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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................. 3
1 SAÚDE PÚBLICA ....................................................................................... 4
1.1 O sistema único de saúde .................................................................... 4
2 O PROCESSO HISTÓRICO DE CONSTRUÇÃO DO SUS ........................ 5
2.1 O Período 23/30: o nascimento da Previdência Social no Brasil .......... 7
2.2 O Período 30/45: a proposta de contenção de gastos e o surgimento
das Ações Centralizadas de Saúde Pública ............................................................ 8
2.3 O Período 45/66: a crise do regime de capitalização e o nascimento do
Sanitarismo Desenvolvimentista ............................................................................ 10
2.4 O Período 1966/73: o acirramento da crise e a privatização da
assistência médica ................................................................................................ 13
2.5 O Período 74/79: crise, reforma e consolidação da rede privada em
saúde 15
2.6 A Década de 80: Eclosão da Crise Estrutural e a Consolidação das
Propostas Reformadoras ....................................................................................... 18
3 O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - PRINCÍPIOS DOUTRINÁRIOS E
ORGANIZATIVOS ..................................................................................................... 21
3.1 Princípios doutrinários ........................................................................ 25
3.1.1 Universalização ............................................................................ 25
3.1.2 Equidade ...................................................................................... 25
3.1.3 Integralidade ................................................................................. 25
3.2 Princípios Organizativos ..................................................................... 26
3.2.1 Regionalização e Hierarquização ................................................. 26
3.2.2 Descentralização e Comando Único ............................................ 26
3.2.3 Participação Popular .................................................................... 27
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 29
4 Artigos para revisão .................................................................................. 30
5 LEITURA COMPLEMENTAR.................................................................... 43

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INTRODUÇÃO

Prezado aluno,

A Rede Futura de Ensino, esclarece que o material virtual é semelhante ao da


sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno
se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta,
para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse
aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No
espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser
direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que
lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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1 SAÚDE PÚBLICA

Fonte: www.tudoin.com.br

1.1 O sistema único de saúde

O SUS não foi uma invenção de “ilustres” juristas ou dos “iluminados”


deputados constituintes de 1988. Também não nasceu apenas do consenso entre
grandes especialistas da área de saúde. O SUS é fruto de um amplo movimento
social, iniciado na década de 70, em defesa da saúde do povo brasileiro, que
consolidou a reforma sanitária brasileira.
Tal movimento social se constituiu nas universidades, nos departamentos de
Medicina Preventiva e Social, e em outras instituições onde se criticava o modelo
assistencial dominante; no movimento sindical, inicialmente na categoria médica,
onde surgiu o grupo da "Renovação Médica"; e no interior das instituições de saúde,
onde grupos de técnicos não comprometidos com sua política oficial, propunham e
experimentavam formas alternativas de organizar serviços.
Este movimento foi se ampliando para diversos segmentos sociais durante a
década de 80, que passaram também a criticar o modelo de atendimento centrado na
medicina curativa e hospitalar, bem como o “empresariamento” do setor saúde.

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Em 1986, realizou-se a VIII Conferência Nacional de Saúde, em Brasília, que
reuniu milhares de representantes de usuários, de trabalhadores da saúde e de outros
setores sociais e de instituições governamentais, e que delineou a proposta de
organização de um sistema único de saúde, com assistência universal e integral à
saúde. Mais que isto, surgiu a proposta de que a saúde passasse a ser um direito do
cidadão e dever do Estado.
Estávamos às vésperas da instalação do Congresso Constituinte que iria
elaborar a nova Constituição Brasileira...
A Constituição de 1988 incorporou a ideia de que o direito à saúde deve ser
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de
doenças e outros agravos, e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de
saúde para sua promoção, proteção e recuperação (artigo 196 CF/88). Nesse sentido,
estabeleceu o Sistema Único de Saúde, no Título VIII Da Ordem Social, Capítulo II Da
Seguridade Social, Seção II Da Saúde.
É um "Sistema", porque não se trata somente um serviço ou uma instituição,
mas uma rede de unidades, serviços e ações atuando coordenadamente e em
diferentes níveis de complexidade tecnológica, no sentido de elevar os níveis de
saúde da população.
É "Único", porque segue os mesmos princípios e diretrizes em todo o território
nacional, no sentido de responsabilidade das três esferas de governo:
I – No âmbito da União, através do Ministério da Saúde;
II – No âmbito dos Estados e Distrito Federal, através da respectiva Secretaria
de Saúde ou órgão equivalente;
III – No âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão
equivalente.

2 O PROCESSO HISTÓRICO DE CONSTRUÇÃO DO SUS

O processo de construção do SUS é resultante de um conjunto de embates


políticos e ideológicos, travados por diferentes atores sociais ao longo dos anos.
Decorrente de concepções diferenciadas, as políticas de saúde e as formas como se
organizaram os serviços não são fruto apenas do momento atual. Ao contrário, têm
uma longa trajetória de formulações e de lutas.

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Fonte: oregionalpr.com.br

A busca de referências históricas do processo de formulação das políticas de


saúde, e da vinculação da saúde com o contexto político mais geral do país, pode
contribuir para um melhor entendimento do momento atual e do próprio significado do
SUS. Nesse sentido, o objetivo deste texto é apresentar, de forma organizada, os
elementos que compõe o SUS e alguns marcos históricos da política de saúde do
Brasil. É claro que após alguns anos de sua implementação legal pela Constituição
Federal de 1988, O SUS não é hoje uma novidade. No entanto, apesar do tempo
decorrido e da clareza das definições legais, O SUS significa transformação e, por
isso, processo político e prático de fazer das ideias a realidade concreta. A afirmação
legal de um conceito é um passo importante, mas não é, em si, uma garantia de
mudanças. Construção é a ideia que melhor sintetiza o SUS. Garantido o alicerce,
falta compor, parte a parte, a estrutura do edifício. Não existe um caminho natural para
isso. Os embates políticos, corporativos e a variada gama de interesses de um setor
que mobiliza muitos recursos estarão sempre presentes. Não é a constatação da
impossibilidade, pelo contrário, uma exortação ao trabalho político consequente.
Como se trata de um texto introdutório, procura-se abordar os conceitos e a
história da constituição do Sistema Único de Saúde, a partir da trajetória da política
de Saúde e Previdência no Brasil.

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2.1 O Período 23/30: o nascimento da Previdência Social no Brasil

O surgimento da Previdência Social no Brasil se insere num processo de


modificação da postura liberal do Estado frente à problemática trabalhista e social,
portanto, num contexto político e social mais amplo. Esta mudança se dá enquanto
decorrência da contradição entre a posição marcadamente liberal do Estado frente às
questões trabalhistas e sociais e um movimento operário-sindical que assumia
importância crescente e se posicionava contra tal postura. Esta também é a época de
nascimento da legislação trabalhista brasileira.
Em 1923, é promulgada a Lei Elói Chaves que, para alguns autores, pode ser
definida como marco do início da Previdência Social no Brasil. No período
compreendido entre 1923 e 1930 surgem as Caixas de Aposentadoria e Pensões
(CAPS). As CAPS eram organizadas por empresas, de natureza civil e privada,
responsáveis pelos benefícios pecuniários e serviços de saúde para os empregados
de empresas específicas. As CAPS eram financiadas com recursos dos empregados
e empregadores e administradas por comissões formadas de representantes da
empresa e dos empregados. Cabia ao poder público apenas a resolução de possíveis
conflitos.
No modelo previdenciário dos anos 20 a assistência médica era vista como
atribuição fundamental do sistema, o que levava, inclusive, à organização de serviços
próprios de saúde. Caracteriza ainda este período, o elevado padrão de despesa.
Estas duas características serão profundamente modificadas no período posterior.
Em relação às ações de saúde coletiva, promovidas por parte do Estado, este
período é marcado pelo surgimento do chamado "sanitarismo campanhista", nascido
da Reforma Carlos Chagas em 20/23. Este sanitarismo se pautava por uma visão de
combate às doenças de massa com forte concentração de decisões e com estilo
repressivo de "intervenção sobre os corpos individual e social". Alguns anos antes,
havia sido criado o departamento Nacional de Saúde Pública, responsável por estas
ações. O combate à febre amarela e gripe espanhola se deu dentro de tal modelo.

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Marco legal e político Previdência Assistência à saúde Saúde coletiva

Nascimento da CAPS - organizadas Assistência médica Sanitarismo

legislação trabalhista por empresa de como atribuição das campanhista

Lei Elói Chaves natureza civil e CAPS através de Departamento

(1923) privada, financiadas serviços próprios Nacional de Saúde

por empregados e Reforma Carlos

empregadores Chagas

2.2 O Período 30/45: a proposta de contenção de gastos e o surgimento das


Ações Centralizadas de Saúde Pública

Com a revolução de 30, liderada por Getúlio Vargas, assumiu o poder uma
coalizão que trouxe, de forma destacada, a preocupação com o novo operariado
urbano. Este período foi marcado pela criação de órgãos e instrumentos que
legitimaram a ação sindical em moldes corporativos.
Do ponto de vista político, este período pode ser caracterizado por uma
profunda crise, marcado por greves de trabalhadores e manifestações populares,
principalmente entre os anos 30/35. A busca de aliados por parte do governo, que
tentava ampliar sua base de apoio, incluindo entre elas as classes trabalhadoras
urbanas, colocava em evidência o tema previdência social. Foi criado o Ministério do
Trabalho, aprofundou-se a legislação trabalhista, ao mesmo tempo em que havia
restrições e manipulações na esfera sindical.
Em relação à Previdência Social houve profundas modificações no que se
refere à organização e concepção. Do ponto de vista de concepção, a Previdência era
claramente definida enquanto seguro, privilegiando os benefícios e reduzindo a
prestação de serviços de saúde. Embora com algumas oscilações entre os institutos,
a legislação adotada entre 30 e 45 tentará diferenciar as atribuições de benefícios e
serviços de saúde. Estes passaram a serem entendidos como concessão, e não mais
atribuição específica, uma função provisória e secundária. Tal definição fez com
houvesse um profundo corte nas despesas com assistência médico-hospitalar.
Do ponto de vista organizativo, este é um momento marcado pela criação dos
Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAP's), entidades organizadas não mais por
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empresas, mas por categorias profissionais. Diferentemente das CAPS, a
administração dos IAP's era bastante dependente do governo federal. O conselho de
administração, formado com participação de representantes de empregados e
empregadores, tinha uma função de assessoria e fiscalização e era dirigido por um
presidente, indicado diretamente pelo Presidente da República. Houve uma ampliação
da Previdência com a incorporação de novas categorias não cobertas pelas CAPS
anteriormente.
Caracterizaram esta época a participação do Estado no financiamento (embora
meramente formal) e na administração dos institutos, e um esforço ativo no sentido
de diminuir despesas, mais com a acumulação de reservas financeiras do que com a
ampla prestação de serviços. Isto fez com que os superávits dos institutos
constituíssem um respeitável patrimônio e um instrumento de acumulação nas mãos
do Estado. A Previdência passou a se configurar enquanto "sócia" do Estado nos
investimentos de interesse do governo.
Em relação às ações de saúde coletiva, esta foi a época do auge do sanitarismo
campanhista. Em 1937 foi criado o primeiro órgão de saúde de dimensão nacional, o
Serviço Nacional de Febre Amarela, em 39, o Serviço de Malária do Nordeste, e em
40, o Serviço de Malária da Baixada Fluminense.
No período de 38/45 o Departamento Nacional de Saúde foi reestruturado e
dinamizado, articulando e centralizando as atividades sanitárias de todo o país. Em
1942 foi criado o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), com atuação voltada
para as áreas não cobertas pelos serviços tradicionais.

Marco legal e político Previdência Assistência à saúde Saúde coletiva

Criação do Ministério do IAP's-organizados por Corte nas despesas Auge do sanitarismo

Trabalho categorias profissionais, médicas, passando os campanhista,

CLT com dependência do serviços de saúde à Serviço Nacional de

governo federal categoria de concessão Febre Amarela,

do sistema Serviço de Malária

do Nordeste e SESP

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2.3 O Período 45/66: a crise do regime de capitalização e o nascimento do
Sanitarismo Desenvolvimentista

Este momento pode ser subdividido em duas fases do ponto de vista da


conjuntura política, para fins didáticos. A primeira, marcada pelo fim do Estado novo
e pela redemocratização do País. Foi o período do desenvolvimentismo, que levou a
um acelerado processo de urbanização e industrialização. Foi marcante no governo
Juscelino a visão de que a solução para os problemas sociais estava mais no
desenvolvimento do que nas questões sociais. O esgotamento do modelo populista
de relação entre o Estado e os trabalhadores foi-se acentuando, em associação com
o capital estrangeiro e a possibilidade de incorporar as demandas dos trabalhadores.
Uma segunda fase foi inaugurada com o golpe de 64, que estabeleceu uma
ruptura com os governos democráticos anteriores. O regime instalado teve como
características o autoritarismo, com o fechamento dos canais de participação aos
trabalhadores, e um discurso de racionalidade técnica e administrativa, que repercutiu
nas ações de previdência e saúde.
As ações de previdência foram, então, caracterizadas pelo crescimento dos
gastos, elevação de despesas, diminuição de saldos, esgotamento de reservas e
déficits orçamentários. Isto levou a um processo de repartição simples, e não mais
capitalização como no período anterior.

Fonte: congregar.web317.kinghost.net/blog/wp

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As explicações para tais mudanças podem ser colocadas como resultantes de
uma tendência natural (maior número de pessoas recebendo benefícios, uma vez que
esta foi a época de recebimento de benefícios dos segurados incorporados no início
do sistema); como também de mudanças de posições da Previdência Social
(desmontagem das medidas de contenção de gastos dos anos 30/45; crescimento
dos gastos com assistência médica, que sobe de 2,3% em 1945 para 14,9% em 1966;
crescimento dos gastos com benefícios, em função do aumento dos beneficiários, de
mudanças nos critérios de concessão de benefícios e no valor médio destes).
A legislação pós-45 foi marcada pela progressiva desmontagem das medidas
de cunho contencionista do período anterior. Na Constituição de 46 a assistência
sanitária foi incorporada à Previdência Social e em 53 foi promulgado o "Regulamento
Geral dos Institutos de Aposentadoria e Pensão", que formalizou a responsabilidade
dos mesmos com a assistência médica. A Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS),
promulgada em 1960, uniformizou os direitos dos segurados de diferentes institutos,
o que agravou as dificuldades financeiras crescentes da previdência no período. Esta
Lei pode ser considerada como um marco da derrota do modelo contencionista
anterior, estendendo para o conjunto dos segurados um plano extremamente amplo
de benefícios e serviços. Além da assistência médica e dos benefícios pecuniários, a
legislação se referia a habitação, empréstimos e alimentação.
A uniformização dos benefícios alcançados com a LOPS, assim como a
extensão da Previdência Social aos trabalhadores rurais, através do Estatuto do
Trabalhador Rural, aprovado no governo João Goulart, não foram acompanhadas de
novas bases financeiras concretas para sua efetivação. Para fazer frente aos novos
gastos, a contribuição dos segurados foi progressivamente elevada. Em relação à
contribuição do Estado, a LOPS rompeu com o conceito de contribuição tripartite.
Cabia à União, a partir de então, apenas os gastos com administração e pessoal.
Nessa mesma época, o Brasil passou a ser influenciado pelas ideias de
seguridade social que foram amplamente discutidas no cenário internacional ao final
da II Guerra Mundial, em contraposição ao conceito de seguro da época anterior. Ao
mesmo tempo, viveu-se um intenso processo de construção e compra de hospitais,
ambulatórios e equipamentos, por parte dos institutos, e de celebração de convênios
para prestação de assistência médico-hospitalar aos segurados.
Com o golpe de 1964 e o discurso de racionalidade, eficácia e saneamento
financeiro, ocorreu a fusão dos IAP's, com a criação do Instituto Nacional de

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Previdência Social (INPS). Este fato, ocorrido em 1966, marcou também a perda de
representatividade dos trabalhadores na gestão do sistema. A unificação enfrentava
resistências dos grupos privilegiados pelo antigo sistema corporativo. O governo, no
entanto, alegava que a centralização de recursos poderia ser a alternativa para
viabilizar o cumprimento do direito de assistência à saúde.
Com relação à assistência médica, houve um crescimento dos serviços
médicos próprios da previdência e dos gastos com assistência médica em geral, mas
persistia uma demanda elevada, agravada pelo fato deste direito ter sido estendido a
todos os segurados. Os serviços próprios continuavam a conviver com o setor privado
conveniado e contratado, também em expansão.
O sanitarismo desenvolvimentista, característico do período, teve sua
contribuição mais voltada para as discussões conceituais relacionadas à saúde. Os
sanitaristas da época estabeleceram relação entre saúde e economia e definiram a
saúde de um povo como o corolário do seu desenvolvimento econômico. Podem ser
apontados dois marcos desta época: o primeiro a criação da Comissão de
Planejamento e Controle das Atividades Médico-Sanitárias, com função de elaborar o
plano plurianual, integrando as atividades de saúde ao Plano Nacional de
Desenvolvimento; o segundo marco foi a realização da III Conferência Nacional de
Saúde, que além de discutir as propostas elaboradas pela comissão anteriormente
citada, sistematizou as propostas de descentralização e municipalização da saúde.
Em relação à organização de serviços, o fato mais marcante foi a criação em
1956, do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERU), que tinha a finalidade
de organizar e executar os serviços de investigação e combate às principais
patologias evitáveis existentes no período, dentre elas a malária, leishmaniose,
doença de Chagas, peste, brucelose, febre amarela, esquistossomose, e outras
endemias existentes no país.

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Marco legal e político Previdência Assistência à saúde Saúde coletiva

Constituição de 1946 Crescimento dos Crescimento dos Sanitarismo

LOPS (1960) gastos e serviços próprios da desenvolvimentista

Estatuto do esgotamento de Previdência Departamento

trabalhador rural reservas Aumento dos gastos Nacional de

Golpe de 1964 Incorporação da com a assistência Endemias Rurais

INPS (1966) assistência sanitária médica (DNERU)

à Previdência Convivência com os

Uniformização dos serviços privados, em

direitos dos expansão

segurados

2.4 O Período 1966/73: o acirramento da crise e a privatização da assistência


médica

Foi um período marcado pelo crescente papel do Estado como regulador da


sociedade, e pelo alijamento dos trabalhadores do processo político, ao lado de uma
política de arrocho salarial decorrente do modelo de acumulação adotado.
A criação do INPS, citada anteriormente, inseriu-se na perspectiva
modernizadora da máquina estatal, aumentando o poder de regulação do Estado
sobre a sociedade e representando uma tentativa de desmobilização das forças
políticas estimuladas em períodos populistas anteriores. O rompimento com a política
populista não significou alteração em relação à política assistencialista anterior, ao
contrário, o Estado ampliou a cobertura da previdência aos trabalhadores domésticos
e trabalhadores rurais, além de absorver as pressões por uma efetiva cobertura
daqueles trabalhadores já beneficiados pela Lei LOPS. Excetuando os trabalhadores
do mercado informal de trabalho, todos os demais eram cobertos pela Previdência
Social. Em relação à assistência médica, observa-se um movimento ainda mais
expressivo de ampliação e cobertura.

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Os gastos com assistência médica, que continuaram a crescer neste período,
chegaram a representar mais de 30% dos gastos totais do INPS em 76. A Ênfase era
dada à atenção individual, assistencialista e especializada, em detrimento das
medidas de saúde pública, de caráter preventivo e de interesse coletivo. Exemplo de
descaso com as ações coletivas e de prevenção foi a diminuição do orçamento do
Ministério da Saúde, que chegou a representar menos que 1,0% dos recursos da
União.
Ocorreu uma progressiva eliminação da gestão tripartite das instituições
previdenciárias, até sua extinção em 70. Ao mesmo tempo, a "contribuição do estado"
se restringiu aos custos com a estrutura administrativa. A criação do INPS propiciou a
implementação de uma política de saúde que levou ao desenvolvimento do complexo
médico-industrial, em especial nas áreas de medicamentos e equipamentos médicos.
Ao mesmo tempo, e em nome da racionalidade administrativa, o INPS deu prioridade
à contratação de serviços de terceiros, em detrimento dos serviços próprios, decisão
que acompanhou a postura do governo federal como um todo. De 69 a 75 a
porcentagem de serviços comprados de terceiros representou cerca de 90% da
despesa do INPS.
A modalidade de compra de serviços adotada possibilitou o superfaturamento
por parte dos serviços contratados, com prejuízo do atendimento médico prestado e
colocando em risco o sistema financeiro da instituição. Para aumentar o faturamento,
estes serviços utilizavam os expedientes de multiplicação e desdobramento de atos
médicos, preferência por internações mais caras, ênfase em serviços cirúrgicos, além
da baixa qualidade do pessoal técnico e dos equipamentos utilizados.
A expansão do complexo previdenciário criou uma nova modalidade de
atendimento, a medicina de grupo, estruturada a partir de convênios entre o INPS e
empresas, ficando estas com a responsabilidade pela atenção médica de seus
empregados. O convênio empresa foi a forma de articulação entre o Estado e o
empresariado que viabilizou o nascimento e o desenvolvimento do subsistema que
viria a se tornar hegemônico na década de 80, o da atenção médica supletiva.
Apesar das atribuições definidas pelo Decreto Lei 200/67 para o Ministério da
Saúde, com subordinação da assistência médica previdenciária à política nacional de
saúde, a prática mostrava um Ministério esvaziado em suas competências. Foram
incorporados a ele a Fundação SESP e a Fundação das Pioneiras Sociais, dando

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início à autarquização do ministério, que acompanhava processo similar da
administração federal.
Por parte da saúde coletiva, as ações estavam dispersas num conjunto de
Ministérios como o da Agricultura, dos Transportes, do Trabalho, do Interior, da
Educação, dentre outros, e internamente ao Ministério da Saúde, em um conjunto de
órgãos da administração direta e indireta.

Marco legal e político Previdência Assistência à saúde Saúde coletiva

AI-5 Modernização Aumento dos gastos Dispersa em

Emenda autoritária com saúde no âmbito vários

Constitucional nº 1 Ampliação de da previdência ministérios e

cobertura Extensão de em órgãos da

previdenciária cobertura administração

Ampliação do Modelo de compra de direta e indireta

complexo serviços

previdenciário Convênios com

medicina de grupo

Autarquização do MS

2.5 O Período 74/79: crise, reforma e consolidação da rede privada em saúde

As alterações na conjuntura política, dos pontos de vista interno e externo,


forçaram o Estado a fortalecer a opção pela Seguridade Social, como forma de buscar
legitimidade, o que levou à intensificação do modelo, através do aumento crescente
de cobertura e ampliação de benefícios.
No ano de 1974, foram criados o Ministério da Previdência e Assistência Social
(MPAS) e o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS). A criação do Ministério
significou o fortalecimento das ações de previdência no interior do aparelho estatal. A
criação do FAS proporcionou a remodelação e a ampliação dos hospitais da rede
privada, através de empréstimos com juros subsidiados. A existência de recursos para
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investimento e a criação de um mercado cativo de atenção médica para os
prestadores privados levou a um crescimento próximo de 500% no número de leitos
hospitalares privados no período 69/84, de tal forma que subiram de 74.543 em 1969
para 348.255 em 1984.
O II Plano Nacional de Desenvolvimento, elaborado no mesmo período,
consagrou a separação de ações de saúde coletiva e atenção médica, e reservou os
primeiros ao setor estatal e os segundos, via previdência social, ao setor privado. O
plano institucionalizou o modelo médico assistencial privativista e definiu
competências para as instituições públicas e privadas. Ocorreu uma autonomização
da política de assistência médica previdenciária, em função da revogação de parte do
Decreto Lei 200, que estabelecia a necessidade de sua obediência à política nacional
de saúde.
A falta de controle sobre os serviços contratados criou condições para que a
corrupção atingisse, em 1974, níveis que ameaçavam o equilíbrio financeiro da
previdência. Foram definidos, então, mecanismos de enfrentamento da crise, com o
objetivo de controlar as distorções do modo vigente, criando condições que
possibilitassem a continuidade da expansão, sem alterar substancialmente o mesmo.
Foram definidos mecanismos de controle ao setor contratado, através da criação da
Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social (DATAPREV), da
ampliação dos convênios (convênios com sindicatos, universidades, prefeituras,
governos estaduais, dentre outros) e da normatização e criação de novos mecanismos
institucionais de relação público-privado e entre esferas de governo. Dentre estes,
merece destaque o Plano de Pronta Ação (PPA) e o Sistema Nacional de Previdência
Social (SINPAS). O PPA tinha como objetivo desburocratizar o atendimento dos casos
de emergência, o que levou à universalização do atendimento das mesmas. Foram
estabelecidas formas de relacionamento através de contratos, com pagamento de
serviços prestados e convênios, com repasse de subsídios fixos. O PPA teve
importância em virtude do início da universalização do atendimento com recursos
previdenciários e por remunerar instituições estatais.
A criação do SINPAS tinha como objetivo disciplinar a concessão e
manutenção de benefícios e prestação de serviços, o custeio de atividades e
programas, a gestão administrativa, financeira e patrimonial da previdência. Foram
criados o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) e
o Instituto de Arrecadação da Previdência Social – (IAPAS), além de integrar os

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órgãos já existentes. A criação do SINPAS pode ser compreendida no processo de
crescente tendência à universalização e à adoção do modelo de Seguridade Social.
Neste período foram definidas as bases que permitiram a hegemonia na
década de 70, do modelo assistencial privativista. De acordo com Mendes, este
modelo se assenta no seguinte tripé:
(a) o Estado como financiador do sistema, através da Previdência Social;
(b) o setor privado nacional como maior prestador de serviços de assistência
médica;
(c) o setor privado internacional como mais significativo produtor de insumos,
em especial equipamentos médicos e medicamentos.
Em relação às ações de saúde coletiva, percebeu-se uma coincidência entre
as propostas internacionais de cuidados primários em saúde, decorrentes da
Conferência de Alma-Ata, da qual o Brasil é um dos signatários, e a necessidade
interna de desenvolver e expandir cobertura para contingentes populacionais
excluídos pelo modelo previdenciário.
Tendo como referência as experiências em vigor, as recomendações
internacionais e a necessidade de expandir cobertura, em 1976 iniciou-se o Programa
de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS). Concebido na
Secretaria de Planejamento da Presidência da República, o PIASS se configurou
como o primeiro programa de medicina simplificada do nível federal e permitia a
entrada de técnicos provenientes do "movimento sanitário" no interior do aparelho de
Estado. O programa concentrou suas ações nas Secretarias Estaduais de Saúde, que
adotaram modelos desconcentrados. Em 1979 foi estendido a todo território nacional,
o que resultou numa grande expansão da rede ambulatorial pública.
Esta época pode ser definida como o início do movimento contra hegemônico
que, nos anos 80, viria a se conformar como o projeto da Reforma Sanitária Brasileira.
Em todo o País surgiram movimentos de trabalhadores de saúde. Foram criados o
Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES) e a Associação Brasileira de Pós-
Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO), que participaram do processo de
sistematização das propostas de mudança do modelo de saúde em vigor.
Aconteceram também os primeiros encontros de secretários municipais de saúde,
alimentando um incipiente, mas crescente, movimento municipalista em saúde.

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Marco legal e político Previdência Assistência à saúde Saúde

coletiva

II PND SINPAS Remodelação e Cuidados

MPAS Disciplina concessão ampliação dos primários em

FAS de benefícios, hospitais da rede saúde (Alma-

prestação de serviços privada Ata)

e administração da Criação do INAMPS PIASS

previdência Separação das ações CEBES

de saúde pública e ABRASCO

assistência

2.6 A Década de 80: Eclosão da Crise Estrutural e a Consolidação das


Propostas Reformadoras

O Brasil vivia um quadro político e econômico marcado por dificuldades no


panorama nacional e internacional, caracterizado por um processo inflacionário e por
uma crise fiscal sem controle, ao lado do crescimento dos movimentos oposicionistas
e de divisões internas nas forças que apoiavam o regime. A derrota do governo nas
eleições de 1982, agregada ao crescimento do processo recessivo, quebrou a coesão
interna do regime, determinando um redesenho de seus pactos. Teve início neste
momento os movimentos em direção ao processo de redemocratização do País. Os
anos 80/83 foram um período de eclosão de três crises:
(a) a crise ideológica;
(b) a crise financeira;
(c) a crise político-institucional.
A crise ideológica se caracterizou pela necessidade de reestruturação e
ampliação dos serviços de saúde. Inspirados pelas experiências anteriormente
relatadas e pela repercussão interna da Conferência de Alma-Ata, onde os países
participantes reconheceram a atenção primária e a participação comunitária como
estratégias para a conquista da meta de "Saúde para todos no ano 2.000", foi
formulado o PREV-SAÚDE. Este projeto incorporou os pressupostos de
18
hierarquização, participação comunitária, integração de serviços, regionalização e
extensão de cobertura. A discussão do projeto fez eclodir uma divisão profunda entre
a equipe responsável pelo mesmo e alguns setores interessados na questão saúde,
principalmente a Federação Brasileira de Hospitais. Isto fez com que surgissem
versões diferentes do PREV-SAÚDE, e que o mesmo tenha sido caracterizado como
"natimorto", não chegando a ser implementado.
A crise financeira foi decorrente do déficit crescente desde 1980. Em
contradição com um sistema em franca expansão, a base de financiamento
continuava sem qualquer alteração. Havia um desacordo entre a crescente absorção
de faixas cada vez mais extensas da população cobertas pela proteção social, e a
manutenção de um regime financeiro calcado na relação contratual.
Ao lado da restrição das fontes de financiamento, com ausência do Estado no
financiamento da previdência, e da expansão de cobertura, o modelo de
privilegiamento dos produtores privados de serviços de saúde implantado era
corruptor, incontrolável e sofisticado, o que o tornava extremamente oneroso. Isto
levou a propostas de contenção de despesas, especialmente da assistência médica.
A crise político-institucional foi marcada pela criação do Conselho Consultivo
da Administração de Saúde Previdenciária (CONASP), em 1981, com o objetivo de
"operar sobre a organização e o aperfeiçoamento da assistência médica, sugerir
critérios de alocação de recursos previdenciários para este fim, recomendar políticas
de financiamento e de assistência à saúde, analisar e avaliar a operação e o controle
da Secretaria de Assistência Médica da Previdência Social".
O CONASP era composto por representantes de diferentes ministérios, por
representantes da sociedade civil, e de parte dos prestadores de serviços de saúde
contratados/conveniados. As propostas, de inspiração racionalizadora, visando cortar
custos, tinham no documento " Reorganização da Assistência Médica no Âmbito da
Previdência Social", formulado em 1982, sua maior expressão. O documento
recuperou propostas anteriormente colocadas pelo PREV-SAÚDE, no sentido da
hierarquização, regionalização, descentralização, integração de serviços, dentre
outros. Propunha mudanças na sistemática de pagamentos, introduziu novos
mecanismos de auditoria técnica e tinha a proposta da plena utilização da capacidade
instalada dos serviços públicos de saúde, incluindo os estaduais e municipais.
Ao lado das propostas racionalizadoras do CONASP, cresciam os movimentos
reformadores da saúde, e o movimento oposicionista no País. Em 1982 foram eleitos

19
vários prefeitos comprometidos com as propostas de descentralização, o que levou a
bem-sucedidas experiências municipais de atenção à saúde.
A proposta do CONASP foi consubstanciada nas Ações Integradas de Saúde
(AIS), que podem ser divididas em dois momentos: um anterior e outro posterior à
Nova República. Mais do que um programa dentro do INAMPS e das Secretarias de
Saúde, as AIS's passaram da estratégia setorial para a reforma da política de saúde.
Em 1984, eram destinados às AIS's 4% do orçamento do INAMPS passando para
12% em 1986. Ao lado do aumento de recursos destinados ao setor público, merecem
destaque a universalização no uso de recursos previdenciários e a incorporação de
novos atores na disputa pelos mesmos. Em 88 as AIS's abrangiam todos os estados
e 2.500 dos pouco mais de 4.000 municípios então existentes.
No governo da Nova República, a proposta das AIS's foi fortalecida e este
fortalecimento passou pela valorização das instâncias de gestão colegiada, com
participação de usuários dos serviços de saúde.
Em 1986, foi realizada em Brasília a VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS),
com ampla participação de trabalhadores, governos, usuários e parte dos prestadores
de serviços de saúde. Precedida de conferências municipais e estaduais, a VIII CNS
significou um marco na formulação das propostas de mudança no setor de saúde,
consolidadas na Reforma Sanitária Brasileira. Seu documento final sistematiza o
processo de construção de um modelo reformador para a saúde, que é definida como:
" resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio
ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e
acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de
organização social da produção, as quais podem gerar desigualdades nos níveis de
vida". Este documento serviu de base para as negociações na Assembleia Nacional
Constituinte, que se reuniria logo após.
Paralelo ao processo de elaboração da Constituição Federal, uma outra
iniciativa de reformulação do sistema foi implementada, o Sistema Unificado e
Descentralizado de Saúde (SUDS). Idealizado enquanto estratégia de transição em
direção ao SUS, propunha a transferência dos serviços do INAMPS para estados e
municípios. O SUDS pode ser percebido como uma estadualização de serviços. O seu
principal ganho foi a incorporação dos governadores de estado no processo de disputa
por serviços previdenciários. Contudo, a estadualização, em alguns casos, levou à

20
retração de recursos estaduais para a saúde e à apropriação de recursos federais
para outras ações, além de possibilitar a negociação clientelista com os municípios.
Enquanto resultante dos embates e das diferentes propostas em relação ao
setor de saúde presentes na Assembleia Nacional Constituinte, a Constituição Federal
de 1988 aprovou a criação do SUS, reconhecendo a saúde como um direito a ser
assegurado pelo Estado e pautado pelos princípios de universalidade, equidade,
integralidade e organizado de maneira descentralizada, hierarquizada e com
participação da população.

Marco legal e político Previdência Assistência à saúde Saúde

coletiva

Redemocratização PREV-SAÚDE Crescimento da Criação do

Nova República CONASP medicina supletiva SUS

Constituição de 1988 Seguridade Social Universalização Formalização

Lei Orgânica da AIS do conceito

Saúde VIII CNS amplo de

SUDS saúde

SUS

3 O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - PRINCÍPIOS DOUTRINÁRIOS E


ORGANIZATIVOS

A primeira e maior novidade do SUS é seu conceito de saúde. Este "conceito


ampliado de saúde", resultado de embates teóricos e políticos, como foi visto
anteriormente, trouxe com ele um diagnóstico das dificuldades que o setor saúde
enfrentou historicamente, e a certeza de que a reversão deste quadro extrapolava
limites restritivos da noção vigente. Encarar saúde apenas como ausência de
doenças, nos legou um quadro repleto não só das próprias doenças, como de
desigualdades, insatisfação dos usuários, exclusão, baixa qualidade e falta de
comprometimento profissional.

21
Fonte: www.fonohouse.com.br/site/saude.jpg

Para enfrentar esta situação era necessário transformar a concepção de saúde,


de serviços de saúde, e até mesmo de sociedade. Uma coisa era se deparar com a
necessidade de abrir unidades, contratar profissionais, comprar medicamentos. Outra
tarefa era conceber a atenção à saúde como um projeto que iguala saúde com
condições de vida. O direito à saúde, nesta visão, se confunde com o direito à vida.
Este conceito ampliado, ao definir os elementos condicionantes da saúde, incorpora:
 Meio físico (condições geográficas, água, alimentação, habitação, etc.)
 Meio socioeconômico (emprego, renda, educação, alimentação, educação,
hábitos, etc.)
 A garantia de acesso aos serviços de saúde responsáveis pela promoção,
proteção e recuperação da saúde.
Ou seja, para se ter saúde é preciso possuir um conjunto de fatores, como
alimentação, moradia, emprego, lazer, educação, etc. A saúde se expressa como um
retrato das condições de vida. Por outro lado, a ausência de saúde não se relaciona
apenas com a inexistência ou a baixa qualidade dos serviços de saúde, mas com todo
este conjunto de determinantes.
A saúde precisa, desta forma, incorporar novas dimensões e se torna
responsável por conquistas que, até então, se colocavam externas a ela. O sistema
de saúde deve se relacionar com todas as forças políticas que caminhem na mesma
direção, como a defesa do meio ambiente, o movimento contra a fome, as

22
manifestações pela cidadania, contra a violência no trânsito, pela reforma agrária, etc.
O SUS, ao abraçar este conceito, pressupõe ainda a democratização interna da
gestão dos serviços e dos sistemas de saúde, como um elemento a mais no
movimento de construção da cidadania.
Antes de entrar na doutrina e nos princípios organizativos do SUS, é importante
frisar dois aspectos. Em primeiro lugar o SUS faz parte das ações definidas na
Constituição como sendo de "relevância pública", ou seja, é atribuído ao poder público
a regulamentação, a fiscalização e o controle das ações e serviços de saúde,
independente da execução direta dos mesmos. De acordo com Flávio Andrade
Goulart, "as competências decorrentes da relevância pública envolvem, certamente,
o exercício de um poder regulador, de arbitragem e de intervenção executiva por parte
das esferas do poder público e, por consequência, de suas agências de prestação de
serviços". Este poder público pode ser traduzido como autoridade e responsabilidade
sanitárias. Em segundo lugar, a saúde faz parte de um sistema mais amplo, o Sistema
da Seguridade Social. De acordo com o artigo 194 da Constituição, "a Seguridade
Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos
e da sociedade destinada a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à
assistência social".
Ao lado do conceito ampliado de saúde, o SUS traz dois outros conceitos
importantes, o de sistema e a ideia de unicidade. A noção de sistema significa que
não estamos falando de um novo serviço ou órgão público, mas de um conjunto de
várias instituições, dos três níveis de governo e do setor privado contratado e
conveniado, que interagem para um fim comum. Na lógica do sistema público, os
serviços contratados e conveniados são seguidores dos mesmos princípios e das
mesmas normas do serviço público. Os elementos integrantes do sistema referem-se
ao mesmo tempo às atividades de promoção, proteção e recuperação da saúde.
Este sistema é único, ou seja, deve ter a mesma doutrina e a mesma forma de
organização em todo o país. Mas, é preciso compreender bem esta ideia de unicidade.
Num país com tamanha diversidade cultural, econômica e social como o Brasil, pensar
em organizar um sistema sem levar em conta estas diferenças seria uma temeridade.
O que é definido como único na Constituição é um conjunto de elementos doutrinários
e de organização de sistema de saúde, os princípios da universalização, da equidade,
da integralidade, da descentralização e da participação popular. Estes elementos se
relacionam com as peculiaridades e determinações locais, através de formas previstas

23
de aproximação da gerência aos cidadãos, seja com a descentralização político-
administrativa, seja através do controle social do sistema.

Fonte: www.medicina.ufmg.br

O SUS pode então ser entendido a partir da seguinte imagem: um núcleo


comum (único), que concentra os princípios doutrinários, e uma forma de organização
e operacionalização, os princípios organizativos.

Universalidade equidade integralidade

Participação regionalização e

descentralização e

Popular hierarquização comando

único

24
3.1 Princípios doutrinários

3.1.1 Universalização

Historicamente quem tinha direito à saúde no Brasil eram apenas os


trabalhadores segurados do INPS e depois do INAMPS. Com o SUS isto é diferente,
pois a saúde é um direito de cidadania de todas as pessoas e cabe ao Estado
assegurar este direito. Neste sentido, o acesso às ações e serviços deve ser garantido
a todas as pessoas, independentemente de sexo, raça, renda, ocupação, ou outras
características sociais ou pessoais. O SUS foi implantado com a responsabilidade de
tornar realidade este princípio.

3.1.2 Equidade

O objetivo da equidade é diminuir desigualdades. Mas isto não significa que a


equidade seja sinônimo de igualdade. Apesar de todos terem direito aos serviços, as
pessoas não são iguais e, por isso, têm necessidades diferentes. Equidade significa
tratar desigualmente os desiguais, investindo mais onde a carência é maior. Para isso,
a rede de serviços deve estar atenta às necessidades reais da população a ser
atendida. A equidade é sinônimo de justiça social.

3.1.3 Integralidade

O princípio da integralidade significa considerar a pessoa como um todo,


atendendo a todas as suas necessidades. Para isso, é importante a integração de
ações, incluindo a promoção da saúde, a prevenção de doenças, o tratamento e a
reabilitação. Ao mesmo tempo, o princípio da integralidade pressupõe a articulação
da saúde com outras políticas públicas, como forma de assegurar uma atuação
intersetorial entre as diferentes áreas que tenham repercussão na saúde e qualidade
de vida dos indivíduos.

25
3.2 Princípios Organizativos

Para organizar o SUS, a partir dos princípios doutrinários apresentados e


levando-se em consideração a ideia de seguridade social e relevância pública,
existem algumas diretrizes que orientam o processo. Na verdade, tratam-se de formas
de concretizar o SUS na prática.

3.2.1 Regionalização e Hierarquização

A regionalização e a hierarquização de serviços significam que os serviços


devem ser organizados em níveis crescentes de complexidade, circunscritos a uma
determinada área geográfica, planejados a partir de critérios epidemiológicos, e com
definição e conhecimento da clientela a ser atendida. Como se trata aqui de
"princípios", de indicativos, este conhecimento é muito mais uma perspectiva de
atuação do que uma delimitação rígida de regiões, clientelas e serviços.
A regionalização é, na maioria das vezes, um processo de articulação entre os
serviços já existentes, buscando o comando unificado dos mesmos. A hierarquização
deve, além de proceder a divisão de níveis de atenção, garantir formas de acesso a
serviços que componham toda a complexidade requerida para o caso, no limite dos
recursos disponíveis numa dada região. Deve Aída incorporar-se à rotina de
acompanhamento dos serviços, com fluxos de encaminhamento (referência) e de
retorno de informações ao nível básico do serviço (contra referência). Estes caminhos
somam à integralidade da atenção com o controle e a racionalidade dos gastos no
sistema.

3.2.2 Descentralização e Comando Único

Descentralizar é redistribuir poder entre os níveis de governo. Na saúde, a


descentralização tem como objetivo prestar serviços com maior qualidade e garantir
o controle e a fiscalização pelos cidadãos. Quanto mais perto tiver a decisão, maior a
chance de acerto. No SUS a responsabilidade pela saúde deve ser descentralizada
até o município. Isto significa dotar o município de condições gerenciais, técnicas,
administrativas e financeiras para exercer esta função.

26
A decisão deve ser de quem executa, que deve ser o que está mais perto do
problema. A descentralização, ou municipalização, é uma forma de aproximar o
cidadão das decisões do setor e significa a responsabilização do município pela saúde
de seus cidadãos. É também uma forma de intervir na qualidade dos serviços
prestados.
Para fazer valer o princípio da descentralização, existe a concepção
constitucional do mando único. Cada esfera de governo é autônoma e soberana nas
suas decisões e atividades, respeitando os princípios gerais e a participação da
sociedade. Assim, a autoridade sanitária do SUS é exercida na União pelo ministro da
saúde, nos estados pelos secretários estaduais de saúde e nos municípios pelos
secretários ou chefes de departamentos de saúde. Eles são também conhecidos
como “gestores” do sistema de saúde.

3.2.3 Participação Popular

O SUS foi fruto de um amplo debate democrático. Mas a participação da


sociedade não se esgotou nas discussões que deram origem ao SUS. Esta
democratização também deve estar presente no dia-a-dia do sistema. Para isto,
devem ser criados Conselhos e as Conferências de Saúde, que tem como função
formular estratégias, controlar e avaliar a execução da política de saúde.
Os Conselhos de Saúde, que devem existir nos três níveis de governo, são
órgãos deliberativos, de caráter permanente, compostos com a representatividade de
toda a sociedade. Sua composição deve ser paritária, com metade de seus membros
representando os usuários e a outra metade, o conjunto composto por governo,
trabalhadores da saúde e prestadores privados. Os conselhos devem ser criados por
lei do respectivo âmbito de governo, onde serão definidas a composição do colegiado
e outras normas de seu funcionamento,
As Conferências de Saúde são fóruns com representação de vários segmentos
sociais que se reúnem para propor diretrizes, avaliar a situação da saúde e ajudar na
definição da política de saúde. Devem ser realizadas em todos os níveis de governo.
Um último aspecto que merece destaque é o da complementaridade do setor
privado. Este princípio se traduz nas condições sob as quais o setor privado deve ser
contratado, caso o setor público se mostre incapaz de atender a demanda
programada. Em primeiro lugar, entre os serviços privados devem ter prioridade os

27
não lucrativos ou filantrópicos. Para a celebração dos contratos deverão ser seguidas
as regras do direito público. Em suma, trata-se de fazer valer, na contratação destes
serviços, a lógica do público e as diretrizes do SUS. Todo serviço privado contratado
passa a seguir as determinações do sistema público, em termos de regras de
funcionamento, organização e articulação com o restante da rede. Para a contratação
de serviços, os gestores deverão proceder a licitação, de acordo com a Lei Federal nº
8666/93.
A criação do SUS, feita pela Constituição Federal, foi posteriormente
regulamentada através das Leis 8080/90, conhecida como Lei Orgânica, e 81421/90.
Estas leis definem as atribuições dos diferentes níveis de governo com a saúde;
estabelecem responsabilidades nas áreas de vigilância sanitária, epidemiológica e
saúde do trabalhador; regulamentam o financiamento e os espaços de participação
popular; formalizam o entendimento da saúde como área de “relevância pública” e a
relação do poder público com as entidades privadas com base nas normas do direito
público; dentre outros vários princípios fundamentais do SUS. Outros instrumentos
têm sido utilizados para possibilitar a operacionalização do Sistema, dentre eles as
Normas Operacionais Básicas do Sistema Único de Saúde, publicadas pelo Ministério
da Saúde, sob forma de portaria.

28
BIBLIOGRAFIA

BARROS, M. E. D.; PIOLA, S. F. & VIANNA, S. M. Política de Saúde no Brasil:


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Rio de Janeiro: Fiocruz (Fundação Ensptec), jan. 2002.

RODRIGUES, B. de A. Fundamentos de Administração Sanitária. Rio de Janeiro:


Freitas Bastos, 1967.

4 ARTIGOS PARA REVISÃO

GERÊNCIA DOS SERVIÇOS DE SAÚDE

Luciano A. Prates Junqueira

RESUMO

E abordada a necessidade de mudar a prática dos serviços de saúde,


superando os fatores que ocasionam seu baixo desempenho. Privilegia-se a gerência
como fator determinante para atingir os objetivos organizacionais, mediante
planejamento, coordenação, direção e controle. A gerência dos serviços de saúde
requer conhecimentos e habilidades nas dimensões técnica, administrativa e
psicossocial. O gerente deve mobilizar e comprometer seus funcionários na
organização e produção dos serviços de saúde.
Retoma-se a ideia de equipe de saúde, repensando o papel de cada
profissional. Discute-se a lógica das organizações públicas onde ainda prevalece o
interesse da burocracia em prejuízo de clientela. O gerente, como uma pessoa de
30
decisão, necessita, para exercer seu papel de informações, de autonomia e de um
referencial. Nesse sentido é apresentada a importância do modelo assistencial e da
questão da descentralização.

INTRODUÇÃO

A reorientação do sistema de saúde, preconizada pelo SUDS, faz com que se


busque dotar os serviços públicos de saúde de maior eficácia e resolutividade, tirando-
os da marginalidade do setor. Nesse sentido, é urgente repensar a prática desses
serviços, buscando superar os fatores que ocasionam seu baixo desempenho.
Normalmente, atribui-se esse desempenho à falta de recursos, sejam humanos ou
materiais, à baixa qualificação do seu pessoal, deixando de considerar que a
existência de recursos, por si só, não garante a qualidade dos serviços.
Uma organização, seja ela Secretaria, Hospital ou Centro de Saúde, é unidade
social deliberadamente construída para atingir determinados objetivos. Ela resulta de
uma combinação de pessoas, recursos e tecnologia para atingir aqueles objetivos.
Para isso, ela possui uma maneira padronizada de operar. Assim, em qualquer
organização, onde às pessoas se agrupam para realizar determinadas tarefas, para
produzir bens ou serviços, é necessário que haja um trabalho para prover as
condições necessárias à realização de seus objetivos. Esse trabalho para conseguir
o desempenho das tarefas e a satisfação humana é o que chamamos de
administração (Hampton, 1980).
Sabemos que, nas organizações, tecnologia, tarefas, recursos, administração
não podem ser considerados isoladamente, pois são interdependentes, inclusive com
o ambiente, ou seja, com a realidade que cerca a organização, sua clientela, outras
organizações, interesses e articulações presentes em seu cotidiano.
Essa concepção, em administração, é o que chamamos de contingencial ou
situacional, que significa uma maneira de compreender que a organização só pode
ser entendida adequadamente quando o que nela ocorre não se explica por uma única
causa, mas por uma rede de causas.
Assim, ao pensarmos em reestruturar o sistema de saúde, temos de considerar
não apenas a rede, mas também a organização dos serviços de cada unidade que a
compõe, reordenando sua prática a partir de uma nova concepção, definida pelo

31
modelo assistencial de saúde que se quer (Junqueira, 1987), que deve constituir seu
referencial de ação.
O reconhecimento de que as organizações são sistemas interdependentes de
complexidade crescente, e que a mudança de uma parte de uma organização afeta
outras partes, é fundamental para entendermos o que ocorre na organização. Em uma
unidade de saúde, por exemplo, as pessoas, tarefas e administração apresentam
inter-relações diversas entre si e seu meio, variando sua complexidade em função do
tamanho, da tecnologia e dos seus objetivos.
Nesse sentido, é importante privilegiar o usuário e sua participação no destino
da organização. Daí a importância da descentralização como um meio de trazer, para
junto da população, o poder de decisão sobre os rumos, a qualidade, a capacidade
resolutiva da organização, que existe para prestar serviços a essa população.
A eficácia das organizações de saúde também vai depender das relações que
estabelecem pessoas, tecnologia, recursos e administração, para realizar a tarefa
organizacional de prestação de serviços de saúde. Contudo, entre esses fatores, é a
administração que tem o papel mais determinante, uma vez que ela realiza o trabalho
de combinar pessoas, tecnologia e recursos para atingir os objetivos organizacionais,
mediante planejamento, coordenação, direção e controle. Essa tarefa de administrar,
que também chamamos gerenciar, é que possibilitará a organização de saúde, mudar
os níveis de atenção, a qualidade de seus serviços.
No texto que segue, procuraremos levantar algumas questões que
consideramos relevantes na gerência e no desempenho gerencial, para depois
verificar como deverá ser a gerência nos serviços públicos de saúde, para que o setor
atinja um desempenho mais eficaz.

A GERÊNCIA E O DESEMPENHO GERENCIAL

O termo gerência, usado, geralmente, como sinônimo de administração,


aparece no início do capitalismo industrial com o trabalho cooperativo. A concepção,
o planejamento e o controle passam a constituir atividades distintas daquela da
execução. Quem executa não é quem planeja e controla. Nesse sentido, à gerência
está associada a ideia de planejamento e controle; o controle é o conceito fundamental
em todos os sistemas gerenciais (Braverman, 1981).

32
Na literatura administrativa, há uma certa concordância nas atribuições básicas
de gerência, quais sejam: dirigir, organizar e controlar pessoas ou grupos de pessoas
(Mattos, 1985). É uma função que lida com pessoas, sendo o responsável pela
consecução dos objetivos da organização. O produto de seu trabalho é avaliado
através do desempenho de sua equipe.
Assim, o desempenho da função gerencial requer conhecimentos e habilidades
que passam pelas dimensões técnica, administrativa, política e psicossocial. Essas
dimensões possuem significados próprios, permitindo caracterizar não um único estilo
de gerência eficaz, mas qualidades que devem permear a ação do gerente. Apesar
de já ser do conhecimento comum que um bom técnico não será, necessariamente,
um bom gerente, também não é possível um bom gerente sem conhecimento
específico do trabalho gerenciado. Não se esperam conhecimentos de especialista,
mas um conhecimento que o legitime, diante de seus subordinados, podendo,
inclusive, constituir fonte de prestígio.
O mesmo não se pode esperar do conhecimento e habilidades administrativas.
Sendo o papel do gerente planejar, organizar, coordenar, controlar e avaliar o trabalho
para que a organização possa atingir seus objetivos, ele deve possuir conhecimentos
e habilidades aperfeiçoados de planejamento e controle das atividades
organizacionais.
Apesar de o planejamento constituir um valor no discurso dos profissionais do
setor público, inclusive buscando novas formas de formulá-lo, ele ainda não saiu do
discurso. Não é comum encontrar organizações, onde exista uma prática consequente
de planejamento e controle. O mesmo, no entanto, não se pode dizer do controle, uma
prática comum no setor público, controle pelo controle, descolado do planejamento,
da avaliação de resultados.
A prática administrativa do planejamento, direção, coordenação e controle
constitui o fulcro da gerência, em qualquer organização, independentemente do
tamanho e, mesmo, da autonomia de gestão. Isso significa planejar e controlar
pessoas e recursos na realização de tarefas que permitam que a organização atinja
seus objetivos. Nesse sentido, a função gerencial não implica apenas que o gerente
possua conhecimentos administrativos e técnicos, mas a capacidade de lidar com
pessoas, conhecer suas necessidades, valores e motivá-las para a realização da
tarefa organizacional.

33
Como o desempenho da função gerencial é um fenômeno que compreende
relações interpessoais, onde as pessoas ocupam posições diferenciadas, a questão
do poder se coloca. A própria estrutura organizacional expressa um cenário onde se
dão as relações de poder. Portanto, administrar essas relações exige conhecimento e
habilidade do gerente, que nem sempre utiliza o poder que a organização lhe atribui
de maneira adequada, mas como forma de direcionar aqueles que necessitam manter
seus empregos em troca da obediência consentida ou não (Mattos, 1988).
Nesse sentido, a função gerencial requer um conhecimento adequado da
organização, naquilo que é definido formalmente e naquilo que normalmente se
chama de informal, que gera o clima organizacional. Daí a importância de visualizar o
papel gerencial, não como um atributo individual, mas como um fenômeno
relacionável. Por isso se diz que um gerente isolado de seu contexto e de seus
subordinados é uma abstração, útil do ponto de vista teórico, porém irrelevante
quando se pretende contribuir para o aprimoramento do desenvolvimento
gerencial (Mattos, 1988). Isso tem implicações para o desempenho gerencial, pois o
gerente que não é capaz de lidar com a organização busca aprender macetes ou ainda
culpar apenas seus subordinados pelos resultados, sem avaliar em que medida sua
atuação contribui para a ineficácia organizacional.
O baixo desempenho que verificamos no setor público não pode ser atribuído
apenas à incompetência, a desmotivação, ou a baixos salários e às más condições
de trabalho, mas, também, à inexistência da responsabilidade gerencial, de um
indivíduo capaz de conduzir seu grupo para os objetivos organizacionais. Isto assume
características marcadas, principalmente nas atividades de prestação de serviços,
como saúde e educação, onde o objetivo é atender a população.
Apesar de não podermos dizer que existam formas mais eficazes de gerenciar,
pois os problemas e as condições objetivas da organização variam, determinando o
desempenho gerencial. Entretanto, podemos identificar estilos de gerência que
caracterizam determinadas maneiras de conduzir a organização a atingir seus
objetivos. Podemos delinear dois estilos extremos de gerência: o situacional e o
burocrático, segundo a maneira que utilizam o planejamento, organização, liderança
e controle. No estilo burocrático, cada uma destas práticas administrativas é mais
detalhada, formalizada, diretiva e com controles abrangentes. Já, no estilo situacional,
as características das práticas administrativas variam em função das tarefas. O que
determina este estilo não é a formalização, mas a capacidade do gerente de adaptar-

34
se às necessidades da tarefa, da organização. Há uma gama de relacionamento entre
estabilidade da tarefa e a flexibilidade do estilo. Identificarmos estes estilos significa
uma possibilidade de realização em uma determinada organização.
O estilo de gerência resulta de um projeto que pode ser mais ou menos
burocrático, dependendo do tipo de tarefa, das pessoas, enfim, da organização. As
práticas de planejamento, organização, direção e controle devem permitir conceber
uma estratégia que estabeleça uma relação adequada, entre o sistema de tarefas e
pessoas. Essa relação é que permite visualizar a maneira mais eficaz de conduzir a
organização a seus objetivos.
Portanto, o estilo de gerência muda conforme a organização, sua tarefa, e as
pessoas que a realizam. Se não podemos identificar qual o estilo mais eficaz de
gerência, poderemos, pelo menos, delinear algumas características próprias às
organizações que têm como tarefa a prestação de serviços de saúde. Esse tipo de
organização possui tarefas inovadoras e rotineiras, com complexidades diferentes e
com pessoas que estão mais propensas a aceitar valores mais grupais que
individuais, onde a tolerância por padrões rígidos tende a diminuir. Além disso, a
eficácia das organizações ocorre na medida em que conseguem livrar-se das práticas
burocráticas que as imobilizam e as tornam menos sensíveis e mais vagarosamente
suscetíveis à mudança (Toffler, 1975). Isso, no entanto, não significa que possamos
delinear um único estilo eficaz de gerência.

A GERÊNCIA DOS SERVIÇOS DE SAÚDE

Se não podemos afirmar que exista uma forma ótima de gerenciar, podemos,
pelo menos, identificar os fatores obstaculizadores a uma gerência eficaz dos serviços
de saúde.
O que tem caracterizado a prestação dos serviços públicos de saúde é a
ineficiência e a baixa qualidade. Isto, como nos outros serviços públicos, não pode ser
atribuído apenas às más condições de trabalho, aos baixos salários, à falta de
recursos humanos, mas a todos estes fatores. Eles não podem ser responsabilizados,
individualmente, mas é a relação que estabelecem entre si e, principalmente, a
ausência da regulação da combinação entre estes fatores que deverá ser estabelecida

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pela gerência. Isso quer dizer que, sem planejamento, direção, coordenação,
organização e controle, a tarefa organizacional não será realizada com eficácia.
Essa assertiva ganha consistência, quando observamos as experiências em
curso ou já realizadas, no Brasil. Em geral, essas experiências são organizadas por
pessoas com compromisso com a organização, com as necessidades de saúde da
população. Assim, o desempenho da gerência não passa apenas pelo planejamento
e controle, mas pelo trabalho com os recursos humanos que devem assumir um
compromisso com os objetivos da organização. Talvez a escassez de recursos que
tem caracterizado as atividades dos serviços públicos de saúde, levando os membros
das organizações a improvisarem e a executarem suas tarefas em condições, muitas
vezes, desfavoráveis, faz com que as relações interpessoais constituam um dos
fatores determinantes da eficácia dos serviços.
Nesse sentido, o papel do gerente é fundamental na articulação das relações
entre as pessoas, estruturas, tecnologias, metas e meio ambiente, incluindo aí os
usuários dos serviços. O gerente não é apenas o responsável pelo planejamento,
organização, coordenação e controle, para alocar, de maneira adequada, os recursos
escassos, mas também para mobilizar e comprometer seus funcionários na
organização e produção dos serviços de saúde, que atendam às necessidades de
saúde da população.
Neste contexto, consideramos importante retomar a ideia da equipe de saúde,
antiga no discurso sanitário, mas sem consistência na sua prática. O êxito do trabalho
da equipe de saúde requer repensar o papel de cada profissional, no desempenho de
sua tarefa, na interação que estabelecem entre si, mediada pela tecnologia, para
atender as necessidades de saúde da população. Nessa visão, a equipe é algo
dinâmico (Acunã, 1987), sendo a organização do trabalho realizada não apenas em
cima da tarefa do profissional médico, mas de diversos profissionais que possuem
responsabilidades distintas, porém compromissos iguais na produção dos serviços de
saúde.
Nesta perspectiva, há um compromisso dos diversos segmentos da
organização, independentemente do seu tamanho, com os objetivos organizacionais,
com as metas definidas pelo conjunto da organização. Com essa ótica, privilegia-se o
estilo de gerência contingencial, onde o planejamento vem em resposta ao processo
de mudança da organização, que resulta não apenas dos interesses existentes no seu

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interior como da relação que estabelece com o meio, com as necessidades de saúde
da população.
Hoje, no Brasil, a lógica que prevalece nas organizações públicas prestadoras
de serviços, em especial da saúde, não é do atendimento da satisfação das demandas
da sua clientela, mas dos próprios funcionários, dos interesses burocráticos, que
perpassam as organizações públicas. Isto ainda é consequência do autoritarismo, do
descompromisso com a coisa pública, onde não atender nada significa, porque as
classes subalternas não têm direitos, mas apenas o dever de submissão. O direito é
apenas das classes privilegiadas de ganharem mais, mesmo que isso não reverta
para a população. Isto não é privilégio apenas da saúde, mas do setor social, no seu
conjunto.
Nesse contexto, acreditamos que mudar a prática dos serviços públicos não
implica apenas racionalizar através do planejamento da ação e do controle, mas do
envolvimento, do compromisso dos membros da organização com seus objetivos.
O discurso das chamadas classes médias sobre a questão social, a produção
de serviços, passa, mais, pela inexistência de recursos do que pela busca de
mecanismos que de fato mudem a prática dos serviços. Não podemos negar que há
experiências importantes, mas pouco se fez para entender o que elas significam e os
fatores determinantes do seu êxito.
Com o SUDS, a reorientação dos serviços de saúde teria uma possibilidade
concreta para tirar o setor público da marginalidade. No entanto, os interesses
dominantes do setor privado ainda estão fortes e articulados com as instituições
públicas responsáveis pelos recursos de saúde. Contudo, isto não se modifica como
um passe de mágica, pois instituição do tamanho e da significação do Inamps não
muda sua prática apenas pela vontade dos burocratas progressistas, no dizer de
Campos (1988), no poder. Isso não se resolve, apenas, com o discurso dos
planejadores, mas com medidas concretas, com o controle dos recursos pelos órgãos
comprometidos com a saúde da população, e com a mudança das práticas dos
serviços.
Os responsáveis em implementar estas novas propostas ainda permanecem
no discurso, sem conseguir oferecer serviços eficazes, que, inclusive, coloquem a
população como aliada. O movimento até hoje realizado em prol de uma nova política
foi por melhores salários. SUDS significou ganhar mais para mudar.

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Como se apenas melhores salários resolvessem os problemas dos serviços de
saúde do país.
Nesse sentido, acreditamos que a prática da gerência, no setor social, é uma
necessidade, mas de uma gerência competente que se comprometa com resultados
e que seja exercida através de práticas de planejamento e controle condizentes com
a realidade dos serviços, os recursos disponíveis e as necessidades de saúde da
população.
Se a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado, segundo a nova
Constituição, é importante que a população possua espaços organizacionais para
fazer valer seus direitos, mas é também importante que o Estado, através de suas
organizações, seja capaz de produzir, direta ou indiretamente, serviços que respeitem
àqueles direitos. Esses direitos não serão exercidos se os serviços de saúde
continuarem incompetentes, mal administrados, aguardando os recursos abundantes.
Sem o compromisso dos dirigentes do setor saúde, em produzir serviços em
atendimento à demanda da população e não aos interesses dos burocratas da saúde,
a população permanecerá alheia, distante, cada vez mais, dos serviços públicos,
utilizando-os, apenas, quando não tem outra alternativa. E, por outro lado, ficaremos
fazendo o discurso da participação, tendo como interlocutores as chamadas
lideranças dos movimentos populares que incensam nosso ego, fazendo nosso
discurso ter algum sentido. Nesse sentido, é importante ter a população como aliada,
buscando formas de participação, para que ela expresse suas necessidades e exija
seus direitos à saúde.
Portanto, a gerência dos serviços de saúde não pode constituir apenas mais
um discurso, mas uma forma de dotar os serviços públicos de saúde de alguma
racionalidade, de uma lógica que não é dos serviços privados nem da burocracia, mas
aquela voltada para as necessidades da população, do seu perfil epidemiológico, com
o compromisso dos servidores em produzir serviços de qualidade. Essa qualidade
deve ser pretendida na magnitude e natureza dos recursos disponíveis (Evans, 1982),
pois, do contrário, permaneceremos incompetentes e imóveis, justificando nossa
posição pela escassez dos recursos.
A reorientação dos serviços de saúde, preconizada pelo SUDS, exige na sua
implantação a formação de dirigentes capazes de planejar, dirigir, avaliar e controlar
a ação de sua unidade ou do sistema local de saúde. A questão não é saber que tipo
de planejamento ou controle deve dispor este gerente, mas, sim, se é capaz de

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entender a realidade social em que a organização está inserida e dispor de
conhecimentos e habilidades sobre as práticas administrativas inerentes ao
gerenciamento.
O gerente, independentemente do tamanho e nível da organização ou do
sistema sob sua responsabilidade, deve ser uma pessoa de decisão. Para isto, ele
necessita não apenas conhecer as técnicas administrativas como também dispor de
um sistema de informações gerenciais, que paute suas decisões. O discurso e a
prática do "apaga fogo", comum no setor público, devem ser superados. A
administração por rotina e crise não permite decisões coerentes e encima de
prioridades. Por isto, não há planejamento, ou mesmo um referencial, que informe as
decisões.
Nesse sentido, a ideia do modelo assistencial, que explicita e detalha a
organização dos serviços de saúde e suas ações, é importante, neste momento, como
instrumento de planejamento, de organização e definição das ações de saúde, no
âmbito de uma unidade de saúde e do sistema de saúde no seu conjunto. Mesmo que
este modelo não dê conta, no seu conjunto, do perfil epidemiológico de uma área
concreta, ele permanece como um marco referencial para as ações de saúde.
Também a proposta dos Sistemas Locais de Saúde, preconizada pela Opas
(1987), pode constituir uma importante contribuição para desenharmos serviços com
capacidade tecnológica e administrativa, para atender uma população de uma área
definida, consolidando e dando forma ao novo modelo assistencial preconizado.
A gerência dos serviços de saúde passa, também, pela descentralização dos
recursos, pois a descentralização ocorrida no âmbito federal, mesmo que incompleta,
ainda não se tornou uma prática consistente no nível estadual. Daí a importância de
se dar corpo à municipalização. Não por decreto, mas mediante uma programação e
definição de estratégias que deem conta da realidade de cada município e de sua
capacidade de gestão dos serviços de saúde. Isso possibilitará aumentar a eficácia
dos serviços, através de uma gerência competente, compromissada com os objetivos
organizacionais, com as necessidades de saúde da população. Essa é uma nova
lógica que deverá permear os serviços públicos de saúde, revertendo sua prática,
dominantemente burocrática, tornando-os eficazes, para tirá-los da marginalidade do
setor saúde.
CONCLUSÃO

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Falar em reordenamento dos serviços de saúde significa não apenas formular
uma nova concepção de atenção à saúde, como identificar instrumentos que
possibilitem as unidades de saúde, e o próprio sistema, atingirem maior nível de
eficácia.
A organização de saúde, entendida como parte de uma rede de serviços
interdependente, não pode buscar a solução dos seus problemas apenas na correção
dos baixos salários, mas em um conjunto de fatores que deverão ser compreendidos
nas relações que mantêm entre si e com o seu meio.
Assim, falar em gerência dos serviços de saúde como um meio de melhorar a
eficácia do sistema passa pelo entendimento das diversas dimensões presentes na
organização: pessoas, recursos, tecnologia e administração, que têm o papel de
combinar as anteriores na consecução dos objetivos organizacionais. Apesar de
existirem estilos de administração e práticas administrativas condizentes com cada
estilo, não podemos concluir que exista uma forma ótima de gerenciar. Existem
técnicas, eficazes ou não, dependendo da organização de seus membros e dos
recursos disponíveis.
A gerência surge, hoje, nas organizações de saúde, como um meio de dar
eficácia aos seus serviços. Contudo, não podemos esquecer que parte significativa
do discurso e das práticas administrativas já está há algum tempo sendo utilizada no
setor saúde. Talvez, hoje, o que surge de novo é o conceito de gerência e a
necessidade de realizar uma releitura das práticas administrativas até então utilizadas.
Entretanto, não podemos correr o risco de retificar o conceito ou reduzi-lo a um
discurso que transforma a gerência na solução mágica para a eficácia do setor. Não
resta dúvida que não há organização eficaz sem gerência, ou seja, sem um trabalho
competente de prever, organizar, dirigir e controlar os recursos humanos, materiais e
financeiros para atingir os objetivos organizacionais. Esse trabalho da gerência realiza
uma tarefa de mediação entre pessoas, tecnologia, materiais e ambiente. O
responsável por essa tarefa, o gerente, deve possuir um compromisso com os
objetivos organizacionais, com a população a ser atendida, e é uma das questões que
a Administração Pública não conseguiu ainda resolver.
Na Administração Pública, em especial nos setores sociais, os dirigentes não
estão comprometidos com os resultados da organização, mas, na maioria das vezes,
com seus interesses particulares e do seu grupo, e não com o compromisso que

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assumiu ao aceitar o cargo de gerência. Essa questão reforça a necessidade da
participação da população, do controle que deve exercer sobre os serviços e sua
gestão. Esse controle, contudo, não deve passar apenas pela relação das
organizações com seus usuários, mas no interior da própria instituição, envolvendo
seus servidores na tarefa organizacional.
Se não podemos identificar um estilo ótimo de gerência para os serviços de
saúde, podemos, pelo menos, supor que será um gerente eficaz aquele que for capaz
de envolver as pessoas na tarefa, alterando sua prática em função das mudanças que
ocorrem no interior e fora da organização, comprometendo seus funcionários com a
produção dos serviços de saúde. Desta mesma perspectiva é que a equipe de saúde
pode assumir um papel decisivo na mudança de qualidade dos serviços.
Portanto, uma das dimensões importantes na gerência é o comprometimento
com a tarefa organizacional e o trabalho de envolver seus subordinados nessa tarefa.
Fazer com que cada um desempenhe seu papel, mas assuma um compromisso
conjunto de produzir um serviço de saúde que satisfaça às necessidades da
população.
Contudo, esse compromisso não estará presente da mesma maneira em todas
as organizações independente de suas determinações e, como tal, também não
resolverá a eficácia do sistema. Essa eficácia dependerá não apenas do desempenho
gerencial das organizações isoladas, mas da gerência do sistema, que deve estar
preocupada com resultados e não apenas envolvida com casuísmos e interesses
alheios à gestão competente dos bens públicos.
Desta perspectiva, a descentralização surge como uma alternativa eficaz de
mudança, pois a eficácia dos sistemas estaduais e municipais poderá ser menos
afetada pela incapacidade gerencial existente no sistema central de saúde. A decisão
sobre a prestação dos serviços principais de saúde deve atender, principalmente, às
necessidades dos usuários e não apenas aos interesses burocráticos. Com isso, não
se quer privilegiar a descentralização como solução para aumentar a eficácia dos
serviços, mas como uma possibilidade, uma vez que as decisões estão mais próximas
de quem utiliza os serviços.
No entanto, dificilmente conseguiremos mudar a prática do setor, se não
identificarmos a lógica que deve permear a gestão pública, que não coincide com
aquela do setor privado, onde o planejamento e o controle têm um destino

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assegurado, mas com aquela que deve privilegiar resultados, o atendimento das
necessidades de saúde da população.
Portanto, a lógica da gerência que foi delineada pela Administração como um
meio de assegurar resultados para quem investe não pode ter a mesma leitura na
Administração Pública. Daí a ideia do compromisso, do envolvimento dos membros
da organização pública e da população no processo de trabalho, como um meio de
garantir a produção de serviços de qualidade, onde prevaleçam os interesses da
população. A qualidade dos serviços públicos de saúde não deve passar pela
privatização desses serviços, aos quais têm acesso, apenas, as camadas
privilegiadas da sociedade. Mas, sim, um serviço público de saúde com resolubilidade
e qualidade, acessível a toda a população, pois esse é um direito que a nova
Constituição lhe assegura.

BIBLIOGRAFIA

ACUNÃ, Eduardo A. Organización del trabajo en el equipo de salud. In: OPS/OMS.


Análisis de las Organizaciones de Salud. Serie Paltex nº 4, Washington, OPS/OMS,
1987 pp. 116-127.

BRAVERMAN, H. Trabalho e Capital Monopolista. 3: ed., Rio, Zahar Ed. 1981

CAMPOS, Gastão W. de S. Reforma Sanitária Brasileira. In: Berlinguer, G. et


alii. Reforma Sanitária: Itália e Brasil. São Paulo, Hucitec/Cebes, 1988, pp. 179-194.

CHIAVENATO, I. Administração: Teoria, Processo e Prática, São Paulo, McGraw-Hill,


1985

EVANS, John. Medición y Gestión de los Servidos Médicos y Sanitarios. New York,
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HAMPTON, D. R. Administração Contemporânea: Teoria, prática e casos. São Paulo,


McGraw-Hill, 1980

JUNQUEIRA, Luciano A. P. Organização e Prestação Pública dos Serviços de


Saúde. Cadernos Fundap, São Paulo, 7 (13): 52-56, abril 1987

42
MATTOS, Ruy A. Desenvolvimento de Recursos Humanos e Mudança
Organizacional, Rio de Janeiro, LTC/ANFUP, 1985

_____. Gerência e Democracia nas Organizações. 2a ed., Brasília. Ed. Livre Ltda.,
1988.

OPS/OMS. Propuesta de Apoyo al Desarrollo y Fortalecimiento de los Sistemas


Locales de Salud y al Proceso de Descentralización en los paises de la Región de las
Américas, Washington, agosto 1987 (mimeo).

5 LEITURA COMPLEMENTAR

O USO DE INFORMAÇÕES EM SAÚDE NA GESTÃO DOS SERVIÇOS

Marcia Furquim de Almeida

É já bastante conhecida a importância do uso de informações epidemiológicas


no planejamento e na avaliação dos serviços de saúde (1). O uso de informações
epidemiológicas na gestão dos serviços de saúde vem sendo enfatizado, no processo
de municipalização, como um dos importantes mecanismos para a definição de
políticas locais. (2)
No entanto, o uso dessas informações tem se restringido à elaboração de
diagnósticos ou planos municipais de saúde, que, nem sempre, têm servido de base
para a programação de ações de saúde. Há, ainda, um uso muito limitado das
informações epidemiológicas na definição de metas e prioridades da programação de
saúde, bem como de sua utilização na avaliação da qualidade dos serviços de saúde.
Analisando-se os sistemas de informação em saúde existentes observa-se que
há uma dicotomia entre os sistemas de informação epidemiológica e os sistemas de
gerenciamento dos serviços de saúde.
A dicotomia das informações epidemiológicas e de gerenciamento dos serviços
de saúde tem razões históricas relacionadas à forma de organização dos serviços de
saúde no país. Mesmo com a criação do SUS o processo de unificação das antigas
instituições existentes ainda não está totalmente consolidado mostrando-se, talvez,
um pouco mais demorado que o desejável. Neste momento de transição, de

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unificação das antigas estruturas, ainda não foram amplamente incorporadas novas
práticas de gerenciamento dos serviços.
É preciso lembrar que as lógicas dos sistemas de informações gerenciais e
epidemiológicas são distintas. Nos sistemas de informação epidemiológica a base da
coleta de dados é a população e as informações serão mais fidedignas e de melhor
qualidade quanto maior for sua cobertura e quanto mais detalhados forem os dados
para a descrição dos eventos (óbitos, nascimentos, doenças e agravos).
A concepção de sistemas de informações gerenciais dos serviços de saúde
pressupõe a obtenção de informações sobre quantas, quais e onde foram produzidas
as ações de saúde, por quem e a que custo operacional, tendo como base de coleta
de dados os serviços de saúde. Cabe mencionar, contudo que a prática institucional
mais frequente no momento da alocação de recursos tem consistido na avaliação da
relação entre o programado e o produzido, não se levando em conta os elementos
acima mencionados enquanto parte dos sistemas de informações gerenciais,
necessários ao processo de tomada de decisões muito menos se tem considerado a
incorporação de indicadores epidemiológicos.
Outro aspecto a ser considerado refere-se às informações gerenciais dos
sistemas de abrangência nacional (SIH e SIA-SUS). Estas recobrem apenas os dados
gerados nos serviços de saúde que fazem parte do SUS, informando apenas sobre a
clientela usuária destes serviços, dificultando, dessa forma, o conhecimento da
disponibilidade e dos custos do total de serviços de saúde existentes nos níveis
nacional, estadual e mesmo municipal, pois não há dados acessíveis para se realizar
esta avaliação. Felizmente, no Estado de São Paulo é possível sanar, em parte, esta
lacuna com as informações sobre internações hospitalares do Boletim 106 da
Secretária de Estado da Saúde. Entretanto, o mesmo não ocorre com as informações
ambulatoriais. É preciso lembrar que, para algumas áreas do Estado, como Região
Metropolitana, estima-se que a clientela usuária do SUS seja cerca de 50% da
população (3), para outras áreas, não há dados disponíveis.
O processo de municipalização acentuou a necessidade de descentralização
da produção, gerenciamento e análise das informações, possibilitando aos municípios
assumir o papel de gestores dos serviços de saúde. Todavia, este processo de
municipalização dos serviços de saúde, pode reforçar, ainda mais o tipo de prática
institucional de tomada de decisões, anteriormente mencionada. O que aqui se
ressalta é a necessidade de agilizar a produção de informações gerenciais do SUS

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nos níveis estaduais e municipais, pois estas se constituem em bases para o repasse
de recursos financeiros do sistema. Dessa maneira, as informações que se
destinavam ao acompanhamento de programas locais de saúde podem acabar
ficando em segundo plano, tendo em vista a prioridade de produzir as informações
que garantam o repasse financeiro.
Tendo em vista algumas das questões acima colocadas a ABRASCO
(Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva) teve a iniciativa de criar
um grupo de trabalho para discutir propostas de uma política de informações em
saúde, ao qual foi posteriormente acrescida a participação da ABEP (Associação
Brasileira de Estudos Populacionais), sendo então formado o grupo de Trabalho em
Informações em Saúde e População (GTISP). Entre as diversas sugestões do GTISP,
há a proposta que o processo de descentralização deve conter, entre as suas
diretrizes, a compatibilização conceitual e metodológica na produção de informações
em saúde de modo a garantir a comparabilidade e complementariedade das
informações geradas nos diversos níveis hierárquicos do SUS. Fato que, se
concretizado, irá permitir maior agilidade de acesso às informações existentes nos
sistemas de abrangência nacional (4).
Há, ainda, que se considerar que o processo de descentralização das
informações em saúde coloca também a necessidade de existência de capacidade
técnica (recursos humanos e equipamentos) para a produção e gerenciamento das
informações no nível municipal. As experiências mais conhecidas no Estado de São
Paulo, concentram-se em municípios de grande porte como São Paulo, Campinas,
Ribeirão Preto e Santos. Estes municípios dispõem de infraestrutura técnica e muitos
contaram com o apoio de universidades para a implantação e desenvolvimento de
seus sistemas de informação. Estes fatos vêm mostrar a importância da participação
dos níveis federal e estadual na capacitação dos municípios neste processo.
Algumas propostas de sistemas de informações locais vêm incorporando
indicadores epidemiológicos e sociais, porém elas têm encontrado dificuldades de
compatibilização na agregação das informações existentes nos diferentes sistemas.
A base de dados dos diversos sistemas reflete a operação dos serviços nos quais as
informações são geradas ou as divisões administrativas existentes, que nem sempre
são compatíveis entre si. Um exemplo deste tipo de dificuldade são os dados sobre o
abastecimento de água, disponíveis em função das bacias hidrográficas que
alimentam o sistema, não existem informações sobre o número de domicílios com

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água encanada, discriminadas por distritos do Município de São Paulo ou mesmo por
municípios, para algumas áreas do Estado. No momento, este se constitui em um dos
principais entraves para a incorporação de informações mais abrangentes nos
sistemas de informação em saúde.
Outra questão importante refere-se à definição de quais são as informações
que devem ser restritas ao uso local ou municipal e aquelas que devem compor
sistemas de informação de abrangência estadual ou nacional, ressaltando-se a
importância da compatibilização conceitual e metodológica entre os diferentes níveis
hierárquicos destes sistemas, bem como a necessidade do estabelecimento de fluxos
que possibilitem maior agilidade e acessibilidade aos dados
Essas considerações mostram que apesar de pouco utilizados, os indicadores
epidemiológicos são importantes na programação em saúde, pois dada a própria
natureza, dos dados usados na sua construção permitem recuperar as informações
sobre a população como um todo, não se restringindo apenas à clientela usuária SUS.
Somente com estas informações pode-se obter uma melhor compreensão do modelo
assistencial e de seus problemas, colaborando para sua reorientação, onde e quando
se fizer necessário. A prática corrente de alocação de recursos com base na relação
entre o programado e produzido tende a manter a atual organização dos serviços.
Cabe, ainda, enfatizar a importância do uso de informações epidemiológicas para a
avaliação da qualidade dos serviços de saúde contribuindo para a identificação e
correção de pontos de estrangulamento da atenção à saúde.

BIBLIOGRAFIA

1 - RIVERA, F. J. U. - Planejamento de saúde na América Latina: revisão crítica. In


Rivera. J. U. Planejamento e programação em saúde. São Paulo, Cortez/ABRASCO,
1989

2 - MINISTÉRIO DA SAÚDE - Descentralização das ações de saúde. A ousadia de


cumprir e fazer cumprir a lei. Brasília, 1993

3 - FUNDAÇÃO SEADE. Pesquisa condições de vida na Região Metropolitana de São


Paulo- definição e mensuração da pobreza na região metropolitana: uma abordagem
multisetorial. São Paulo, 1992

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4 - MINISTÉRIO DA SAÚDE/ABRASCO - Uso e disseminação de informações em
saúde: subsídios para a elaboração de uma política de informações para o
SUS. Brasília, 1994.

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