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Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

Paciente Pediátrico
Farmacologia e farmacoterapia
da dor, inflamação e distúrbios
reumáticos
Profª Fabiana Albanese
Prof. Msc. André Luiz de
Moura 1
Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

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Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

1 Introdução 4
1.1 Via de metabolismo do ácido araquidônico 7
1.2 Ação dos mediadores químicos derivados do metabolismo do ácido araquidônico 9
1.2.1 Prostanoides 9

2 Dor 10

3 Distúrbios reumáticos 12
3.1 Controle de distúrbios reumáticos 15
SUMÁRIO 3.1.1 Artrite e osteoartrose 15
3.1.2 Osteoporose 15
3.1.3 Fibromialgia 17
4 Febre reumática 18

5 Lúpus eritematoso sistêmico 18

6 Gota 19

7 Fármacos utilizados no manejo da


dor e dos processos inflamatórios 20
7.1 Analgésicos narcóticos 21
7.2 Morfina 21
7.3 Codeína 21
7.4 Analgésicos não opioides (não narcóticos) 22
7.5 Anti-inflamatórios não esteroides 23
7.6 Derivados do ácido salicílico 25
7.7 Derivados do ácido antranílico (fenamatos) 26
7.8 Derivados do ácido enólico (oxicam) 26
7.9 Derivados pirazolônicos (dipirona) 27
7.10 Derivados do ácido indolacético 28
7.11 Derivados do ácido fenilacético 28
7.12 Derivados do ácido propiônico 29
7.13 Derivados do aminofenol, para-aminofenol e anilina (paracetamol) 29
7.14 Derivados da sulfonanilida 30
7.15 Anti-inflamatórios seletivos para COX-2 31
7.16 Colchicina 32
7.17 Alopurinol 32

8 Referências 34

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As manifestações clínicas do processo inflamatório –


1 INTRODUÇÃO
calor, rubor, tumor (ou edema) e dor – foram descritas por
Cornelius Celsius no século I d.C., quando listou os sinais
O processo inflamatório (do latim inflammatio, possui a
cardinais. Mais tarde, no século XIX, o médico alemão
conotação de atear fogo) é uma resposta dos organismos
Rudolf Virchow adicionou um quinto sinal à lista: perda de
vivos homeotérmicos a uma agressão sofrida. Normalmente
função (Figura 1), (KUMAR et al., 2004; FANTONE et al.,
a agressão causadora do processo inflamatório pode ser
1990; VANE, BOTTING, 1987; RYAN, MAJNO, 1977).
considerada um processo responsável por promover uma
lesão celular ou tecidual e, em resposta, os tecidos ou
células afetadas produzem e liberam inúmeros mediadores
químicos, que atuam tanto no tecido lesado (provocando
ações responsáveis pelo reparo do tecido danificado)
como também no sistema imunológico. Neste caso,
cabe ao sistema imunológico combater todos os agentes
responsáveis pela agressão, os quais podem ser de natureza
física (radiações, químicos, ácidos), microbiológicos ou
traumáticos (KUMAR et al., 2005).

Em virtude disso, outros autores descrevem o processo


inflamatório como uma complexa rede de respostas à Figura 1. Sinais cardinais do processo inflamatório: calor, rubor, tumor,
dor e perda da função.
lesão tecidual e infecção, e que pode ser clinicamente Fonte: http://www.icb.ufmg.br/pat/old/imagem/marca/inflamac.gif
caracterizada por cinco sinais clínicos, os quais são
denominados de sinais cardinais, sendo eles: rubor
(vermelhidão), calor, tumor (tumefação), dolor (dor) e Esses sinais são gerados devido a alterações
functio laesa (perda da função) (GOLAN et al., 2009). morfológicas, funcionais e hemodinâmicas promovidas
pela liberação de mediadores químicos responsáveis pela
Kumar et al. (2005) descrevem que o processo resposta inflamatória. Tal processo envolve uma série de
inflamatório é fundamentalmente um mecanismo de eventos, que incluem extravasamento de fluidos, ativação
defesa, cujo objetivo final está relacionado à eliminação enzimática, migração celular, liberação de mediadores,
da causa inicial da lesão celular e das consequências dessa sensibilização e ativação de receptores e lise (rompimento
agressão. De acordo com os autores, caso não ocorresse da membrana celular) e reparo tecidual (CARVALHO,
o processo inflamatório, possivelmente as infecções se LEMÔNICA, 1998).
desenvolveriam descontroladamente, as feridas não
cicatrizariam e o processo destrutivo nos órgãos atacados Dessa forma, quando o tecido sofre agressão, ocorre
seria permanente. dilatação arteriolar, aumento de permeabilidade vascular,
acúmulo de leucócitos e dor (Figura 2).
Entretanto, a inflamação pode ser potencialmente
prejudicial quando as reações bioquímicas e fisiológicas
geradas ocorrem de forma descontrolada e desorganizada,
acarretando em dor, perda de função tecidual, significativo
edema (que em algumas situações pode comprimir os
vasos, impedindo o fluxo sanguíneo para o tecido, ação
que pode contribuir com o processo de gangrena tecidual),
entre outros.

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Figura 2. Esquematização dos eventos relacionados ao processo inflamatório.


Fonte: acervo pessoal.

Independente do fator responsável pela ativação do Após uma lesão ou injúria em um tecido, distúrbios
processo inflamatório, este contribui para a estimulação na membrana celular ativam receptores periféricos de
do sistema nervoso (KRAYCHETE et al., 2006). forma a promover a liberação de mediadores químicos
envolvidos com as alterações observadas ao longo do
Dentre os cinco sinais cardinais, a dor é a sintomatologia processo inflamatório.
mais estudada devido à sua relevância clínica.
Os principais mediadores químicos incluem
O primeiro passo na sequência dos eventos que prostaglandinas, peptídeos complementares da cascata de
originam o fenômeno doloroso é a transformação dos coagulação e citocinas (por exemplo, as interleucinas – em
estímulos agressivos em potenciais de ação, que são particular, IL-2 e IL-6 e fator de necrose tumoral (TNF)),
transmitidos da periferia para o sistema nervoso central além de importantes eicosanoides (prostaglandinas (PGE2,
por meio da propagação de impulso elétrico, mediada PGD2 e PGF2), prostaciclina (PGI2), lipoxinas (lipoxina A e
pelas fibras nervosas periféricas (ROCHA et al., 2007). B)) e leucotrienos. Os mediadores orquestram e amplificam
as respostas de células inflamatórias (Figura 3).

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Figura 3. Representação da produção de mediadores químicos pró-inflamatórios por meio do estímulo agressivo e ativação da PLA2.
Fonte: Adaptado de Rang et al. (2006).

Conforme apresentado acima, o agente agressor é • Bradicinina: é um mediador peptídico


responsável por induzir ou liberar mediadores químicos relacionado à atividade do sistema cinina-
como a serotonina, histamina, bradicinina e substância calicreína. Possui significativa ação vasodilatadora
P, que estimulam a PLA2, inclusive diretamente. Tais (ação relacionada à sua capacidade de estimular
componentes podem também induzir a ativação dos a produção de NO e PGI2), fraca ação sobre a
mastócitos, que degranulam os mesmos mediadores permeabilidade vascular, sensibiliza as fibras
anteriores e também os leucotrienos (LT) e interleucinas nociceptoras (diminui o limiar doloroso) e estimula
(IL), além do fator de necrose tumoral (TNF) e óxido a PLA2.
nítrico (NO).
• NO: molécula radicalar produzida pelas
células endoteliais, mastócitos e macrófagos.
Esses mediadores estão relacionados com o surgimento
Possui elevada ação vasodilatadora e pode ser
dos cinco sinais cardinais presentes em um processo
utilizado para a formação de peroxinitrito, um
inflamatório.
agente eficiente no combate a micro-organismos.
• Histamina: substância degradulada Além disso, pode sensibilizar as fibras nociceptoras.
pelos mastócitos mediante resposta imunológica
• Eicosanoides: essas substâncias
gerada pelo agressor. Seus efeitos incluem
geralmente não se encontram prontas e estocadas
vasodilatação (essa resposta se dá pela ação da
nas células; na verdade, são imediatamente
histamina sobre os receptores H1 nas células
produzidas a partir do momento que a PLA2 é
endoteliais, estimulando a produção de NO),
estimulada. São derivadas do metabolismo do
prurido, ardor, sensação de “quente”, ação
ácido araquidônico, que é encontrado esterificado
permeabilizadora dos vasos.
nos fosfolipídios de membrana. Os principais
• Serotonina: pouca ação vasodilatadora eicosanoides são: prostaglandinas (substâncias
e baixo efeito sobre a permeabilidade vascular. prostanoides), tromboxanos, leucotrienos e

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lipoxinas. As funções dessas substâncias estão cicloxigenases (COX), que leva à formação de tromboxanos
relacionadas na Figura 3. (TX), de prostaglandinas (PG) e seus subtipos, por meio
da oxidação do AA.
• Leucotrienos: submetabólitos derivados
do ácido araquidônico por intermédio da ação
das enzimas lipoxigenases. Essas enzimas são
expressas em inúmeras células como mastócitos,
plaquetas e tecido pulmonar. Os leucotrienos são
considerados agonistas de receptores específicos
(LTB4), que estão envolvidos com a ativação das
células de defesa.

A resposta gerada pela ativação desses receptores


desencadeia aumento da concentração intracelular
de inositol trifosfato (IP3) e diacilglicerol (DAG), com
consequente elevação da atividade intracelular da proteína
quinase dependente de cálcio (PKC). Além dessa resposta,
os leucotrienos também induzem a suprarregulação das
proteínas de adesão leucocitária nos vasos sanguíneos.
Em muitos estudos foi descrito que o LTB4 encontra-se
presente em exsudatos inflamatórios de muitos processos Figura 4. Cascata do ácido araquidônico. Após lesão ou injúria ao
tecido, a enzima catalisadora fosfolipase A2 promove a síntese de ácido
inflamatórios, que incluem artrite reumatoide, psoríase, araquidônico a partir da liberação de fosfolipases presentes na membrana
colite ulcerativa, bronquite, rinite, entre outras. celular. Quando metabolizado, o ácido araquidônico gera prostaglandinas,
prostaciclinas e tromboxanos pela ação da enzima ciclo-oxigenase (COX-
1 e COX-2) e leucotrienos, pela ação da enzima lipoxigenase.
Lipoxinas: as lipoxinas A e B também são derivadas do
Fonte: acervo pessoal.
metabolismo do ácido araquidônico. Possuem a principal
função no processo de quimiotaxia, indicando o local da
Atualmente, são descritas três isoformas da enzima
agressão e atraindo as células de defesa até o local.
COXs, a saber: a COX-1, a COX-2 e a COX-3, que
determinam no organismo diferentes funções fisiológicas.

1.1 Via de metabolismo do ácido


• COX-1: está presente em quase todos
araquidônico os tipos de células, com exceção dos eritrócitos,
sendo denominada de constitutiva ou fisiológica;
Ao longo de um processo inflamatório, ocorre a
é responsável pela síntese de PGs. Nas plaquetas,
ativação da enzima PLA2, a qual degrada o fosfolipídio da
a COX-1 está relacionada à síntese de tromboxano
membrana promovendo a liberação do ácido araquidônico
A2 (TX-A2), um mediador que favorece a
(AA). Esse ácido graxo é utilizado em toda via metabólica
agregação e a adesão plaquetária.
inflamatória como um substrato para a síntese de inúmeros
metabólitos pró-inflamatórios. • COX-2: até pouco tempo essa isoforma
era denominada de COX patológica ou induzida,
Os metabólitos dessa via, denominados eicosanoides, pois, de acordo com estudos da época, essa
são sintetizados por duas vias enzimáticas: a das enzima seria expressa apenas em resposta a
enzimas lipoxigenases (LOX), que resulta na formação estímulos inflamatórios e mitogênicos, e por
de leucotrienos e lipoxinas, e pela via das enzimas isso seria a principal responsável pela formação

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das prostaglandinas associadas à resposta Tal alteração produz uma lacuna, dando acesso a
inflamatória. uma bolsa lateral. Essa característica é utilizada no
desenvolvimento de moléculas que sejam mais seletivas
Porém, após os problemas detectados com o
para cada uma das isoformas, portanto, ao se construir
medicamento Vioxx®, ficou comprovado que a
fármacos de tamanho molecular menor (como é o caso do
COX-2 é uma enzima de grande importância para
AAS, ibuprofeno, acetominofeno, entre outros), ocorrerá o
funções fisiológicas, como manutenção do fluxo
bloqueio não seletivo das isoformas, o que garante redução
sanguíneo coronariano, renal, pulmonar, hepático,
muito significativa da conversão de AA em endoperóxidos
entre outros. Por essa razão, nos dias atuais essa
cíclicos.
enzima é denominada – assim como a COX-1 – de
fisiológica.
Por outro lado, ao se elaborar moléculas maiores –
• COX-3: mais recentemente descrita, essa como é o caso da nimesulida, tenoxican, entre outros –
isoforma é a responsável pelo controle térmico do poderá haver uma maior seletividade para a isoformas
organismo em situações clínicas como infecções. 2 de ciclo-oxigenase. Por último, nas moléculas como as
É expressa na região hipotalâmica denominada referentes aos coxibs (celecoxib, rofecoxib, lumiracoxib),
de centro termo-regulador. Produtos derivados do haverá seletividade para a isoformas 2, ou seja, a COX-
metabolismo microbiológico, fragmentos de micro- 1 permanecerá desbloqueada e, por isso, manterá sua
organismos ou o próprio agente microbiológico atividade normal.
são capazes de promover sua ativação. Quando
estimulada, a COX-3 é responsável por promover Todos os metabólitos gerados a partir do AA, em
elevação da temperatura corpórea (febre) em especial as PG do tipo E2 (PGE2), são capazes de promover
situações de infecção. Além dessas respostas, outra diminuição do limiar de excitabilidade dos nociceptores
proposta para as ações dessa terceira isoforma (ROCHA et al., 2007).
seria que, ao contrário da COX-1 e COX-2, a COX-
3 não produz prostanoides pró-inflamatórios, mas Além disso, as PG dilatam arteríolas, aumentando o fluxo
substâncias anti-inflamatórias, o que explicaria os sanguíneo para a área de lesão e agindo sinergicamente
períodos de remissão característicos de algumas com outros mediadores, como a histamina e a bradicinina,
doenças inflamatórias crônicas. que aumentam a permeabilidade vascular e estimulam
nociceptores nos locais da inflamação, induzindo a dor e
Na Figura 5 estão demonstradas as diferenças entre as sensação de aquecimento (LEES, 2003).
isoformas COX-1 e COX-2. Conforme será demonstrado,
a isoforma 1 possui um conduto de acesso ao AA mais
estreito comparado ao conduto da isoforma 2. A diferença
crucial entre as duas enzimas COX reside na posição 523:
nesse ponto, a COX-1 apresenta um aminoácido isoleucina
volumoso, enquanto a COX-2 possui uma valina.

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Figura 5. Representaçãoesquemática da comparação das isoformas ciclo-oxigenase 1 (COX-1) e ciclo-oxigenase 2 (COX-


2) em relação à ação de agentes anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) tradicionais (não seletivos para as isoformas
de COX) e de AINEs seletivos para COX-2. A O ácido araquidônico penetra no canal da enzima COX, sendo inicialmente
convertido em prostaglandina G2 (PGG2); em seguida, em prostaglandina H2 (PGH2). Estas últimas etapas não estão
indicadas nesta figura e, finalmente, numa prostaglandina, cujo exemplo fornecido aqui é a prostaglandina E2. B O
flurbiprofeno bloqueia ambos os canais de COX-1 e COX-2. C A base prevista da especificidade dos agentes COX-2-
seletivos; um agente COX-s-seletivo é eficaz no bloqueio do canal COX-2, não exercendo efeito sobre COX-1.

Fonte: Rang et al. (2006).

• PGE2: conforme já mencionado, esse


mediador é denominado prostaglandina do tipo
1.2 Ação dos mediadores químicos E2, e promove ativação dos receptores EP1, EP2
derivados do metabolismo do ácido e EP3. O EP1 está relacionado com o aumento
araquidônico da contração do músculo liso que reveste os
brônquios e TGI. O EP2, por sua vez, desencadeia
a broncodilatação, vasodilatação, aumento da
1.2.1 Prostanoides secreção de líquidos intestinais e o relaxamento
do músculo liso intestinal. Já o EP3 provoca
Mediadores químicos obtidos a partir do metabolismo contração do músculo liso intestinal, inibição da
do AA, essas substâncias estão envolvidas com inúmeras secreção de HCl estomacal, aumento da secreção
desordens ocorridas ao longo da resposta orgânica ao gástrica de muco, inibição da lipólise e da liberação
processo inflamatório, e podem gerar ações diferenciadas. de neurotransmissores pelo sistema nervoso
autônomo, além de estimular a contração uterina.

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• PGD2: é um agente vasodilatador, inibe


a agregação plaquetária, propicia o relaxamento
uterino e do músculo gastrintestinal, modifica
a liberação nos hormônios hipotalâmicos/
hipofisários. Seu efeito broncoconstritor decorre
de uma ação sobre os receptores TP.

• PGF2: causa contração do miométrio


nos seres humanos, luteólise em algumas espécies
(em bovinos, por exemplo) e broncoconstrição em
outras espécies (gatos e cães).

• PGI2: desencadeia vasodilatação,


inibição da agregação plaquetária, liberação de
renina e natriurese por meio de ações sobre a
reabsorção tubular de íons de sódio.

• Tromboxano A2: é responsável por


promover agregação plaquetária, vasoconstrição
e broncoconstrição. Neste caso, o efeito é descrito
como mais pronunciado em cobaias do que em
humanos.

2 DOR Figura 6. A Figura 6A está representando uma situação emocional (dor


psicológica ou emocional), ao passo que a 6B mostra uma situação
referente a trauma físico (dor física).
A maioria dos seres vivos vertebrados e constituídos por
Fontes: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI57520-
um sistema nervoso central já passou em algum momento 15223,00HORROR+NO+VOO.html e http://receptaculo.blogspot.com.
de suas vidas por uma experiência desconfortável br/2008_02_01_archive.html.

denominada dor, que surgiu em resposta a um estímulo


intensamente nocivo ao organismo.
A luta para aliviar a dor começou com o início da
humanidade. De acordo com a International Association
Há várias formas de perceber a dor, podendo ser
for the Study of Pain (1994) (Associação Internacional para
ela psíquica ou física. A primeira estaria relacionada a
o Estudo da Dor), o termo “dor” pode ser definido como
uma sensação emocional que é interpretada de forma
uma sensação ou experiência emocional desagradável,
dolorosa como, por exemplo, a dor de perder alguém
associada com dano tecidual real ou potencial, ou descrita
muito próximo (Figura 6A), já esta última diz respeito à
nos termos de tal dano.
sensação dolorosa como uma agressão física, um corte,
uma fratura, disfunção articular, entre outras, que podem
Para outros autores (DIA JÚNIOR et al., 2004),
potencialmente desencadear algum dano muito severo ao
“nocicepção” é uma terminologia utilizada para referir-se à
sistema orgânico (Figura 6B)
sensação, enquanto o conceito de “dor” está relacionado à
sensação e percepção do estímulo nociceptivo.

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A percepção de dor ocorre devido a um aumento na então conduzida via sistema trato espinotalâmico para
sensibilidade dos nociceptores e das fibras aferentes áreas centrais como tálamo e córtex cerebral, que são
primárias (fibras A-delta III (fibra mielinizada) e fibras responsáveis pela interpretação e cognição da dor.
C-IV (desmielinizadas)), em decorrência de estímulos
ambientais que sensibilizam esses receptores presentes
na pele, nas vísceras, nos vasos sanguíneos e nas fibras
do musculoesquelético.

A modulação desses receptores é realizada por


diversos moduladores bioquímicos, como a histamina,
noradrenalina, bradicinina, prostaglandinas, purinas,
citocinas, leucotrienos e neuropeptídeos (substância P
e neurocinas), provenientes de processos inflamatórios,
traumáticos e/ou isquêmicos, que são liberadas pelas
Figura 7. Esquematização de fatores mecânicos (traumáticos) capazes
células lesadas (Figura 7). Logo em seguida ao dano de promover lesão celular e a liberação de mediadores químicos pró-
tecidual, devido ao acúmulo local de mediadores químicos inflamatórios responsáveis por promover ativação das fibras nociceptoras.
Fonte: Lent (2004).
pró-inflamatórios, ocorre a “sensibilização periférica” da
A dor pode ser caracterizada e classificada segundo
dor, que se caracteriza por uma alteração no limiar de
critérios temporais (dor aguda ou crônica), patogênese
nociceptores, com consequente hiperalgia (sensibilidade
(nociceptiva, neuropática ou psicogênica) e de intensidade
exacerbada ao estímulo nóxico ou doloroso) e/ou
(leve, moderada ou intensa).
alodinia (sensações não nocivas, mas que representam
psiquicamente uma sensação de dor).
A dor aguda ou de curta duração está, geralmente,
relacionada à instalação de um processo patológico, seja
Tais nociceptores sensibilizados realizam sinapses com
ele de origem traumática ou inflamatória, enquanto a dor
neurônios das lâminas I, II e V por sinais enviados para
crônica é contínua e recorrente, de duração prolongada,
o corno posterior da medula, através das fibras nervosas
que não cessa com a remoção do estímulo (Figura 8).
aferentes primárias A-delta III e C-IV. A informação é

Aguda Nociceptiva Resultado da ação direta de nociceptores na pele ou


tecidos moles em resposta à lesão tecidual geralmente
Tipos de dor acompanhada de inflamação
Neuropática Lesão direta em nervos do SNC ou periférico caracterizada
por sensação de queimação ou choques elétricos
Crônica A dor não cessa com a ausência do agente lesivo

Figura 8. Representação esquemática da classificação da dor em conformidade com as causas.

Fonte: acervo pessoal.

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Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

A classificação da dor de acordo com sua patogênese


3 DISTÚRBIOS REUMÁTICOS
diferencia a dor em três tipos: nociceptiva, neuropática e
psicogênica. A dor nociceptiva surge a partir da estimulação
Há fortes indícios de que é inevitável o envelhecimento
dos receptores da dor específicos, resultante de uma lesão.
da população mundial, e com essa situação ocorre grande
Esses receptores podem responder ao calor, frio, vibração,
alteração das condições de saúde. A epidemiologia dos
estiramento e a estímulos químicos liberados a partir de
tempos atuais tem acompanhado esse fenômeno de
células lesionadas.
transição demográfica, e vem revelando um novo panorama
nos indicadores de saúde e nos perfis de morbidade e
A dor aguda e a dor crônica diferem em sua etiologia,
mortalidade.
fisiopatologia, diagnóstico e tratamento. A dor aguda
é autolimitada e funciona como uma função biológica
Alves et al. (2007) afirmam que “a tendência atual é
protetora, agindo como um aviso de dano tecidual.
termos um número crescente de indivíduos idosos, que
Sintomas psicológicos associados a esse tipo de dor são
apesar de viverem mais, apresentam maiores condições
mínimos e, normalmente, limitados a uma ansiedade leve.
crônicas”. Assim, há uma tendência crescente no surgimento
A dor crônica, por outro lado, não tem nenhuma função
de patologias e distúrbios crônicos degenerativos, o
biológica protetora – sendo decorrente, mas não estando
que implica no agravamento da qualidade de vida dos
relacionada a nenhum processo de doença –, podendo
indivíduos idosos.
persistir por anos e até mesmo décadas após a lesão inicial.

Do ponto de vista da saúde pública, o aumento nos


A dor neuropática ocorre quando há lesão direta
índices de prevalência e incidência das incapacidades
(trauma, infecção, isquemia, doença degenerativa, invasão
torna-se um desafio, tendo em vista o papel do Estado
tumoral, injúria química ou radiação) em nervos do sistema
em promover saúde e qualidade de vida. Segundo
nervoso central ou periférico, e não pela estimulação de
Verbrugge e Jett (1994, p.1), o termo incapacidade pode
receptores de dor.
ser definido como “uma dificuldade experimentada em
realizar atividades em qualquer domínio da vida devido a
Já a dor psicogênica não possui causa conhecida. É
um problema físico ou de saúde”.
uma dor pouco definida, mal situada e que, geralmente,
não responde à terapia medicamentosa, sendo indicado,
Dentre os diferentes fatores desencadeadores de
nesse caso, tratamentos alternativos não medicamentosos.
incapacidade relacionados a problemas crônicos na
senescência, citamos os cardiovasculares, diabetes e,
Com relação à intensidade, a dor pode ser classificada
principalmente, os problemas reumatoides.
em leve, moderada e intensa. Esse é o tipo de classificação
menos desejável, uma vez que a intensidade varia de
Estes últimos são considerados problemas de saúde que
acordo com a maioria dos pacientes ao longo do tempo e
acometem as articulações e estruturas osteomusculares
é exclusivamente subjetiva.
adjacentes, associadas à dor e rigidez articular, além de
tecido conjuntivo e de vasos sanguíneos, podendo ainda
Não existe uma abordagem terapêutica única que
incluir as alterações dos tecidos moles periarticulares e as
gerencie todos os tipos de dor para todos os pacientes
doenças de outros órgãos e/ou sistemas relacionados com
em todas as circunstâncias clínicas. O controle da dor
as anteriores.
deve ser baseado em avaliação criteriosa, identificando
as possíveis causas e efeitos desse sintoma na vida do
As doenças reumáticas são uma das doenças crônicas
paciente e investigando os fatores psicossociais que
com maior potencial de induzir um processo de limitação
possam influenciar seu impacto.

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Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

física e incapacidade, fenômeno que se acentua nos Essa sintomatologia está intimamente relacionada a
grupos etários mais avançados. disfunções reumáticas, como a osteoartrose, raquialgias,
doenças reumáticas periarticulares, incluindo as lesões
Os principais sintomas clínicos dessas patologias estão musculoesqueléticas ligadas ao trabalho, osteoporose,
relacionados à dor, à tumefação e à limitação da mobilidade, fibromialgia, artropatias microcristalinas, artrite
e ocorrem de forma muito frequente na população em reumatoide, espondiloartropatias, doenças reumáticas
geral. A prevalência sintomatológica é predominante em sistêmicas e artrites idiopáticas juvenis. No quadro a seguir
pacientes do sexo feminino e nas pessoas de faixa etária estão listados os principais tipos de doenças reumáticas.
elevada.

Quadro 1. Principais tipos de patologias reumáticas e suas principais características.

Tipo de reumatismo Principais características

É responsável por provocar incapacidade de pessoas idosas, associando-se


frequentemente, neste grupo etário, a outras patologias incapacitantes, afetando as
Osteoartrose
articulações importantes para a funcionalidade, como as das mãos, joelhos, quadril,
coluna vertebral e pés.
Está relacionada a dores na coluna vertebral, quer sejam de causa degenerativa,
infecciosa, inflamatória, metabólica ou neoplásica. Frequentemente são relacionadas
Raquialgias
às queixas reumáticas, sendo um dos motivos de incapacidade antes dos 45 anos de
idade.
Distúrbio reumático Com frequência, são resultados de lesões repetitivas, habitualmente provocadas
periarticular (também por traumatismos relacionados com o trabalho. Representam mais da metade dos
denominado de LER/DORT) casos de doenças profissionais.
Provoca diminuição da resistência óssea, estando normalmente relacionada com
Osteoporose fraturas por traumatismos de baixa energia. As fraturas de fêmur proximal são as
mais implicadas, sendo essas as principais causas de morbidade e mortalidade.
É uma síndrome musculoesquelética crônica, não inflamatória e de causa
desconhecida. Está relacionada com o surgimento de dores generalizadas, fadiga,
Fibromialgia
alterações quantitativas e qualitativas do sono e perturbações cognitivas. É uma
causa de incapacidade física e emocional, muitas vezes grave.
É uma patologia inflamatória e metabólica, que geralmente está relacionada com
excesso de ácido úrico no plasma (hiperuricemia). Este se deposita na forma de
cristais de ácido úrico nas articulações e até mesmo em tecidos moles, causando
A r t r o p a t i a s
inflamação aguda ou crônica, e promovendo desenvolvimento de degeneração
microcristalinas (gota)
articular. É uma doença relativamente comum e sua maior incidência é no final da
terceira década de vida e início da quarta, sendo predominante em pacientes do sexo
masculino, raramente em mulheres.
Doença crônica autoimune, de causa desconhecida, é normalmente caracteriza
pelo surgimento de inflamação em articulações (uma ou mais), por pelo menos seis
Artrite reumatoide semanas seguidas, que se perpetua com uma resposta inflamatória persistente. Além
disso, é responsável por promover morbidade e incapacidade em grupos etários
jovens, reduzindo, nos casos mais graves, a esperança de vida em cerca de 10 anos.

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Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

Esse tipo de reumatismo inclui a espondilite anquilosante, a artrite psoriática,


a artrite reativa e as artropatias associadas às doenças inflamatórias crônicas do
Espondiloartropatias
intestino. Atingem, preferencialmente, a coluna vertebral e as articulações sacroilíacas,
causando incapacidade em jovens.
Englobam um conjunto heterogêneo de doenças e síndromes, como o lúpus
Doenças reumáticas eritematoso sistêmico, a síndrome de Sjögren, a esclerose sistêmica, a polimiosite/
sistêmicas dermatomiosite e o extenso grupo das vasculites. Acometem, sobretudo, adultos
jovens.
São doenças crônicas que acometem com mais frequência crianças e adolescentes,
Artrites idiopáticas juvenis sendo uma causa importante de incapacidade, doença ocular e de insucesso escolar
pelo absentismo que podem provocar.

Fonte: Adaptado de Direção... (2001).

Tanto em países desenvolvidos quanto nos em O fato é que, sem dúvida alguma, o sinal mais
desenvolvimento os distúrbios reumáticos originam um proeminente entre todos os tipos de reumatismo é a
grupo de enfermidades que afeta de forma significativa dor; essa pode ocorrer de modo generalizado (o paciente
a vida cotidiana do ser humano. Essas patologias juntas descreve: “dói o corpo todo”) ou de forma localizada em
promovem o aumento considerável da incapacidade um dos membros ou articulação, tais como os quadris,
funcional e laboral, que estão ligadas a um forte impacto junção iliossacral, joelhos ou as mãos.
econômico-social nesses países.
A origem da dor nem sempre é facilmente identificada.
Cada um desses diferentes tipos de patologias possui Em grande parte dos casos, quando a dor manifesta-se
o(s) principal(is) fatores de risco envolvidos com seu de forma localizada, ela pode ser decorrente de artrose
surgimento. Entretanto, fatores como idade, obesidade, ou, raramente, de artrite reumatoide ou outra forma de
tabagismo, alcoolismo, medicamentos e alterações artrite. Essas patologias acometem comumente idosos,
hormonais representam risco comuns a todas elas. preferencialmente do sexo feminino (3 vezes mais chances
do que os homens), mas também podem acometer jovens.
Para o diagnóstico correto, o paciente deve consultar
um médico especialista da área, pois apenas com exames Outro fator importante é que, em geral, os
adequados e avaliação de um profissional capacitado e problemas relacionados ao reumatismo apresentam
tecnicamente experiente poderá se detectar os fatores inicialmente sintomas inespecíficos (fadiga, mal-estar,
relacionados. Os sintomas apresentados por cada um dos dor musculoesquelética difusa e rigidez matinal, além de
pacientes são de suma importância para o diagnóstico da febre). A progressão da patologia é muito variável; em
patologia. cerca de um terço dos casos, os sintomas são discretos
e podem desaparecer no decorrer de várias semanas ou
De acordo com o guia da Direção-geral da Saúde e alguns meses.
do Ministério da Saúde (2001), os principais sintomas dos
distúrbios reumáticos incluem dor, rigidez, deformação das Os pacientes podem permanecer assintomáticos por
articulações e, em alguns casos, podem apresentar ou não vários meses e, em seguida, apresentar sintomas mais
rubor, calor ou inchaço, movimentos dolorosos e limitados graves do que aqueles observados anteriormente. Alguns
das articulações e dificuldade na marcha, quando afetadas indivíduos apresentam início súbito de sintomas, seguido
as articulações das pernas. de remissão clínica prolongada da patologia. Em outras

14
Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

situações, o paciente pode apresentar doença ininterrupta O tratamento para esse tipo de reumatismo
progressiva, com deformidades articulares e incapacidade. consiste basicamente em tratamento farmacológico
A seguir, serão expostos alguns tipos de reumatismo e (analgésicos, anti-inflamatórios, agentes restauradores da
sugestões apresentadas por muitos órgãos de estudo para cartilagem) e não farmacológico (exercícios, fisioterapia,
o manejo dessas disfunções. órteses) que visam não somente aliviar a dor, mas
preservar a função da articulação acometida. A indicação
de correções cirúrgicas de suas sequelas pode ocorrer
3.1 Controle de distúrbios reumáticos
mediante disfunção e prognóstico de cada paciente.

3.1.1 Artrite e osteoartrose


3.1.2 Osteoporose

É uma patologia resultante de uma disfunção na


A osteoporose é uma disfunção reumatoide cuja
formação, regeneração e na degeneração de cartilagens,
característica principal é a diminuição da massa óssea e
sendo considerada atualmente uma disfunção de
consequente alteração de sua qualidade.
característica multifatorial. Alguns tipos da doença são
reconhecidamente hereditários, sendo a forma mais
O osso fica esponjoso e mais frágil em função da redução
comum a osteoartrose das falanges distais dos dedos
da concentração de cálcio e de outros componentes da
das mãos e dos pés, que pode originar grande formação
matriz óssea, aumentando, por conseguinte, o risco de
desses membros (veja na Figura 9).
fraturas.

Essa alteração afeta todos os ossos do corpo, porém


tem maior incidência de fraturas em vértebras da coluna,
fêmur e ossos do punho.

Os sintomas não aparecem até que grande quantidade


de osso tenha sido perdida e que os ossos comecem a
sofrer fraturas.

Com certa frequência, essas alterações iniciais e sutis


implicam em dor nas costas (coluna vertebral), diminuição
da estatura, inclinação de parte do corpo originando uma
posição corcunda, fraturas sem ocorrência de trauma (veja
na Figura 10).

Normalmente, os principais fatores envolvidos são


os hereditários, causas ambientais (como climatério,
desnutrição, sedentarismo, pouca exposição ao sol,
Figura 9. Representação de um paciente adulto (esquerda) e um
indivíduo jovem (direta) portadores de artrite reumatoide e artrite anorexia, excesso de exercícios), uso de medicamentos
reumatoide juvenil, respectivamente. (por exemplo, anticonvulsivantes, anticoagulantes,
Fonte:http://cynthiafurtado.blogspot.com.br/2010/11/o-que-e- corticoides, laxantes), alcoolismo, fumo e cafeína.
artrite.html

15
Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

Figura 10. Representação de sequência de eventos relacionados ao desenvolvimento de osteoporose.

Fonte: http://www.herniadedisco.com.br/doencas-da-coluna/osteopenia-e-osteoporose/

A osteoporose é uma patologia que pode ser prevenida Além disso, a regularidade do ciclo menstrual é
e tratada. A melhor estratégia ainda é a prevenção, porém, importante na prevenção da osteoporose, haja vista
quando instalada e diagnosticada, essa disfunção pode que a ação do hormônio estrógeno está inversamente
ser tratada. O método preventivo ideal é a obtenção de relacionada com a reabsorção óssea, comum em mulheres
maior massa óssea durante o crescimento, o que pode após a menopausa.
ser facilmente alcançado por meio de alimentação rica em
cálcio e vitamina D, além da prática de exercícios físicos No tratamento com medicamentos, além da
desde a infância e juventude. suplementação oral de cálcio e vitamina D, a atuação se
faz principalmente sobre a reabsorção óssea, sendo a
Nesse sentido, é fundamental a ingestão de cálcio com maioria dos agentes terapêuticos antiabsortivos. Contudo,
alimentos lácteos, legumes de folha verde (espinafres já existem medicamentos que ajudam a produzir osso,
e brócolis) e peixe com espinhas (sardinhas), sendo como o paratormônio sintético.
necessários de 800 a 1000 mg de cálcio por dia (veja
quadro abaixo).

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Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

Quadro 2. Relação de alimentos e seu teor de cálcio.


Alimento Valor (mg de cálcio)

Um copo de leite (3% ou 1% de gordura) 200


Um iogurte 200
100 g de queijo branco (ou fresco) 110
100 g de sardinhas 345
100 g de brócolis ou espinafres cozidos 75
100 g de queijo amarelo (gordo) 800

Fonte: Direção... (2001).

Alimentos como amendoins, amêndoas e figos secos A causa dessa patologia está associada à sensibilidade
possuem grandes quantidades de cálcio, porém são ricos exagerada do indivíduo a estímulos dolorosos, normalmente
em calorias (como é o caso do queijo gordo). A ingestão originados de distúrbios bioquímicos do sistema nervoso.
de um suplemento de vitamina D e a exposição ao sol É predominante em pessoas do sexo feminino, e o pico de
apresentam benefícios para quem possui falta de vitamina incidência ocorre na faixa etária entre 30 e 50 anos.
D, como acontece com algumas pessoas idosas, que não
saem de casa ou habitam em regiões com pouco sol. Estima-se que cerca de 5% das consultas ambulatoriais
de clínica geral e 30% da clínica especializada em
A atividade física (andar a pé, dançar ou fazer ginástica) reumatologia ocorrem em decorrência dos casos de
contribui para a prevenção da osteoporose. É conveniente fibromialgia.
evitar períodos longos de repouso ou de imobilização, uma
vez que isso aumenta a incidência da doença. O tratamento dessa disfunção merece certa atenção
quanto a seu controle, exigindo grande contribuição do
Estudos demonstraram ainda que mulheres fumantes paciente. Como não existem exames complementares que
e que fazem constante uso de álcool, ou fazem ambas as por si só confirmem o diagnóstico, a experiência clínica
coisas, são mais propensas a desenvolver osteoporose. do profissional, a disposição do paciente em submeter-
se fielmente à prescrição médica e a colaboração dos
3.1.3 Fibromialgia familiares e amigos são fundamentais para o sucesso do
tratamento, mesmo porque este geralmente é realizado
A fibromialgia refere-se ao surgimento de dor crônica por um período relativamente longo.
e difusa, de causa não inflamatória, com pelo menos
três meses de duração e que ao exame físico demonstra Normalmente, o tratamento está pautado em
pontos dolorosos quando palpados em locais anatômicos psicoterapia e terapias comportamentais, que estimulam
predeterminados (tender points). a mudança no estilo de vida, de forma que o paciente
pratique técnicas de relaxamento, passe a se ter hábitos
Trata-se de uma patologia que se manifesta clinicamente de vida saudáveis, pratique exercícios físicos, faça
por fadiga diurna, boca seca, sensação de mãos inchadas, uso de medicações para combate à dor e à depressão
tonturas, dor precordial, taquicardia, cefaleia, enxaqueca, (antidepressivos, analgésicos, relaxantes musculares).
cólon irritável, irritabilidade, depressão e ansiedade.

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Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

Para a prevenção da patologia, não há outra opção além


4 FEBRE REUMÁTICA
do tratamento adequado das afecções das vias aéreas
superiores (principalmente casos de infecção de garganta
A febre reumática (FR) é uma doença que acomete
e amigdalite). Para os pacientes que já desenvolveram
principalmente pessoas em faixa etária escolar e
a febre reumática, o tratamento é realizado com auxílio
adolescência, sendo considerada no Brasil como a principal
de medicamentos específicos para o coração, repouso
causa de cardiopatia crônica adquirida em menores de 20
e anti-inflamatórios nas artrites, corticoides e drogas
anos e responsável por elevados índices de morbidade e
específicas para os distúrbios de movimento provocados
mortalidade.
pelo envolvimento do Sistema Nervoso Central. Decorrida
a crise, é necessário que o paciente seja submetido a um
A FR é referida como uma das principais patologias
esquema de prevenção da infecção pelo estreptococo
relacionadas com um número significativo de cirurgias
com penicilina benzatina a cada 21 dias. Caso ocorra o
cardíacas para tratamento de complicações valvulares,
envolvimento cardíaco, a profilaxia deve estender-se, se
além de provocar o aparecimento de artrite, nódulos
possível, por toda vida. Caso não haja acometimento do
subcutâneos, lesões de pele e de graves quadros
coração, fica determinado o uso do medicamento até os
neurológicos de coreia de Sydenham (movimentos
18 anos de idade.
incontroláveis).

Entre as doenças que repercutem na saúde das 5 LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO


crianças, a FR assume proporções preocupantes, não só
pelas sérias lesões cardíacas, como também pelo alto Trata-se de uma doença inflamatória, autoimune e
valor de seu tratamento imposto aos cofres do setor, por geralmente crônica, que pode acometer múltiplos órgãos,
meio de delicadas e sofisticadas cirurgias cardíacas para o de forma sucessiva ou simultânea. É uma patologia de
implante de válvulas artificiais. etiologia multifatorial, em que a interação da predisposição
genética e vários fatores hormonais (aumento da relação
A principal causa dessa patologia é, sem dúvida alguma, andrógeno/ estrógeno) e ambientais (luz ultravioleta,
a contaminação do paciente pelo estreptococo beta medicamentos e infecções) ocasionam um distúrbio do
hemolítico do grupo A, um micro-organismo relacionado sistema imunológico, gerando uma produção inadequada
com casos de infecção de garganta. É uma bactéria que de anticorpos, que, por sua vez, reconhecem os próprios
causa amigdalite, principalmente nas regiões em que a constituintes do corpo como possíveis agressores, o que
situação de vida e saúde da população é mais precária. provoca lesões inflamatórias variadas.

Porém, não é todo indivíduo afetado por tal agente que A doença tem um amplo espectro de apresentações
irá desenvolver FR; é preciso haver uma predisposição clínicas, evoluindo cronicamente com períodos de
individual para a ocorrência da patologia. O tratamento exacerbações e remissões (veja na Figura 11).
correto das amigdalites com antibiótico adequado e pelo
tempo certo pode ajudar a prevenir o aparecimento da
febre reumática.

18
Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

o uso de drogas antimaláricas para o tratamento de lesões


cutâneas difusas, como a cloroquina, podendo associá-la
à prednisona, em baixa dosagem e por período limitado.

Em 2011 nos EUA, foi aprovado pelo FDA o uso de um


anticorpo monoclonal humano capaz de inibir a ação dos
mediadores químicos denominados de fator estimulador
de linfócito B (nome comercial americano Benlysta,
anteriormente conhecido como LymphoStat-B), para o
tratamento de LES.

Vale ressaltar a necessidade de os pacientes portadores


de LES conhecerem e reconhecerem os sintomas da
doença, inclusive das complicações que, mesmo raras,
podem aparecer. Dessa forma, na ocorrência de quaisquer
complicações, elas poderão ser prontamente manejadas e
facilmente solucionadas.

6 GOTA
Figura 11. Representações gráficas de pacientes acometidos pelo Lúpus
Eritematoso Sistêmico. É uma patologia de característica inflamatória
relacionada a um distúrbio metabólico, que está associada
Fonte: http://www.mundoeducacao.com/doencas/lupus.htm
geralmente a um quadro de hiperuricemia. Sua principal
característica é a deposição de cristais de urato (ácido
Mesmo havendo medidas internacionalmente aceitas
úrico) nas articulações e até mesmo em tecidos moles,
para o tratamento do LES, cada paciente é tratado em
causando inflamação aguda ou crônica, levando ao
conformidade com o próprio corpo. Na verdade, não existe
desenvolvimento de degeneração articular.
um tratamento que seja capaz de promover a cura dessa
doença; portanto, o tratamento não é um modelo definido
A manifestação clínica da gota está associada ao
e único para ser aplicado em todos os pacientes, uma vez
desenvolvimento de artrite, que pode acometer diversas
que as características de cada caso mostrarão o que se
articulações. Em pacientes que não realizam qualquer
deve fazer.
tratamento, as crises podem se prolongar por mais de
sete dias, regredindo espontaneamente e podendo passar
Os medicamentos utilizados na terapêutica do lúpus
longos períodos sem reaparecer.
podem promover importantes efeitos colaterais e devem
ser manejados por profissionais experientes.
Nestes casos, cristais de ácido úrico depositam-se
nos tecidos – especialmente em cotovelos e pavilhões
Na fase aguda da doença, além de repouso, psicoterapia,
auriculares –, resultando na formação de tofos. Os tofos
dieta balanceada, prática regular de exercícios físicos,
são comuns em pacientes não tratados ou naqueles que
uso constante de protetor solar, controle da pressão
não aderiram corretamente ao tratamento (Figura 12).
arterial e da dislipidemia, a terapia medicamentosa
consiste no emprego de anti-inflamatórios, corticoides e
imunossupressores, como a ciclofosfamida. Recomenda-se

19
Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

Para o tratamento de situações de crise e até mesmo


para a prevenção de incapacidade relacionada à patologia,
pode ser utilizada a colchicina, que possui grande eficiência
na fase aguda. Para a prevenção de novas crises, são
recomendados os anti-inflamatórios, inibidores da síntese
de ácido úrico e os medicamentos que aumentam sua
excreção renal.

Além da terapia medicamentosa, é muito importante


que haja controle da alimentação; portanto, o paciente
deverá receber uma dieta com restrição de alimentos
ou bebidas que apresentem relação clara com as crises.
Nesse sentido, destaca-se a redução da ingestão de
alimentos ricos em purinas (carne vermelha, alguns tipos
de feijões), diminuição de bebidas que podem influenciar
o pH sanguíneo (uma vez que este pode interferir com
o pH urinário, dificultando a eliminação do ácido úrico),
Figura 12. Representação gráfica do desenvolvimento de processo
aumento da ingestão diária de líquidos e, em alguns casos,
inflamatório relacionado à crise de gota.
retirada cirúrgica dos tofos.
Fonte: http://nutrir-se-by-nutri.blogspot.com.br/2012/08/acido-urico-
gota.html
O tratamento de crises renais deverá ser indicado para
os pacientes, e o repouso na fase aguda e a redução
O ácido úrico é uma substância derivada do
do estresse físico e emocional são ações de fundamental
metabolismo de proteínas (bases púricas). Quanto mais
importância para todos os pacientes que estejam passando
purina é ingerida, maior quantidade de ácido úrico
por situação de crise, pois quanto mais se movimentarem,
é produzida. Alguns alimentos ricos em purinas são:
maior será a agressão (abrasão dos cristais às articulações).
carnes (bacon, porco, coração, rim); peixes e frutos do
mar (salmão,sardinha, bacalhau, camarão); aves (peru
Conforme discorrido anteriormente sobre alguns dos
e ganso); bebidas alcoólicas e leguminosas (feijão, grão-
principais tipos de reumatismos encontrados no Brasil, é
de-bico, ervilha, lentilha). Entre os alimentos com pouca
possível notar que o processo inflamatório e a dor são os
purina, citamos o leite, o chá, o chocolate, cereais, arroz,
principais sinais e sintomas apresentados pelos pacientes
batata, vegetais, doces e frutas.
portadores dessas patologias. Em função desse fato, além
da tentativa de prevenção que se dá principalmente com
Além da alimentação, outros fatores que contribuem
mudanças de hábito da vida cotidiana do paciente, são
para o surgimento da doença são a obesidade, o uso de
utilizados inúmeros medicamentos, os quais podem ser
medicamentos diuréticos e longos períodos em jejum
empregados para a profilaxia e para o alívio dos sintomas
em situação de crise aguda ou crônica. A seguir, será
O tratamento da gota está relacionado ao quadro
apresentado um breve relato sobre as principais classes
clínico do paciente, devendo-se considerar, inicialmente, o
farmacológicas utilizadas para essas disfunções.
número de crises que tenham apresentado. Normalmente,
relaciona-se duas crises típicas ou realiza-se a análise
bioquímica de sangue (concentração sérica de ácido úrico)
e a presença de tofos.

20
Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

A morfina tem sido a mais importante droga para o


7 FÁRMACOS UTILIZADOS NO
alívio de dor ao longo de muitas décadas, aliviando tanto
MANEJO DA DOR E DOS PROCESSOS sua percepção quanto a resposta emocional a ela. Trata-
INFLAMATÓRIOS se de um agonista integral de receptores opioides, que
age sobre receptores específicos das células nervosas,
Diversas classes de fármacos são utilizadas para
alterando a afinidade da membrana celular pelos íons de
o manejo da dor e, consequentemente, do processo
sódio e reduzindo a liberação de neurotransmissores pelos
inflamatório. Esses fármacos incluem, principalmente,
neurônios afetados, que, consequentemente, diminuem
agonistas dos receptores de opioides (analgésicos
a transmissão do impulso doloroso ao nível da medula
narcóticos), analgésicos não narcóticos ou anti-
espinal e aumentam na região do SNC. A morfina também
inflamatórios (não esteroidais (AINEs) e/ou esteroidais
provoca vasodilatação, aumentando a capacitância venosa
(AEs)), anestésicos e antidepressivos.
periférica e diminuindo o retorno venoso.

7.1 Analgésicos narcóticos Essa substância possui uma potente ação analgésica e
ansiolítica. Dentre os efeitos adversos apresentados pelos
Os analgésicos narcóticos, também denominados usuários de morfina, estão a euforia, disforia e alucinações,
opiáceos, opioides ou agonistas de receptores opioides, além de depressão respiratória e supressão do reflexo da
constituem a principal classe de fármacos utilizada no tosse. Efeitos cardiovasculares raramente são observados;
manejo da dor moderada a intensa. todavia, quando relatados, envolvem bradicardia e
hipotensão. É comum o relato de náuseas e vômitos,
7.2 Morfina assim como rash cutâneo, prurido e broncoespasmo. O uso
frequente ou crônico da morfina pode causar tolerância à
A morfina é o principal alcaloide derivado da planta droga e dependência.
ópio (Papaver somniferum). Foi isolada pela primeira
vez em 1833, por Pierre-Jean Robiquet, a partir de O mecanismo de ação da morfina é muito parecido
sementes verdes da papoula do ópio. Outros alcaloides com o dos demais opiáceos. De uma forma geral, é bem
são extraídos dessa planta e podem ser divididos em duas absorvida – independente da via de administração – e
classes: fenantrenos e benzilisoquinolinas. Os principais metabolizada no fígado, onde sofre efeito de primeira
representantes da primeira classe são a morfina (com passagem e ocorre a formação dos metabólitos: morfina-3-
concentração de 10%), codeína e tebaína, ao passo que a glucuronídeo (M3G, 70%), morfina-6-glucuronídeo (M6G,
segunda classe é composta principalmente por papaverina 10%) e sulfatos conjugados. Os opioides são convertidos
e a noscapina. em metabólitos polares e eliminados pelos rins.

7.3 Codeína
A codeína, também denominada metilmorfina, é um
opioide natural derivado do ópio, empregado no alívio
de dor moderada, com mecanismo de ação semelhante
à morfina, e 10% do seu potencial de ação desta. Devido
a essa característica, há anos é utilizada como tratamento
supressor de resfriados e diarreia.

Estrutura química da morfina.

21
Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

Em conformidade com Dia Júnior et al. (2006), a


codeína é uma droga indutora de abuso. A dependência
física e psíquica e a tolerância desenvolvem-se com
doses repetidas. A dependência psíquica, que requer
a administração contínua para prevenir a aparição da
síndrome de abstinência, tem significado clínico somente
após diversas semanas de doses orais continuadas. A
tolerância, por sua vez, manifesta-se por uma duração
de ação encurtada e pela diminuição da efetividade
analgésica.
Estrutura química da codeína.
A intoxicação por codeína caracteriza-se por promover
A biodisponibilidade oral da codeína é de 50% e a sedação, alteração de humor e miose. O tratamento
aproximadamente 10% é metabolizada em morfina por inicial consiste no restabelecimento da função respiratória
desmetilação, sendo o restante convertido em compostos e cardiovascular e na observação da existência de
conjugados inativos. Essa metabolização da codeína em hemorragia. Já o tratamento medicamentoso pode ser
morfina é realizada por uma isoforma do citocromo P450, realizado com o uso de drogas antagonistas de receptores
que possui polimorfismo. Por isso, aproximadamente 10% opioides, como a naloxona, muito utilizada para reverter
da população não metaboliza adequadamente a codeína, o quadros convulsivos gerados por superdosagem de
que resulta em um tratamento ineficaz da dor. codeína (ASSOCIAÇÃO..., 2012).

A codeína é absorvida rapidamente e metabolizada no


7.4 Analgésicos não opioides (não
fígado. O tempo de meia-vida varia de 2 a 4 horas, sendo
eliminada pelas vias renais. Ao contrário da morfina, causa
narcóticos)
pouca ou nenhuma euforia e raramente produz vício, razão
Os analgésicos não opioides possuem propriedades
pela qual pode ser obtida sem prescrição.
analgésicas, antitérmicas e anti-inflamatórias, e podem ser
classificados como anti-inflamatórios não esteroides (ácidos
A codeína é uma droga amplamente empregada como
mefenâmico e etofenâmico, diclofenaco, ibuprofeno, etc.),
antitussígena, devido à sua capacidade de promover a
drogas derivadas do ácido salicílico (aspirina), do para-
depressão do sistema nervoso central. Além disso, tal
aminofenol (paracetamol) e da pirazolona (dipirona)
droga também apresenta ação nos receptores opioides
ou em anti-inflamatórios esteroidais (hidrocortisona,
nos neurônios do intestino, que promovem a redução
dexametasona, betametasona, triancinolona, entre
da motilidade intestinal sendo, portanto, empregada no
outras).
tratamento de diarreias.

Tais drogas são indicadas para o tratamento de dores


Os efeitos colaterais mais comuns do uso da codeína
leves ou moderadas, e seu mecanismo de ação está
são enjoos, náuseas, sedação e vômitos. Essa substância
relacionado à inibição da atividade das cicloxigenases
pode causar ainda letargia, sonolência, diminuição do
(COX-1 e COX-2), o que, por conseguinte, diminui
rendimento físico e mental, temor, ansiedade, disforia,
acentuadamente a formação dos derivados do metabolismo
alteração de caráter e dependência física (em menor
do ácido araquidônico, além de inibir a formação de
proporção do que a morfina). Seu uso crônico pode
mediadores com IL, LT, lipoxinas e fatores de adesão
promover constipação e depressão respiratória dose-
leucocitário – ação promovida pelos corticoides.
dependente.

22
Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

O efeito resultante dessas alterações é reconhecido pela analgésicas, antipiréticas e anti-inflamatórias. Apesar de
redução da vasodilatação, diminuição da permeabilidade sua toxidade e efeitos adversos, cerca de 30 milhões de
e infiltração leucocitária, além de aumento do limiar pessoas fazem uso dessas drogas diariamente.
doloroso.
Sua ação anti-inflamatória é decorrente da inibição da
7.5 Anti-inflamatórios não esteroides síntese de prostaglandinas, gerada a partir da inativação
das cicloxigenases constitutiva (COX-1) e induzível (COX-
A finalidade dos anti-inflamatórios é conter ou reverter 2).
a inflamação local ou sistêmica, tendo segurança, rapidez
de ação e potência analgésica. A ação dessas drogas foi Os anti-inflamatórios podem promover seu efeito
descoberta em 1970, quando foi desvendado o mecanismo central e periférico, pois na periferia inibem a COX (enzima
de ação da aspirina, da qual todas essas medicações são responsável pela degradação de ácido araquidônico) dos
derivadas. tecidos, diminuindo a liberação de mediadores químicos
responsáveis pela ativação das terminações nociceptoras.
Tais drogas são denominadas anti-
inflamatórios não esteroidais (AINEs) a fim de Assim, os AINEs bloqueiam a conversão do AA em seus
diferenciar-se dos corticoides, que também metabólitos (PG e leucotrienos) envolvidos na ativação
possuem ação anti-inflamatória, porém, com da resposta inflamatória e na sensibilidade das vias de
distintos mecanismos de ação e toxicidade. Além transmissão da dor.
disso, os AINEs não possuem nenhuma relação
estrutural com os corticoides.
O quadro a seguir mostra a classificação dos AINEs e
de seus principais representantes, baseado nas estruturas
Os AINEs constituem um grupo terapêutico de grande
químicas de fármacos convencionais de uso corrente.
interesse e integram a lista de fármacos mais comumente
prescritos em todo o mundo devido às suas propriedades

23
Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

Quadro 3. Classificação dos anti-inflamatórios não esteroidais.


Derivados do ácido salicílico
ácido acetilsalicílico (Aspirina®, AAS®)
Derivados do ácido antranílico (fenamatos)
Ácido mefenâmico (Ponstan®), meclofenamato (Meclomen®), clonixinato de lisina (Dolamin®)
Derivados do ácido enólico (oxicam)
piroxicam (Feldene®), tenoxicam (Tilatil®), meloxicam (Meloxil®)
Derivados pirazolônicos
fenilbutazona (Butazolidina®, Butazona®), oxifenilbutazona, dipirona (Dipirona®, Anador®)
Derivados do ácido indolacético
indometacina (Agilisin®, Indocid®), benzidamina (Flogoral®, Benflogin®)
Derivados do ácido fenilacético
Diclofenaco (Biofenac®, Cataflan®, Voltaren®), fenclofenaco, aceclofenaco (Proflam®)
Derivados do ácido propiônico
ibuprofeno (Advil®, Alivium®), cetoprofeno (profenid®), fenoprofeno, flurbiprofeno
(Targus ), naproxeno (Flanax ), oxaprozina, ácido tiaprofênico
® ®

Derivados do aminofenol, para-aminofenol e anilina


acetofenetidina, paracetamol (Tylenol®)
Derivados da sulfonanilida
nimesulida (Scaflam®, Nimesulida®, Nimesulide®)
Derivados das quinolonas
celecoxib (Celebra®), Rofecoxib (Vioxx®)
Derivados das naftilcanonas
nabumetona (Relifex®), proquazona
Derivados do ácido pirrolacético
tolmetino (Tolectin®), cetorolaco (Toragesic®), etodolaco
Derivados do ácido carbâmico
flupirtina (Katadolon®)
Outros coxibs
etoricoxib (Arcoxia®), valdecoxib (Bextra®)

Fonte: adaptado de Rang et al. (2006).

Uma nova classificação para os AINEs tem sido proposta levando em consideração o poten-
cial de ação das drogas. A potência da droga está relacionada com a concentração necessária para
inibir em 50% a atividade das cicloxigenases (IC50). Ou seja, para o cálculo da seletividade de uma
droga inibidora de COX-2, utiliza-se a razão entre o IC50 de COX-2 sobre a IC50 da COX-1. Nesse
caso, valores menores que um indicam alta seletividade para COX-2, significando que a dose do
medicamento a ser utilizada será menor para bloquear COX-2 do que para COX-1, ao passo que
quando a razão for maior que um, este será seletivo para COX-1.

24
Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

Quadro 4. Classificação atual dos anti-inflamatórios não esteroidais de acordo com a seletividade.

Inibidores não seletivos para COX-1


AAS (em altas doses), Piroxicam, Indometacina, Diclofenaco, Ibuprofeno, Nabumetona

Inibidores com maior afinidade pela COX-2


Meloxicam, Etodolaco, Nimesulida, Salicilato

Inibidores altamente seletivos da COX-2


Celecoxib, Lumiracoxib (ambos de uso controlado no Brasil)

Fonte: adaptado de Rang et al. (2006).

O emprego da aspirina e dos salicilatos se dá no


7.6 Derivados do ácido salicílico
tratamento de cefaleia, mialgias, artralgias e dismenorreia.
Com mais de cem anos de uso clínico, a aspirina
Em doses mais elevadas, é um analgésico eficaz no
continua sendo uma das drogas mais utilizadas do mundo,
manejo da dor na artrite reumatoide. Possui, ainda, ação
e tem sido empregada como analgésico para o tratamento
antipirética a partir da modulação da temperatura corporal
de cefaleias, mialgias e artralgias, entre outras dores
pela interleucina-1, diminuindo os sintomas da febre.
consideradas leves ou moderadas.
Além do mais, pode ser utilizada como antiagregante
plaquetário, inibindo a síntese de tromboxanos.

Os efeitos adversos decorrentes da utilização


terapêutica da aspirina ocorrem mesmo em dosagens
mais baixas, principalmente em pacientes com mais de 60
anos de idade. Dentre eles, o mais relatado são problemas
envolvendo o trato gastrointestinal, como intolerância
gástrica, náuseas vômitos, dor abdominal, flatulência,
diarreia e, mais raramente, úlcera gástrica e duodenal.

Estrutura química da aspirina.


O ácido acetilsalicílico pode provocar uma série de
efeitos indesejáveis em pacientes hipersensíveis, como
Após a administração oral, 50% do ácido acetilsalicílico
rinite vasomotora, broncoespasmo, hipotensão e choque.
é deacetilado em salicilato e imediatamente absorvido. A
Tem sido relatada a associação à síndrome de Reye em
meia-vida da aspirina é de cerca de 15 minutos, enquanto
crianças com doenças virais, mesmo em dosagens baixas.
a do salicilato está entre 2 e 30 horas, dependendo da
concentração utilizada. O ácido acetilsalicílico e o ácido
Deve ser evitado o uso concomitante de aspirina
salicílico ligam-se amplamente às proteínas plasmáticas, e
com paracetamol, (devido ao possível efeito sinérgico);
são rapidamente distribuídos por todo o organismo.
alcalinizantes e acidificantes urinários (como vitamina
C, fosfato de sódio ou potássio, bicarbonato de sódio e
A aspirina e os salicilatos promovem seus efeitos
antiácidos), uma vez que a aspirina e salicilatos podem
farmacológicos pela inibição da síntese de prostaglandinas
acelerar a excreção destes; álcool, drogas anticoagulantes
e de tromboxanos a partir da acetilação irreversível de
ou anti-inflamatórios não esteroidais, em virtude do risco
COX-1 e COX-2, necessárias para a síntese dos metabólitos
de irritação e hemorragia gastrointestinal.
do ácido araquidônico.

25
Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

Também se deve evitar drogas anti-convulsionantes As concentrações plasmáticas máximas do ácido


(aumentos da concentração plasmática da fenitoína, da mefenâmico, ácido meclofenâmico (e o seu sal de sódio) e
eficácia, e/ou da toxicidade), hipoglicemiantes (aumento do ácido tolfenâmico são atingidas em menos de 2 horas
do efeito hiperglicêmico), antieméticas e corticoides após a administração oral, enquanto o ácido flufenâmico
(ototoxicidade), inibidores da enzima conversora de parece ser absorvido mais lentamente.
angiotensina (diminuição da filtração glomerular e
efeito anti-hipertensivo), laxativas (redução de efeito), A excreção dessas drogas se dá por via urinária e varia
furosemida (toxicidade aumentada), zidovudina (toxicidade em cerca de 52% de uma dose de ácido mefenâmico, 51%
aumentada), metotrexato (toxicidade aumentada), para o ácido flufenâmico e 70% de ácido meclofenâmico.
vancomicina (toxicidade aumentada), probenecida ou Os valores correspondentes para a excreção fecal são 20%,
sulfinpirazona (efeito reduzido), niacina (rash cutâneo) e 36% e 20 a 30%, respectivamente. A semivida do ácido
vitamina K (não absorção da vitamina). mefenâmico é de 3 a 4 horas, do ácido meclofenâmico
cerca de 3 horas e do ácido tolfenâmico cerca de 2,5
Alguns estudos têm relacionado o uso da aspirina horas. Já o ácido flufenâmico tem uma meia-vida de pouco
com a prevenção de diversos tipos de cânceres, em mais de 9 horas.
especial, ao câncer de mama. Tal ação se deve pelo fato
de que a síntese final de estrogênios é dependente de A interação com a varfarina resulta em aumento da
uma enzima produzida pelo citocromo P450 que, por atividade anticoagulante quando administrada com ácido
sua vez, é estimulado pela PGE2. Como a inibição da via meclofenâmico e com ácido mefenâmico. Tal como acontece
do ácido araquidônico pela aspirina inibe a formação de com outros AINEs, os derivados de ácido antranílico são
PG e, consequentemente, não ocorre a síntese de PG2, contraindicados em pacientes que recebem anticoagulação
a produção de estrogênios (que está relacionada com o oral, devido ao risco de hemorragia gastrointestinal. Seu
desenvolvimento do câncer de mama) é inibida. uso concomitante à aspirina diminui o efeito de ambas as
drogas.
Pacientes sensíveis aos salicilatos também podem
7.7 Derivados do ácido antranílico apresentar reações adversas ao ibuprofeno e fármacos
(fenamatos) relacionados. Tem sido relatado a ocorrência de
hipersensibilidade de pacientes com lúpus ao ibuprofeno.
Os fenamatos são utilizados para o tratamento de A superdosagem pode resultar em crises convulsivas.
dores leves e moderadas, como dismenorreia, osteoartrite
e artrite reumatoide. Estudos revelam que essas drogas
apresentam um breve período de ação e produzem graves 7.8 Derivados do ácido enólico (oxicam)
efeitos colaterais.
Com propriedades analgésicas, antipiréticas e anti-
inflamatórias, os derivados de oxicam possuem meia-vida
prolongada, o que facilita a adesão farmacoterapêutica
pelo paciente, uma vez que somente uma dose diária é
administrada. Seus efeitos colaterais são semelhantes
aos de outros AINEs (irritação gástrica e cefaleia) e seu
principal representante é o piroxicam.

Estrutura química do ácido antranílico.

26
Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

O mecanismo neuroquímico relacionado com o efeito


antipirético do metamizol não é totalmente compreendido,
mas há evidências de que ele atua no centro da regulação
hipotalâmica para reduzir a febre ou a síntese de PGs no
sistema nervoso central. Quanto à ação antinociceptiva,
o efeito antipirético do metamizol ocorre por mecanismos
ainda não identificados. A hipotermia severa pode
ser desencadeada pela dipirona se administrada
concomitantemente à cloropromazina.
Estrutura química do piroxicam.
O metamizol apresenta uma atividade anti-inflamatória
fraca. A literatura relata que esse é mais potente como
7.9 Derivados pirazolônicos (dipirona) analgésico do que como um agente anti-inflamatório,
indicando a redução de hiperalgesia e edema por
Dipirona ou metamizol é um anti-inflamatório não mecanismo que não implica a liberação de substâncias do
esteroidal derivado da pirazolona, com atividade analgésica tipo PG.
e antipirética. Seu mecanismo de ação ocorre pela inibição
das enzimas COX que estão relacionadas à síntese dos A atividade anti-inflamatória da dipirona é mais fraca,
precursores das PGs, mas o modo de ação ainda não foi possivelmente porque tem uma baixa afinidade para COX
completamente elucidado. em ambientes ricos em peróxido de hidrogênio, tais como
tecidos inflamados.
Isso porque estudos demonstram que os metabólitos
farmacologicamente ativos do metamizol não foram A dipirona promove um efeito anticoagulante
capazes de inibir a atividade da COX in vitro, como os dependente da dose sobre a agregação plaquetária, por
inibidores da COX clássicos, mas redirecionaram a síntese meio da inibição da síntese de TXA2 em plaquetas.
de prostaglandinas, descartando a inibição da COX pela
ligação ao seu sítio ativo. Existe, ainda, a suposição de Tem sido associado à dipirona o acometimento de
que o metamizol pode ser um inibidor da isoenzima COX- agranulocitose (contagem de granulócitos no sangue
3, capaz de reduzir a síntese de prostaglandina no corno abaixo de 1500/mm3) em alguns pacientes; porém, há
dorsal da medula espinhal. controvérsias devido à baixa incidência na população (0,2
a 2 casos por milhão de pessoas/dia de uso). Todavia, o
uso da dipirona em alguns países da Europa e nos Estados
Unidos da América foi banido por volta dos anos 1970.

Estudos relatam ainda náuseas, vômito, dor abdominal,


deficiência/insuficiência aguda dos rins, nefrite instersticial
aguda em pacientes com histórico de doença renal,
hipotensão arterial, sintomas do SNC (vertigem, sonolência,
Estrutura química da dipirona (metamizol). coma, convulsões) e do sistema cardiovascular (queda
da pressão arterial, choque, arritmia cardíaca), além de
reações em pele e mucosa, incluindo síndrome de Steven-
Johnson e síndrome de Lyell.

27
Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

associado ao sódio (diclofenaco de sódio) ou ao potássio


7.10 Derivados do ácido indolacético
(diclofenaco potássico).

A indometacina é o principal representante da classe


dos indóis. É indicada para o tratamento de artrite
reumatoide, osteoartrite, alterações musculoesqueléticas
(bursite, tendinite, sinovite) e dismenorreicas. Possui
meia-vida prolongada, sendo metabolizada no fígado, e
excretando-se 60% da dose pela urina. Além disso, essa
substância está presente também no leite materno.

Estrutura química do diclofenaco de sódio.

Estrutura química da indometacina.

Deve ser administrada após a alimentação, a fim de


Estrutura química do diclofenaco potássico.
evitar irritação gástrica. Doses maiores do que 200 mg/
dia aumentam o risco de efeitos adversos. Devido a
esses efeitos colaterais, como cefaleia, náuseas, vômito, O pico de concentração médio dessas substâncias
efeitos hematológicos e vasoconstrição coronariana, essa ocorre nos primeiros 90 minutos após a ingestão de um
substância não é útil para o manejo inicial da dor. comprimido de 50 mg, em que metade do diclofenaco é
metabolizado durante sua passagem pelo fígado (efeito de
O ácido acetilsalicílico pode diminuir os níveis primeira passagem). Alimentos não apresentam interação
plasmáticos de indometacina, enquanto a probenecida relevante na absorção e na disponibilidade sistêmica da
os eleva, sendo necessária a diminuição da dose no droga.
tratamento concomitante. A indometacina pode diminuir
a ação anti-hipertensiva de betabloqueadores, diuréticos Sua biotransformação ocorre principalmente por
tiazídicos, da furosemida e do captopril, além de aumentar hidroxilação e metoxilação simples e múltipla, resultando
a ação dos hipoglicemiantes orais. em vários metabólitos fenólicos, cuja maioria é convertida
a conjugados glicurônicos.

7.11 Derivados do ácido fenilacético


Seus efeitos adversos acometem cerca de 20% dos
pacientes, dada sua toxicidade sobre vários sistemas.
O diclofenaco, um sal derivado da estrutura do
Podem ocorrer distúrbios gastrointestinais, que podem
ácido 2-aminofenilacético, é um inibidor não seletivo
ir do desconforto abdominal a úlceras, chegando ao
da cicloxigenase, que consequentemente diminui a
sangramento, perfuração ou ao óbito, elevação dos níveis
biodisponibilidade do ácido araquidônico. É comercializado
séricos de aminotransferases, que, por sua vez, elevam os
índices de toxicidade, decorrentes da inibição da COX-1.

28
Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

Estima-se que 10 a 60% dos pacientes apresentam moléculas. O resultado da elevação da concentração local
dispepsia, e que 5 a 10% interrompem o tratamento contribui para o efeito colateral mais comum dos AINEs,
devido aos sintomas (dor abdominal, náusea e vômitos) a saber, o desconforto gastrointestinal. Essas drogas
ou, ainda, utilizam outros fármacos para alívio de tais sofrem biotransformação hepática e apenas uma pequena
sintomas, como os antagonistas de receptores H2 e percentagem da dose é excretada inalterada.
os inibidores da bomba de prótons da célula parietal,
que reduzem a secreção gástrica de ácidos, tais como Dentre seus derivados, somente o carprofen, o
omeprazol, ranitidina, cimetidina e lansoprazol. cetoprofeno e o ácido tiaprofênico sofrem circulação
enterro-hepática, de forma que 30 a 40% da dose é
Os AINEs podem induzir ou agravar a hipertensão arterial excretada na bílis.
ou provocar insuficiência renal, síndrome nefrótica, necrose
papilar e outras formas de doença renal. São conhecidos A maior parte dos derivados de ácido arilpropiônico e
os efeitos hematológicos, que incluem granulocitose, os seus metabólitos são excretados quase inteiramente na
neutropenia, anemia hemolítica ou aplástica. Eles podem urina, apesar de cerca de 20 a 40% de uma dose de ácido
causar cefaleia, confusão, parestesia ou hepatotoxicidade. tiaprofênico carprofeno ser excretado nas fezes.
Os riscos são ainda maiores para pacientes acima do 60
anos, pois esses são mais suscetíveis a complicações Poucas interações medicamentosas clinicamente
severas, uma vez que acompanham linearmente a idade. significativas estão associadas com a administração
concomitante de derivados do ácido arilpropiônico e
outras drogas. A administração conjunta de naproxeno
7.12 Derivados do ácido propiônico
e hipoglicemiante pode resultar em aumento do efeito
hipoglicemiante. Assim como os demais AINEs, estas
As drogas derivadas do ácido arilpropiônico possuem
substâncias são contraindicadas a pacientes que tomam
mecanismo de ação por meio da inibição das COX, com
anticoagulantes orais, pois há risco de hemorragia
ação semelhante à da aspirina, devido aos seus efeitos
gastrointestinal.
analgésicos, antipiréticos e anti-inflamatórios, com a
vantagem de não produzirem irritação gástrica.
7.13 Derivados do aminofenol, para-
aminofenol e anilina (paracetamol)
Assim como a aspirina, o paracetamol (acetaminofeno)
é uma das drogas analgésicas e antipiréticas mais
utilizadas.

Estrutura química do ácido arilpropiônico. É indicado para aliviar dor ligeira a moderada e como
antipirético. Entretanto, essa droga proporciona apenas
Os derivados do ácido arilpropiônico são, geralmente, alívio sintomático, sendo preciso terapia adicional para
quase totalmente absorvidos pelo intestino delgado tratar a causa da dor ou febre, quando necessário, com
superior após a administração oral, e possuem alta a vantagem não apresentar efeito sobre a agregação
biodisponibilidade. Trata-se de ácidos orgânicos fracos, plaquetária.
com um pKa de cerca de 4 a 5.

No estômago, onde o pH é inferior a esse valor, as


drogas são capazes de se difundir facilmente através das
membranas biológicas, pois não ocorre ionização das

29
Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

Algumas formulações disponíveis comercialmente de


acetaminofeno contêm sulfitos que podem causar reações
alérgicas, incluindo anafilaxia e episódios asmáticos
menos graves ou com risco de vida, em indivíduos mais
sensíveis. A prevalência global da sensibilidade ao sulfito
é desconhecida, mas parece ocorrer mais frequentemente
Estrutura química do paracetamol (acetaminofeno). em indivíduos asmáticos do que em não asmáticos.

O mecanismo de ação dessa droga se dá pela inibição Erupções cutâneas (eritematosa ou urticária) e outras
de COX periférica, e seus efeitos analgésicos ocorrem pela reações alérgicas podem ocorrer ocasionalmente.
inibição da síntese de prostanoides no sistema nervoso
central. Os efeitos antipiréticos são semelhantes ao da A administração concomitante de acetaminofeno com
aspirina, reduzindo alterações na temperatura corporal por anticoagulantes orais (especialmente quando administrados
pirógenos ao inibir a síntese de PG. em doses elevadas ou por períodos prolongados) pode
potenciar os efeitos do anticoagulante oral, apesar de não
Seu uso é indicado quando a terapia com aspirina é exercer efeito direto sobre a agregação plaquetária.
desaconselhável, como em pacientes que fazem uso
de anticoagulantes ou agentes úricos, pacientes com Com anticonvulsivantes (incluindo fenitoína, barbitúricos
hemofilia ou outros problemas de sangramento, e aqueles e carbamazepina), pode aumentar a toxicidade hepática
com doença gastrointestinal superior ou intolerância ou induzida por acetaminofeno, devido ao aumento da
hipersensibilidade à aspirina. conversão do fármaco para metabólitos hepatotóxicos.

O paracetamol é uma droga relativamente não tóxica


7.14 Derivados da sulfonanilida
quando utilizada em doses terapêuticas. Todavia, o
uso combinado com outros medicamentos (como anti-
A principal droga anti-inflamatória derivada da
histamínicos, descongestionantes nasais e agonistas
sulfonanilida é a nimesulida, um fármaco anti-inflamatório
opiáceos) deve ser evitado ou realizado somente sob
não esteroide pertencente à classe das sulfonanilidas,
orientação médica.
com propriedades antipiréticas, anti-inflamatórias e
analgésicas.
Em muitos países, como Reino Unido, Índia, Dinamarca
e Estados Unidos, o paracetamol é o agente farmacológico
que mais causa intoxicações por superdosagem. Apesar de
não apresentar os efeitos gastrointestinais que a aspirina
provoca, é capaz de promover danos hepáticos e falência
renal.

Trata-se de uma droga rapidamente absorvida pelo


intestino, pois o pico de concentração sérica ocorre em Estrutura química da nimesulida.
1 a 2 horas após sua administração. Vinte por cento da
droga ingerida é metabolizada no intestino e o restante
sofre biotransformação hepática. A hepatotoxicidade pode Sua principal característica é a boa tolerabilidade
ser resultante de ingestão excessiva única ou múltiplas. gástrica, sendo utilizada no tratamento em curto prazo de
Indivíduos que fazem uso do álcool também apresentam doenças inflamatórias. Apresenta pKa em torno de 6,5 e
hepatotoxicidade aumentada. pode se comportar como ácido ou base fraca em função

30
Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

do solvente, sendo praticamente insolúvel em água, o que


confere a esse fármaco alta permeabilidade.

É absorvida pelo trato gastrointestinal após 2 a 3 horas


de sua administração, e sua concentração plasmática
máxima é de 3 a 4 μg/mL para dose única de 100 mg. O
tempo de meia-vida dessa droga varia de 2 a 5 horas.

A nimesulida é quase completamente metabolizada e


50% da droga é eliminada pela urina. Apenas 1 a 3% da
dose é eliminada na forma inalterada e cerca de 29% da
Estrutura molecular do celecoxib.
dose é eliminada nas fezes.

É considerada um medicamento seguro, uma vez


que não há relatos na literatura de riscos para humanos;
entretanto, é contraindicada para pacientes com distúrbios
de coagulação, disfunção renal ou hepática e úlcera
péptica.

7.15 Anti-inflamatórios seletivos para


COX-2
Nos últimos anos, diversos medicamentos surgiram
no mercado farmacêutico para o tratamento de doenças
inflamatórias, como artrite reumatoide e osteoartrite. A
Estrutura molecular do lumiracoxib.
busca por novas drogas buscava medicamentos capazes
de inibir ou reduzir os efeitos colaterais dos AINEs clássicos
sobre o TGI.
Os derivados das quinolonas, representado pelo
celecoxib são anti-inflamatórios capazes de inibir a
Com isso, surgiram os AINEs seletivos para COX-2,
atividade da COX-2, reduzindo a formação de precursores
como celecoxibe (Celebra®, Pfizer), rofecoxibe (Vioxx®,
de prostaglandinas. Devido a essa característica, possui
Merck) e lumiracoxibe (Prexige®, Novartis).
menor risco de eventos adversos gastrintestinais em
comparação com outras drogas anti-inflamatórias.
Entretanto, dentre essas drogas, o rofecoxibe (Vioxx®)
e o lumiracoxibe (Prexige®) foram retirados do mercado
O celecoxib apresenta, ainda, ação analgésica e
devido ao elevado risco cardiovascular, associado ao seu
antipirética. Sua meia-vida é cerca de 11 h. É metabolizado
uso crônico (por mais de 18 meses) e à formação de
no fígado e sua eliminação é feita pelo metabolismo
metabólitos tóxicos.
hepático. Aproximadamente 57% e 27% da dose é
eliminada nas fezes e na urina, respectivamente, sendo
Apesar de ainda estar disponível no mercado
que o principal metabólito eliminado é o ácido carboxílico.
farmacêutico, o celecoxibe (Celebra®) apresenta menor
seletividade por COX-2, quando comparado a outros
fármacos de ação semelhante.

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Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

Menos de 3% é excretado nas fezes e na urina, de Dentre os pacientes que fizeram uso de colchicina,
forma inalterada. A máxima concentração plasmática é dois terços apresentaram melhora do quadro clínico
atingida após 2 h de sua ingestão. após 48 horas de sua administração; entretanto, todos
apresentaram quadro de diarreia após 24 horas. Além
disso, 80% dos pacientes apresentaram outros efeitos
7.16 Colchicina
colaterais como náuseas, vômitos, diarreia e dor abdominal
depois da administração oral e antes da melhora clínica.
A colchicina é um alcaloide utilizado no tratamento da
A toxicidade dessa droga é dose-dependente, com uma
artrite gotosa. Os casos de envenenamentos por colchicina,
margem estreita de segurança. O emprego de altas doses
embora incomuns, estão associados à alta morbidade e
da droga mostrou-se supressor da medula óssea, e seu
mortalidade. Em altas doses, a substância inibe a divisão
uso prolongado pode resultar em quadros de miopatia.
celular, afetando órgãos com um rápido turnover celular,
como o trato gastrointestinal, fígado e a medula óssea.
Dessa forma, o tratamento de gota aguda com
A colchicina possui ação cardiotóxica direta, com o
colchicina necessita de uma minuciosa avaliação clínica, a
agravante de que pacientes que apresentam alterações
fim de se estabelecer qualidade no tratamento.
hemodinâmicas possuem pior prognóstico.

Essa substância não possui influência no processo de 7.17 Alopurinol


excreção renal de ácido úrico ou em sua concentração
plasmática. Ela pode ligar-se às proteínas microtubulares O alopurinol é o fármaco com maior índice de
(tubulina), interferindo nos fusos mitóticos para induzir a prescrição para o controle de hiperuricemia associada à
despolimerização e desaparição dos microtúbulos fibrais gota. Seu uso clínico iniciou-se em 1956 como adjuvante
nos granulócitos e outras células móveis. da 6-mercaptopurina no tratamento da leucemia, porém
foi observado em pouco tempo que possuía efeitos
Portanto, sua ação está relacionada à diminuição da hipouricemiantes, e a partir de 1963 passou a ser utilizado
migração de granulócitos para a área inflamada. Essa para essa finalidade.
resposta reduz a liberação de ácido láctico e de enzimas
pró-inflamatórias, que ocorre durante a fagocitose. A O alopurinol reduz a quantidade de ácido úrico no
colchicina é absorvida com rapidez e o pico plasmático sangue e na urina, diminuindo a velocidade com que o
de concentração aparece entre a primeira meia hora e 2 organismo produz ácido úrico. É o melhor remédio para a
horas após. maior parte das pessoas com gota que precisam controlar
o ácido úrico por medicamentos.
A droga e seus metabólitos são encontrados em altas
concentrações no TGI, na bile e em secreções intestinais, A ação farmacológica dessa substância está
podendo ser detectada no sangue e na urina até nove dias relacionada com atividade adenosinérgica, ou seja, inibe
após sua administração. a xantina oxidase, enzima responsável pela produção de
ácido úrico, sendo utilizado como agente hipouricêmico.
No Brasil, essa droga foi retirada da lista de O tratamento deve ser iniciado com uma dose de 50 a
medicamentos essenciais (RENAME) em 2006. Isso 100 mg/dia, podendo ser, quando necessário, aumentado
ocorreu pelo fato de haver poucas evidências clínicas bem progressivamente até 300 mg/dia.
definidas que demonstrassem a efetividade da colchicina
no tratamento dos ataques agudos ou crônicos. Os efeitos adversos mais frequentes (> 1%) são
exantemas, diarreia, náuseas, aumento das transaminases
e fosfatase alcalina séricas. Já os efeitos menos frequentes

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Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

representam menos de 1%, incluindo neuropatia periférica,


vômitos, hepatite tóxica, agranulocitose, cefaleias,
insuficiência renal aguda, e reações cutâneas como a
síndrome de Stevens-Johnson ou a síndrome de Lyell.

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Farmacologia e farmacoterapia da dor, inflamação e distúrbios reumáticos

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