saudosista nesse
sentido. Até mesmo Jefferson parecia completamente relaxado
enquanto comia, embora os olhares que me lançava do outro lado
da mesa fizessem com que um calor me invadisse. O desejo se
acendia em mim, mesmo reconhecendo a impropriedade de senti-lo
em um jantar familiar. Mas ele não ajudava, e jurava que fazia de
propósito, e o sorriso lento que abria quando me pegava fitando-o
era prova disso.

Poderia ter entrado no seu jogo, mas não iria descer tão
baixo.

Ainda!

Uma ideia completamente absurda, mas que ao vê-lo


caminhar arrogantemente em direção ao estacionamento da
mansão enquanto eu e minha mãe íamos logo atrás, soou muito
tentadora. Desviei o olhar, pois meu lado sapeca queria vê-lo
descontrolado novamente, e colher mais uma vez os frutos do toque
dos seus lábios no meu, sentir sua rigidez contra mim,
preenchendo-me. Mas não o faria, não sabia se estava pronta para
lidar com as consequências dos meus atos, por mais delicioso que
parecesse. O melhor a se fazer era agir como se nada tivesse
acontecido.

Além de que se eu ficasse o fitando, Rosi desconfiaria


também. Com certeza mamãe não demoraria a me questionar e,
para meu desespero, seu interrogatório não demorou em começar.

— Estou te achando estranha, Sofia — minha mãe sussurrou


para mim quando chegamos próximo a sua moto, que estava
praticamente do lado oposto do carro do Jefferson, a qual ainda não
tinha visto.

Quis gemer em resposta, mas apenas olhei para a


motocicleta que parecia uma vespa, temendo que ela pudesse ver
mais do que eu gostaria: a minha confusão. Mas, ao mesmo tempo
que queria esconder tudo, por um breve tempo sentime culpada. Ela
era minha melhor amiga, e ocultar meus sentimentos dela parecia a
coisa mais horrível a se fazer.

— Desde que você foi conversar com Jeff que você está
tensa — continuou. — Aconteceu alguma coisa, querida? Ele disse
algo que te incomodou?

Fiz que não com a cabeça. Não conseguiria proferir uma


mentira verbalmente a ela, mas poderia dizer uma meia-verdade: —
Estou apenas melancólica com tudo, mamãe.

— Essas coisas de relacionamento sempre levam tempo para


serem curadas, ainda mais traição. Sei o quanto doí.

— Sim.

— Eu te darei o tempo que você precisar, querida, para se


abrir verdadeiramente comigo. — Tocou o meu rosto. — Sei que tem
mais alguma coisa que está te incomodando e que você não está
pronta para dizer ainda. E eu não vou te pressionar — disse com
tanta ternura que eu a abracei, envolvendo sua cintura com firmeza.
Sentia-me completamente grata pela minha mãe respeitar o meu
tempo.

— Eu já disse que te amo hoje? — Fitei-a.

— Mais cedo, minha pequena, mas nunca me cansarei de


ouvir. — Deu um beijo estalado na minha bochecha, para depois se
afastar do meu abraço e pegar o capacete no guidão da moto. —
Agora vá, não deixe Jefferson esperando.

— Te ligo quando chegar, mamãe.

— Okay. — Ela assentiu. Colocou o equipamento de proteção


e subiu na motocicleta, dando partida. Dei alguns passos para trás,
e fiquei vendo-a usar os pés para manobrar o veículo, e depois
afastar-se da casa.

Fiquei por um bom tempo olhando para ela até não mais
poder vê-la de onde estava e soltei um suspiro. A hora que mais
temia, a que estava querendo evitar, havia chegado: ficar a sós com
Jefferson.

Colocando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha,


apertei minha bolsa contra o corpo e segui até o outro lado do
estacionamento. Soltei um uau quando vi a 4x4 preta. Não que eu
fosse uma aficionada por carros, para ser sincera, nunca o fui, mas
era impossível não admirar a imponência do automóvel, embora
soubesse que ele não era tão caro como muitos outros por aí. Claro
que também não era para o bico de muitos, mas, mesmo assim, me
surpreendeu.

— Gostou, Chaveirinho? — Destravou o alarme e girou-se


apenas para me fitar, me percorrendo com os olhos.

— É bonito, mas estou surpresa. — Obriguei-me a caminhar


até a porta do carona, como se o seu escrutínio não me
incomodasse e muito menos ateasse fogo em mim.

— Por quê?

— Pensei que os esportivos importados eram mais a sua


cara. Apesar de vistoso, achava que homens como você teriam
aqueles exclusivos, que poucos podem ter.

Meu último comentário fez com que ele franzisse o cenho e


seus lábios se torcessem em uma careta de desagrado. Dei de
ombros e puxei a maçaneta, deslizando pelo estofado de couro ao
entrar no automóvel. O cheiro amadeirado do perfume de Jefferson
que tanto queria evitar adentraram as minhas narinas, impregnando
meus sentidos. Droga!
— Não sabia que você fazia tão mal juízo de mim,
Chaveirinho. Estou decepcionado — disse com voz aveludada ao se
aproximar do lado onde estava e, antes que eu pudesse reagir,
fechou a porta com suavidade em um gesto cavalheiresco.

Engoli em seco, assistindo-o dar a volta no carro e assumir o


volante. Estranhamente a picape, que me parecia tão grande, ficou
subitamente pequena com a presença dele ao meu lado. E senti
muito calor.

— Embora agora eu possa ver a vantagem de se ter um carro


menos espaçoso. — Sua voz rouca não dava outra margem para
interpretação e a chama que sentia tornou-se um incêndio que me
deixava queimando.

— Jeff… — Arfei o nome dele em meio a um gemido quando,


depois de ligar o carro e acender os faróis, sua mão tocou a minha
coxa de propósito enquanto passava a marcha à ré.

— Chaveirinho… Assim você me enlouquece.

Tirou a mão do câmbio e levou ao volante, chamando a


minha atenção para os seus dedos longos que deslizavam
suavemente por sua extensão. Minha boca ficou seca ao imaginar
esses mesmos dedos passeando pela minha pele nua. Merda!
— É loucura, Jefferson.

Abri a janela do carro. A brisa fresca que entrava devido a


velocidade com que ele dirigia era completamente bem-vinda,
mitigando um pouco do calor que sentia pelo leve toque dele.

— Não podemos continuar com essas provocações —


continuei em um sussurro quando ele não disse nada, a mulher
dentro de mim se rebelando completamente contra minhas palavras.
Mas não havia dúvidas de que nas próximas vezes que nos
encontrássemos, embora isso fosse cada vez mais raro
ultimamente, ele poderia se mostrar arrependido disso. O desejo
quando arrefecido só geraria constrangimento entre nós, algo que
não queria.

Como ficou em silêncio, abracei-me, na medida que o cinto


me permitia, e olhei para fora, vendo o pouco que a luz dos postes
deixava enxergar. Mas, para minha surpresa, minutos depois, a
música que mais amava do João Paulo e Daniel começou a soar
baixinho no autofalante do carro e eu me virei para Jefferson,
surpresa. Ele parecia calmo, atento à estrada, mas foi o leve sorriso
em seus lábios que me deixou totalmente fascinada. A meia luz, ele
ficava ainda mais belo.

— Você ainda se lembra…


— Nunca iria me esquecer disso, Chaveirinho. Ouvi sua voz
infantil cantarolar por muitas vezes Te amo cada vez mais. —
Desviou o olhar da estrada brevemente para me fitar e eu sorri. —
Então decidi me arriscar. Fico feliz que, ao que parece, ela ainda
continua sendo a sua favorita. — Voltou sua atenção para a frente.

— E ainda o é.

Como se para provar isso, comecei a cantar a música que


tanto amava, sem me preocupar se minha voz sairia desafinada.
Quando a voz grossa dele se juntou à minha, meu corpo todo
relaxou, pois, por um momento, senti que ficaríamos bem como
éramos antes.

— Sabe, Chaveirinho, você não é a única a gostar dessa


música — disse quando a canção terminou e outra deles começou a
tocar. — Apesar de romântica, sempre foi uma das minhas favoritas.

— Sério? Sempre achei que não gostava tanto, preferindo as


dos Titãs. — Ajeitei-me melhor no banco.

— Era meio idiota na época para confessá-lo a você, para


não dizer coisa pior. Algo completamente ridículo.

— Que bom que admite, senhor machão. — Não resisti em


provocá-lo e acabei caindo na gargalhada, fazendo-o rir também. —
Torço para que tenha revisto seus conceitos.

— Muitos deles, te garanto. — Sua voz soou séria e nem por


um momento duvidei de suas palavras, embora sua resposta
guardasse muitos significados nas suas entrelinhas.

Sei que estava sendo tola, mas torci para que ele tivesse
mudado de ideia sobre tentar me convencer a ser o pai do meu
bebê. Depois do pensamento que tive durante a conversa com
Estebán, e também de tudo o que aconteceu, não sabia se, por
impulso, conseguiria dizer não outra vez para Jefferson.

Como uma enguia escorregadia, preferi sair pela tangente.


Cantar as músicas do João Paulo e Daniel era um terreno bem mais
seguro.
Capítulo treze

Durante todo o caminho até o conjunto habitacional onde ela


morava, eu sentia a tensão que emanava da mulher sentada ao
meu lado, inquietação que provavelmente refletia a minha, mas,
como homem de negócios, tive que aprender a disfarçar melhor
meus sentimentos e desejos. E a esse conhecimento era muito
agradecido, pois provava-se agora bastante útil.

Tinha prometido a mim mesmo que minha intenção não era


tocá-la, que eu queria apenas convencê-la de que eu era uma
melhor opção do que um doador anônimo, mas tudo saiu do meu
controle desde a minha provocação, e o gemido que ela soltou à
minha proposta feita de qualquer jeito me prendeu na minha própria
teia de sedução. E movido pela confusão e pela recusa dela, a
beijei! O meu maior erro, pois nem mesmo o gosto da comida
pareceu mascarar a lembrança do sabor dela. A suavidade da sua
língua enroscada na minha e a fragrância suave dos seus cabelos
pareciam, mesmo depois de algumas horas terem se passado,
impregnado em mim. Porém era a recordação do corpo pequeno e
delicado, moldando-se ao meu enquanto a prensava contra a porta,
que me deixava completamente fodido.

Eu sem querer alterei as regras que tinha me imposto. O que


era uma completa certeza, a de que não queria ninguém na minha
vida, apenas estava aceitando a responsabilidade de cuidar de uma
criança para dar a Estebán o tão sonhado herdeiro ou herdeira,
parecia ter mudado depois de provar o proibido e sentir-me
completamente vivo quando ela me retribuiu com tanto ardor. Agora
eu não tinha mais certeza de nada!

Você só está tendo um dia difícil, Jefferson. Cansado,


frustrado, não está conseguindo raciocinar direito. Esse desejo
insano é somente ânsia e desespero por ter a solução do seu
problema tão perto. Tanto que você está disposto a fazer um
herdeiro da forma tradicional apenas para de uma vez por todas
afastar Ronaldo da empresa do seu avô, disse para mim em
pensamentos, tentando me convencer de que esses sentimentos
confusos e a incerteza eram culpa da pressão pessoal que vinha
sofrendo.

E também isso justificava o meu desejo de provocá-la, tocá-


la, beijar aqueles lábios rosados e cheios, que agora sabia que eram
deliciosos, viciantes. De sentir seu sabor na minha língua, a
suavidade morna da sua boca. Apertei o volante com força quando
uma onda de desejo se assomou em mim. Tive vontade de parar o
carro, soltar nossos cintos e puxá-la para o meu colo, encaixando-a
bem contra a minha pelve enquanto a beijava com fúria e minhas
mãos passeavam pelo seu corpo, provando todas suas curvas, mas
apenas continuei dirigindo, observando que passava naquele
instante em frente à Sede Administrativa, tentando controlar-me,
pois sabia que, embora ela tivesse sido bastante receptiva, não iria
conquistar a confiança dela para ser o pai do seu bebê seduzindo-a.
Ela era inteligente demais para cair nessa artimanha. Com ela, tinha
que adotar outra estratégia. Qual? Ainda não sabia.

Mas enquanto ouvia a voz suave cantarolar as músicas


românticas que ela tanto amava e que sempre gostei em segredo,
apreciando o fato de apenas tê-la ao meu lado, meus argumentos
de que estava sendo pressionado pelo meu avô não me pareceram
tão certos. Sempre a achei inteligente, vibrante…
Eu gostava de Sofia, da sua personalidade, do sorriso, das
suas provocações mesmo que o tempo tivesse nos afastado, dos
seus gemido e sons de prazer

Porra, Jefferson! Para com essa merda!

Durante o restante do percurso, tentei focar nos assuntos que


ainda me esperavam, já que passei o dia inteiro na mansão do meu
avô, tentando resolver o meu dilema, só parando para responder
alguns e-mails quando ela fugiu de mim. Mas vez ou outra, eu a
fitava mesmo estando escuro, como se tivesse nela um imã que me
fazia olhá-la diversas vezes, admirando-a como um tolo. Não
conseguia me recordar de nenhuma outra que fez com que me
sentisse tão atraído ao ponto de agir assim.

— Vire à direita para entrar no estacionamento. Parar em


frente ao conjunto pode dar multa, embora duvide que tenha um
guarda a essa hora — diminuindo o som, falou suavemente para
mim, me tirando do transe de pensamentos.

— Certo. Porque decidiu morar aqui, Chaveirinho? — puxei


assunto, sabendo que, em poucos minutos, não mais teria sua
presença ao meu lado. Uma sensação de perda me invadiu, o que
era uma grande tolice.
— Confesso que, embora o prédio seja antigo, o tamanho
dos apartamentos me surpreendeu bastante. E gostei de ser
próximo do centro, apesar do barulho dos carros passando pela
avenida. Parecia perfeito para mim. — Fez uma pausa. — Quem
sabe um dia eu tente um concurso para o Odilon Behrens? Um
emprego mais próximo de casa, impossível.

— Hm… Parece ótimo. — Franzi o cenho quando entrei na


rua que ela indicou. — Mas dizem que o entorno é perigoso.

Por um momento, fui bombardeado mentalmente pelas


notícias que saiam sobre algumas brigas, assaltos, e preocupei-me
com a segurança da Chaveirinho. Iria me odiar se algo acontecesse
com ela, mesmo que não fosse minha responsabilidade.

— E que lugar não o é? — soltou um suspiro. — Claro que


existem problemas e conflitos com alguns moradores da vizinhança
que consomem drogas, coisa que o poder público tem sua parcela
de culpa.

Não iria discutir com ela. Sabia o quanto Sofia tendia a ser
cabeça dura sobre alguns assuntos, ainda mais aqueles sobre
pessoas que se encontravam em situação vulnerável. Ela era
extremamente generosa, empática e defensora dos próximos, o que
fazia eu admirar ainda mais a mulher que ela tinha se tornado, pois
eu era completamente o seu oposto. Podia fazer doações regulares,
mas, diferente da Chaveirinho, que fazia trabalho voluntário nos
finais de semana, eu não me envolvia diretamente.

— Chegamos — comentou quando parei o carro em uma


vaga qualquer próximo a torre onde ela morava.

— Sim. — Minha voz saiu áspera.

Acendendo a luz interna, virei-me em sua direção e assisti ela


rapidamente remover o cinto, deixando bastante claro que não via a
hora de deixar o veículo, de se afastar de mim. Irracionalmente,
aquilo me magoou mais do que deveria, pois eu relutava em deixá-
la ir. Merda!

— Obrigada pela carona, Jeff. — Fitou-me, embora não


pudesse distinguir ao certo o que o brilho nos seus olhos castanhos
claros significavam. — Foi muito bom revê-lo.

Porra, não era aquela despedida muxoxa e fria que eu


gostaria de ter. Então, antes que ela abrisse a porta e saísse
correndo, desafivelei meu cinto e segurei seu braço nu, sentindo os
pelinhos dela se arrepiando ao meu toque. Ótimo. Ela estava
fugindo novamente por não ser imune a mim, mas o contrário era
recíproco. Sentia meu corpo todo reagindo a ela, com meu pênis
ficando excitado e minha mente perdendo a capacidade de
raciocínio.
— Você já foi mais calorosa ao se despedir de mim,
Chaveirinho. — Obriguei-me a dizer ao ver os olhos dela se
arregalarem enquanto eu a segurava.

Ousado e sem perder tempo, contrariando todo o meu bom-


senso e aquilo que tinha tentado colocar na minha mente ao dirigir
até ali, levei minha mão ao seu queixo e, curvando-me, aproximei
minha boca da sua, sentindo seus lábios tremerem em contato com
os meus. Era para ser apenas um breve selinho, mas quando ela se
moveu contra mim, o fogo que ardia no meu interior fez com que
exigisse, através do beijo, uma resposta calorosa, e não algo frio
que ela poderia me dar.

Trilhando os meus dedos pela sua pele, fui caminhando até a


sua nuca e a segurei com firmeza, sem me importar com alguns fios
que ficaram presos no meu agarre, puxando-a mais para mim.
Aprofundando o contato, invadi sua boca quando ela emitiu um
suspiro, encontrando a sua língua convidativa, matando a minha
fome pelo seu sabor. E, porra, aquela mulher era completamente
deliciosa, o gosto dela não conseguia ser mascarado pelo café, e
era viciante. Quanto mais a provava, mais eu queria. Como eu
poderia ter achado em algum momento que beijá-la seria pecado, já
que parecia estar num paraíso? Nunca uma boca pareceu ter o
encaixe perfeito para a minha. Crime é não ter feito isso antes,
tomando-a para mim.
Para minha completa surpresa e satisfação, ela inclinou-se
ainda mais contra mim e levou a mão aos meus cabelos curtos,
puxando-os, querendo que eu cedesse o controle para ela. E
desejando-a mais do que tudo, deixei que ela me beijasse da forma
que desejasse. Eu era seu refém e não me importava nem um
pouco com isso, desde que ela não parasse. Um grunhido escapou
da minha garganta quando ela me puxou e sugou meus lábios,
mordiscando-os.

Sofia me arrebatou ao ponto de perder a noção de tudo que


não fosse ela. Estava fora de mim até que um bater no vidro frontal
do carro fez com que ela parasse de me beijar e desse um pulinho
no banco, fitando não sei quem. Soltei um rugido pela interrupção, e
olhei para fora, vendo os adolescentes que cercavam o carro.

— Vão para um motel — falou um deles e o grupo começou a


rir, como se fosse engraçado, e se afastaram, caçoando de nós
dois.

Com o canto do olho, vi Chaveirinho se encolher, apenas


para segundos depois se aprumar, pegar a bolsa e se preparar para
sair do veículo. Tinha que pensar rápido para dizer algo que
revertesse a situação.

— Desculpe, não queria te constranger. — Não queria falar


aquilo, pois não sentia o mínimo de culpa por tê-la beijado
novamente. Pelo contrário, eu continuaria a beijando se ela assim o
quisesse, o que não parecia.

— São apenas adolescentes bobos — sua voz saiu ruidosa,


ofegante, e meus olhos percorreram seu rosto até os seus seios,
que subiam e desciam com sua respiração acelerada, deixando-me
mais excitado, pois não era o único que não tinha controle sobre o
próprio corpo.

— Hhmph. — Resmunguei.

— Boa noite, Jefferson — disse ao abrir a porta e sair. —


Obrigada.

Sem esperar minha resposta, a vi se afastar a passos largos


pela segunda vez no dia, sozinho, em conflito comigo mesmo. E
com uma ereção dolorosa, a prova viva de que a tive em meus
braços outra vez.
Capítulo quatorze

Soltei um gemido, rolando na cama tentando ignorar o toque


irritante do meu celular. Ninguém me ligaria às cinco da manhã, só
se fosse um problema grave. Merda! Não fazia nem meia hora que
resolvi deitar, meus olhos ardendo pelo cansaço, mas sabia que não
conseguiria cair no sono tão fácil. Tentei focar toda a minha atenção
nos relatórios e documentos, porém, vez ou outra, a lembrança da
loira angelical e sua boca generosa me invadia, fazendo com que
fosse completamente difícil me concentrar nos números e
informações. Tinham sido apenas dois beijos, mas foi o suficiente
para tirar-me do eixo, roubar meu foco. Quando eu disse que não
queria de jeito nenhum me envolver com uma mulher, era isso que
eu queria evitar. Mas meu corpo traidor parecia não concordar com
o meu cérebro.

Cerrei com força minhas pálpebras quando o celular parou de


apitar, e tentei dormir de novo, porém, segundos depois, o som soou
novamente e eu não tive outra escolha a não ser atender. Para o
bem da pessoa do outro lado, era melhor que fosse urgente, meu
humor não estava dos melhores.

— Sim? — disse rudemente ao pegar o aparelho e atender


sem ver quem era. — Espero que seja importante o suficiente para
me ligar a essa hora.

— Filho! É assim que trata seu pai?

Porra, a última coisa que queria agora era conversar com


esse merda. Não conseguia esquecer que era por culpa dele e
pelas bostas que fazia que eu estava naquele beco sem saída, a
urgência que sentia em dar o maldito herdeiro à Estebán para
removê-lo do cargo. Ele ter me ligado foi o maior erro. Nunca o
perdoaria por não ter pensado nos nossos colaboradores ao tentar
vender a Richelme Alimentos. Meu avô poderia ignorar o fato, mas
eu não era tão bonzinho.
— Como se eu me importasse com você. — Bufei. — É tarde
demais para exigir alguma coisa, não?

— Malcriado.

Ouvi duas vozes de mulheres ao fundo, rindo, e


imediatamente eu senti-me completamente enojado. Não era
segredo para ninguém que Ronaldo promovia suas festinhas, mas
ouvir o barulho delas me deixava de estômago embrulhado. Se me
considerassem um puritano, foda-se. No fundo, era mesmo. Talvez
fosse por causa disso que eu tinha aversão a manter casos de uma
noite. Eu precisava pelo menos conhecer o mínimo da pessoa e,
como não tinha tempo para isso, preferia ficar sozinho. Nunca
poderia ser igual a esse merda.

— Não foi por isso que você me ligou a essa hora, não é
mesmo? Diga logo o que quer. — Estava pouco me importando por
ter soado grosso e arrogante, um grande foda-se para ele.

— Não. Estou viajando a trabalho, como bem sabe — ergui a


sobrancelha, mas não disse nada —, mas preciso que você assine
um documento com certa urgência. Nem precisa ler, nem nada, sei
que seu tempo está bastante corrido com a Comer Bem e são várias
laudas, não quero tomar seu tempo.
Saltei da cama, incrédulo, passando os dedos entre os fios
curtos. Ele só poderia estar de sacanagem comigo.

— Acha que eu sou idiota, Ronaldo? — rugi quando sua


intenção ficou bastante clara para mim. Meu avô deve ter contado
acerca do testamento em vida para ele, me deixando ainda mais
furioso com meu pai por querer fazer uso dessa informação, que
provavelmente foi dada de maneira inocente. — Que eu vou assinar
alguma coisa, dando o aval ao seu plano de merda?

Ele engoliu em seco e tentou negar.

— Que isso, meu filho, não existe plano nenhum. É só algo


corriqueiro.

— Ah, não? Você acha que não sei que você está sondando
propostas para a venda da Richelme? E ainda por cima, por preço
de banana? Você me enoja, Ronaldo. — Ri com desdém. Ouvi um
estrondo e as mulheres darem um gritinho ao fundo. Provavelmente
ele tinha socado alguma coisa, ou jogado algo na parede. Ridículo.

— Quem te falou? — berrou.

Pensei por alguns momentos, enquanto ele continuava a


praguejar no telefone. Decidi por não dizer que foram os
funcionários do alto escalão da empresa que me contaram, pois
sabia que meu pai agiria por debaixo dos panos, demitindo-os. Ele
não tinha escrúpulo nenhum.

— Não interessa, Ronaldo.

— Claro que importa. Só pode ter sido o jurídico. Vão me


pagar por isso.

— Não fará nada. Nenhum funcionário tem nada a ver com


isso — menti, sentindo a raiva latejando nas minhas veias, mas
adotei uma postura fria. — Essas informações correm rápido no
mundo corporativo. Você não imagina a minha surpresa quando me
contaram sobre a venda.

— Porra! Não contava com isso. — Outro barulho de algo se


quebrando e a respiração de Ronaldo ficou ofegante do outro lado
da linha. — Saiam daqui suas vagabundas!

Cerrei os dentes, contendo a minha fúria. Não poderia fazer


nada de qualquer forma. Era melhor que fossem embora, antes que
ele estourasse com elas. As mulheres com quem ele transava não
tinham culpa de sua estupidez.

— Se você pensasse mais com a cabeça de cima do que


com a de baixo, talvez tivesse sido mais inteligente, e saberia que a
minha parte é inalienável, que não pode ser vendida. — Não resisti
e acabei provocando-o. Não tinha medo de mexer com aquela
cobra. Acreditava que nunca ele poderia me atingir.

— Bastardo!

Joguei a cabeça para trás e soltei uma gargalhada amarga.


Às vezes desejava que aquilo fosse verdade, pois era desalentador
saber que meu pai podia ser tão mau caráter.

— Pensou que ia me usar, não é mesmo? Tolo. Você pode


até conseguir manipular a vontade de Estebán ao seu favor, mas
não a minha. — Soltei um suspiro e senti minha cabeça pulsar com
a dor de cabeça que se assomou em mim por estar tendo essa
discussão e por ouvir a voz dele. — Nunca assinaria nada que você
me desse sem ler trezentas vezes.

— Você não sabe de nada, Jefferson — respondeu a primeira


acusação. — Cuide da sua empresa que eu gerencio a do seu avô.
Ele confia em mim, aceite isso.

— Não, meu caro. — Tive que me conter para não despejar


toda a minha fúria nele, não ia dar esse gostinho a ele de saber que
estava me levando ao meu limite com tudo aquilo. De mim ele só
teria minha frieza. — Não permitirei que você deixe Estebán e a
Richelme na merda.
— Não há nada que você possa fazer. — Riu, como se
tivesse saído vitorioso de tudo.

— Veremos.

Não contaria a ele sobre a proposta do meu avô, não daria


arma para o inimigo. Além disso, nesse momento, tudo era incerto.
Junto com a dor pulsante, veio a ânsia de resolver meu problema o
mais rápido possível. Algo dentro de mim me dizia que o meu tempo
estava se esgotando. Contrariando meus pensamentos de mais
cedo, decidi que eu tinha que apelar para o lado romântico e
maternal de Sofia para alcançar meus objetivos. E logo.

— Isso não ficará assim, Jefferson. — Ameaçou-me, mas não


dei tanta importância, pois, se dependesse de mim, em menos de
um ano ele não teria mais nenhum poder.

— Adeus! — Desliguei o telefone sem esperar uma resposta


e joguei o aparelho de qualquer jeito ao meu lado na cama.

Virando-me no colchão, cerrei as pálpebras com força,


tentando não pensar em mais nada. Precisava dormir, tinha uma
reunião importante daqui a três horas, mas meus pensamentos não
me deram trégua.
Precisava pensar em uma abordagem melhor para conquistar
Sofia. Meu corpo, que tinha conhecido como o dela se ajustava
perfeitamente ao meu, me dava um indício de qual caminho poderia
seguir. Uma via bastante perigosa e, ao mesmo tempo, deliciosa.
Estava preparado para ela e suas consequências?
Capítulo quinze

Empurrando o carrinho com meus instrumentos de trabalho e


a prancheta de horários com os remédios que eu tinha que
administrar, aproximei-me de um paciente e, verificando quais
medicamentos ele tinha que tomar, estendi o copinho para ele que
pegou com seus dedos trêmulos.

— Você pode me dar água, por favor? — A voz dele soou


rouca e eu, por sentir compaixão devido seu estado, peguei uma
garrafinha de água que tinha trazido para ele. Provavelmente estava
quente, mas não tive tempo de trocá-la no bebedouro.

Ele era um homem que tinha em torno de sessenta anos,


sozinho no mundo, um morador de rua que tinha sofrido um ataque
de uma pessoa qualquer que achava que tinha o direito de agredi-lo
só porque ele não tinha um teto, e havia escapado completamente
impune. E para piorar, mais de uma vez, meus colegas de trabalho
haviam debochado dele, principalmente pelo cheiro por ausência de
banho. Tinha tentado fazer o meu melhor, limpando-o com gaze,
mas hoje estava determinada a ajudá-lo no banho.

— Obrigado — foi educado, agradecendo antes de engolir os


remédios e tomar um gole do líquido.

— De nada — sorri para ele, que me retribuiu, e vi que tinha


alguns dentes completamente enegrecidos —, está se sentindo
melhor, hoje?

— Um pouco, doutora. Apenas umas pontadas onde recebi


as facadas.

— Será que está bem o suficiente para ficar em pé por uns


instantes para te colocar em uma cadeira de rodas? — As lesões
eram superficiais. Graças a Deus, não tinha sido em nenhum órgão,
mas uma perfuração passou próxima ao baço. Acreditava que,
embora sentisse dor, ele sobreviveria a um banho. — Que tal se
lavar um pouco?

— Faz meses que meu corpo não vê água. Seria ótimo.

— Okay. Só deixa eu cuidar dos outros pacientes e ver como


todos estão, e no meu tempinho de intervalo eu te ajudarei. —
Achava completamente ridículo a direção do hospital criar algumas
barreiras para o cuidado dos pacientes, mas preferia fazer as coisas
no meu tempo de descanso do que me indispor. Tentei brigar e
discutir uma vez, mas foi o mesmo que fazê-lo com uma parede. E
ainda ganhei uma advertência por isso. Uma grande merda.

— Não te incomodará, moça? — Fitou-me com certa


preocupação e pude ver que ele tentava esconder o fato de que boa
parte das pessoas consideraria desagradável o simples fato de tocá-
lo, fruto de muito tempo sendo marginalizado.

— Imagine — fiz um gesto com a mão tirando a importância


do fato —, é só o meu papel. Me sinto útil ao fazê-lo.

Para minha surpresa, ele ergueu-se com cuidado na maca e


tomou minha mão entre as suas, bastantes ásperas, apertando-a
com gentileza. Uma lágrima escapou pelo seu rosto e eu tive que
conter as que se assomaram nos meus olhos. A emoção de saber
que eu estava fazendo a coisa certa e o dia do meu paciente
melhor, me era completamente poderoso. Eu não poderia me sentir
mais gratificada em fazer o meu trabalho.

— Obrigada, minha filha. Fazia muito tempo que ninguém


olhava para mim, me tratava tão bem — sussurrou e soltou a minha
mão.

— É um prazer cuidar do senhor. — Sorri ainda mais.

— Certo. Obrigado.

— Agora deixe eu ver como estão os seus ferimentos e trocar


os curativos. Depois do banho, eu faço novos. Com licença…

Peguei as luvas da caixinha e as calcei, depois levantei


cuidadosamente a bata do paciente, expondo os ferimentos na
barriga, tórax e braços. Pegando um chumaço de algodão e um
pouco de iodo, comecei a cuidar dos pontos que estavam
começando a inflamar. Ele precisava urgentemente de um banho,
pois por mais que o tivesse limpado, as bactérias começaram a se
proliferar. Conversaria com o médico plantonista para reavaliá-lo.
Soltando um suspiro e abrindo um sorriso gentil, cumprimentei uma
colega de trabalho que passou por mim, e me pus a focar na tarefa
que tinha pela frente.

***
— Ainda nem acredito que você deu banho nele — a mulher
loira e alta fez uma careta de desdém —, eu tinha asco só de ficar
perto dele, com aquele cheiro horrível e o cabelo nojento de tão
embolado.

Fazia alguns minutos que eu tinha ajudado o paciente. Fui


auxiliada por um técnico de enfermagem, que era mais humano que
a maioria dos meus colegas, e tinha em seguida ido direto para a
cozinha pequena para tomar meu precioso café. Mas tudo que eu
não queria era encontrar uma das funcionárias mais cruéis,
ignorantes e preconceituosas que já vi na vida. Trinquei os dentes
furiosa, controlando a minha vontade de soltar uma série de
impropérios.

Definitivamente, quem me deixava com vontade de vomitar


era sua cara enojada e seu comentário maldoso, cheio de desdém.

— Corajosa, você — continuou, desdenhosa.

— Que eu saiba, Patrícia, somos pagas para cuidar dos


pacientes — falei, entredentes, não me aguentando. — Se quiser
escolher a quem quer cuidar, é melhor cair fora de hospital público
onde se atende qualquer um.

— Hmph. Não sou bem paga para limpar bunda desses


tipinhos — comentou e gargalhou.
— Chega, não sou obrigada a aguentar isso.

Levantei-me de um salto, colocando a caneca na pia e já ia


sair da cozinha, quando um homem entrou carregando um enorme
buquê de rosas laranjas e vermelhas. As flores eram grandes,
vistosas, sendo impossível não admirar a disposição e o perfume
que delas emanavam. Tinha aprendido e muito com Ilda a amar
essa espécie de flor. Não pude também deixar de perceber os lírios
brancos que se destacavam na profusão de cores das rosas. Mas
antes que eu pudesse admirar um pouco mais, Patrícia me
empurrou para o lado, estendendo os braços.

— Me dê logo isso daí, paspalho — soou arrogante —, com


certeza é para mim. Tenho muitos admiradores aos meus pés.

Ele pareceu hesitar por uns momentos, engolindo em seco,


confuso, mas acabou dizendo: — Senhorita Gouveia?

— Gouveia? — deu um gritinho, incrédula, e eu franzi o


cenho. — Tem certeza que não é Teixeira?

— Não, o pessoal da floricultura me disse que as flores são


para Sofia Gouveia. Ela se encontra?

— Sou eu — respondi, um pouco incerta sobre quem poderia


me enviar algo tão lindo. Do fundo do meu coração, esperava que
não fosse de João. Seria uma pena ter que jogá-las fora. Não
poderia guardar algo assim de uma pessoa que tanto me fez mal.

— Ninguém merece! — Patricia bufou e saiu pisando duro,


com raiva de não sei o quê. Além de escrota, era uma cobra
invejosa.

Suspirando fundo, um pouco trêmula, assinei o recebimento e


peguei o lindo buquê, sendo bombardeada ainda mais pela
fragrância familiar, enquanto o homem se afastava. Precisava
descobrir o remetente logo. Com medo de quem fosse, caminhei até
uma poltrona, sentando-me, e procurei pelo cartão que comumente
vinha acompanhando, revelando o dono do “presente”. Quando o
encontrei, não sabia se eu ria de alívio por não ter que me desfazer
delas ou me sentia completamente bamba e sem fôlego por saber
que o envelope estava assinado por Jefferson.

Arfando, removi o lacre e puxei o papel-cartão branco, lendo


suas palavras, redigidas a próprio punho na letra que me era tão
familiar.

Minha doce Chaveirinho,

As rosas vermelhas representam o desejo e a paixão que


sinto só de pensar em beijar seus lábios novamente e ter o seu
corpo contra o meu. As laranjas, sua alegria, vivacidade e minha
intenção de não desistir de você. Os lírios brancos, a sua tão
sonhada maternidade que estou mais do que disposto a te
proporcionar… Do jeito que você preferir.

Embora a fome que você despertou em mim torce para que


seja o tradicional. Estou louco para ouvir seus gemidos em outras
circunstâncias que não sejam apenas em meio ao beijo. Isso me
atormenta.

Com ânsia, seu Jeff.

Arfando, reli aquele pequeno papel diversas vezes, e quanto


mais eu lia, mais quente eu me sentia pela ousadia que ele teve em
escrever o último parágrafo, mesmo sabendo o quão indecoroso era
sentir-me assim no meu ambiente de trabalho. As lembranças do
calor dele, a pressão da sua boca e corpo me invadindo... Meu
Deus, pensei que nos últimos dias, afastada dele, tinha conseguido
aplacar o desejo inapropriado que ele me fez sentir, mas meras
palavras sugestivas escritas por ele foram capazes de reavivar toda
a chama que ele tinha acendido. Algo profano e proibido por sermos
quem éramos, mas incrivelmente delicioso.

Balancei a cabeça, dobrando e guardando o bilhete na minha


calça, tentando afastar as imagens lascivas criadas pela minha
mente, bem como aquilo que ele queria dizer com suas palavras,
então curvei-me em direção ao buquê, cheirando o perfume
delicioso que emanava das flores, sendo impossível conter o sorriso
ao senti-lo. De uma coisa estava certa, nunca tinha recebido um
mimo tão romântico, delicado e com significados tão sensuais.

Estava tão imersa no cheiro e nas rosas, que nem percebi a


porta se abrindo, sendo tirada do meu torpor quando a voz de Júlia
ecoou no cômodo.

— Uau! Que flores mais lindas, Sofia. Acho que nunca recebi
umas tão belas. — Soltou um suspiro romântico. — E pelo rosado
das suas bochechas, algo que nunca tinha visto antes, não são do
seu ex. — Fez uma pausa. — E pelo sorriso bobo no rosto também.

— Hm… — Continuei sorrindo e ouvi o barulho da sapatilha


dela contra o piso. — Não, não são. Felizmente.

— Não me mate de curiosidade, Sofia — disse em um tom


mais energético e eu a fitei, vendo seu olhar curioso. — Fale logo.

— São de Jefferson…

— Sei…

Deu um sorriso malicioso para mim, mesmo que eu não


tivesse dito nada a ela sobre o beijo. Ainda não tive coragem de
contar para minha mãe, ela não tinha me pressionado para saber o
que houve, então não o faria primeiro para Júlia. A deixaria com as
suas insinuações.

— Ele só está tentando ser gentil.

— Gentileza, sei — gargalhou —, dar rosas vermelhas a


alguém não me parece apenas um gesto afável.

— Não posso negar que são as minhas favoritas —


desconversei e toquei as pétalas suaves alaranjadas cujo
significado eu só descobri hoje.

Felicidade. Algo que eu sabia que só teria por completo


quando tivesse meu filho ou uma doce menininha. Um bebê que
Jefferson estava disposto a me dar. Tive que conter o
estremecimento que quis me percorrer ao pensar o quão disposto
ele estava em me ajudar a conceber, o que envolvia uma cama e
muito prazer. Tinha que parar de imaginar isso, se não acabaria
fazendo uma grande besteira.

Pigarreei, buscando meu autocontrole, fazendo minha amiga


arquear a sobrancelha definida.

— E muito menos que fez o meu dia melhor, ainda mais


depois de passar raiva — continuei.
— O que aconteceu? — Seu tom era curioso, pois, como eu,
adorava saber uma fofoca do plantão médico.

— Era somente a chata da Patrícia defecando a respeito de


um paciente. — Repeti o que a loira disse e Júlia fez uma careta.

— Que mocreia. — Bufou.

— Eu posso dizer coisa pior, amiga. — Não contive meu


desdém e raiva por aquela mulher. — Mas se quer um babado,
precisava ver a cara da criatura quando descobriu que as flores não
eram para ela. Saiu batendo os saltos e espumando de ódio.

— Queria ter sido uma mosquinha para ter visto.

Não resistimos e caímos na gargalhada, contendo-nos para


não rir tão alto ao ponto de incomodar alguém.

— Mas sem brincadeira, Sofia, um dia irei gravar as


barbaridades que essa mulher diz e ferrar com ela. Fico puta da vida
em ver o preconceito dela ficar impune. Tentei denunciá-la com a
gerência, mas não deu em nada…

— É, ser sobrinha de um dos diretores tem suas vantagens.


— Soltei um suspiro. — Espero que consiga. Porque hoje ela
passou dos limites…
— Imagino. Ela tem sorte de que eu não estava aqui…

Ficamos em silêncio por alguns minutos, até que eu olhei no


meu relógio de pulso e constatei que faltavam poucos minutos para
o meu intervalo acabar.

— Preciso ir atender os pacientes — disse ao me levantar,


ainda segurando o ramalhete.

— E o que fará com o buquê? O armário acabará com ele e


esmagará várias pétalas. Seria uma pena.

— Não sei. — Dei de ombros e fitei as flores grandes e


vistosas que eram deslumbrantes demais para guardar no meu
armário pequeno, que mal cabia as minhas coisas. — Acho que não
tenho escolha a não ser deixar aqui, com um bilhete avisando que é
meu.

— E se alguém levar mesmo assim? — minha amiga disse,


enquanto eu pegava um pote de sorvete vazio que deixávamos na
cozinha e enchi de água, colocando os caules dentro.

— Não posso fazer nada. Não tenho escolha nenhuma. O


que me resta é torcer.

Ela soltou um outro bufo e eu deixei um bilhete próximo ao


recipiente, depois me aproximei para dar um beijo na bochecha dela
e me encaminhei até o banheiro de funcionários. Tinha muitos
enfermos para medicar, limpar e auxiliar para ficar me martirizando
se alguém roubaria ou não o meu presente. Embora uma grande
ponta de mim ficaria extremamente chateada ao saber que as flores
que Jeff escolheu para mim com tanto carinho e tantos significados
ocultos não mais estivesse onde deixei.
Capítulo dezesseis

Depois de trocar minhas roupas e guardar as que tinha usado


no plantão na bolsa, tinha pegado o meu buquê na cozinha,
constatando que algumas rosas tinham sido arrancadas, deixando-o
com uns grandes buracos. O que me deixou de certa forma ainda
mais triste. Depois que afastei-me de Júlia para me pôr ao trabalho,
o restante do turno passou em um piscar de olhos, ainda mais
quando fui chamada para auxiliar o médico em uma cirurgia de
urgência para remover uma bala alojada no peito de uma paciente
vítima de violência doméstica. Foram horas tentando salvá-la, mas
ela acabou vindo a falecer na mesa de operação.

Uma lágrima dolorosa escorreu pelo meu rosto, e eu a limpei


com o dorso da mão. Não podia negar que me envolvia e muito com
casos assim, ainda mais que nem sempre as vítimas tinham a
justiça que mereciam. E saber que ela não resistiu aos ferimentos,
que um crápula doente tirou a vida dela por pouco, fazia com que eu
sentisse um peso nas minhas costas, um sentimento de que tinha
falhado miseravelmente com ela. Podia parecer exagero, mas era
uma vida e ela me importava. Nunca me acostumaria com isso, por
mais recorrente que fosse.

Inspirando o perfume das rosas pela última vez, que me


ofereceu certo alento, ajeitei o buquê enorme pensando em como o
carregaria dentro do transporte público, embora a chance de eu ir
sentada naquele horário fosse enorme.

Cansada, me arrastei até a portaria que ficava mais próxima


ao lugar que eu pegaria o ônibus metropolitano, pois sem chances
de ir até o shopping hoje para pegar o municipal, mas estaquei ao
ver um homem alto e moreno sentado em um canto ao fundo
mexendo no aparelho celular. Ao longe, parecia usar um terno bem
cortado, feito sob medida.
Mesmo que eu não tivesse certeza, só de pensar que
pudesse ser o Jefferson meu coração começou a acelerar, e fiquei
com minhas mãos suando frio. Quando ele ergueu os olhos do
aparelho e me fitou, eu não tive mais dúvidas de quem era. Fiquei
ainda mais trêmula no momento em que ele percorreu com olhar
todo o meu corpo, com fome, embora ao subir os olhos para o meu
rosto, sua expressão aparentasse preocupação. Fincada no chão,
assisti ele se levantar e caminhar até mim sem deixar de me olhar,
chamando atenção de todos ao redor pela confiança com que
andava. Jefferson exalava determinação e poder apenas com a sua
presença.

Parou a poucos centímetros de mim, e apenas o buquê


impediu que seu corpo ficasse quase colado ao meu. Com a cabeça
abaixada, sua respiração tocou o meu rosto, seu calor me envolveu,
e pude sentir seu perfume amadeirado. Mesmo que não fosse sua
intenção, eu era completamente consciente dele. Suas palavras
redigidas no cartão, esquecidas momentaneamente, voltaram com
tudo.

— Tudo bem? — perguntou com a voz desassossegada, ao


segurar o meu rosto com sua mão firme. Cansada, fechei os olhos
apreciando o contato gentil.

Não sabia que estava precisando e tanto do toque de outro


ser humano, e a ternura de Jefferson foi capaz de diminuir um
pouco a opressão que sentia no peito pela perda da paciente. Sem
que percebesse, uma lágrima escorregou do meu olho e Jeff a
limpou com o polegar. As outras que se seguiram devem ter sido
uma resposta à sua pergunta, pois, para minha surpresa, abaixando
a mão, ele me abraçou com força, mesmo que a minha bolsa e as
flores fossem um empecilho. E eu também não me fiz de rogada, e,
encontrando uma brechinha em meio ao buquê, pousei minha
cabeça no seu peitoral, ouvindo o ritmo do seu coração. Permaneci
ali, sendo confortada por ele, até que o choro cessasse e eu me
sentisse mais aliviada, capaz de raciocinar, e eu ergui meu rosto
para ele.

— Dia difícil, Chaveirinho? — Deixou evidente sua compaixão


e deu um beijo suave na minha testa, o que fez com que um
calorzinho bom surgisse no meu peito. Não podia negar que eu
gostava e muito de sentir seus lábios na minha pele, mesmo que o
gesto fosse inocente.

— Bastante — sussurrei, maneando a cabeça.

— Então deixe que eu cuide de você hoje…

— Hm… — fiquei pensando nessa possibilidade até que a


realidade caiu sobre mim —, o que está fazendo aqui, Jeff?
Dei um passo para trás e ele removeu as mãos da minha
cintura, e um sentimento de perda imediatamente me envolveu. Um
pouco incomodada com o olhar intenso dele, fitei as rosas que Jeff
tinha me dado, constatando que, em meio ao abraço, as restantes
foram amassadas. Droga, tinha as estragado! Ressenti-me de mim
mesma por isso.

— Eu queria te ver, Chaveirinho.

— Como você sabia que eu estaria aqui e que meu turno


terminaria agora? — Suprimi a onda de prazer que senti ao pensar
que a ânsia dele por mim era tamanha ao ponto de ele cruzar Belo
Horizonte inteira só para isso.

— Tenho contatos — fez um gesto como se isso não tivesse


sido um problema para ele —, não foi muito difícil.

— Entendo.

Sem saber o que dizer, apenas inspirei novamente o perfume


das flores, o que me ofereceu conforto. Jefferson me tirava do eixo
por completo, mesmo com poucas palavras.

— Vamos, Sofia? — Seu tom de ordem me fez encará-lo e vi


que estendia uma mão para mim. — Estou ficando um pouco
constrangido com todo mundo me olhando.
Uma risada brotou da minha garganta quando percebi que
ele tinha razão ao fazer tal comentário. Éramos uma atração e tanto
para quem estava na recepção sem ter o que fazer: o homem
impecavelmente vestido em um terno luxuoso e uma mulher
chorona com um buquê amassado.

— Prefiro vê-la assim — deu um passo para frente,


envolvendo a minha cintura e roubando um selinho de mim que
deixou meus lábios formigando por mais —, sempre odiei ver você
chorar, Chaveirinho.

Não precisava dizer nada, pois sabia que era verdade. Me


lembrava bem de que quando era menor e caia em lágrimas na
frente dele, Jefferson costumava entrar em desespero, correndo
para minha mãe em busca de ajuda. De fato, ele odiava me ver
chorando.

Com ele me direcionando, pois não fazia sentido negar uma


carona já que ele estava ali, demos a volta, e começamos a
caminhar em direção ao estacionamento que ficava atrás do prédio,
não demorando muito para que chegássemos na sua picape. Era
pouco mais de oito da noite, e a lua brilhava alta no céu. Já que
algumas lâmpadas dos postes estavam queimadas, era possível vê-
la melhor. Mas a brisa fresca que trazia o perfume dele para mim,
junto às rosas, era um bálsamo muito melhor.
Abrindo a porta do passageiro com uma mesura, removi com
uma mão a bolsa, jogando-a no banco de trás, acomodei-me no
assento e pousei o buquê no colo, para colocar o cinto. Fechando a
minha porta, ele deu a volta e sentou ao volante, ligando o veículo e
programando o gps.

— Quer me contar o que colocou tanta tristeza em seus


olhos, Chaveirinho? — perguntou com a voz preocupada e repleta
de ternura. Lágrimas quiseram escorrer pelos meus olhos e eu as
reprimi. Não podia ficar chorando por tudo, principalmente perante
um ato de gentileza. Era absurdo e eu costumava ser mais forte do
que isso.

Engolindo o nó que se formou em minha garganta, disse:

— Perdemos uma paciente hoje, vítima de violência


doméstica. — Não consegui conter a dor que senti ao sussurrar o
acontecido e mais uma lágrima escorreu pelo meu rosto.

— Sinto muito, meu amor. — Pegando-me de surpresa,


enquanto dirigia pelo trânsito tranquilo do bairro, pousou sua mão
sobre a minha que estava em minha coxa. Acalentada, virei minha
palma, e entrelacei meus dedos aos seus, a qual ele apertou,
oferecendo conforto.
— Diziam que com o tempo ficaria mais fácil, mas para mim
nunca vai ser — minha voz saiu mais rouca e trêmula do que
deveria —, ela era tão jovem, tinha tanta vida pela frente. E um
doente tirou isso dela.

Jeff não disse nada, apenas levou minha mão aos lábios,
plantando um beijo no dorso quando paramos em um sinal. Ele
sabia que nunca apreciei palavras vazias, como que isso aconteceu
porque foi traçado, ou qualquer outra coisa do tipo. Tinha gente que
encontrava consolo nelas, mas não eu.

— Sei que a profissão exige certa frieza, mas…

— Você também é um ser humano, Chaveirinho — voltou a


dirigir quando o sinal abriu —, uma mulher terna, bondosa, e que
nutre compaixão pelo outro. Uma das pessoas mais generosas que
conheci, tirando a minha avó. É natural que você se sinta assim,
Sofia. Estranharia se você se comportasse de outro modo. —
Apertou minha mão com mais força.

— Obrigada, Jeff. — Soltei um suspiro. — Sei que não sou


culpada, sabe? Ainda mais que eu não era a cirurgiã, só a auxiliar.
Mas me sinto completamente impotente, pensando se havia algo a
ser feito. Se fôssemos mais rápidos, se a justiça…

— Você fez o seu melhor, tenho certeza.


— Quando isso acontece, não tenho tanta certeza…

— Posso te entender.

Ficamos em silêncio por algum tempo e eu olhei a paisagem


através da janela, vendo as ruas vazias e, sem perceber, acariciei
as pétalas de uma flor. Meus pensamentos estavam em um
completo turbilhão, desde a raiva pela manhã que passei com
Patrícia, a gentileza de Jefferson por me dar flores, e a tristeza pelo
ocorrido. E uma dose de prazer pecaminoso suscitada apenas pela
presença máscula de Jefferson ao meu lado, fazendo-me relembrar
do bilhete por ele escrito.

As palavras ecoaram na minha cabeça como um mantra, e


sobrepujaram qualquer outro sentimento que havia em mim, ainda
mais com a repetição da proposta de tornar-se o pai do meu bebê, e
de forma tradicional. Um calor me invadiu ao pensar no seu corpo
me preenchendo enquanto sua boca bailava com a minha em um
beijo faminto, delicioso. Desconfortável com o rumo que minha
mente estava tomando, desvencilhei minha mão da sua ao sentir
meus dedos queimarem com o contato, e remexi-me no banco de
couro, sem jeito. Com o canto do olho vi que ele tinha uma
expressão de perda em sua feição, o que mexeu comigo de uma
forma que não sabia como explicar, que acrescentado ao desejo
que percorria minhas veias, se transformava num sentimento que
não queria examinar. Nossa relação não deveria ir além da amizade
que tínhamos cultivado desde anos atrás.

Pigarreei quando percebi que não conseguiria controlar


aquilo que sentia e tentei pensar em um assunto, buscando afastar
a tensão. Podia ficar aliviada porque em poucos minutos chegaria
ao conjunto habitacional em que morava, mas pelo fato dele ter
deslocado vários quilômetros para me ver, eu teria que convidá-lo
para entrar. Seria muito rude não o fazer, embora algo dentro de
mim me dizia que estava convidando um leão para a minha toca.

Deus, ao ser abraçada por ele e consolada, tinha me sentido


no céu, mas o desejo que agora eu sentia parecia ter virado o jogo
contra mim, pois, embaralhada, não sabia se conseguiria resistir à
tentação que o toque dos lábios de Jeff representavam, bem como
as promessas contidas nas suas palavras e no desejo que dizia
sentir por mim.

— E como foi o seu dia? — perguntei em um fio de voz.

— Bastante puxado. Parece que meu secretário resolveu


marcar todas as reuniões possíveis para o dia de hoje. — Riu do
próprio comentário e eu o acompanhei, pois sabia que, embora seu
tom revelasse certo aborrecimento, era puro fingimento.
— Como se você odiasse as reuniões… — o provoquei,
fazendo-o sorrir.

— Não quando eu ganho muito dinheiro com elas, como hoje.

— Nada modesto, ele.

— Sou muito bom naquilo que faço, Chaveirinho — comentou


com duplicidade —, você está disposta a pagar para experimentar?

O modo com que ele disse aquela pergunta fez com que um
desejo se formasse no meu baixo-ventre, que foi difícil de ignorar,
ainda mais quando ele pousou a mão na minha coxa e a apertou.
Eu deveria detê-lo, mas tudo o que fiz foi sentir a boca seca e conter
um gemido que brotou em meus lábios. Quando seus dedos
começaram a brincar com a região, se aproximando cada vez mais
da minha feminilidade, eu perdi a noção de espaço e tempo, imersa
no toque sutil dele. Nem mesmo me dei conta de quando o carro
parou, sendo apenas tirada do transe que me encontrava quando
Jeff se dirigiu a mim, com a voz rouca e repleta de excitação.

— Chegamos, Sofia…

Ele removeu o cinto e, curvando-se sobre mim, retirou o meu


lentamente, seus dedos tocando de resvalo na minha barriga e
seios, fazendo com que meus bicos ficassem rígidos com o mero
roçar. Isso era uma loucura.

— Não vai me convidar para entrar? — Sussurrou na minha


orelha, quando eu não disse nada, e eu engoli em seco.

— Agradeço a carona e principalmente as rosas, mas acho


que não é uma boa ideia, Jeff… — O tremor na minha voz revelava
todo o meu descontrole perante a proximidade daquele homem,
evidenciada ainda mais pela minha respiração ofegante e acelerada.

— Por que não, Chaveirinho? — Acendeu a luz interna do


carro e segurou o meu queixo, fazendo com que eu o fitasse. Se ele
queria sinceridade, assim seria.

— O desejo que sentimos um pelo outro não trará nada de


bom para nós. Se acabarmos na cama, o que tínhamos se perderá.

— Sou obrigado a discordar de você, Sofia. Você me quer, e


eu estou mais do que louco para te beijar, te provar, te amar com
minha boca, mãos e corpo. Quero ser o pai do seu bebê. — Tocou o
meu ventre, indicando o que poderia acontecer caso eu cedesse a
ele, me fazendo sentir o quanto a maternidade estava próxima de
mim. — Mas por hoje, só quero cuidar de você e mimá-la.
Como se para provar a sua teoria, curvou-se novamente em
minha direção e plantou um beijo suave no canto da minha boca,
que foi capaz de reavivar todas as minhas terminações nervosas.
Para minha surpresa, fui eu quem tomou a iniciativa. Segurei o seu
queixo, sentindo os pelos curtos pinicarem minha palma, puxei seu
rosto para o meu e o beijei. Deixei cair o buquê no assoalho, mas
não me importei. Movendo-me devagar, apreciei e muito o breve
roçar dos meus lábios nos seus, intensificando o beijo à medida que
meu corpo exigia mais, ansiosa para provar mais da sua boca. Gemi
quando minha língua encontrou a sua, envolvida pelo sabor gostoso
e viciante que ele tinha. No momento em que comecei a torná-lo
mais voraz, revelando minha fome desmedida por ele, Jeff me deu
um selinho e interrompeu o beijo. Sua respiração estava acelerada,
denunciando que ele estava tão excitado quanto eu.

— Jeff… — choraminguei o nome dele, sentindo-me


frustrada.

— Não menti quando disse que queria apenas zelar por você
essa noite — falava com a voz entrecortada. — Eu te quero muito,
Chaveirinho — pegou a minha mão, pousando-a sobre a sua
ereção, que me revelava o quanto Jeff me desejava, e um fogo me
consumiu ao saber que eu era a causadora da sua excitação, uma
espécie de poder que nem sabia que poderia exercer em alguém
como ele.
— Hm…

— Mas quero que tenha certeza que me quer, do mesmo


modo que eu, porque não tenho nenhuma dúvida do quanto quero
devorar você e levá-la ao ápice — tocou os meus lábios com a outra
mão, massageando-os, enquanto a direita mantinha a minha presa
em cima do seu pênis excitado —, sem arrependimentos…

— Eu…

Me soltou abruptamente e eu gemi em protesto. A sensação


de perda parecia maior que o meu bom-senso e autocontrole. Tinha
que admirá-lo e muito por ter forças para me afastar, poupando-me
de fazer algo que pudesse estragar a nossa convivência.

— Consigo me controlar por nós dois — deu-me um outro


selinho e abriu a porta para sair da picape. — Vamos entrar, você
deve estar louca por um banho depois de um plantão de mais de
doze horas.

Apenas assenti. Peguei o buquê no assoalho enquanto ele


dava a volta no carro e abria a porta de trás para pegar minha bolsa.
Estava cada vez mais certa de que poderia demorar um dia ou um
mês, mas sabia que, inevitavelmente, meu desejo impróprio pelo
meu amigo de infância acabaria me colocando em sua cama,
mesmo que as consequências fossem desastrosas para nós dois.
Mas será que eu estava disposta a aceitar a proposta dele de me
engravidar?
Capítulo dezessete

— O que você quer comer, Chaveirinho? — perguntei assim


que adentrei o apartamento, e constatei que, como ela tinha dito,
era bastante espaçoso. Me sentei no sofá e coloquei a bolsa ao meu
lado.

A decoração era o que esperava pelo que conhecia dela.


Tinha cores vibrantes por toda a parte, como vermelho, amarelo e
laranja, em meio ao creme das paredes e de alguns móveis. Tão
instigante quanto a bela loira. Por um momento, imaginei o que ela
acharia da minha casa monocromática, e um sorriso brincou em
meus lábios ao pensar nos pitacos de design que ela daria. Mal
sabia Sofia que a única coisa que gostaria de ter contrastando em
minha vida eram seus cabelos loiros, sua pele delicada e seus
lábios rosados, úmidos pelos meus beijos, contra os lençóis preto e
branco que cobriam a minha cama. A imagem foi o suficiente para
despertar novamente a ereção, que com muito custo contive depois
da Chaveirinho tomar a iniciativa no beijo.

Merda!

Não tinha mentido para ela que estava completamente


ensandecido para sentir sua pele nua contra a minha, e por mais
que eu tentasse me convencer que era porque eu precisava de um
herdeiro, sabia que isso passava longe da verdade. A desejava
unicamente por ela ser quem era, como nunca quis alguém antes, e
estava mandando às favas tudo que não fosse ter o meu corpo
contra o seu. Cada célula minha sabia que eu a teria, e a satisfação
que eu sentia por isso me assustava. Era um homem feito, de
temperamento controlado, nunca fui movido pelo meu apetite
sexual; na verdade, abominava isso, mas Sofia minava todo meu
autocontrole.

Tinha certeza que cumprir minha palavra de apenas cuidar


dela depois de um dia difícil de trabalho, freando o nosso ímpeto,
seria uma das tarefas mais difíceis que teria que fazer. Mas a queria
completamente à minha mercê. Agora que provei, me apetecia ser
ela a tomar a iniciativa.

— Não sei… — Sua resposta me tirou do transe e eu a fitei


enquanto ela caminhava até o quarto. Seus quadris, generosos para
a estrutura pequena, balançando, era uma completa tortura para
minha excitação. — Eu costumo comer muita comida natural
congelada, mas posso preparar algo para nós. Sei que vegetais e
legumes nunca foram muito à sua praia.

Ouvi ela rir com seu próprio comentário e eu maneei a


cabeça, tentando afastar as sensações que apenas o som me
provocava.

— Me lembro das vezes que dona Ilda te subornou com a


sobremesa para você comer as cenouras, beterrabas e inhames.
Nunca esquecerei da cara que você fez ao ir quente na torta de
legumes pensando que era de frango. — Gargalhou ainda mais.

— Nem me lembre disso — falei mais alto e franzi o cenho


—, nunca tive maior decepção na vida.

— Até parece, senhor CEO. — Apareceu no corredor com um


sorriso no rosto que foi direto no meu peito. — Que tal algo sem
legumes hoje? Posso fazer um filé de frango recheado.
— Não precisa, Chaveirinho. Te garanto que ir para cozinha
não estava nos seus planos.

— Não mesmo. — Ela deu de ombros, com um ar travesso


em suas feições. — Mas por você posso fazer um esforço.

— Que tal pizza? — Remexi-me no sofá,


desconfortavelmente, quando suas palavras foram interpretadas de
maneira lasciva pela minha mente libidinosa.

Porra! Sofia sabia muito bem como me provocar. E eu a faria


pagar caro por isso, em baixo e em cima de mim.

— Perfeito!

— Uma gigante, metade frango à bolonhesa e metade


portuguesa? — Seu sorriso ficou ainda maior, provavelmente pelo
fato de notar que eu me recordava dos seus sabores favoritos.

— E uma coca bem gelada. Dois litros, por favor. — Arqueei


a sobrancelha para ela e a brindei com um sorriso lento, uma
pequena retaliação à sua provocação anterior.

— Interessante… uma enfermeira com maus hábitos. Que


vergonha! — debochei, fazendo-a franzir o cenho.
— Posso me dar o direito a isso uma vez por semana — fez
um gesto de pare quando deixei evidente a minha dúvida —, tá,
duas ou três. Satisfeito?

Quando ela fez uma careta e colocou as mãos nos quadris,


em uma pose que fazia quando era contrariada quando menina,
joguei a minha cabeça para trás e comecei a rir alto, tão
descontrolado que senti lágrimas surgirem em meus olhos e
fincadas na barriga. Era melhor gargalhar do que, dando vazão à
minha ânsia, levantar-me e beijar aqueles lábios que faziam um
biquinho extremamente charmoso.

Como se estivesse furiosa, virou-se de súbito e saiu batendo


o pé pelo corredor, provocando ainda mais o riso em mim. A risada
dela acabou se confundindo a minha quando entrou no banheiro,
indicando que tinha entrado na minha brincadeira.

Minutos depois, quando ouvi o barulho do chuveiro sendo


ligado, meu sorriso e risada morreram na hora e quase me
engasguei, pensando que apenas algumas paredes e passos me
separavam de uma Sofia completamente nua, alisando-se enquanto
passava o sabonete pelo seu corpo. Desejava que fosse as minhas
mãos a percorrendo, desvendando cada pedacinho dela,
principalmente os pontos que a fariam ficar completamente mole de
desejo em meus braços.
Em breve, Jefferson!, prometi a mim mesmo que o faria
assim que pudesse. Nunca tinha dado tanto atenção ao de ter e dar
prazer em um ato tão simples, mas com a futura mãe do meu filho
eu queria tudo.

Quando a voz rouca começou a cantarolar, balancei a cabeça


em negativa tentando afastar a imagem de eu me juntando a ela.
Me levantei, removi o paletó e a gravata que estava usando para
depois então pegar meu celular no bolso da calça. Ao relancear meu
olhar para baixo por poucos segundos, constatei o fruto da minha
pecaminosidade.

Emitindo um som de cansaço, ignorei o meu estado e abri o


aplicativo de entrega.

Sofia me mataria caso saísse do banho e eu ainda não


tivesse feito o pedido. Era melhor não irritar a besta faminta que
havia dentro dela.
Capítulo dezoito

Acordei sentindo o sol forte aquecendo a minha pele,


estranhando o peso de um braço envolvendo a minha cintura. Mas
como estava gostoso, permaneci com os olhos fechados, sem me
importar quem era a fonte de tal calidez, e continuei assim, me
deixando ser abraçada. Nem mesmo João ficava comigo de
conchinha, e ter alguém assim na minha cama era muito
reconfortante. Suspirando, me aconcheguei mais, como uma gata
manhosa, até que senti a ereção contra as minhas nádegas e ouvi
um gemido baixinho, que me fez abrir as pálpebras
instantaneamente, alarmada.

Jefferson!

Depois de comermos pizza e bebermos todo o refrigerante,


ficamos jogando conversa fora por um bom tempo. Lembro-me que,
embora fosse tarde, decidimos ver um filme, como fazíamos
antigamente.

A noite estava boa demais para ser encerrada abruptamente.


Mesmo que tivéssemos passado um tempo separados pela
atribulação do cotidiano, parecia que isso nunca existiu. A
camaradagem, a naturalidade com que conversávamos e a forma
com que fazíamos um ao outro rir com facilidade eram prova disso.
Não precisávamos de dias, semanas ou meses para que a conexão
que nos unia anteriormente retornasse com ainda mais força.

Recordo que me aninhei no peitoral dele para assistir a


comédia romântica, que se mostrou completamente tediosa, e talvez
por estar de barriga cheia, tinha começado a sentir minhas
pálpebras pesando, com meus olhos cada vez mais cansados, e em
algum momento devo ter dormido em meio ao filme. Não tinha a
mínima ideia de como fui parar na minha cama com Jefferson.
Com um certo pânico me dominando, por pensar que eu
poderia ter feito o convite quando estava sonolenta, e mesmo que
soubesse instintivamente que estávamos vestidos, tentei me erguer,
porém o braço firme e a voz grossa sussurrada ao pé do meu
ouvido fizeram com que eu parasse, e senti arrepios percorrerem a
minha nuca.

— Bom dia, Chaveirinho…

— Jeff… — murmurei seu apelido, controlando-me para não


virar em seus braços e beijar os seus lábios.

Soltando um gemido, o homem, para me provocar, soprou a


minha orelha e deixou uma mordidinha no meu lóbulo, e seu abraço
se afrouxou apenas para que pudesse deslizar a mão pela minha
barriga. Instintivamente, me arqueei contra ele, esfregando minha
bunda na sua carne excitada, porém, ao fazê-lo, ele me afastou.

Choraminguei, pois o simples contato tinha me incendiado.

— Infelizmente, tenho uma reunião daqui a quarenta minutos


no meu escritório no centro, Chaveirinho. Nem dará tempo de
passar em casa.

Me virou em seus braços apenas para me fitar, e sua voz era


repleta de tristeza.
— E é com um dos nossos novos fornecedores de carne para
a nova linha de produtos congelados que vamos lançar daqui seis
meses. Se não fosse, me sentiria tentado a cancelar… — continuou.

O brilho em seu olhar, bem como a fome, dissipou qualquer


dúvida que eu poderia ter. Era estranho pensar que o homem
viciado em trabalho desmarcaria algo para ficar comigo. Deveria
ficar grata por ele não ter tempo de ficar um pouco mais e
acabarmos transando, mas meu corpo, que foi provocado por ele,
parecia não concordar. Sabia que era melhor assim. Algo dentro de
mim me dizia que ele até poderia me querer, mas não passava de
sexo. Ele não queria ninguém na vida dele e tinha deixado isso bem
claro, mesmo que estivesse disposto a ser o pai do meu filho. Agir
movida pelo desejo poderia ser desastroso.

— Tudo bem, Jeff. De qualquer modo, não poderia prendê-lo


sabendo que tem que trabalhar. — Toquei o seu rosto, sua barba
fazendo cócegas nas minhas palmas. — Mas você irá assim,
amarrotado?

— Felizmente acredito que dá para tomar uma ducha, e deixo


sempre uma muda de roupa no escritório.

— Entendo. Sorte sua então.


Deu-me um selinho e, relutantemente, se levantou,
aprumando o corpo, e vi que ele tentava ajeitar sua calça e sua
blusa antes bem passada.

— Esqueci de te falar uma coisa. Terei uma festa de gala no


sábado em Nova Lima, com alguns empresários conservadores que
levarão suas esposas e namoradas.

— Sim?

Me movi, sentindo uma certa inquietação de desejo, e sentei


na cama enquanto observava o homem moreno, admirando o
quanto ele era bonito, mesmo completamente desalinhado. Suas
tentativas de se arrumar estavam provando-se um verdadeiro
fracasso e tive que conter o riso.

Mas quando Jeff me encarou com certa seriedade por um


tempo e depois o olhar se transformou em desejo, toda minha
vontade de rir morreu. Como estava meio sonolenta, costumava
demorar a pegar no tranco, e não consegui entender de imediato o
porquê, até que meu olhar desceu e viu que estava revelando mais
pele do que deveria, quase mostrando a minha calcinha pequena e
rendada. Sentindo-me ruborizar como uma adolescente, abaixei o
tecido do meu vestido, cobrindo as minhas partes, colocando uma
mecha do meu cabelo atrás da orelha.
Vi Jefferson engolir em seco para depois umedecer os lábios,
gesto que fez com que os meus também ficassem secos pelas suas
promessas.

— Apesar da informalidade, muitos acordos serão fechados.


O evento movimentará milhões e contará com estrangeiros.

— Parece importante, então.

— Muito, principalmente para mim que pretendo negociar


para que os produtos da Comer Bem sejam vendidos em outros
países da América Latina. — Fez uma pausa e pegou a carteira e o
relógio, que estavam no meu móvel de cabeceira. — O convite fala
para levar uma acompanhante. Uma imposição, na verdade.

— Nossa, isso em pleno século XXI? — Arfei, completamente


incrédula. — É absurdo.

— É o preço que se paga. O mundo corporativo ainda é muito


rígido em suas regras embora alguns avanços já tenham sido feitos.
— Deu de ombros.

— Entendo… — Fiz uma careta.

— Me acompanha, Chaveirinho? Não me anima muito a ideia


de ir sozinho, ainda mais quando a imagem é muito importante.
— Não sei se é uma boa ideia, Jeff. — Torci minhas mãos,
nervosa. — Eu nunca entrei nesse mundo e não sei se saberia me
comportar como é exigido.

Para minha surpresa, depois de calçar o sapato, Jefferson se


ajoelhou no colchão, tomando o cuidado para não sujar a roupa de
cama com o calçado, e se curvou para tocar o meu rosto, dando um
beijo suave nos meus lábios.

— Tenho certeza de que você será mais do que perfeita,


doçura — deu outro beijo em mim, como se apenas com o toque
fosse capaz de me convencer. Talvez, apenas talvez, ele
conseguiria, mas foram suas palavras seguintes que começaram a
me desarmar: — É uma mulher linda, sociável, gentil e, mesmo que
não lide com assuntos do mundo dos negócios, é bastante versada
em economia, política e sobre questões sociais. Tenho certeza que
muitos vão se interessar pelo seu trabalho voluntário com crianças.

— Hey! Está querendo usar as minhas ações generosas para


melhorar sua imagem? — aticei-o.

— Longe disso, Chaveirinho — ficou sério de repente e tocou


o meu rosto, acariciando-o —, admiro você muito por isso. Sua alma
é generosa, linda, e não quero que nunca deixe de ser assim. Estou
completamente disposto a financiar todas as suas causas, pois sei o
quanto cada recurso é necessário.
— Nem sei o que dizer, Jefferson — sussurrei, meus olhos
marejados de felicidade.

— Apenas continue fazendo isso…

Completamente emocionada, ajoelhei-me também, sentindo


o colchão se afundar com o meu peso, e puxei seu rosto para o
meu, sem me preocupar com o compromisso que ele teria mais
tarde, e o beijei carinhosamente, guardando na minha mente a
textura dos seus lábios e o gosto da sua boca. Não podia negar que
estava doida para beijá-lo novamente. Dessa vez ele não recuou
quando minha língua encontrou a sua em uma dança lenta e
sensual, pelo contrário. Segurando meu rosto com pressão, inclinou
a minha cabeça buscando um melhor encaixe, devorando a minha
boca, tomando o controle ao mordiscar meus lábios, sugando-os
gentilmente, e um calor líquido irradiou para o centro da minha
feminilidade.

Deixei escapar um gemido quando, afastando meu cabelo


para o outro lado, fincando seus dedos nos seus ombros, Jefferson
escorregou sua boca úmida dos meus lábios, passando pelo meu
queixo até alcançar o meu pescoço. O leve arranhar na minha pele
deixado pela barba dele provocava-me calafrios. Estava pouco me
importando com as marcas avermelhadas que deixaria sobre mim,
apenas ansiava que ele continuasse. Era deliciosamente insano
parar agora.
Deus, contra todo o meu bom-senso e ressalvas, queria que
ele aplacasse esse incêndio que ardia em mim. Estranhamente,
nenhum outro homem conseguiu me deixar completamente refém
do desejo com apenas um beijo, destruindo a minha determinação.

Não conseguindo pensar direito, deslizei minhas mãos até


alcançar o colarinho da camisa que ele tinha abotoado e quando
comecei a remover um botão da casa, ele me interrompeu com um
rosnado.

— Realmente estou odiando essa maldita reunião — deu um


beijinho na minha clavícula e apartou minhas mãos da sua camisa
social —, e o trabalho que tenho que fazer. Me custa muito,
Chaveirinho, te deixar sozinha e insatisfeita na cama. Porra, por que
essa semana tinha que ser tão atribulada?

Com outro bufar, afastou-se da cama e eu deixei-me cair


nela, sem me importar com os modos.

— Bom que sábado está aí — disse e vi seus olhos negros


brilharem de excitação, provavelmente refletindo o que eu sentia, ou
talvez mais, já que minhas palavras soaram como o convite, o que
realmente era. No momento, estava desejosa demais para
raciocinar direito sobre as consequências disso.

— Isso é um sim para me acompanhar a festa?


Apenas assenti com a cabeça, mesmo que ainda estivesse
bastante insegura de comparecer a tal evento ao lado do Jefferson.
Por mais que suas palavras gentis me passassem confiança de que
eu não iria cometer nenhuma gafe, não tinha tanta certeza. Eu sabia
que o mundo dele exigia muito mais tato do que o meu. E com
certeza não seria apenas um enfeite ao lado de um homem rico,
nunca ele me relegaria a tal papel, e nem eu aceitaria.

— Ótimo. — Sorriu com satisfação. — Só não me oferecerei


para comprar ou escolher um vestido para você como nos filmes,
porque sei que me mataria.

— Que bom que você sabe disso e que tem consciência do


seu péssimo gosto para moda. Nem imaginaria o desastre que seria
você me comprando um traje. — Ri.

— Com certeza seria fácil de tirar. Mas a verdade é que


prefiro você nua!

— Hmph.

Cruzei os braços e soprei uma mecha de cabelo que tinha


caído sobre os meus olhos, o que o fez gargalhar.

— Agora vá e me deixe terminar o serviço sozinha. — Não


resisti em brincar com ele, que emitiu um som estrangulado.
— Isso não ficará assim, Chaveirinho — disse entre dentes, e
meu olho o percorreu por completo, fixando no volume que se
formava no meio das suas pernas. — Vou deixar você suplicando
por mim.

— Daqui a pouco me levantarei para fechar a porta. — Fingi-


me de inocente, como se o seu comentário não me afetasse,
embora tivesse ateado ainda mais labaredas em mim.

Não disse mais nada, apenas me deu um beijo suave de


despedida e saiu do meu quarto.

Tinha brincado com fogo e tinha certeza que acabaria


queimada.
Capítulo dezenove

Fazia dois dias que eu não via Jefferson e, diferente do que


imaginava, sentia bastante saudades dele, mesmo que, sempre que
tínhamos um tempo livre, trocássemos mensagens, áudios e
ligações. Mas era do seu cheiro, do seu calor e do seu abraço que
estava sentindo falta.

Como uma pessoa que voltou há poucos dias a fazer parte


da minha vida, embora uma parte de mim reconhecia que ele
sempre estivera ali, mesmo distante, tinha conseguido se infiltrar
tanto em mim, ao ponto de me questionar por que estava relutando
tanto em aceitar o que ele oferecia: prazer e o bebê que tanto
sonhei?

Parecia uma completa idiotice, ainda mais que tudo em mim


implorava por ele, por toque, por beijo, por ser preenchida. Eu era
uma mulher madura, não uma garotinha assustada que tinha medo
de lidar com as consequências dos seus próprios atos. Deveria
colocar isso na minha cabeça.

Mas você pode acabar se envolvendo demais e se apaixonar


por um homem que não quer nada além de sexo com você. Eu te
conheço, Sofia, uma vozinha na minha cabeça sussurrou para mim,
a qual eu ignorei.

Quantas vezes tive um relacionamento sério e saí


machucada, ferida por quem dizia gostar de mim? Poucos, tinha que
confessar, mas doeu de qualquer modo, e tive que aprender a lidar
e superar. Pelo menos Jefferson não mentiria, me iludindo, falando
que gostaria de uma vida a dois. Ele tinha jogado limpo acerca do
seu desejo e de ser o meu “doador”, e talvez estivesse na hora de
eu fazer o mesmo comigo mesma.

— Sofia, filha — minha mãe me tirou do meu fluxo de


pensamentos e fitei a sua expressão preocupada. Claramente ela
tentava descobrir o que havia de errado comigo só de me perscrutar
—, você está segurando sua colher no ar e está olhando para o
nada. Aposto que nem ouviu o que eu disse.

— Desculpe, mamãe. — Fiquei sem jeito. — O que você


disse?

Como hoje era meu dia de folga, já que consegui trocar com
uma colega meu plantão para poder ir a festa com Jefferson mais
tarde, tinha convidado a minha mãe para fazermos unhas em um
salão que há muito tempo frequentávamos juntas. Ela adorava esse
momento mãe e filha e não podia negar que eu também, ainda mais
quando Rosimeire pirava ao escolher o novo tom de vermelho com
que iria pintar as unhas. Me divertia à beça. Mas não hoje, quando
não tive coragem de contar a ela os giros da minha vida.

Droga, eu odiava isso. Talvez o melhor fosse me abrir, e


quem sabe assim ela pudesse me ajudar a colocar um pouco mais
de juízo e coerência na minha cabeça, apontando o quanto aquilo
tudo era loucura.

— Joel me encontrou em um aplicativo de namoro. Ele curtiu


minha foto, e eu retribuí, então deu “match”

— Jura?
Arregalei os olhos, incrédula. Minha mãe era muito mais
moderna do que eu neste aspecto e, em busca de um novo
parceiro, ela já marcou vários encontros pelo app. Vários, é claro,
deram errado, mas Rosi parecia não perder as esperanças e
sempre parecia animada ao me contar como foi. Eu simplesmente a
apoiava, pois nada me parecia mais importante do que ver aquela
guerreira feliz. Quem sabe seria esse tal de Joel, um homem do seu
passado, sua cara metade.

— Sim, vou sair com ele amanhã. Vamos almoçar juntos e


passear no shopping depois.

— Hm… Mas por que essa carinha? — perguntei quando vi


receio no rosto da minha mãe.

— Ele continua um gato — suspirou —, e eu, bem… engordei


um pouco e estou cheia de imperfeições.

Comovida ao vê-la tão insegura, ergui minha mão e toquei o


rosto da mamãe, acariciando-o, e fitei seus olhos da mesma cor que
os meus.

— Você ainda é uma mulher atraente, Rosi, charmosa, sexy.


E não me venha com essa, seu corpo ainda é um arraso. — Sorri
para ela e afastei meus dedos do seu rosto, para garfar um pedaço
da broa. — Se eu fosse você, usaria aquele vestido azul que deixa
sua cintura mais fina. Duvido esse tal de Joel não babar pelo
mulherão que você é.

Minha mãe riu e maneou a cabeça, a insegurança parecendo


evaporar do seu semblante que se abriu em um sorriso.

— Só você mesmo, filha. Acha que devo usar salto?

— Uma sapatilha é melhor, não? — Finalmente comi um


pedaço do bolo que estava praticamente intocado no prato.

— Bem…

— Aquela preta, ficaria linda.

— Hm…

Pareceu pensar na minha sugestão, até que acabou


assentindo. Bebeu um pouco do seu café, que provavelmente já
estava frio, enquanto eu saboreava o sabor do fubá e queijo da broa
bem-feita. Mas eu deveria ter imaginado que minha mãe não
deixaria passar o meu alheamento, afinal me conhecia muito bem.

— O que está acontecendo, filha? — Pareceu procurar as


melhores palavras. — Sei que prometi não te pressionar e tenho
tentado me conter, mas eu sou a sua mãe. Me preocupa ver você
tão dispersa desde o dia em que você foi na mansão do Estebán.
Soltei um suspiro profundo. Talvez não fosse o melhor
momento para confessar tudo o que estava acontecendo, e acho
que nunca haveria um. Mas não suportava mais guardar aquilo para
mim.

— Jefferson se ofereceu para ser o pai do meu filho — soltei


em um tom baixo, com medo da reação da minha mãe, porém, ao
fitá-la, vi que sua expressão estava completamente neutra, sem
nenhum julgamento.

— Entendo, mas não vejo por que isso te perturba tanto. —


Pronunciou-se tempos depois, ao refletir um pouco sobre a bomba
que tinha dito. — Você precisaria de todo modo um doador, não é
verdade? Muitas mulheres pedem para a mãe ou uma amiga para
serem barriga solidária quando, infelizmente, os tratamentos não
dão certo, então não entendo sua hesitação, Sofia. Sei que você
queria alguém anônimo, mas se Jefferson está tão disposto, não
vejo problema nisso.

— Mas se meu filho se sentir rejeitado, mamãe? Sei que em


ambos os casos, tanto conhecer como não conhecer, pode trazer
dor a criança. — Externei meu medo em voz alta. — Jefferson
mesmo falou que está completamente focado na empresa dele e
que não tem tempo para cuidar e dar atenção a outra vida.
— Você já parou para refletir que está fazendo mal juízo
dele? — Me fitou com seriedade e eu engoli em seco. — Acha
mesmo que Jefferson seria igual ao pai dele? Ronaldo deu mais
atenção para as mulheres do que para o próprio filho. Ao fazer essa
proposta, filha, duvido que ele estivesse sendo desajuizado igual ao
pai. Conhecendo aquele menino como conheço, ele não o fez
levianamente.

Ouvir aquilo foi como receber um soco na boca do estômago


e momentaneamente fiquei sem reação. Só agora consegui
perceber que Jeff, tendo sofrido na pele a falta de amor de Ronaldo,
não daria o mesmo tratamento a um inocente. Tinha sido cruel
demais em fazer tal mal juízo de caráter dele, ainda mais que
Jefferson nunca tinha me dado motivos para tal.

— Posso ver em seu semblante e em seu silêncio que não,


minha filha. — Estalou a língua e me encarou por longos minutos. —
Mas há mais do que a proposta, não há?

Balancei a cabeça em afirmativo. Não havia por que negar


que a oferta ia muito além do que um simples ato de gentileza. Era
absurdo até para mim mesma ouvir que eu tinha ficado incomodada
pelo seu oferecimento.

— Eu o beijei. Nos beijamos várias vezes desde que nos


reencontramos na mansão, e todo o meu corpo está mais do que
disposto a ir para a cama com ele. — Admiti.

Comecei a contar tudo do início para minha mãe, desde o


nosso primeiro beijo até o desejo que sentia quando ele me tocava,
mesmo quando o movimento era apenas corriqueiro. Falei sobre as
flores que ele me deu, do modo como ele me consolou e era
carinhoso comigo, e por fim da festa de logo mais à noite que iria
como acompanhante dele. Claro que escondi os detalhes íntimos
demais.

— Ah, minha filha. — Soltou um suspiro longo. — Que


encrenca você se meteu.

— Pois é… — Coloquei uma mecha do meu cabelo atrás da


orelha, sem jeito.

— Nem sei bem o que falar, Sofia. Você bem sabe que nunca
fui parâmetro em relação aos homens e acho que nunca serei.
Poderia dizer aquele clichê de que ele é um homem rico e que vai
quebrar o seu coração, que só quer te usar e jogar fora, mas isso
nada tem a ver com bolso, mas com caráter. Sou a prova viva disso.

— Isso é verdade, mãe.

— Jefferson sempre foi um bom rapaz e é muito íntegro.


Gentil, um pouco sério demais, mas sempre tratou todos com
respeito, independente do dinheiro que tenha. — Fez uma pausa. —
Por mais cruel que pareça a minha fala, tem um ponto positivo na
ausência de Ronaldo: ele não conseguiu estragar o menino.

— Mãe! — repreendi-a. — Não fale assim.

— É a mais pura verdade, Sofia. Mesmo que ele passe mais


tempo fora e em orgias, nunca conheci homem mais arrogante,
grosseiro e preconceituoso na vida. Por ele, Jefferson e você nunca
teriam tido tanto contato na infância. Ele via com maus olhos.

— Nossa, mãe, não sabia — disse em um sussurro.

Mesmo que isso não tivesse acontecido, meu coração doia


só de pensar em não ter tido o meu amiguinho de infância para
brincar porque alguém achava que eu não era boa suficiente apenas
por ser a filha da empregada. Por não ter tido muito contato com o
homem, não sabia que ele era tão baixo e esnobe.

— Para ele, o jovem teria passado a vida inteira em um


internato no estrangeiro. Estebán e Ilda que interviram. — Externou
sua fúria naquele momento. — Um grande babaca grosseiro. Ele
ainda terá o que merece. Mas voltando ao assunto, filha, Jefferson é
honesto. Pelo que me contou, em momento algum ele mentiu para
você sobre o que ele quer, que é ter prazer e ser o pai do seu bebê.
— Eu sei. — Não tinha como fugir perante a franqueza da
minha mãe. — Mas e se isso não for o suficiente, afinal de contas?
E se eu aceitar a proposta dele e acabar querendo mais do que a
relação de criarmos um filho juntos?

— Você é uma mulher madura, Sofia. Mesmo que venha a se


apaixonar, o que pode acontecer, ainda mais que você está
vulnerável e sensível, tenho certeza que colocará a criança em
primeiro lugar.

Querendo passar essa confiança que sentia, esticou os


braços para poder segurar minhas mãos frias, e esse toque me era
completamente bem-vindo.

— Não posso afirmar e falar que isso vai acontecer, sabe,


filha? O destino só a Deus pertence. Mas o amor de mãe é algo
muito poderoso, muito maior do que qualquer outro que você poderá
nutrir por um homem. Ele te dará forças para superar tudo. Não
tenha dúvidas que você fará e agirá da melhor maneira possível
para o bem do seu filho.

— Obrigada, mamãe. É que faz pouco tempo que saí de um


relacionamento e me questiono se não estou me precipitando.

— Ah, coração, mente e corpo não se preocupam com o


tempo. Mas seja franca consigo mesma, Sofia. Há quanto tempo
não sente esse friozinho na barriga, esse calor gostoso? Somos
livres, menina, até parece que você não teve ficantes antes.

Não resisti e ri do seu comentário, só Rosimeire conseguia


dar leveza a um assunto sério ao relembrar suas peripécias.

Ela estava certa, eu não tinha poder para prever o que


aconteceria e qual seria o rumo dos meus sentimentos, então o
melhor que eu poderia fazer por mim mesma era pegar aquilo que
ele estava me oferecendo. Realmente, conversar com a minha mãe
provou ser a melhor coisa que eu podia fazer. Além de não sentir
mais os meus ombros pesados por esconder algo dela, Rosi me fez
ver muitas coisas sobre outra perspectiva. Mas o que de fato fez
com que eu tomasse minha decisão definitiva, a de me entregar ao
desejo avassalador que eu sentia por Jeff, era ele ter jogado limpo
comigo sobre tudo.

— Então quer dizer que você pretende “ficar” com esse tal de
Joel, dona safadinha? — perguntei, e comi mais um pedaço da
broa.

Minha mãe apenas sorriu, dando de ombros como se o


assunto não tivesse importância, mas seu rosto ficando rubro me
dizia muita coisa. É, esse fim de semana prometia e muito para as
Gouveias.
Capítulo vinte

Sentia minhas mãos suarem frio contra o volante. A


ansiedade e a excitação por pensar que em pouco menos de meia a
hora eu a veria me corroía por dentro. Nunca os dias me pareceram
passar tão lentamente. Minha concentração no trabalho parecia ter
evaporado e, diferentemente do que eu pensava, não me importava
nem um pouco. Ao contrário, me sentia completamente vivo e louco
para beijar novamente aqueles lábios rosados e saborosos,
terminando o jogo que tinha começado. E nada me dava mais
prazer do que saber que essa noite eu a teria completamente
entregue debaixo de mim, fazendo-a de vez a mãe do herdeiro que
eu precisava. Até mesmo me daria o luxo de não trabalhar no dia
seguinte. Queria passar a madrugada, a manhã e a tarde inteira
amando-a, antes que ela fosse assumir o plantão.

A perspectiva era completamente deliciosa. Nunca desejei


tanto alguém na minha vida com tal intensidade, e não era tolo para
ficar me enganando ao dizer que somente uma única vez bastaria,
estranhamente sabia que não. As noites que passei completamente
excitado eram a prova disso, ainda mais quando minha mente
perversa a imaginava se tocando, acariciando, dando a si mesma o
prazer que eu tinha negado dar a ela quando a deixei na cama,
imagens que me induziram a me masturbar, buscando um pouco de
alívio, mas que acabou não vindo, me tirando do eixo.

A menininha que eu brincava tinha crescido e hoje me


despertava sentimentos estranhos, fazendo com que até mesmo
abrisse mão do trabalho e do meu tempo. Não sei por que pensar
nisso fez com que eu recordasse de algumas ladainhas do meu avô
sobre o assunto de como a mulher certa faria com que
repensássemos as prioridades e algumas coisas da vida, e
automaticamente apertei o volante quando isso foi como levar um
soco na boca do estômago.

Sofia, a pequena Chaveirinho, sempre foi a mulher certa?, foi


impossível não me fazer essa pergunta enquanto eu entrava no
viaduto que me colocaria em outra via. Não, não me deixaria levar
pelas tolices do meu avô. Só porque ele viveu um grande amor, não
queria dizer que eu queria o mesmo. Era apenas prazer e ter um
herdeiro, nada mais.

Então porque estava insano não só por sentir seu corpo nu


de encontro ao meu, mas também pelo depois, por ficar abraçado,
por conversar, ouvir a risada melodiosa, admirá-la em seu sono,
coisas que Estebán tinha falado que eu faria com a “escolhida” do
meu coração?

Merda! Não era hora de deixar-me levar pelas premonições


infundadas do meu avô.

Mas você estaria ligado a ela para sempre pelo bebê,


sussurrou o meu lado perverso. Que tal manter aquela gostosa na
sua cama por toda vida? Você gosta dela, não é mesmo? Junte o
útil ao agradável.

Maneando a cabeça, buscando afastar a tentação


momentânea de ter a loira angelical e, ao mesmo tempo, fogosa
para sempre em minha cama, respirei fundo várias vezes buscando
meu autocontrole. Quando estacionei o carro na garagem, me sentia
bem mais recomposto e seguro. Removendo o cinto, curvei-me em
direção ao porta-luvas e peguei um embrulho pequeno, colocando-o
no bolso da calça social. Ajeitando minha gravata borboleta e
fitando-me brevemente no retrovisor, tomei coragem e fui buscá-la
no seu apartamento.

Enquanto eu a esperava abrir a porta, por mais que não


quisesse, me sentia nervoso, toda calma e controle que a duras
penas tinha conseguido juntar, reduzidas a pó. Mas toda minha
impaciência e inquietação transformou-se no mais puro desejo e eu
senti minha boca secar quando a vi. Em um vestido vermelho longo
de veludo com uma pequena fenda lateral, expondo a perna
torneada, e um decote que mostrava toda a pele cremosa e suave
dos ombros e o topo dos seus seios, Sofia estava exuberante. Os
cabelos estavam presos em um coque com algumas mechas
emoldurando seu rosto, deixando-o delicado, mas eram seus lábios
vermelhos que sorriam para mim que eram a minha maior perdição.

Porra, como conseguiria manter a minha mão, boca e corpo


longe daquela mulher? Não pensei muito nisso, só o agora me
importava. Saindo do transe proporcionado por ela, pegando
Chaveirinho de surpresa, colei nossos corpos e envolvi a sua cintura
com pressão, um som baixinho escapando dela. Inclinei minha
cabeça e tomei sua boca em um beijo lento, mesmo estando faminto
por ela, provando a sua doçura, seu gosto, embriagando-me nela.
Apertando-a ainda mais contra a minha rigidez, mordisquei os lábios
cheios ao mesmo tempo que com a ponta da língua pedia
passagem para a sua cavidade morna e saborosa, a qual ela
concedeu ao gemer. Não me fiz de rogado e, perdendo a noção de
tempo e espaço, a beijei sem pressa, marcando-a como minha, meu
corpo todo reagindo ao contato do seu, aos gemidos, sons que
emitimos, até que nos lembrássemos da necessidade de ar.

Queria muito deslizar minha boca pela extensão do seu


pescoço alvo até chegar ao colo, deixando uma trilha de beijos e
mordidas, degustando do sabor da sua pele, mas minha barba
acabaria arranhando-a, e não podia levá-la ao evento cheia de
marcas avermelhadas. Ela me mataria primeiro. Droga,
definitivamente não queria ter que comparecer àquele compromisso.

Afrouxando o aperto, ela deu um passo para trás e ergueu o


queixo, fitando-me com seus olhos claros brilhantes de excitação.
Não resisti e, erguendo a mão, passei o polegar pelos lábios que
tinha acabado de beijar.

— Você está deslumbrante, sabia?

— Com a maquiagem completamente borrada, com certeza.


— Fez uma careta e me deu um tapinha no peito. — E é
completamente culpa sua.

— Vai me dizer que não gostou?


Desfiz a distância entre nós e enlacei sua cintura novamente,
não resistindo em tirar uma casquinha, passando minhas mãos pelo
seu corpo. Ela estava deliciosa demais para que eu conseguisse
resistir.

— Eu não disse isso, Grandão. — Um sorriso brincou em


seus lábios ao ficar nas pontas dos pés e enlaçar meu pescoço com
seus braços finos. — Gosto dos seus lábios e beijos.

— Só disso, é? — Fingi decepção e fui brindado com um


selinho, que fez com que o meu corpo todo reagisse ao pequeno
contato e, sem perceber, acabei falando em voz alta: — Confesso
que tenho adorado tudo em você, e estava morrendo de saudades
de olhar em seus olhos, sentir seu cheiro, sua pele e seu gosto. E
estou contando os minutos para tê-la por completo.

— Jeff…

Mordeu o lábio superior ao me fitar por um bom tempo, e eu


não pude deixar de achá-la ainda mais sexy. E embora a achasse
completamente desejável assim, o que realmente me excitava era a
ideia de que eu era um homem de sorte simplesmente por ter
aquela mulher me dispensando atenção e retribuindo meus beijos e
toques com o mesmo fervor, o que era pura insanidade.
— Preciso retocar a maquiagem agora, Jeff, se não vamos
atrasar demais. — Desvencilhou-me de mim e, sem esperar
resposta, afastou-se nos seus saltos em direção ao banheiro,
dando-me uma visão completa do seu traseiro delicioso emoldurado
pelo vestido justo, bem como da nuca elegante e parte das costas
que não tive a oportunidade de beijar ainda, algo que desejava e
muito remediar, torcendo para que fosse uma zona erógena nela.
Sem escolha a não ser esperar, caminhei até o sofá, sentando-me
sem me preocupar em amassar o smoking. Puxei a caixinha do meu
bolso, fitando o invólucro preto. Estava inseguro. Ela iria gostar?
Será que eu tinha exagerado ao comprá-lo? A imagem dela usando
o vestido vermelho voltou a minha mente e pensei que o presente
que tinha comprado não poderia ser mais do que perfeito.
Ressaltaria e muito a curva suave do seu pescoço, deixando-a
ainda mais bela, como se isso fosse possível.

— Melhor assim. — Sofia comentou ao voltar longos minutos


depois, e confesso que não vi nenhuma diferença nela. — Estou
pronta. Vamos?

— Ainda não.

Balancei a cabeça e, como se tivesse uma mola em meu


corpo, ergui-me rapidamente do assento e caminhei até ela,
parando a poucos centímetros de distância.
— O que é isso? — Apontou para aquilo que eu segurava.

— Para você, Chaveirinho. Espero que goste.

Um pouco ansioso, abri a caixinha contendo o conjunto de


brincos e a fitei, querendo ver a sua reação. Vi que ficou com os
dedos trêmulos ao tocar a joia e emitiu um suspiro, que não soube
decifrar se era de agrado ou não.

— São lindos, Jeff — sussurrou, emocionada, parecendo


fascinada pelo pequeno diamante em formato de gota na ponta. —
Não precisava ter se dado o trabalho em comprá-los.

— Fico feliz que tenha gostado — disse em um meio sorriso,


aliviado quando ela ergueu a mão e começou a remover os que
estava usando, colocando-os em uma mesinha próxima.

— Se gostei? Deixe de ser besta, Grandão, eu amei. —


Sorriu e tudo pareceu se iluminar dentro de mim enquanto ela
pendurava os diamantes nas orelhas. — Tenho certeza que quando
vir, minha mãe vai endoidar e pedir emprestado.

Ri do seu comentário, imaginando a senhorinha baixinha


pirando ao ver a joia e a usando. Talvez eu tenha que comprar algo
mais extravagante para minha sogra. Sogra. Deus, onde o meu
encantamento por Sofia estava me levando? Não queria saber, não
agora, embora não pudesse negar que, se eu tivesse um filho com
Chaveirinho, minha vida estaria ainda mais entrelaçada à sua. Dona
Rosi tinha sido quase que uma tia para mim, e sempre eu teria um
carinho especial por ela.

Empolgada, sem perceber meu desconcerto momentâneo,


tirou a caixinha vazia das minhas mãos e, aproveitando a situação,
puxou-me contra ela, colocando minhas mãos nos seus quadris e
novamente envolvendo o meu pescoço.

— Como fiquei? — Balançou a cabeça lentamente para que


eu visse como os pendentes ficaram.

— Linda, boneca, mas você nem precisava deles para ser


deliciosa. — Sussurrei essa última palavra em seu ouvido, e pude
perceber os pelinhos dela se arrepiarem. — Serei o homem mais
invejado, com certeza.

— Hm… Estou gostando de ouvir isso… — Sorriu.

— Mas o que eu realmente gostaria de estar fazendo agora é


removendo lentamente cada peça. — Fiz uma pausa. — Com
certeza preferia você nua!

— Jeff… — A vi ficar um pouco vermelha, principalmente


pelo olhar de fome que lancei para ela, fitando o decote que atiçava
a minha imaginação. Oh, sim, iria lamber e beijar aquele corpo
inteiro.

Com um sorriso lento, me afastei dela, removendo sua mão


de mim e estendendo a minha, mas não sem antes beijar a sua
têmpora, não os lábios, para não manchar novamente seu batom, e
entrelacei nossos dedos.

— Vamos, Chaveirinho? Estamos atrasados.

Com o canto do olho, vi ela assentir fracamente e pegar a


bolsa de mão em cima da mesinha, completamente trêmula. Desejei
que os minutos passassem o mais rápido possível.
Capítulo vinte e um

— O que está achando, Sofia? — sussurrou no meu ouvido e


eu senti uma descarga elétrica percorrer o meu corpo, arrepiando-
me.

Era estranho pensar que apenas sua voz baixinha era capaz
de despertar tamanho desejo em mim, deixando-me completamente
à sua mercê. Mas não podia negar que a ânsia se potencializava
pelo olhar de fome que ele me lançava e os pequenos toques que
dava em mim. Mas tentei me concentrar na sua pergunta.
— Bom, mal chegamos e já estamos na pista de dança. Você
nem falou com ninguém direito — acariciei seus ombros com uma
mão, enquanto nos movíamos lentamente e tentava segurar a bolsa
com a outra —, precisa de mais foco nos negócios.

Jefferson riu alto, chamando a atenção de algumas pessoas,


e deslizou as mãos pelas minhas costas, me trazendo mais contra
si. Mesmo que apreciasse e muito sentir a rigidez do seu corpo
contra o meu, quase nos fundindo, sabia que naquele local era algo
completamente impróprio.

— Jefferson, aqui não — falei baixinho, ralhando, quando


seus dedos chegaram perigosamente próximos a minha bunda.

— Não vejo o porquê disso. Sabe que não consigo deixar de


tocá-la. — A voz rouca era pura sensualidade.

— As pessoas…

— Só vão pensar que sou um namorado indiscreto, um noivo


apaixonado. — Fez uma pausa. — O que é completamente
compreensível no meu ponto de vista. — Lançou um olhar para o
meu decote.

Refém da luxúria e desejo que via em seus olhos negros,


meu cérebro não tinha conseguido filtrar bem as suas palavras com
rapidez, demorando um pouco para processar. Namorado? Noivo?
De onde ele tirou isso?

— Jeff, não é assim — murmurei em um tom quase inaudível.

— Assim, como? — Apertou-me mais contra si.

— Tudo bem que você me trouxe como sua acompanhante


— tentei buscar as palavras certas —, mas isso não faz de nós um
casal.

— Não, Chaveirinho? — Parou de dançar e levou a mão ao


meu rosto, segurando-o para que eu fitasse seus olhos que
brilhavam perigosamente. Nunca tinha visto tanta determinação em
uma única pessoa. — Preciso mostrar para você que está
completamente errada.

Arrancando de mim um arfar, sem preocupar-se com as


pessoas que nos cercavam, seus lábios tomaram os meus com
volúpia e eu retribuí com a mesma intensidade, fechando os meus
olhos, ignorando tudo ao redor. Diferente de todos os outros homens
que já tive, Jefferson me fazia amor com os lábios, completamente
entregue ao que sentia. Deixei-me levar pelas sensações
embriagantes daquele contato lento de bocas, da ternura e fogo que
nos consumiam.
Mas assim que deixei de escutar a música, Jeff interrompeu o
beijo me dando um breve selinho, e embora pudesse ver a fome
nele, havia também seriedade.

— Estamos juntos, Chaveirinho — falou com tanta convicção


que acabei assentindo em concordância, segurando a bolsinha com
força. — Você querendo ou não.

Ele tinha me desarmado por completo apenas com palavras


doces e beijos quentes. Enquanto ele se desvencilhava de mim e
pousava as mãos nas minhas costas, guiando-me para não sei
onde, tive que dar razão a Jefferson em um ponto: era eu que
estava mais do que disposta a ir para a cama dele essa noite. Se
era um caso, sexo casual ou qualquer outra coisa não importava, de
fato estávamos juntos. E se o modo como parecíamos famintos um
pelo outro fosse indicação de algo, nossa “relação” duraria por um
bom tempo.

Estávamos nos aproximando dos locais onde haviam várias


mesas imaculadamente brancas, e só então percebi que ele estava
nos conduzindo na direção de um homem moreno e alto que estava
sentado de mãos dadas com uma mulher ruiva extremamente bela.

— Esse é o estrangeiro dono de uma das maiores empresas


de logística da América Latina e preciso conseguir uma reunião com
ele a todo custo. Dizem que ele é muito difícil, seletivo e
principalmente severo — sussurrou baixinho para que apenas eu
ouvisse. — Confesso que estou bastante receoso. Não sabe a sorte
que tive pelos organizadores colocá-lo na mesma mesa do que a
gente.

— Tenho certeza que vai dar tudo certo — tentei passar


confiança —, você faz um trabalho sério na Comer Bem e todos
sabem disso. Eu estou com você.

— Obrigada, Sofia. — Falou com a voz aveludada e assim


que paramos em frente aos nossos lugares, ele virou-se para os
dois, com um gesto educado.

— Boa noite a todos — cumprimentou os presentes em


espanhol e eu fiz o mesmo, sorrindo, chamando a atenção dos dois.
— Com licença.

— Toda. — O moreno balançou a cabeça em assentimento.

Cavalheiramente, Jefferson afastou a cadeira para que eu me


sentasse, e antes de fazer o mesmo, pegou minha mão e plantou
um beijo no dorso que arrancou um suspiro da ruiva.

— Senhor? — a ruiva o chamou. Nos olhava com


curiosidade, fitando-me com interesse.
— Jefferson Richelme, e essa é minha namorada, Sofia
Gouveia, futura noiva, em breve — quando ele me apresentou como
a sua futura mulher tive que me conter para não virar para ele e
fazer uma careta, questionando-o. Por hora continuaria vivenciando
sua mentira —, prazer em conhecê-la, senhora Rodriguez. Senhor
Rodriguez.

— Joana, por favor. E pode chamar meu marido somente de


Hernán, não é, querido?

A mulher sorriu, parecendo ainda mais radiante, e fitou o


homem que a encarava com certa devoção. Romanticamente,
segurou o rosto dela em seus dedos, parecendo não se importar
nem um pouco comigo e com Jeff presenciando a cena.

— Detesto formalidades, nunca poderei me acostumar a elas.


Por mais que eu tente encaixar-me, acho que nunca o conseguirei
por completo — ela continuou.

Riu do seu próprio comentário e instantaneamente me senti


confortável na presença dela. Era reconfortante saber que eu não
era a única que me sentia um pouco ofuscada com a luxuosidade e
as pessoas que estavam no local.

— A única coisa que me interessa de fato é o modo como


você se encaixou e se enraizou em minha vida, mi amor.
Pegando-me a mim e provavelmente Jefferson de surpresa,
não só pelas palavras românticas, já que o Grandão tinha dito o
quão o homem era rígido, o tal de Hernán deu um beijo na esposa
que poderia ser chamado de qualquer coisa, menos de inocente, o
que fez com que ela ficasse completamente ruborizada.

— Então você que é o tal de Jefferson Richelme — o homem


afirmou depois de apartar-se dela, como se nada demais tivesse
acontecido. Imperturbável, virou-se para Jefferson e estendeu a
mão para ele, a qual meu acompanhante para lá de mentiroso
apertou sem hesitar. Com o canto do olho pude perceber que Jeff
aparentava calma e normalidade. Incrível! — Todos com quem
conversei me disseram que você está interessado em expandir seus
negócios para outros países.

— Daqui a dois meses, inaugurarei uma nova fábrica no Rio


Grande do Sul, que se juntará as que tenho em Roraima e Alagoas.
Além de abastecer esses mercados regionais, vejo muito potencial
em comercializar os alimentos na Argentina, Uruguai e Bolívia —
começou a explanar, e os homens entabularam uma conversa de
negócios, o que fez Joana revirar os olhos.

Como não tinha muito interesse no assunto, fitei algumas


pessoas que estavam ao redor e beberiquei um pouco de água que
o garçom me serviu.
— Esses nossos homens não pensam em outra coisa a não
ser negócios — Joana balançou a cabeça em negativa e deu um
sorriso cúmplice —, um assunto tão entediante! Mas é um preço
baixo que a gente paga por amá-los, não é mesmo?

— Verdade — comentei. Joana achava que eu era a futura


esposa de Jefferson, então era normal que concluísse que eu o
amava. Sem saber muito bem o que dizer, falei a primeira coisa que
me veio à mente, uma meia verdade que não traísse tanto a nossa
real situação. — Faz parte de quem eles são, talvez não fôssemos
tão apaixonadas por eles se fossem diferentes.

— É... — pareceu pensar um pouco ao beber seu suco —,


tem razão. Pelo menos temos eles só para nós durante a noite.

Olhou para o homem ao seu lado, que parecia menos severo


na minha visão, e tocou a mão dele que estava sobre a mesa. Ele
entrelaçou os dedos nos dela enquanto ainda estava absorto na
conversa com Jefferson.

— Ou quase isso. — Fez uma careta e eu não contive o riso.

Literalmente, Joana era uma completa figura. Em poucos


minutos, parecíamos que éramos duas velhas conhecidas, falando
sobre assuntos triviais que fugiam e muito da raia de
relacionamentos, o que tinha que dar graças, já que eu me sentiria
desconfortável em ficar contando meias verdades e mentiras a uma
mulher tão doce, generosa com o seu trabalho voluntário e simples.
Não precisava ser muito inteligente para saber o porquê o grande
magnata dos transportes caiu de amores por ela. A senhora
Rodriguez, embora tivesse brincado que o marido trabalhava
demais, era versada em vários assuntos, inclusive economia, algo
que me surpreendeu principalmente ao saber que teve uma
educação simplória no México.

Estava tão absorta, que nem mesmo notei que outro casal
tinha se juntado a nós à mesa até o homem se alardear, e
descobrisse que era alguém bastante conhecido.

— Jefferson, filho, não sabia que você vinha. Costuma ser


um maldito careta — estalou a língua, fazendo a sua acompanhante
soltar uma risadinha histérica, se sentando e chamando a atenção
de todos nós. — Deveria ter te dado uma educação melhor.

Com o canto do olho, vi Jefferson ficando tenso e,


procurando acalmá-lo, segurei sua mão por debaixo da mesa e
entrelacei nossos dedos, confortando-o.

— Ronaldo. — Disse com uma voz um pouco mais grossa, e


pude perceber o quanto ele estava irritado.
— Oh! Vejo que trouxe a filhinha da empregada com você —
ele era puro desdém.

Ronaldo balançou a cabeça em negativa, mas eu me mantive


firme, dando a ele um sorriso cínico quando me olhou com
depreciação, como se eu não devesse estar ali. O que a minha mãe
disse sobre o pai do Jefferson voltou a minha mente e, ao invés de
me sentir para baixo pela ofensa, eu senti apenas indiferença
perante a sua crueldade. Não me deixaria abalar por causa de uma
cena ridícula que ele estava fazendo, além de não querer que
acabássemos sendo alvo de fofoca na manhã seguinte, já que o
evento contava com a presença da imprensa. Ronaldo, de fato, não
valia a pena. Ele poderia ser um homem atraente e ter muito
dinheiro, mas diferentemente do filho, era um poço de arrogância.

— Ah, Jeff, ela pode ser gostosinha, mas nunca foi do nosso
calibre. — Deu de ombros. — Você deveria parar de ficar de casinho
com essa ralé. — Destilou seu veneno, fazendo a outra rir ainda
mais.

— Desgraçado! — Jefferson estava prestes a se levantar,


seus dentes trincados, mas eu apertei a mão dele com mais força,
fazendo com que ele ficasse sentado.

— Deixe para lá — curvei-me para Jefferson e sussurrei na


sua orelha. — É só um mosquito chato zumbindo. Não vamos deixar
ele acabar com uma noite tão agradável e nem com os negócios
que você estava fazendo.

— Nunca vi com bons olhos você ficar andando para cima e


para baixo com essa fedelha. É vergonhoso para todos nós
Richelmes.

— Acha mesmo, senhor? — Antes que eu ou Jeff


pudéssemos dizer alguma coisa, retrucando que era ele quem
levava para a lama o nome dos Richelmes, Joana trouxe a conversa
para si, com uma frieza que me surpreendeu.

Fitei a mulher ruiva, que parecia completamente arrogante


em suas joias e fitava Ronaldo com desdém enquanto Hernán
segurava a mão dela e levava aos lábios. O homem tinha uma
expressão sombria no rosto, e se eu fosse o pai do Jefferson ficaria
calado.

— E quem é você? — Ronaldo perguntou arrogantemente


para a mulher.

— Ah — levou a mão livre a boca em um gesto cômico —, a


mulher que limpava as privadas do magnata aqui — apontou para
Hernán, virando-se para o homem que amava —, a atual, e para
sempre, senhora Hernán Rodriguez, não é amor?
— Não tenho nenhuma dúvida disso, amor — plantou outro
beijo nela —, e gentilmente o convido se retirar, senhor. Você
ofendeu a minha esposa.

— E… Eu... — o pai de Jefferson gaguejou, com certeza o


nome do empresário era importante demais para temê-lo.

— Vá, Ronaldo, mas saiba que não deixarei barato você falar
assim da Sofia — Jefferson disse entre dentes, mesmo que eu
tivesse falado que não me importava.

— Veremos quanto tempo durará seu conto de fadas com a


“gata borralheira”. — Riu ao se levantar, fazendo sua acompanhante
gargalhar.

Depois que ele se foi, ficamos em um silêncio constrangedor


durante alguns minutos até que Jefferson o quebrou: — Desculpe
por isso — estava com vergonha —, pelo constrangimento. Não é
um bom modo de começar uma parceria de negócios.

— Não se preocupe — Joana sorriu com ternura ao olhar


para o marido e Hernán retribuiu. — Não seria esse pequeno
incidente que faria com que meu magnata desistisse dos negócios.
O importante mesmo para ele é o lucro!
Todos nós rimos do seu comentário, ainda mais quando o
homem tentou contradizê-la em tom de brincadeira, tornando o
clima confortável e agradável. Logo nossos acompanhantes
retomaram a conversar sobre o transporte de alimentos e eu e
Joana sobre como ela tinha conhecido Hernán e fisgou aquele
recluso, uma história bastante curiosa e linda.

Apesar de tudo, Ronaldo não tinha estragado a noite com


suas ofensas.

Quando deixamos o evento horas depois, com Jefferson


segurando a minha cintura com posse, fazendo com que me
arrepiasse só de me tocar, tive certeza de que minha madrugada
seria ainda muito melhor. O beijo que ele me deu ao me encostar
contra a lataria do carro dele era a prova viva disso.
Capítulo vinte e dois

— Me desculpe não ter feito nada para te defender,


Chaveirinho — sua voz tinha um quê de tristeza, mesmo estando
rouca de desejo, e isso me doeu um pouco —, eu não podia fazer
um escândalo, por mais que eu quisesse. Porra, me sinto péssimo
por isso! Sou um careta mesmo.

Merda, ele tinha passado o restante da festa se remoendo


pela ofensa de Ronaldo.
— Hey, Grandão. — Segurei o seu rosto com meus dedos e o
fiz me encarar, mesmo que com a semiescuridão da rua eu não
pudesse ver perfeitamente sua expressão. — Não fale assim de
você mesmo. Já disse que está tudo bem, e que o ocorrido não me
importou nenhum pouco. A noite foi ótima.

— Mas, eu…

Interrompi-o ao beijar seus lábios suavemente, apenas para


que ele parasse de falar. Quando ele tentou intensificar, me
prensando ainda mais contra o carro, apartei-me, mas apenas para
deixar uma trilha de beijos pela sua mandíbula sem me preocupar
com a barba rala, e fui deixando um rastro úmido pela sua pele,
mordiscando seu pescoço. O grunhido emitido por ele, bem como o
seu pênis ficando cada vez mais excitado contra mim, era a
resposta que eu desejava. Tudo o que realmente me importava era
que ele cumprisse a sua promessa de fazer amor comigo essa
noite, algo que passei a festa inteira ansiando. E não queria que
nada se colocasse entre a gente.

— Você não me disse que mora próximo daqui? — disse,


passando a língua pela extensão da sua garganta. Sentir o sabor da
sua pele intensificou ainda mais o meu desejo, que havia crescido
apenas com o beijo que ele me deu anteriormente.
Queria prová-lo de diferentes formas, dando vazão à mulher
que eu sabia que seria em seus braços. E não me restava dúvida
nenhuma de que Jefferson me amaria com intensidade, fome e
paixão desenfreada. Desejava-o sem pudores ou amarras, e o
queria completamente à minha mercê, assim como eu me
entregaria.

— Hm? — Jogou a cabeça para trás quando deixei minha


marca nele na base do seu pescoço. Aquele homem despertava
meu lado mais devasso e parecia não se importar nenhum pouco
com isso, pelo contrário, ele se esfregou ainda mais em mim, em
uma amostra do que estava por vir.

— Me leve para sua cama, para o seu sofá, para onde você
quiser, Jeff — murmurei em um tom de voz ainda mais rouco —, por
favor. Aqui é público demais até para beijos.

Meu último comentário pareceu fazê-lo recobrar um pouco de


razão e, com um gemido, se afastou de mim, mas não sem antes
me dar um beijo na comissura dos lábios. Meu corpo protestou por
não sentir mais o dele contra o meu. Abrindo a porta para mim,
adentrei no veículo e coloquei o cinto, assistindo ele fazer o mesmo
minutos depois.

— Eu perco completamente a razão e o senso quando você


me toca, Sofia — disse em tom de confissão enquanto dirigia pelas
ruas completamente desconhecidas, o que me deixou ainda mais
mole de excitação. Jeff conseguia me incendiar apenas com
palavras.

— Nunca senti isso com tanta intensidade, com tanta força.


Deus, Chaveirinho, você é a minha perdição — completou.

— Jeff…

Mordi os lábios quando ele aproximou a mão da minha coxa


e foi dedilhando até parar próximo demais da minha feminilidade.
Desejei que ele continuasse seu caminho e, ousadamente,
friccionasse seu dedo sobre o tecido do vestido e da calcinha,
deixando-me ainda mais úmida e ansiosa por ser preenchida. Não
podia negar que gostava e muito de ser provocada daquela forma.
Só de pensar nele me tocando assim, sentia algo contrair dentro de
mim, um movimento involuntário. Mas Jefferson parecia
completamente alheio aos meus desejos.

— E sabe o engraçado de tudo isso? — Riu, parecendo mais


dizer para si mesmo do que para mim. — Estou apreciando e muito
o fato de ser cativo desse sentimento, de me sentir vivo como nunca
antes. Estebán tinha razão…

As palavras não ditas dele pairavam no ar, bem como seus


significados, pois, estranhamente, igual a ele, novas sensações
dentro de mim eram despertadas, e podia afirmar que Jeff me
deixava mais consciente de mim mesma, do meu poder de sedução,
que tinha pouco a ver com a outra Sofia doce, a que ansiava por ser
mãe.

Perdida em pensamentos, senti minha pele se arrepiar e um


calor líquido me varrer quando, para minha surpresa, Jefferson me
tocou, roçando suavemente o dorso da mão lá embaixo, e eu gemi
ainda mais quando brincou, friccionou com pressão, os tecidos
formando uma barreira torturante. Remexia-me no assento,
querendo mais, que não houvesse nada entre meu ponto de prazer
e seu dedo. Eu era puro instinto e, guiada por ele, fechei os olhos e
pousei minha mão sobre a sua, ajudando-o com a carícia que só
fazia com que a ânsia crescesse dentro de mim. Mas o que era
bom, logo terminou, e assim que ele parou com seus movimentos,
afastando a minha mão, um choramingo escapou de mim.

— Chegamos, Chaveirinho — mordiscou a pontinha da minha


orelha, um calafrio me varrendo com o calor da sua boca em uma
região tão sensível —, vamos.

Abri meus olhos e, trêmula, o vi deixar o veículo e vir abrir a


porta para mim, removendo meu cinto e ajudando-me a sair.
Enquanto me conduzia pelo caminho, eu sentia o calor da sua
palma contra as minhas costas, o deslizar de seus dedos até a base
da minha coluna e nádegas.
Assim que entrei na casa dele, mal tive tempo de processar o
que eu via, pois Jefferson, depois de trancar a porta, virou-me e me
prensou contra ela, beijando-me com uma intensidade, fome e
desejo que roubou o meu ar. Arfando, mole e entregue, ele
aproveitou o entreabrir dos meus lábios e adentrou com a língua na
minha cavidade, provando cada recanto, degustando-me,
aumentando e diminuindo o ritmo que me tomava. Suas mãos
deslizaram pela lateral dos meus seios até encontrar minha cintura,
e seu sexo excitado pressionando contra o meu me deixava
completamente sedenta. Não conseguia me recordar se já tinha
experimentado tamanha pegada. Provavelmente não.

— Ah, Sofia, você é muito gostosa — disse com rouquidão,


tocando a minha bochecha com os lábios — Suave, cheirosa,
responsiva e minha. E eu me entrego completamente a você, amor.

— Jeff. — Me arqueei ainda mais contra ele, quando afastou


meus cabelos para um lado, trilhando um caminho de beijos pelo
meu queixo e pescoço, até alcançar a base da minha garganta, a
qual dei acesso para que ele mordesse o local depois de ter sugado
e lambido. Sua barba me arranhando aumentava ainda mais minha
excitação. Não me importava se ficassem marcas, daria um jeito de
cobri-la depois com base. Tinha certeza que eu deixaria também
algumas nele.
Equilibrando-me precariamente em meus saltos, dei graças
pelo seu corpo e a madeira me servirem de apoio. Levei minha mão
aos cabelos curtos e os puxei, trazendo seus lábios de volta para a
minha boca. Segurei os fios com mais força quando ele mordiscou
meus lábios, me fazendo entreabri-los para ele. Meu gesto pareceu
incentivá-lo e enquanto se inclinava para encontrar o melhor encaixe
do nosso beijo, suas mãos seguraram o tecido do meu vestido e
começou a subi-lo. Com a minha mão livre, ajudei-o, e fazendo
alguns malabarismos enquanto nossas bocas não se descolavam
uma da outra, ele conseguiu erguer os meus braços e removeu a
peça. Me deixando apenas com a pequena calcinha de renda
vermelha e saltos altos, se afastou, dando alguns passos para trás,
e embora eu resmungasse em protesto, meu corpo todo reagiu ao
olhar dele que percorria lentamente cada pedacinho de pele
exposta.

Seus olhos brilhavam feito duas ônix pretas e o sorriso


preguiçoso que se formava em seu rosto, completamente lascivo,
era de apreciação e satisfação, bem como os grunhidos que emitia,
o que me deu uma coragem que nem sabia que tinha. Sob o seu
escrutínio, levei a mão à minha calcinha, passando o dedo pelo
elástico, adentrando o tecido fino rendado para encontrar os meus
grandes lábios. Comecei a brincar com eles sem me penetrar,
querendo observar sua expressão pela minha ousadia.
Jefferson não me decepcionou. Sua respiração parecia ficar
cada mais acelerada, seu olhar cada vez mais intenso de desejo
enquanto me assistia. Removeu o terno, a gravata borboleta e
começou a abrir os botões da sua camisa. Nunca me senti mais
poderosa e isso me deu coragem para penetrar-me com o meu
dedo. Encontrei o meu clitóris inchado pelo desejo, e não hesitei em
esfregar com movimentos lentos. Fiquei assistindo-o se despir e
admirei seu torso bem definido exposto para mim.

Deus, os ombros largos, os músculos poderosos dos braços


e seu abdômen trincado era uma imagem por si só deliciosa, e sem
pudores, eu me masturbei enquanto ele não perdia nenhum detalhe,
aumentando o ritmo com que massageava o meu ponto de prazer.
Fechei os olhos quando as ondas de excitação ficaram mais
intensas, meu movimento cada vez mais rápidos. Já ia levar uma
mão aos meus seios, quando ele segurou tanto a mão com que me
tocava quanto a outra, me impedindo de continuar. Tentei me mover,
em busca do meu próprio alívio, mas a força que ele aplicava não
deixava. Frustrada, fitei-o e vi seu rosto em uma expressão
completamente de predador. Ele rilhava os dentes e pude sentir, ao
arquear minha pelve contra ele, o quanto estava rígido debaixo da
calça, pronto para me penetrar.

— É a minha vez, Sofia. — A voz rouca me fez ficar mole.


Sem me dar tempo de reagir, levou uma mão à minha cintura
e outra às minhas costas, e pegou-me no colo. Eu aproveitei para
alisar seus ombros, sentindo todos seus músculos reagindo ao meu
contato. Tudo nele era tensão e eu sorri contra ele, me sentindo
vitoriosa. Era eu a razão da sua excitação.

Me sentando na beirada do sofá com suavidade, ficou me


fitando. Ele então se inclinou contra mim e me beijou. Mas,
contrariando o nosso senso de urgência, foi um beijo lento, um
contato tão suave e gentil, que eu soube que a satisfação tão cedo
viria. Ele tomaria todo o tempo do mundo para me fazer sua, para o
meu desespero. Tentei intensificar os movimentos ao pedir
passagem com a língua, mas ele não concedeu, grunhindo uma
espécie de negativa. Fechei os olhos quando levou uma mão ao
meu seio, segurando-o em concha, seu polegar traçando pequenos
círculos na minha auréola sensível, deixando o bico excitado ainda
mais rígido, o toque fazendo meu ventre se contrair.

— Jeff — consegui pronunciar seu apelido quando


novamente ele começou a trilhar um caminho de beijos pela minha
pele, sua respiração quente e a umidade da língua arrepiando meus
pelinhos.

— Olhe para mim, Chaveirinho — ordenou com a voz suave.


— Quero ver todas as nuances percorrerem seus olhos enquanto te
dou prazer.
— É tão mandão assim, Grandão? — Arfei quando ele puxou
de leve o meu mamilo, arqueando-me contra seu corpo.

— Estou descobrindo meus gostos com você. — Levou a


mão para o outro seio, brincando com ele com a mesma lentidão.

— Hm…

— Abra os olhos.

Mordiscou a minha orelha, tomando cuidado com os brincos


que ainda usava, como forma de me convencer a fazer o que
queria. Mas só o fiz quando Jeff deixou de me tocar e fitei seus
olhos escuros. Parecendo satisfeito, curvou-se novamente e,
pegando-me desprevenida, lambeu o vale dos meus seios,
descendo até o meu umbigo e subindo novamente, a língua quente
eriçando-me. Sentir os pelinhos da sua barba contra minha pele era
mais delicioso que eu poderia imaginar.

Observá-lo me degustando dessa forma era um afrodisíaco, e


quando ele envolveu o bico do meu seio e tomou-o em sua boca,
enquanto a outra mão massageava o mamilo direito, eu joguei a
minha cabeça para trás, me sentindo prestes a explodir.
Estimulando-o, sugando-o, traçando círculos lentos, ergui os meus
quadris um pouco, mesmo que o corpo dele limitasse meus
movimentos, e lentamente, com ele consciente do que iria fazer,
abaixei minha calcinha úmida, deixando meu sexo exposto e levei
meus dedos ao local.

Dessa vez, ele não me impediu. Pelo contrário, soltando um


grunhido, enquanto ele brincava com meus seios, os mordiscando,
torcendo e sugando, eu me penetrei com um dedo, sentindo-me
completamente excitada, e comecei a movimentar, só que,
diferentemente de Jeff, eu era mais ágil, adotando um ritmo
alucinado, pois não aguentava mais a tensão no meu baixo ventre.

Gemi ao encontrar o meu clitóris e o massageei com força,


mas novamente foi impedida pela sua mão. Eu me joguei para trás,
irritada com suas interrupções.

Soltando meus mamilos, sem tirar os olhos dos meus,


Jefferson ficou de joelhos e, abrindo mais as minhas pernas,
colocou-as sobre seus ombros e me expôs para ele. Toda frustração
e vergonha que poderia sentir se dissolveu quando, com a ponta da
língua, ele abriu meus grandes lábios, lambendo-me delicadamente.
Diferentemente do que poderia pensar, dessa vez ele não teve
pudores e comedimento. Ele tocava todas as paredes do meu sexo,
explorando todas as texturas, cada recanto, torturando-me, até
preencher-me. Entrando e saindo do meu canal com pressão e
intensidade, os sons roucos que ele emitia ao me penetrar, sua
expressão de enlevo, os olhos brilhando como se estivesse
gostando das sensações tanto quanto eu, a sua barba roçando na
minha pele, tudo isso deixava-me cada vez mais perdida. Ele me
levava a um mar de sensações desconhecidas, tudo em mim
parecia mais consciente e vivo.

Rebolando contra o sofá e o rosto dele, presa na espiral de


desejo, segurei seus cabelos curtos com força, sem me preocupar
se estava machucando-o ou não, em um pedido silencioso de que
ele me arrematasse de uma vez, pois estava cada vez mais
engolfada pela onda de prazer.

Com um grunhido, pegou meus tornozelos e me trouxe mais


contra a sua boca, encontrando a carne sensível e inchada que
implorava por alívio, ao mesmo tempo que me penetrava com os
dedos, atingindo o meu canal. A pressão com que sugou e lambeu o
meu ponto de prazer, alternando entre ritmos lentos e rápidos, os
sons que ele soltava, e a penetração hábil do dedo, acrescentando
mais um, me deixaram à beira do precipício, fazendo com que eu
remexesse feito uma louca no assento.

Mas foi somente quando ele mordiscou meu clitóris várias


vezes, puxando-o entre seus lábios, me fitando ao mesmo tempo,
que me deixei levar pela onda do orgasmo, gemendo o nome dele
com a minha voz trêmula e rouca enquanto ele continuava a me
estimular, incansável. Deu-se por satisfeito quando meu corpo parou
de convulsionar e se ergueu, parecendo completamente exultante.
Com um sorriso nos lábios, que era pura lascívia e luxúria, removeu
a calça e a cueca, ficando completamente nu. Lânguida, devorei-o
com os olhos fazendo seu sorriso ficar ainda maior, principalmente
quando eu mordi meus lábios, o desejo se apoderando de mim.
Uma vontade imensa de tomá-lo em meus lábios me corria por
dentro.

— Agora não, Chaveirinho — sabendo que era observado,


envolveu seu pênis rígido com a mão e deslizou os dedos para cima
e para baixo, masturbando-se —, não aguentarei por muito tempo.

— Hm…

Parando de se acariciar, caminhou para o outro lado da sala,


deixando-me ver suas costas perfeitas e as nádegas redondas, mas
não entendi porque ele estava se afastando. Sentou-se numa
poltrona, acomodando-se nela como se fosse um rei em um trono, e
me fitou por longos segundos.

— Venha, Chaveirinho — ordenou, e dessa vez não


contestei, levantando-me com as pernas bambas, caminhando até
ele. A ânsia por ser preenchida era maior do que qualquer coisa.

Quando estava próxima, ele ergueu-se um pouco da poltrona


e me puxou para um beijo voraz, deixando que eu sentisse o sabor
da minha excitação em sua boca. Me devorando, fazendo-me refém
com o seu olhar, acomodou-me no seu colo e eu me deixei levar,
antecipando o que viria, o fogo me aquecendo. Sem parar de me
tomar com os lábios, segurando a minha cintura, ele me deslizou
pela sua extensão, a fricção dos nossos sexos nos fazendo gemer
em meio ao beijo. Nunca tinha feito sexo dessa forma, pele contra
pele, mas se provou completamente delicioso.

Ficamos assim por um momento, apenas nos beijando, até


que, segurando em seus ombros, me arrisquei a me mover,
apoiando-me nele para subir e descer lentamente, sentindo minha
feminilidade contrair o pau dele cada vez mais, e lembrando-me de
uma técnica, usei meus músculos para prendê-lo, nos
proporcionando ainda mais prazer.

— Meu Deus, Sofia — beijou o meu ombro enquanto me


ajudava a deslizar por ele, segurando-me pelas nádegas —, você é
deliciosa. Uma deusa.

— Hmmm…

Cravei minhas unhas curtas nele quando senti ele enterrar-se


mais fundo em mim. Meus seios roçando contra seu peitoral era
muito, mas muito bom, e eu me deixei levar pela sensação deliciosa
de ficar assim com ele, em um abraço íntimo. Jefferson parecia
preencher várias coisas em mim.
O ritmo com que ele me estocava era cada vez mais rápido,
em compasso com sua respiração acelerada e gemidos cada vez
mais altos que me denunciavam que ele estava próximo do
orgasmo, o que aumentou o meu próprio prazer. Movimentando-nos
em uníssono, fundindo-nos cada vez mais em um só, beijei
novamente seus lábios, querendo tudo que ele poderia me dar. Ele
me amava com o corpo, com a boca, com o tato, com os olhos, e
saber disso fez com que algo explodisse dentro de mim, ao mesmo
tempo que com uma última penetração, Jeff se deixou levar pelo
seu próprio prazer. Abraçou-me com força, enquanto sentia seu
líquido sendo jorrado para dentro de mim.

Eu estava inteiramente entregue àquele homem pela sua


intensidade, pelo modo gentil com que me beijava e abraçava, pelo
carinho com que terminava de desmanchar o coque que antes era
meu penteado.

E, mais ainda, pela chance de ser mãe que ele estava me


dando.
Capítulo vinte e três

Espalmando as mãos nas costas nuas cobertas somente


pelos cabelos, nossos corpos suados ainda encaixados, trouxe-a
ainda mais para mim e ela encostou a testa na minha. Os olhos
castanhos claros brilhantes e o sorriso satisfeito aqueciam o meu
peito de formas inimagináveis. Não podia mais negar, tudo havia
mudado, e não era por que havíamos feito amor. Sim, não
considerava apenas sexo, pois para mim a experiência transcendeu
qualquer outra que tive e só de pensar fazia meu corpo tremer. Se
fosse sincero, tudo mudou quando ela disse que não éramos um
casal de verdade, porque eu desejei com todas as forças que
fôssemos. Tudo poderia ter acontecido muito rápido, em menos de
uma quinzena, mas minha conexão com Sofia tinha sido forjada
muitos anos atrás e apenas não fomos capazes de reconhecê-la
antes. Hoje podia ver isso com mais clareza.

Chaveirinho sempre esteve no meu coração e agora estava


mais do que disposto a mantê-la ali para sempre.

Estebán estava certo. Por mais que eu não quisesse dar o


braço a torcer, nossas prioridades e perspectivas quando
encontrávamos alguém a quem amar realmente mudavam. A risada,
o som da voz, os toques, os beijos, o calor de pele contra pele e
principalmente ficar assim, abraçados em um silêncio confortável,
íntimo, cúmplice, era muito bom, mais do que poderia imaginar. E eu
queria mais.

Constatar isso poderia me deixar receoso, acuado, mas tudo


que consegui sentir foi uma tranquilidade nunca antes sentida, como
se tivesse encontrado meu lugar no mundo que não fosse apenas o
de empresário e neto, mas de companheiro de uma mulher tão
incrível quanto ela, e principalmente o de pai.

Antes de me envolver com Sofia, a ideia de ter um filho me


soava como uma imposição descabida do meu avô, algo
encomendado, que não estava disposto a ter, já que teria que doar o
meu tempo, atenção e afeto, pois nunca conseguiria ser um
Ronaldo para ele. Agora, a mera possibilidade de que a noite de
hoje poderia resultar em um bebê, me enchia de esperança, ternura
e amor.

Eu amaria meu filho com todas as minhas forças, como


estava amando a mera probabilidade de ter uma criança em minha
vida.

O bebê por encomenda tinha se tornado muito mais. Não


estava disposto a somente dar um bisneto ou bisneta para o meu
avô em prol da Richelme, ou realizar o sonho da Chaveirinho em ser
mãe, mas, sim, participar ativamente em tudo, do cotidiano, da
criação, das brincadeiras, das horas de dar comidinha e trocar
fraldas.

Queria me tornar o herói do meu filho!

Movido por esses sentimentos, levei minha mão à barriga


dela e a acariciei, como se nela já existisse uma vida, mesmo que
fosse uma bobagem minha, porque termos nos amado sem
camisinha uma única vez não garantia que resultaria em uma
gravidez.

— Jeff? — Sua voz era um sussurro.


Recuou um pouco no meu colo e, erguendo um pouco os
quadris, nos desencaixou. Mesmo que não estivesse
completamente excitado, queria ter ficado unido a ela. Precisava e
muito dessa conexão.

Fitou onde eu a tocava aparentando certa surpresa. Seus


cabelos loiros tampavam seu rosto, então gentilmente, com a mão
livre, coloquei a mecha atrás da sua orelha e apenas encostei meus
lábios nos seus em um selinho.

— Quero ter um filho, Sofia, e não é da boca para fora — falei


com a voz grave.

— Me promete uma coisa, Jeff? — Pousou a mão sobre a


minha. — Promete que independente do que aconteça entre nós,
faremos de tudo por nosso filho? Que as decisões que tomarmos no
futuro em relação a gente nunca o afetará? Que daremos a ele uma
família?

Poderia ter me sentido ultrajado com o seu pedido, magoado


por ela pensar que eu seria como Ronaldo, um homem frio e
distante. Mas eu conhecia na pele a dor de sentir-me rejeitado pelo
pai, sabia da tristeza dela por não conhecer seu progenitor, e a
mágoa que Chaveirinho tinha do homem que dizia amá-la, mas que
apenas a traiu, zombando do seu sonho e acabando engravidando
outra. E também não era ingênuo; tinha ciência que muitos falavam
que queriam um filho, e, na hora h, os abandonavam, pagavam uma
mixuruca de pensão e, principalmente, tornavam-se ausentes.
Então, não tinha por que tomar sua insegurança como um ataque
pessoal.

— Eu prometo, Chaveirinho, pela minha vida. — Ergui seu


queixo para que me fitasse. — Farei o possível e o impossível por
ele.

Como para selar minha promessa, apertei-a ainda mais nos


meus braços e a beijei com todo o sentimento que eu tinha para dar.
Numa entrega, nossas bocas moviam-se ansiosas, mas não era
carnal. Era simplesmente completude.

— Preciso me limpar, Jeff — pareceu envergonhada depois


de interrompermos o beijo e se levantou do meu colo, mesmo que
tivesse tentado fazê-la ficar por mais um tempo —, e fazer xixi
também. Onde fica o banheiro?

Observando o seu corpo nu coberto por suor, vendo a pele


avermelhada por onde minha barba passou, os seios firmes e
pequenos coroados pelos bicos rosados, os pelos loiros que
cobriam o seu sexo, quase não prestei atenção na sua pergunta; era
difícil demais me concentrar perante tamanha sensualidade. Mas
com um salto, ergui-me e segurando a mão dela, a levei até o
banheiro da minha suíte que ficava no final do corredor.
Como ela parecia estar apertada, mal tive tempo de mostrar o
cômodo onde esperava que ela passasse muito tempo comigo,
amando-me e acordando ao meu lado na maioria dos dias. Dando
certa privacidade para ela, peguei uma caixa de lenços e deixei o
banheiro para me limpar enquanto a esperava. Sentei na beirada da
cama e fiquei, pensativo, fitando a paisagem lá fora, que mostrava
algumas árvores plantadas pelo paisagista até que ouvi os passos
descalços dela e fitei a mulher que parecia absorta com tudo.

— Não sabia que você tinha uma predileção por marrom,


Grandão — comentou ao parar na minha frente e envolver o meu
pescoço, seu corpo pequeno e nu uma visão muito mais gloriosa do
que a paisagem. Tinha removido o brinco de diamantes, mas ela
não precisava dele para ser a mulher mais bela que tinha visto.
Minha mulher. — Eu gosto muito, para ser sincera.

— Fico feliz em saber — enlacei a cintura dela erguendo o


meu rosto para observá-la —, pois pretendo que você passe muito
tempo aqui.

— E se eu não quiser, Jeff? — Disse em um tom que era


tudo, menos sério, arqueando a sobrancelha loira. — Digamos que
aqui fica bem distante do meu trabalho.

— Hm… Vou ter que usar todo o meu arsenal para tentar
convencê-la a passar sua folga aqui. Ou, que você me convide para
a sua.

— Pensarei no seu caso. — Fez uma cara de que estava


pensando seriamente no assunto, mas a risada que se seguiu a
denunciou.

Sorrindo maliciosamente, puxei-a contra mim enquanto me


deitava na cama, fazendo com que Chaveirinho soltasse um gritinho
pela surpresa enquanto rolava para cima dela, prensando-a
suavemente contra o colchão, mas sem espremê-la. Os cabelos
longos formando uma cascata contra a fronha preta e branca
superou qualquer imagem criada pela minha mente de tê-la ali e eu
não resisti. Com ela me fitando com um sorriso, apoiei-me em um
cotovelo, levei minha mão a mecha dourada e a enrolei entre os
dedos, fascinado com a textura suave mesmo estando úmida.

Não sei quanto tempo ficamos assim. O silêncio, a troca de


olhares e sorrisos eram suficientes para nós naquele momento, mas
o que começou com uma brincadeira, se transformou no mais puro
desejo e anseio quando Chaveirinho se esfregou no meu sexo,
alimentando minha excitação. Meu corpo ganhou vida quando
vislumbrei as mil possibilidades de tê-la, das mais variadas formas.
Em poucas horas o dia amanheceria e ainda não havíamos
dormido, mas tudo que me importava era amá-la outra vez. Estava
longe de me sentir saciado e, depois de ter sido sincero comigo
mesmo, não estava certo se um dia me cansaria. Tínhamos muita
coisa para conhecer no corpo um do outro, e ainda queria que ela
me explorasse minuciosamente, algo que ela ainda não teve
oportunidade de fazer. Queria seus lábios e beijos em toda a minha
pele e só descansaria quanto tivesse meu desejo atendido.

— Linda — sussurrei quando se remexeu debaixo de mim, os


seios movimentando-se contra o meu peitoral devido a sua
respiração acelerada. — Tão safada — gemi ao sentir uma corrente
elétrica percorrer meu corpo no momento em que Sofia roçou seu
sexo na minha ereção.

— Não viu nada, Jeff… — provocou-me e eu tive que me


controlar para não a penetrar em seco.

Eu não seria um amante egoísta, mesmo que ela estivesse


disposta, mas sentia um prazer perverso por fazê-la implorar por
mim, por mais torturante que fosse.

Sorrindo de satisfação por esse mero capricho, me acomodei


melhor sobre ela, envolvendo uma massa maior de fios, trazendo
sua boca até a minha, colando-as somente. Deixei que Chaveirinho
tomasse a iniciativa, mesmo que ao segurá-la parte do controle
fosse meu. Ela não hesitou, e moveu-se com calma, com suspiros
escapando dela em meio ao roçar. O som reverberando em meus
ouvidos era como uma doce canção. Ela era a mulher que não sabia
que necessitava tanto, que iria me fazer mudar todas as maneiras
de ver a vida.

Mordiscando meus lábios, eu abri-me para ela por completo,


deixando que me beijasse da forma que queria. Ela imprimia um
ritmo lento ao enroscar sua língua na minha, mas que se tornou
mais rápido à medida que ficamos entregue à volúpia que
sentíamos. Sua boca moldava-se contra a minha e seu corpo
delgado e pequeno se ajustava perfeitamente ao meu, como se
tivesse sido criado para mim. Sofia me completava. Ela era a mulher
perfeita para mim de várias maneiras.

Entrelaçando nossas pernas, seus pés deslizando pela minha


panturrilha em uma carícia sensual, foi impossível conter o arquear
da minha pelve contra ela. Então puxei seus cabelos com mais
força, tomando o controle do beijo, exigindo que ela me amasse
com a boca com a fúria e urgência que sentia. Seus lábios eram
puro néctar e eu não tinha tido ainda o suficiente dela.

Soltei o aperto dos fios quando ela respondeu com volúpia e,


como uma gata selvagem, aferrou-se ainda mais a mim, suas unhas
curtas cravando-se em meus ombros e minhas costas, me
arranhando por onde passava, até encontrar a minha lombar,
trazendo-me ainda mais contra o seu corpo. Joguei todo o meu peso
em cima dela, pedindo que nos fundíssemos mais uma vez. Esse
seu lado primitivo, devasso, ao mesmo tempo que tudo nela me
parecia angelical, despertou o mesmo em mim, e seu olhar fixo nos
meus me dava o seu consentimento.

Deslizou a boca pelo meu maxilar, queixo, e pescoço,


deixando uma trilha de beijinhos e mordiscadas por onde passava.
Sua língua lambia o sal da minha pele, fazendo-me estremecer,
meus pelos se arrepiando pelo toque. Deixei-me levar pela sua
exploração, maravilhado e em êxtase pelas novas sensações que
sentia ao ser provado dessa maneira. Tudo era completamente
novo e eu vibrava com isso.

Parecendo completamente presa no ato de me saborear,


apreciando cada espasmo e som que saía de mim, Sofia ergueu
uma mão e entrelaçou seus dedos nos meus cabelos, fazendo com
que eu jogasse minha cabeça para trás, apenas para deixar uma
mordida na base do meu pescoço, alternando com beijinhos e
sucção, parecia me marcar como seu, ação que antes poderia ter
achado como um mero inconveniente, ainda mais por ter que
esconder as marcas que deixaria, mas era algo que aumentava e
muito a excitação que corria nas minhas veias e incidia diretamente
no meu pênis. Estava cada vez mais difícil me conter com ela me
tocando dessa maneira.

— Jefferson — gemeu meu nome ao levar a boca a minha


orelha.
Mordeu o lóbulo, puxando-o suavemente entre seus dentes
enquanto suas mãos voltavam a passear pelas minhas costas.
Segurando novamente seu rosto, o trouxe até a minha boca e a
envolvi novamente em um beijo caloroso, mas ao mesmo tempo
carinhoso, buscando me controlar.

Mas quando suguei sua língua e ela me arranhou, joguei no


lixo toda minha determinação de proporcionar algum prazer para
Sofia antes. Precisava tê-la. Tentaria recompensá-la em meio a
penetração ou depois, mesmo que a expressão dela de enlevo me
dissesse que ela estava bastante receptiva a mim. Passei meu
braço entre seu corpo e o colchão, trouxe-a ainda mais para mim, e
parecendo compreender o que eu queria, segurou-se em meus
ombros e abriu as pernas, envolvendo minha cintura em um convite
silencioso para que a tomasse. Isso foi minha completa ruína.

Parando de beijá-la, fitei-a por alguns segundos, e a penetrei


em um tranco firme. O som do seu gemido ecoou por todo o quarto.
Senti meu pênis deslizar pelo seu canal úmido, e me vi mais
excitado do que imaginava. Deus, aquela mulher tinha ficado
completamente pronta para mim apenas com meus beijos e contato.

Com um calor espalhando no meu peito, tomei seus lábios


novamente com lentidão, enquanto começava a me movimentar,
aumentando pouco a pouco o ritmo com que a estocava, sentindo-a
me acompanhar enquanto arqueava sua pélvis contra a minha.
Suas pernas cruzadas nas minhas costas me dava ainda mais
acesso e permitia que eu chegasse mais longe em seu interior. Mas
quando ela começou a controlar os movimentos que seus músculos
faziam ao receber meu pênis, contraindo e afrouxando, todos os
meus limites foram testados e o furor causado pela adrenalina e
êxtase deixava-me cada vez mais perdido. Estava cego a tudo que
não fosse o chocar dos nossos corpos, os sons que emitíamos em
nossa dança, o nosso corpo, o nosso amor e nossas bocas
sedentas que agora se devoravam. Nada mais importava do que a
nossa união, sermos um só.

Apoiando-me nos cotovelos, impulsionei meu quadril ainda


mais contra o dela, fazendo-a gemer e contrair-se com força em
torno do meu pau, deixando-me a beira do limite. Sabendo que
estava por um triz, deslizei minha mão pelo seu corpo até alcançar o
seu monte, brincando com os pelos a fim de aumentar sua
expectativa. Sem deixar de estocá-la com meu membro, adentrando
também com os dedos os grandes lábios, encontrei o ponto em que
mais lhe dava prazer e comecei a massageá-lo, sentindo os seus
espasmos e a pressão do seu sexo me apertar com ainda mais
força.

Apliquei mais intensidade nos meus movimentos, esfregando


seu clitóris com ardor, puxando-o suavemente, e ouvi seus gemidos
ficando cada vez mais altos, com nossos corpos chocando-se com
mais velocidade. Dei uma última estocada o mais fundo que pude,
fazendo-a fincar os dentes nos meus ombros com força e afrouxar o
aperto das pernas quando sentiu o orgasmo vir, desabando no
colchão. Depois da mordida primitiva, que me pareceu a coisa mais
sensual do mundo, me deixei levar pelo meu próprio prazer, jogando
minha cabeça para trás com um urro, ejaculando no seu interior.
Continuei penetrando-a, até sentir minhas forças cederem por
completo, rolando para o lado para não correr o risco de machucá-la
ou esmagá-la.

Com a respiração descompassada e sentindo um certo


tremor, puxei uma Sofia lânguida para os meus braços e ela
aninhou-se no meu peito completamente ofegante. Ficamos assim,
por bons minutos, até que, um pouco mais controlado, dando um
beijo na testa suada dela, desvencilhei-me de Chaveirinho, rolei na
king, e fui até o móvel de cabeceira. Peguei os lenços de papel que
tinha deixado ali e limpando-me do meu sêmen, aproximei-me
novamente dela, que ainda não tinha se recuperado por completo, e
fiz o mesmo com ela. Dando-me por satisfeito, voltei para ela,
abraçando-a, enroscando as nossas pernas enquanto ela brincava
com alguns pelos do meu peitoral.

Fazer amor com Sofia era maravilhoso, mas tê-la sonolenta


em meus braços com um sorriso sutil era muito mais.
Você está se apaixonando por ela, pensei comigo mesmo e,
diferentemente do que poderia achar, a ideia não me assustou em
nada; pelo contrário, ganhou vida dentro de mim e transformou-se
em certeza, tanto que a abracei ainda mais, movido por essa
verdade. Fiquei observando Chaveirinho, até que vi que estava
lutando para manter os olhos abertos. Acariciando seu rosto, dei um
beijo em suas pálpebras e ela soltou um suspiro sonolento. Lá fora,
o sol começava a aparecer, iluminando as árvores que cercavam
minha casa.

— Durma, meu amor, tenho planos para nós dois antes de


você assumir o plantão — sussurrei, baixinho, dando outros
beijinhos nela.

— Hm…

Ela não disse mais nada e se aconchegou mais a mim,


usando o meu braço como seu travesseiro. Exausta, não demorou
muito tempo para que ela caísse no sono e começasse a ressonar.
Induzido pelo calor, pelo conforto que ela me proporcionava, e pela
visão completamente relaxada dela, poucos minutos depois também
me rendi ao sono. Tinha, sem dúvidas, encontrado o meu lugar.
Capítulo vinte e quatro

Ontem, relutantemente, tinha deixado Sofia, a pedido dela, no


hospital quarenta e cinco minutos antes dela entrar no plantão.
Cada tempinho com ela me parecia precioso demais e queria
aproveitar todos os momentos, mesmo que fosse por um curto
espaço de tempo e pudéssemos apenas conversar, trocar beijos e
abraços, toques sutis e inocentes que me incendiavam. Mas o pior
de tudo foi chegar em casa e ser recebido pelo vazio. Parecia que
todos os cômodos onde ela esteve ecoavam a ausência da sua voz,
sua risada, sua presença. Era surreal pensar que sentiria tanta falta
assim, ainda mais que fazia menos de três horas que ela esteve ali,
mas sentia. E a noite, ao me deitar na cama, onde passamos boa
parte do tempo nos amando, e sentir o cheiro dela em meus lençóis
amarrotados foi uma espécie de tortura. Dormir tinha sido
impossível e, depois de muito rolar na cama, decidi me levantar e ler
alguns relatórios, olhar umas planilhas e fazer algumas projeções de
crescimento da venda de algumas linhas de produtos que tínhamos
distribuído no centro-oeste e que se provou bastante rentável,
demandando que enviasse com urgência uma nova remessa para
abastecer as gôndolas dos mercados.

Era para falar sobre esse assunto que a equipe responsável


pelo gerenciamento da produção tinha agendado comigo uma
reunião antes do almoço, mas não tinha cem por cento da minha
atenção. Sofia vez ou outra roubava meus pensamentos, e a
vontade de mandar uma mensagem perguntando como ela estava
me corroía. Mas sabia que, àquela hora, ela deveria estar dormindo
após doze horas trabalhadas e pelo fato de ter dormido muito pouco
no dia anterior.

Me peguei sorrindo ao pensar o quanto ela tinha me deixado


completamente esgotado ao sugerir que tentássemos algumas
posições e coisas mais diferentes para conhecermos o que dava
mais prazer um ao outro. Fizemos uma exploração lenta e deliciosa,
que estava louco para poder continuar, pena que faltava muito para
noite e tinha muitas reuniões ao longo do dia.

— Senhor Richelme, está tudo bem para o senhor esse


prazo? — A voz feminina me fez sair do transe e olhar para a
mulher que era responsável por gerenciar as datas em que os lotes
de produtos eram distribuídos para a logística. — A fábrica instalada
na região metropolitana não conseguirá produzir a quantidade
demandada pela região centro-oeste do país em menos de quinze
dias. E transportar da filial de Alagoas encarecerá bastante o
produto, o que torna inviável.

— De fato, senhor — o homem que cuidava da unidade e que


participava da reunião por videoconferência, completou —, além de
que acabamos de fechar um grande contrato com uma das maiores
redes de supermercados do nordeste e tivemos que dobrar a
produção para atendê-la.

— Então só conseguiremos entregar todos os hambúrgueres


gourmet daqui a quinze dias, senhor — pareceu hesitar quando eu
fiz uma careta.

— Certo — anotei na minha agenda para analisar a


possibilidade de aumentarmos o nosso maquinário ou estabelecer
uma fábrica em Goiás —, é logisticamente possível enviar por sabor
assim que forem produzidos, para não atrasar ainda mais?
— Estudaremos com as empresas de transporte e com o
setor e daremos uma resposta formal até o final do dia, senhor.

Assenti em concordância.

— E a linha de menus? — Embora os hambúrgueres fossem


bastante lucrativos, eram os pratos congelados, principalmente as
lasanhas prontas, que eram os recordistas de vendas, embora a
margem de lucro fosse um pouco menor.

— Como nossa fábrica praticamente é voltada para a


produção em escala desses produtos, na próxima sexta-feira a
transportadora buscará os produtos e em menos de vinte e quatro
horas as linhas de lasanha já estarão nas prateleiras, os demais
produtos, na terça — a mulher respondeu.

Estava prestes a dizer algo quando o meu número pessoal


começou a tocar, e ao invés de recriminar-me por não ter deixado
no silencioso, uma euforia me percorreu ao pensar que poderia ser
Sofia. Poucas pessoas tinham esse número, e somente o meu avô e
ela costumavam ligar para ele. Estebán. Minha empolgação acabou
morrendo ao pensar que poderia ter acontecido alguma coisa com
meu avô, já que ele tinha por hábito ligar sempre a noite, pois sabia
que eu costumava focar no trabalho durante o dia. Um pequeno
aperto no peito me invadiu.
— Com licença, vamos dar por encerrado — soei grosso, e
os presentes pegaram suas coisas rapidamente e saíram da sala
como se houvesse uma ameaça de furacão.

Com meus dedos trêmulos, peguei meu telefone e vi que era


ele mesmo. A dorzinha se intensificando em meu peito fez com que
eu não hesitasse em atender.

— Vovô?

— Ah, menino, que bom que me atendeu — a voz dele do


outro lado parecia bastante animada e eu franzi o cenho apenas
para suspirar aliviado. Não parecia haver nada de errado com a sua
voz. — Estava ansioso para falar com você.

— É mesmo? — falei com a voz firme. — Me deu um baita


susto, Estebán. Pensei que tinha acontecido algo — suavizei meu
tom, não podia descontar meu medo momentâneo nele.

— Bobagem, tenho uma saúde de ferro, Jefferson — disse


com uma voz pastosa e pude imaginá-lo dando de ombros, como se
minha preocupação fosse infundada.

Poderia ter perdido a minha paciência com Estebán por


aquilo, mas ele tinha suas manias, como todo mundo, e saber que
vovô estava bem era o que me interessava.
— Me preocupo com você, é isso — sussurrei.

Embora eu parecesse rígido e completamente focado nos


meus negócios, demonstrava minhas emoções com frequência. Não
as escondia, como se fosse um segredo sujo que precisava deixar
debaixo do tapete. Eu o amava e sempre iria me importar e cuidar
do seu bem-estar.

— Estou bem, filho. — Fez uma pausa. — Mas está na hora


de você se preocupar com outra coisa que não seja esse velho,
como em construir uma família com uma mulher doce e gentil —
falou em um tom quase que conspiratório, mas havia um fundinho
de ordem, o que me fez sorrir.

Alguns dias antes, com certeza eu me sentiria


completamente pressionado e irritado por não querer isso para
minha vida, algo que me distrairia e muito dos meus objetivos, mas
minha perspectiva havia mudado e tudo que eu mais queria era
tomar Chaveirinho em meus braços e sentir o seu cheiro, beijá-la,
tocá-la, fazê-la tremer debaixo de mim e tê-la me cavalgando em
abandono, repetindo a dose…

— E você não poderia ter escolhido uma mulher melhor, meu


filho.
Senti um arrepio percorrer meu corpo quando ele disse
aquilo. Não tinha dito nada sobre mulher alguma para ele, muito
menos tive tempo de falar que eu e Sofia…

— Sofia sempre foi uma moça decente, honesta, gentil e


carinhosa, além de linda — soou completamente animado e eu
arqueei a sobrancelha, confuso —, faço tanto gosto dessa relação.

— Relação? Como? — arfei.

— Ronaldo esteve aqui hoje falando que você a levou em


uma festa, o que para ele foi uma grande surpresa, já que não
costuma ir acompanhado de ninguém — repreendeu-me
suavemente.

Bufei quando ele falou o nome do meu progenitor e senti a


raiva queimar nas minhas veias ao recordar-me do insulto proferido
por Ronaldo a Sofia. Não pude fazer nada além de vê-lo dando seu
showzinho ao dizer que não se mistura com gente que não tem
tanto dinheiro como a gente, de que eu estava vergonhando o nome
Richelme, sendo que era ele que vivia na esbórnia e envolvido em
tantos escândalos, que não conseguia contar. O pior de tudo foi
imaginá-lo contando isso ao meu avô como se tivesse sido um
encontro casual e amistoso, omitindo a sua falta de caráter. Ele era
uma cobra cínica filho da mãe, e ainda me pagaria por aquilo.
— E Rosimeire me mostrou uma foto de vocês em uma
revista de fofoca que era para lá de comprometedora — disse
maliciosamente e riu quando eu não disse nada. — Na capa ainda!

Remexi-me na minha cadeira presidencial, me sentindo


desconfortável, e trinquei os dentes. Nunca tive minha vida pessoal
exposta em tabloides daquela maneira e confesso que não gostei
disso ter acontecido. Prezava e muito minha privacidade para tal.
Além de que tinha completa certeza que Sofia pensava da mesma
maneira do que eu, e não se sentiria lisonjeada com o fato.

Merda!

— Ah, Jefferson, que alvoroço. O CEO da Comer Bem


Alimentos aos beijos e abraços para lá de quentes com uma
desconhecida!

Riu um pouco mais, mas eu particularmente não estava


achando graça nenhuma nisso.

— Deveria ter agido com mais discrição, meu filho. Sei que o
fogo a gente não controla e você costuma ser um ermitão, mas
quase fazer sexo com ela em local público? — repreendeu-me.

— O quê?
Estava ultrajado e não era pelo fato do meu avô, de mais de
oitenta anos, estar comentando sobre sexo comigo. Tudo bem que
não era o melhor assunto do mundo para se conversar com ele,
mas de vez em quando falávamos algo do tipo. O que realmente me
irritava era terem distorcido um mero beijo e transformado em algo
que beirava ao atentado ao pudor.

— Esperava isso de Ronaldo, não de você, meu filho… —


disse com certo desalento e eu tive que conter-me para não dar um
soco na mesa, extravasando a raiva que agora me tomava por
completo. Sei que ele não tinha feito por mal, mas se havia algo que
me fazia perder as estribeiras era ser comparado com Ronaldo. Não
culpava meu avô por acreditar na fofoca, mas sim aquele que
escreveu as malditas palavras. O responsável me pagaria! Porra,
queria nem pensar em como Sofia reagiria ao ler a baboseira. — Ela
não é moça dessas coisas, Jefferson.

— Foi apenas um beijo, vovô — justifiquei-me como se fosse


um menino e devesse satisfação a pessoa mais velha. — Não muito
casto, confesso, mas apenas isso. O jornalista só aumentou o fato
para torná-lo mais sensacionalista e rentável para ele.

— Entendo…

Pareceu pensativo e ficamos em silêncio por vários minutos,


o que me permitiu controlar um pouco mais a raiva que sentia.
Minha cabeça começou a pulsar. Talvez o melhor a se fazer era
deixar que falassem e aumentassem o quanto quisessem.

— Jefferson? — A voz estava bastante preocupada, me


deixando em alerta.

— Sim?

— Eles não vão descansar até descobrir a identidade de


Sofia e expô-la.

— Merda! — Soltei uma série de palavrões e impropérios,


odiando aqueles malditos abutres por aquilo. Mas eles seriam
completamente tolos se não o tentasse. Por mais que eu não fosse
uma grande celebridade, era rico o suficiente para despertar
curiosidade. — O que farei?

— Talvez o melhor seja deixar especularem quem é a tal


mulher e continuar seguindo a vida. Com certeza eles procurarão
outros alvos e a curiosidade passará. — Fez uma pausa. — E
também, que mal tem em apresentar sua namorada ao mundo?
Vocês estão juntos, não é mesmo?

— Verdade, vovô.

Mesmo me sentindo mal por isso, acabei contando uma meia


verdade a ele, pois não poderia dizer simplesmente que havia
transado com a mulher que ele viu crescer e que não tínhamos dado
um nome a nossa relação, embora eu tivesse mais do que certeza
de que eu queria muito mais do que sexo, que ela era a metade e
tudo o que eu não sabia que precisava. E dizer que apenas
tínhamos decidido ter um bebê juntos. Mas eu não desistiria de ter a
mulher que eu estava me apaixonando junto a mim, a minha melhor
amiga.

— E eu não poderia me sentir mais vivo — confessei, sem


me importar com o “eu te disse” —, ela é mais do que perfeita para
mim e me sinto bem quando a tenho em meus braços.

— Você não sabe o quanto me deixa contente ouvi-lo dizendo


isso, Jeff. — Soltou um suspiro do outro da linha ao pronunciar-se
com a voz embargada. — Mais do que ninguém, eu e sua avó,
mesmo lá do céu, torcemos para a sua felicidade. Saber que você
encontrou, mesmo afundado no trabalho, uma pessoa tão especial
quanto Sofia enche meu coração de alegria.

— Obrigada, vovô — meu tom era falho. Estebán, com suas


palavras simples, tinha me deixado emocionado mais do que
gostaria, talvez pelo fato de ter mencionado Ilda. De fato, os dois
tinham acompanhado cada etapa da minha vida, estando ao meu
lado, apoiando, torcendo, chorando junto e me consolando. — Por
tudo.
— Continuarei fazendo o que puder por você, meu filho. —
Fez uma pausa e acrescentou maliciosamente, quebrando um
pouco o clima melancólico, insinuando a necessidade que eu tinha
de dar a ele o tão sonhado herdeiro: — E também pelo meu bisneto
ou bisneta. Ou ambos, ou quem sabe vêm gêmeos…

— Estebán! — Fingi que estava bravo, mas acabei


gargalhando. O tema bebês não me incomodava mais; pelo
contrário, algo dentro de mim ansiava por ser o pai dos filhos da
Chaveirinho. — Você anda muito casamenteiro…

— Pois é. Agora preciso desligar. Tenho certeza de que você


precisa trabalhar ou fazer qualquer outra coisa, e parece que meu
amigo que veio jogar xadrez comigo já chegou.

— Tudo bem, vovô.

Já ia desligar a ligação quando ele me interpelou novamente:

— Mais uma coisa, Jefferson…

— O quê?

— Nunca machuque Sofia, ou deixe que a mídia o faça.


Confio em você para isso, meu filho.

— Não o farei.
— Conto com isso.

Assim que ele desligou a ligação, senti-me estranho de


repente, e resolvi acessar os portais de fofoca para ver o tamanho
dos danos. É, talvez eu e Sofia pudéssemos conviver com isso.
Capítulo vinte e cinco

Movimentei-me na cama ainda de olhos fechados, querendo


dormir um pouco mais, tentando ignorar o toque do meu celular, por
mais que pudesse ser importante. O plantão tinha sido bastante
puxado, além de que precisei ficar duas horas a mais por causa de
uma colega que tinha se atrasado e não pude deixar os pacientes
na mão. Queria passar o restante da manhã e a tarde inteira na
cama antes de Jefferson chegar. Tínhamos combinado de sair para
um jantar romântico e passear na orla da Lagoa da Pampulha de
mãos dadas, e estava bastante ansiosa por isso. Queria estar bem
disposta para sair, principalmente para podermos terminar a noite
enroscados nos meus lençóis estando completamente nus. Meu
corpo inteiro formigava de antecipação para continuar nossa
exploração lenta e minuciosa. Jefferson me provocava uma miríade
de sensações desconhecidas, me levava muito mais alto do que
qualquer outro homem conseguiu, e eu estava adorando o fato,
ainda mais que ele também parecia se sentir da mesma maneira.
Talvez fosse assim porque a nossa conexão ia além dos corpos,
construída ao longo dos anos em que éramos inocentes. A amizade
e companheirismo estava se transformando em paixão!

Com esse pensamento, suspirei fundo e tentei voltar a dormir,


mas o aparelho, que tinha se silenciado por poucos minutos, voltou
a vibrar e tocar “Ópera Carmen" em cima do móvel de cabeceira,
insistentemente. Isso fez com que eu soltasse um resmungo e
tateasse em busca do telefone, já que não me dignei em abrir os
olhos, mas torcendo para que não fosse o telemarketing, o que me
deixaria bastante irritada. Atendi a ligação.

— Alô? — Minha voz saiu rouca, repleta de sono.

— Filha, que bom que atendeu! Tive que me segurar a tarde


inteira para não te ligar. — O tom agitado de Rosimeire soou do
outro lado da linha e eu abri os olhos, sentando-me no colchão, em
alerta, o sono evaporando-se instantaneamente.
— O que aconteceu? — Não me preocupei em revelar todo o
alarde e inquietação que passei a sentir.

— Você e Jefferson estão em todos os sites de fofoca, Sofia!


Todos querem saber quem é a loira misteriosa que acompanhava
um dos homens mais ricos do estado — mamãe era pura
empolgação. — Minha filha está famosa!

— Hm… — Joguei-me na cama e fechei os olhos. Deveria ter


esperado algo do tipo com a quantidade de repórteres e paparazzis
que cobriam o evento. — E o que eles estão dizendo?

— Além de você ter o acompanhado? — Ela fez uma pausa e


pareceu hesitar. — Bom, você não vai gostar nem um pouco, Sofia.

— Sério? — Arqueei a sobrancelha mesmo que ela não


pudesse ver. Sabia que a mídia gostava de inventar muita coisa,
mas não deveria ser tão ruim.

— Bem… Ai, Sofia!

— Rosimeire — usei um tom que indicava que ela não iria


conseguir me enrolar.

— Bom, você iria descobrir de qualquer maneira mesmo.


Estão dizendo que vocês quase fizeram sexo em local público, e
com direito a uma foto do amasso bem quente que te deu contra a
lataria da picape dele.

— Merda!

Soltei um suspiro em resignação. Tinha participado


ativamente do beijo, até mesmo ido um pouco adiante disso, e não
tinha sentido eximir-me da culpa. Além de que, foi algo que eu
queria muito e não conseguia me arrepender de o ter feito. A única
coisa que eu poderia acusar os tabloides era de terem aumentado e
muito a situação, mas era o trabalho deles vender notícias e fofocas.
Lidaria com as consequências dos meus atos.

— Estou tão empolgada, minha filha. — Não contive a careta.

— Menos, mãe! Não é para tanto.

— Sua sem graça — ralhou comigo se colocando a rir. —


Mas como foi tudo?

Fiz um breve resumo da festa para ela, das celebridades que


estiveram presentes, algo que ela gostaria de ouvir, sem omitir o
que Ronaldo tinha feito.

— Que cretino! — Bufou, assim que terminei de falar. —


Tenho tanto ranço desse cara.
— Nem me fale. Mas não deixei que ele estragasse o resto
da minha noite, que se provou maravilhosa. Jefferson foi tão
carinhoso, intenso, e me passou uma segurança que nunca senti
nos braços de outro homem. — Fiz uma pausa.

— Huuuum…

— Sinto calor só de pensar! — comentei, a fazendo rir,


compartilhando minha felicidade com ela. — Estou louca para
repetir a dose, de sentir tudo outra vez. A conexão que temos um
com outro, as conversas, o olhar, tornou tudo mais fantástico. Sinto
que foi muito além de sexo, de uma coisa mecânica que envolve
apenas satisfação.

— Ah, menina, isso é um terreno perigoso, mas


simplesmente acontece e não podemos fazer nada.

— Eu sei… — Rolei para o lado, determinada a não pensar


no quanto me apaixonar pelo homem terno poderia acabar me
machucando. Aproveitaria enquanto tudo durasse e me apegaria a
promessa de que, se essa relação tivesse frutos, nós daríamos o
melhor por ele, não importando nossas divergências.

— Me sinto feliz por você ter gostado e se sentido bem, todo


homem deveria fazer uma mulher se sentir assim. E depois da
traição de João, nada melhor do que isso, um cara que te valoriza,
respeita, que é viril e te faça estremecer — disse a última palavra
em um tom conspiratório, me fazendo gargalhar. — Que faça
ficarmos loucas para tirar a roupa.

— Concordo em gênero, número e grau — ri ainda mais —, e


aí, o tal de Joel vai querer fazer você tirar a roupa novamente? —
provoquei-a.

— Menina, me respeite que não sou dessas — fingiu brigar


comigo, mas acabou se denunciando —, tá, só talvez.

— Mentirosa! — Gargalhei ainda mais alto.

— O homem tem uma pegada que minha Nossa Senhora,


além de beijar muito bem. — Suspirou. — Devo sair quarta à noite
com ele. Para onde, não sei. Disse que era surpresa. Detesto isso.

Pude imaginar ela fazendo uma careta. Minha mãe não era o
tipo de mulher que apreciava ficar no escuro das coisas, tinha sido
magoada demais na vida para tal.

— Promissor, mãe. Só relaxa. Deve ser algo bom.

— Tentarei, minha filha, mas sabe que não é fácil. — Fez


uma pausa. — Ai meu Deus, meu bolo no forno!

— Vai lá mãe, beijos.


— Te amo, querida. — Desligou a ligação e imaginei a
correria que começou na cozinha de Estebán.

Balançando a cabeça, olhei as horas no relógio, constatando


que teria umas duas horas para cochilar antes de começar a me
arrumar. Sem checar as mensagens no aplicativo de mensagem,
que, com certeza, teria, e nem mesmo olhar as tais matérias das
colunas de fofoca, coloquei o aparelho celular no móvel e me cobri
completamente com o cobertor. Minutos depois, o cansaço foi me
dominando, até eu cair completamente no sono.
Capítulo vinte e seis

Acordei assustada com o som de pancadas de alguém


batendo na porta. Gemi ao abri os olhos, sendo recebida pela
escuridão da noite. Droga, tinha dormido demais e provavelmente
estava mais do que atrasada. Trôpega e ainda sob os efeitos do
sono, caminhei a passos lentos pelos cômodos, acendendo as luzes
até chegar a porta de entrada do meu apartamento, que reverberava
com a pancada que alguém dava nela. Destrancando-a, dei de cara
com um Jefferson com uma expressão aflita no rosto.
Olhou-me da cabeça aos pés por longos minutos, como se
estivesse garantindo para si mesmo de que eu estava bem, e sem
falar nada, puxou-me para os seus braços e eu me deixei abraçar,
sentindo o cheiro delicioso do perfume amadeirado que ele usava.
Seu peito subia e descia pela respiração acelerada e arfante.
Erguendo meu rosto, segurando-o em concha, fitou-me com seus
olhos negros repletos de preocupação por um momento, apenas
para deixar uma trilha de beijinhos suaves pelo meu rosto, os lábios
dele parando próximos a minha boca, mas sem me beijar.

— Deus, Chaveirinho, acho que perdi alguns anos de vida


quando você não atendeu minhas chamadas e nem mensagens
para dizer que iria me atrasar um pouco — sussurrou ao colar sua
testa na minha.

— Desculpe, Jeff, estava mais cansada do que imaginava.


Dormi feito pedra, acordei com você batendo na porta.

— Tudo bem, meu amor. — Deslizou a mão do meu rosto


para os meus ombros protegidos apenas pela fina alcinha do meu
baby doll e acariciou a região, arrepiando-me com um simples tocar.
— Só fiquei preocupado e dirigi o mais rápido que pude para ver se
estava tudo bem com você.

— Lamento — Senti uma pontada de culpa e vergonha por


ter feito ele reagir dessa forma, mas não havia nada que eu pudesse
fazer. Tentaria colocar meu volume mais alto da próxima vez. Por
sorte que tinha sido Jefferson e não minha mãe. — Obrigada por se
preocupar.

— Você é mais importante para mim do que imagina,


Chaveirinho.

Enrolando meus cabelos nos seus dedos, puxou-me de


encontro aos seus lábios e me beijou de maneira selvagem,
sedenta, mostrando o quanto ainda era refém do seu desespero. E
eu me entreguei aos lábios macios que se moviam contra os meus,
retribuindo o beijo sem pensar em mais nada que não fosse o cheiro
dele, o calor do seu corpo e o gosto dele. Sem me preocupar em
amassar sua camisa social, puxei-o pela gola trazendo-o mais de
encontro a mim, com a ânsia por tê-lo novamente crescendo no meu
baixo-ventre, ainda mais quando a palma quente adentrou a minha
blusa e espalmou as minhas costas, subindo e descendo, sendo o
combustível para que eu o quisesse ali mesmo.

Segurando meus fios com mais força, fez com que eu


inclinasse um pouco a cabeça, procurando o melhor encaixe,
mordiscando meus lábios e aprofundando o contato, lenta e
deliciosamente. Sua língua hábil envolta em uma dança vagarosa e
sensual com a minha arrancavam gemidos da minha garganta.
Jefferson era puro fogo, seu corpo estava completamente rígido de
tensão misturada a excitação. Desejava transformá-la somente em
luxúria. Estava embriagada por aquele homem, mas então recordei-
me que estava completamente atrasada.

— Jeff — interrompi o beijo, por maior que fosse a minha


vontade de tirar a roupa dele e tê-lo dentro de mim a preencher-me
— preciso tomar um banho e me arrumar. Mais tarde.

— Okay. — Fez uma cara de muxoxo e me deu um selinho.


— Mas antes quero conversar com você sobre a festa de sábado.

Parecendo um pouco temeroso, se afastou de mim e


caminhou até o meu sofá, obrigando-me a segui-lo até lá. Quando
ele se sentou esparramado e parei na frente dele, Jeff pareceu um
pouco constrangido.

— Está tudo bem, Jeff. — Toquei o rosto dele, acariciando-o.


— Só estão fazendo o trabalho deles.

— Eles vão fazer de tudo para descobrirem sua identidade.


— Insistiu, como se esperasse que eu fosse ter uma reação
negativa, segurando-me pela cintura.

Tudo bem que eu não me encantava pela ideia de aparecer


em revistas e sites, mas também não morreria por isso. Não achava
que eles iriam me assediar de forma que não conseguisse
prosseguir com a minha vida.
— Perderão a graça rápido — curvei-me para dar um beijo
nos lábios dele e completei, arqueando a sobrancelha: — dona
Rosimeire que ficou animada com isso. Ela adora essas revistas e
notícias de famosos.

— Não sei o porquê, mas consigo imaginar. — Gargalhou,


me fazendo rir também.

Removendo as suas mãos do meu corpo, balancei a cabeça


em negativa e dei um passo para trás, afastando-me dele.

— Não demorarei muito, querido. — Soprei um beijo no ar e


balancei os quadris apenas para provocá-lo enquanto andava até o
banheiro, removendo minha roupa pelo caminho quando ele não
podia mais me ver. Tinha sido um hábito que adquiri quando fiquei
mais velha, a qual, minha mãe, muito organizada, dizia ser terrível.
Entrando no box, liguei o chuveiro e deixei que a água quente
escorresse pelos meus cabelos, já que estava cansada demais para
lavá-los mais cedo, e aplicando um pouco de shampoo, massageei
os fios, limpando o couro cabeludo e fechei os olhos. Quando
estava removendo a espuma, senti o corpo dele atrás do meu,
másculo, potente e excitado, bem como suas mãos tocando os
meus seios, segurando-os em concha, apertando-os, estimulando
minhas aureolas, enviando um impulso em direção ao meu sexo.
Fechei minhas pernas instintivamente tentando aplacar um pouco a
pulsação que sentia, mesmo sabendo que era inútil.
— Mudança de planos, querida — sussurrou na minha orelha
ao jogar meu cabelo de lado, e mordiscou o lóbulo, puxando-o,
enquanto seus dedos amassavam a carne sensível, beliscando os
bicos com suavidade. — Outra noite saímos.

Não disse nada, apenas assenti em concordância e mordi os


lábios quando a boca dele deixou uma série de beijos no meu
pescoço, ombros e clavícula, lambendo a água que escorria pela
minha pele, ao passo que uma mão de Jeff deslizava pelo meu
abdômen. Demorou-se no meu umbigo, até descer para o meu
monte, brincando com meus pelos, atormentando-me. Como
vingança, esfreguei minha bunda no seu pau, atiçando-o, e ele
rosnou contra o meu ouvido. Ótimo, ele não iria ser malvado
sozinho.

Com a outra mão, para revidar nesse nosso jogo delicioso,


deu um tapa na minha nádega antes de apertá-la, mas sem me
machucar, e eu rebolei contra sua palma.

— Porra, Chaveirinho. — Sua voz grave e rouca, bem como


sua barba roçando novamente meu pescoço, fez com que eu
fechasse os olhos e gemesse.

De súbito, afastou minhas pernas e me penetrou com os


dedos indicador e médio. Me apoiei na parede de azulejo buscando
sustentação para minhas pernas cada vez mais moles, sentindo-o
me acompanhar. Ontem, tínhamos ensaboado o corpo um do outro
em meio ao banho, uma experiência para lá de memorável, mas
hoje se provaria ainda mais. Eu era pura antecipação.

Enquanto dava-me beijos, mordidas e chupões, ele


estimulava todos os meus pontos sensíveis; seus dedos faziam
mágica em mim. Explorando as minhas paredes, roçando
suavemente o pequeno botão inchado, adentrando e saindo do meu
canal lentamente, cada vez mais sentia meus músculos contraindo
ao seu toque, deixando-me refém do prazer proporcionado. Arqueei-
me contra a mão dele, cravando minhas unhas no azulejo frio,
quando aumentou a pressão que exercia em mim e inseriu um
terceiro dedo para brincar com meu clítoris, esfregando-o com a
mesma intensidade com que me penetrava e eu deixei-me tragar
pela avalanche de sensações. Estava completamente alheia a tudo
que não fosse o som que saia pelos nossos lábios, o contraste do
calor proporcionado por ele com o frio da parede, a água escorrendo
do corpo dele para o meu, e a carícia que ficava cada vez mais
intensa.

— Empina essa bunda para mim, Sofia — murmurou antes


de morder o meu ombro.

Segurou minha bunda com mais força, ainda me estimulando,


e eu fiz o que pediu, sem pensar muito, completamente perdida no
meu próprio prazer. Apenas não queria que ele parasse. Podia lidar
com o jeito mandão dele depois, mostrando o quanto eu também
podia o ser. Lubrificando meu buraco enrugado com o seu líquido,
começou a brincar com o local, e embora eu estivesse tensa,
comecei a relaxar sob seu o toque, me sentindo desmoronar
perante a carícia no meu clitóris. Estava preparada para o que ele
quisesse fazer de mim.

— Deixe-se ir, Chaveirinho — ordenou com a voz suave e eu


emiti um grunhido pois tinha perdido completamente minha
capacidade de dizer algo coerente.

Aumentando o ritmo dos seus movimentos, pinçando meu


ponto do prazer, enquanto o indicador se agitava dentro de mim,
com um som oco, deixei-me levar pelo orgasmo, sentindo-me como
se estivesse estilhaçando em mil pedaços. Meu coração
bombardeava no peito, estava bamba e completamente ofegante,
mas eu queria mais, muito mais.

— Posso, Chaveirinho? — perguntou com a voz rouca


enquanto continuava a trabalhar no meu sexo, prolongando o meu
êxtase.

— Sim — forcei-me a dizer, tentando vencer a espiral de


desejo que me alimentava.
— É só pedir que eu paro, quando você quiser, meu amor. —
Mordiscou meu pescoço e eu apenas rocei minha bunda contra ele,
incentivando-o a continuar.

Mordi meus lábios e arranhei ainda mais a superfície quando


senti ele erguer minhas nádegas e me penetrar lentamente por trás.
Senti um pouco de dor e ardência por não estar acostumada a
posição, mas o som de apreciação que ele emitiu ao pé do meu
ouvido, bem como o modo como ele me estimulava com uma mão
para tornar tudo mais confortável, fez com que uma vontade de
agradá-lo me tomasse e eu rebolei levemente, incitando-o a se
movimentar. Segurando meu quadril, começou a entrar e sair de
mim com um ritmo lento, e comecei a me acostumar com sua
presença, até que estivesse relaxada e desejosa o suficiente para
que eu o acompanhasse em movimentos cada vez mais rápidos.
Brincando com o meu sexo, em uma exploração lenta e torturante,
nossos corpos estalavam um contra o outro. Com sua outra mão
apertando-me com mais força e nossas respirações cada vez mais
aceleradas, o desejo banhava nossas veias, e logo não mais existia
desconforto, apenas a busca pelo ápice, que não tardou a vir para
ele.

Dando o melhor de si, mesmo sendo atormentado pelas


ondas do êxtase, esfregou meu ponto G com habilidade, até que,
minutos depois, novamente fui arrebatada pelo orgasmo, minhas
forças esvaindo-se por completo. Com um grunhido, me virou em
seus braços, prensando-me contra a parede fria, e tomou meus
lábios com fome e ânsia, e eu retribui, segurando nos seus ombros
largos para não cair.

Tinha sido uma experiência interessante com Jefferson, mas


não podia negar que senti falta dos seus lábios nos meus e de ter
aquelas duas ônix me fitando enquanto nossos corpos enroscavam
um no outro. Observar suas feições, expressões e os seus olhos
ardendo de volúpia por mim era mais importante do que eu podia
imaginar. E eu continuei o beijando, amando ter aqueles lábios me
envolvendo, instigando, mas o som emitido pela minha barriga fez
com que Jeff começasse a rir enquanto tentava prosseguir com o
deslizar das bocas. O ar risonho substituiu o desejo.

— Alguém está com fome aqui. — Cutucou minha barriga


quando ela roncou novamente.

— Estava tão cansada, que nem almocei — confessei.

— Humph. — Fez uma careta e depois sorriu. — Essas


enfermeiras de hoje em dia, sei não.

— Bobo. — Dei um tapinha no ombro dele e fechei minha


expressão, fazendo-o gargalhar.
— Viro um bobão quando estou perto de você, Chaveirinho.
— Deu-me um beijo e pegou o sabonete do suporte. — Vamos,
tenho minha monstrinha para alimentar.

Foi a minha vez de gargalhar alto. Por um momento nada me


importava além do homem à minha frente e, evidentemente, da
minha fome. Mas isso poderia estar prestes a mudar.
Capítulo vinte e sete

— Oh, você é a mulher da revista! — Uma mulher me parou


no corredor enquanto eu empurrava o carrinho com os meus
instrumentos de trabalho, e dei um sorriso sem graça.

— É.

Embora meu nome ainda não tenha sido descoberto e nem


quem eu era, minha mãe e Júlia faziam questão de me deixar a par
disso. Ao que parecia, mais fotos minhas com Jefferson, como no
dia em que passeamos na Lagoa, foram divulgadas, e as pessoas
me paravam para perguntar. Faziam perguntas até mesmo
indiscretas, sondando nossa vida pessoal: se estávamos juntos ou
era apenas um caso; como era fazer sexo com um homem tão rico;
se me dava presentes caros; e como era ser mais uma na vida dele,
as quais respondia com evasivas, sem deixar de ser educada, não
dando muita margem para prosseguirem me interrogando. As
pessoas tinham curiosidade, e tratá-las mal por quererem saber
mais seria ridículo e grosseiro, por mais que o teor das perguntas
não fosse dos melhores. Tinha falado para Jeff que saberia lidar
com a situação e o "assédio", então estava fazendo o meu melhor.

— Aquele homem é tudo que alguém pode querer —


começou a se abanar com as mãos —, um dos homens mais ricos
do país, poderoso, lindo e sexy. Como você conseguiu cair na cama
dele, menina? Quero dicas para fisgar um também.

— É uma longa história, senhora — continuei seguindo meu


caminho —, infelizmente tenho alguns pacientes que precisam de
mim no momento. Então contarei outra hora.

— Só quer esconder o jogo. — Deu uns tapinhas no meu


ombro, me acompanhando e tive que conter a minha vontade de
bufar. Aquelas pessoas eram as piores pela insistência. — Mas só
uma dica, vai!
Quando estávamos chegando na ala onde ficavam os leitos
da linha de cuidado clínico para pacientes que sofreram AVC, parei
e virei-me para ela, com um ar mais severo.

— Aqui é um local restrito, senhora, apenas para


acompanhantes e funcionários. Por favor, peço encarecidamente
que não me siga. — Fui firme, pois quando se tratava em fazer o
meu trabalho, eu seguia rigidamente as regras e minha atenção era
cem por cento focada em quem estava cuidando.

— Eu…

— Ou serei obrigada a chamar a segurança para a senhora,


então. Por favor — pedi em um tom mais suave e vi a mulher ficar
ruborizada, envergonhada.

Sem dizer nada, ela assentiu e virou-se em seus saltos,


batendo os pés, e eu maneei a cabeça, emitindo um suspiro
cansado. Girei meu corpo para o carrinho e adentrei o ambiente
relativamente calmo, já que estávamos com a lotação máxima.
Aproximei-me de um paciente que conseguia cochilar em meio ao
zumzumzum dos outros e chequei a ficha dele, constatando que
uma parte do seu coração tinha sido comprometida, tanto que foi
necessária uma cirurgia para colocar um stent. O acordei
gentilmente para dar os remédios de pressão e anticoagulantes e o
preparar para a bateria de exames solicitados pelo médico para
saber se havia algum sinal de reentupimento da artéria. Afundada
no que eu sabia fazer de melhor, minha primeira parte do plantão foi
bastante tranquila, sem muitos casos gravíssimos, somente
pequenas cirurgias e intervenções. Mas como dizem por aí, a
calmaria precede a tempestade.

***

— Tem um repórter chamando você na portaria e o diretor do


hospital não está nada feliz com isso — Patrícia falou com a voz
maliciosa, seus saltos ecoando no piso azulejado quando entrou no
local onde costumávamos guardar as nossas coisas.

Já tinha dado minha hora de ir embora e dessa vez tinha


combinado de pegar um táxi e ir direto para a casa de Jefferson,
para passar o restante da sexta e o sábado com ele. Ele tinha uma
série de reuniões durante a tarde, mas a noite seria completamente
meu.

— Odeia quando a imprensa vem até aqui, principalmente a


de colunistas de fofoca — riu. — Tudo bem que um único deve estar
muito longe do glamour que você esperava, não é mesmo senhorita
famosinha por ter dado para o CEO?

— Não que seja da sua conta isso, Patrícia, embora com


certeza tenha dedo seu. — Não caí na sua provocação, não
desceria ao nível baixo dela. — O que você ganha com isso, não
tenho ideia.

— Além de ver você levar uma bronca? — Ergueu a


sobrancelha loira. — Será divertido ver quando, de uma hora para
outra, o riquinho aparecer com outra, e você ser jogada para
escanteio.

Dei de ombros, colocando minha mochila nas costas.

— Se fosse você, não contava muito com isso — falei


bastante calma, com toda convicção possível.

Não poderia afirmar com certeza por quanto tempo ficaremos


juntos, mas a química que ardia entre mim e Jefferson, a saudade
que sentíamos um do outro, e as horas que passamos juntos nos
braços um do outro completamente nus conversando, me indicavam
que perduraria por um bom tempo. Ou talvez fosse apenas eu me
deixando levar mais do que deveria, dando uma importância
tremenda aos beijos, o carinho e ao toque, a chance de ter o meu
bebê.

E diferentemente do meu ex-namorado, confiava plenamente


que Jeff nunca me magoaria daquela forma, estampando outra
mulher na minha cara logo depois de colocar um fim em tudo.
Tínhamos conversado abertamente sobre o quanto João tinha me
magoado ao ter me traído, e ele me expressou o quanto abominava
o pai por usar as mulheres, tratando-as como objetos. Então, por
mais que Patrícia ache isso, algo dentro de mim me dizia que
Jefferson nunca me exporia ao ridículo como João.

— Tolinha — estalou a língua com desdém —, é uma


completa idiota por achar que é a única. Eu mesma estive na cama
de João. — Encheu a boca para dizer e mexeu nos cabelos, se
sentindo a toda toda. — Você não é tudo isso que acha que é. Estou
contando os dias para sua derrota, santa Sofia.

Gargalhou alto e, diferentemente do que ela pensava, sua


confissão não me irritou e desolou como da vez que descobri a
primeira traição, fazendo com que me sentisse como se o meu
mundo tivesse desabado. Tinha ficado chateada, claro, mas logo
passaria. Talvez com o tempo isso se tornasse mais “fácil”, ou eu
que não tinha mais nenhum sentimento por João, mesmo que
tivéssemos terminado há pouco tempo. Patrícia, no tempo que eu
trabalhava ali, fazia de tudo para me tirar do sério, mas sempre a
tratei com a indiferença que merecia, e não me surpreendia em
nada ela ter ido para cama com meu ex só para se sentir por cima
da carne seca. Tinha ouvido boatos que ela tinha feito isso com
outras colegas, mas, na minha cabeça, quem era culpado era quem
te devia fidelidade. Então não iria brigar por causa disso.
Mas se eu fosse sincera, não me incomodava tanto a
provocação porque eu estava cada vez mais envolvida e
apaixonada pelo meu melhor amigo de infância, tanto que nos
últimos dias meu ex sequer passou pelos meus pensamentos.
Minha mente e meu corpo estavam impregnados por Jefferson. Ele
estava se cravando em mim de formas inimagináveis e eu não tinha
forças para deter esses sentimentos. Nem sabia se queria. O
terreno que estava pisando era perigoso, mas eu caminhava a
passos largos nele.

— Se você se sente melhor assim, Patrícia, destilando seu


veneno e relegando-se ao papel de outra, não posso fazer nada. —
Sai do meu transe de pensamentos. — Passar bem.

Sob o olhar raivoso da loira pela minha audácia, passei por


ela, peguei o elevador e fui encarar a suposta confusão que Patrícia
tinha dito que estava lá embaixo, encontrando nada além de um
colunista e o diretor do hospital com cara de poucos amigos, para
quem expliquei a situação sem levar bronca, porque não havia
razão para tal.

Não sei o que aquela invejosa ganhava mentindo, talvez


fizesse essas coisas apenas para chamar atenção.

Apresentei-me formalmente ao repórter e deixei o hospital


junto com ele. Decidimos ir até um shopping que ficava próximo dali
e concedi a breve entrevista para o homem ansioso pelo furo, mas
sem me comprometer ou dizer algo que pudesse manchar a
imagem de Jefferson, contando um pouco de como nos
conhecemos e etc... etc...

Quando terminamos e tiramos algumas fotos, garantiu-me


com um sorriso de orelha a orelha que eu seria a capa de muitas
revistas e sites de fofocas nos próximos dias e agradeceu-me tanto,
que parecia que eu tinha acabado de salvar o mundo ao conversar
com ele. Talvez eu tenha ajudado e muito o seu bolso. Tudo o que
eu realmente queria era tomar um banho longo e descansar, e
aproveitar meus dois dias com Jeff. Mídia, dinheiro e luxo não me
importavam em nada, tinha vivido a minha vida muito bem sem isso
para me apegar. E uma pontinha de mim desejava que outro
escândalo surgisse logo para desviar o foco de mim e do homem a
que estava aprendendo a amar de uma outra maneira.

Entrando no táxi e dando o endereço dele ao motorista, sorri,


cansada.

Ao menos dona Rosimeire ficaria em êxtase nos próximos


dias com os tabloides sensacionalistas.
Capítulo vinte e oito

Nos últimos dias eu estava sentindo o meu corpo mais


inchado e cansado, mas imaginei que isso fosse em razão da pré-
menstruação e do trabalho excessivo, da correria diária, já que
estava cobrindo as férias de uma colega. Além de que, nas minhas
folgas, acabava nos braços quentes e sedutores de Jefferson, o que
me deixava mais exausta. Felizmente, para a tristeza da minha mãe,
não demorou muito para que os paparazzis cansassem de nós e
partisse para o escândalo causado pelo jogador de futebol envolvido
com o tráfico de drogas e notícias de outras celebridades mais
importantes.

Mas agora a náusea excessiva que senti ao preparar um


peixe, que tinha comprado no mercado da região do Bonfim, que me
obrigou a correr para o banheiro e colocar tudo para fora, me fez
constatar que meu ciclo estava atrasado vários dias, algo que
normalmente acontecia quando estava estressada, mas que me
encheu de esperanças. Depois de escovar os dentes, mesmo
passando mal, com o cheiro do peixe cozinhando, que parecia
impregnar meu apartamento, me enjoando, sorri feito uma boba só
de pensar na possibilidade que eu poderia estar grávida, e lágrimas
escorreram dos meus olhos. Eu e Jefferson estávamos fazendo
amor sem camisinha há quase um mês e deveria ter esperado que,
em um momento ou outro, isso poderia ocorrer. Mesmo assim, eu
precisava ter a certeza que só um teste poderia me dar. Meu
coração se quebraria caso eu estivesse confundindo os sintomas
com outra coisa, mesmo que tudo dentro de mim dizia que sim.

Com os dedos trêmulos de ansiedade, peguei meu celular e


disquei o número de Jefferson, sem me importar se ele poderia
estar em uma reunião importante. Poderia ir sozinha ao laboratório
fazer um exame de Beta HCG, mas tinha prometido a Jeff que ele
participaria de todo o processo, e não descumpriria a minha
promessa. Ainda mais que, diferentemente do que eu poderia achar,
ele parecia querer esse bebê tanto quanto eu, falando com carinho
de um serzinho que não passava de um sonho meu. Não precisei
esperar muito, pois logo ele me atendeu:

— Oi, meu amor — falou com a voz pastosa e eu sorri,


adorava quando ele me chamava daquela forma, o que se tornou
bastante recorrente.

— Estou te atrapalhando, Jeff?

— Estava apenas lendo alguns relatórios e você nunca me


atrapalha, Chaveirinho, ainda mais quando estava morrendo de
vontade de ouvir sua voz. Senti saudades de dormir na mesma
cama que você, sabia? — Pude imaginar o sorriso lascivo que abriu
ao dizer aquilo, bem como os olhos dele brilhando de desejo, o que
alimentou a minha libido e a vontade de sentir o seu corpo nu contra
o meu, me fazendo amor. O enjoo que sentia foi substituído pelo
apetite sexual.

— Também senti — admiti, maliciosa, —, e muita.


Principalmente em tê-lo me preenchendo por completo, lentamente.

Ouvi ele gemer baixinho e sua respiração ficar pesada do


outro lado da linha, o que fez com que meu feitiço se voltasse
completamente contra mim.
— Você joga baixo, sabia? — A voz estava completamente
tensa.

— Até comigo mesma, Jeff... Estou sedenta.

— Hm… — Escutei uns ruídos e imaginei que ele estava se


mexendo desconfortavelmente na sua cadeira. — Nunca fiz sexo
por telefone, mas tudo tem uma primeira vez, Sofia. Não superará a
realidade, mas…

— Tentador, Jeff. Mas, infelizmente, não foi por isso que te


liguei. — Tentei focar no assunto que importava.

— Que pena, Chaveirinho. — Suspirou fundo. — Está tudo


bem?

— Sim, Jefferson. Te liguei pra te pedir para ir comigo hoje ao


laboratório fazer um exame — soei ansiosa.

— Exame? — Pareceu confuso. — Você não me falou que


tinha médico esses dias.

— Acho que estou grávida, Jeff. — Sorri novamente e,


apoiando meu aparelho no ombro, instintivamente levei a minha
mão a barriga plana, acariciando-a, mesmo que não tivesse toda a
certeza que uma vida crescia ali.
— Meu Deus, Chaveirinho! — A voz dele saiu tremida, mas
não era por medo, mas sim de emoção, e escutei o barulho dele se
levantando e se movimentando pela sala, a respiração dele
completamente descompassada, como se ele estivesse perdido no
que fazer.

— Sei que você disse que ia ter algumas reuniões


importantes hoje, mas não consigo esperar para confirmar se estou
grávida de fato. — Comecei a me justificar, sentindo certo mal-estar
por saber que o atrapalharia e desviaria o foco dele dos negócios.
— Sei o quão egoísta é pedir para você adiar esses compromissos,
mas preciso tanto saber, eu…

— Cancele tudo que tenho para hoje e amanhã, Marcos —


escutei ele falar com o secretário.

— Mas, senhor...

— Remarque-as para outro dia — foi firme, para depois voltar


sua atenção para mim, a voz doce, gentil e empolgada: — Pai
amado, Sofia, elas não me importam nenhum pouco perante a
chance de você estar grávida. E estou tremendo de ansiedade por
sabê-lo. Vou pegar um táxi, e já, já estou aí. — Fez silêncio por
alguns segundos, apenas para exclamar alto, sem se preocupar por
estar gritando: — Porra, eu amo a ideia de me tornar pai!
Gargalhou do outro lado da linha, o que me fez rir também, e
comecei a chorar de felicidade enquanto continuava a tocar o meu
ventre. A reação de Jefferson estava sendo completamente
diferente do que eu esperava, a felicidade e ansiedade transbordava
em cada palavra sua, o que me deixou um pouco nas nuvens. Toda
hesitação que eu poderia ter em relação dele ser pai do meu bebê
evaporou-se por completo.

Inspirando fundo, me sentindo quase completa, inalei o cheiro


do peixe e meu estômago embrulhou de novo. Droga.

— Preciso desligar, Jeff — murmurei ao sentir uma onda me


tomando e desliguei a ligação. Ele estava dizendo qualquer coisa,
mas não prestei atenção, pois estava correndo em direção ao
banheiro. A ânsia estava forte demais.

É, se eu quisesse ir para o laboratório, teria que tomar um


remedinho de enjoo antes.
Capítulo vinte e nove

Eu estava preso em um misto de sensações: euforia,


felicidade, êxtase e um pouquinho de medo, porque poderia ser um
alarme falso, o que causaria bastante decepção a ela, embora
duvidasse que Chaveirinho estivesse errada. A adrenalina deixava o
meu corpo completamente bambo ao ponto de não saber se minhas
pernas conseguiriam me sustentar. Definitivamente não tinha
condição alguma de dirigir e de pensar de forma coerente. Tentei me
controlar durante todo o percurso, pois surtar não ajudaria em nada,
mas não conseguia me conter.
Nunca imaginei que me sentiria dessa forma quando uma
mulher me contasse que eu poderia ser pai. Na verdade, tempos
atrás eu riria da pessoa, pois nem passaria pela minha cabeça a
mera possibilidade, já que sempre fui bastante cauteloso com isso.
Mas enquanto eu esperava o resultado, horas depois, andando de
um lado para o outro como um animal enjaulado, observando-a
ansiosa e torcendo as mãos com o canto do olho, tudo se tornava
mais real e eu rezava em silêncio para que o resultado desse
positivo.

Não havia nada que eu desejasse mais do que ser pai


juntamente com aquela mulher incrível e fazer planos com ela, que
incluía, certamente, morarmos juntos como um casal enquanto
pensávamos cada detalhe do quarto do bebê e do enxoval. Eu não
conseguia mais me ver sem ter a minha melhor amiga, a minha
confidente, amante e namorada ao meu lado. A saudade que sentia
dela todas as vezes que deixava o trabalho e não ia direto para os
seus braços era indicativo do quanto eu precisava dela. Então não
conseguia pensar em nada melhor do que morarmos juntos.
Compraríamos uma casa ou apartamento que ficasse próximo ao
trabalho dela e… Não, não faria planos sozinho, isso era
completamente egoísta, e Chaveirinho não gostaria nada que eu me
impusesse à ela. Fitando-a novamente, vi que ficava mais tensa à
medida que o tempo passava, então voltei para ela, sentando ao
seu lado. Peguei sua mão suada e entrelacei nossos dedos,
levando-a depois aos lábios.

— Será que ainda vai demorar muito? — sussurrei para


Sofia.

— Acredito que não muito mais.

— A espera é insuportável. Sinto que a qualquer momento


meu coração sairá pela boca, principalmente quando a mulher
finalmente aparecer com o resultado na mão. — Fiz uma pausa. —
Por que a gente não tentou o de farmácia?

Ela riu baixinho.

— Teria soado mais lógico, porque meu ciclo está atrasado,


mas eu tinha que complicar. — Pareceu envergonhada. — Ambos
os testes são eficazes, o de sangue um pouco mais.

— Não tem problema, querida. — Apertei sua mão com mais


força.

Quando a técnica que tinha coletado o sangue da Sofia


apareceu, longos minutos depois, o que me pareceu horas,
segurando um envelope, senti meu coração bater com força no
peito, meus dedos e corpo suarem frio, o nervosismo me tomando
por completo. Lágrimas começaram a se formar nos meus olhos, a
possibilidade de ela não estar grávida me corroendo por dentro.
Nunca estive tão ansioso por algo na minha vida.

Tanto eu quanto Sofia levantamos e caminhamos até a


mulher, que nos olhou com uma expressão completamente neutra,
aumentando ainda mais a minha aflição. Fitei-a bem, querendo uma
resposta, porém ela apenas estendeu o invólucro para Sofia que,
como se temesse o que tinha escrito, cuidadosamente o abriu com
as mãos trêmulas, removendo uma folha de papel com o resultado.
Enquanto lia, começou a chorar baixinho, e senti como se tivesse
sido apunhalado no peito. O ar parecia faltar em meus pulmões.

— E então? — questionei com a voz rouca. Eu era puro


medo, ainda mais quando a Chaveirinho não disse nada.

— Parabéns, vocês vão ser papais! — A técnica sorriu, nos


deixando a sós, e eu senti o meu corpo todo tremer, o pânico
cedendo perante a euforia de saber que ela estava grávida.

— Deus, eu serei pai! — gritei

Comecei a chorar feito uma criança ao mesmo tempo que ria


alto, e completamente alheio onde estava, envolvi Chaveirinho pela
cintura e a ergui no alto, rodopiando-a, fazendo-a soltar o papel e o
envelope para envolver meu pescoço. Fui contagiado pelo sorriso
de felicidade que se abriu em suas feições. Seus olhos claros
cintilavam e resplandeciam, e pude jurar que nunca a vi tão bela.

— Vou ser mãe, Jeff. — Riu baixinho, jogando a cabeça para


trás. — Parece um sonho do qual não quero acordar!

— E não precisará, meu amor — sussurrei, emocionado. Meu


rosto estava completamente molhado, mas não me importava. — É
muito real, querida. Nós vamos ser pais!

Quando ela se inclinou para me fitar diretamente nos olhos,


não contive o impulso e beijei seus lábios com carinho,
compartilhando esse momento com ela. Um beijo que guardaria nas
minhas lembranças para sempre, não pelo seu cunho sexual, mas
por ter selado a nossa felicidade.

Nunca pensei que ter um filho me completaria dessa maneira,


que preencheria os vazios que nem sabia que tinha dentro de mim.
Por maior que tenha sido o amor que meus avós dedicaram a mim,
eu tinha afundado no trabalho por não ter conseguido lidar com a
rejeição de Ronaldo. Mas, agora, me sentia completamente vivo,
como se minha vida estivesse de fato começando. Estebán estava
mais do que certo ao dizer que nem sempre sabíamos o que era
bom para nós. Sofia e o meu filho eram o melhor que poderia
desejar! Meu presente e meu futuro, minha promessa de felicidade
eterna. Eu já amava o pequeno, ou pequena, mesmo que não
passasse de um pontinho minúsculo na barriga dela, e estava
completamente certo de que abriria mão de tudo na minha vida pelo
meu bebê, de todos os meus bens, das reuniões e o que fosse
necessário.

Nada tinha mais importância do que ele e Sofia, e constatar


isso fez com que mais lágrimas escorressem pelo meu rosto em
meio ao beijo, e, lentamente, a deslizei contra o meu corpo para que
ela pudesse ficar em pé. Findando o contato das nossas bocas,
segurei seu rosto com uma mão e acariciei sua bochecha com a
outra. O sorriso dela em meio ao choro e a felicidade estampada
nas suas feições faziam com que meu coração batesse acelerad.
Quando ela olhou para baixo, meus olhos seguiram o seu olhar e vi
ela tocando a barriga lisa de um jeito protetor, então pousei as
minhas mãos sobre as suas em uma promessa silenciosa de que
daria a minha vida pelo fruto do nosso amor. Ficamos ali, chorando
que nem manteiga derretida, sorrindo e fitando nossas mãos, como
se não houvesse nada além da nossa bolha de felicidade recém-
descoberta, até que, em um rompante, sem deixar de tocá-la, me
ajoelhei na frente dela, ergui um pouco da sua camiseta e plantei
um beijo em seu ventre liso, sem me importar se eu a estava
molhando.

— Eu não poderia estar mais feliz, Sofia. — Beijei novamente


sua barriga enquanto ela acariciava meus fios curtos. Olhando para
cima, vi seu sorriso ficar ainda mais largo.

— Jeff — sussurrou meu nome baixinho.

— Obrigado por esse presente, meu amor — agradeci com a


voz rouca, embargada. — Por deixar que eu viva essa experiência
com você, a de ser pai, a de amar. Obrigado por me completar de
formas inimagináveis.

Ela ficou em silêncio por alguns segundos e vi que mais


lágrimas deslizaram pela sua face.

— Levante-se — pediu com a voz chorosa e assim o fiz,


apenas para que ela segurasse meu rosto com os dedos trêmulos.
— Eu que tenho que agradecer a você por me ajudar a realizar meu
sonho, Jeff. Por tornar possível.

Sem esperar resposta, beijou-me suavemente, nossas bocas


se movendo com lentidão, degustando um ao outro, dando um novo
significado ao contato. Soltando um suspiro baixinho, aproveitei o
entreabrir de lábios e passei minha língua entre eles, encontrando-a
receptiva, morna e cálida. E pela primeira vez, fechei meus olhos,
apreciando os nossos movimentos, embriagado pelo gosto doce e
pelas sensações que me dominavam. A euforia se misturava com o
sentimentalismo, a ternura, a esperança. Estava completamente
envolvido pela nossa troca, que quase não ouvi um pigarrear alto.
Atordoado, interrompi o beijo e, a contra-gosto, girei meu corpo e vi
a recepcionista nos encarando com cara de poucos amigos.

— Por favor, peço que se retirem, já estamos fechando. —


Sibilou.

— Desculpe — com o canto do olho, vi Chaveirinho se


inclinar para pegar o papel e o envelope que tinham caído de sua
mão, colocando o exame dentro da bolsa —, já estamos indo.

Começou a andar na frente e eu fiz uma careta para mulher


ao passar por ela, culpando-a por ter estourado nossa bolha
momentânea. Alcancei Sofia, pousando minhas mãos em suas
costas, e saímos do laboratório em direção ao ponto de táxi.
Quando deixamos o local, não resisti e virando-a contra mim,
abracei-a novamente, beijando o rosto molhado, embora ela já
tivesse parado de chorar.

— Nada poderia me fazer mais feliz — sussurrei ao tocar


seus lábios novamente em um selinho. — Tanto que preciso gritar
isso ao mundo, Sofia.

— Humm… — Envolveu meu pescoço, sorrindo, quando a


prensei contra a parede. — Acho que a minha ficha ainda não caiu
por completo. — Levou novamente a mão à barriga.
— Eu já estou fazendo milhares de planos na minha cabeça
— confessei, fazendo-a rir. — Não conseguirei pensar em mais
nada durante um bom tempo!

— Exagerado. — Deu um tapinha no meu ombro.

— Precisamos comemorar — disse, malicioso, e


indiferentemente se as pessoas podiam nos ver, mordi a orelha de
Sofia, fazendo-a tremer contra mim, brincando com sua libido.

Saber que a Chaveirinho estava carregando uma parte de


mim dentro de si, aumentava e muito meu desejo por ela, que já não
conhecia limites. Definitivamente, eu sentia que queimava por
dentro por aquela mulher, e agora um incêndio me corroía. Havia
algo de muito primitivo em saber que estávamos unidos para
sempre, embora não pudesse imaginar que eu desenvolveria essa
espécie de fetiche. Mal podia esperar para ver a barriga dela mais
arredondada, não tinha dúvidas que Sofia ficaria ainda mais sexy.

Imagens dela completamente nua, os seios mais inchados


com o ventre volumoso, entregue ao orgasmo, encheram minha
mente e eu senti minha boca salivar. Custou-me muito conter a
ereção que queria despontar entre minhas pernas, ainda mais
quando ela se colou a mim.
— Precisamos parar, Jeff — sussurrou me empurrando —,
não quero correr o risco de ser flagrada novamente por um
paparazzi.

Soltei um grunhido contrariado e afastei-me um pouco, mas


logo sorri. Estava contente demais para me importar com a pequena
reprimenda, além do mais, poderia continuar depois.

— Como não tenho que trabalhar amanhã e ouvi você dizer


ao seu secretário que também não, que tal darmos um pulinho em
Lagoa Santa e surpreender minha mãe e seu avô? — disse alguns
minutos depois de ficarmos nos encarando, sorrindo. — Gostaria de
contar isso pessoalmente e comemorar com eles. Eles ficarão tão
felizes!

— Bem… Não era o que eu tinha em mente quando disse


que tínhamos que celebrar, mas vamos lá. — Beijei-a novamente e
dando um passo para trás, segurei sua mão e caminhamos até o
ponto, parando próximo a um veículo.

— Bobo — abriu a porta do carro e antes de entrar, girou na


minha direção, lançando-me um olhar —, quero contar logo!

Maneando a cabeça, com um sorriso no rosto, bati a porta e


fui para o outro lado, sentando-me ao lado dela. Dei instruções ao
motorista para me levar até a minha empresa, para poder buscar o
meu próprio veículo, já que me sentia mais firme para dirigir.
Durante todo o percurso, deixei minha mão pousada em seu ventre.
O silêncio entre nós dois era permeado por troca de olhares e
sorrisos.

Eu não poderia estar mais nas nuvens…


Capítulo trinta

Completamente extasiada, eu era um misto de sensações:


entusiasmo, felicidade, uma pontinha de receio por não ter toda
certeza de que eu seria uma boa mamãe para o meu bebê,
incredulidade e plenitude. Mesmo sendo repetitiva, ainda não
conseguia acreditar por completo que o meu maior desejo tinha se
realizado: eu seria mãe. Tanto que, com as mãos levemente
trêmulas, removi novamente o resultado do exame da bolsa
enquanto Jefferson dirigia depois de termos buscado o seu carro.
Fitei o papel com o resultado que confirmava a minha gravidez.
Acho que eu ficaria por um bom tempo olhando para ele, ainda sem
acreditar. Talvez tudo se tornasse ainda mais real quando minha
barriga começasse a crescer ou quando eu visse a imagem do
primeiro ultrassom.

Meu bebê!

Sempre tinha sonhado com esse dia, mas não podia imaginar
que eu seria tragada por essa avalanche de mais puro amor. Era um
sentimento tão forte, tão puro, tão lindo, tão intenso, tão grandioso
que fez com que eu soubesse que, por maior que pudessem ser
meus medos e inseguranças, aquela criança teria tudo de mim. E de
Jefferson.

Pensar na reação dele, desde o momento em que ele pisou


no meu apartamento, com a respiração acelerada, ansioso e
perdido, até as lágrimas de felicidade, a ternura com que tocou a
minha barriga e a beijou, como se eu estivesse carregando a coisa
mais preciosa da vida dela; o amor que vi brilhar em seus olhos; as
palavras doces de como estava feliz por compartilhar comigo aquele
momento; e o agradecimento sincero, tudo isso fez com que
novamente eu cedesse as lágrimas, emocionada. Aquele homem
focado e controlado tinha caído aos prantos, se desmanchando
perante as próprias emoções ao descobrir que seria pai, ao mesmo
tempo que me dava um sorriso radiante. E eu o amei e muito por
isso, entregando de vez parte do meu coração ao pai do meu filho.
Esse momento ficará marcado em minha memória e o guardarei
para sempre no meu coração.

Olhando uma última vez para o resultado, guardei o papel


novamente na bolsa. Meus olhos estavam embaçados e senti Jeff
tocar a minha barriga, acariciando-a, quando o sinal estava
vermelho. Levei minha mão a sua, pousando-a ali.

— Temos tanto para decidir. — Sua voz soou suave,


completamente terna e rouca. Jefferson era um homem
extremamente sensível, o que me fazia derreter ainda mais por ele.
— E passará tão rápido, que mal posso contar os minutos.

— Verdade — respondi baixinho.

Mergulhada na experiência da descoberta, que estava


processando lentamente, ainda não tive tempo de analisar como a
minha vida e a do Jefferson mudariam drasticamente e como
teríamos que nos adaptar a tudo, inclusive nossa rotina, horário de
trabalho e o modo como estávamos levando o nosso
relacionamento.

— Quero estar presente em todas as etapas, estar ao seu


lado em todos os momentos, cuidar de você, Sofia — soava
bastante sério e levou a minha mão aos lábios, antes do sinal abrir e
voltar a sua atenção para frente —, e não é porque você será a mãe
do meu bebê.

— Jefferson — murmurei, completamente dominada pela


esperança que brotou no fundo da minha alma e fez com que meu
coração batesse descompassado. Poderia estar apenas me
iludindo, mas, mesmo assim, me apeguei às suas palavras.

Girei-me no banco de couro para fitá-lo, e vi as lágrimas


escorrendo pelo rosto dele enquanto dirigia. Nunca tinha visto
nenhum homem chorar por mim naquela maneira, e aquilo me tocou
de uma forma que não soube explicar. Meu Deus, estava perdida. O
amor que sentia por ele crescia exponencialmente. Hoje podia ver
que, embora ele não estivesse prometendo retribuir o que sentia, ele
me daria muito mais do que os outros homens que diziam me amar.

— Sei que não é a coisa mais romântica do mundo a se dizer,


mas quero uma família com você, meu amor. Desejo que possamos
construir um lar cheio de amor para nosso filho e para nós dois. —
Fez uma pausa, como se receasse algo, e sua voz soou
completamente aflita: — Apenas diga que me deseja, Sofia, que
quer isso tanto quanto eu, que eu irei para onde você quiser.

— Pare o carro, Jeff — pedi com a voz urgente, sentindo a


necessidade de dizer o quanto eu queria aquilo com ele, mas queria
que repetisse me encarando nos olhos. Meu coração estava
galopando no peito.

— Sofia...

— Pare, Jeff.

Vi uma expressão de dor tomar as suas feições e, instantes


depois, quando chegamos na rodovia, ele parou no acostamento,
sua respiração completamente acelerada.

— Jefferson, olha para mim. — Puxei-o pelo queixo, sentindo


os pelos pinicarem a minha palma, e fiz com que ele me encarasse.

— Sofia — sussurrou com dor, e eu senti algo se quebrar


dentro de mim, apenas para renascer como a mais pura chama.

Poderia estar sendo precipitada, mas algo dentro de mim me


dizia que eu seria uma completa tola se eu não me permitisse isso
por medo de uma decepção futura, de que ele não pudesse retribuir
meus sentimentos.

— Sim, Jeff. Não há nada que eu mais queira.

Sem esperar uma resposta, desafivelei os nossos cintos e


trouxe seu rosto em direção ao meu, tomada pela urgência que
sentia em demonstrar todo o carinho que tinha por ele através de
um beijo sôfrego, lento, mas não menos intenso. Segurando meus
cabelos, Jefferson inclinou-me, buscando o melhor encaixe,
ansioso, desesperado, intensificando seus movimentos ao travar um
duelo de línguas comigo. Nunca iria me cansar de tocar e beijar
aquele homem. Lentamente, diminuiu o ritmo até parar, deixando
um beijinho na ponta do meu nariz.

— Sou um homem de sorte, sabia?

Fiz que não com a cabeça e ele apenas sorriu, massageando


meus lábios com o polegar. Ficamos nos encarando em silêncio por
um bom tempo, sorrindo um para o outro, até que recolocou seu
cinto e, inclinando a cabeça, indicou para que eu fizesse o mesmo.
Assim que o fiz, seguiu a caminho da mansão de Estebán, dirigindo
em uma velocidade moderada pela MG-10.

Nunca um percurso de mais de quarenta minutos me pareceu


tão agradável, e embora eu estivesse ansiosa para contar a mamãe
e ao avô de Jeff que iriamos ser pais, queria que a viagem tivesse
demorado mais um pouco, pois estava sendo delicioso traçar planos
para o futuro com Jefferson. Ainda não tínhamos definido muita
coisa quando chegamos a casa magnífica de dois andares, já que
tínhamos acabado de concordar em morar juntos, mas tínhamos
algum tempo para decidir. O que realmente importava era que
formaríamos um lar.
Capítulo trinta e um

De mãos dadas com Jefferson, sorrindo feito uma boba,


sentia um frio na barriga quando adentrei a mansão e comecei a
puxá-lo em direção a cozinha, sabendo que minha mãe estava lá,
provavelmente começando a preparar o jantar. Mas para minha
surpresa, a linda cozinha dos Richelme estava completamente vazia
e eu soltei um som de muxoxo. Jefferson para me consolar levou o
dorso de minha mão aos lábios.
— Será que ela já foi embora? Queria que mamãe fosse a
primeira a saber. Na verdade, que soubesse junto com Estebán.

— Talvez os dois já estejam juntos — disse, animado. —


Acho que meu avô me disse que a essa hora costumava tomar chá
em sua sala particular.

— Tomara.

Foi a vez dele sair me arrastando pelos cômodos, como se


fosse uma criança travessa, completamente empolgado, me
fazendo rir. Definitivamente, éramos dois bobos, mas hoje, tínhamos
um motivo para isso. E eu contava os segundos para compartilhar a
novidade. Quando estávamos nos aproximando do local que eu
sabia ser quase que um refúgio de Estebán, onde ele costumava
receber visitas, muitas vezes eu mesma tinha estado lá
conversando com ele, ouvi a gargalhada alta da minha mãe e sorri
ainda mais. Ao entrar, vi minha mãe sentada de costas e de frente
para Estebán, que levava uma xícara aos lábios.

— Jefferson, não sabia que o veria hoje, ainda mais junto


com Sofia — comentou, pousando o recipiente em cima do pires, o
olhar resplandecendo de curiosidade e astúcia.

— Sofia! — Minha mãe deu um gritinho ao se levantar e


correu em direção a mim. — Que saudades, filha.
Desvencilhando-me da mão de Jeff, abri os braços para
receber Rosimeire, que me abraçou com força. Tinha a visto na
semana passada, quando ela tinha voltado de mais um encontro
com Joel, mas também estava sentindo muita saudade dela, por
mais que nos falássemos todos os dias por telefone. Amava sentir o
calor e o cheiro de hidratante da minha mãe, me era bastante
reconfortante de formas inimagináveis. Deu um beijo na minha testa
em cumprimento, o qual retribuí. Fitando bem nos meus olhos, ela
colocou uma mecha atrás da minha orelha e segurou o meu rosto,
me analisando por um bom tempo.

— Tudo bem, minha filha? — perguntou em um fio de voz,


acariciando minha bochecha; tudo nela era maternal.

Senti os meus olhos marejarem de felicidade novamente,


mas assenti, e com o canto do olho, vi Jefferson cumprimentar o avô
com um abraço. Rosimeire não parava de me encarar, parecendo
ficar levemente preocupada com as minhas lágrimas. Gentilmente
levei as minhas mãos as dela e as trouxe para baixo, pousando na
minha barriga. Um brilho de compreensão cintilou em sua
expressão.

— Sofia? — Ficou completamente emocionada e começou a


chorar baixinho.
— Sim, mamãe. Estou grávida. — Sorri para ela, que me
abriu um outro de volta.

— Filha!

Suas lágrimas ficaram mais grossas e, sem esperar uma


resposta, abraçou-me com mais força. Eu me deixei envolver,
chorando no ombro dela, enquanto minha mãe sussurrava no meu
ouvido de que iria ser vovó, beijando diversas vezes minha testa e
minhas bochechas. Nunca tinha visto minha mãe tão emocionada.

— Estou tão feliz por você, minha filha. — Pousou a mão na


minha barriga. — Por você estar realizando seu sonho em se tornar
mãe. Nunca tinha visto você tão resplandecente. Está brilhando.

— Eu já amo ela ou ele tanto, mamãe. — Coloquei minhas


mãos sobre as dela, não me contendo de felicidade.

— Sei, minha filha, e eu serei a vovó mais coruja desse


universo. — Gargalhou alto, me fazendo rir também.

— Não vai me deixar abraçá-la, Rosi? — Escutei a voz de


Estebán soar atrás de mim e eu soube que Jefferson tinha dado a
notícia a ele. — Não monopolize a menina, quero parabenizá-la
também.

— Oh — minha mãe pareceu envergonhada —, é claro.


Limpando as lágrimas com as costas das mãos, soltou-me e
eu me girei na direção do avô de Jeff, sendo recebida pelos seus
braços abertos, enquanto via com o canto do olho o pai do meu
bebê abraçar a minha mãe.

— Parabéns, querida, estou emocionado por vocês dois, e


tenho certeza que Ilda está vibrando lá no céu — falou baixinho,
com a voz embargada.

Eu não contive as emoções que se assomaram em mim ao


lembrar da doce mulher que, não tinha dúvidas, teria ficado muito
contente em saber que teria um bisneto.

— Sempre consideramos você da família, minha menina,


mas fico mais feliz ainda em saber que terei ainda mais um motivo
para obrigar você a aturar um velho como eu. — Gargalhei entre
lágrimas pelo seu comentário, dando um tapinha de leve em seu
ombro. — Jefferson não poderia ter escolhido uma mulher mais
maravilhosa para formar uma família. Vocês sempre foram perfeitos
um para o outro.

— Estebán, eu…

— Obrigada, Sofia — me abraçou com mais força —, por


fazer o meu neto enxergar que existe muito mais vida e prazer fora
do trabalho.
— Não sei o que dizer — sussurrei contra ele,
completamente sem jeito.

— Aconteça o que acontecer, somente o ame.

Senti meu corpo arrepiar com suas palavras, que me soaram


quase que proféticas, mas ignorei o sentimento. Meu coração
transbordava de esperança para me ater a algo que não fosse um
futuro junto a Jefferson e ao meu bebê. Um muito feliz.

— O amor tudo vence, minha menina — completou.

— Hum…

Não disse mais nada, me fitando com seus olhos negros,


repletos de mistérios, se afastando de mim quando Jefferson se
aproximou, envolvendo minha cintura com o braço ao dar-me um
beijo na boca na frente de todos. Logo depois, sorriu de orelha a
orelha e me trouxe mais contra o seu corpo, alisando meu braço nu.

— Ah, que saudade da minha juventude — comentou o


homem mais velho, maliciosamente —, estava sempre pronto para
chocar a sociedade.

— Até parece, vovô — Jefferson fez uma careta.


— Dona Ilda me disse que ele era o terror — minha mãe
comentou com um tom que parecia que estava contando um
segredo —, até me mostrou os recortes de jornal das vezes que
eles figuraram uns escândalos.

— Parece que estampar os tabloides é um mal de família. —


Estebán riu da própria fala e Jeff bufou, enquanto eu sentia minhas
bochechas ficarem vermelhas de vergonha. — Mas que tal um
brinde? Acho que tenho uma garrafa de champanhe guardada.
Pode pegar para nós, Rosimeire?

— Claro, senhor. — Assentiu.

— Água para mim e para Sofia, por favor — Jeff pediu ao


levar a mão à minha barriga, algo que parecia ter feito
inconscientemente.

— Certo. — Deixou a sala reservada onde estávamos.

— Careta! — Estebán o provocou, enquanto se sentava


novamente na sua poltrona favorita, e eu tive que conter a
gargalhada.

— Bem, não é novidade nenhuma. — Abriu um sorriso lento


e me levou até o sofá, fazendo-me acomodar ao seu lado.
Como resposta, o velhinho apenas estalou a língua e maneou
a cabeça, como se desaprovasse o Jefferson, mas a sua expressão
alegre o desmentia. Ele parecia bastante orgulhoso do neto, mesmo
que parecesse esconder algo para si. Mantemos uma conversa
trivial, perguntando como andava tudo, até que minha mãe voltou
com a garrafa, duas taças vazias e outras duas cheias de água.
Estéban abriu a garrafa e serviu os cálices, com minha mãe as
distribuindo à todos, inclusive pegando uma para si própria. Sabia
que o dono da casa não iria repreendê-la por isso.

— Um brinde a ela ou a ele. — Estebán ergueu a taça com


um sorriso enorme no rosto, com uma alegria que não tinha
nenhuma dúvida que também refletia nos rostos de todos nós, e o
acompanhamos.

— Que tenha muita saúde — mamãe falou mais alto,


animada, depois bebeu seu champanhe.

— Assim seja — comentei ao olhar para Jefferson.

Notei que ele parecia sussurrar uma prece baixinho para si


mesmo, que era apenas um mover de lábios. Era uma bobagem,
mas meu peito se aqueceu ao ver o quanto ele amava essa criança
ao ponto de pedir aos céus pelo seu bem-estar e saúde. Estávamos
tão envolvidos na nossa pequena comemoração, que não ouvimos a
aproximação de uma outra pessoa.
— Ora, ora, ora.

Reconheci a voz de desdém de Ronaldo, mas não olhei para


ele. Estranhamente, um bolo se formou no meu estômago e senti o
corpo de Jefferson ficar tenso ao meu lado quando ele envolveu
minha cintura e me puxou mais para si, como se quisesse me
proteger.

— Filho, se junte a nós. — Estebán parecia o único a não se


dar conta da tensão que tomou o ambiente. — Temos muito o que
comemorar!

— É mesmo? Como o quê, por exemplo? — Se aproximou e


o cheiro do perfume caro e forte invadiu minhas narinas e eu fiquei
instantaneamente enjoada. O efeito do remédio contra náuseas
provavelmente não iria me segurar por mais tempo.

— Jeff será papai! — Estéban era puro entusiasmo.

— Parabéns, Jefferson.

Embora o parabenizasse, o tom empregado por Ronaldo


revelava sua indiferença, e até mesmo um pouco de raiva. Minha
reação foi segurar a mão livre de Jefferson, que parecia se fechar
em punho, e a apertei. Tinha ouvido ele trincar os dentes,
parecendo cada vez mais perto de perder o controle, mas dessa vez
não teria nada que o impedisse. O pai do meu bebê me fitou, e eu
balancei a cabeça em negativa. Detestaria uma desavença familiar
na frente de Estebán ainda mais do que na festa. Ronaldo não valia
a pena, e nossa felicidade era muito maior do que o rancor daquele
homem. Nós seríamos pais e tínhamos muito para celebrar.

— E quem é a sortuda? Uma socialite? Uma modelo? —


provocou e senti o corpo de Jeff ainda mais tenso.

— Não, não, a Sofia.

— Ah — quando ele disse aquilo, ousei olhar para ele e o vi


arquear a sobrancelha bem-feita, e me olhar de cima a baixo com
reprovação —, ela. Felicidade aos dois. Não perderam tempo, hein?
Quem diria que ele iria engravidar a primeira que visse.

— Filho da mãe! — Jefferson rosnou, furioso. — Como ousa!

Com o canto do olho vi Estebán tomado por uma expressão


de angústia e tristeza enquanto olhava para o filho, como se
estivesse decepcionado consigo mesmo, por Ronaldo ser daquele
jeito. Senti minha náusea aumentar ainda mais; o cheiro de Ronaldo
parecia ter impregnado a sala a ponto de sufocar. Mas era hora de
tomar as rédeas da situação.
— Como se você não soubesse do meu passado com o seu
filho — falei com uma voz firme, empregando um pouco de malícia,
pouco me importando com a forma com que ele me visse. — Então
era só uma questão de tempo para que víssemos que há muito mais
entre eu e Jeff, se é que você pode entender isso. Não nos
preocupamos com a opinião alheia, não é, meu amor?

Virei-me nos braços de Jefferson e, como se testasse a


minha teoria, beijei o canto dos lábios dele, e lentamente ele
aprofundou, entrando no meu jogo. Foi um beijo curto, porém
intenso, e pude sentir a força do seu autocontrole para conter toda a
raiva que experimentava. Quando interrompeu nosso contato, fitou-
me com os olhos brilhantes, sua respiração acelerada, e dando um
beijinho na minha testa, virou-se para o pai, que tinha uma
expressão estranha na face.

— Você me conhece muito pouco, apesar de ser meu genitor,


Ronaldo, mas tenho certeza que sabe o suficiente para afirmar que
sou bem diferente de você e dou valor a outras coisas. E é nos
braços de Sofia que estou encontrando minha felicidade. E você,
descobriu a sua em alguma orgia?

Minha mãe arfou e provavelmente eu também, enquanto


Jefferson pousava a mão na minha barriga, possessivo, e o ar ficou
mais tenso. Não poderia culpá-lo por ter feito aquele comentário, a
reputação de Ronaldo nunca foi das melhores e não havia mentira
nas palavras de Jeff. Talvez só lamentasse pelo avô tê-las ouvido,
mas tinha certeza que era mais doloroso ler as notícias e
escândalos nos tabloides do que ouvi-las da boca de Jeff.

— Menino malcriado. Tenho mais o que fazer.

Ronaldo estalou a língua e deu uma risada rouca, alta e


malévola, antes de sair do cômodo, fazendo com que a bile subisse
pelo meu esôfago. Não contive mais a vontade que tive de colocar
tudo para fora. Sem dizer nada, passei por ele e corri até o banheiro
mais próximo, mas logo ouvi passos me seguindo. Nem me
preocupei em fechar a porta, com medo de que eu não conseguisse
chegar a tempo no vaso. Enquanto eu colocava tudo para fora,
gentilmente uma mão segurava os meus cabelos, acariciando os
fios. Para minha surpresa, era Estebán, sinceramente esperava que
fosse a minha mãe.

— Me desculpe por isso, minha filha, errei demais com


Ronaldo — sussurrou e meu coração doeu por ele. — Fui
permissivo demais por amá-lo. Me sinto tão culpado.

— Não se preocupe, querido, está tudo bem. Você não tem


culpa nenhuma disso, sei que você deve ter feito o melhor que
podia. — Tentei tranquilizá-lo ao levantar-me e limpar o gosto ruim
que ficou na boca. — Tenho certeza que também errarei no meu
percurso.
— Você será uma excelente mãe, Sofia. — Deu uma
batidinha no meu rosto.

— Assim eu espero.

— Eu não tenho dúvidas. Mas eu quero mesmo assim…

— Esses enjoos repentinos que serão difíceis de aguentar —


interrompi-o, rindo, mudando completamente de assunto. Não
queria que ele ficasse se martirizando por algo que, embora tivesse
sido um pouco constrangedor, não tinha culpa. Cada um era mais
do que responsável pelos próprios atos.

— Minha Ilda teve sorte, acho que só sentiu uma única vez.

— Mulher de sorte! — Gargalhei alto e dei um beijo na face


dele, dando um sorriso, e saí do banheiro seguido por ele, que
pareceu um pouco mais relaxado. Fui trocando amenidades com ele
pelo caminho até onde os outros nos aguardavam.

Voltando para a sala privativa, vi a minha mãe sentada no


sofá e Estebán se juntou a ela, enquanto eu caminhava até um
Jefferson que mantinha o olhar voltado para fora da mansão,
tentando controlar a fúria. Pousei uma mão no ombro dele e se virou
para mim, me abraçando com desespero, e apoiei minha cabeça em
seu peito, ouvindo o ritmo do seu coração e o suspiro profundo.
— Eu… — sua voz ficou embargada e eu ergui meu rosto,
pousando um dedo em seus lábios, silenciando-o.

— Sei que novamente irei falar a mesma coisa, mas não me


importo com o seu pai, não quando estou feliz demais para isso.

— Hmm… — Ficou me encarando por um bom tempo e eu


senti seu braço relaxar o aperto, sua expressão ficando mais suave.
— Você tem um grande poder sobre mim, sabia?

— Gosto de saber disso — murmurei quando passei as


pontas dos dedos pela pele do seu pescoço, e o senti estremecer
contra mim.

— Está tudo bem, Chaveirinho? — Dedilhou o meu rosto. —


Deveria ter te seguido, mas meu avô e sua mãe estavam no seu
encalço.

— Uma pequena crise de enjoo, mas estou bem. Vai ser algo
que pode ser recorrente na nossa vida. — Sorri.

— Vou ficar louco com isso.

— Você vai sobreviver, papai. — Dei um tapinha nele. —


Vamos, minha mãe deve estar preocupada comigo.
Não esperei resposta e, pegando a mão dele, puxei-o em
direção aonde Estebán e Rosimeire estavam sentados,
respondendo às perguntas da minha mãe e bebendo um gole de
água da minha taça quase intocada. O restante da tarde e boa parte
da noite se passou entre conversas e risadas, a aura ruim de
Ronaldo e o clima pesado por ele criado tornando-se um mero
fantasma em meio a felicidade. Nem mesmo a ânsia tinha me
tomado novamente.

Só muito mais tarde que pude testar o meu pequeno poder


sobre o autocontrole de Jefferson, que parecia fascinado com meu
comando, e desfrutei de cada momento em tê-lo debaixo de mim.
Capítulo trinta e dois

Fazia um pouco mais de um mês que Sofia tinha descoberto


a gravidez e eu estava cada vez mais apaixonado pelo bebê que
crescia dentro dela e pela minha doce Chaveirinho. Ainda me
lembro de suar frio quando a acompanhei na obstetra e a médica
solicitou uma série de exames a fim de saber como andava a saúde
da Sofia, receitando algumas vitaminas, minerais e ácido fólico
assim que teve os resultados em mãos. Felizmente, como nosso
tipo sanguíneo era positivo, ela não precisou fazer o exame de
tipagem e nem sofreria com problemas por causa do fator rh, o que
tinha me deixado tremendo de alívio. Sofia era uma pessoa
saudável e tudo indicava que seria uma gravidez bastante tranquila,
isso se seguisse todas as recomendações médicas, a qual tinha
certeza que faria.

Não poderia estar mais feliz, principalmente morando juntos


no apartamento dela e tendo-a nos meus braços todos os dias.
Tínhamos decidido que, enquanto não saísse o resultado do
concurso que ela prestou no hospital que tinha aberto vagas na
região onde eu morava e ela não entrasse de licença maternidade,
iríamos continuar esse arranjo antes dela se mudar para minha
casa, que estávamos trabalhando para deixar completamente pronta
para nosso bebê. No fundo, para mim pouco importava o local, pois
Sofia se tornou o meu lar, meu refúgio de várias maneiras. Enquanto
tentava concentrar-me naquilo que era dito no almoço com outros
executivos em um restaurante de luxo em um dos shoppings mais
caros de Belo Horizonte, não contive o sorriso ao lembrar das
pequenas mudanças que via nela com a gravidez. Com a barriga
levemente maior e arredondada e os seios inchados, para mim,
Sofia se tornava ainda mais linda. Não cansava de demonstrar a ela
o quanto, isso quando ela não era acometida pelos enjoos. Estava
fascinado por cada detalhe, e nada poderia me fazer parar de tocar
e beijar o seu ventre e mamilos com toda a ternura e devoção que
sentia, além da minha parte preferida, que era conversar com o
serzinho que eu sabia ser bem minúsculo enquanto acariciava a
barriga dela, mesmo Sofia tendo me falado que o bebê era pequeno
demais para escutar e que ainda demoraria muito para que
pudesse.

Tinha uma grande certeza: já me tornei um pai babão.

Soltei uma gargalhada alta, fazendo todos os outros


executivos pararem de conversar e olharem para mim. Antes
poderia me sentir constrangido, mas não mais. Eu era um novo
homem.

— Depois de mais de vinte e cinco anos, ainda consigo me


lembrar do momento e a emoção que senti quando descobri que
seria pai — um homem de cerca de sessenta anos comentou —,
ficava sorrindo feito um bobão em vários momentos. É por isso que
está rindo, Richelme? Você sempre foi muito sério e duvido que
estaria gargalhando da alta dos preços dos cortes bovinos.

— Desculpem-me, prossigam com o assunto. — Não


respondi à pergunta do homem e ele piscou para mim, como se
dissesse que, embora eu tentasse esconder, ele sabia que tinha
acertado.

Quase uma hora depois, conseguindo com esforço prestar


atenção em quase todo assunto, inclusive levantar uma possível
parceria com um produtor de legumes, me levantei da mesa depois
de me despedir deles e registrar uma reunião na minha agenda
online, e caminhei até o guichê para pagar o estacionamento.
Enquanto andava pelos corredores, uma peça na vitrine de uma loja
me chamou atenção e meu coração começou a bater mais forte. E
antes mesmo que eu me desse conta do que estava fazendo,
adentrei nela, apenas para sair com algumas sacolas.

***

— Jefferson? — A voz suave me chamou assim que entrei no


apartamento e abri um sorriso largo.

Não podia negar que sempre que chegava o final do dia,


ainda mais quando sabia que ela não estava de plantão, eu ficava
completamente ansioso para vê-la, abraçá-la e beijá-la, e adorava a
recepção calorosa que ela sempre me dava. Hoje, mais do que
nunca. A tarde tinha passado lentamente e eu não conseguia parar
de olhar para as sacolas, me questionando se ela gostaria de tudo o
que comprei. Estava receoso também, pois não sabia se ela queria
ser a primeira a comprar uma peça para o nosso bebê, ou até
mesmo estar junto comigo quando o fizesse. Não tinha certeza se
esse seria um momento importante para ela.

Colocando as chaves e a carteira em cima da mesa, removi o


blazer e caminhei até o quarto que passamos a compartilhar, e a vi
deitada esparramada na cama, de olhos fechados, com um sorriso
no rosto enquanto tocava a barriga. Seus cabelos longos e loiros
formando uma cascata contra a fronha, e a camisola de seda
rendada deixando o topo dos seios e as pernas bem-feitas a mostra,
tornavam-na uma verdadeira deusa. Observei-a por um bom tempo,
apreciando a imagem, que me enchia de um desejo brutal e
primitivo de remover a peça lentamente e cobri-la com o meu corpo
nu, fazendo-a se contorcer e gemer debaixo de mim. Senti a ereção
se formar no meio das minhas pernas, mas ignorei-a, quando me
aproximei dela e, colocando as sacolas no chão, beijei sua boca ao
inclinar-me, a qual ela retribuiu ao abrir os olhos. Deus, como eu
amava aquela mulher. Seu cheiro, seu gosto, sua responsividade.
Sim, a paixão que me consumia se transformou lentamente em
amor. Amava tudo nela e estava pensando seriamente em dar o
próximo passo. Ela merecia isso.

Segurando meu rosto, acariciou minha bochecha e fitou-me


com seus olhos castanhos radiantes.

— Como foi o dia hoje, querido?

Deu um beijinho na minha bochecha e empurrou-me


levemente, se ajeitando na cama, sua camisola subindo até o topo
das coxas. Divina. Não resisti e subi no colchão, ajoelhando entre
suas pernas, tomando cuidado com a barriga dela, um exagero da
minha parte já que não machucaria o bebê, que era do tamanho de
um pequeno limãozinho. Nossos rostos ficaram próximos um do
outro.

Gostava dessa conexão que existia entre nós, do olhar.

— Atribulado, mas consegui fazer tudo que precisava. Nada


de trazer trabalho para casa — sorri, malicioso, e ela enlaçou meu
pescoço.

— Assim que eu gosto, senhor Richelme. — A voz manhosa


reverberou em mim, me deixando ainda mais excitado, mas apenas
toquei a sua barriga.

— E como foi o seu dia, Chaveirinho?

— Bem, apesar do enjoo de manhã — ronronou.

— E a nossa princesa?

Fiz um pouco de malabarismo na cama e, erguendo a


camisola de Sofia, beijei a barriga dela.

— Diga oi para o papai, meu amor. — Acariciei-a como se,


desse modo, pudesse ficar mais próximo ao meu bebê.

— Você nem sabe se será uma menina ainda, Jeff. — Deu


uns tapinhas na minha mão, gargalhando. — Pode ser que seja um
menininho.

— Se for, amarei meu meninão da mesma forma, mas algo


dentro de mim diz que será uma menininha, e que será a cara da
mãe — meu tom tinha um quê de sonhador e os olhos dela
cintilaram, divertidos —, completamente linda.

— Hm, não tenho tanta certeza disso. — Passou os dedos


por entre meus fios. — Se for, já tenho que ir preparando você
desde já para quando ela crescer. Ainda mais quando deixar de ser
o homem da vida dela.

Quando ela disse isso, bufei e fiz uma careta; Sofia riu da
minha cara. A única parte ruim de tornar-me pai de uma menininha
seria lidar com os cuecas dando em cima dela quando crescesse,
ainda mais se for tão bela quanto a mãe. Só de pensar eu já
começava a me morder de ciúmes.

— Vou usar uma espingarda de sal para afastar todos eles.


Não vou deixar nenhum ciscar no meu terreno — falei com
convicção. Não deixaria que ninguém magoasse a minha
menininha.

— Besta.
— Quer apostar comigo, Sofia, de que será uma menina? —
Ergui minhas mãos e as deslizei pela pele macia dos seus ombros,
fazendo ela soltar um suspiro de deleite com a pequena carícia.

— O que eu ganharei se eu acertar?

— Além dos meus beijos? — Fiz uma pequena pausa. — Se


não for uma menina, deixarei que você coloque o nome dele de
Pedro como bem quer. Se eu acertar, ela se chamará Malu.

— Huum, você é bom para resolver impasses, senhor


Richelme. — Sorriu para mim. — É assim que você costuma
conduzir suas negociações?

— Eu só cedo a você, meu dengo.

— Me sinto lisonjeada em sabê-lo e eu aceito sua aposta.

Ergueu meu rosto, inclinando o seu para me dar um beijinho,


selando o nosso acordo, mas logo o roçar se tornou um mover de
bocas e línguas, lento, delicioso. Soltando um gemido abafado pelos
lábios dela, não deixei que fôssemos mais além, embora meu corpo
quisesse isso. Por um momento, tinha esquecido completamente do
que eu tinha comprado. Sofia tinha a capacidade de roubar toda
minha concentração e foco.
— Tenho que te mostrar algo, Sofia — sussurrei contra seus
lábios, roçando-os suavemente.

— Não pode ser depois? — A voz sexy e seus dedos abrindo


alguns botões da minha camisa social quase me fizeram mudar de
ideia, mas a ânsia de saber o que ela acharia daquilo que comprei
me dominou.

Movi a cabeça em sinal de negativa e me movi na cama de


joelhos, até encontrar a borda e me levantar. Com Sofia me olhando
atentamente, me aproximei de onde estavam as sacolas e ela soltou
um barulhinho.

— O que é isso? — Apontou para os embrulhos.

— Não sei se você vai gostar muito — falei com a voz


levemente tensa. Dando a volta na king, sentei-me ao lado dela
quando ela se ajeitou na cama. — Talvez eu tenha me precipitado.

— Por que acha isso, Jeff? — perguntou, preocupada, e


tocou o meu braço.

— Agora, olhando para você, sinto que deveríamos ter feito


isso juntos.

Arqueou a sobrancelha bem-feita e não disse nada quando


pousei a sacola em cima do seu colo com a principal peça que tinha
comprado. Quando a vi lentamente abrir o embrulho, senti um
calafrio percorrer a base da minha coluna e minhas mãos suaram
frio, com a ansiedade me corroendo por dentro. Delicadamente
removeu a peça do embrulho e vi os olhos dela se encherem de
lágrimas ao pegar o pequeno macacãozinho de lã marrom e uma
touquinha com orelhinha de ursinho, e eu senti meu coração se
apertando em angústia.

— Jefferson… — murmurou tão baixinho que quase não


escutei e senti que eu mesmo estava prestes a chorar.

— Me desculpe, querida. — Engoli em seco e fitei minhas


mãos, que estavam voltadas para cima.

— É lindo… — Apertou a roupinha contra o peito e soluçou.


— Por que você achou que não iria gostar?

— Achei que você gostaria de ter comprado a primeira peça


do nosso bebê — sussurrei. — É algo importante.

— Jeff — escutei Sofia se movimentar e senti sua respiração


mover alguns fios do meu cabelo —, é um momento inesquecível,
sem dúvida.

Quando ela disse aquilo, sentime afundar por dentro. Criando


coragem, ergui meu rosto para olhar para ela, mesmo que as
lágrimas embaçassem minha visão.

— Mas me é ainda mais importante o fato de você ter


pensado no nosso bebê, em amá-lo com tanta força. Não tem ideia
do quanto. — Fungou baixinho. — Guardarei eternamente na minha
mente e coração a lembrança de cada pequena coisa, cada gesto, a
ternura e a preocupação que você tem comigo. Então, não,
Jefferson, não estou triste. — Entrelaçou nossos dedos e os colocou
sobre o macacãozinho. — Pelo contrário, estou cada vez mais
apaixonada por você.

Ao ouvir suas palavras não me contive mais e, em meio às


lágrimas e soluços, confessei para ela como me sentia:

— Eu amo você, Chaveirinho, com todo o meu ser. — Ela


emitiu um som baixinho. — Com a minha alma, com o meu coração.
Se eu for sincero comigo mesmo, acho que eu sempre te amei e sei
que sempre te amarei. Você faz com que me sinta uma pessoa
melhor, preenche todos os vazios da minha vida. Me deu um
sentido, esperança e uma família.

— Meu Deus, Jeff. Não sei o que dizer.

— Apenas continue correspondendo aos meus sentimentos,


Chaveirinho. — Levei a mão dela aos lábios e plantei um beijo no
dorso, e ela fez o mesmo comigo. — Que tal ver o resto das coisas
que comprei? Tive um surto na loja.

— Você, perdendo o controle?

Gargalhou alto e não resisti em roubar uma bitoca, a risada


dela me contagiava e me deixava completamente insano.

— As vendedoras gostaram muito de mim, sabia?

— É mesmo? — Fez biquinho. — Um homem lindo como


você, como não gostar? Droga de concorrência.

Arqueei a sobrancelha, cético.

— Quanto a isso, você não tem com o que se preocupar. Só


tenho olhos para a minha dama.

— Humm, isso mesmo. — Fingiu que estava emburrada, mas


logo sorriu.

Gargalhando, peguei uma outra sacola e pousei no colo dela.

— Esse é fruto do meu palpite! — comentei quando ela


pegou um dos pacotes, e desembrulhou a peça.
— Jeff! Um vestido! — Balançou a cabeça em negativa e
olhei para a roupinha cheia de babados rosas, dando de ombros. —
Só você mesmo.

— Tenho fé nos meus instintos.

— Nem um pouco convencido, hein, Grandão?

Gargalhamos bastante e continuamos assim, num clima


amistoso e envolto na nossa bolha de felicidade, comentando cada
peça, nos tocando e nos beijando. Não havia mais nada que eu
poderia querer.
Capítulo trinta e três

Eu sentia minha mão suando frio e meu estômago embrulhar


enquanto esperava a obstetra nos chamar para que eu e Jefferson
entrássemos no consultório médico. O atraso de meia hora no
horário do atendimento em nada nos ajudava, pois tanto eu quanto
o homem que amava estávamos uma pilha de nervos. Finalmente
tinha chegado o dia de fazer o primeiro ultrassom, já que a médica
recomendou fazer o exame quando completasse a sétima semana.
Eu estava tomada pela felicidade, ansiedade e a sensação de que
hoje eu teria um dos momentos mais importantes da minha vida,
pois conseguiria ouvir o coração do meu bebê e vê-lo pela primeira
vez. Das grávidas que convivi, todas me disseram que era um dos
momentos mais emocionantes da maternidade, e eu contava cada
minuto para vivenciar essa experiência. Pensar nisso fez com que
eu abrisse um sorriso e acariciasse minha barriga instintivamente; o
ato tornou-se um hábito que nem me dava conta que fazia.

— Acho que terei um troço. — Jefferson puxou o ar com força


e o soltou ruidosamente. — Não sei como sobreviverei até ela
nascer.

Ergui minha sobrancelha e virei-me para ele. Não discutiria a


respeito do sexo do nosso bebê, definitivamente era uma causa
perdida.

— Eu que estou grávida e você é que vai ter um ataque


nervoso? Trate de ficar inteiro, papai — zombei.

— Nem mesmo frente a frente com os piores negociantes, eu


me senti tão aflito. Parece que meu coração sairá pela goela. —
Deu de ombros, ignorando a minha provocação. — Talvez durante a
sua segunda gravidez tudo fique mais fácil, mas eu duvido.

— Quer ter mais filhos comigo, Jeff? — Não escondi minha


surpresa, pois em momento algum tínhamos conversado sobre isso,
e ele pousou a mão na minha.
— Quantos eu puder e você quiser.

— Se eu fosse você, não diria isso. Quero ter um time de


futebol inteiro. Tenho que aproveitar que o cara com quem estou
saindo pode sustentar todos eles, sabe? — brinquei.

— Não sabia que a mulher que eu amo era tão interesseira.


Não sei se gosto muito disso.

— Tenho certeza que um CEO bem-sucedido como você


pode se dar esse pequeno luxo.

— Por você, eu dou um jeito. — Deu um beijo na minha


bochecha e completou, malicioso: — Afinal, será muito gostoso
produzir bebês.

— Jeff! — repreendi-o e senti que corava como uma boba.


Era um lugar completamente impróprio para sentir isso, mas uma
onda de desejo me assomou.

— Vai me dizer que não gostará disso?

Enquanto ele falava, uma mulher saiu do consultório com um


sorriso de felicidade no rosto e não mais prestei atenção no que
dizia. Eu era pura expectativa. Não sabia se seria a próxima a ser
chamada, já que havia outras duas também aguardando
atendimento. Os minutos se passavam e nada da obstetra chamar
alguém, o que aumentava o meu nervosismo. Com o canto do olho,
vi Jefferson se remexer inquieto em sua cadeira, e notei que o ar
malicioso e descontraído tinha sumido completamente das suas
feições, para dar lugar a ansiedade. Quando a médica se aproximou
da porta, meu coração bateu com mais força.

— Sofia Gouveia? — Chamou meu nome e senti o alívio me


tomar.

Jefferson deu um pulo no seu assento e se levantou antes de


mim, ajudando-me a me por de pé. Pousou a mão nas minhas
costas enquanto caminhávamos para dentro do consultório. Como
era padrão, assim que sentamos, ela olhou alguns exames que
tinha pedido e fez algumas perguntas padrões, tipo se estava
tomando as vitaminas corretamente, como andava os enjoos e
outras coisas rotineiras.

— Parece que está tudo certinho com seus exames e com


sua saúde, mãe — disse depois de medir a minha pressão,
constatando que estava tudo bem. — Vamos então ao momento
mais aguardado?

— Sim. — Sorri para ela e apertei a mão de Jefferson, que


estava completamente gelada. Em algum momento durante a
consulta, ele tinha unido nossos dedos.
— Coloque essa camisola, por favor — pediu e eu peguei a
peça da mão dela. — Pode se trocar no banheiro ali no cantinho.

— Não é abdominal? — Jefferson perguntou, confuso. Como


pai de primeira viagem e leigo, provavelmente não sabia que aquele
tipo de ultrassom só seria realizado a partir do primeiro trimestre.

— Não, papai, mas não se preocupe, é simples e indolor e é


completamente inofensivo para o bebê. Ele ajudará a diagnosticar
como anda a Sofia e a verificar se o feto está no local correto —
explicou.

— Entendo.

Deixei os dois conversando e fiz o que ela tinha pedido,


voltando minutos depois. Não esperei que ela me indicasse a
cadeira de exames, que estava coberta com um papel, e me
acomodei nela. Meus olhos ficaram fixos na tela, mesmo que o
ultrassom ainda não houvesse começado. E quanto mais eu olhava
para ela, mais meu coração começava a bater mais rápido, porque
em poucos minutos teria a experiência mais marcante da minha
vida.

— Vamos lá então. — A médica se levantou e Jeff fez o


mesmo, aproximando-se de mim. — Pode ficar ao lado dela, papai.
O homem que amava assentiu e me deu a mão, a qual eu
apertei gentilmente. Nem prestei atenção no preparo dela para a
realização do exame, apenas fiz o que ela pediu e senti um leve
desconforto quando ela introduziu o tubo dentro de mim, mas logo
passou quando a imagem do meu bebê, que era do tamanho de um
limãozinho, preencheu a tela, e fui dominada por uma emoção
indescritível. Não havia palavras para descrever a sensação. Meu
coração ficou mais acelerado. As lágrimas começaram a escorrer
pelo meu rosto copiosamente, e um sorriso enorme se formou em
meus lábios. Por mais que soubesse que seria a coisa mais linda
que viveria, não estava preparada para esse turbilhão de emoções.

Se ver a imagem tinha sido uma experiência completamente


apaixonante, chorei ainda mais quando o pequeno eco do coração
do meu bebê ressoou no consultório; apertei a mão de Jefferson
com força. Esse som, que me pareceu a mais doce das melodias,
ficaria para sempre guardado na minha lembrança, pois nunca
poderia esquecê-lo. Misturado ao soar da batida, ouvi alguém
fungando e olhei para o Jeff, percebendo que seu rosto estava
tomado pelas lágrimas. Seus olhos avermelhados vidrados na
imagem e sua mão livre cobrindo a boca mostravam que estava
bastante emocionado, tanto quanto eu, parecendo prestes a
desmoronar, e essa emoção deixava o momento ainda mais
especial.
— Meu bebê — murmurou para si mesmo e eu levei a mão
dele aos meus lábios, plantando um beijo no dorso e ele me fitou. —
Obrigado, Sofia. — Apenas moveu os lábios e aquilo enterneceu-
me.

Sorrindo ainda mais, voltei minha atenção para a imagem e


escutei atentamente cada batida, aproveitando todas as sensações.

— Parece que está tudo certo com o bebê, papais — a


médica me tirou do transe, findando o exame que, embora durasse
alguns minutos, me pareceu curto demais. — Está tudo bem, senhor
Richelme? O senhor quer uma água?

— Não é necessário — disse baixinho ao apertar minha mão,


ainda parecendo em transe. — Só não sabia que me sentiria assim.

— É indescritível — comentei.

— Sim, maravilhoso. Agora por favor, senhorita Gouveia,


pode trocar de roupa.

Assenti e quando me desvencilhei dele, Jefferson pareceu


despertar dos seus próprios pensamentos. Ajudou-me a levantar da
cadeira e me acompanhou até a porta do banheiro, já que minhas
pernas pareciam um pouco moles pela emoção. Quando voltei, ele
parecia mais recomposto, mas radiante, sentado à frente da médica
e me juntei a eles.

— Vocês têm mais alguma dúvida?

— Podemos descobrir o sexo do bebê antes do próximo


ultrassom, doutora? — Jeff perguntou, ansioso, e tive que conter a
vontade de rir alto.

Ele não sossegaria enquanto não descobrisse o sexo do


nosso bebê. Para ser sincera, Jefferson estava completamente
doido para saber, bem mais do que eu.

— Sim, mas a sexagem fetal só pode ser feita a partir da


oitava semana. Será coletado o sangue da mãe e por meio dos
fragmentos de DNA, poderá ser identificado se ele tem ou não o
cromossomo Y.

— Entendo.

— Nossa clínica oferece esse exame, posso prescrever se


vocês quiserem.

— Obrigada, doutora, queremos sim — respondi antes de


Jefferson, com minha curiosidade para saber logo o sexo do nosso
bebê avivada pelo entusiasmo dele pelo assunto.
— Okay. Também deixarei com vocês o pedido de retorno.

— Obrigada — ele murmurou.

Pouco tempo depois, deixamos o consultório e aguardamos


na recepção pelas imagens do ultrassom, que Jefferson tinha
pedido para guardar com ele, para minha completa surpresa. Não
havia pensado nesse detalhe, pois a imagem ficaria totalmente
vívida em minha mente. Quando foi entregue o nosso envelope, ele
puxou o exame e voltou a chorar enquanto olhava a fotografia, nem
sabia que seria daquele tamanho.

— Lindo, né? — Tocou a imagem do nosso bebê com as


pontas dos dedos.

— Sim. — Meus olhos marejaram pela emoção com que


falou.

— Vou emoldurar e colocar no meu escritório — sussurrou.


— Quero sempre olhar para ela. Todos os dias da minha vida.

— Jefferson…

— Vamos mostrá-la ao meu avô e à sua mãe? Quero


compartilhar isso com eles. — Guardou a imagem no envelope e eu
sorri, me levantando.
— Não consigo pensar em uma ideia melhor.

Durante todo o caminho até Lagoa Santa, Jeff não parava de


falar e fazer planos, e principalmente do quanto que estava ansioso
pelo próximo exame.
Capítulo trinta e quatro

Soltando um bufar, larguei os papéis na minha mesa,


desistindo de ler os primeiros relatórios da fábrica, que tinha sido
inaugurada no sul do país e já tinha começado a abastecer o
mercado dos países fronteiriços graças ao meu acordo com Hernán,
o que aumentou e muito o crescimento da Comer Bem. Mas
enquanto aguardava Sofia entrar no meu escritório com o resultado
do exame de sexagem fetal, eu não conseguia sentir nada além de
angústia, ainda mais quando olhei meu relógio de pulso e vi que já
tinha dado e muito o horário que o laboratório tinha marcado para
buscar os resultados.

Abrindo o colarinho da minha camisa e os botões do punho,


levantei-me da minha cadeira e caminhei até a janela, vendo dali a
fachada de outros prédios do centro da cidade e os carros passando
lá embaixo. Absorto na minha ânsia, quase que não reparei que
alguém tinha entrado no meu escritório sem bater, algo que não
costumava admitir. Irritado, girei meu corpo em direção a pessoa e
tudo em mim se suavizou quando vi que era Sofia. Caminhando
lentamente, pousou a bolsa em cima da minha mesa e, quando ela
se aproximou, a abracei, cumprimentando-a com um beijo doce e
cálido, que era totalmente contrário a ebulição que sentia dentro de
mim. Ela merecia sempre o meu lado mais terno e romântico.

— Senti saudades. — Coloquei uma mecha do cabelo loiro


atrás da sua orelha e ela confessou baixinho: — Não gosto muito
desses nossos desencontros por conta dos meus plantões.

— Também não, mas é necessário. — Beijei sua fronte e ela


pousou uma mão no meu peito.

— Infelizmente sim, mesmo que você tenha feito de tudo para


fazer nossa vida encaixar uma na outra. Já agradeci por se
sacrificar tanto, Jeff?
— Não é nenhum sacrifício para mim fazer a mulher que amo
feliz. — Eu não me cansava de dizer o quanto a amava e em
expressar meus sentimentos, por mais piegas e pedante que
parecesse.

— Também amo você, Jefferson.

Quando ela disse isso, tudo pareceu certo. A apertei em


meus braços, tomando cuidado para não a machucar, dominado
pela emoção de saber que eu era amado por aquela mulher. A
euforia fez com que novamente tomasse seus lábios sem nenhum
comedimento, demonstrando a ela com a minha fome o quanto a
queria, e ela retribuiu na mesma intensidade, acompanhando meus
movimentos e gemendo contra minha boca. Fincou a unha nos
meus ombros, intensificando ainda mais o beijo até que o
interrompeu, em busca de ar.

— Pensei que estaria ansioso.

— Para ser sincero, estou morrendo de ansiedade.

— Então porque não pediu para ver logo?

Se afastou de mim e caminhou até a bolsa, pegando um


envelope dentro dela, aproximando-se de mim novamente.
— Gosto de beijá-la também. — Dei de ombros. — Já viu o
resultado?

Fez que não com a cabeça.

— Não conseguiria fazer isso sem você, Jeff. Ainda mais que
combinamos de descobrirmos tudo juntos.

— Obrigado — dei um selinho nela. — Isso é muito


importante para mim.

— Sei disso, querido. — Estendeu o invólucro de papel para


mim. — Faça as honras.

Não aguentando mais, sentindo-me levemente bambo,


peguei o papel com os meus dedos trêmulos e, suando frio, o abri,
puxando a folha. Lendo-o, senti o meu coração parar e a vista ficar
embaçada. Senti meu corpo todo tremer como nunca antes.

Uma menininha… Deus, eu vou ter uma linda menininha.

— E então, Jeff? — Espiou o papel de cabeça para baixo e


depois de um tempo exclamou com a voz chorosa: — Uma menina!

— Minha Malu! — gritei.


Gargalhei alto, jogando a minha cabeça para trás. Quanto
mais e mais aquilo que eu tinha lido no papel foi absorvido pela
minha mente, mais feliz ficava. Não me importava se o meu
secretário escutasse, provavelmente, eu acabaria contando para ele
de todo modo. Eufórico, ajoelhei-me perante a Chaveirinho, levantei
sua blusa um pouco e acariciei seu ventre.

— Oi, Malu, é o papai de novo. — Beijei a barriga de Sofia. —


Papai já ama tanto você, minha Lulu.

— Oh, Jeff. — Acariciou meus cabelos curtos. — Adoro


quando você fala com a nossa bebê.

— E não vejo a hora dela me responder ao se mexer ou


dando pequenos chutes. — Deixei uma trilha de beijinhos pelo
abdômen.

— Hey, você fala isso porque não vai doer em você — disse
em tom brincalhão, me empurrando.

— Tenho certeza que você tirará de letra. Falando em dor,


temos que pensar como você quer o parto. — Eu era pura
animação.

— Está muito longe ainda. — Foi suave.

— Temos que planejar como será.


Sofia não resistiu e começou a rir, fazendo com que eu a
encarasse.

— É, filha — levou a mão à barriga e balançou a cabeça


lentamente —, era eu que desejava ser mãe, mas será o papai que
pensará em todos os detalhes. Seu pai é muito controlador, sabia?
Mamãe não sabe como sobreviverá aos surtos dele até você nascer.

Resmunguei, mas acabei sorrindo. Levantei para dar um


beijo na cabeça de Sofia, enquanto pousava minha palma contra a
dela, desfrutando do seu calor.

Não tinha como negar, eu era a personificação do papai de


primeira viagem desesperado.
Capítulo trinta e cinco

Cerrei os dentes e apertei o volante com força enquanto saía


da sede da Richelme Alimentos em direção a casa do meu avô.
Tinha ficado furioso quando Ronaldo tentou vender a empresa, mas
agora meu estado era mil vezes pior. Fazia meses que ele não
aprontava nada. Parecia que ele tinha feito uma viagem para sei lá
onde, mas eu estava envolvido demais com a mudança de Sofia
para nossa casa e com a minha princesinha que estava crescendo
dentro dela para me importar. Embora continuasse a cuidar da
Comer Bem, tinha negligenciado um pouco a empresa do meu avô.
Não que me culpasse por isso, pois nada me era mais importante
que as duas mulheres da minha vida, e cada minuto do meu tempo
livre, eu passava com elas e assim eu continuaria, pois me sentia
mais leve, mais feliz e, principalmente, amado.

Hoje via com clareza que o poder e dinheiro poderia ser, sim,
importante, mas não mais do que se doar a outro alguém e ser
recebido com tanta ternura. E amar. Era curioso como esse
sentimento parecia crescer cada dia mais em meu interior, ao ponto
das palavras não serem mais o suficiente para expressar como eu
me sentia.

Mas Ronaldo tinha que estourar a minha bolha e foder com


tudo.

Sabia que a Richelme estava passando por algumas


dificuldades financeiras há algum tempo, mas não poderia imaginar
que meu genitor começaria a demitir em massa funcionários de
baixo escalão que eram a força motriz da empresa. E pior, sem
nenhuma justificativa, já que tinha dinheiro em caixa que ele ainda
não tinha conseguido desviar. Talvez o objetivo fosse arrastar a
empresa ainda mais na lama.

Isso foi a gota d’água.


Tinha me esquecido completamente que Estebán tinha me
prometido que tiraria Ronaldo do cargo caso eu desse a ele um
novo herdeiro. Estava envolto demais, curtindo cada momento de
ser pai, de acompanhar os ultrassons, vendo a imagem da minha
Malu e ouvindo seu coraçãozinho, de observar o corpo de Sofia se
modificar, de sentir na minha palma cada chute que a Lulu dava na
barriga da mamãe. Mas estava na hora de cobrar essa promessa.

Estacionando o carro de qualquer jeito, avancei rapidamente


em direção a mansão, bufando como um touro, e sem me preocupar
com o que os funcionários poderiam pensar, caminhei até a sala
privativa do meu avô esperando encontrá-lo ali. Ele não me
decepcionou, pois assim que entrei, o vi tomando seu café. Quando
notou minha presença, vovô ergueu a vista, me fitando.

— Jefferson. — Pousou a xícara no pires.

— Estebán. — Minha voz saiu mais grossa do que eu


gostaria e ele arqueou a sobrancelha quando me aproximei.

— Sente-se — apontou para a poltrona a frente dele e assim


o fiz —, suponho que não seja uma mera visita de cortesia da sua
parte.

— Infelizmente, não. — Remexi-me no assento. Eu era pura


tensão, tanto que não consegui me conter de fechar e abrir minha
mão em punhos.

— Então vá direto ao assunto, pois pela sua expressão não


gostarei em nada de saber a notícia.

— De fato. — Suspirei profundamente, tentando me controlar


um pouco. Ele não merecia a minha raiva, apenas Ronaldo. — Fui
chamado para uma reunião de urgência essa manhã e descobri que
o presidente da Richelme promoveu nos últimos dias uma demissão
massiva de colaboradores e utilizou como justificativa o corte de
custos.

Vi a expressão do meu avô ser tomada pela raiva e o olhar


dele cintilou com algo perigoso, porém ele ficou em silêncio, preso
nos próprios sentimentos.

— Isso não pode continuar. Mandei recontratá-los e dar uma


bonificação pelo contratempo, poupando alguns processos
trabalhistas, mas será impossível que todos aceitem.

— E com toda razão — soltou um som de decepção —, seu


pai foi longe demais dessa vez. Ele sabe o quanto os funcionários
da Richelme, todos, são importantes para mim. O quanto valorizo
cada um deles e que a empresa nada seria sem eles.
— Sim, vovô. E diante desse fato, quero que você cumpra a
sua parte do acordo. Não podemos continuar assim. Eu te dei uma
herdeira, agora é sua vez de rebaixar Ronaldo — suavizei meu tom
de voz ao ver meu avô tomado pela tristeza, o que me fez sentir
ainda mais raiva do meu progenitor.

Estebán tinha dado de tudo para Ronaldo, uma vida regada


de comodidades e luxos, mais do que qualquer um poderia querer,
mas tudo que ele dava em troca era trabalho e decepções. E isso
me deixava mais irritado do que nunca, impotente. Pelo amor de
Deus, será que não via que o pai dele já tinha mais de oitenta anos
e cansado demais para limpar a sujeira dele? Porra! Tive que conter
a onda de fúria cega que me invadiu e com ela a vontade de socar a
mesinha de centro feita de madeira. Eu não era ignorante e não
passaria a agir como um.

— Por mais que me doa, pedirei que ele me encontre


amanhã para comunicá-lo disso. Não fugirei da minha promessa,
filho. — Suspirou com pesar.

— Nunca esperaria menos de você, vovô. É um dos homens


mais íntegros que já conheci.

Ele não disse nada e o encarei, vendendo-o pegar com suas


mãos trêmulas a xícara, levando-a torpemente aos lábios. Engoli em
seco ao dar-me conta da aparência frágil dele, algo que pareceu
transcorrer do momento que entrei e dos minutos que estava ali. Foi
inevitável não sentir uma pontinha de culpa, pois eu que o estava
pressionando, de certo modo tomando uma decisão difícil em prol
da empresa dele. Me senti mesquinho, pois por mais que Ronaldo
fosse uma pessoa desonesta, era filho dele. Deveria ter deixado
para lá, afinal tinha minha própria riqueza, mas algo dentro de mim
se revoltava em ficar de braços cruzados e ver todo o trabalho do
meu avô jogado no lixo. Sim, poderia ter mudado bastante depois
que comecei a me relacionar com Sofia, mas talvez ainda
continuasse sendo um homem ganancioso. O que me fez sentir
ainda pior.

— Desculpe, vovô, por forçá-lo a isso — murmurei, sentindo


uma pontada de dor no peito por ver o grande Estebán
desmoronando.

Assentiu com a cabeça e ficou em um silêncio agonizante,


preso nos próprios pensamentos, até que colocou novamente a
xícara sobre a mesa. Me fitou com seus olhos que continham um
misto de raiva, dor e cansaço.

— Sabe, filho? — ergueu a mão em um gesto especulativo.


— Quando propus esse acordo, não esperava que de fato tivesse
que levá-lo a cabo.
Arqueei a sobrancelha, incrédulo e confuso, mas esperei que
ele continuasse.

— Mas ele me obriga a fazê-lo e não me deixa nenhuma


outra alternativa — disse com dor.

— Não entendo o que você quer dizer com isso, vovô —


disse em um fio de voz.

— Queria que fosse apenas um subterfúgio para você


encontrar a própria felicidade com uma família — confessou, e foi a
duras penas que não emiti um bufar em descrença —, você não
sabe, Jefferson, mas depois daquele dia em que fiz a proposta a
você, dei uma série de ultimatos em Ronaldo. E a última chance
dele foi quando soube que estava sondando a venda da Richelme.

— Você só estava me manipulando esse tempo todo? —


Senti um frio me tomar, uma dor surda, e tive que me segurar para
não sair correndo. Parecia que eu era novamente o menino
machucado pelo parente.

— Não, meu neto. — Vi mais dor surgir em seu olhar quando


o questionei.

— Como não? — sussurrei a pergunta.


— Você não foi o único a quem prometi algo, meu filho.
Espero que me perdoe por isso. — Vi uma lágrima escorrer pela
face marcada pelas rugas e pela tristeza.

— Para quem? — Meu coração acelerou, parecendo saber a


resposta. Eu, estranhamente, me senti em paz.

— Jurei a Ilda que faria de tudo em prol da sua felicidade e


que não deixaria você seguir os mesmos passos que eu. Sua avó
me salvou com o seu amor, Jefferson.

— Vovô…

Estava completamente preso na minha própria emoção. Tudo


bem que ele tinha interferido enormemente na minha vida, mas não
conseguia sentir raiva dele e muito menos da sua promessa. Os
dois tinham sido como pais para mim, me amaram
incondicionalmente, e me deixava completamente sem chão saber
que até mesmo no final da sua curta vida, minha avó tenha pensado
em mim. Senti minhas próprias lágrimas escorrerem pelo meu rosto
e nem me preocupei em escondê-las.

— Peço que me desculpe, Jeff. Por tudo.

Não disse nada, apenas levantei da minha poltrona e


caminhei até o homem que parecia se encolher na sua.
— Levante-se, Estebán — ordenei com a voz suave e ele me
fitou com intensidade, se perguntando o que eu queria com isso,
mas assim o fez.

Não esperei ele dizer mais nada, apenas envolvi-o em um


abraço apertado, que eu tanto precisava.

— Obrigada, vovô.

— Nós sempre te amaremos, meu filho, e muito.

— Eu amo vocês dois também.

Abraçado ao meu avô, senti sua tristeza por causa de


Ronaldo, e tive nesse instante a certeza de que, independentemente
do que acontecesse com a Richelme, o destino da empresa já não
tinha mais tanta importância. Saber que Estebán e Ilda teriam aberto
mão de tudo por mim, isso sim tinha valor.

O amor que tinha pelos meus avós, por Sofia e minha


pequena Malu era muito mais significativo do que qualquer outra
coisa, e, a partir de hoje, me dedicaria somente em demonstrar o
quanto os amava.
Capítulo trinta e seis

Faz alguns dias que tinham me comunicado o rebaixamento


de Ronaldo para um cargo de representação comercial e imaginava
que ele estaria furioso. Mas o que me incomodava era o fato de ele
permanecer em silêncio, já que ele era dado aos escândalos. Ele
nem mesmo havia explodido com meu avô, aceitando calmamente a
imposição do Estebán, sem gritar nem nada, já que a troca de cargo
diminuiria e muito o salário dele. Talvez ele não se importasse, pois
provavelmente tinha milhões desviados na sua conta. Mesmo assim,
uma sensação de que meu genitor iria aprontar uma coisa, e das
grandes, me deixava com certa angústia. Mas como tinha prometido
a mim mesmo, deixaria as águas rolarem e me preocuparia somente
com aquilo que importava.

Malu.

Sofia…

Senti meu corpo retesar ao pensar na Chaveirinho e no


quanto ela ficava cada vez mais linda com a barriga volumosa.
Muitos homens poderiam perder o apetite sexual pelas mudanças
que viam no corpo das suas parceiras, mas o meu em nada afetou,
pelo contrário, estava cada vez mais faminto por ela. Sedento.
Louco. Ainda mais quando ela retribuía com a mesma intensidade.
Era delicioso testar novas posições na qual ela ficava mais
confortável. A amava lentamente, cuidadosamente, ternamente.
Nunca me cansaria daquela mulher.

Sempre colocaria o prazer dela acima do meu, pois nada


poderia me deixar ainda mais aceso do que vê-la completamente
entregue às ondas do ápice.

Eu agradecia aos céus pela obstetra não ter apontado


nenhuma contraindicação em fazer amor com a minha futura
esposa. Sim, planejava pedi-la em casamento assim que ela e
nossa filha cruzassem aquela porta, tornando tudo mais especial.
Sorte a minha que em poucos passos poderia tomá-la em
meus braços novamente e beijá-la, pois apenas de relembrar dos
nossos corpos completamente unidos, me sentia como um vulcão
prestes a entrar em erupção. Excitado, abri a porta, adentrei a
minha sala de estar e fiquei paralisado com a cena que vi a minha
frente. Usando um robe de renda branca quase que transparente,
completamente diáfano, por cima de um conjunto de lingerie da
mesma cor, os cabelos soltos modelados em cachos, acariciando a
barriga volumosa de quase oito meses totalmente à mostra, Sofia
mais parecia um anjo.

Um anjo sedutor que sorriu maliciosamente quando me viu


parado na porta, observando-a. Traguei em seco com o desejo que
me percorreu. Colocando a carteira e a chave no aparador, caminhei
a passos largos até onde ela estava e parei a sua frente. Para
minha surpresa, ficando nas pontas dos pés, ela me puxou pelo
colarinho da camisa e, sem dizer nada, tocou meus lábios
suavemente com os seus, dando-me um beijo lento, que era capaz
de mexer completamente com minha estrutura. Sofia não precisava
fazer muito para deixar-me completamente rendido a ela.

Levando as mãos aos meus cabelos, entranhou seus dedos


pelos fios e me puxou mais contra si, e me deixei levar de muito
bom grado, ao mesmo tempo que adentrava o seu robe e tocava a
pele macia dos seus ombros. Os pelinhos dela se arrepiaram e o
som rouco que escapou da sua garganta alimentaram a minha
ânsia. Calma, Jeff, você terá o resto da noite para tê-la rendida e
completamente entregue. Mordiscando o meu lábio superior, pediu
passagem para a minha boca, a língua atrevida encontrando a
minha em uma dança sensual que arrancou de mim uma série de
gemidos. O gosto dela era tão bom, que acabava me perdendo no
sabor e nas sensações que somente ela me proporcionava.

— Jefferson! — Arfou, jogando a cabeça para trás, quando


toquei com o dorso da mão na lateral do seu pescoço em uma
carícia, deslizando pelo seu torço até alcançar o topo dos seus seios
expostos pelo sutiã.

— Você rouba o meu bom-senso quando me recepciona


dessa forma, sabia? — Abaixei a cabeça e mordisquei a região
onde podia sentir sua pulsação, alternando com círculos lentos.
Inspirando o perfume feminino da sua pele.

— Sim? — ronronou quando deslizei minha língua pela


extensão da sua garganta, o gosto dela era embriagante.

— Uhum.

Ela apenas emitiu um suspiro de deleite enquanto eu


continuava a degustá-la e minhas mãos começaram a remover o
penhoar, massageando a pele cremosa. Deslizei a peça pelos seus
ombros, deixando-a apenas com a lingerie. Dei um passo para trás,
apenas para observá-la detalhadamente, e um sorriso lento se
formou na minha expressão, totalmente malicioso. Meu olhar
percorria cada pedaço de pele exposta, cada pintinha que já havia
beijado e passaria a vida inteira tocando com meus lábios. Era
fascinado por elas e não me cansava de venerá-las.

— Meu anjo — sussurrei. — Amor da minha vida.

— Jefferson. — Fitou-me com os olhos castanhos, nublados


pelo desejo.

Me aproximei novamente, apenas para tocá-la gentilmente


enquanto trazia seu corpo de encontro ao meu, e tomei a sua boca
com a minha, forçando passagem pelos seus lábios sôfregos,
ávidos, que me deixavam cada vez mais inflamado. Percorrendo a
coluna dela com os meus dedos enquanto ela inclinava suavemente
a cabeça para procurar um melhor encaixe do nosso beijo, dedilhei
até encontrar o fecho do sutiã e o abri. Como era sem alça, ela deu
um pequeno passo para trás, sem descolar nossas bocas, e a peça
caiu pelos nossos corpos. Sofia colou seu corpo ao meu o tanto
quanto sua barriga permitia, mas não me importava, eu adorava.

— Alguém está vestido demais para mim — murmurou com a


voz rouca, seus seios subindo e descendo com rapidez, enquanto
suas mãos trabalhavam agilmente nos botões da minha camisa
social. — Não me parece muito justo.

— Humm, não costumo ser um homem muito justo.

Beijei seu maxilar e comecei a trilhar um caminho pelo


pescoço, arranhando a pele dela com a minha barba, arrepiando-a,
enquanto minhas mãos envolviam seus mamilos nas minhas mãos,
massageando os bicos que estavam completamente excitados,
dificultando o trabalho dela. Brincar com os seios mais cheios e
sensíveis pela gravidez, traçando círculos lentos pela auréola, e as
reações dela ao meu toque, me deixavam completamente eufórico
por dentro. Guardaria eternamente na minha memória cada
momento da gestação e, com mais ardor, o sexo com ela. Era
tentador deixar-me levar pela sua brincadeira de ter tantos filhos
para formar um time de futebol.

— Estou vendo, senhor Richelme. Tenho que te ensinar a ser


mais bonzinho — falou, me olhando com ar malicioso, quando
terminou de remover os botões das casas e abriu o punho, levando
as mãos por sob o tecido e, a contragosto, tirei meus dedos dela
para ajudá-la a tirar minha camisa.

— Não custa nada tentar, Chaveirinho, você desperta o meu


lado mais perverso.
Belisquei os bicos e ela tentou arquear o corpo contra o meu,
querendo roçar seu sexo contra o volume que se formava nas
minhas calças, emitindo um som frustrado quando não conseguiu,
pois estava ansiosa, em busca de alívio para a tensão que eu sabia
que sentia em seu íntimo. Tinha me dedicado muito tempo em
explorar cada parte dela para conhecer cada zona erógena de Sofia
e sabia que os mamilos eram uma das regiões que davam a ela
mais prazer.

Mas ela sabia jogar o mesmo jogo, e emiti um som rouco


quando ela deu uma mordida no meu ombro ao mesmo tempo que a
mão ávida adentrava a minha calça e cueca e me tocava, mesmo
que seus movimentos fossem limitados. E eu a ajudei, abrindo-a
para ela, meu pênis ganhando ainda mais vida quando seus dedos
tocaram a minha glande e ela fez movimentos circulares,
espalhando o líquido do meu pré-gozo, arrancando ainda mais
gemidos de mim. O controle que tinha sobre ela anteriormente se
dissolveu enquanto ela me massageava, me dominava, me
deixando cada vez mais teso pela antecipação. Mas no último
momento, recobrando um pouco meu senso, segurei-a pelo pulso,
impedindo-a de continuar.

— Jefferson. — Soltou um protesto que me pareceu


completamente sensual.
— Vamos para cama, meu amor — sussurrei na orelha dela,
mordendo o lóbulo, sentindo Sofia estremecer.

— Tudo bem. — Fez um biquinho e eu lhe dei um selinho.

Gentilmente, segurei suas costas e pernas e a peguei no


colo, e ela cheirou o meu pescoço, caminhando com todo o cuidado
até a nossa suíte. Sentando-a na beirada da cama, ajoelhei-me
entre suas pernas, segurei o elástico da calcinha e a deslizei pelas
coxas e tornozelos bem-feitos, passando pelos pés. Senti a umidade
impregnada no tecido e sorri de satisfação.

Minha mulher me queria com intensidade e não seria eu que


me negaria a ela.

Pousando a peça com delicadeza no móvel de cabeceira,


encarei o ventre volumoso e encontrei o seu olhar cheio de
antecipação, pois sabia o que eu faria. Eu morreria se não o fizesse.
A abri mais para mim e me aproximei do seu sexo úmido, sendo
recebido pela sua fragrância, um convite que não hesitei em aceitar.
Com as pontas dos dedos, separei seus grandes lábios e a penetrei
com a ponta da língua, sendo recepcionado pela contração dos
seus músculos quando encontrei seu canal, indo mais fundo do que
conseguia. O gemido que ela soltou em resposta fez com que uma
onda avassaladora me tomasse e incidisse diretamente no meu
pênis e, estimulado, continuei atormentando-a com um sair e entrar
lento, alternando com lambidas, mas sem tocar no ponto que sabia
que a faria estremecer. Queria fazê-la implorar para que eu desse o
que ansiava, por mais que isso testasse todos os meus limites.
Apoiando-se na cama com um braço, esticou o outro para segurar
meus cabelos, puxando-os com força quando raspei suavemente
meus dentes no pequeno ponto inchado que implorava por atenção.
Tentou arquear-se contra mim, porém o volume do seu ventre a
impedia, fazendo-a choramingar.

— Jeff… Por favor.

— O que você quer, querida? — Sorri internamente.

Ela não respondeu, apenas soltou um gritinho quando


comecei a estimular o seu clítoris, lambendo, sugando, tomando-o
entre meus lábios, enquanto inseria um dedo dentro dela e
explorava todas as suas texturas, fazendo-a se remexer inquieta.

Presa no próprio prazer, Sofia fechou os olhos e, soltando


meus cabelos, levou a mão ao próprio mamilo e começou a brincar
com ele, massageando-o. Torcendo levemente a ponta, fez com que
meu pau reagisse ainda mais a imagem erótica e eu grunhisse.
Enquanto continuava a sorver e a brincar com seu ponto, o líquido
do meu pré-gozo escorria pela ponta e molhava minha cueca. Vê-la
se tocando, algo que Chaveirinho nunca se inibia em fazer, era a
fórmula perfeita para me fazer perder completamente o controle. E
movido pela inquietação produzida pelo meu próprio desejo de vê-la
arrebatada, apliquei mais pressão e inseri mais um dedo no canal
apertado pelos movimentos que ela fazia, e deixei-a próxima a beira
do precipício.

Os sons que saiam da minha garganta se misturavam aos


dela, ecoando por todo o quarto, e eu trabalhei com mais afinco,
sugando com força seu clitóris até senti-la completamente mole.
Ergui minha mão até o seio que ela não excitava, arrancando dela
um pequeno remexer, aflito. Continuei até que, puxando a pequena
pérola entre meus dentes, beliscando-a, Sofia emitiu um gritinho e
se deixou cair suavemente na cama, seu corpo tremendo levemente
com o espasmo do êxtase. Levantando-me, passando a língua
pelos meus lábios, removi minha calça e minha cueca, ficando
completamente nu, meu pau completamente rígido. Erguendo uma
Chaveirinho completamente lânguida, deitei-a de lado na cama e me
coloquei atrás dela, afastando seus cabelos para o lado. Dando um
beijo na sua nuca, arrepiando-a, rocei minha ereção na sua bunda
ao mesmo tempo que minha mão acariciava seus seios e sua
barriga. Permaneci assim, sem penetrá-la, apenas aproveitando o
calor do seu corpo moldado ao meu, por mais que tudo em mim
ansiasse por enterrar-me bem fundo nela.

— Jefferson? — murmurou com a voz lânguida e eu


escorreguei meu dedo novamente pelo seu sexo, sentindo a
aspereza dos pelos.

— Hm? — Mordisquei o ombro dela.

— Quero você, Jeff.

— Assim? — Inseri um dedo dentro dela e novamente toquei


o seu ponto de prazer, esfregando-o com paciência, mesmo eu
estando prestes a explodir.

— Não. — Sua voz saiu esganiçada e ela moveu-se de


encontro a minha pelve, um rosnado saindo de mim.

— Ou desse jeito?

Não esperei resposta e, movimentando os quadris dela,


deixando-a numa posição confortável e com seu sexo exposto para
mim, circulei o meu pênis e adentrei levemente na sua fenda,
avançando centímetro a centímetro com vagarosidade, até o fim. O
calor úmido me apertando exigiu um esforço sobre-humano para
que eu não desse vazão ao meu desejo de estocá-la com rapidez.
Deixando uma trilha suave de beijinhos e lambidas pela sua pele,
sentindo o gosto dela misturado ao suor, alternei minhas carícias e
toques entre os mamilos e a barriga, e comecei a me mexer,
entrando e saindo de dentro dela. Aumentei o ritmo à medida que
Sofia me auxiliava, colando-se a mim, dando leves reboladas sobre
o meu pênis, deslizando-me para o seu interior. Controlando os
movimentos que suas paredes faziam em mim, não contive mais a
minha ânsia pela minha própria liberação e, segurando os quadris
dela, tomando cuidado para não a machucar, eu a penetrava com
cada vez mais intensidade.

Eu a tocava, a penetrava, ficando cada vez mais próximo do


orgasmo. Não queria parar, e nem precisaria, já que Sofia se
remexia ainda mais, seus músculos, que me agarravam com força e
ofereciam resistência a minha invasão, me indicavam que ela estava
na mesma sintonia que a minha. Nossos corpos se chocando um
contra o outro estalavam e o barulho ecoava por toda a suíte, os
sons que emitíamos se uniam, e nos tornavam um só. Ainda me
enchia de admiração o quanto ela se entregava rapidamente ao
nosso ato de amor, dando-se por completo. Só um tolo teria
rejeitado e traído tal entrega.

Com um sorriso de satisfação por saber que agora ela era


minha e que nunca a perderia por nada desse mundo, mordisquei o
lóbulo da sua orelha enquanto ajustava-a melhor a mim, permitindo-
me chegar mais fundo, mais rápido e mais forte.

Deslizando a mão pela barriga dela, dei algumas estocadas


em seu interior, sentindo que estava ainda mais tenso, até que
deixei-me levar pelo furacão de sensações que me tomavam em
meio ao ápice, que parecia ainda melhor do que o último. Continuei
a me movimentar, mesmo completamente trêmulo e esgotado com a
sensação avassaladora, até senti-la mole nos meus braços,
emitindo um suspiro baixinho de prazer, plenamente satisfeita ao
alcançar novamente o clímax. Trazendo-a para mais perto de mim,
permaneci dentro dela, enquanto continuava acariciando a barriga
de Sofia, o que fiz por vários minutos a fio. Parecendo recuperada,
ela se desencaixou, e virou em meus braços, fitando-me com o
olhar sorridente. Pegou novamente minhas mãos para as colocar no
seu ventre, e pousou suas palmas sobre o meu dorso. Deixei um
beijo lento em seus lábios, provando a doçura da sua boca, que
tanto sentia falta quando a tomava naquela posição. Não passou
muito tempo, e a barriga dela se movimentou.

— Papai despertou você, não é, minha pequena? — Sofia


conversou com a Malu e algo se agitou dentro de mim, como
sempre acontecia.

Fiz uma carranca, fingindo estar bravo, mas logo comecei a


sorrir, principalmente quando minha princesa pareceu responder a
mamãe com um chute.

— Seu paizinho é muito malvado…

E não resisti ao seu último comentário, gargalhando alto.

A felicidade não cabia em mim.


Capítulo trinta e sete

Suspirei fundo, acomodando-me melhor na cama de um dos


quartos de hóspedes da mansão de Estebán. Tinha deixado neto e
avô na sala vendo uma partida de futebol do time que sabia que os
dois torciam, pois tudo o que eu mais queria era tirar um belo
cochilo depois de um delicioso almoço em família. Levei a mão à
barriga quando Malu se movimentou e sorri, sonolenta.

— Não quer deixar a mamãe dormir, né, minha sapequinha?


Acariciei meu abdômen volumoso e suspirei, contente por
faltar menos de um mês para a data prevista pela minha obstetra
para ter a minha pequena nos braços, para niná-la, vesti-la com os
inúmeros macacões que Jefferson tinha comprado, amamentá-la e,
secretamente, vê-la nos braços do pai mais babão que ela poderia
ter. Seria a cena mais linda que eu poderia ver e que estava mais do
que ansiosa para testemunhar e registrar em fotografias. Quem
sabe o convenceria a fazer um ensaio fotográfico só dos dois, já que
fiz um da minha gravidez a pedido dele. Não passou muito tempo e
ela se movimentou novamente.

— É, Lulu, hoje você está inquieta, meu bebê.

Continuei conversando com ela, até que pareceu dar uma


acalmada, e fechei meus olhos. Estava quase pegando no sono,
quando a porta do quarto foi aberta. Como deveria ser Jefferson,
não me dignei a abrir os olhos, apenas esperei que ele se juntasse a
mim na cama, me abraçando de conchinha, como sempre fazia.
Talvez ele tivesse desistido de ver a partida com o avô. Remexi-me
inquieta na cama quando os minutos se passaram e nada dele se
juntar a mim. Completamente em alerta, ergui-me na cama de um
salto ao me surpreender por dar de cara com Ronaldo me fitando
com uma expressão sombria, segurando algo em suas mãos.

— O que está fazendo aqui? — Arfei, não gostando em nada


da presença dele ali.
— Para te mostrar a realidade, filhinha da empregada — riu
de desdém —, que esse tempo todo você estava sendo usada pelo
seu queridinho. Pensou que um homem como ele teria um casinho
com uma mulher barata como você sem ganhar nada em troca?

Arqueei a sobrancelha, incrédula. Não tinha ideia do que ele


estava falando. Senti a raiva me invadindo, mas respirei fundo,
tentando me acalmar, afinal estava no final da minha gestação e
ficar assim não era bom para a minha Malu.

— Você não o conhece em nada, Ronaldo — tentei soar o


mais calma que pude —, ele me ama.

— É mais tola do que parecia. Mas o que esperar da ralé,


não é mesmo?

Cerrei os dentes quando o vi caminhando lentamente na


minha direção. Aproximou-se da cama com um sorriso de satisfação
e jogou uma revista próximo de onde estava.

— A verdade está em todos os jornais e revistas — disse em


um tom diabólico. — Todos saberão o quanto você foi usada no jogo
dele. Um peão para destruir o próprio pai.

Pouco certa disso, peguei uma das principais revistas de


notícias de famosos do país e vi que novamente eu estampava a
capa. Só que, diferentemente das outras vezes em que foi
anunciada a minha gravidez, a manchete era completamente
pejorativa, o que fez com que eu sentisse um aperto no peito e
minha mão tremesse: “Empresário Jefferson Richelme será pai
apenas para conseguir a Richelme Alimentos só para si!”.

Eles tinham transformado o meu momento mais do que


especial em uma grande piada. A dor que me tomou foi bem real.
Tive que fazer muito esforço para não demonstrar para aquele
homem perverso o quanto a reportagem tinha me abalado.

— Por que você acha que eu acreditaria nessa fofoca? —


forcei-me a falar.

— Isso não é tudo. — Gargalhou alto.

Tirou um gravador do bolso e eu ouvi claramente as vozes de


Jefferson e Estebán discutindo, como se fosse uma transação de
negócios, a necessidade do homem que amava de ter um herdeiro
em troca da demissão e rebaixamento de Ronaldo. Não consegui
mais conter as lágrimas que se assomavam em meus olhos e chorei
copiosamente, tentando, com isso, diminuir um pouco a dor que
sentia. Mas parecia em vão. Nunca me senti tão triste e traída. Não
conseguia acreditar que as vezes que ele dizia que me amava, o
modo carinhoso com que me falava, a empolgação e os momentos
que vivemos juntos, aproveitando cada segundo da gravidez, era
tudo mentira. Não, não podia ser. Tudo nele me parecia
completamente sincero; Jefferson não me usaria daquela forma.

— O que você está fazendo aqui, Ronaldo? — Ouvi o tom


furioso de Jefferson e o vi entrar no quarto por entre meus olhos
nublados. — O que você fez, seu desgraçado?

— Não seria o que você fez, meu filho? — riu e voltou a


gravação. Ouvi-la novamente fez meu coração doer ainda mais e eu
fiquei em posição fetal na cama, não querendo ficar apenas com a
minha dor.

— Saia daqui, seu filho da puta — ouvi um barulho de carne


batendo contra carne, provavelmente Jefferson tinha dado um soco
no próprio pai e me encolhi. Logo depois, ouvi a porta do quarto se
fechando com um estrondo.

— Sofia… — Jeff murmurou e escutei seus passos sobre o


piso de madeira, bem como senti quando ele se sentou na cama ao
meu lado e me abraçou.

— Diz que é mentira, Jeff, diz que você nunca me usou dessa
forma, que é apenas uma conversa fora de contexto e boatos. Por
favor — implorei enquanto chorava.
— Chaveirinho — a voz rouca repleta de dor me deu a
resposta que eu não queria. Senti meu coração se partir ainda mais,
estava completamente devastada.

Instintivamente, levei as mãos à minha barriga para proteger


a minha bebê e solucei mais alto. Era doloroso demais.

— Por favor, Jeff, me deixe sozinha.

— Posso explicar, Sofia — com o canto do olho vi ele passar


a mão pelos cabelos. — Deus eu te amo tanto!

— Não sei se consigo acreditar nisso — falei tão baixinho que


não sei se ele chegou a ouvir.

— Me escute, meu amor…

— Eu te peço, Jefferson, sai daqui ou eu mesma saio.

— Tudo bem. — A voz dele era sofrida, mas presa na minha


própria ferida, que ele tinha aberto, não consegui discernir nada.

Não demorou muito e ele fez o que eu pedi, mas não sem
antes soltar um suspiro profundo e tentar me tocar, me deixando
sozinha em companhia do sofrimento e do choro convulsivo. O
amargo na minha boca da descoberta tornava tudo o que vivi com
ele em ácido puro.
Uma pontinha de dor na minha barriga fez com que eu
respirasse fundo e buscasse me acalmar. Eu teria que ser forte para
não prejudicar a minha bebê.
Capítulo trinta e oito

Deixei que as lágrimas de tristeza, misturadas as da fúria,


escorressem pelos meus olhos. Dei um soco na parede do corredor,
fazendo com que minha mão latejasse com a pancada forte, mas
sem dúvida nenhuma o impacto não era nada se comparado àquilo
que eu sentia no peito. Nunca senti uma dor tão forte, tanta raiva e
desespero, um verdadeiro pânico por não ter conseguido me
explicar e por ela não querer me ouvir. E tudo que podia fazer era
culpar a mim mesmo, pois embora Ronaldo tivesse sido o pivô de
tudo, e mostrado aquela gravação somente para se vingar, a culpa
era minha.

Eu não deveria ter omitido de Sofia aquela conversa com o


meu avô. Tinha que ter explicado quais eram os principais objetivos
de Estebán com aquilo, de me fazer aquela proposta, e mais,
deveria ter contado que o destino da Richelme Alimentos não mais
me importava. Esse tinha sido o meu maior erro, e agora eu pagava
por ele e ela também.

Me doía saber que fiz a mulher que amava sofrer, e pior,


deixá-la acreditar que tudo que vivemos juntos tinha sido uma
grande mentira. Isso era algo que nunca poderia me perdoar.

Deus, tinha que pensar em uma forma de consertar aquela


lambança, pois sabia que ela era a detentora da minha felicidade e
do meu coração. Agora que descobri o gostinho de ter uma família
com ela, de amar e ser amado, não queria que tudo fosse destruído
pela omissão.

Deixando meu corpo pender, escorreguei contra a parede e


sentei no chão, levando minhas mãos aos olhos, e deixei-me chorar
amargamente. Precisava que Sofia acreditasse em mim e no meu
amor. Mas como faria isso?
Não sei por quanto tempo fiquei ali no chão, tentando pensar
em uma solução, até que a voz do meu avô tirou-me do transe.

— Filho? O que você está fazendo aí, chorando? O que


aconteceu? Não deveria estar com Sofia?

Maneei a cabeça em negativa, e mais lágrimas derramaram


pelo meu rosto.

— Eu estraguei tudo, vovô. E não sei como arrumar a


bagunça que eu fiz.

Ergui o rosto para fitar sua expressão preocupada e, com


uma agilidade incomum para idade, ele sentou ao meu lado no chão
do corredor.

— O que você fez, Jefferson, de tão grave?

— Não contei sobre o nosso acordo, vovô, e agora ela acha


que eu apenas a usei.

— E usou, meu filho? — perguntou com seriedade e remexi-


me inquieto, fechando os olhos com a onda de dor que me assolou.

— No início, ela pareceu perfeita para o meu plano —


confessei, mesmo que não fosse fácil saber que ele iria me
repreender por aquilo. — Ela queria ser mãe e eu precisava de um
bebê para obter aquilo que eu queria. — Ouvir minhas próprias
palavras, a minha ideia, foi como levar um soco na boca do
estômago. — Eu não queria ser pai e me desagradava, e muito,
ligar-me a uma desconhecida.

— Jefferson… — Foi severo.

— Eu seria um pai presente, não iria ser como Ronaldo.

— Hum.

— Mas me apaixonei, vovô, me apaixonei por ela e pela


minha bebê.

— Entendo.

— E nada mais importa além delas duas — continuei —,


nada. Deus, como queria ter feito tudo diferente. Ter me aproximado
dela pelos motivos certos e ser o homem que ela precisava que
fosse.

— Continue.

— Agora, Chaveirinho sabe a versão da história contada por


Ronaldo e distribuída na mídia, além de ter ouvido um áudio que ele
mostrou da nossa conversa, que nem sei como ele conseguiu, mas,
de qualquer maneira, isso não importa agora. A culpa é minha, se
tivesse sido sincero, nada disso teria acontecido. Droga.!

— Ronaldo está indo muito longe com as coisas — pareceu


triste. — Ele me força a tomar atitudes mais severas. Mesmo
rebaixando-o, temo que isso não será suficiente. Ele já fez mal
demais aos outros. Preciso afastá-lo da minha vida e principalmente
da minha neta.

Dei de ombros. Não mentia quando disse que não me


interessava o futuro do Ronaldo. Tudo que eu queria era ter Sofia
em meus braços e sentir seu calor, sabendo que estaria tudo bem
entre nós dois de novo.

— Não sei como consertar tudo, vovô.

Fechei as mãos em punho, recomeçando a chorar, e fui


recebido pelo silêncio do meu avô. Criando coragem, encarei o
homem ao meu lado, vendo a expressão pensativa.

— Sabe, filho, as coisas poderiam ser completamente


diferentes se tivessem sido feitas de outra maneira — falou baixinho
— Você errou, e muito, é verdade, com a sua omissão, mas não
estaria onde está se não o fizesse dessa forma. Você amadureceu,
meu neto, e se arrepende amargamente do que fez. Agora é lutar
para mostrar à sua escolhida que seus sentimentos são
verdadeiros.

— Mas como, vovô?

— Demonstre seu amor e seu arrependimento, meu filho. Ela


está magoada agora, ferida, e não consegue visualizar por debaixo
da camada de dor que sente, mas tenho certeza que o amor que
existe entre vocês será mais forte que a adversidade. Sofia é
inteligente demais para não perceber o quanto você a ama e a quer.
Em seus olhos, nas suas atitudes, ela verá a verdade, a verdade de
vocês. Dê tempo ao tempo.

— Quanto?

— Não tenho essa resposta, Jeff, pode ser semanas, dias,


horas — disse ao se levantar, caminhando em direção ao seu
quarto. Fez uma pausa e virou-se para mim: — Apenas lute pelo
seu amor e pela sua bebê, filho. Continue fazendo de tudo por elas.

Balancei a cabeça, assentindo. Uma pontinha de alívio surgiu


em meio ao desespero. Tudo estava confuso dentro de mim, as
palavras do meu avô ecoando na minha mente me eram um alento.
Sim, precisava lutar por ela e pela nossa bebê. Não abriria mão da
minha felicidade ao lado dela e da minha família.
Não sei quanto tempo fiquei ali, pensativo, até que ouvi um
gemido baixo que deixou o meu corpo inteiro em alerta e levantei
num pulo. Quando novamente outro som ecoou, fiquei
completamente gelado.

Sofia!

Caminhei apressadamente em direção ao quarto onde ela


estava, sentindo meu coração bater acelerado e todo o meu corpo
tenso. Chutando a porta, adentrei a suíte, encontrando ela um
pouco curvada, as mãos nas costas. Eu senti como se tivesse
levado uma facada. Rapidamente, aproximei-me de onde ela
estava. Eu era um poço de preocupação.

— Amor?

— Jefferson, minha bolsa — respirou fundo e apertou a


minha mão, e eu fitei a colcha molhada —, nossa bebê...

— Vai ficar tudo bem, meu amor — dei um beijo na sua testa
suada enquanto ela fazia uma careta com a dor da contração,
tentando consolá-la, por mais que eu estivesse tenso.

Na teoria era Sofia que tinha mais experiência com essas


coisas, mas como se tratava da nossa Malu, não me surpreendia
que ela estivesse em desespero. Eu também estava. Malu queria
chegar muito cedo ao mundo, e eu temia pela minha bebê.

— Vamos agora para o hospital.

Suavemente pousei as mãos nas suas costas e pernas e a


ergui no colo, caminhando para fora do quarto. Fui apressadamente
em direção à garagem encontrando tanto Estebán quanto
Rosimeire, que deu um gritinho de preocupação, no corredor.

— Filha! O que aconteceu?

— Minha bolsa, minha bebê... — Sofia arfou.

— Pegue as coisas dela — fui firme ao encarar Rosimeire —,


não temos tempo a perder.

A mulher assentiu.

— Vou com vocês.

— Eu também — Estebán falou.

— Certo.

Apressadamente, consegui alcançar meu carro e colocar


Sofia no banco do carona. Senti algo se contrair dentro de mim
quando ela fez mais uma expressão de dor, apertando
instintivamente minha mão com força.

— Me promete que vai ficar tudo bem, Jeff? — Ela implorou.

— Sim, meu amor.

Assumi a direção o mais rápido que pude e dirigi feito um


louco até chegar na melhor maternidade de Lagoa Santa. Ao
mesmo tempo que me culpava pelo ocorrido, eu não parava de
rezar em silêncio para que a mulher que amava e minha bebê
ficassem bem.
Capítulo trinta e nove

Eu tentava respirar fundo enquanto segurava a mão de


Jefferson com força. Embora tivesse tomado uma injeção epidural,
ainda sentia uma pontadinha de dor enquanto me esforçava. Toda a
tristeza e angústia por me sentir traída por ele pareciam se dissolver
enquanto o assistia me dar todo o apoio possível, sussurrando, a
cada segundo, palavras de encorajamento, de esperança. A
preocupação que via em seus olhos, bem como o amor, a ternura,
pareciam ser verdadeiros, e isso fez com que eu pensasse por um
momento, em meio ao medo que sentia pela minha bebê nascer
prematura, que eu deveria dar uma oportunidade para que ele se
explicasse. Os gestos dele não poderiam ser uma mentira, ao
menos, meu coração dizia que não.

Mas teríamos tempo.

Nada mais era importante do que a Malu nascer saudável, e


enquanto eu fazia força, segurando os dedos escorregadios de
Jefferson que estavam tomados pelo suor, eu pedia a Deus que
protegesse nossa menininha. Embora minha gestação tenha sido
saudável, temia que ela tivesse que ficar na incubadora, já que era
no último mês que o bebê costumava ganhar mais peso, ou que
algum outro problema possa ter ocorrido no momento de estresse
que passei hoje. Nunca me perdoaria se algo acontecesse à minha
Lulu. Já fazia um bom tempo que tinha entrado em trabalho de parto
e a ansiedade de ter minha menininha nos braços só aumentava.

— Ela já está coroando, mamãe, faça mais força. — O


homem que fazia o parto pediu.

Forcei ainda mais e senti o Jefferson beijar o topo dos meus


cabelos molhados, incentivando-me a continuar.

— Vamos, mãe!
E eu continuei, não sei por quantos minutos mais, até que um
som baixinho de choro, que se tornava mais forte enquanto o ar
preenchia seus pulmões, ecoou pela sala de parto e eu sorri em
meio ao cansaço por conta do esforço.

Como o som do coraçãozinho batendo no ultrassom, o


chorinho dela ficaria eternamente guardado em mim.

Minha doce Malu. Minha menininha.

— Eu te amo, Sofia — Jefferson murmurou contra a minha


testa, emocionado, suas lágrimas caindo sobre minha pele. Nesse
instante, o encarei. — Obrigado, amor. Malu é o meu maior
presente, minha vida.

Toda sua expressão estava tomada por um misto de


felicidade, euforia e ternura. Seus olhos negros cintilavam cheios de
amor, e ali eu tive a certeza: ele me amava e para sempre amaria o
fruto do nosso amor. Nossa filha não era uma imposição, pelo
contrário, a emoção que ele sentia me dizia que ele a queria e
muito.

A frase de Estebán sobre o amor vencer tudo ecoou na


minha mente.
Talvez o avô de Jefferson estivesse certo nesse aspecto e
nós dois, eu e Jeff, pudéssemos superar o ocorrido. Qualquer que
fosse o motivo por detrás da sua aproximação e da sua proposta de
ser o pai do meu bebê, se ele me usou para ter o que queria, não
poderia mais me atingir diante da minha constatação. Me apegaria
ao presente e aos sentimentos que via nele refletidos. Pensaria
apenas no futuro que teríamos juntos se ele me quisesse.

— Pesa dois quilos e duzentos e vinte quatro gramas, e tem


quarenta e cinco centímetros — o obstetra disse para alguém. —
Terá que ficar por um tempo no berçário para ganhar um pouco mais
de peso antes de poder ir para casa.

Quando ele pronunciou isso, vi Jefferson ficar tenso e senti o


meu coração se afundar no peito, a paz momentânea que sentia se
esmigalhando por não poder ficar com a minha menininha.

— Vamos dar um jeito — Jeff garantiu baixinho e beijou a


minha mão. Queria e muito confiar nas suas palavras, mas os pais
não podiam ficar no berçário, e a mãe ia somente para alimentar se
o bebê conseguisse mamar. — Prometo, meu amor. Mesmo que
eu…

Não teve tempo de continuar a falar, pois perdeu


completamente a capacidade de fazê-lo quando o médico trouxe
minha Malu para próximo de nós. Ajeitando-me sem me importar
com os desconfortos do parto, pela primeira vez vi o seu rostinho
choroso, suas mãozinhas enrugadas, seu corpinho pequeno,
enquanto ele a pousava no meu colo. Lágrimas deslizavam pela
minha face e eu beijei o topo da sua cabecinha coberta por uma
pequena penugem de fios claros.

— Ela é linda — sussurrou Jefferson em um tom de devoção,


tocando a mãozinha dela com seu dedo enquanto ela continuava a
chorar. — Meu Deus, tão linda. A boquinha é tão perfeita.

— Sim, meu amor. — Fitei-o

— Amor? — ele murmurou surpreso, sem desviar o olhar da


nossa pequena.

— Sim, Jeff. Como não o amar? Você é o homem da minha


vida e o idealizador do meu sonho. E é com você que quero dar a
família para Malu.

— Sofia… — Parecia em transe.

— Só não esconda mais nada de mim, Jeff, e vamos ficar


bem. — Sorri para ele, mesmo que ele não visse, e voltei a fitar
minha pequena que abriu um berreiro.

— Eu juro, meu amor, pois o pouco tempo em que ficamos


brigados por minha culpa, foi o mais doloroso que vivi e nunca mais
quero sentir-me despedaçado e desolado assim de novo. Você é
minha luz, Sofia.

Com cuidado, beijou meus lábios suavemente.

— Posso? — perguntou, olhando para a pequena Malu e eu


assenti em concordância.

Gentilmente, pegou-a no colo como se fosse a coisa mais


preciosa do mundo, chorando ainda mais ao senti-la contra o peito.
Ela era tão pequena, tão delicada em suas mãos grandes e fortes.

— Minha doce Lulu, sou eu, o seu papai — deu um beijinho


na cabeça dela —, o homem que mais vai te amar em toda a sua
vida.

Não contive a risada e meu sorriso ficou ainda maior ao


admirar aquela cena. Pouco tempo depois, o médico pegou a minha
neném e a levou em direção ao berçário, então Jefferson foi avisar
os nossos familiares da chegada da Malu ao mundo e tomar
providências para que eu pudesse ficar sempre próxima a minha
pequena.

E eu pedi novamente a Deus que ele conseguisse isso e que


minha doce menininha pudesse ganhar peso rápido, sem maiores
complicações.
Capítulo quarenta

— Vamos amamentá-la, mamãe? — A enfermeira aproximou-


se da incubadora onde minha filha estava há alguns dias para
ganhar peso e ficar aquecida e eu sorri.

Não tinha colocado muita esperança quando Jefferson tinha


dito que eu iria ficar com a Malu no berçário o tempo que quisesse,
algo que nas maternidades e hospitais públicos não eram
permitidos. Por falta de espaço, as mães eram levadas até lá
apenas para amamentar, mas em se tratando de uma instituição
privada e contando com o dinheiro que Jefferson tinha,
provavelmente esses fatores haviam facilitado e muito os trâmites, e
pude ficar com a minha menininha. Eu era muito grata a ele pelos
recursos que tinha e também por estar sempre ali comigo nos
horários que eram permitido visitas. Minha mãe e Estebán também
vinham visitar a pequena Malu. As cenas de tanto Rosimeire quanto
o avô de Jefferson segurando a Lulu no colo, sorrindo, tocando os
dedinhos pequenos, tinham sido emocionantes e contava os
minutos para que eles pudessem ficar com ela mais tempo.

Até mesmo Júlia, minha amiga que tinha feito no meu antigo
trabalho, veio visitar minha doce menininha, e aproveitou para
contar fofocas suculentas do hospital. Finalmente Patrícia teve o
que merecia, pior, ela, juntamente com os parentes dela que
atuavam na administração do hospital, estavam sendo processados
por desvio de dinheiro. Ela também respondia a um outro por
preconceito racial, o que acabou resultando em sua detenção.
Quem sabe assim a mulher parasse de tratar as pessoas como
inferiores pela sua classe e pele, mas eu duvidava fortemente disso.

Suspirei fundo, focando-me no presente. Ajeitando-me


melhor na poltrona, removi a alça da minha blusa, deixando o meu
seio à mostra, sem vergonha do ato de amamentar, e prendendo
meus cabelos em um coque, estiquei meus braços, recebendo o
pequeno pacotinho embrulhado na manta. Aproximando-a contra o
meu seio, segurei meu mamilo para ela, e logo ela encontrou o bico
com a boquinha, sugando-o com avidez em busca do leite.
Felizmente, o tinha em abundância, tanto que passei a doá-lo para o
banco da maternidade.

Tocando sua mãozinha enrugada que se movimentava


enquanto se alimentava, foi impossível de conter o sorriso e o calor
que aqueceu meu coração por tê-la assim, tão próxima, em um ato
tão corriqueiro quanto mamar, mas que mesmo assim, para mim,
tinha proporções enormes. Já tinha o feito várias vezes e, embora a
boquinha às vezes me machucasse ao puxar o bico com força, a
cada vez, eu achava ainda mais mágico, os vínculos que criávamos
a cada mamada tornavam-se mais fortes. Era isso que tornava o ato
mais especial. Quando ela parou de sorver e vi que Malu não queria
mais, limpei a boquinha dela com um paninho e depois meu seio,
colocando-o novamente dentro da blusa. Erguendo-a, a segurei
apoiada no meu ombro para que arrotasse.

Fitei-a por alguns minutos e, para minha surpresa, ouvi uma


voz bastante conhecida que sempre fazia meu coração bater mais
acelerado:

— Dignas de uma foto, essas minhas mulheres.

Observei Jefferson caminhar com passos lentos na nossa


direção com o rosto iluminado. Quando se aproximou de mim, ergui
meu rosto para ele me dar um leve beijo nos lábios, que foi capaz
de atear fogo nas minhas veias.

Nos dias em que estive ali, tivemos muito tempo para


conversar sobre o mal-estar causado por Ronaldo, e eu apreciei e
muito a sinceridade com que ele me contou tudo e, por mais
doloroso que fosse, de que não estava nos planos dele um
envolvimento entre nós dois, de que tinha ouvido uma conversa que
tive com a minha mãe e viu a oportunidade perfeita para ter o
herdeiro que o avô tanto queria, algo que Estebán propôs pensando
na felicidade do neto, e como tudo saiu de forma diferente do que
ele imaginava e que Jefferson se apaixonou. Primeiro, perdidamente
por mim, segundo, pela ideia de se tornar pai e ter uma família,
terceiro e mais importante, pelo bebê que crescia dentro de mim. A
voz embargada e o brilho nos olhos dele quando me disse aquilo
dissolveram qualquer incerteza que eu poderia ter, e eu soube que o
perdoei. Doía, claro, queria que ele tivesse confiado completamente
em mim, mas com o tempo, isso ficaria esquecido. O amor que
tínhamos um pelo outro era maior.

— Como está nossa pequena? — Tocou a mãozinha dela.

Antes que eu pudesse falar algo, como se quisesse ela


mesma responder a Jefferson, Malu começou a chorar, mexendo as
mãos e os pezinhos cobertos pela manta, e eu acariciei seu
rostinho.
— Não, não, papai está aqui, meu amor. Posso? —
perguntou, estendendo a mão para pegá-la no colo.

Assenti e gentilmente coloquei Lulu nos braços dele, tomando


cuidado para que os movimentos dela não a fizessem cair, e Jeff a
pegou com segurança. Para um homem que disse que nunca tinha
pegado uma criança antes, ele tinha uma confiança enorme nos
seus gestos e a pequena parecia saber disso, pois poucos instantes
depois cessou o berreiro. A naturalidade com que Jefferson a
segurava e o quanto Malu parecia confortável com ele, me
surpreendia e me deixava derretida por dentro. Não havia dúvidas
de que ele seria um excelente pai.

— Porque será que a mamãe está sorrindo tanto, hein, Lulu?


— Deu um beijinho na mão dela que estava fechada em punho.

— Por que ela ama vocês dois — pisquei para ele e mandei
um beijo no ar.

— Com licença, senhores — a enfermeira aproximou-se


novamente de nós, depois de verificar como estavam os outros
bebês — preciso levá-la para pesar e ver se ganhou algum peso e
colocá-la de volta na incubadora.

Jefferson fez um muxoxo, querendo segurá-la mais um


pouco, mas acabou entregando-a para a mulher a contragosto, que,
removendo a manta em que ela estava enrolada, a colocou na
balança. Instantaneamente Malu começou a chorar e tive que
segurar Jefferson pelo braço para que não fosse para cima da
mulher e tirasse a nossa filha de lá, pegando-a novamente no colo.
De nós dois, Jeff era o mais impulsivo e queria protegê-la de tudo,
não suportando vê-la chorar. Ele seria daqueles superprotetores,
mas, com o tempo, ele se acostumaria e veria que é natural, se não,
temia que nossa princesa acabasse virando uma manhosa, com o
papai fazendo todas as vontades dela. Ele se controlou e apenas
assistiu, entrelaçando seus dedos aos meus.

— Vinte cinco gramas a mais, menininha. É uma pequena


bastante saudável, não é?

— Graças a Deus, sim. — Jefferson murmurou e eu agradeci


em silêncio, apertando a mão dele com mais força. Era
completamente grata pela minha bebê, que apesar do susto de
nascer prematura, não ter tido nenhum problema mais grave, como
respiratórios, anemia ou algum outro neurológico. Tinha sido apenas
isso, um susto. Tanto ela quanto eu, que tinha ficado um dia de
observação, estávamos bem.

— Acho que, mais cedo do que esperávamos, o médico é


capaz de te dar alta, menininha, já que você está sugando com
afinco o peito da mamãe. — Colocou-a na incubadora.
Meu coração deu um baque no peito quando ela disse isso, a
esperança tomando conta de mim de levá-la para casa logo. Fitei
Jefferson e vi que ele estava sorrindo, completamente em êxtase.
Quando a mulher saiu, ele se aproximou de onde Malu estava e
tocou-a pelos buracos laterais e não contive uma lágrima teimosa
que escorreu pelo meu rosto com a ternura. E apreciei em silêncio o
momento pai e filha. Eles precisavam desse tempinho para forjarem
seus laços que já eram poderosos.

Desde já, comecei a contar os minutos para que nada


estivesse entre os dois, nem mesmo o acrílico onde ela estava
envolta e que a protegia.
Capítulo quarenta e um

Jefferson parecia um menininho empolgado por finalmente


poder levar nossa Malu para casa. A enfermeira estava certa e,
poucos dias depois, pudemos levá-la para casa no macacãozinho
vermelho com bolinhas brancas, uma saída de hospital, que Jeff
adquiriu em um outro surto de compras para a bebê. Fora que a
minha mãe, junto com o seu namorado Joel, que estava
completamente apaixonado por Rosimeire e era uma ótima pessoa,
bem como Estebán, nos presentearam com várias coisas. Eles não
tinham jeito. Apostava com qualquer um que a minha princesinha
tinha o mais lindo enxoval do mundo e que ela daria conta de usar
todas elas. Provavelmente, mais da metade seria doada sem sequer
ter sido experimentada. Sorria ao cruzar a garagem da nossa casa,
segurando a bolsa da Malu enquanto ele fazia as vezes e a levava
no colo. Ele tinha me dito meses atrás que, quando a trouxéssemos
para casa, queria entrar com ela em seus braços, mesmo que não
tivesse uma grande explicação para isso. Não me importava,
portanto não tinha motivo para negar o pedido, ainda mais que ele
estava tão feliz com isso.

— Bem-vindas ao lar, meus amores — disse depois de entrar


na sala de estar e eu o seguir para dentro.

Parei, em choque, sem conseguir acreditar naquilo que


estava vendo. Sentia enormes gotas se formarem em meus olhos,
nublando minha visão. Meu coração galopava no peito e quanto
mais eu lia as palavras “Quer casar comigo?” formadas por pétalas
de rosas no chão em contraste contra o piso de madeira clara, mais
rápido ele batia.

— Jeff… — Levei as mãos à boca e girei o meu corpo em


sua direção, olhando o anel de diamantes discreto que pendia em
uma correntinha presa a roupa da nossa bebê. Em algum momento,
enquanto tirava ela do bebê-conforto, ele deve ter prendido na peça.
Subi meu olhar, e percebi que ele me encarava com
intensidade, com uma pitada de nervosismo transparecendo nele.

— Não podia mais esperar, Chaveirinho — murmurou com a


voz rouca enquanto brincava com a mãozinha da nossa bebê, que,
dormindo, parecia alheia ao que estava acontecendo ao seu redor.
— Jurei para mim mesmo que seria a primeira coisa que faria
quando trouxesse vocês de volta para casa, ainda mais depois de
quase te perder. Não é o pedido mais romântico e nem o mais
grandioso, como você merecia, mas quer casar comigo, Sofia?

— É perfeito, Jefferson — disse emocionada. Me aproximei


dele e segurei seu rosto entre meus dedos trêmulos, tomando mais
do que cuidado com o pacotinho que ele carregava. Nada teria me
deixado mais feliz do que ele ter incluído Malu no pedido, nós três
formando uma linda família. — Mais do que perfeito, meu amor. —
Várias lágrimas rolaram pela minha face.

— Sofia…

— Mil vezes sim, meu amor, sim — fiquei nas pontas dos pés
e dei um beijo na sua bochecha, que estava molhada pelo próprio
choro, e falei ainda mais baixo: — quantas vezes você quiser, Jeff.
Eu te amo, Jefferson Richelme. — Beijei o canto dos seus lábios
que começou a se abrir em um sorriso. — Não preciso de palavras e
pedidos bonitos, suas ações para comigo são muito mais do que eu
poderia querer. Você me demonstra, apenas com gestos e olhares,
algo que nem a mais bela poesia conseguiria transmitir: amor.

— Porque eu nasci para te amar, Sofia Gouveia.

Mesmo sem jeito, selamos o nosso amor com um beijo lento,


calmo, repleto dos mais puros sentimentos. Nosso amor não tinha
pressa, pois ele seria eterno. Interrompendo o contato, ficamos nos
olhando por um bom tempo até que ele falou:

— Espero que você goste do anel.

— É lindo.

— Era eu que deveria colocar no seu dedo, mas você pode


me dar uma mãozinha?

— Claro. Você foi bastante criativo, gosto disso.

— Acho que sou bom nisso. — Tive que conter o riso para
não acordar Malu, que começou a se mexer em meio ao sono.

— Nada convencido esse seu pai, né, minha filha?

Enquanto ele sorria torto, desprendi a correntinha da roupa


dela e peguei o anel feito de ouro branco e com mais pedrinhas do
que poderia contar, colocando-o no meu dedo anelar direito, caindo
como uma luva. A emoção transbordava no meu peito. Não existia
nada que conseguiria descrever o que estava sentindo por ver a
minha filha nos braços do homem que amava e de ter sido pedida
em casamento tão lindamente. Parecia um conto de fadas, mas tudo
era bem real. Dessa vez, lutaríamos para que ninguém estourasse a
nossa bolha de felicidade.

— Vamos colocá-la no berço para ficar mais confortável —


sussurrei.

— Certo.

Caminhamos silenciosamente pela casa térrea, até encontrar


o quartinho que tínhamos montado para ela, que ficava próximo ao
nosso, e, claro, todo decorado com o tema princesa escolhido por
Jefferson, pois segundo ele, Malu seria eternamente a princesinha
do papai, comentário que me deixou completamente derretida.
Jefferson tinha essa capacidade de me deixar abobada com muito
pouco. Assim que entramos, coloquei a bolsa dela no lugar
apropriado e aproximei-me de Jefferson, que já ia a colocar no
bercinho quando Malu começou a chorar, movendo-se
freneticamente no colo do pai. O rostinho dela estava contorcido
pelas lágrimas.

— Será que ela está com fome? — Jefferson perguntou,


ansioso.
— Hummm, não tenho tanta certeza — respondi ao sentir um
cheirinho diferente no ar.

— Sofia? — murmurou, balançando-a, como se fosse niná-la.


— Acho que pode ser.

— Não, Jeff — fiz uma pausa dramática.

— Chaveirinho — grasnou, quase como se tivesse sido


esganado, e a peguei no colo, caminhando até o trocador.

— Está pronto para aprender a trocar a sua primeira fralda,


papai? — Virei-me para ele, que estava parado olhando as mãos
vazias e não contive mais a risadinha.

É, tudo estava mais que perfeito.


Capítulo quarenta e dois

Sofia gemeu, com preguiça de se levantar, quando o chorinho


da Lulu ecoou na babá eletrônica e eu ouvi os barulhos dela se
movimentando na cama.

Fazia pouco mais de uma hora que tínhamos ido deitar,


depois dela ter amamentado Malu, então não a culpava. Embora ter
um bebê em casa fosse muito gostoso, e eu estava adorando cada
momento, também era difícil pelas noites mal dormidas nesses
últimos dois meses, já que ela mamava muito pouco e com bastante
frequência e chorava bastante quando a fralda ficava suja, mesmo
que minimamente. Não tínhamos sido agraciados com uma bebê
que conseguia dormir a noite toda, ou por, pelo menos, três horas
seguidas, mas estávamos mais do que contentes por vê-la crescer,
ganhar peso e estar saudável.

— Sua vez de socorrê-la, cavalheiro da armadura brilhante —


completou, provavelmente depois de olhar para a imagem do
aparelho para ver se não podia ser algo mais grave. — Deve ser
cocô ou xixi.

— Certo.

Levantei-me de um salto, e sem mesmo calçar um chinelo,


caminhei no escuro e rapidamente fui até o quarto onde minha
princesa dormia e aproximei-me do berço, inclinando-me para pegá-
la no colo.

— Está tudo bem, meu amor, papai vai verificar sua fralda e
acabar com seu sofrimento — trouxe-a mais contra o meu peito nu
enquanto caminhava até o trocador —, não, não, não precisa chorar
tanto.

Ela se moveu inquieta no meu colo e começou a berrar ainda


mais, meu coração se apertando por vê-la sofrendo daquela forma.
Sofia tinha falado que era algo natural e que ela poderia acabar
ficando manhosa, pois toda hora que ela chorava, eu acabava
pegando-a no colo, como um louco desesperado, mas não me
importava.

Uma pontada de desespero me tomou ainda mais quando


abri os botõezinhos do body e, erguendo a peça, removi a fita que
prendia a fralda, e constatei que ela estava sequinha. Fechei
novamente a fralda, prendendo-a mais folgada, caso fosse isso que
a estivesse incomodando, e mudei a peça para um macacãozinho
mais quente.

— Shiu, meu amor. — Balancei ela contra mim, tentando me


acalmar, deveria ser apenas fome. — Papai vai levar você para a
mamãe. Quer mamar mais um pouco, não é mesmo?

Enquanto caminhava de volta para a suíte, tentava consolá-


la, mas ela parecia mais agitada, gritando mais alto, balançando os
bracinhos e pernas freneticamente. Meu coração doeu ainda mais.

— Jefferson? — Sofia levantou na cama de um salto quando


ouviu o chorinho da bebê.

— Acho que ela quer mamar mais um pouco, não era nem
xixi nem cocô. — Me aproximei do lado onde ela estava, sentindo
Malu ficar ainda mais agitada, abrindo o berreiro. Abaixando a alça
do baby-doll e expondo o seio, ergueu os braços em um pedido
silencioso de que eu passasse Malu para ela e pudesse a acomodar
contra o peito, e nossa pequena com a mãozinha pequena fechada
em punhos começou a bater em Sofia. Segurando o seio,
Chaveirinho colocou o bico próximo a boquinha da Malu, a qual
chorando, rejeitou, o que fez com que o papai dela ficasse
literalmente em pânico e tivesse que se conter para não andar de
um lado para o outro. Quando ela tentou dar o peito novamente sem
sucesso, eu soltei um gemido incongruente.

— O que está acontecendo, Sofia? — perguntei,


desesperado, quando Lulu chorou com mais força. — Vamos para o
hospital pediátrico já.

— Sente-se, Jeff — falou calmamente e eu me questionei


como ela conseguia ficar tão serena; eu era puro desespero quando
as lágrimas da minha pequena ficaram mais intensas. Estranhando,
engoli em seco e fiz o que ela pediu. — Deve ser apenas cólica.

— E se não for? — sussurrei quando ela colocou a bebê de


barriga para baixo no meu colo. Comparada a Sofia, minha
experiência era quase nula, afinal, ela tinha estudado e era uma
enfermeira competente. Mas, mesmo assim, eu sabia que fazia
tempestade em copo d'água, com medo de que fosse algo mais
grave.
— Tenho certeza que é, Jeff. Fique mais calmo, pois é algo
muito comum em bebês, e como ela é tão pequena, a única forma
de consolo que ela encontra é chorando. Creio que possa ter
acontecido por ela ter sugado um pouco de ar. Agora comece a
massagear suavemente as costinhas dela, se não passar, vou fazer
uma compressa de água morna que ajudará a aliviar. Calor na
região fará bem a ela.

— Tudo bem…

Respirei fundo, tentando ficar mais tranquilo, e comecei a


massagear suavemente enquanto ela ainda chorava. Comecei a
conversar com Malu, dizendo que ficaria tudo bem. Com o canto do
olho, vi Sofia completamente acordada se levantar para ir em
direção a cozinha. Não tinha experiência, mas meu instinto, fez com
que levantasse um pouco ela, deixando-a em pé no meu ombro,
colocando sua barriguinha contra meu peito, tentando transmitir meu
calor ao mesmo tempo que mexia na sua perninha, fazendo
pequenos movimentos para comprimir seu abdomenzinho, o que
pareceu acalmá-la.

— Ótimo, papai — Chaveirinho comentou ao voltar,


percebendo que pouco a pouco Malu ficava mais calma. — Abra o
macacãozinho dela, coloque essa toalha quentinha e continue o que
estava fazendo.
Com Malu chorando baixinho, não sei quanto tempo fiquei ali,
acariciando as costas dela em movimentos circulares, e tendo seu
corpinho minúsculo contra o meu, só sei que o cansaço estava
pesando sobre minhas pálpebras e quando vi, tanto Sofia quanto
Malu tinham pegado no sono. Levantando com muito cuidado para
não acordar nenhuma das duas, caminhei lentamente para o
quartinho dela e a coloquei no bercinho, a qual ela se moveu um
pouco, mas não acordou.

— Você deu o maior susto no papai, Lulu — falei baixinho em


um apenas mover de lábios.

Mesmo cansado, velei o sono tranquilo dela por longos


minutos. Nem parecia que, pouco tempo atrás, ela estava em uma
terrível crise de cólica, deixando-me desesperado.
Capítulo quarenta e três

Suspirei fundo, sentindo o sol da tarde batendo na minha


pele, enquanto empurrava a minha bisnetinha de apenas alguns
meses, toda enroladinha em uma manta, no carrinho de bebê em
direção a estufa, querendo que ela conhecesse a “vovó” e sentisse
a mesma conexão que eu tinha com Ilda ali. Podia ser um velho,
mas ainda tinha forças suficientes para levá-la no lugar preferido da
mulher que amava, mesmo que Lulu estivesse crescendo rápido,
ficando mais gordinha. Também seria bom passar um tempinho
sozinho com ela e paparicá-la um pouco mais, algo que Sofia dizia
que eu fazia demais.

Quando “encomendei” um bebê para Jefferson, pensando em


sua felicidade, não podia sequer imaginar que não apenas a vida
dele, mas também a minha, mudaria. Infelizmente, meu filho
Ronaldo, depois de mais uma discussão comigo, sumiu no mundo
com o dinheiro que tinha desviado da Richelme, e fazia muito tempo
que ele não me mandava notícias, e por mais que soubesse que
esse distanciamento seria a melhor solução, pois ele não
machucaria Jefferson nem minha bisneta, eu me sentia
completamente triste por ter sido daquela forma. Mas nutria grandes
esperanças de que, um dia, antes que eu partisse para me juntar a
mulher que amava, ele voltasse e pudéssemos ter uma boa relação.
Eu o amava, mesmo perante todos os seus erros e maldades. Pelo
menos por enquanto, eu teria uma outra vida para me consolar e
também para amar. E eu amava aquele serzinho que trouxe tanta
felicidade para a vida do meu neto, tornando-o mais leve e mais
completo, fazendo com que, pelo menos com alguém, eu sentisse
que tinha cumprido o meu papel, mesmo que não devesse ter
interferido na vida dele como o fiz.

Malu era um presente não só para a vida dele e de Sofia, que


sempre quis ser mãe, um elo, mas também uma dádiva na minha
vida e na de Rosimeire.
A bebê por encomenda tornou-se puro amor.

Chegando à estufa, abri a porta e passei por ela, fechando-a


em seguida, sendo abraçado pelo perfume das rosas, muitas delas
cultivadas pela minha Ilda. Removendo a manta, peguei Malu, que,
acordada, se movimentava no carrinho, no colo com o máximo de
gentileza e firmeza que ainda tinha, sentei-me em um banco.

— Bem-vinda ao lugar favorito da sua “vovó”, Lulu — disse


com a voz baixinha, quase como se estivesse confidenciando algo a
ela.

A ergui para ficar mais próxima da minha face e um sorriso


pareceu iluminar o semblante dela, o que aqueceu o meu coração.

— Você também a sente aqui, não é, meu amor?

Malu fez um barulhinho em resposta, movendo sua boquinha


bonitinha, e eu fiz uma caretinha para brincar com ela, para seu
deleite, que me fitava com seus olhos que ainda mudaria e muito de
cor, mexendo os bracinhos e perninhas, parecendo contente.

— Vovó iria te amar muito, sabia? — Abriu a boquinha como


se sorrisse para mim, mostrando as gengivinhas. — Ainda mais uma
linda bonequinha como você, Malu.
Ficamos ali por um tempo, aproveitando o calor confortável
do meio da tarde, brincando e apreciando a companhia um do outro,
até que Jefferson apareceu no meu campo de visão, fazendo
barulho ao abrir a porta. Ele estava se mostrando um papai cada
vez mais coruja, e não gostava de desgrudar nem por um momento
da pequena. Sofia me disse que, atualmente, ele trabalhava mais de
casa do que tudo, saindo apenas para reuniões importantes e
compromissos que não poderia evitar. Era justamente aquela vida
que queria para o meu neto.

— Como será que ele nos achou? — perguntei para a


pequena, que ficou agitada no meu colo, como se pressentisse a
presença do pai.

— Vi vocês dois pela janela — comentou ao se sentar ao


meu lado —, e também era óbvio que você viria para cá.

— Hum, alguém estava nos espionando, boneca. — Beijei a


mãozinha de Malu e coloquei-a no colo do Jefferson, já que era o
que ela parecia querer. Fitei os dois com uma alegria transbordante.

— Acho que irei sofrer muito quando ela começar a


frequentar a escolinha — confessou e eu não contive a gargalhada.

— Falta muito tempo ainda, meu filho — disse quando


consegui me conter. — Não precisa sofrer por antecipação.
— Eu sei, mas passa tão rápido! — Suspirou enquanto Malu
segurava o tecido da camisa dele.

— Passa mesmo, e quando menos esperar, ela formará a


família dela.

— Hey — fechou a cara —, não venha com esse papo você


também. Já basta Sofia.

— Terá que aprender a controlar o ciúmes, Jefferson.

Remexeu-se inquieto na cadeira.

— Prefiro pensar nisso quando ela tiver mais velha, com


trinta, quarenta, ou talvez…

— Jeff! — ralhei e Malu reagiu, fazendo um barulhinho com a


boca.

— Tá. Mas se tivesse uma menina, você pensaria a mesma


coisa.

Dei de ombros.

— Provavelmente — comentei displicentemente, fazendo-o


rir.
Ficamos mais um tempo trocando amenidades, debochando
um do outro, até que Malu começou a chorar nos braços do pai, e,
com certeza, ou a fralda estava molhada ou ela queria mamar.

— Vamos, acho que está na hora de voltarmos para casa.

Levantei-me e empurrei o carrinho, vendo Jeff se erguer


enquanto conversava baixinho com a filha. Estava em sua própria
bolha, rindo e fazendo caretinhas para Malu. Deixei que ele saísse
primeiro do que eu, e fiquei para trás. Inspirei o perfume que tanto
me lembrava Ilda e, olhando as rosas ao meu redor, eu não poderia
estar me sentindo mais realizado. Tinha cumprido a promessa que
fiz ao meu amor eterno.
Epílogo

Dois anos depois

Fitei os convidados da nossa festa de casamento. Vi minha


mãe dançando com seu marido, Joel, Estebán estava segurando a
nossa menininha no colo, e os amigos e familiares estavam se
divertindo na pista de dança ou comendo os deliciosos salgadinhos
preparados para ocasião. Sentia a antecipação varrer o meu corpo
por conta da notícia que tinha para dar a todos, inclusive a
Jefferson.

Como um capricho, tinha decidido me casar em uma


cerimônia religiosa somente quando nossa pequena estivesse
grande o suficiente para ser a nossa daminha de honra. Mas não
podia imaginar que ver a minha menininha percorrendo o tapete
vermelho carregando nossas alianças, com passos hesitantes,
enquanto minha mãe e o ‘biso’ a ajudavam, e vê-la aproximando-se
do pai apenas para pedir colo, tornaria o dia mais especial para
mim. Olhar para o homem que amava, segurando nossa filha no
colo enquanto pronunciava os próprios votos de amor eterno, fez
com que eu relembrasse do dia em que foi feito o pedido, e a
maquiagem, que já estava borrada pelas lágrimas de emoção, ficou
ainda mais. Tinha sido mais um dos momentos mais lindos que vivi
ao lado dele, sorte que, daquela vez, eu teria a filmagem e as fotos
para ver quantas vezes eu quisesse.

— Está na hora de fazer o brinde, senhora Richelme —


Jefferson sussurrou no meu ouvido, quando estava perdida em
pensamentos, e sorri para ele.

— Vamos.

Ele pousou as mãos nas minhas costas, alheio ao meu


nervosismo, conduzindo-me até o local onde iríamos brindar o
nosso enlace e, com o canto do olho, vi a cerimonialista
encaminhando todos os convidados para lá. Quando todos estavam
no local e minha filha devidamente acomodada no colo do pai,
segurando uma tacinha de plástico para fazer o brinde com ele, um
charme a parte, a organizadora do evento me deu o microfone e
uma taça de champagne, que não beberia. Não contive uma lágrima
teimosa pelo que estava prestes a dizer.

— Gostaria de agradecer a todos por estarem aqui para


compartilhar conosco esse momento mais do que especial em
nossas vidas, mas antes de tudo, preciso fazer um comunicado… —
Coloquei a taça em cima de uma mesinha próxima.

Virei-me para Jefferson, que me olhava com uma expressão


preocupada, já Malu, parecia mais interessada no copinho colorido
na sua mão. E eu chorei ainda mais ao olhar para os dois, estava
muito emocionada.

— Sofia? — Ele tocou o meu rosto. O seu olhar era repleto


de amor, mas também mostrava toda ansiedade, medo e confusão
por não saber o que estava acontecendo comigo.

— Jefferson? — Peguei a mão dele, levando-a para a minha


barriga, e as lágrimas se assomaram em seus olhos.
— Chaveirinho? — perguntou com a voz rouca, seus lábios
tremendo de emoção.

— Sim, Jeff — falei no microfone —, vamos ser papais de


novo!

— Oh, meu Deus, Sofia…

Mesmo chorando e tendo a nossa pequena no colo,


conseguiu enlaçar minha cintura, e quando o barulho de taças
batendo uma na outra ecoou pelo salão seguido de palmas, ele me
beijou apaixonadamente, nossas bocas se movendo como podiam,
e só o interrompemos quando Malu o chamou:

— Papa? — fitou-nos com curiosidade.

— Você vai ter um irmãozinho ou uma irmãzinha, meu amor.

Deu um gritinho infantil e se agitou no colo dele até conseguir


descer. Minha mãe logo veio até nós. Com lágrimas nos olhos,
claramente emocionada, me abraçou e em seguida pegou a
mãozinha da neta e a levou para sua mesa.

Envolvendo meus quadris novamente, Jefferson puxou-me


para outro beijo calmo, terno e ao mesmo tempo quente, nossas
bocas se movendo em sincronia. Sem nos importarmos com nossas
lágrimas ou com os presentes, só nos afastamos quando perdemos
o ar.

— Eu amo você, Jefferson.

— E eu amo vocês, Sofia — disse ao se ajoelhar e beijar a


minha barriga, me fazendo chorar ainda mais de emoção. — Hoje,
amanhã e por toda a eternidade.

Fim
Agradecimentos

Como sempre, começo agradecendo as duas pessoas mais


importantes da minha vida: minha mãe e irmã. Vocês são minha
motivação diária, meu porto seguro, a razão do meu viver. Sem seus
conselhos, apoio e amor, eu nada seria. Amo vocês.

Aos meus cachorros, Ruffus, Mabel e minha doce Lulu, que


não se encontra mais comigo. Pai, onde quer que você estiver, sei
que você está feliz pelo meu quarto livro e o leria se tivesse
oportunidade.

Ao Grupo Editorial Portal por todo o apoio técnico para a


produção do meu livro, bem como a divulgação. Além dos banners
lindos!

Ana Roen agradeço e muito cada minuto do seu tempo, o seu


carinho e amor na preparação e revisão do meu original, deixando-o
mais lindo para quem o ler. Minha gratidão por você vem do fundo
do meu coração. Rosimeire, obrigada por ler os meus desabafos,
me apoiar e me incentivar sempre. Você é parte fundamental nisso
tudo. Amo você, amiga.

As autoras Jéssica Macedo, Mari Sales e Nathany Teixeira


pela troca de ideias, sugestões e conversas férteis. As escritoras do
grupo #DesafioMariSales que me apoiaram, incentivaram e
aguentaram minha falação.

A cada uma das minhas leitoras do meu grupo de Whatsapp


e principalmente a você, que chegou até aqui, meu muito obrigada.
Você é a principal razão pela qual escrevo.
Sobre a autora:

Mineira, se apaixonou por romances há alguns anos, quando


comprou e devorou um romance de banca que adquiriu em um
supermercado. Após aquela leitura, não parou mais de comprar
livros e ler. Encontrou no mundo da literatura um lugar de prazer e
refúgio. E agora se aventura em escrever suas próprias histórias.

Instagram =>
https://www.instagram.com/autoraalinedamasceno/
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Físico => https://grupoeditorialportal.com.br/product/a-paixao-


do-ceo/

Sinopse:

Sua secretária não resistiria a ele...


Depois de muito lutar contra o desejo que sentia, o CEO da
Jhonson's and Phillips's, uma grande multinacional do ramo
imobiliário, estava determinado a conquistar sua secretária
supereficiente e torná-la sua amante, sem se importar com as
consequências, e por tempo indeterminado. Porém os planos do
empresário vão por água abaixo quando um obstáculo se interpõe
no seu caminho.

Machucada e ferida por um relacionamento fracassado,


Madeline Jameson, secretária do CEO da J&P, não queria se
envolver tão cedo com outro homem. Mas o seu chefe, e amigo,
estava determinado a arrastá-la à uma ilha australiana a fim de
avaliar o estado físico do local e, principalmente, para seduzi-la.

Poderá a convivência entre os dois forjar algo além da


atração e do desejo?
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Sinopse:

Ele não confiaria em mais ninguém...

CEO multimilionário da Matiazzi Corporation, uma empresa


reconhecida mundialmente no ramo da construção, Fernando
Matiazzi era um homem amargurado, frio e cético, que controla tudo
e a todos ao seu redor. Não há nada, nem ninguém, que o dinheiro
não possa comprar.

Cínico e arrogante, cuidava da empresa e da sua vida com


mão de ferro, afastando todos que ousavam se aproximar. Ele
nunca se deixaria enganar, não mais...

Porém suas barreiras de gelo e de cinismo poderão começar


a ruir quando uma jovem, meiga, inocente e persistente, entra na
sua vida e começa a colocar em xeque tudo o que ele acreditava
que era e se tornou.

Será que a doçura dela conseguirá quebrar o coração de gelo


desse CEO calculista?
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comprada-do-magnata/

Sinopse:
Bilionário conhecido por seu gênio controlador, sua
arrogância e foco nos negócios, o magnata Andrea Della Torre
sempre conseguia o que queria e não se importava de passar por
cima de tudo para alcançar os seus objetivos. E ele estava
determinado a ter em sua cama a única mulher que nos últimos
anos despertou o seu interesse e que tinha seu respeito: sua
secretária. Mesmo que para isso tivesse que comprá-la, pois todos
tinham o seu preço.

Adelle Beckett desde nova teve que assumir várias


responsabilidades, dentre elas a criação de seu irmão, após a morte
de sua mãe em decorrência de uma overdose. Conciliando o
trabalho e os estudos, ela faria de tudo pelo pequeno William,
inclusive se vender ao seu chefe para pagar a cirurgia de urgência
que a criança precisaria fazer. Era isso, ou pegar emprestado com
um agiota, e a mulher não hesitou em assinar o contrato que faria
dela a amante exclusiva por tempo indeterminado do poderoso
magnata.

Ele não queria se envolver emocionalmente, ainda mais com


uma mulher que achava que queria apenas o seu dinheiro, traindo-
o. Ela não desejava perder o seu coração e se apaixonar por ele,
um homem rico que não suportaria lidar com seus sentimentos.

Mas esse acordo selado por meio de cláusulas contratuais


poderia ser a ruína de ambos, principalmente a dele.

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