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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................. 3
1 SAÚDE PÚBLICA ....................................................................................... 4
1.1 O sistema único de saúde .................................................................... 4
2 O PROCESSO HISTÓRICO DE CONSTRUÇÃO DO SUS ........................ 5
2.1 O Período 23/30: o nascimento da Previdência Social no Brasil .......... 7
2.2 O Período 30/45: a proposta de contenção de gastos e o surgimento
das Ações Centralizadas de Saúde Pública ............................................................ 8
2.3 O Período 45/66: a crise do regime de capitalização e o nascimento do
Sanitarismo Desenvolvimentista ............................................................................ 10
2.4 O Período 1966/73: o acirramento da crise e a privatização da
assistência médica ................................................................................................ 13
2.5 O Período 74/79: crise, reforma e consolidação da rede privada em
saúde 15
2.6 A Década de 80: Eclosão da Crise Estrutural e a Consolidação das
Propostas Reformadoras ....................................................................................... 18
3 O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - PRINCÍPIOS DOUTRINÁRIOS E
ORGANIZATIVOS ..................................................................................................... 21
3.1 Princípios doutrinários ........................................................................ 25
3.1.1 Universalização ............................................................................ 25
3.1.2 Equidade ...................................................................................... 25
3.1.3 Integralidade ................................................................................. 25
3.2 Princípios Organizativos ..................................................................... 26
3.2.1 Regionalização e Hierarquização ................................................. 26
3.2.2 Descentralização e Comando Único ............................................ 26
3.2.3 Participação Popular .................................................................... 27
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 29
4 Artigos para revisão .................................................................................. 30
5 LEITURA COMPLEMENTAR.................................................................... 43
2
INTRODUÇÃO
Prezado aluno,
Bons estudos!
3
1 SAÚDE PÚBLICA
Fonte: www.tudoin.com.br
4
Em 1986, realizou-se a VIII Conferência Nacional de Saúde, em Brasília, que
reuniu milhares de representantes de usuários, de trabalhadores da saúde e de outros
setores sociais e de instituições governamentais, e que delineou a proposta de
organização de um sistema único de saúde, com assistência universal e integral à
saúde. Mais que isto, surgiu a proposta de que a saúde passasse a ser um direito do
cidadão e dever do Estado.
Estávamos às vésperas da instalação do Congresso Constituinte que iria
elaborar a nova Constituição Brasileira...
A Constituição de 1988 incorporou a ideia de que o direito à saúde deve ser
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de
doenças e outros agravos, e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de
saúde para sua promoção, proteção e recuperação (artigo 196 CF/88). Nesse sentido,
estabeleceu o Sistema Único de Saúde, no Título VIII Da Ordem Social, Capítulo II Da
Seguridade Social, Seção II Da Saúde.
É um "Sistema", porque não se trata somente um serviço ou uma instituição,
mas uma rede de unidades, serviços e ações atuando coordenadamente e em
diferentes níveis de complexidade tecnológica, no sentido de elevar os níveis de
saúde da população.
É "Único", porque segue os mesmos princípios e diretrizes em todo o território
nacional, no sentido de responsabilidade das três esferas de governo:
I – No âmbito da União, através do Ministério da Saúde;
II – No âmbito dos Estados e Distrito Federal, através da respectiva Secretaria
de Saúde ou órgão equivalente;
III – No âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão
equivalente.
5
Fonte: oregionalpr.com.br
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2.1 O Período 23/30: o nascimento da Previdência Social no Brasil
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Marco legal e político Previdência Assistência à saúde Saúde coletiva
empregadores Chagas
Com a revolução de 30, liderada por Getúlio Vargas, assumiu o poder uma
coalizão que trouxe, de forma destacada, a preocupação com o novo operariado
urbano. Este período foi marcado pela criação de órgãos e instrumentos que
legitimaram a ação sindical em moldes corporativos.
Do ponto de vista político, este período pode ser caracterizado por uma
profunda crise, marcado por greves de trabalhadores e manifestações populares,
principalmente entre os anos 30/35. A busca de aliados por parte do governo, que
tentava ampliar sua base de apoio, incluindo entre elas as classes trabalhadoras
urbanas, colocava em evidência o tema previdência social. Foi criado o Ministério do
Trabalho, aprofundou-se a legislação trabalhista, ao mesmo tempo em que havia
restrições e manipulações na esfera sindical.
Em relação à Previdência Social houve profundas modificações no que se
refere à organização e concepção. Do ponto de vista de concepção, a Previdência era
claramente definida enquanto seguro, privilegiando os benefícios e reduzindo a
prestação de serviços de saúde. Embora com algumas oscilações entre os institutos,
a legislação adotada entre 30 e 45 tentará diferenciar as atribuições de benefícios e
serviços de saúde. Estes passaram a serem entendidos como concessão, e não mais
atribuição específica, uma função provisória e secundária. Tal definição fez com
houvesse um profundo corte nas despesas com assistência médico-hospitalar.
Do ponto de vista organizativo, este é um momento marcado pela criação dos
Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAP's), entidades organizadas não mais por
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empresas, mas por categorias profissionais. Diferentemente das CAPS, a
administração dos IAP's era bastante dependente do governo federal. O conselho de
administração, formado com participação de representantes de empregados e
empregadores, tinha uma função de assessoria e fiscalização e era dirigido por um
presidente, indicado diretamente pelo Presidente da República. Houve uma ampliação
da Previdência com a incorporação de novas categorias não cobertas pelas CAPS
anteriormente.
Caracterizaram esta época a participação do Estado no financiamento (embora
meramente formal) e na administração dos institutos, e um esforço ativo no sentido
de diminuir despesas, mais com a acumulação de reservas financeiras do que com a
ampla prestação de serviços. Isto fez com que os superávits dos institutos
constituíssem um respeitável patrimônio e um instrumento de acumulação nas mãos
do Estado. A Previdência passou a se configurar enquanto "sócia" do Estado nos
investimentos de interesse do governo.
Em relação às ações de saúde coletiva, esta foi a época do auge do sanitarismo
campanhista. Em 1937 foi criado o primeiro órgão de saúde de dimensão nacional, o
Serviço Nacional de Febre Amarela, em 39, o Serviço de Malária do Nordeste, e em
40, o Serviço de Malária da Baixada Fluminense.
No período de 38/45 o Departamento Nacional de Saúde foi reestruturado e
dinamizado, articulando e centralizando as atividades sanitárias de todo o país. Em
1942 foi criado o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), com atuação voltada
para as áreas não cobertas pelos serviços tradicionais.
do Nordeste e SESP
9
2.3 O Período 45/66: a crise do regime de capitalização e o nascimento do
Sanitarismo Desenvolvimentista
Fonte: congregar.web317.kinghost.net/blog/wp
10
As explicações para tais mudanças podem ser colocadas como resultantes de
uma tendência natural (maior número de pessoas recebendo benefícios, uma vez que
esta foi a época de recebimento de benefícios dos segurados incorporados no início
do sistema); como também de mudanças de posições da Previdência Social
(desmontagem das medidas de contenção de gastos dos anos 30/45; crescimento
dos gastos com assistência médica, que sobe de 2,3% em 1945 para 14,9% em 1966;
crescimento dos gastos com benefícios, em função do aumento dos beneficiários, de
mudanças nos critérios de concessão de benefícios e no valor médio destes).
A legislação pós-45 foi marcada pela progressiva desmontagem das medidas
de cunho contencionista do período anterior. Na Constituição de 46 a assistência
sanitária foi incorporada à Previdência Social e em 53 foi promulgado o "Regulamento
Geral dos Institutos de Aposentadoria e Pensão", que formalizou a responsabilidade
dos mesmos com a assistência médica. A Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS),
promulgada em 1960, uniformizou os direitos dos segurados de diferentes institutos,
o que agravou as dificuldades financeiras crescentes da previdência no período. Esta
Lei pode ser considerada como um marco da derrota do modelo contencionista
anterior, estendendo para o conjunto dos segurados um plano extremamente amplo
de benefícios e serviços. Além da assistência médica e dos benefícios pecuniários, a
legislação se referia a habitação, empréstimos e alimentação.
A uniformização dos benefícios alcançados com a LOPS, assim como a
extensão da Previdência Social aos trabalhadores rurais, através do Estatuto do
Trabalhador Rural, aprovado no governo João Goulart, não foram acompanhadas de
novas bases financeiras concretas para sua efetivação. Para fazer frente aos novos
gastos, a contribuição dos segurados foi progressivamente elevada. Em relação à
contribuição do Estado, a LOPS rompeu com o conceito de contribuição tripartite.
Cabia à União, a partir de então, apenas os gastos com administração e pessoal.
Nessa mesma época, o Brasil passou a ser influenciado pelas ideias de
seguridade social que foram amplamente discutidas no cenário internacional ao final
da II Guerra Mundial, em contraposição ao conceito de seguro da época anterior. Ao
mesmo tempo, viveu-se um intenso processo de construção e compra de hospitais,
ambulatórios e equipamentos, por parte dos institutos, e de celebração de convênios
para prestação de assistência médico-hospitalar aos segurados.
Com o golpe de 1964 e o discurso de racionalidade, eficácia e saneamento
financeiro, ocorreu a fusão dos IAP's, com a criação do Instituto Nacional de
11
Previdência Social (INPS). Este fato, ocorrido em 1966, marcou também a perda de
representatividade dos trabalhadores na gestão do sistema. A unificação enfrentava
resistências dos grupos privilegiados pelo antigo sistema corporativo. O governo, no
entanto, alegava que a centralização de recursos poderia ser a alternativa para
viabilizar o cumprimento do direito de assistência à saúde.
Com relação à assistência médica, houve um crescimento dos serviços
médicos próprios da previdência e dos gastos com assistência médica em geral, mas
persistia uma demanda elevada, agravada pelo fato deste direito ter sido estendido a
todos os segurados. Os serviços próprios continuavam a conviver com o setor privado
conveniado e contratado, também em expansão.
O sanitarismo desenvolvimentista, característico do período, teve sua
contribuição mais voltada para as discussões conceituais relacionadas à saúde. Os
sanitaristas da época estabeleceram relação entre saúde e economia e definiram a
saúde de um povo como o corolário do seu desenvolvimento econômico. Podem ser
apontados dois marcos desta época: o primeiro a criação da Comissão de
Planejamento e Controle das Atividades Médico-Sanitárias, com função de elaborar o
plano plurianual, integrando as atividades de saúde ao Plano Nacional de
Desenvolvimento; o segundo marco foi a realização da III Conferência Nacional de
Saúde, que além de discutir as propostas elaboradas pela comissão anteriormente
citada, sistematizou as propostas de descentralização e municipalização da saúde.
Em relação à organização de serviços, o fato mais marcante foi a criação em
1956, do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERU), que tinha a finalidade
de organizar e executar os serviços de investigação e combate às principais
patologias evitáveis existentes no período, dentre elas a malária, leishmaniose,
doença de Chagas, peste, brucelose, febre amarela, esquistossomose, e outras
endemias existentes no país.
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Marco legal e político Previdência Assistência à saúde Saúde coletiva
segurados
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Os gastos com assistência médica, que continuaram a crescer neste período,
chegaram a representar mais de 30% dos gastos totais do INPS em 76. A Ênfase era
dada à atenção individual, assistencialista e especializada, em detrimento das
medidas de saúde pública, de caráter preventivo e de interesse coletivo. Exemplo de
descaso com as ações coletivas e de prevenção foi a diminuição do orçamento do
Ministério da Saúde, que chegou a representar menos que 1,0% dos recursos da
União.
Ocorreu uma progressiva eliminação da gestão tripartite das instituições
previdenciárias, até sua extinção em 70. Ao mesmo tempo, a "contribuição do estado"
se restringiu aos custos com a estrutura administrativa. A criação do INPS propiciou a
implementação de uma política de saúde que levou ao desenvolvimento do complexo
médico-industrial, em especial nas áreas de medicamentos e equipamentos médicos.
Ao mesmo tempo, e em nome da racionalidade administrativa, o INPS deu prioridade
à contratação de serviços de terceiros, em detrimento dos serviços próprios, decisão
que acompanhou a postura do governo federal como um todo. De 69 a 75 a
porcentagem de serviços comprados de terceiros representou cerca de 90% da
despesa do INPS.
A modalidade de compra de serviços adotada possibilitou o superfaturamento
por parte dos serviços contratados, com prejuízo do atendimento médico prestado e
colocando em risco o sistema financeiro da instituição. Para aumentar o faturamento,
estes serviços utilizavam os expedientes de multiplicação e desdobramento de atos
médicos, preferência por internações mais caras, ênfase em serviços cirúrgicos, além
da baixa qualidade do pessoal técnico e dos equipamentos utilizados.
A expansão do complexo previdenciário criou uma nova modalidade de
atendimento, a medicina de grupo, estruturada a partir de convênios entre o INPS e
empresas, ficando estas com a responsabilidade pela atenção médica de seus
empregados. O convênio empresa foi a forma de articulação entre o Estado e o
empresariado que viabilizou o nascimento e o desenvolvimento do subsistema que
viria a se tornar hegemônico na década de 80, o da atenção médica supletiva.
Apesar das atribuições definidas pelo Decreto Lei 200/67 para o Ministério da
Saúde, com subordinação da assistência médica previdenciária à política nacional de
saúde, a prática mostrava um Ministério esvaziado em suas competências. Foram
incorporados a ele a Fundação SESP e a Fundação das Pioneiras Sociais, dando
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início à autarquização do ministério, que acompanhava processo similar da
administração federal.
Por parte da saúde coletiva, as ações estavam dispersas num conjunto de
Ministérios como o da Agricultura, dos Transportes, do Trabalho, do Interior, da
Educação, dentre outros, e internamente ao Ministério da Saúde, em um conjunto de
órgãos da administração direta e indireta.
complexo serviços
medicina de grupo
Autarquização do MS
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órgãos já existentes. A criação do SINPAS pode ser compreendida no processo de
crescente tendência à universalização e à adoção do modelo de Seguridade Social.
Neste período foram definidas as bases que permitiram a hegemonia na
década de 70, do modelo assistencial privativista. De acordo com Mendes, este
modelo se assenta no seguinte tripé:
(a) o Estado como financiador do sistema, através da Previdência Social;
(b) o setor privado nacional como maior prestador de serviços de assistência
médica;
(c) o setor privado internacional como mais significativo produtor de insumos,
em especial equipamentos médicos e medicamentos.
Em relação às ações de saúde coletiva, percebeu-se uma coincidência entre
as propostas internacionais de cuidados primários em saúde, decorrentes da
Conferência de Alma-Ata, da qual o Brasil é um dos signatários, e a necessidade
interna de desenvolver e expandir cobertura para contingentes populacionais
excluídos pelo modelo previdenciário.
Tendo como referência as experiências em vigor, as recomendações
internacionais e a necessidade de expandir cobertura, em 1976 iniciou-se o Programa
de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS). Concebido na
Secretaria de Planejamento da Presidência da República, o PIASS se configurou
como o primeiro programa de medicina simplificada do nível federal e permitia a
entrada de técnicos provenientes do "movimento sanitário" no interior do aparelho de
Estado. O programa concentrou suas ações nas Secretarias Estaduais de Saúde, que
adotaram modelos desconcentrados. Em 1979 foi estendido a todo território nacional,
o que resultou numa grande expansão da rede ambulatorial pública.
Esta época pode ser definida como o início do movimento contra hegemônico
que, nos anos 80, viria a se conformar como o projeto da Reforma Sanitária Brasileira.
Em todo o País surgiram movimentos de trabalhadores de saúde. Foram criados o
Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES) e a Associação Brasileira de Pós-
Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO), que participaram do processo de
sistematização das propostas de mudança do modelo de saúde em vigor.
Aconteceram também os primeiros encontros de secretários municipais de saúde,
alimentando um incipiente, mas crescente, movimento municipalista em saúde.
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Marco legal e político Previdência Assistência à saúde Saúde
coletiva
assistência
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vários prefeitos comprometidos com as propostas de descentralização, o que levou a
bem-sucedidas experiências municipais de atenção à saúde.
A proposta do CONASP foi consubstanciada nas Ações Integradas de Saúde
(AIS), que podem ser divididas em dois momentos: um anterior e outro posterior à
Nova República. Mais do que um programa dentro do INAMPS e das Secretarias de
Saúde, as AIS's passaram da estratégia setorial para a reforma da política de saúde.
Em 1984, eram destinados às AIS's 4% do orçamento do INAMPS passando para
12% em 1986. Ao lado do aumento de recursos destinados ao setor público, merecem
destaque a universalização no uso de recursos previdenciários e a incorporação de
novos atores na disputa pelos mesmos. Em 88 as AIS's abrangiam todos os estados
e 2.500 dos pouco mais de 4.000 municípios então existentes.
No governo da Nova República, a proposta das AIS's foi fortalecida e este
fortalecimento passou pela valorização das instâncias de gestão colegiada, com
participação de usuários dos serviços de saúde.
Em 1986, foi realizada em Brasília a VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS),
com ampla participação de trabalhadores, governos, usuários e parte dos prestadores
de serviços de saúde. Precedida de conferências municipais e estaduais, a VIII CNS
significou um marco na formulação das propostas de mudança no setor de saúde,
consolidadas na Reforma Sanitária Brasileira. Seu documento final sistematiza o
processo de construção de um modelo reformador para a saúde, que é definida como:
" resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio
ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e
acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de
organização social da produção, as quais podem gerar desigualdades nos níveis de
vida". Este documento serviu de base para as negociações na Assembleia Nacional
Constituinte, que se reuniria logo após.
Paralelo ao processo de elaboração da Constituição Federal, uma outra
iniciativa de reformulação do sistema foi implementada, o Sistema Unificado e
Descentralizado de Saúde (SUDS). Idealizado enquanto estratégia de transição em
direção ao SUS, propunha a transferência dos serviços do INAMPS para estados e
municípios. O SUDS pode ser percebido como uma estadualização de serviços. O seu
principal ganho foi a incorporação dos governadores de estado no processo de disputa
por serviços previdenciários. Contudo, a estadualização, em alguns casos, levou à
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retração de recursos estaduais para a saúde e à apropriação de recursos federais
para outras ações, além de possibilitar a negociação clientelista com os municípios.
Enquanto resultante dos embates e das diferentes propostas em relação ao
setor de saúde presentes na Assembleia Nacional Constituinte, a Constituição Federal
de 1988 aprovou a criação do SUS, reconhecendo a saúde como um direito a ser
assegurado pelo Estado e pautado pelos princípios de universalidade, equidade,
integralidade e organizado de maneira descentralizada, hierarquizada e com
participação da população.
coletiva
SUDS saúde
SUS
21
Fonte: www.fonohouse.com.br/site/saude.jpg
22
manifestações pela cidadania, contra a violência no trânsito, pela reforma agrária, etc.
O SUS, ao abraçar este conceito, pressupõe ainda a democratização interna da
gestão dos serviços e dos sistemas de saúde, como um elemento a mais no
movimento de construção da cidadania.
Antes de entrar na doutrina e nos princípios organizativos do SUS, é importante
frisar dois aspectos. Em primeiro lugar o SUS faz parte das ações definidas na
Constituição como sendo de "relevância pública", ou seja, é atribuído ao poder público
a regulamentação, a fiscalização e o controle das ações e serviços de saúde,
independente da execução direta dos mesmos. De acordo com Flávio Andrade
Goulart, "as competências decorrentes da relevância pública envolvem, certamente,
o exercício de um poder regulador, de arbitragem e de intervenção executiva por parte
das esferas do poder público e, por consequência, de suas agências de prestação de
serviços". Este poder público pode ser traduzido como autoridade e responsabilidade
sanitárias. Em segundo lugar, a saúde faz parte de um sistema mais amplo, o Sistema
da Seguridade Social. De acordo com o artigo 194 da Constituição, "a Seguridade
Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos
e da sociedade destinada a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à
assistência social".
Ao lado do conceito ampliado de saúde, o SUS traz dois outros conceitos
importantes, o de sistema e a ideia de unicidade. A noção de sistema significa que
não estamos falando de um novo serviço ou órgão público, mas de um conjunto de
várias instituições, dos três níveis de governo e do setor privado contratado e
conveniado, que interagem para um fim comum. Na lógica do sistema público, os
serviços contratados e conveniados são seguidores dos mesmos princípios e das
mesmas normas do serviço público. Os elementos integrantes do sistema referem-se
ao mesmo tempo às atividades de promoção, proteção e recuperação da saúde.
Este sistema é único, ou seja, deve ter a mesma doutrina e a mesma forma de
organização em todo o país. Mas, é preciso compreender bem esta ideia de unicidade.
Num país com tamanha diversidade cultural, econômica e social como o Brasil, pensar
em organizar um sistema sem levar em conta estas diferenças seria uma temeridade.
O que é definido como único na Constituição é um conjunto de elementos doutrinários
e de organização de sistema de saúde, os princípios da universalização, da equidade,
da integralidade, da descentralização e da participação popular. Estes elementos se
relacionam com as peculiaridades e determinações locais, através de formas previstas
23
de aproximação da gerência aos cidadãos, seja com a descentralização político-
administrativa, seja através do controle social do sistema.
Fonte: www.medicina.ufmg.br
Participação regionalização e
descentralização e
único
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3.1 Princípios doutrinários
3.1.1 Universalização
3.1.2 Equidade
3.1.3 Integralidade
25
3.2 Princípios Organizativos
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A decisão deve ser de quem executa, que deve ser o que está mais perto do
problema. A descentralização, ou municipalização, é uma forma de aproximar o
cidadão das decisões do setor e significa a responsabilização do município pela saúde
de seus cidadãos. É também uma forma de intervir na qualidade dos serviços
prestados.
Para fazer valer o princípio da descentralização, existe a concepção
constitucional do mando único. Cada esfera de governo é autônoma e soberana nas
suas decisões e atividades, respeitando os princípios gerais e a participação da
sociedade. Assim, a autoridade sanitária do SUS é exercida na União pelo ministro da
saúde, nos estados pelos secretários estaduais de saúde e nos municípios pelos
secretários ou chefes de departamentos de saúde. Eles são também conhecidos
como “gestores” do sistema de saúde.
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não lucrativos ou filantrópicos. Para a celebração dos contratos deverão ser seguidas
as regras do direito público. Em suma, trata-se de fazer valer, na contratação destes
serviços, a lógica do público e as diretrizes do SUS. Todo serviço privado contratado
passa a seguir as determinações do sistema público, em termos de regras de
funcionamento, organização e articulação com o restante da rede. Para a contratação
de serviços, os gestores deverão proceder a licitação, de acordo com a Lei Federal nº
8666/93.
A criação do SUS, feita pela Constituição Federal, foi posteriormente
regulamentada através das Leis 8080/90, conhecida como Lei Orgânica, e 81421/90.
Estas leis definem as atribuições dos diferentes níveis de governo com a saúde;
estabelecem responsabilidades nas áreas de vigilância sanitária, epidemiológica e
saúde do trabalhador; regulamentam o financiamento e os espaços de participação
popular; formalizam o entendimento da saúde como área de “relevância pública” e a
relação do poder público com as entidades privadas com base nas normas do direito
público; dentre outros vários princípios fundamentais do SUS. Outros instrumentos
têm sido utilizados para possibilitar a operacionalização do Sistema, dentre eles as
Normas Operacionais Básicas do Sistema Único de Saúde, publicadas pelo Ministério
da Saúde, sob forma de portaria.
28
BIBLIOGRAFIA
29
LUZ, M. T. As Instituições Médicas no Brasil: instituição e estratégia de hegemonia.
Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.
RESUMO
INTRODUÇÃO
31
modelo assistencial de saúde que se quer (Junqueira, 1987), que deve constituir seu
referencial de ação.
O reconhecimento de que as organizações são sistemas interdependentes de
complexidade crescente, e que a mudança de uma parte de uma organização afeta
outras partes, é fundamental para entendermos o que ocorre na organização. Em uma
unidade de saúde, por exemplo, as pessoas, tarefas e administração apresentam
inter-relações diversas entre si e seu meio, variando sua complexidade em função do
tamanho, da tecnologia e dos seus objetivos.
Nesse sentido, é importante privilegiar o usuário e sua participação no destino
da organização. Daí a importância da descentralização como um meio de trazer, para
junto da população, o poder de decisão sobre os rumos, a qualidade, a capacidade
resolutiva da organização, que existe para prestar serviços a essa população.
A eficácia das organizações de saúde também vai depender das relações que
estabelecem pessoas, tecnologia, recursos e administração, para realizar a tarefa
organizacional de prestação de serviços de saúde. Contudo, entre esses fatores, é a
administração que tem o papel mais determinante, uma vez que ela realiza o trabalho
de combinar pessoas, tecnologia e recursos para atingir os objetivos organizacionais,
mediante planejamento, coordenação, direção e controle. Essa tarefa de administrar,
que também chamamos gerenciar, é que possibilitará a organização de saúde, mudar
os níveis de atenção, a qualidade de seus serviços.
No texto que segue, procuraremos levantar algumas questões que
consideramos relevantes na gerência e no desempenho gerencial, para depois
verificar como deverá ser a gerência nos serviços públicos de saúde, para que o setor
atinja um desempenho mais eficaz.
32
Na literatura administrativa, há uma certa concordância nas atribuições básicas
de gerência, quais sejam: dirigir, organizar e controlar pessoas ou grupos de pessoas
(Mattos, 1985). É uma função que lida com pessoas, sendo o responsável pela
consecução dos objetivos da organização. O produto de seu trabalho é avaliado
através do desempenho de sua equipe.
Assim, o desempenho da função gerencial requer conhecimentos e habilidades
que passam pelas dimensões técnica, administrativa, política e psicossocial. Essas
dimensões possuem significados próprios, permitindo caracterizar não um único estilo
de gerência eficaz, mas qualidades que devem permear a ação do gerente. Apesar
de já ser do conhecimento comum que um bom técnico não será, necessariamente,
um bom gerente, também não é possível um bom gerente sem conhecimento
específico do trabalho gerenciado. Não se esperam conhecimentos de especialista,
mas um conhecimento que o legitime, diante de seus subordinados, podendo,
inclusive, constituir fonte de prestígio.
O mesmo não se pode esperar do conhecimento e habilidades administrativas.
Sendo o papel do gerente planejar, organizar, coordenar, controlar e avaliar o trabalho
para que a organização possa atingir seus objetivos, ele deve possuir conhecimentos
e habilidades aperfeiçoados de planejamento e controle das atividades
organizacionais.
Apesar de o planejamento constituir um valor no discurso dos profissionais do
setor público, inclusive buscando novas formas de formulá-lo, ele ainda não saiu do
discurso. Não é comum encontrar organizações, onde exista uma prática consequente
de planejamento e controle. O mesmo, no entanto, não se pode dizer do controle, uma
prática comum no setor público, controle pelo controle, descolado do planejamento,
da avaliação de resultados.
A prática administrativa do planejamento, direção, coordenação e controle
constitui o fulcro da gerência, em qualquer organização, independentemente do
tamanho e, mesmo, da autonomia de gestão. Isso significa planejar e controlar
pessoas e recursos na realização de tarefas que permitam que a organização atinja
seus objetivos. Nesse sentido, a função gerencial não implica apenas que o gerente
possua conhecimentos administrativos e técnicos, mas a capacidade de lidar com
pessoas, conhecer suas necessidades, valores e motivá-las para a realização da
tarefa organizacional.
33
Como o desempenho da função gerencial é um fenômeno que compreende
relações interpessoais, onde as pessoas ocupam posições diferenciadas, a questão
do poder se coloca. A própria estrutura organizacional expressa um cenário onde se
dão as relações de poder. Portanto, administrar essas relações exige conhecimento e
habilidade do gerente, que nem sempre utiliza o poder que a organização lhe atribui
de maneira adequada, mas como forma de direcionar aqueles que necessitam manter
seus empregos em troca da obediência consentida ou não (Mattos, 1988).
Nesse sentido, a função gerencial requer um conhecimento adequado da
organização, naquilo que é definido formalmente e naquilo que normalmente se
chama de informal, que gera o clima organizacional. Daí a importância de visualizar o
papel gerencial, não como um atributo individual, mas como um fenômeno
relacionável. Por isso se diz que um gerente isolado de seu contexto e de seus
subordinados é uma abstração, útil do ponto de vista teórico, porém irrelevante
quando se pretende contribuir para o aprimoramento do desenvolvimento
gerencial (Mattos, 1988). Isso tem implicações para o desempenho gerencial, pois o
gerente que não é capaz de lidar com a organização busca aprender macetes ou ainda
culpar apenas seus subordinados pelos resultados, sem avaliar em que medida sua
atuação contribui para a ineficácia organizacional.
O baixo desempenho que verificamos no setor público não pode ser atribuído
apenas à incompetência, a desmotivação, ou a baixos salários e às más condições
de trabalho, mas, também, à inexistência da responsabilidade gerencial, de um
indivíduo capaz de conduzir seu grupo para os objetivos organizacionais. Isto assume
características marcadas, principalmente nas atividades de prestação de serviços,
como saúde e educação, onde o objetivo é atender a população.
Apesar de não podermos dizer que existam formas mais eficazes de gerenciar,
pois os problemas e as condições objetivas da organização variam, determinando o
desempenho gerencial. Entretanto, podemos identificar estilos de gerência que
caracterizam determinadas maneiras de conduzir a organização a atingir seus
objetivos. Podemos delinear dois estilos extremos de gerência: o situacional e o
burocrático, segundo a maneira que utilizam o planejamento, organização, liderança
e controle. No estilo burocrático, cada uma destas práticas administrativas é mais
detalhada, formalizada, diretiva e com controles abrangentes. Já, no estilo situacional,
as características das práticas administrativas variam em função das tarefas. O que
determina este estilo não é a formalização, mas a capacidade do gerente de adaptar-
34
se às necessidades da tarefa, da organização. Há uma gama de relacionamento entre
estabilidade da tarefa e a flexibilidade do estilo. Identificarmos estes estilos significa
uma possibilidade de realização em uma determinada organização.
O estilo de gerência resulta de um projeto que pode ser mais ou menos
burocrático, dependendo do tipo de tarefa, das pessoas, enfim, da organização. As
práticas de planejamento, organização, direção e controle devem permitir conceber
uma estratégia que estabeleça uma relação adequada, entre o sistema de tarefas e
pessoas. Essa relação é que permite visualizar a maneira mais eficaz de conduzir a
organização a seus objetivos.
Portanto, o estilo de gerência muda conforme a organização, sua tarefa, e as
pessoas que a realizam. Se não podemos identificar qual o estilo mais eficaz de
gerência, poderemos, pelo menos, delinear algumas características próprias às
organizações que têm como tarefa a prestação de serviços de saúde. Esse tipo de
organização possui tarefas inovadoras e rotineiras, com complexidades diferentes e
com pessoas que estão mais propensas a aceitar valores mais grupais que
individuais, onde a tolerância por padrões rígidos tende a diminuir. Além disso, a
eficácia das organizações ocorre na medida em que conseguem livrar-se das práticas
burocráticas que as imobilizam e as tornam menos sensíveis e mais vagarosamente
suscetíveis à mudança (Toffler, 1975). Isso, no entanto, não significa que possamos
delinear um único estilo eficaz de gerência.
Se não podemos afirmar que exista uma forma ótima de gerenciar, podemos,
pelo menos, identificar os fatores obstaculizadores a uma gerência eficaz dos serviços
de saúde.
O que tem caracterizado a prestação dos serviços públicos de saúde é a
ineficiência e a baixa qualidade. Isto, como nos outros serviços públicos, não pode ser
atribuído apenas às más condições de trabalho, aos baixos salários, à falta de
recursos humanos, mas a todos estes fatores. Eles não podem ser responsabilizados,
individualmente, mas é a relação que estabelecem entre si e, principalmente, a
ausência da regulação da combinação entre estes fatores que deverá ser estabelecida
35
pela gerência. Isso quer dizer que, sem planejamento, direção, coordenação,
organização e controle, a tarefa organizacional não será realizada com eficácia.
Essa assertiva ganha consistência, quando observamos as experiências em
curso ou já realizadas, no Brasil. Em geral, essas experiências são organizadas por
pessoas com compromisso com a organização, com as necessidades de saúde da
população. Assim, o desempenho da gerência não passa apenas pelo planejamento
e controle, mas pelo trabalho com os recursos humanos que devem assumir um
compromisso com os objetivos da organização. Talvez a escassez de recursos que
tem caracterizado as atividades dos serviços públicos de saúde, levando os membros
das organizações a improvisarem e a executarem suas tarefas em condições, muitas
vezes, desfavoráveis, faz com que as relações interpessoais constituam um dos
fatores determinantes da eficácia dos serviços.
Nesse sentido, o papel do gerente é fundamental na articulação das relações
entre as pessoas, estruturas, tecnologias, metas e meio ambiente, incluindo aí os
usuários dos serviços. O gerente não é apenas o responsável pelo planejamento,
organização, coordenação e controle, para alocar, de maneira adequada, os recursos
escassos, mas também para mobilizar e comprometer seus funcionários na
organização e produção dos serviços de saúde, que atendam às necessidades de
saúde da população.
Neste contexto, consideramos importante retomar a ideia da equipe de saúde,
antiga no discurso sanitário, mas sem consistência na sua prática. O êxito do trabalho
da equipe de saúde requer repensar o papel de cada profissional, no desempenho de
sua tarefa, na interação que estabelecem entre si, mediada pela tecnologia, para
atender as necessidades de saúde da população. Nessa visão, a equipe é algo
dinâmico (Acunã, 1987), sendo a organização do trabalho realizada não apenas em
cima da tarefa do profissional médico, mas de diversos profissionais que possuem
responsabilidades distintas, porém compromissos iguais na produção dos serviços de
saúde.
Nesta perspectiva, há um compromisso dos diversos segmentos da
organização, independentemente do seu tamanho, com os objetivos organizacionais,
com as metas definidas pelo conjunto da organização. Com essa ótica, privilegia-se o
estilo de gerência contingencial, onde o planejamento vem em resposta ao processo
de mudança da organização, que resulta não apenas dos interesses existentes no seu
36
interior como da relação que estabelece com o meio, com as necessidades de saúde
da população.
Hoje, no Brasil, a lógica que prevalece nas organizações públicas prestadoras
de serviços, em especial da saúde, não é do atendimento da satisfação das demandas
da sua clientela, mas dos próprios funcionários, dos interesses burocráticos, que
perpassam as organizações públicas. Isto ainda é consequência do autoritarismo, do
descompromisso com a coisa pública, onde não atender nada significa, porque as
classes subalternas não têm direitos, mas apenas o dever de submissão. O direito é
apenas das classes privilegiadas de ganharem mais, mesmo que isso não reverta
para a população. Isto não é privilégio apenas da saúde, mas do setor social, no seu
conjunto.
Nesse contexto, acreditamos que mudar a prática dos serviços públicos não
implica apenas racionalizar através do planejamento da ação e do controle, mas do
envolvimento, do compromisso dos membros da organização com seus objetivos.
O discurso das chamadas classes médias sobre a questão social, a produção
de serviços, passa, mais, pela inexistência de recursos do que pela busca de
mecanismos que de fato mudem a prática dos serviços. Não podemos negar que há
experiências importantes, mas pouco se fez para entender o que elas significam e os
fatores determinantes do seu êxito.
Com o SUDS, a reorientação dos serviços de saúde teria uma possibilidade
concreta para tirar o setor público da marginalidade. No entanto, os interesses
dominantes do setor privado ainda estão fortes e articulados com as instituições
públicas responsáveis pelos recursos de saúde. Contudo, isto não se modifica como
um passe de mágica, pois instituição do tamanho e da significação do Inamps não
muda sua prática apenas pela vontade dos burocratas progressistas, no dizer de
Campos (1988), no poder. Isso não se resolve, apenas, com o discurso dos
planejadores, mas com medidas concretas, com o controle dos recursos pelos órgãos
comprometidos com a saúde da população, e com a mudança das práticas dos
serviços.
Os responsáveis em implementar estas novas propostas ainda permanecem
no discurso, sem conseguir oferecer serviços eficazes, que, inclusive, coloquem a
população como aliada. O movimento até hoje realizado em prol de uma nova política
foi por melhores salários. SUDS significou ganhar mais para mudar.
37
Como se apenas melhores salários resolvessem os problemas dos serviços de
saúde do país.
Nesse sentido, acreditamos que a prática da gerência, no setor social, é uma
necessidade, mas de uma gerência competente que se comprometa com resultados
e que seja exercida através de práticas de planejamento e controle condizentes com
a realidade dos serviços, os recursos disponíveis e as necessidades de saúde da
população.
Se a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado, segundo a nova
Constituição, é importante que a população possua espaços organizacionais para
fazer valer seus direitos, mas é também importante que o Estado, através de suas
organizações, seja capaz de produzir, direta ou indiretamente, serviços que respeitem
àqueles direitos. Esses direitos não serão exercidos se os serviços de saúde
continuarem incompetentes, mal administrados, aguardando os recursos abundantes.
Sem o compromisso dos dirigentes do setor saúde, em produzir serviços em
atendimento à demanda da população e não aos interesses dos burocratas da saúde,
a população permanecerá alheia, distante, cada vez mais, dos serviços públicos,
utilizando-os, apenas, quando não tem outra alternativa. E, por outro lado, ficaremos
fazendo o discurso da participação, tendo como interlocutores as chamadas
lideranças dos movimentos populares que incensam nosso ego, fazendo nosso
discurso ter algum sentido. Nesse sentido, é importante ter a população como aliada,
buscando formas de participação, para que ela expresse suas necessidades e exija
seus direitos à saúde.
Portanto, a gerência dos serviços de saúde não pode constituir apenas mais
um discurso, mas uma forma de dotar os serviços públicos de saúde de alguma
racionalidade, de uma lógica que não é dos serviços privados nem da burocracia, mas
aquela voltada para as necessidades da população, do seu perfil epidemiológico, com
o compromisso dos servidores em produzir serviços de qualidade. Essa qualidade
deve ser pretendida na magnitude e natureza dos recursos disponíveis (Evans, 1982),
pois, do contrário, permaneceremos incompetentes e imóveis, justificando nossa
posição pela escassez dos recursos.
A reorientação dos serviços de saúde, preconizada pelo SUDS, exige na sua
implantação a formação de dirigentes capazes de planejar, dirigir, avaliar e controlar
a ação de sua unidade ou do sistema local de saúde. A questão não é saber que tipo
de planejamento ou controle deve dispor este gerente, mas, sim, se é capaz de
38
entender a realidade social em que a organização está inserida e dispor de
conhecimentos e habilidades sobre as práticas administrativas inerentes ao
gerenciamento.
O gerente, independentemente do tamanho e nível da organização ou do
sistema sob sua responsabilidade, deve ser uma pessoa de decisão. Para isto, ele
necessita não apenas conhecer as técnicas administrativas como também dispor de
um sistema de informações gerenciais, que paute suas decisões. O discurso e a
prática do "apaga fogo", comum no setor público, devem ser superados. A
administração por rotina e crise não permite decisões coerentes e encima de
prioridades. Por isto, não há planejamento, ou mesmo um referencial, que informe as
decisões.
Nesse sentido, a ideia do modelo assistencial, que explicita e detalha a
organização dos serviços de saúde e suas ações, é importante, neste momento, como
instrumento de planejamento, de organização e definição das ações de saúde, no
âmbito de uma unidade de saúde e do sistema de saúde no seu conjunto. Mesmo que
este modelo não dê conta, no seu conjunto, do perfil epidemiológico de uma área
concreta, ele permanece como um marco referencial para as ações de saúde.
Também a proposta dos Sistemas Locais de Saúde, preconizada pela Opas
(1987), pode constituir uma importante contribuição para desenharmos serviços com
capacidade tecnológica e administrativa, para atender uma população de uma área
definida, consolidando e dando forma ao novo modelo assistencial preconizado.
A gerência dos serviços de saúde passa, também, pela descentralização dos
recursos, pois a descentralização ocorrida no âmbito federal, mesmo que incompleta,
ainda não se tornou uma prática consistente no nível estadual. Daí a importância de
se dar corpo à municipalização. Não por decreto, mas mediante uma programação e
definição de estratégias que deem conta da realidade de cada município e de sua
capacidade de gestão dos serviços de saúde. Isso possibilitará aumentar a eficácia
dos serviços, através de uma gerência competente, compromissada com os objetivos
organizacionais, com as necessidades de saúde da população. Essa é uma nova
lógica que deverá permear os serviços públicos de saúde, revertendo sua prática,
dominantemente burocrática, tornando-os eficazes, para tirá-los da marginalidade do
setor saúde.
CONCLUSÃO
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Falar em reordenamento dos serviços de saúde significa não apenas formular
uma nova concepção de atenção à saúde, como identificar instrumentos que
possibilitem as unidades de saúde, e o próprio sistema, atingirem maior nível de
eficácia.
A organização de saúde, entendida como parte de uma rede de serviços
interdependente, não pode buscar a solução dos seus problemas apenas na correção
dos baixos salários, mas em um conjunto de fatores que deverão ser compreendidos
nas relações que mantêm entre si e com o seu meio.
Assim, falar em gerência dos serviços de saúde como um meio de melhorar a
eficácia do sistema passa pelo entendimento das diversas dimensões presentes na
organização: pessoas, recursos, tecnologia e administração, que têm o papel de
combinar as anteriores na consecução dos objetivos organizacionais. Apesar de
existirem estilos de administração e práticas administrativas condizentes com cada
estilo, não podemos concluir que exista uma forma ótima de gerenciar. Existem
técnicas, eficazes ou não, dependendo da organização de seus membros e dos
recursos disponíveis.
A gerência surge, hoje, nas organizações de saúde, como um meio de dar
eficácia aos seus serviços. Contudo, não podemos esquecer que parte significativa
do discurso e das práticas administrativas já está há algum tempo sendo utilizada no
setor saúde. Talvez, hoje, o que surge de novo é o conceito de gerência e a
necessidade de realizar uma releitura das práticas administrativas até então utilizadas.
Entretanto, não podemos correr o risco de retificar o conceito ou reduzi-lo a um
discurso que transforma a gerência na solução mágica para a eficácia do setor. Não
resta dúvida que não há organização eficaz sem gerência, ou seja, sem um trabalho
competente de prever, organizar, dirigir e controlar os recursos humanos, materiais e
financeiros para atingir os objetivos organizacionais. Esse trabalho da gerência realiza
uma tarefa de mediação entre pessoas, tecnologia, materiais e ambiente. O
responsável por essa tarefa, o gerente, deve possuir um compromisso com os
objetivos organizacionais, com a população a ser atendida, e é uma das questões que
a Administração Pública não conseguiu ainda resolver.
Na Administração Pública, em especial nos setores sociais, os dirigentes não
estão comprometidos com os resultados da organização, mas, na maioria das vezes,
com seus interesses particulares e do seu grupo, e não com o compromisso que
40
assumiu ao aceitar o cargo de gerência. Essa questão reforça a necessidade da
participação da população, do controle que deve exercer sobre os serviços e sua
gestão. Esse controle, contudo, não deve passar apenas pela relação das
organizações com seus usuários, mas no interior da própria instituição, envolvendo
seus servidores na tarefa organizacional.
Se não podemos identificar um estilo ótimo de gerência para os serviços de
saúde, podemos, pelo menos, supor que será um gerente eficaz aquele que for capaz
de envolver as pessoas na tarefa, alterando sua prática em função das mudanças que
ocorrem no interior e fora da organização, comprometendo seus funcionários com a
produção dos serviços de saúde. Desta mesma perspectiva é que a equipe de saúde
pode assumir um papel decisivo na mudança de qualidade dos serviços.
Portanto, uma das dimensões importantes na gerência é o comprometimento
com a tarefa organizacional e o trabalho de envolver seus subordinados nessa tarefa.
Fazer com que cada um desempenhe seu papel, mas assuma um compromisso
conjunto de produzir um serviço de saúde que satisfaça às necessidades da
população.
Contudo, esse compromisso não estará presente da mesma maneira em todas
as organizações independente de suas determinações e, como tal, também não
resolverá a eficácia do sistema. Essa eficácia dependerá não apenas do desempenho
gerencial das organizações isoladas, mas da gerência do sistema, que deve estar
preocupada com resultados e não apenas envolvida com casuísmos e interesses
alheios à gestão competente dos bens públicos.
Desta perspectiva, a descentralização surge como uma alternativa eficaz de
mudança, pois a eficácia dos sistemas estaduais e municipais poderá ser menos
afetada pela incapacidade gerencial existente no sistema central de saúde. A decisão
sobre a prestação dos serviços principais de saúde deve atender, principalmente, às
necessidades dos usuários e não apenas aos interesses burocráticos. Com isso, não
se quer privilegiar a descentralização como solução para aumentar a eficácia dos
serviços, mas como uma possibilidade, uma vez que as decisões estão mais próximas
de quem utiliza os serviços.
No entanto, dificilmente conseguiremos mudar a prática do setor, se não
identificarmos a lógica que deve permear a gestão pública, que não coincide com
aquela do setor privado, onde o planejamento e o controle têm um destino
41
assegurado, mas com aquela que deve privilegiar resultados, o atendimento das
necessidades de saúde da população.
Portanto, a lógica da gerência que foi delineada pela Administração como um
meio de assegurar resultados para quem investe não pode ter a mesma leitura na
Administração Pública. Daí a ideia do compromisso, do envolvimento dos membros
da organização pública e da população no processo de trabalho, como um meio de
garantir a produção de serviços de qualidade, onde prevaleçam os interesses da
população. A qualidade dos serviços públicos de saúde não deve passar pela
privatização desses serviços, aos quais têm acesso, apenas, as camadas
privilegiadas da sociedade. Mas, sim, um serviço público de saúde com resolubilidade
e qualidade, acessível a toda a população, pois esse é um direito que a nova
Constituição lhe assegura.
BIBLIOGRAFIA
EVANS, John. Medición y Gestión de los Servidos Médicos y Sanitarios. New York,
Fundación Rockefeller, 1982
42
MATTOS, Ruy A. Desenvolvimento de Recursos Humanos e Mudança
Organizacional, Rio de Janeiro, LTC/ANFUP, 1985
_____. Gerência e Democracia nas Organizações. 2a ed., Brasília. Ed. Livre Ltda.,
1988.
5 LEITURA COMPLEMENTAR
43
unificação das antigas estruturas, ainda não foram amplamente incorporadas novas
práticas de gerenciamento dos serviços.
É preciso lembrar que as lógicas dos sistemas de informações gerenciais e
epidemiológicas são distintas. Nos sistemas de informação epidemiológica a base da
coleta de dados é a população e as informações serão mais fidedignas e de melhor
qualidade quanto maior for sua cobertura e quanto mais detalhados forem os dados
para a descrição dos eventos (óbitos, nascimentos, doenças e agravos).
A concepção de sistemas de informações gerenciais dos serviços de saúde
pressupõe a obtenção de informações sobre quantas, quais e onde foram produzidas
as ações de saúde, por quem e a que custo operacional, tendo como base de coleta
de dados os serviços de saúde. Cabe mencionar, contudo que a prática institucional
mais frequente no momento da alocação de recursos tem consistido na avaliação da
relação entre o programado e o produzido, não se levando em conta os elementos
acima mencionados enquanto parte dos sistemas de informações gerenciais,
necessários ao processo de tomada de decisões muito menos se tem considerado a
incorporação de indicadores epidemiológicos.
Outro aspecto a ser considerado refere-se às informações gerenciais dos
sistemas de abrangência nacional (SIH e SIA-SUS). Estas recobrem apenas os dados
gerados nos serviços de saúde que fazem parte do SUS, informando apenas sobre a
clientela usuária destes serviços, dificultando, dessa forma, o conhecimento da
disponibilidade e dos custos do total de serviços de saúde existentes nos níveis
nacional, estadual e mesmo municipal, pois não há dados acessíveis para se realizar
esta avaliação. Felizmente, no Estado de São Paulo é possível sanar, em parte, esta
lacuna com as informações sobre internações hospitalares do Boletim 106 da
Secretária de Estado da Saúde. Entretanto, o mesmo não ocorre com as informações
ambulatoriais. É preciso lembrar que, para algumas áreas do Estado, como Região
Metropolitana, estima-se que a clientela usuária do SUS seja cerca de 50% da
população (3), para outras áreas, não há dados disponíveis.
O processo de municipalização acentuou a necessidade de descentralização
da produção, gerenciamento e análise das informações, possibilitando aos municípios
assumir o papel de gestores dos serviços de saúde. Todavia, este processo de
municipalização dos serviços de saúde, pode reforçar, ainda mais o tipo de prática
institucional de tomada de decisões, anteriormente mencionada. O que aqui se
ressalta é a necessidade de agilizar a produção de informações gerenciais do SUS
44
nos níveis estaduais e municipais, pois estas se constituem em bases para o repasse
de recursos financeiros do sistema. Dessa maneira, as informações que se
destinavam ao acompanhamento de programas locais de saúde podem acabar
ficando em segundo plano, tendo em vista a prioridade de produzir as informações
que garantam o repasse financeiro.
Tendo em vista algumas das questões acima colocadas a ABRASCO
(Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva) teve a iniciativa de criar
um grupo de trabalho para discutir propostas de uma política de informações em
saúde, ao qual foi posteriormente acrescida a participação da ABEP (Associação
Brasileira de Estudos Populacionais), sendo então formado o grupo de Trabalho em
Informações em Saúde e População (GTISP). Entre as diversas sugestões do GTISP,
há a proposta que o processo de descentralização deve conter, entre as suas
diretrizes, a compatibilização conceitual e metodológica na produção de informações
em saúde de modo a garantir a comparabilidade e complementariedade das
informações geradas nos diversos níveis hierárquicos do SUS. Fato que, se
concretizado, irá permitir maior agilidade de acesso às informações existentes nos
sistemas de abrangência nacional (4).
Há, ainda, que se considerar que o processo de descentralização das
informações em saúde coloca também a necessidade de existência de capacidade
técnica (recursos humanos e equipamentos) para a produção e gerenciamento das
informações no nível municipal. As experiências mais conhecidas no Estado de São
Paulo, concentram-se em municípios de grande porte como São Paulo, Campinas,
Ribeirão Preto e Santos. Estes municípios dispõem de infraestrutura técnica e muitos
contaram com o apoio de universidades para a implantação e desenvolvimento de
seus sistemas de informação. Estes fatos vêm mostrar a importância da participação
dos níveis federal e estadual na capacitação dos municípios neste processo.
Algumas propostas de sistemas de informações locais vêm incorporando
indicadores epidemiológicos e sociais, porém elas têm encontrado dificuldades de
compatibilização na agregação das informações existentes nos diferentes sistemas.
A base de dados dos diversos sistemas reflete a operação dos serviços nos quais as
informações são geradas ou as divisões administrativas existentes, que nem sempre
são compatíveis entre si. Um exemplo deste tipo de dificuldade são os dados sobre o
abastecimento de água, disponíveis em função das bacias hidrográficas que
alimentam o sistema, não existem informações sobre o número de domicílios com
45
água encanada, discriminadas por distritos do Município de São Paulo ou mesmo por
municípios, para algumas áreas do Estado. No momento, este se constitui em um dos
principais entraves para a incorporação de informações mais abrangentes nos
sistemas de informação em saúde.
Outra questão importante refere-se à definição de quais são as informações
que devem ser restritas ao uso local ou municipal e aquelas que devem compor
sistemas de informação de abrangência estadual ou nacional, ressaltando-se a
importância da compatibilização conceitual e metodológica entre os diferentes níveis
hierárquicos destes sistemas, bem como a necessidade do estabelecimento de fluxos
que possibilitem maior agilidade e acessibilidade aos dados
Essas considerações mostram que apesar de pouco utilizados, os indicadores
epidemiológicos são importantes na programação em saúde, pois dada a própria
natureza, dos dados usados na sua construção permitem recuperar as informações
sobre a população como um todo, não se restringindo apenas à clientela usuária SUS.
Somente com estas informações pode-se obter uma melhor compreensão do modelo
assistencial e de seus problemas, colaborando para sua reorientação, onde e quando
se fizer necessário. A prática corrente de alocação de recursos com base na relação
entre o programado e produzido tende a manter a atual organização dos serviços.
Cabe, ainda, enfatizar a importância do uso de informações epidemiológicas para a
avaliação da qualidade dos serviços de saúde contribuindo para a identificação e
correção de pontos de estrangulamento da atenção à saúde.
BIBLIOGRAFIA
46
4 - MINISTÉRIO DA SAÚDE/ABRASCO - Uso e disseminação de informações em
saúde: subsídios para a elaboração de uma política de informações para o
SUS. Brasília, 1994.
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