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REUMATOLOGIA

BÁSICA
PARA
ESTUDANTES

Thelma L Skare

ANO 2019

Faculdade
Evangélica
Mackenzie do PR
SUMÁRIO
1 Noções básicas de imunologia 1
2 Noções básicas de anatomia e fisiologia articular 36
3 Abordagem do paciente com queixas reumatologicas 45
Atlas de exame físico em reumatologia 56
4 Antiinflamatórios não hormonais 72
5 Glicocorticoides 83
6 Outros medicamentos em Reumatologia 93
6.1Tratamento da dor 106
6.2 Acupuntura no tratamento da dor 109
7 Laboratório em reumatologia 110
8 Noções de imagens em reumatologia 122
9 Diagnóstico diferencial de monoartrites 133
10 Diagnóstico diferencial das poliartrites 136
11 Artrite reumatoide 140
11.1 AR e aterogenese acelerada 162
11.2 Síndrome de Felty 162
12 Lupus eritematoso sistêmico 164
12.1 Lupus por droga 185
12.2 Lupus e infecção 187
13 Esclerodermia 189
13.1 Fenômeno de Raynaud 204
13.2 Fasciite eosinofílica 211
12.4 Doença por adjuvante (ASIA) 212
14 Sìndrome de Sjögren 214
14.1 Doença por IgG4 219
15 Polimiosite e dermatomiosite 220
16 Doença mista do tecido conjuntivo 231
17 Sindrome do anticorpo antifosfolipide 234
18 Gravidez e doenças reumáticas sistemicas 242
18.1- drogas antirreumáticas e gravidez 245
19 Outras vasculites 249
19.1- Polimialgia reumática 260
20 Espondiloartrites conceitos gerais 261
21 Espondilite anquilosante 267
22 Artrite psoriatica 274
23 Artrite Reativa e das doenças inflamatórias intestinais 279
24 Microcristalinas 285
25 Sépticas 306
25.1- Manifestações reumáticas da SIDA 318
26 Dor lombar 322
26.1- dor lombar e afastamento do trabalho 334
27 Dor cervical e cervicobraquialgia 356
28 Reumatismo de Partes moles 346
28.1- Lesão por esforço repetitivo 354
29 Fibromialgia 356
29.1- dor miofascial 361
30 Osteoartrite 362
31 Doenças do metabolismo ósseo 373
Doença de Paget 397
32 Febre reumática 400
33 Artrite idiopática juvenil 406
33.1 Doença de Still do Adulto 410
33.2 Colagenoses na infância 410
34 Manifestações oftalmológicas das doenças reumáticas 410
35 Manifestações dermatológicas das doenças reumáticas 428
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Capítulo 1 - Revisão em imunologia

No sentido de facilitar o entendimento dos mecanismos envolvidos na patogênese das


doenças reumáticas, muitos das quais ligados a desordens do sistema imune, é necessário que
façamos uma revisão sumária do funcionamento deste sistema e das leis gerais que o regulam.
Não estamos nos propondo, aqui, a esgotar o assunto, nem a rever imunologia em todos os seus
aspectos. O conteúdo é básico e o mínimo necessário para que você possa acompanhar os
assuntos descritos mais adiante.
Imunologia tem fama de assunto aborrecido e difícil... Longe disto! Complexo talvez,
muitas vezes por culpa do nosso conhecimento parcial da situação, o que nos leva a elaborar
hipóteses complicadas para explicação do desconhecido. Além disso, temos uma verdadeira
mania de classificações e de usar nomes sofisticados. Mas, o que ninguém pode negar, é que
imunologia é fascinante...
Prometo ser o mais simples possível.

INTRODUÇÃO

Para começar, imunologia é um ramo da biologia que se dedica ao estudo das reações
de defesa que conferem resistência aos elementos patogênicos.
Todos os organismos vivos são capazes de resistir a elementos patogênicos embora nem
sempre o façam da mesma maneira. Elementos biologicamente mais simples dispõem de
sistemas de defesa que também são mais simples. Já os mais complexos, dispõem de
mecanismos mais sofisticados e mais eficientes, num acompanhamento da evolução de suas
capacidades.
O ser humano possui um sistema imunológico que pode ser divido em dois grandes
grupos: o chamado sistema inespecífico e o específico ou antecipatório. Ser inespecífico é a
grande vantagem e, também, a grande desvantagem do primeiro grupo. Ele consta de um
sistema de defesa que já está pronto para enfrentar qualquer tipo de situação de alarme. Não
interessa quem é o inimigo. Seu ponto forte é a rapidez de início de ação. Todavia, como ele não
sabe contra quem vai atuar, ele trabalha em linhas gerais... e por isso pode não ser lá tão
eficiente. É uma “bomba” em cima de região inimiga. Destrói toda e qualquer coisa que
encontra, podendo, muitas vezes, atacar componentes que não deveriam ser atacados, no
famoso “fogo amigo”. São vários os componentes do sistema imunológico inespecífico. O
principal e mais bem estudado é o processo inflamatório, mas, existem, também outros como o
complemento, as barreiras mecânicas, moléculas circulantes como as pentraxinas e a proteína
C reativa e várias formas de células que vêm sendo descritas e que nos fazem ver que, talvez
este sistema possa ser inespecifico, mas tem, também, grandes sofisticações.
Já o segundo grupo, o do sistema imunológico especifico é especializado e inteligente.
Ele faz um reconhecimento de quem é o inimigo e “prepara” um sistema de ataque individual e
eficiente contra o mesmo. Seus grandes componentes são os linfócitos T e B. Entretanto,
conhecer o inimigo e preparar uma arma especial contra ele exige recursos e tempo e, enquanto
o sistema específico não está pronto para entrar em cena, o organismo fica na dependência do
sistema inespecífico para se defender.
Os linfócitos são agentes específicos contra um elemento estranho porque dispõe de
receptores que só reconhecem um determinado tipo de antígeno. A diversidade de produção
de receptores é determinada por codificação genética. Cada linfócito expressa um único gene e
o seu produto, ou seja, um único receptor. Todas as células que derivam deste linfócito-mãe
expressarão o mesmo receptor da célula inicial. Este grupo de células, expressando o mesmo
gene e o mesmo receptor é chamado de CLONE. Ora, pode se entender que, sendo desta
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maneira, cada gene terá que ter o seu linfócito para se expressar. Assim, a população de
linfócitos de um indivíduo mostra-se como um verdadeiro mosaico de clones cobrindo todas as
possibilidades possíveis de encontro com elementos estranhos. Você já imaginou qual a sua
quantidade? Os linfócitos vagueiam pelo organismo em ciclos migratórios exibindo seus
receptores como verdadeiras armadilhas. Quando ele encontra o “antígeno da sua vida”, ele se
divide formando um clone de células iguais para conseguir fazer frente ao invasor e, assim, dar
conta do inimigo. A replicação leva tempo para acontecer, mas pode ser otimizada: num
primeiro encontro ela é mais demorada e leva alguns dias para se completar; em encontros
subsequentes o processo é bem mais rápido. Trocando em miúdos: quando alguém é exposto a
um antígeno, fica melhor protegido contra exposições futuras e este é o fundamento para que
se usem vacinas.
Um problema que nos interessa de perto e que será objeto de atenção especial mais
adiante é o de que as proteínas do próprio corpo podem ser apanhadas nas armadilhas dos
linfócitos ocasionando o que chamamos de autoimunidade. Este ataque deve ser prevenido a
todo custo, tornando os linfócitos tolerantes aos componentes do próprio corpo. Os
mecanismos de tolerância serão discutidos no final deste capítulo.

QUEM É O INIMIGO

Bem... Já vimos que a finalidade do sistema imune é livrar-se de elementos estranhos e


nocivos ao corpo, que chamaremos a partir de agora, de antígenos. Uma substância para ser
reconhecida pelo organismo como antígeno deve ser, antes de tudo, estranha. Isto implica em
que o antígeno pode ser um elemento externo ao organismo, ou, um elemento interno alterado,
como são as células tumorais e as células infectadas por vírus. No entanto, ser estranho, por si
só, não é suficiente. Esta substância deve ter também um tamanho molecular mínimo (quanto
maior, melhor) e ter uma certa complexidade química.
Quase todos os antígenos são substâncias orgânicas. A incapacidade de substâncias
inorgânicas despertarem uma resposta imune talvez se deva ao fato de a maioria ser muito
pequena. Moléculas pequenas (como íons metálicos) só podem funcionar como antígeno caso
elas se liguem a uma proteína carregadora. Nesta situação elas recebem o nome de hapteno.
Outra condição necessária para que uma substância funcione como um antígeno é que ele tenha
um grau de complexidade química. Moléculas muito simples, mesmo sendo grandes (como é o
caso de certos polímeros que se formam pela repetição de um único aminoácido) são
fracamente imunogênicas.
Além destes elementos, a concentração em que ela é administrada e a porta de entrada
da mesma no organismo, influem na capacidade de uma substância despertar resposta imune
ou não. Quando o organismo recebe uma carga muito alta de antígeno ele se torna tolerante a
ele; é como se o sistema imune ficasse "atordoado" e perdesse a sua capacidade de reação. Por
outro lado, se as concentrações do antígeno são muito baixas, o organismo nem "se incomoda"
em responder a ele. Existe, portanto, uma concentração intermediária (que não é nem muito
grande, nem muito pequena) capaz de fazer o sistema imune funcionar com capacidade ótima.
A via de administração é outro elemento que exerce suas influências e isto é,
naturalmente, muito importante quando se leva em conta a administração de vacinas. A
administração por via oral acaba sendo raramente utilizada porque as enzimas digestivas
destroem o antígeno antes de sua absorção. Aliás, é graças a este mecanismo, que os alimentos
normalmente não imunizam uma pessoa. Quando um antígeno é administrado pelas vias
subcutânea, intradérmica ou intramuscular acaba atingindo um linfonodo regional onde é
processado. Se administrado por via endovenosa ou intraperitoneal, acumula-se
predominantemente no baço. Esta diferença de local de processamento talvez seja o
responsável por diferenças nas respostas imunológicas.
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Como já foi comentado anteriormente, não é a molécula inteira do antígeno que reage
com o sistema imune, e, sim, algumas de suas porções chamadas de epítopes ou determinantes
antigênicos.

O SISTEMA IMUNE ANTÍGENO ESPECÍFICO

A grande sofisticação do sistema imune dos seres mais evoluídos fica por conta do
sistema antecipatório ou antígeno específico cujos agentes efetores são os linfócitos T e B.
Quem aprecia um linfócito do ponto de vista morfológico, como células sanguíneas com núcleo
denso, e um pequeno anel citoplasmático, sem nenhuma organela especial, a não ser umas
poucas mitocôndrias, ribossomos e lisossomos, não imagina que células com uma estrutura tão
"vulgar" possam abrigar uma capacidade funcional tão extraordinária. Além disso, essa
população, embora sendo anatomicamente homogênea, possui subdivisões bastante distintas
do ponto de vista de distribuição de trabalho.
A primeira grande divisão dos linfócitos é feita em linfócitos do tipo T e linfócitos B. Os
linfócitos T são assim chamados porque, no seu processo de maturação, devem
obrigatoriamente passar pelo timo. (T=timo). Os linfócitos B são os linfócitos cuja maturação se
processa na medula óssea que seria o órgão equivalente à "bursa de Fabricius" identificada em
aves. (B=bursa).

O LINFÓCITO T - Já sabemos que o linfócito T é um linfócito antígeno específico e que a base


desta especificidade está na presença de um receptor em sua superfície. A finalidade do
receptor é reconhecer um antígeno externo e encaminhar essa informação para dentro da célula
para que ela fabrique substâncias que irão ser as verdadeiras efetoras da defesa.
Este receptor tem, em sua estrutura básica, 2 cadeias: a α (alfa) e a β (beta). Existem,
também, alguns poucos linfócitos que exibem as cadeias γ (gama) e δ (delta), mas só os linfócitos
que tem as cadeias αβ pertencem ao sistema imunológico especifico e é deles que iremos falar
neste capítulo. Comentaremos sobre os γδ mais tarde mas já fique sabendo que eles são do
sistema inespecífico...
Cada uma das cadeias do receptor tem uma porção variável (para reconhecer o
antígeno) e uma porção constante (que se fixa na superfície celular). A estrutura destas cadeias
é geneticamente determinada. Existem genes, melhor falando, famílias de genes para cada uma
destas porções. Com isso dá para entender que, se existem grupos de genes para cada uma
destas porções, a combinação desta variedade toda resulta num número final muito grande de
diferentes receptores. Calcula-se que um único indivíduo pode ter mais de 1.000.000 de clones
de células T diferentes...
O receptor da célula T não consegue reconhecer o antígeno quando ele está sozinho.
Este só passa a ser reconhecido quando for apresentado junto com as moléculas de HLA do
próprio indivíduo. De uma maneira geral, o antígeno é processado por uma célula acessória (na
maioria das vezes, um macrófago, que, quando exerce esta função, passa a se chamar de célula
apresentadora de antígeno) e apresentado ao linfócito T junto com o seu próprio MHC,
estimulando-o.
Repetindo em outras palavras: o macrófago apanha o antígeno, desmonta-o em
pedacinhos menores e expõe todos "os seus segredos" em sua superfície celular junto com o
seu antígeno de histocompatibilidade. O linfócito T que encontra o conjunto é, então, ativado.
Para que ocorra a estimulação do linfócito T é necessário que ambos, o antígeno e as proteínas
do complexo de histocompatibilidade, estejam presentes. Isoladamente, nenhum deles
consegue produzir um estímulo efetivo.
Existe quem comparasse o comportamento do linfócito T ao de um velho gentleman
inglês que segue à risca as regras da etiqueta. Ele sabe que o macrófago expondo o antígeno
quer "falar com ele" e sabe até qual é o assunto, mas não irá até ele a menos que seja
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devidamente apresentado por alguém que conheça a ambos. Quem faz as apresentações? O
antígeno de histocompatibilidade.
Os antígenos solúveis são reconhecidos junto com o HLA classe II; os antígenos virais
junto com os da classe I. Se você lembra o que são HLAs lá do 2º ano, tudo bem! Senão, espere
um pouquinho que vamos rever esta parte também.
Bem, até aqui estava tudo muito fácil, não? Vamos complicar um pouquinho? O
reconhecimento do antígeno ligado ao HLA pela célula T é o início de uma longa conversa entre
estas duas células. Assim que o reconhecimento inicial acontece, o linfócito T expressa várias
moléculas, que vão encontrar os respectivos receptores na célula apresentadora de antígeno.
Estes pares de moléculas são chamados de moléculas coestimulatórias. Existem várias
moléculas coestimulatorias que se ligam como se fossem um zíper – o que é chamdo de sinapse
imunológica. Um desses conjuntos é o da molécula B7 do macrófago que se liga ao CD28 da
célula T. Este par é importante porque ele tem um inibidor, o CTLA4, que é capaz de interromper
o processo de reconhecimento e assim abortar a estimulação do linfócito T. A administração de
CTLA4 exógena vem sendo usado como uma opção de tratamento para artrite reumatoide [é
um medicamento biológico chamado abatacepte. Outro parzinho de moléculas coestimulatórias
bem conhecido é o CD40-CD40L, mas existem muitos outros dos quais não falaremos aqui.
É só após o reconhecimento destes pares de moléculas coestimulatórias que o processo
de ativação do linfócito continua, com a elaboração de interleucina-2. Se não houver este
reconhecimento, o processo já iniciado cessa.
Repetindo: num primeiro momento existe o reconhecimento do antígeno montado no
HLA pelo receptor da célula T. É o primeiro sinal. Num segundo momento, as moléculas
coestimulatórias que aparecem, tanto do lado do linfócito como do macrófago, também se
ligam e formam um verdadeiro zíper que liga as duas células entre si. Este é o segundo sinal.
Lembre-se que o nome disso é sinapse imunológica.

Figura 1.1 Sinapse imunológica

Existem vários subtipos de linfócito T. Esta classificação pode ser feita ou de acordo com
o trabalho que ele executa, ou de acordo com as proteínas que aparecem em sua membrana
ou, ainda, de acordo com o tipo de antígeno de histocompatibilidade que ele reconhece. Preste
bem atenção porque isto causa uma confusão danada...
A primeira classificação é feita de acordo com os receptores de antígeno que aparecem
na membrana e esta é a primeira subdivisão que pode ser notada quando este linfócito está
amadurecendo no timo. Como já foi comentado existem linfócitos com receptores αβ e outros
com receptores γδ. Só os primeiros fazem parte do sistema imunológico especifico e são eles
que se diferenciam mais tarde em linfócitos CD4 e CD8. (CD= cluster of differentiation). Desta
maneira um linfócito maduro αβ ou é CD4+, CD8- ou é CD4- e CD8+, pelo menos em sua grande
maioria. De uma maneira geral os linfócitos CD4 são chamados de T helper e os CD8, de T
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citotóxicos. Durante a apresentação do antígeno os linfócitos T helper reconhecem os antígenos


apresentados com o HLA classe II e os CD8, os apresentados com HLA classe I.
O linfócito T helper pode ser subdividido, mais uma vez, de acordo com as citocinas que
ele fabrica, em linfócitos Th1, Th2, Th17 e T regulador (ou T reg).
Os linfócitos T CD4+ do grupo Th1 são linfócitos que elaboram citocinas que irão ajudar
no combate a bactérias intracelulares. Para entender isto vamos nos lembrar um pouquinho lá
da microbiologia.... Lembra que existem certas bactérias, muito “pilantras” que, ao serem
fagocitadas continuam crescendo dentro do macrófago? É o que acontece com as bactérias da
tuberculose e do mal de Hansen (micobactérias). Isto só é possível porque o vacúolo onde elas
estão não consegue se fundir com os lisossomos - que contém as enzimas que deveriam destruí-
las. O linfócito Th1 “obriga” os lisossomos do macrófago a irem até o vacúolo onde está a
bactéria e despejar o seu conteúdo enzimático. Além disso, estas células Th1 elaboram citocinas
que atraem mais macrófagos. Portanto, as células Th1 são fundamentais para a destruição de
patógenos intracelulares, ou seja, para a imunidade celular.
O segundo subtipo de T helper é o linfócito Th2 o qual auxilia o linfócito B a fabricar
anticorpos. Portanto, a célula Th2 está envolvida na resposta humoral.
Já a célula Th17 é um linfócito que atua contra micro-organismos extracelulares.
A cel T do tipo T reguladora pertence ao sistema de controle da imunidade específica e
é uma espécie de “guardinha” que fica atendendo as demais células para que não “aprontem”
contra o próprio organismo.
Como cada uma dessas células do tipo TCD4 executa essas tarefas? Elaborando
determinado tipo de citocinas. Elas são “madames” que não fazem trabalho braçal... Só mandam
os outros fazerem através da elaboração de citocinas. Citocinas são substâncias solúveis e de
comunicação entre o sistema imune.
Como o linfócito T CD4 escolhe qual tipo de célula ele vai se tornar? De novo, por causa
das citocinas circulantes... Deu para notar que essas citocinas são realmente “poderosas”! No
quadro abaixo estão as principais citocinas que “mandam” na mudança dos linfócitos assim
como as principais citocinas que eles fabricam depois que escolheram o seu subtipo... Veja que
muitas delas atuam dos dois lados, ou seja... atuam na diferenciação do linfócito e também são
elaboradas por ele. Espertinhas, não? Assim o processo faz uma retroalimentação positiva...

FIGURA 1.2 - Subtipos de célula T CD4


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O linfócito T CD8 ou citotóxico é o que, quando ativado, adquire a capacidade de lisar


células alvo, que tem antígenos reconhecidos pelo seu receptor. Ele mata a célula estranha num
verdadeiro “abraço de tamanduá”... Chega pertinho dela, modifica o seu exoesqueleto de tal
maneira que cria uma área de comunicação com a célula alvo -muitas vezes parecida com um
canudinho e, aí, deposita enzimas como granzimas e perforinas que irão lizar esse alvo.
Vamos voltar, agora, lá ao encontro do linfócito T com o antígeno de sua vida. Quando
ocorre esta ligação começam a acontecer coisas...
O primeiro sinal de que existe algo de diferente no ar é um fluxo de Ca++ e Na+ de fora
para dentro do linfócito. O interior da célula é normalmente negativo, enquanto que as
superfícies externas são carregadas positivamente. Após a ligação com receptor é como se os
portões da membrana citoplasmática se abrissem e os cátions fossem despejados de acordo
com o gradiente de concentração. À medida que os íons Na+ entram, começam a sair íons H+, o
interior da célula se torna basofílico. Outra coisa notada nesta fase precoce é uma mudança na
composição dos fosfolipídeos da membrana citoplasmática.
Estas alterações iniciais são seguidas por um incremento geral no metabolismo e o que
se vê é, em linhas gerais: aumento geral de síntese de proteínas em 2 horas; aumento do número
de ribossomos em 6 horas; início da síntese do DNA em 24h. Em 30h o linfócito está pronto para
a sua primeira divisão mitótica. Depois desta primeira divisão mitótica, todo o ciclo se repete
por 5 a 10 vezes.
Feito isto, o linfócito muda novamente: alguns deles retornam para a fase de repouso,
outros saem para desempenhar a função imune a que estão destinados. As células que retornam
à fase de repouso embora sejam morfologicamente semelhantes à célula-mãe, são diferentes
do ponto de vista qualitativo, uma vez que, num segundo encontro com o antígeno elas
conseguem responder muito mais ligeiro. São chamadas de células da memória. Já as células
que saem para desempenhar a sua função não conseguem mais se proliferar, nem se
transformar em células da memória. As que não forem "gastas" ao exercer suas funções morrem
em alguns dias após a sua diferenciação. Estas são as células efetoras.
As células T da memória conseguem ser encontrada em todos os tecidos do corpo
humano, num verdadeiro estado de alerta contra o antígeno. AS células T efetoras são dirigidas
para o campode batalha. Já as células T primitivas (ou virgens) só conseguem atravessar o vaso
sanguíneo em um ponto especial das vênulas dos órgãos linfoides, onde existem células
endoteliais altas. Voltaremos a este assunto ao conversar sobre a circulação dos linfócitos.

O LINFÓCITO B - Outro componente do sistema imunológico específico ou antecipatório é a


célula B. Ela é responsável pela formação dos anticorpos ou imunoglobulinas. Da mesma
maneira que a célula T, a especificidade da célula B é dada por um receptor de superfície que,
neste caso, nada mais é do que uma imunoglobulina de superfície. Esta imunoglobulina de
superfície é muito parecida com a imunoglobulina que a célula B secreta como anticorpo,
quando estimulada pelo antígeno.
Os precursores de célula B têm sua origem na medula óssea e podem ir diretamente aos
tecidos linfoides periféricos ou passar pelo fígado, medula óssea, tecido linfoide intestinal ou de
amígdala antes de se tornar uma célula funcionante.
Um linfócito B, ao se diferenciar da célula tronco da medula óssea, é reconhecido como
pré-célula B quando começa a fabricar imunoglobulina M intracitoplasmática. Na fase seguinte
ela passa a exibir imunoglobulina M na sua superfície. Depois disso aparece, além da IgM, a IgD
de superfície. Tudo que acontece até aqui não depende da presença do antígeno, mas a partir
deste estágio a célula já tem a capacidade de responder a elementos estranhos. Se o linfócito B
não encontrar o seu alvo, ele morre em 3-4 dias. No entanto, se ele "for salvo" pelo encontro
com o antígeno, irá se transformar num linfócito B ativado e irá se diferenciar produzindo uma
proporção cada vez maior de imunoglobulina na forma secretada e cada vez menor de
imunoglobulina ligada a membrana. Ao encontrar o antígeno algumas destas células B “trocam
de roupa” ou seja mudam o tipo de imunoglobulina produzido de IgM para IgA, IgG e IgE mas
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para isso esta célula B vai precisar de ajuda das células T helper. Para fabricar a IgM, a celula B
é autônoma e trabalha sem ajuda de ninguém... Por isso ela é a primeira imunoglobulina a ser
fabricada numa infecção. Lembra que, na imunologia, sempre que a gente achava uma sorologia
contra uma gente infeccioso do tipo Ig M queria dizer que era uma infecção recente? É por isso.
A mudança do tipo de imunoglobulina elaborada é regulada pelo linfócito T helper
através deligação das moléculas coestimulatorias, sendo importante aqui, a ligação entre o
ligante de CD 40 (CD40 L) com a proteína de superfície da célula B, que é, no caso, o CD40. Note
que este sistema é o mesmo já abordado na comunicação entre célula apresentadora de
antígeno e linfócito T. Este sistema CD40-CD40L também é importante para regular a
sobrevivência das células B. Existem pessoas com defeitos congenitamente determinados neste
link CD40-CD40L e não conseguem fazer outras imunoglobulinas a não ser a IgM – o que é
conhecido como Síndrome da hiper IgM.
O linfócito B, completamente diferenciado em célula secretora de anticorpo - ou seja-
a célula que é efetora- amadurece e vira plasmócito. Existem basicamente dois tipos de
plasmócitos. Os de vida curta - que trabalham enquanto a infecção está ativa e depois
desaparecem, e os plasmócitos de vida longa – que ficam secretando uma quantidade basal de
anticorpos. É graças a esta célula que, depois de uma infecção, a gente sempre fica “vacinado”
e o título dos anticorpos contra o agente infeccioso nunca retorna ao zero. O plasmócito de
vida longa, em geral, vai se alojar na medula óssea e quando ele resolve “bancar o pestinha”,
pode ficar escondidinho fazendo autoanticorpos!
Algumas destas células B, ao invés de passar a secretar anticorpos, persistem exibindo
a imunoglobulina de superfície e são chamadas de células da memória, as quais sobrevivem por
bastante tempo circulando entre o sangue, linfa e órgãos linfoides. A afinidade das
imunoglobulinas de superfície de uma célula B de memória é bem maior do que aquela do seu
precursor não estimulado e assim o organismo, quando encontra pela segunda vez com um
antígeno, já está capacitada a acionar rapidamente o sistema imunológico especifico.

Acompanhe a diferenciação do linfócito B na figura abaixo .

FIGURA 1.3: História de vida da célula B


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Bem... Já sabemos que a finalidade da ativação do linfócito B é a produção de


imunoglobulinas que são elementos mediadores da resposta imunológica humoral. Os
anticorpos se ligam ao antígeno com a finalidade de inativá-lo ou removê-lo.
No homem, existem 5 diferentes classes de imunoglobulinas que são designadas pelas
letras: A,G,M,E.D. Cada uma destas imunoglobulinas é formada por 2 cadeias pesadas e 2
cadeias leves. Existem cinco tipos de cadeia pesada (uma para cada tipo de imunoglobulina) e 2
tipos de cadeia leve, de tal modo que são possíveis 10 combinações no total. As cadeias leves
(L= light) são chamadas de kappa (k) e lambda (λ), o correspondente, em grego, às iniciais do
nome dos seus descobridores. As cadeias pesadas (H=heavy) são identificadas pelas letras
gregas correspondentes ao nome das imunoglobulinas, ou seja: gama (γ), para IgG; alfa (α) para
IgA; delta (δ) para IgD, mu (μ) para IgM e épsilon (μ) para IgE.
As quatro cadeias que formam a imunoglobulina se ligam entre si por pontes dissulfetos.
Cada uma das cadeias tem uma porção variável (V) e uma porção constante (C). Assim, as cadeias
leves têm uma porção variável (VL) e uma porção constante (CL); as cadeias pesadas também
têm uma porção variável (VH) e uma constante, (CH).
Como o nome sugere, a porção constante é feita da mesma estrutura primária nas
imunoglobulinas do mesmo tipo e subclasse. A porção constante está envolvida nas atividades
biológicas das imunoglobulinas. Ex: CH2 da IgG e CH4 da IgM estão envolvidas na ligação com o
complemento. Isso esta muitobem feito, porque várias células que fazem fagocitose têm
receptores para estas porções - o que facilita o trabalho. Então elas não podem ficar variando
muito, por ai...
As porções variáveis (VL e VH) constituem a região de ligação ao antígeno. Dentro da
porção variável existe uma porção hipervariável chamada idiotipo que é única para cada
molécula de imunoglobulina. Anticorpos contra esta porção são chamados de anticorpos anti-
idiotípicos e ocorrem normalmente durante a resposta imune. Parece que eles geram um sinal
para a célula B "desligar" a sua produção de anticorpos.
Quando uma molécula de imunoglobulina é submetida à digestão por papaína (que age
na região entre CH1 e CH2 conhecida como dobradiça), resultam 2 fragmentos: o Fab (a =
antigen, b = binding) e o Fc (c = crystallizable, mas este c pode também servir para Complemento
uma vez que é esta a porção que se liga ao complemento ou Célula- porque também se liga aos
receptores de fagócitos já mencionados).

FIGURA 1.4 - Estrutura da Imunoglobulina

As principais características das imunoglobulinas estão resumidas no quadro 1.1.


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QUADRO 1.1 - PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS IMUNOGLOBULINAS


Isotipo Cadeia pesada Cadeia leve Ativação do complemento
clássica alternada
IgG 1 2 3 4 e IgG 1,2 e 3 Ig G4
IgM  e + -
IgA 1 2 e - +
IgD  e - +
IgE  e - +

As imunoglobulinas G formam aproximadamente 75% das imunoglobulinas totais do


soro. As classes de IgG, em número de 4 (IgG1; IgG2; IgG3; IgG4) estão numeradas em ordem
decrescente de concentração sérica, sendo a IgG1 encontrada em maior concentração e a IgG4
em menor. Esta imunoglobulina atravessa a barreira placentária e proporciona uma linha
importante de defesa contra infecções durante os primeiros meses de vida do recém-nascido.
Anticorpos do tipo IgG são ótimos no preparo de células e partículas para ingestão pelos
fagócitos, ou seja ,são excelentes opsoninas. Neste caso, a IgG se liga pela porção Fab ao
antígeno e pela porção Fc a um receptor especial para Fc de IgG que existe nos fagócitos. A
seguir todo o conjunto é engolfado pelo fagócito.
A IgG é um anticorpo de resposta secundária, ou seja, quando ocorre uma estimulação
antigênica formam-se primeiro anticorpos tipo IgMs (que são os anticorpos de resposta
primária) e mais tarde IgGs. A maioria dos subtipos de IgG ativa complemento pela via clássica.
A imunoglobulina M circula como um pentâmero, ou seja, como um conjunto de 5
monômeros ligados entre si pela cadeia J. É, como já foi dito anteriormente, um anticorpo de
resposta primária, ou seja, é o primeiro anticorpo a aparecer no organismo após uma infecção.
É, também, o primeiro anticorpo a ser fabricado pelo recém-nato.
A IgM, graças ao fato de ser um pentâmero e portanto, com muitos pontos de ligação
com o antígeno, é eficiente nas reações de aglutinação. Além disso, o seu tamanho grande faz
com que ela tenha tendência para permanecer no espaço intravascular, e, não consiga
atravessar a barreira placentária. Uma das suas principais maneira de agir é através de fixação
do complemento, promovendo lise do antígeno.
A imunoglobulina A é responsável por 10 a 15% das imunoglobulinas do soro, mas é a
principal imunoglobulina das secreções (saliva, lágrima, secreções nasais e gastrintestinais e
leite humano). É especialista em se transportar para áreas do corpo inacessíveis às células
produtoras de anticorpos. Nas secreções a IgA está em sua forma secretória (sIgA), que é um
polímero contendo geralmente dois monômeros, uma peça de junção (cadeia J) e uma
glicoproteína chamada de peça secretória. A IgA fixa complemento via alternativa e tem uma
ação antiviral importante por prevenir a ligação do vírus com as células epiteliais do aparelho
respiratório e gastrointestinal. Ela funciona como uma "cola" grudando os agentes patógenos
todos juntos e impedindo a sua penetração no organismo. Existem duas subclasses de IgA. A
IgA1 que é a principal IgA do soro e a IgA2 que é a prevalente nas secreções. Esta imunoglobulina
é transportada pela placenta para o feto e também secretada pelo leite materno.
A imunoglobulina D é encontrada em concentrações bem baixas e junto com a IgM é o
maior receptor de antígeno de superfície de linfócito B.
A imunoglobulina E também é encontrada em baixas concentrações. Estas Igs têm
receptores especiais em mastócitos e basófilos de tal maneira que, quando ocorre a ligação IgE
com antígenos, estas células liberam o conteúdo de seus grânulos, que são substâncias que vão
promover contratura de musculatura lisa e assim tentar a expulsão de parasitas. Infelizmente,
muitas vezes estas IgE reagem com elementos do meio ambiente como, p. ex., pólen, poeira,
etc e a consequente liberação de material de mastócitos e basófilos é responsável pelo
aparecimento de reações alérgicas.
10

QUADRO 1.2 - PRINCIPAL FUNÇÃO DOS FRAGMENTOS DE IMUNOGLOBULINAS


Fab Fc
Reconhecimento do antígeno IgG  fagocitose
IgM  lise
IgA  neutralização
IgE  expulsão de parasitas

ÓRGÃOS LINFOIDES E CIRCULAÇÃO DOS LINFÓCITOS

Antes de continuarmos, vamos rever um pouquinho sobre os locais de formação dos


linfócitos e o caminho por eles percorrido.
Os orgãos linfoides podem ser divididos em 2 grupos principais: um central (composto
pelo timo, medula óssea e um tecido equivalente a bursa, esta última só bem identificada ana-
tomicamente em aves) e um periférico (formado pelo baço, linfonodos e tecido linfoide
associado à mucosas). Nos órgãos centrais existe maturação das células independentemente do
antígeno; já o antígeno é necessário para que a maturação prossiga nos órgãos linfoides
periféricos. Como já sabemos, o linfócito B inicia o seu processo de maturação na medula óssea
ou órgão equivalente a bursa de Fabricius, de onde sai já com certo grau de diferenciação. A
seguir, ele adentra a corrente sanguínea e pode fixar residência no baço, linfonodos ou em
placas de tecidos linfoides de mucosa (p. ex: placas de PEYER). Se ele não encontrar o seu
antígeno, ele morre. Se o encontrar, já vimos que irá se diferenciar em plasmócitos ou células
da memória. Os plasmócitos fabricam anticorpos por certo tempo e depois também morrem. Já
as células da memória se acumulam na porção central do folículo onde ficam provisoriamente
tempo, e, depois, voltam a recircular, via ducto torácico ou sangue, podendo novamente se fixar
em órgãos linfoides secundários.
Quando existe um segundo encontro com o antígeno, todo o ciclo se repete. Caso isto
não ocorra, elas descansam por um tempo nos tecidos, e, periodicamente, voltam a recircular.
Dá para entender que elas estão “patrulhando” o organismo.
Já as células T quando saem da medula são muito jovens e entram no timo onde serão
amadurecidas. Neste período de amadurecimento elas testam os seus receptores contra
“amostras “ de todos os tecidos do organismo que estão expostas no timo, como se fossem
numa vitrine. Se elas não reagirem contra nenhum deles - elas não servem para nada. Então são
deletadas. Se elas reagirem de uma maneira muito forte também são eliminadas porque serão
autoreativas. Só saem do timo as que reagem “ mais ou menos”. Dá para entender que, se este
sistema falhar, podem sair células T “do mal” que irão favorecer doenças de autoimunidade.
Do timo são carreadas, pela circulação sanguínea, para os órgãos linfoides e tecidos. Da
mesma maneira que acontece com o linfócito B, se estas células não encontrarem o antígeno,
elas morrem. Se, no entanto, forem estimuladas pelo antígeno, elas se dividem em células
efetoras e da memória. Ambas reentram na circulação. A célula efetora vai até o ponto da
infecção e morre lutando; a da memória fica alternando períodos de descanso em órgãos
linfoides com períodos de recirculação.
É interessante saber que, tanto o linfócito T como o B, deixa o vaso sanguíneo para
adentrar nos tecidos em um ponto especial. Normalmente as células endoteliais são achatadas
e finas, mas existem alguns pontos, em vênulas pós-capilares, com células de endotélio altas,
grandes e colunares. É aí que ocorre a passagem dos linfócitos para os tecidos. Linfócitos
maduros contêm moléculas de adesão que permitem a ligação com este endotélio especial.
Feita a ligação, a célula atravessa o vaso, saindo da circulação sanguínea.
Diferentes linfócitos têm diferentes moléculas de adesão o que explica a localização
preferencial de um ou outro tipo de linfócito nas diferentes partes dos órgãos e tecidos. Veja o
que são moléculas de adesão mais à frente quando tratarmos de processo inflamatório.
11

INTERLEUCINAS, CITOCINAS E QUIMIOCINAS

Como já comentado anteriormente interleucinas ou citocinas são substâncias que


servem para a comunicação celular. As células interligadas por estes agentes devem ter
receptores especiais para a citocina em questão e podem pertencer tanto ao sistema
imunológico especifico como inespecífico ou, ainda, serem células que não pertençam ao
sistema imunológico. Quimiocinas, como o nome sugere, atuam como elementos quimiotáticos
sendo responsável pela movimentação celular.
Estas substâncias têm se tornado alvos importantes no tratamento das doenças
reumáticas e existem fármacos que conseguem inibí-las ou ocupar o seu receptor. Por isso,
embora pareça meio chato, é necessário que você guarde as principais.
O grupo mais importante das citocinas pró-inflamatórias é a tríade IL-1, IL-6 e TNFα e
essas três podem ser bem inflamatórias quando estão sozinhas... Imagine só quando se juntam...
Na reumatologia existem medicamentos que inibem o TNFα (infliximabe, etanercepte,
golimumabe, adalimumabe e certolizumabe); que inibem a IL-6 ( tocilizumabe) e a IL-1 ( anakinra
e canaquinumabe). Apesar dos nomes horrorosos eles são ótimos anti-inflamtorios e
imunomoduladores e têm mudado a historia natural de muitas doenças reumáticas.
Aqui vão as principais citocinas:

Interleucina-1 (IL-1): É responsável pela indução da saída de neutrófilos da medula óssea, e,


uma vez que eles estejam circulando, promove a sua marginalização e entrada nos tecidos. É,
portanto, uma das grandes atrizes do processo inflamatório. Em músculo, promove liberação de
prostaglandinas, estimula proteólise e liberação de aminoácidos o que, a longo prazo, resulta
em perda de massa muscular. Em sistema nervoso central promove sonolência, anorexia e pode
agir como pirógeno.
Linfócitos T e B também sofrem ação da IL-1. Neles esta linfocina induz diferenciação e
proliferação, aumenta produção de IL-2, atividade de célula T citotóxica e da natural killer.
A ação da IL-1 está na dependência de sua ligação com receptores específicos. Existe,
também, um receptor “falso” para a IL-1, ou seja, um receptor que se liga com a sua molécula,
mas não passa a informação para a frente, funcionando como um bloqueador. (Faz inibição
competitiva.) Este tipo de receptor é chamado de antagonista de receptor de IL-1 (IL-1-Ra).

Interleucina-6 (IL-6): Age em estádios finais de diferenciação de célula B e induz a formação de


reagentes de fase aguda pelos hepatócitos erguendo as provas de atividade inflamatória como
VHS e proteína C reativa. Ativa proliferação de célula B e T, síntese de imunoglobulina e medeia
alguns dos efeitos da IL-1. A inibição da IL-6 é usada no tratamento da artrite reumatoide do
adulto e é feita através do tocilizumabe.

Fator tumoral de necrose (TNF): é um grupo de substâncias produzidas principalmente por


macrófagos ativados e que promove uma necrose hemorrágica em células tumorais (daí o seu
nome). É ela o elemento responsável direta ou indiretamente (através de liberação de IL-1) pela
febre, recrutamento e ativação dos neutrófilos e monócitos em infecções. O TNF α também é
essencial para a formação de granulomas como os que atuam na defesa contra as micobactérias.
Junto com IL-6 atua no fígado levando à formação dos reagentes de fase aguda. Produção
prolongada de TNF α causa perda de massa muscular e de tecido adiposo ocasionado a caquexia.
Em casos de sepsis por bactérias gram negativas existe produção maciça de TNFα que é o
responsável por alguns dos achados do choque séptico

Interleucina 10: Tem atividade anti-inflamatória porque inibe macrófagos e células dendriticas
ativadas.

Interlecina 4: Estimula a formação de IgE e suprime reações que dependem de macrófagos.


12

Transforming Growth Factor β (TGF-β): Inibe a proliferação e ativação de linfócitos e outros


leucócitos.

Interferons (INF) tipo I: Os principais são os INF α e INFβ. O nome interferon vem da capacidade
que estas substâncias têm de interferir na infecção viral que é a sua principal finalidade.

Interferon tipo II: É o INF γ. Ativa macrófagos aumentando a sua capacidade microbicida; atua
na troca de fabricação de tipo de imunoglobulinas pelo linfócito B e diferencia células T em Th1.

Interleucina 2: É elaborada pelo linfócito T e é um grande fator para o seu próprio crescimento
respondendo pela sua expansão clonal após o reconhecimento do antígeno

Interleucina 17: Tem atuação pró-inflamatória e está associada a processos alérgicos. Induz a
formação de IL-6, GM-CSF, IL-1β, TGF-β, TNF-α, quimiocinas e prostaglandinas.

Existe um grande número de outras citocinas que não serão abordadas aqui, porque isto
escapa ao intuito desta revisão. Para guardar o principal veja que IL-1 IL-6 e TNFα são pró-
inflamatórias e que a IL-10, IL-4 e TGFβ tem atividade anti-inflamatória.
Quando uma citocina se liga ao seu receptor que está na membrana da célula, ela tem
que mandar a mensagem lá para dentro da célula para que, de uma forma ou outra, chegue ao
núcleo e o DNA “tome as devidas providências” para cumprir a ordem da citocina. Para isso ela
vai precisar de “mensageiros” que travessem o citoplasma e cheguem ao núcleo. Por que saber
isso? Porque existem alguns medicamentos que podem inibir alguns esses mensageiros e assim
anular a ordem da citocina. Um desses intermediários é um sistema de enzimas chamado de
JANUS kinases (ou JAKs - para os mais íntimos). Outro grupo é o dos STATs (Systems Transducers
and Activators of Transcription). Os sistemas JAK/STATs podem ser usados por mais do que uma
citocina. Assim é possível, inibindo só um deles, impedir a atuação de várias citocinas ao mesmo
tempo.
Um aparte curioso: o nome Janus das nossas amigas JAKs vem do deus romano JANUS
que deu origem ao nome do mês de janeiro e que era o deus das portas (das entradas, saídas e
das transições). Ele era representado por uma figura masculina com duas faces: cada uma
olhando para um lado: o de dentro e o de fora da porta... A “nossa” JAK olha para a ordem da
citocina que se ligou ao receptor e para as reações que irão ao núcleo aonde se cumprirão as
ordens da dita.

O SISTEMA DO COMPLEMENTO

Microbiologistas descobriram no final do século 19 que existiam algumas substâncias


que deveriam estar presentes no soro de um ser vivo para que os elementos estranhos
pudessem ser efetivamente combatidos. Uma delas - que era estável ao calor - foi chamada de
complemento porque complementava a ação bactericida do anticorpo. Descobriu-se, depois,
que o complemento não era uma substância única e, sim, um verdadeiro time, com pelo menos
20 jogadores.
Normalmente estes componentes estão na forma inativa, mas, a um sinal específico, o
primeiro componente do time se ativa e começa todo o processo, o qual, segundo um
imunologista tem um comportamento muito parecido com o de corridas de bastão. Uma vez
ativado o primeiro componente, este vai até o segundo e "passa o bastão". Este segundo
componente se ativa e corre até o terceiro "passando-lhe o bastão" e assim por diante. O último
membro do time termina a corrida fazendo um buraco na membrana da célula invasora através
da formação do complexo de ataque à membrana.
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Como, de maneira gráfica, a ativação do complemento se assemelha a pequenas quedas


de água, vê-se por aí, o sistema todo sendo chamado de cascata do complemento.
A função do complemento não é apenas lisar a célula cavando buracos na sua
membrana. Ele também contribui de outras maneiras para a eliminação do elemento
indesejável. Alguns dos seus componentes se ligam à partícula em questão tornando-a presa
fácil para o macrófago, ou seja, servindo como opsonina. Outros componentes funcionam como
quimiotáticos, ou seja, atraem fagócitos para o ponto de inflamação.
Uma corrida pode ser iniciada de várias maneiras: com um tiro, uma batida de palmas
ou um comando verbal. Da mesma maneira, a cascata do complemento pode ser ativada por
vários tipos de substâncias. Estas substâncias ativadoras podem ser agrupadas em três classes
principais, que seguem, no início, três caminhos diferentes entre si, mas que acabam por
desembocar em uma via comum e chegar ao mesmo resultado final. Assim, existem elementos
que ativam o complemento VIA CLÁSSICA, um segundo grupo que ativa pela VIA DA MANOSE-
LECTINA e um terceiro grupo que ativa o complemento pela VIA ALTERNATIVA.
Para entender o que vai acontecer na ativação do complemento, preste atenção na
nomenclatura utilizada: (A)- precursores inativos das moléculas são designados por números
que se seguem à letra C (C=complemento). Ex: C1, C2 etc.; (B)- componentes ativados do
complemento são designados por uma barra sobre o símbolo do componente. Ex: C1 etc.; (C)-
fragmentos do complemento resultantes da quebra enzimática são designados por letras
minúsculas seguindo o nome da fração do complemento. Ex. C4a, C3b etc.
Como já foi afirmado anteriormente são três as vias iniciais de ativação do
complemento, as quais desembocam numa via comum, também chamadas de sequência de
ataque terminal. Veja a figura 1.5.

FIGURA 1.5- Vista geral das vias do complemento

A via clássica é assim chamada por ser a primeira a ser descoberta. É uma via de ativação
rápida, eficiente e mais moderna do ponto de vista evolutivo; a via alternativa é uma via
filogeneticamente mais primitiva, mais lenta e menos eficiente. Entretanto, a via clássica para
que seja ativada está na dependência de formação de anticorpos específicos, o que,
naturalmente, leva certo tempo para acontecer. A via alternativa, ao contrário, consegue se
ativar espontaneamente, não dependendo destes anticorpos, mantendo sempre um ritmo
basal, meio baixo de ativação. Já a via da manose-lectina é uma via muito parecida com clássica
só diferindo desta nos momentos iniciais, por não depender da formação de anticorpos. Assim,
frente a uma infecção, a via alternativa e a via do receptor da manose-lectina são as primeiras a
intervir na defesa, o que não acontece com a via clássica, a qual só será funcionante após o
organismo fabricar os anticorpos específicos.
14

Os elementos capazes de ativar cada uma dessas vias são diferentes. A via clássica é
ativada por complexos imunes contendo IgG1, IgG2, IgG3 e IgM e também por diversas
substâncias químicas como proteína C reativa, DNA e enzimas semelhantes à tripsina. A via
alternativa é ativada por complexos imunes contendo certos polissacarídeos como endotoxinas
bacterianas e cápsulas de fungos, membranas de diálise, veneno de cobra e contrastes
endovenosos usados para estudos radiológicos. A via da manose-lectina é ativada por certos
antígenos que têm moléculas com resíduos de manose e outros açúcares que seguem uma
determinada orientação espacial e são encontrados em vários micro-organismos.
Todas as vias convergem para a ativação do componente C3, que é onde se inicia a via
terminal ou comum. Eventualmente a via comum ou terminal pode ser ativada diretamente por
certas enzimas que não fazem parte do complemento, sem a participação das vias iniciais de
ativação.
Será que agente precisa mesmo saber todos os componenetes do complemento? Não
Apenas os principais. Saiba que na via clássica estão C1, C2 e C4. E que o C3 está no início da
comum. Isto é o suficiente para o dia a dia.

FRAGMENTOS DE COMPLEMENTO - Além do complexo de ataque à membrana que é o produto


principal e final da ativação do complemento, vários outros fragmentos formados durante a
cascata de ativação têm atividade biológica. Veja, no quadro 1.3, os principais - os quais podem
ser resumidos como: C3a e C5a são anafilatocinas e o C3b é opsonina.

QUADRO 1.3 - FUNÇÃO DOS PRINCIPAIS FRAGMENTOS DO COMPLEMENTO

 C3a:- anafilatoxina, libera histamina dos mastócitos;


 C3b:- funciona como opsonina, ou seja, favorece a aderência do complexo-imune,
o qual é um prelúdio à fagocitose. Além disso, várias células (eritrócitos, PMNs, e
linfócitos) contêm receptores para este fragmento. Estes receptores ajudam no
transporte do complexo imune até órgãos do SRE onde serão metabolizados. Na
verdade, eles funcionam como verdadeiros ganchos para o complexo imune que
assim se liga às células circulantes e vai de "carona" até órgãos do SRE. O número
destes receptores é altamente variável na população e significativamente reduzido
em pacientes com lúpus;
 C5a:- anafilatoxina, libera histamina dos mastócitos, quimiotático para polimorfo
nucleares e monócitos. Aumenta a produção de moléculas de adesão.

MECANISMOS DE CONTROLE DO SISTEMA DO COMPLEMENTO - A ativação não controlada do


sistema imune é prevenida pela labilidade dos sítios ativados, e, pela dissociação da C3
convertase dependente de tempo e temperatura. Existem também algumas proteínas séricas
que servem para modular e limitar esta ativação, tais como: inibidor de C1; fator I e o fator H.

DOSAGEM DO COMPLEMENTO - Medir o complemento pode ser útil no diagnóstico e avaliação


do grau de atividade de uma doença assim como, da resposta ao tratamento. O resultado da
dosagem do complemento reflete o balanço entre o complemento sintetizado e aquilo que é
consumido. Deve-se lembrar que, no entanto, em certas condições inflamatórias, frações do
complemento têm comportamento de reagentes de fase aguda, podendo, antes de se iniciar o
consumo, ter um nível aumentado. Com isto o valor final após o consumo simplesmente "cai
para um valor normal", podendo dar uma impressão falsa, de que não existe consumo. Além
disso, situações de síntese diminuída, como é a desnutrição severa e a insuficiência hepática
(porque é lá que são fabricados os componentes do complemento), promovem um valor final
baixo, sem que exista consumo.
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No quadro 1.4, algumas das situações associadas com o achado de uma dosagem diminuida de
complemento.

QUADRO 1.4 - CAUSAS DE DIMINUIÇÃO DO NÍVEL SÉRICO DO COMPLEMENTO


HIPOSSÍNTESE: deficiências congênitas, insuficiência hepática,desnutrição
HIPERCATABOLISMO: deficiência de proteínas controles: Ex: deficiências de C1 inibidor;
doenças reumáticas com depósito de complexo-imune : LES,
vasculites AR.
doenças infecciosas: endocardite, hepatite B, sepsis etc
doenças renais: Ex: glomerulonefrites pós-estreptocócica,
membrano-proliferativa e proliferativa idiopática.

Outro aspecto a ser lembrado é a alta frequência de deficiências congênitas de síntese


do complemento, as quais podem ser causa de uma dosagem sérica baixa. Algumas pessoas com
defeito de complemento são normais; outras têm, no entanto, maior incidência de certas
doenças como, por exemplo, o lúpus. Veja alguns exemplos no quadro 1.5. Note como as
deficiências dos componentes iniciais se associam com doenças reumáticas; as demais com
doenças infecciosas.

QUADRO 1.5 - DEFICIÊNCIAS CONGÊNITAS DO COMPLEMENTO E SÍNDROMES ASSOCIADAS


C1q:- glomerulonefrite, poiquiloderma C3:- lúpus-like e glomerulonefrites
congênito C5:- LES, infecções por Neisseria
C1r:- glomerulonefrite, lúpus-like C6:- Infecções por Neisseria
C1s:- lúpus like C7:- LES, AR e infecções por Neisseria
C4:- LES, e síndrome de Sjögren C8:- LES, infecções por Neisseria
C2:- LES, lúpus discóide, Hodgkin e C9:- infecção por Neisseria
glomerulonefrites

Embora os defeitos homozigóticos sejam relativamente raros, os defeitos


heterozigóticos são relativamente comuns.
Quando se pretende avaliar a atividade de uma doença através daquilo que ela está
consumindo de complemento, pode-se proceder à medida do complemento hemolítico total
(CH50) ou dos componentes individuais (os mais usados são C3 e C4). A dosagem do
complemento hemolítico total representa o resultado da atividade de todos os componentes do
sistema, atuando de maneira encadeada, sem especificar se o processo começou via clássica ou
via alternativa.
A dosagem de C3 também está diminuída em casos de ativação de ambos os braços do
complemento, visto que este elemento se situa na via comum. Já o C4, só estará diminuído em
casos de ativação da via clássica e da do receptor de manose-lectina.
Repetindo: uma diminuição de C3, C4 e CH50 indica que está existindo consumo do
complemento via clássica (Ex: LES); uma diminuição de C3 e CH50 com C4 normal indica que
este consumo ocorre em via alternada (Ex: glomerulonefrite, choque endotóxico). Uma medida
de atividade CH50 de zero aponta para deficiência hereditária total de um dos componentes, o
que interrompe a sequência dos eventos totalmente, impedindo que se forme o complexo de
ataque à membrana.

SISTEMA IMUNOLÓGICO INESPECÍFICO.

Bem, já analisamos a parte mais sofisticada do sistema imune que é privilégio dos
animais mais evoluídos. Só que, enquanto ela não age com toda a sua potência, o organismo
fica na dependência de uma defesa não específica, que nem por isso é menos importante e
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espetacular em sua maneira de ação. Além disso, os componentes do sistema não específico
interagem com o específico e funcionam também na limpeza do campo após o final da batalha...
Ou seja- esta divisão entre sistema especifico e inespecífico é coisa feita pelo homem...
totalmente artificial!! Como ninguém avisou o organismo desta classificação, ele atua
misturando as duas...
Os principais componentes do sistema imunológico não específico no homem são
fagocitose, febre, resposta inflamatória e formação dos reagentes de fase aguda. De todos eles,
vamos analisar a fagocitose e a resposta inflamatória, que são os dois elementos que mais nos
interessam.

A FAGOCITOSE- Existem células no corpo humano que circulam no sangue e outros fluidos do
corpo e que migram para áreas onde existam elementos estranhos, com a finalidade de atacar
o intruso. Nesta luta a célula lança mão de várias armas, mas a principal delas é engolir o seu
inimigo. Por isto elas células são chamadas de fagócitos, ou seja, "células que comem".
Muitas células de nosso corpo são capazes de englobar pequenas partículas líquidas ou
sólidas (praticam endocitose), mas só os fagócitos conseguem ingerir partículas maiores
(fagocitose verdadeira) porque dispõe de métodos especiais para isto.
Os monócitos são fagócitos que se originam na medula óssea e têm uma meia vida
circulante de 1 a 3 dias. Quando os monócitos migram para o espaço extracelular eles passam a
se chamar de macrófagos, podendo ter nomes especiais conforme o local em que se encontrem,
como por exemplo: células de Küpffer no fígado, micróglia no SNC, macrófagos alveolares no
pulmão, etc... Existe um conceito por aí, de que os macrófagos são os maiores "comilões" do
organismo, o que não é verdadeiro. Embora eles estejam sempre a postos e por isto são as
primeiras células a se ver frente a frente com o inimigo (acabando, por isso, por ingerí-lo), matá-
lo por digestão intracelular não é o seu forte ficnado esta tarefa para os granulócitos. Seu
principal papel parece ser o de sentinela, avisando da presença do inimigo, e, através da
secreção de substâncias, atraindo outros fagócitos mais eficientes. Durante os períodos de paz
estas células servem para ingerir restos celulares e partículas inertes numa operação de limpeza.
O grande fagócito do organismo é o neutrófilo, o qual dispõe de métodos altamente
sofisticados para a digestão de antígenos. O único problema é que ele é "meio ceguinho", ou
seja, tem pouca habilidade intrínseca para distinguir o que é um antígeno daquilo que é próprio
do organismo e, para a seleção do seu alvo, está na dependência de outros elementos do
sistema imune. Se a identificação for inapropriada, a ação destrutiva dos neutrófilos pode se
fazer contra elementos do próprio organismo.
Os eosinófilos são também bons fagócitos e seus pratos preferidos são invasores de
grande porte como os parasitas. Os basófilos provavelmente não têm muita importância na
fagocitose, ou, pelo menos a gente, não sabe disso
Quando um fagócito não está envolvido com invasores ou com a limpeza dos próprios
restos celulares diz-se que ele está em estado de repouso andando para lá e para cá, com seu
metabolismo em nível basal. Para que ele comece a funcionar deve passar para um estado
ativado, o que acontece quando ele recebe estímulos, via receptores de membrana
citoplasmática, que transmitem sinais de ativação para citoplasma e núcleo. Só os eosinófilos
parecem estar sempre num estado de agitação crônica. Eles têm um nível basal de resposta que
os outros fagócitos não têm, só que, quando recebem sinal de ativação, não conseguem ficar
tão ativados quanto os outros.

Está servida a refeição ... Houve um imunologista que disse que “os fagócitos não engolem os
micróbios a menos que alguém passe manteiga neles”. Ora, a manteiga nada mais é do que a
opsonina, uma substância que, como já vimos anteriormente, facilita a fagocitose. Existem 3
tipos de opsoninas:
1. - os anticorpos IgG (porção Fc);
2. - a fração C3b do componente C3 do complemento;
17

3. - certos carboidratos e proteínas que se ligam a carboidratos como, por exemplo, manose,
fucose e resíduos de glicoproteínas.
O fagócito dispõe de receptores para a porção Fc da IgG e para o complemento (CR). O
terceiro grupo de opsoninas se liga à superfície do fagócito por reações químicas com
oligossacarí-deos da membrana citoplasmática.
Agora pare e pense bem ... Não é um paradoxo que, um sistema imune não
antecipatório que, supostamente tem que dar conta do inimigo já nos primeiros estágios de
infecção, dependa da formação de um anticorpo para funcionar como opsonina, o qual, por sua
vez, é um elemento do sistema antecipatório?
A melhor explicação para isto é a de que o fagócito se utiliza de um mecanismo
alternativo a opsonização, além de ser capaz de fagocitar bactérias não opsonizadas. As
bactérias sem cápsula são passíveis de fagocitose sem opsonização porque têm uma superfície
hidrofóbica que permite um contato direto com a membrana do fagócito. Já as capsuladas são
altamente hidrofílicas e repelem os fagócitos que se aproximam. Aliás, foi exatamente para se
livrar dos fagócitos que estas bactérias desenvolveram cápsulas... O mecanismo alternativo à
opsonização seria aproximação entre fagócito e bactérias via interação de lecitina e
oligossacarídeos. Outras possibilidades são a fagocitose de bactérias opsonizadas por
complemento ativado via alternativa e, finalmente, opsonização com anticorpos já existentes
que porventura reajam com alguns dos componentes existentes nas bactérias em questão, em
geral elaborados pelas células B1.

A fase da digestão... Depois que a partícula se fixa na membrana do fagócito ela é engolfada
formando uma vesícula, o fagossomo, que nada mais é do que uma bolsa formada ao redor do
elemento estranho, às custas de membrana citoplasmática. O citoplasma dos fagócitos está
repleto de pequenos vacúolos que estão cheios de enzimas. Esses vacúolos se chamam grânulos
nos neutrófilos e lisossomos nos macrófagos; a principal diferença entre elas está no seu
conteúdo enzimático. Os grânulos e os lisossomos estão se movendo livremente e sem direção
definida dentro da célula. Assim que o vacúolo fagocítico começa a se formar estes grânulos
colidem com o fagossomo e se aderem a ele despejando todo o seu conteúdo (e formando um
fagolisossomo). De verdade, o esvaziamento do conteúdo enzimático para dentro do fagossomo
começa quando ele ainda não se fechou completamente e pode existir escape de enzimas para
o meio extracelular, naturalmente, com todo o potencial de lesão do mesmo.
Uma das consequências da degranulação é a acidificação do fagossomo, a qual facilita a
morte do organismo ingerido. Além da bactéria não conseguir sobreviver em meio ácido, muitas
das enzimas funcionam melhor neste meio.

O que fazer com as sobras... Sempre que o fagócito destrói o elemento invasor aproveita muito
da sua matéria prima, como por exemplo, aminoácidos, açúcares e nucleotídeos, os quais são
reutilizados no metabolismo da célula. O problema é com os restinhos indigeríveis. Para eles, o
fagócito tem 3 opções possíveis, que são: a defecação, a indigestão ou a morte. Se ele optar pela
primeira possibilidade, irá despejar no meio extracelular não só os restos indesejáveis como
também muitas enzimas potencialmente danosas. A segunda alternativa leva o fagócito a
estocar material indigerível dentro dos lisossomos, os quais se fundem e formam uma grande
vesícula cheia de lixo. Optando por esta possibilidade o fagócito fica "cronicamente constipado"
e isto também não é bom para o organismo. Na última opção, o fagócito acumula o material
indesejável em tantos quantos vacúolos ele conseguir e, após isto, ele morre. O "cadáver" é
expelido do corpo na forma de secreções purulentas etc... Esta última forma de opção parece
ser a mais adequada e a mais frequente.
Quando uma célula exerce a fagocitose, segue-se um pico de consumo de oxigênio por
esta célula. Este consumo de oxigênio não tem nada a ver com o processo respiratório o qual é
executado pelas mitocôndrias. Na realidade, ele depende de um conjunto de enzimas - o
complexo NADPH oxidase, que existe na membrana da célula (e também na membrana do
18

fagossomo, a qual é a própria membrana da célula invaginada). A finalidade deste conjunto de


reações é converter oxigênio molecular em ânion superóxido, peróxidos, oxigênio singlet e
radicais hidroxilas. Destes, os 3 primeiros representam radicais de oxigênio livre; o radical
hidroxila não é um radical de oxigênio livre mas também é altamente reativo. Devido a este alto
grau de reatividade, estas substâncias são altamente tóxicas, atacando as partículas que são
ingeridas. O ânion superóxido, por ser uma substância altamente instável, não tem tempo de
participar deste ataque, mas se transforma em outros radicais de oxigênio livre que serão os
elementos ativos. O peróxido de hidrogênio é um agente germicida bem conhecido e sua
atividade aumenta ainda mais quando reage com agentes halogenados. Da interação com
cloretos, por exemplo, resulta a formação do ácido hipocloroso que é, também, agente
bactericida.
Ao contrário dos elementos oxidantes, os quais têm vida curta e são incapazes de
selecionar seu alvo, as enzimas proteolíticas contidas nos grânulos permanecem ativas por um
longo período de tempo e se dirigem para um substrato selecionado, podendo catalisar uma
mesma reação diversas vezes. Os grânulos dos neutrófilos contem um grande número de
enzimas, porém 3 delas nos interessam de perto pelo grande potencial de destruição tissular: a
elastase e duas metaloproteinases (a colagenase e a gelatinase). Não deixa de ser interessante
notar o fato de que enzimas como colagenases e gelatinases são liberadas como pró-enzimas
(inativas) e necessitam de exposição aos radicais de oxigênio livre para a sua ativação.
Os grânulos dos eosinófilos têm várias enzimas com propriedades anti-inflamatórias
como histaminase, arilsulfatase e fosfolipase D e, por isso estas células parecem desempenhar
um fator regulador no término do processo inflamatório.
Quanto aos basófilos, as suas funções não são bem compreendidas. Acredita-se que
mediadores liberados pelos basófilos aumentem a permeabilidade vascular e assim melhore a
entrega de outros elementos da resposta imune. Os basófilos têm em sua superfície receptores
para IgE, C3a e C5a. A ligação de receptores para IgE com a imunoglobulina e a ligação desta
com o antígeno pode levar a liberação de seus grânulos que são ricos em histamina, proteases
neutras e mediadores da resposta de hipersensibilidade imediata (anafilaxia).

A NETOSE – Embora a função mais conhecida de um neutrófilo seja a de eliminar o elemento


estranho por digestão enzimática, descobriu-se recentemente que estas células são, na
verdade, muito mais sofisticadas do que parecem à primeira vista. Uma dessas descobertas
mostra que o neutrófilo é capaz de eliminar microorganismos, formando uma rede com a sua
própria cromatina (DNA + histona) misturada com suas enzimas lisossômicas. A cromatina pode
se originar do seu núcleo ou das mitocôndrias. Esta rede tem um aspecto de “teia de aranha”
na qual os microorganismos ficam presos e são eliminados. Isto acontece mais comumente com
um tipo de neutrófilo menorzinho chamado de neutrófilo de baixa densidade. Nesta brincadeira
o PMN pode ou não morrer. Já a exposição do material intranuclear e das enzimas lisossômicas
ao meio extracelular - que é um material que mormalmente fica escondido dentro da célula -
pode parecer “novidade“ ao sistema imune e despertar autoimunidade. Pacientes com lúpus
parecem ser mais propendos a ter PMNs que façam netose.

FIGURA 1.6 - Mecanismo esquemático da netose


19

O PROCESSO INFLAMATÓRIO - Os sinais clássicos da inflamação, calor, rubor, dor e tumor já são
conhecidos de longa data tendo sido descritos por Celsus no século I A.D. Inicialmente
considerada um fenômeno deletério, à medida que os conhecimentos sobre a sua fisiopatologia
foram elucidados, passou a significar defesa contra agentes infecciosos. É bem verdade que, em
certas situações, a resposta inflamatória é de tal magnitude que o organismo bem que passaria
melhor sem ela... Situações em que existe doença por causa de um funcionamento inadequado
do processo inflamatório são chamadas de autoinflamatórias.
Todo o processo de inflamação começa quando um macrófago ou célula dendritica
apanha o antígeno. As células dendriticas ou macrófagos são células que ficam rondando os
tecidos exatamente para isso. Para cuidar que nenhum elemento invasor entre. Ele se comporta
de uma maneira muito parecida com a de um cachorro tomando conta do terreno baldio. O que
acontece quando um ladrão entra? O cachorro late e assim atrai a atenção de outras pessoas
para ajudá-lo ou, ainda, morde o ladrão. Pois bem, é o que macrófago faz. Ele “late” citocinas
chamando o processo inflamatório e morde o ladrão para transformá-lo em epítopes
antigênicos que serão apresentados ao linfócito T junto com o HLA. Bem, este segundo pedaço
nós já vimos com a atuação do sistema imunológico específico. Vamos ver, portanto, o primeiro:
o processo inflamatório. Mas, antes disso, uma pergunta. Como o macrófago sabe que o ladrão
é um ladrão? Ou seja, como ele reconhece que o elemento é um invasor e o distingue das
próprias células do organismo? Porque ele tem receptores para isso. Os mais conhecidos são
chamados de receptores Toll like que reconhecem estruturas que são muito comuns nos micro-
organismos chamadas de PAMPs (Padrão Molecular Associado a Patógeno). Os Toll like não são
os únicos receptores, mas são os mais reconhecidos e por isso vamos nos concentrar neles.
Existem receptores Toll like que ficam na superfície do macrófago: alguns reconhecem
lipopolissacarideos de bactérias gram negativas, outros reconhecem flagelina etc... vejam que
não interessa quem tem essa molécula. O receptor simplemente reconhece a molécula e
...pronto! Sem mais perguntas. Por isso que este mecanismo está nos sistema inespecífico.
Entretanto existem micro-organismos que entram na célula e que tem que ser reconhecidos
como estranhos lá mesmo, dentro dela. É o caso dos vírus. Então existem receptores Toll like
que são intracelulares e que reconhecem DNA e RNA viral. São os receptores 3,7,8 e 9.
Uma vez reconhecido o elemento estranho o macrofago fabrica citocinas como IL-1. IL-
6 e TNF-α. A IL-1 e TNF-α chegam ao vaso mais próximo e desencadeiam o processo inflamatório.
Num período inicial, logo após o estímulo pelas citocinas ocorre uma vasoconstrição
transitória seguida de uma vasodilatação. A vasodilatação, em uma primeira fase, promove
transudação de líquido de baixo teor proteico. À medida que o processo progride, formam-se
espaços entre as células endoteliais resultando numa exsudação de macromoléculas para fora
do vaso. Esta perda de plasma acarreta num aumento de viscosidade sanguínea local e estase
dos eritrócitos. Nesta fase, leucócitos aderem ao endotélio vascular, em um processo chamado
de marginalização, e se espremem, passando através dos espaços entre as células endoteliais e
membrana basal, indo ganhar o espaço extracelular, onde está o inimigo.
Recentemente as questões da marginalização e da diapedese das células para fora do
vaso têm recebido considerável atenção. É que se descobriu um grupo de substâncias
responsáveis por este processo. Assim sendo, pode-se pensar no que fazer para impedir que ele
aconteça e, assim, inibir a inflamação.
Vamos parar um pouquinho para tentar entender o que acontece aqui. Quando o
leucócito vem “rolando” dentro do vaso e chega num local onde ele deve passar para fora do
mesmo, as células daquele lugar (leucócitos, plaquetas e células endoteliais) passam a expressar
um grupo de moléculas chamadas de moléculas de adesão. As primeiras delas são as seletinas.
Este grupo de moléculas é suficiente para desacelerar o fluxo dos leucócitos, mas não é
suficiente para imobilizá-los completamente. É como quando alguém lança um anzol; o peixe
fisgado não consegue ir longe, mas também não sai pulando para fora d’água. Pois bem... quem
vai puxar o peixe para fora da água, ou melhor, segurar o leucócito e permitir que ele penetre
20

dentro do vaso para sair do lado de lá, são outras moléculas, as integrinas e as pertencentes à
superfamília das imunoglobulinas. São estas moléculas que medeiam a fase definitiva da adesão
para que ocorra o extravasamento dos leucócitos para os sítios de inflamação. As integrinas se
localizam no lado do leucócito e as moléculas da superfamilia das imunoglobulinas se localizam
no endotélio vascular.
É interessante notar que, embora tenhamos falado das moléculas de adesão no
processo inflamatório elas também atuam em outras células como, por exemplo, os linfócitos
auxiliando-os a se localizarem nos pontos corretos. Além disso, desempenham um papel muito
importante na coagulação sanguínea, na embriogênese, na osteoporose (agindo como
elementos de ligação entre os osteoclastos e o a superfície do osso), em câncer, e, naturalmente,
em muitas doenças infecciosas dentre outros.

FIGURA 1.7 - Processo inflamatório

Voltando ao processo inflamatório, os fagócitos que saíram do lado de lá do vaso e


chegaram aos pontos de inflamação, engolfam partículas estranhas, bactérias, restos celulares
e cristais. A fagocitose, como já foi visto, leva a uma eliminação dos elementos indesejáveis, mas
o processo por vezes leva a um extravasamento de materiais de dentro da célula que provocam
mais lesão tecidual ainda. Isto acontece quando o fagócito morre ou quando existe ruptura das
membranas dos fagolisossomos dentro da própria célula, (o que não é raro quando o fagócito
ingere cristais pontudos, como os de urato, que causam perfuração no sistema vacuolar). Outros
mecanismos incluem extrusão de grânulos lisossômicos para o fagossomo que ainda não havia
se fechado completamente e a endocitose reversa - que é provocada por uma perturbação na
membrana do fagócito que libera seu conteúdo granular. Esta perturbação acontece quando o
fagócito encontra complexos imunes ou agregados de imunoglobulinas depositados em
superfícies sólidas de tamanho grande demais para serem abocanhados pela célula.
Mediadores do processo inflamatório- Mediador é um termo mal definido que serve para
designar um grupo heterogêneo de substâncias que, apesar de estarem presentes em
concentração muito baixa no organismo, são capazes de provocar respostas marcantes, as quais
são muito importantes para a nossa defesa. Eles agem sobre a musculatura lisa (contração ou
relaxamento), sobre a parede do vaso (causando aumento ou diminuição da permeabilidade) e
na quimiotaxia. Existem vários mediadores inflamatórios. Alguns podem estar prontos e
estocados nas células sendo liberados por ocasião da inflamação; outros são fabricados
conforme a necessidade. Os principais são: derivados do ácido aracdônico, histamina,
serotonina, heparina, bradicinina, fator de ativação plaquetário etc. Aqui, nós vamos nos
concentrar nos derivados do ácido aracdônico.
Lembra-se de que os fosfolipídeos são os principais constituintes da membrana
plasmática, e que eles se compõe de uma "cabeça" polar e de duas "caudas" de ácidos graxos?
21

Pois um desses ácidos graxos é o ácido aracdônico. Quando uma célula sofre uma injúria
qualquer ou é estimulada de alguma maneira ocorre liberação deste ácido aracdônico. Se a
perturbação da membrana plasmática é do tipo inespecífico (por ex: traumática) existe uma
liberação de pequenas quantias de ácido aracdônico. Por outro lado, se o estímulo é específico,
determinado pela ocupação de receptores, a liberação é grande. Neste último caso, a liberação
do ácido aracdônico é determinada por uma enzima, a fosfolipase. O ácido aracdônico que foi
liberado tem vida muito curta. Ele é oxidado imediatamente por várias enzimas, seguindo dois
caminhos principais: ou ele se submete à ação da ciclo-oxigenase o que irá dar origem a várias
prostaglandinas, prostaciclina e tromboxane; ou ele se submete à ação das lipo-oxigenases, o
que irá originar leucotrienos e lipoxinas. Acompanhe a sequência no esquema da figura 1.8.

FIGURA 1.8- Metabolismo do ácido aracdônico

As prostaglandinas têm este nome devido à falsa crença de que eram elaboradas na
próstata e estocadas na vesícula seminal.
O tromboxane (TX) é importante para a agregação plaquetária; a prostaclicina é a
prostaglandina PGI2 e tem um efeito oposto ao do tromboxane. As outras PGs têm um efeito
biológico variado no aparelho reprodutor feminino, nas secreções gástricas, no controle da
pressão arterial e no processo inflamatório. Em altas concentrações agem diretamente nos
receptores de dor e no centro hipotalâmico causando febre.
Os leucotrienos não contem anéis em sua estrutura. Os leucotrienos C4, D4 e E4 influem
na contração de musculatura lisa principalmente da pele e pulmões. Estas substâncias eram
chamadas originalmente de SRS-A ou slow-reacting substance of anaphylaxis.. As lipoxinas
causam contração de músculos lisos, vasodilatação da microcirculação, quimiotaxia, e inibem a
atividade das células natural-killer.
Prostaglandinas, prostaciclinas, tromboxane, leucotrienos e lipoxinas são fabricadas
"sob medida" conforme a necessidade. Quando a célula é estimulada a sua síntese começa em
10 a 30 segundos, se mantém pelos próximos 1-5 minutos, e, daí, pára.
De acordo com o padrão de enzimas existentes no tecido, existe predominância para
fabricação de um determinado tipo de prostaglandina, que irá servir para as necessidades
específicas daquele tecido. Desta maneira, plaquetas fazem quase só tromboxane, células
endoteliais preferem a prostaciclina, células de túbulo renal fazem PGE2 etc...
Recentemente descobriu-se que não existe apenas uma ciclo-oxigenase e sim duas
delas, que são abreviadamente chamadas de COX-1 e COX-2. A COX-1 é a enzima responsável
por fabricar as prostaglandinas necessárias para as funções fisiológicas, ou seja, aquelas
prostaglandinas que servem para fabricar o muco do estômago, para manter o fluxo sanguíneo
renal, etc... è a ciclo-oxigenase boazinha! A COX-2 entra em ação quando existe um estímulo
inflamatório e as prostaglandinas que ela fabrica são pró-inflamatórias e destinadas a atender o
organismo em uma situação de exceção. Esta é pimentinha!!! Voltaremos a comentar este
assunto ao tratar dos anti-inflamatórios não hormonais, uma vez esta enzima é um dos seus
pontos de ação.
22

Os leucotrienos e lipoxinas são produzidos só por células brancas, o que aliás, já está
sugerido pelo seu nome.

Reagentes de fase aguda e provas de atividade inflamatória: Quando ocorre um estímulo


inflamatório dentro do organismo existem algumas proteínas plasmáticas que sofrem uma
alteração em sua concentração. Grande parte disto é orquestrado pela IL-6 atuando sobre o
fígado. Estas alterações são denominadas genericamente de resposta de fase aguda e as pro-
teínas que têm a sua concentração aumentada de proteínas de fase aguda. Em circunstâncias
normais a resposta de fase aguda é benéfica ao organismo; promove parada no sangramento,
delineia tecidos necróticos, promove reabsorção de agentes estranhos e a reparação de feridas.
A resposta de fase aguda persiste por certo período de tempo, desaparecendo quando o agente
nocivo é removido e as consequências do processo inflamatório são reparadas. Portanto, se o
estímulo desaparece, as proteínas de fase aguda retornam ao seu nível normal, enquanto que,
se o estímulo persiste, persiste também o seu aumento. As proteínas que têm sua concentração
diminuída durante um processo de injúria são chamadas de reagentes de fase aguda negativos.
Veja, no quadro 1.6, algumas das proteínas de fase aguda melhor estudadas, agrupadas
pelo grau de aumento que sofrem quando existe um estímulo inflamatório. Todas estas
proteínas, com exceção da proteína C reativa e da proteína sérica amiloide A são glicoproteínas.

QUADRO 1.6 - PROTEINAS DE FASE AGUDA


PROTEINAS COM AUMENTO DISCRETO
Ceruloplasmina
C3
PROTEINAS COM AUMENTO MODERADO
Alfa 1 glicoproteína ácida alfa 1 antitripsina
Alfa 1 antiquimiotripsina
Haptoglobina
Fibrinogênio
PROTEINAS COM AUMENTO IMPORTANTE
Proteína C reativa
Proteína sérica amiloide A

O estímulo para o aumento destas proteínas inclui uma grande variedade de processos
inflamatórios e traumáticos, como p. ex., cirurgias, infarto do miocárdio, embolia pulmonar,
aneurisma dissecante de aorta, fraturas ósseas, infecções bacterianas agudas, crises abdominais
agudas como salpingite, pancreatite, colecistite etc, doenças do tecido conjuntivo, moléstia
reumática, artrite reumatoide, infecções virais agudas, neoplasias em estágio avançado e até
exercícios físicos extremos.
Teoricamente, cada uma destas proteínas ajudaria o organismo a reagir contra o
estímulo nocivo de uma maneira específica. Assim, um aumento de haptoglobina seria útil na
captação de hemoglobina liberada por eritrócitos destruídos no local da lesão, além do que, esta
proteína parece exercer certo efeito bacteriostático. Outro exemplo: um aumento de fibri-
nogênio proporciona melhoria nas condições de coagulação, assim como, um aumento de
substrato para a formação de fibrina intravascular. Uma elevação no nível de ceruloplasmina
pode ser útil durante o processo inflamatório porque esta proteína tem a capacidade de
deslocar a enzima superóxido desmutase. Da mesma maneira, -1 antitripsina e antiquimio-
tripsina mais elevadas refreariam um aumento da atividade das proteases.
As provas mais utilizadas para medir inflamação são a VHS (velocidade de
hemossedimentação), a proteína C reativa e a dosagem de mucoproteínas (esta última vem
caindo de moda).
É importantíssimo lembrar que:
23

Todas as provas de atividade inflamatória servem para detectar inflamação e, portanto,


NÃO têm especificidade diagnóstica.

VELOCIDADE DE HEMOSSEDIMENTAÇÃO (VHS)- Este teste é feito colocando-se sangue


anticoagulado em um tubo cilíndrico vertical e medindo-se a velocidade com que os eritrócitos
se sedimentam. Pode ser interpretado como uma medida indireta da quantidade de fibrinogênio
circulante e, em menor extensão, de outras proteínas de fase aguda.
A velocidade de agregação dos eritrócitos está na dependência de 3 forças: (A)-Energia livre da
superfície da célula:- ou força de Van der Walls. É uma força de coesão que tende a atrair uma
célula à outra. (B)-Carga elétrica das hemácias: É uma força de repulsão, uma vez que todas as
células têm a mesma carga. Esta carga é formada pelos componentes do ácido siálico da
membrana do eritrócito e da nuvem de íons de carga oposta que circunda cada uma das células.
A resultante destas duas forças chama-se potencial zeta. Em um indivíduo normal, o potencial
zeta é maior do que a força de van der Walls, de tal maneira que ocorre repulsão entre
eritrócitos e pouca, ou nenhuma, agregação. (C)-Constante dielétrica determinada pelo meio:
Mede a capacidade de dissipação da carga determinada pelo plasma no qual a célula está sus-
pensa. Ela sofre influências de moléculas dissolvidas no plasma como é o caso das proteínas de
fase aguda. A constante dielétrica aumenta quando a concentração de moléculas que podem
ser orientadas ou polarizadas pelo campo elétrico da célula vermelha aumenta. O grau de
polarização de uma molécula está na dependência de sua assimetria. Um aumento na
concentração de tais moléculas assimétricas, aumenta a constante dielétrica. Isto promove uma
diminuição do efeito repulsivo do potencial zeta, predomínio das forças de Van der Walls e
agregação das células entre si.
Quando os eritrócitos se alinham formam pilhas semelhantes a pilhas de moedas
(chamadas de rouleaux) que, por serem pesadas, afundam rapidamente, ou seja, precipitam-se,
aumentando a VHS. Para nós interessa salientar que, a formação dessas pilhas de eritrócitos
ocorre quando existe, no soro, um aumento moderado de proteínas muito assimétricas como é
o caso do fibrinogênio ou, um aumento acentuado de proteínas moderadamente assimétricas
como as imunoglobulinas e, até em pequeno grau a albumina.
Alterações na morfologia do eritrócito como anisocitose, esferocitose, microcitose e
acantocitose, alteram a sua capacidade de formação de rouleaux, podendo levar uma VHS a ser
normal quando deveria estar alterada. Anemia aumenta a VHS e a policitemia a diminui.
Certas drogas também podem ser causa de VHS alterada; a heparina a aumenta e o valproato
de sódio (uma medicação anticonvulsivante) a diminui.
Os valores normais variam com a idade e sexo; para homens jovens, até 15mm na 1ª
hora; para mulheres jovens, até 20mm na 1ª hora. Para as pessoas idosas existe uma pequena
regra: em homens a VHS normal é igual a idade dividida por 2 e, em mulheres, é igual à idade
+10 e dividida por 2. Correção da VHS para anemia tem sido ignorada de maneira geral; a
correção para a forma dos eritrócitos seria muito mais importante, mas isto, na prática, é
impossível.

FIGURA 1.9- Técnica de medição da VHS


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A VHS tem sido empregada com duas finalidades: (A)-Como screening grosseiro de
doença inflamatória ou doença na qual exista injúria tissular; (B)- para monitorizar a atividade
destas doenças bem como a sua resposta à terapêutica. É uma prova sem especificidade
diagnóstica. Está aumentada em infecções principalmente nas bacterianas, desordens
linfoproliferativas e situações em que exista injúria tissular cmo infarto do miocárdio, lesão
isquêmica. Etc. Infecções virais fazem um aumento discreto. Além disso, a VHS aumenta no final
de gestação, após uso de contraceptivos, hipo e hipertireoidismo, e, após injeções in-
tramusculares. Uma VHS normal não afasta a existência de doença, assim como ela pode
aparecer temporariamente alterada na ausência de qualquer patologia. Quando é utilizada para
monitorizar a atividade de um processo inflamatório deve-se considerar, na interpretação do
resultado, o tempo de turnover das proteínas de fase aguda. Assim, o fibrinogênio e as outras
proteínas que influem na VHS em menor extensão, têm uma vida média de pelo menos 3-5 dias
e, mesmo que o estímulo inflamatório ceda, a VHS não retornará ao normal até que todos estes
elementos já fabricados sejam metabolizados. Neste ponto, outras provas, como a dosagem da
proteína C reativa e a dosagem da proteína sérica amiloide A (que têm uma vida média mais
curta que a do fibrinogênio), refletem a evolução do processo inflamatório de uma maneira
muito mais fiel que a VHS. Veja bem: se eu marcar um dia para a inflamação terminar, a
proteína C reativa normaliza em 3 dias, enquanto a VHS leva 2 semanas para retornar ao normal.
A grande vantagem da VHS está no seu baixo custo e na sua facilidade de obtenção.

PROTEÍNA C REATIVA (PCR) - Esta proteína tem este nome por ter sido descoberta através de
sua habilidade em precipitar o polissacarídeo C somático do pneumococo em presença de cálcio.
A proteína C reativa praticamente não existe no indivíduo normal, aparecendo apenas em
resposta a situações patológicas. No ser humano o enorme aumento, assim como a rapidez com
que ele acontece, sugere que a proteína C desempenha um papel fisiológico muito importante
na defesa do organismo, embora estas funções não estejam precisamente estabelecidas. Uma
delas é com certeza a ativação do complemento via clássica como já falamos anteriormente. O
fato de existirem receptores para proteína C em leucócitos (monócitos e neutrófilos) indica que
a proteína C deve influir na ativação destas células e na função fagocitária. Assim, a proteína C
seria um dos elementos constantes do sistema de defesa inespecífico. Outro papel desta
proteína seria a atividade de opsonina principalmente para antígenos nucleares prevenindo,
portanto, o aparecimento de auto-imunidade contra os mesmos. Interação de proteína C com
cristais de uratos e ativação do complemento é uma explicação para o fato de as crises de gota
ocorrerem após injúrias cirúrgicas. A proteína C tem uma estrutura química semelhante a da
proteína precursora da substância amiloide P.
O aumento de proteína C tem início rapidamente após a ocorrência de injúria tissular
(por ex: em I.A.M., em 8 horas). Sua concentração atinge um pico máximo em 24 - 72h, em taxas
que são proporcionais ao tamanho da injúria tissular existente. Se o processo desencadeante é
controlado, a proteína C diminui pela metade em 24 horas. Níveis persistentemente altos
sugerem processos inflamatórios crônicos e neoplásicos. Nas doenças crônicas o aumento é
mais discreto quando comparado aos vistos nos processos agudos (ocorrendo uma espécie de
taquifilaxia).
A interleucina-6 é considerada a citocina responsável pela indução de síntese de PCR.
Existem algumas doenças crônicas nas quais o aumento da proteína C é particularmente
discreto. São elas: esclerodermia, lúpus eritematoso sistêmico, dermatomiosite, retocolite
ulcerativa, Síndrome de Sjögren e leucoses. Quando se encontra uma proteína C relativamente
alta nestas doenças deve-se interpretar isto como um sinal de uma infecção intercorrente. No
caso da artrite reumatoide, no entanto, o nível de proteína C reflete com fidelidade o grau de
atividade da doença e, também de sua progressão. Quando um paciente com AR é colocado em
tratamento modificador de doença e a resposta a este tratamento é positiva, os níveis séricos
de proteína C reativa diminuem refletindo esta melhora. Desta maneira, a proteína C reativa
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pode ser utilizada, nestes casos, como um fator preditivo da resposta ao tratamento. A proteína
C reativa é medida em cruzes ou, mais adequadamente, em mg/dl.

OUTRAS PROVAS DE ATIVIDADE INFLAMATÓRIA – MUCOPROTEÍNAS - Formam um grupo de


substâncias cujo principal componente é o ácido orosomucoide o qual pode ser medido
isoladamente e que correlaciona muito bem com os níveis de mucoproteínas totais. Raramente
é utilizada nos dias de hoje.

PROTEÍNA AMILOIDE SÉRICA A - Foi descoberta pelas suas relações antigênicas com a proteína
amiloide A, a qual se deposita extracelularmente nos tecidos na forma de fibrila ocasionando a
amiloidose. A proteína amiloide sérica A é uma apolipoproteína da subclasse HDL-3 das
lipoproteínas séricas. Sua biossíntese hepática é induzida pela IL-1.

ELETROFORESE DE PROTEÍNAS - Alterações na concentração das proteínas de fase aguda podem


se refletir em um padrão eletroforético alterado. Veja a mobilidade eletroforética das principais
no quadro 1.7.

QUADRO 1.7 - MOBILIDADE ELETROFORÉTICA DOS PRINCIPAIS REAGENTES DE


FASE AGUDA
PROTEÍNA MOBILIDADE ELETROFORÉTICA
Ceruloplasmina -2
Alfa-1 glicoproteína ácida -1
Alfa1 antitripsina -1
Alfa-1 antiquimiotripsina -1
Haptoglobina -2
Fibrinogênio 
Proteína C reativa 

Para interpretar corretamente o valor de uma prova de atividade inflamatória, analise


o gráfico da figura 1.10 para ter uma idéia de como pode estar cada um dos reagentes de fase
aguda em relação ao tempo passado após o estímulo inflamatório.

FIGURA 1.10- Comportamento dos reagentes de fase aguda

Algumas proteínas de origem hepática são assim chamadas porque suas concentrações
diminuem durante a fase aguda. Um exemplo típico é a albumina. Estes reagentes negativos não
são tão sensíveis quanto os reagentes de fase aguda positivos.
26

COMPONENTES CELULARES DO SISTEMA IMUNOLÓGICO INESPECÍFICO.

A descrição destes componentes está aqui só para você saber que eles existem e para
notarem que o sistema imune inespecífico pode ser muito mais sofisticado do que aparenta. No
oitavo período não vamos nos preocupar com a atuação de cada uma destas células mas se vc
tiver intenções de ser um imunologista... divirta-se! Caso contrario passe direto arpa HLAs.
Os componentes celulares do sistema imunológico inespecífico podem ser dividos em
tres grupos principais: (a) células linfoides inatas; (b) células semelhantes à célula B; (c) células
T não convencionais. Veja no quadro abaixo a subdivisão estes grupos.

QUADRO 1.8 - CÉLULAS DO SISTEMA IMUNOLÓGICO INESPECIFICO


1-Grupo das células linfoides inatas Células NK
Celula linfoide (CL)-1
Célula linfoide (CL)-2
Célula linfoide (CL)-3
2-Grupo das células semelhantes à célula B Celula B1
Celula B da zona marginal
Celula B10
3- Grupo das células T não convencionais Células NKT
Células T γδ
Celulas MAIT(Mucosal Associated Innate T cell)

As células NK, lá do primeiro grupo, são muito importantes para defesa contra tumores
e células infectadas por vírus. Elas ficam sabendo que estas células não estão normais porque
percebem modificações na molécula de histocompatibilidade classe I da superfície das células
tumorais ou infectadas. Quando ativadas as células NK liberam grânulos com material citotóxico.
Sua ação acontece sem que a célula NK tenha tido contato anterior com o elemento estranho.

Figura 1.11 - Atuação das células do sistema imunológico especifico e do inespecifico


mostrando uma correspondência em “ espelho”.

As célula C1, C2 e C3 são células que “ espelham” a atuação das células Th1, Th2 e Th17
respectivamente. As C1 fazem INF δ, as C2 fazem IL-4,IL-5, Il-9 e IL-13 e as células C3 fazem IL-
17e IL 22. Veja na figura abaixo a atuação das células linfoides do sistema inespecífico e a sua
respectica “imagem refletida” do sistema imunológico especifico. As células semelhantes aos
27

linfócitos B são as células B1, as células B da zona marginal e as as células B10. As duas
primeiras: as B1 e da zona marginal elaboram anticorpos do tipo IgM contra antígenos muito
comuns na natureza. Elas nascem “ prontas” para fabricar este anticorpos não precisando
passar por todo aquele processo do sistema especifico. A célula B10 elabora IL-10 e tem
características de uma célula reguladora. As do grupo das células T não variáveis são as NKT, os
linfocitos T com receptor γδ e as células MAIT ou linfócitos T associado a mucosa. Os linfócitos
MAIT e as NKT têm atividade citotóxica.

ANTÍGENOS DE HISTOCOMPATIBILIDADE (HLAs)

Quando um indivíduo é transplantado com tecido de outra pessoa, o tecido é destruído


pelas células do seu sistema imune porque as células do doador têm, nas suas superfícies,
proteínas estranhas, que agem como antígenos. São estas proteínas que determinam quem
pode receber transplante de quem... Assim, para que o transplante tenha sucesso é necessário
que estes antígenos sejam compatíveis. Por isso eles são chamados de antígenos de
histocompatibilidade. Este termo é genérico, usado para várias espécies animais. No caso do
homem eles recebem o nome mais "específico" de H.L.A. por terem sido identificados
primeiramente nos leucócitos (H=human, L=leucocyte, A= antigen). Embora tenham sido
historicamente identificados nos leucócitos, sabe-se que sua distribuição no organismo é muito
mais ampla. Os HLA nos interessam de perto em virtude de sua associação com várias doenças,
principalmente as reumáticas.
Os antígenos HLA estão divididos em 3 grupos: classe I, II e III. Esta divisão resulta de
diferenças fundamentais entre os grupos, os quais têm estrutura básica, distribuição tissular e
funções diferentes.
Os antígenos de classe I são HLA-A, HLA-B, HLA-C, HLA- E, HLA- F, HLA- G; os da classe II
são HLA-D (que se subdividem em DN, DO, DP, DQ, DR). Os antígenos HLA classe I, A, B e C são
cha-mados de antígenos de transplante clássicos. Os antígenos E, F e G, são chamados de
antígenos classe I não clássicos, cuja função ainda não foi bem esclarecida.
Os HLA classe III correspondem a três componentes do complemento e à enzima
citocromo P-450. Têm uma estrutura bem diferente da dos HLAs classe I e II. Na verdade, eles
não são antí-genos de histocompatibilidade verdadeiros.
Os três HLAs têm em comum o fato de que, os genes que os determinam, estão
localizados numa região do cromossomo 6, chamada MHC (M=major, H=histocompatibility,
C=complex). Uma pessoa herda os genes do M.H.C. tanto da mãe quanto do pai, e, ambos se
expressam na superfície da célula.

FIGURA 1.12 – Braço curto do cromossoma 6.

Estrutura e distribuição - Os antígenos da classe I (HLA A, B e C) são encontrados em quase todas


as células nucleadas do corpo; não existem em espermatozoides e eritrócitos.
Cada antígeno da classe I é composto por 2 subunidades ou 2 cadeias polipeptídicas:
uma cadeia pesada e uma cadeia leve chamada de ß-2 microglobulina. A cadeia pesada tem uma
região contida dentro da membrana plasmática, uma intracelular ou intracitoplasmática, e outra
28

exposta ou extracelular. Esta cadeia está dividida em porções ou domínios comparáveis para
diferentes especificidades. Toda a variabilidade dos antígenos HLA-A, B e C está nos domínios
externos, enquanto que os próximos à membrana são constantes. Esta região constante é
-2
microglobulina. A cadeia leve, que é a ß-2 microglobulina, não tem porção trasmembranosa.
Os antígenos de classe II têm uma distribuição tissular mais restrita; eles se expressam
primariamente em linfócitos B e células apresentadoras de antígenos tais como os macrófagos.
Os HLA-II têm 2 subunidades: a cadeia α e a cadeia ß e ambas são transmembranosas. A
região variável responde pelas diferentes especificidades e está na cadeia ß.
A semelhança morfológica dos antígenos de classe I e II, moléculas de imunoglobulinas
e receptores de antígeno de célula T sugere que todas estas moléculas têm um gene ancestral
comum.

A B
FIGURA 1.13 - Estrutura dos HLAs (A)- Classe 1; (B) Classe 2.

A frequência com que um determinado HLA aparece na população varia com os fatores
geográficos e raciais. Estas variações devem ser lembradas ao se analisar a associação de um
determinado HLA com uma doença. Além disso, a associação de determinados antígenos com
uma doença pode ser diferente nos diferentes grupos étnicos.

Função - Os antígenos HLA classe I estão diretamente envolvidos em resposta celular a infecções
virais. Quando ocorre resposta celular contra as células infectadas por vírus, geram-se linfócitos
T citotóxicos. Estes são capazes de lizar a célula infectada pelo vírus como a um alvo. O
fenômeno requer interação célula a célula (entre linfócitos T citotóxicos e a célula alvo). Esta
interação ocorre entre células com HLA-A, B e C em comum. Em terminologia imunológica diz-
se que a resposta de linfócitos T citotóxicos é restrita por antígenos de classe I.
Quando um vírus invade a célula, ele se replica dentro do citoplasma ou do núcleo dela. É como
se o parasita estivesse dissolvido neste ambiente. O HLA-1 da célula infectada é fabricado dentro
do sistema retículo endotelial desta célula e o antígeno do vírus é levado até lá, acomplando-se
ao HLA. O conjunto todo migra, então, para a superfície celular onde é exposto para ser
reconhecido.
Já os antígenos de classe II têm a função de restringir a interação entre células imunes.
Para que o linfócito T seja levado a reagir contra um antígeno, este deve ser processado antes e
apresentado a ele por células como o macrófago. Esta apresentação só acontece entre células
com o mesmo HLA classe II. Assim, o reconhecimento do que é próprio (feito pelo HLA classe II)
é necessário para uma comunicação produtiva entre as células imunes. Nesta segunda situação,
o antígeno é capturado por células apresentadoras de antígenos dentro de pequenas vesículas
as quais se tornam ácidas e degradam o elemento invasor. O HLA classe 2 é elaborado no sistema
29

retículo endotelial e entregue dentro das vesículas ácidas onde se ligam aos epítopes, sendo o
conjunto todo transportado para a superfície célular. No quadro 1.9 as principais diferenças
entre os dois tipos de HLAs.

QUADRO 1.9 - ALGUMAS DIFERENÇAS ENTRE HLA-1 e HLA-2


HLA 1 HLA 2
Localização Qualquer célula Célula apresentadora de antígeno
Ligação a peptídeos Dissolvidos no citoplasma Presos em vesículas ácidas
São apresentados a Células T CD8 Células T CD4

As proteínas ligadas ao HLA classe III (componentes B, C2 e C4) estão envolvidas no


processo inflamatório junto com os outros componentes do complemento.
HLA e associação com doenças - A associação do HLA com certas doenças aponta para o fato de
que nelas existe um componente genético. Chama-se risco relativo (RR) à chance de um
indivíduo com certo HLA desenvolver a doença associada a este HLA, em relação à população
que não tem este antígeno. Veja na relação do quadro 1.10, a associação de algumas doenças
com HLAs.

QUADRO 1.10 - RISCO RELATIVO DE ALGUMAS DOENÇAS REUMÁTICAS


DOENÇA HLA RISCO RELATIVO
Espondilite anquilosante B27 87.4%
Síndrome de Reiter B27 37.0%
Uveíte anterior aguda B27 10.4%
Artrite reumatoide DR4 4.2%

Na grande maioria dos casos o risco relativo é modesto, exceto no caso da espondilite e
o HLA B 27. Além disso, os antígenos HLA classe II estão mais frequentemente associados a
doenças que os da classe I.
O porquê da associação entre um HLA e uma determinada doença é um fato
desconhecido. Existem algumas tentativas de explicação para isto:
 - um determinado HLA estaria associado com um determinado Ir (gene da resposta
imune, que determina quantitativamente o grau de resposta imune)
 - um determinado HLA poderia funcionar como receptor para certos antígenos
 - o próprio HLA poderia ser confundido com o antígeno (mecanismo do mimetismo
molecular

Uso clínico da tipagem do HLA- Tipagem do HLA tem sido útil na escolha de doadores para
transplantes. Além disso, é um instrumento importante para o entendimento da patogênese e
talvez para intervenção terapêutica em doenças autoimunes. Entretanto sua utilidade na
reumatologia clínica é ainda muito limitada.

ALGUMA COISA SOBRE A APOPTOSE CELULAR

Antes de estudarmos os mecanismos de autoimunidade, três palavrinhas sobre a


apopto-se, que é uma situação que influi no seu aparecimento... Existem duas maneiras pelas
quais uma célula morre: a apoptose que é uma forma programada de morte celular e a necrose,
que é uma situação inesperada, associada a lesões externas ao seu microambiente. Na
apoptose, o processo é, teoricamente, “mais limpo” do que na necrose. É uma situação
esperada: ou porque a célula está muito velha, ou porque ela tem algum defeito muito sério que
a impede de continuar funcionando normalmente ou, ainda, porque é necessário diminuir a
30

população de certas células imunes quando houve proliferação das mesmas em resposta a um
agente microbiano.
A apoptose é regulada geneticamente. De maneira muito simplificada podemos dizer
que existem dois genes principais nesta regulagem: o fas (que FAZ apoptose) e o Bcl-2 (que
impede o seu aparecimento).
Do ponto de vista morfológico, nota-se que o núcleo e o citoplasma se condensam.
Fragmentos do interior da célula são “empacotados” em bolhas que aparecem na membrana
citoplasmática junto com receptores para opsoninas (o que irá permitir uma fagocitose com
digestão rápida dos componentes das bolhas). A chave do processo é manter a integridade da
membrana citoplasmática, evitando atrair células do processo inflamatório, as quais,
naturalmente, acabam espalhando enzimas por onde passam, com todos os seus “efeitos
colaterais”.
A apoptose pode ser desencadeada por estímulos externos (em geral, quando
receptores de morte celular se ligam aos seus respectivos ligantes como, por exemplo, a ligação
do fas com fasL) e internos (quando a célula responde a um agente ambiental agressivo como
calor, raios X, radiação ultravioleta) os quais provocam alteração nas funções das mitocôndrias
da célula.
Alterações no mecanismo de limpeza de células apoptóticas estão implicadas em
autoimunidade, principalmente em lúpus. Situações em que as bolhas da membrana
citoplasmática são eliminadas de maneira muito lenta ou incompleta permitem que o sistema
imune tenha acesso aos antígenos intracelulares, levando à formação de anticorpos contra tais
elementos.

SOBRE O PAPEL DO MICROBIOMA COMO EDUCADOR DO SISTEMA IMUNE

Nós, os seres humanos, somos verdadeiros “saquinhos ambulantes” de micro-


organismos. Acredita-se que uma pessoa tenha mais células de micróbios do que próprias. Existe
quem aponte para o fato de que, enquanto um ser humano tem em torno de 30 000 genes que
codificam proteínas, carregam , também, um genoma microbiano (chamado de metagenoma)
100 vezes maior. Em outras palavras, estamos todos cheios de bichos e eles nos dominam! Eles
se alojam em todas as superfícies do corpo particularmente no intestino. O termo microbioma
é usado para designar a totalidade de microorganismos (comensais e patogênicos), seus
genomas e as interações ambientais de um nicho biológico.
Tem sido observado que a flora normal de uma pessoa é importante para o
desenvolvimento do seu sistema imune. Animais que nascem e se criam em ambientes estéreis
têm vários defeitos imunológicos como por exemplo: falha no desenvolvimento dos tecidos
linfoides associados à mucosa intestinal, placas de Peyer e linfonodos mesentéricos menores e
defeitos na produção de anticorpos. Num individuo saudável uma conversa correta entre
hospedeiro e micro-organismos é essencial para manutenção da homeostase.
Não só a presença mas o tipo de flora interfere com a formatação do sistema imune. Por
exemplo: uma bactéria comensal chamada de Bacteroides fragilis tem na sua parede um
componente que estimula a ativação de células T reguladoras do ser humano que produzem IL-
10 (uma citocina anti inflamatória) além de reprimir a formação de células Th17 que são pró-
inflamatorias. Ou seja, este tipo de bactéria induz tolerância imune. Quando por algum motivo
qualquer (genético ou ambiental) este balanço é quebrado e a microbiota muda, e aparece
disbiose que irá favorecer estados inflamatórios. Micro-organismos como, p. ex, a bactéria
filamentosa segmentada podem induzir a formação de celulas Th17 e Th1 (que são células pró-
inflamatorias) no organismo humano. Dá para entender que estados de disbiose favorecem o
aparecimento de doenças inflamatórias crônicas incluindo-se nisto as doenças autoimunes
reumáticas.
O microbioma que uma pessoa tem é adquirido ao nascer no canal de parto e tende a
se manter mais ou menos estável durante a vida toda do indivíduo. Quando acontece alguma
31

interferência, por exemplo: esta pessoa tem uma infecção ou toma antibióticos, a microbiota
muda, mas tende a se recuperar e retornar ao estado anterior. Assim sendo o tipo de microbiota
que uma pessoa possui por toda sua vida é determinada ao nascer. A grande pergunta neste
contexto é se um parto por cesariana não poderia influenciar na microbiota (já que a flora
adquirida aqui é a de pele) e consequentemente, na incidência de doenças autoimunes...

TOLERÂNCIA E MECANISMOS DE DANO IMUNOLÓGICO

Quando o sistema imune passa de agente defensor a agressor aparecem doenças de


autoimunidades – se for o sistema imune especifico, ou autoinflamatórias – se for o sistema
imune inespecífico.
A capacidade de seleção que o sistema imune normal possui é surpreendente. Ele ignora
um vasto número de antígenos próprios e responde vigorosamente a outro tanto ainda maior
de moléculas exógenas. A não reatividade ao que é próprio resulta de uma tolerância
imunológica, que parece ser um fenômeno aprendido, no qual o organismo suprime a
capacidade de reagir aos próprios antígenos durante a ontogenia do seu próprio sistema imune.
O mecanismo de tolerância atua em diferentes níveis: num nível dito central, ou seja,
nos locais onde os linfócitos são fabricados e outro na periferia.
No mecanismo central todas as células T e células B que têm tendências auto reativas
são deletadas. No início da vida embrionária formam-se clones de células destinadas a reagir
tanto contra elementos estranhos como contra os próprios. As células T auto reativas são
destruídas já dentro do próprio timo. As células B são destruídas numa fase mais precoce, antes
mesmo de sair do fígado fetal ou da medula óssea. Este seria o primeiro mecanismo de
repressão da autoimunidade. Só que este processo nunca é bem completo. Desta maneira, não
é raro que se encontrem, em adultos, células B e células T auto reativas, as quais só não
provocam doenças de autoimunidade porque existem outras formas de contenção de suas
atividades, ou seja, os do mecanismo de tolerância periférico.
Na periferia, os mecanismos de tolerância em jogo são:
a)-mecanismo de anergia. Como foi comentado anteriomente, o mecanismo de ativação da
célula T requer que, após o reconhecimento do antígeno pelo macrófago, ocorram dois sinais
positivos para que o processo vá para frente. Um é a apresentação do antígeno acoplada ao
HLA; o segundo é o encontro dos sinais coestimulatórios. Bem... O que acontece na anergia é
que os sinais coestimulatórios não funcionam ou muito fracos. Se o antígeno é apresentado ao
linfócito T sem os sinais coestimulatórios, o processo resultante é o reverso do esperado: ocorre
um sinal negativo para a ativação das células subsequentes.
b)-supressão pela célula T reguladora (T reg). Existe alguma evidência de que existe uma
subpopulação de célula T CD4+ com um receptor de superfície, o CD25, que atua suprimindo a
auto reatividade. Como elas fazem isto? Não é bem sabido, mas supõe-se que seja através da
elaboração de citocinas como a IL-10 e TGF-β.
c)-deleção clonal. Células T e B que reconhecem auto-antígenos recebem uma ordem para
“suicídio” através da ativação do sistema fas-fasL. O linfócito tem na sua superfície um receptor
fas (membro da família do TNF) que, ao se ligar com o fasL (fas ligante), desencadeia a sua
apoptose (morte celular programada).
d)-sequestro do antígeno. Tecidos como olho, testículos e cérebro são considerados locais com
privilegio imune. São verdadeiros “santuários” onde o linfócito não penetra, uma vez que a
comunicação sanguínea e linfática com o resto do corpo é frágil. Nesta situação, os auto-
antígenos destes locais ficam escondidos do sistema imune e não provocam reação, enquanto
permanecerem assim.
A agressão imune quando direcionada para o próprio organismo chama-se auto-
imunidade e responde pelo aparecimento de várias doenças reumáticas como por exemplo:
lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, síndrome de Sjögren, esclerodermia etc.
32

Para que a autoimunidade apareça é necessário, antes de tudo, uma predisposição genética
para isto, ou seja, que as células imunes tenham “mau caráter”. Genes que regulam as moléculas
de HLA e a expressão do sistema fas-fas ligante são alguns dos elementos predisponentes. Sobre
este terreno predisposto fatores ambientais iniciam o processo. Ou seja, é necessária uma
“provocação” por parte do antígeno. Infecções, por exemplo, podem atuar neste sentido.
Determinados micro-organismos têm sequências antigênicas semelhantes às do próprio
individuo e podem levar a uma reação cruzada (reação de mimetismo molecular). Outros
parecem afetar a função das moléculas coestimulatórias, ou ainda, ao provocar lesão tissular,
revelando antígenos que estavam bem escondidos e expondo-os ao sistema imune. Um último
mecanismo proposto é produção de citocinas pelos microorganismos, as quais fazem
recrutamento de linfócitos.
Em reumatologia, você vai ouvir muito o termo “epitope spreading”, ou seja, - epítopes que se
espalham... Ele é usado para designar que, uma infecção “mostra” um autoantígeno para o
sistema imune, que passa a ser reconhecido n’outros locais de maneira agressiva e depois que
a infecção já foi curada.
As síndromes autoimunes podem ser divididas em induzidas ou espontâneas; sistêmicas
ou órgão-específicas. No homem, certas doenças autoimunes são claramente induzidas por um
estímulo externo como é o caso da febre reumática, em que o estímulo provocador é a infecção
estreptocócica. Já no lúpus e em outras doenças do tecido conjuntivo não existem evidências
convincentes de que exista um estímulo externo, embora se suspeite de que ele exista.
Doenças tidas como órgão-específicas são: tireoidite, pênfigo bolhoso e diabetes
mellitus. Nestas enfermidades um único órgão alvo está afetado e, os anticorpos ou células T
auto reativas irão se direcionar contra antígenos específicos deste órgão. No polo oposto está o
LES onde um número muito grande de autoanticorpos leva à agressão de múltiplos órgãos e a
uma clínica bastante variada.
Uma vez gerada a célula auto reativa ou um autoanticorpo, ele passa a causar dano aos
tecidos de várias maneiras. Estes mecanismos estão classificados por GELL e COOMBS da
maneira que se segue.

Reação tipo I (mediada pela IgE, anafilaxia)- Rinite alérgica, dermatite atópica, certos tipos de
asma, de urticária e anafilaxia têm sido identificadas como reações do tipo hipersensibilidade
imediata. A patofisiologia do processo envolve mediadores produtores de vasodilatação
acentuada com perda de líquido e de coloide. Esta perda produz redução de volume circulante
efetivo podendo ocasionar choque. Em algumas pessoas a broncoconstrição é proeminente;
noutras ocorrem cãibras abdominais. A vasodilatação é acentuada em nível de capilar e vênula
pós-capilar.
A gravidade da manifestação clínica depende da extensão do processo, o qual é
localizado em casos de rinite e urticária e generalizado em casos de anafilaxia.
Os mediadores químicos responsáveis pela hipersensibilidade imediata são: histamina,
SRS-A ou slow reacting substance of anaphylaxis, fator ativador plaquetário, prostaglandinas

estocados em grânulos, dentro de mastócitos e basófilos, que são células com receptores para
IgE em sua superfície. Quando o antígeno apropriado é introduzido, sua interação com o
anticorpo presente na superfície da célula leva a mesma a se degranular, secretando mediadores
farmacologicamente ativos.
Algumas drogas como morfina, codeína, quinina, polimixina B, curares, hidralazina e
meperidina podem causar degranulação de basófilos e mastócitos sem a mediação de IgE e, por
isso, causam reações que são chamadas de anafilactoides.
A liberação de mediadores pode ser suprimida aumentando-se o AMP cíclico
intracelular. Isto pode ser conseguido através de um aumento de sua produção por agentes tais
como epinefrina e isoproterenol ou pela administração de elementos que impeçam o seu
catabolismo pela fosfodiesterase, como é o caso da teofilina. Os efeitos da liberação dos
33

mediadores também podem ser revertidos po


tecido muscular e vascular.

FIGURA 1.14 - Reação de Gell e Coombs tipo 1- Anafilaxia.

Reação tipo 2 (reação de citotoxicidade ou de um anticorpo dirigido contra um tecido específico)


- A reação tipo 2 depende da interação de um anticorpo: IgM ou uma IgG que reage com um
antígeno firmemente ligado a superfície de um tecido ou de uma célula. O antígeno, nesta
situação, pode ser um constituinte da membrana da célula ou algum elemento firmemente
aderido a ela como drogas ou partículas virais. Receptores de membrana também podem
funcionar como antígenos.
O dano tecidual pode ocorrer de duas maneiras: ou através da ativação do
complemento, ou através de citotoxicidade dependente de anticorpo, na qual o anticorpo e a
sua célula alvo, ,já ligados, se fixam a uma célula mononuclear, via receptor Fc do anticorpo.
Alguns exemplos de doenças onde este mecanismo é bem evidente: anemias hemolíticas
autoimunes, síndrome de Goodpasture, reações transfusionais etc...

FIGURA 1.15- Reação de Gell e Coombs tipo 2. Citotoxicidade mediada pelo anticorpo

Reação tipo 3 (ou por formação de complexo imune)- Este mecanismo é bem evidente em
doenças como doença do soro, lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide com vasculite
etc.. Imunocomplexos circulantes existem em condições normais, mas as quantidades são, em
geral, muito pequenas e não causam dano. Para que ocorra este tipo de doença, a quantia de
complexos imunes deve estar aumentada, superando a capacidade de depuração pelo SRE.
Estes complexos imunes que sobram se depositam principalmente em paredes de vasos. Este
34

depósito é facilitado por condições locais, tais como vasodilatação e um aumento de pressão
hidrostática do sangue dentro do vaso.
Os complexos imunes depositados iniciam a sequência de ativação do complemento, o
qual gera dano às células endoteliais.
É comum, também, que estes complexos imunes fiquem retidos no parênquima de
órgãos que contém pontos de filtração sanguínea, como, por exemplo, no plexo coroide do
cérebro, no corpúsculo ciliar do olho e, naturalmente, nos glomérulos renais. Nestes pontos os
capilares têm poros maiores. Isto explica muito dos achados clínicos destas doenças. Além disto,
a constituição do complexo imune tem afinidade por certos tecidos, facilitando o seu depósito
nestes. Sabe-se, por exemplo, que complexos imunes formados por DNA-anti DNA têm uma
predileção especial pelos glomérulos renais, sendo parcialmente responsáveis pela lesão renal
encontrada no rim de pacientes lúpicos.

Figura 1.16. Reação de Gell e Coombs tipo 3- Doença do soro.

A reação tipo 3, quando provocada experimentalmente em animais, segue 2 modelos


patológicos. A reação de Arthus e a doença do soro. A reação de Arthus acontece de uma
maneira mais “localizada” que a doença do soro e é provocada por injeções repetidas de
antígenos debaixo da pele. Depois de várias injeções, a pele do local reage com formação de um
processo inflamatório e necrose local. A explicação para estas reações é a de que as primeiras
injeções promovem o aparecimento do anticorpo específico, que se combina com o antígeno
fornecido pelas injeções seguintes. Formam-se complexos imunes que se depositam embaixo
das células endoteliais, ativam complemento, atraem fagócitos etc...
Já a d
oença do soro é uma reação mais generalizada e provocada pela introdução, via
endovenosa, de antígenos (em geral, soro de cavalo, contendo antitoxinas). Principalmente em
casos em que se injeta uma grande quantia, os indivíduos desenvolvem rash urticariforme,
artrites, linfonodomegalia perto do local da injeção, e, nos casos mais severos, até choque e
morte.
A doença do soro pode acontecer de maneira aguda e de maneira crônica e, a maneira
pela qual ela se apresenta, ajuda a entender os tipos de glomerulonefrites que encontramos
nestas doenças. Se a situação for aguda e o complexo imune for pequeno (o que é visto em casos
de excesso de antígeno), este complexo imune ultrapassa a membrana basal e as células
endoteliais estimulando a proliferação destas últimas. Se, em uma reação aguda, o complexo
imune for grande, ele ultrapassa a camada endotelial, mas não a da membrana basal do
glomérulo. Ficando embaixo das células endoteliais, ele também estimula a sua proliferação.
Nestas duas situações supracitadas desenvolve-se uma glomerulonefrite do tipo proliferativo.
Em casos de reação crônica (ocasionadas, por exemplo, por injeções repetidas de
antígenos) o tipo de glomerulonefrite resultante depende do nível de antígeno circulante. Se for
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alto, ocorre passagem dos mesmos através da membrana basal, promovendo uma deposição
em células mesangiais ocasionando o aparecimento de uma glomerulonefrite do tipo mesangial.
Se o nível for baixo, o depósito acontece dentro da membrana basal, espessando-a e
promovendo aparecimento de uma glomerulonefrite do tipo membranoso.

Reação tipo 4 (ou de hipersensibilidade retardada)- Envolve imunidade celular: linfócito T,


macrófagos e seus produtos solúveis. Esta reação é dita retardada porque a resposta aparece
de 48 a 72 h. após exposição ao antígeno, que é o tempo necessário para a elaboração das
linfocinas efetoras (em contraste com a do tipo imediato).
O exemplo mais comum é, talvez, a intradermorreação de Mantoux, obtida pela injeção
de tuberculina na pele de um indivíduo imunizado anteriormente pela bactéria da tuberculose.
A reação se caracteriza por eritema e induração que atinge um máximo em 24-48 h.
desaparecendo lentamente.
Exemplos de doença nas quais a hipersensibilidade retardada desempenha um papel
importante são: infecção por micobactérias, infecções por fungos (histoplasmose), por
helmintos (esquistossomose), reações a toxinas (beriliose) e reações de hipersensibilidade a pós
orgânicos (pneumonites de hipersensibilidade).

Sobre as doenças autoinflamatorias: estas são doenças de desregulação do processo


inflamatório e que vêm sendo reconhecidas mais recentemente. Muitas delas tem origem
genética como defeitos dos genes associados com a indução da inflamação, como p.ex. IL-1 e
TNFα. Outras ainda tem origem esconhecida. Alguns exemplos são: Febre familiar do
mediterrâneo, as criopirinopatias, síndrome de hiper IgD, etc..

Referências
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Carroll MV, Sim RB. Complement in health and disease. Advanced Drug Delivery Reviews 2011; 63: 965–975.
McHeyzer-Williams LJ, McHeyzer-Williams MG. Antigen-specific memory B cell devel-opment. Annu Rev Immunol 2005; 23:487-513
Wenink MH, Leijten EFA, Cupedo T, Radstake TRDJ. Review: Innate Lymphoid Cells: Sparking Inflammatory Rheumatic Disease?
Arthritis Rheumatol. 2017 ; 69(5):885-897.
Round JL, Mazmanian SK The gut microbiota shapes intestinal immune responses during health and disease. Nat Rev Immunol.
2009 ;9(5):313-23
36

. Capitulo 2- Noções básicas de anatomia e fisiologia articular

Juntas ou articulações são dispositivos anatômicos formados por 2 ou mais peças do


esqueleto que se mantém em íntima conexão umas com as outras graças a elementos fibrosos
ou a cartilagens.

CLASSIFICAÇÃO DAS ARTICULAÇÕES

As articulações humanas têm diferentes desenhos e graus de mobilidade, assim como os


componentes histológicos, que fazem sua união, são também diferentes.
De acordo com estas peculiaridades são classificadas em:
1)- Sinartroses: são, por exemplo, as linhas de sutura do crânio. As placas ósseas estão separadas
por uma formação fibrótica fina que permite o crescimento ordenado, mas impede a sua
mobilidade.
2)- Anfiartroses: são articulações que possuem uma união fibro-cartilaginosa que permite uma
mobilidade bem reduzida. Exemplos deste tipo de articulação são: a sínfise púbica e terço
inferior das articulações sacroilíacas. O disco intervertebral é uma articulação anfiartrodial mais
móvel e altamente especializada.
3)- Diartroses ou articulações sinoviais: são as articulações dotadas de maior mobilidade e,
também, as mais comuns. Todas contêm membrana e líquido sinoviais. Estas juntas são
frequentemente subclassificadas de acordo com a forma da superfície cartilaginosa em: a) em
sela.Ex: 1a carpometacarpiana; (b) em dobradiça. Ex: interfalangeanas; (c) em placa . Ex: patelo-
femoral; (d) de bola e encaixe. Ex: quadril.
Mais importante do que esta subclassificação é entender o fato de que a forma é
paralela à função desempenhada. Desde que a movimentação mais comum se faz no sentido de
flexão-extensão em pelo menos um eixo, uma das superfícies é, em geral, convexa e a oposta,
côncava. A direção e a extensão do movimento permitido são determinadas pela forma e
tamanho da superfície que se opõe. O aumento do potencial de mobilidade é acompanhado por
certo risco de instabilidade e facilidade para traumatismos, e, portanto, acentuação de possíveis
processos inflamatórios e degenerativos existentes.

ORGANIZAÇÃO DE UMA ARTICULAÇÃO

MÚSCULOS, TENDÕES E LIGAMENTOS - Existe uma correlação direta entre a massa muscular
em volta de uma articulação e o grau de mobilidade da mesma. Além disso, esta massa muscular
ajuda a promover estabilidade, principalmente, em articulações proximais como ombro e
coxofemoral. Já nas articulações periféricas, a estabilidade é conseguida graças à sua própria
anatomia (o que restringe muito a sua mobilidade) e a ligamentos densos.
Quando existe edema intra-articular ocorre uma inibição reflexa da contração muscular,
sobrevindo atrofia muscular em articulações que porventura fiquem imobilizadas. Isto acontece
precocemente, em questão de dias, merecendo atenção por parte do médico atendente, numa
tentativa de evitar o processo.
Tendões são pontes entre músculos e ossos. Podem se subdividir e se inserir em vários
ossos. A maioria dos locais de fixação do tendão no osso são estruturas complexas e altamente
especializadas, nas quais fibras de colágeno do tendão se misturam à fibrocartilagem e ao osso.
Esse ponto de entrada de um tendão no osso é conhecido como êntesis e pode ser o local
primário de inflamação em certas doenças reumáticas como as espondiloartrites. Muitos
tendões, principalmente os dotados de grande amplitude de movimento, são providos de uma
bainha formada por células que lembram as sinoviais e que ajudam a promover o seu deslize
37

sem atrito. Estas bainhas contém ácido hialurônico, uma substância com viscosidade alta pro-
duzida pelas células locais. A função de deslize pode ser prejudicada pela formação de adesões
fibróticas entre tendões e suas bainhas ou entre vários tendões entre si. Estas fibroses se
formam, em geral, por cicatrizações cirúrgicas ou por processos inflamatórios seguidos de
imobilização.Ligamentos e tendões têm poucas diferenças estruturais e anatômicas. A mais
óbvia é a de que um ligamento faz ligação de osso com osso. Alguns ligamentos têm um teor
mais alto de elastina que os tendões. Muitas vezes, os ligamentos se parecem, ao exame
macroscópico, com reforços da cápsula articular.

BURSAS - Servem para auxiliar na função de deslise, diminuindo a fricção entre um tecido e
outro. São sacos fechados contendo células mesenquimais parecidas com as sinoviais.
Existem cerca de 70 bursas em cada lado do corpo, e elas podem ser superficiais ou
profundas. Bursas profundas formam-se na vida intra-uterina, junto com as articulações
sinoviais. As superficiais se formam alguns meses depois do nascimento, o que sugere que a
pressão e o atrito podem ser necessários para o seu desenvolvimento. Existem ainda, as bursas
adventícias, que aparecem bem mais tarde, em resposta à pressão direta sobre deformidades
ósseas e deformidades.
As bursas podem ser locais de infecção ou de depósito de cristais (principalmente de
uratos, em casos de gota).

LÍQUIDO SINOVIAL - É um ultrafiltrado do plasma ao qual se adicionou ácido hialurônico


elaborado pelas células sinoviais. Destina-se a diminuir o atrito das cartilagens durante o
movimento. Existe em pequenas quantidades; só o suficiente para recobrir as superfícies
formando uma película delicada. Em casos de doença articular, a análise do líquido sinovial é útil
na elaboração do diagnóstico. Essa análise é objeto do próximo capítulo.

OSSO SUBCONDRAL - Sua microestrutura deve ser adequada para que a cartilagem subjacente
possa ser saudável. A rigidez do osso é importante para transmissão de forças de impacto para
a cartilagem.

SUPRIMENTO VASCULAR E NERVOSO - Existem complexas redes arteriais e venosas que


formam múltiplas fístulas A-V as quais se comunicam com o suprimento vascular do periósteo e
osso periarticular. A área de leito capilar sinovial é muito grande e desempenha papel
fundamental na troca de moléculas, o que pode explicar a grande propensão das juntas
diartrodiais para desenvolver efusões e hemartrose. Existem vários fatores que influem no fluxo
sanguíneo do capilar sinovial, tais como: calor:- aumenta velocidade do fluxo; exercício:-
aumenta o fluxo para músculo periarticular; imobilização:- diminui o fluxo; pressão intra-
articular:- quanto maior, menor o fluxo. A cavidade articular é uma cavidade virtual. Derrames
articulares causando aumento de pressão dificultam a entrada do sangue, podendo, em casos
de volume muito grande, paralisar totalmente o fluxo sanguíneo. Os capilares sinoviais são
dotados de fenestrações cobertas por uma membrana fina que facilita a troca de pequenas
moléculas com o líquido sinovial. O suprimento nervoso articular é duplo e formado por nervos
que ou são destinados especificamente à articulação ou destinados primariamente aos
músculos. A sensação de posição da articulação está relacionada com a presença de terminações
nervosas na cápsula e também nos músculos. Pacientes com capsulectomia total, como por
exemplo, os com prótese de quadril, mantém boa sensação de posição da articulação.

CÁPSULA ARTICULAR - Pode ser dividida em duas camadas: uma externa, fibrosa e rica em
fibras colágenas espessas e, uma interna, a membrana sinovial. A membrana sinovial é uma es-
trutura altamente flexível e forma o principal tecido intracapsular. É formada por 3 camadas:
uma íntima (também chamada militante), que elabora o líquido sinovial pata lubrificar a
38

cartilagem. Abaixo da íntima está a subíntima, que é amplamente vascularizada, e, em seguida,


a camada externa ou subsinovial, que faz limite com a cápsula fibrosa.
Na camada íntima existem 2 tipos principais de células: as do tipo A, semelhantes a
macrófagos, com muitos lisossomos e vesículas micropicnóticas, e as do tipo B, semelhantes a
fibroblasto, com poucas organelas e extenso retículo endoplasmático, o que está provavelmente
relacionado com a sua função de fabricar ácido hialurônico. Além destes dois tipos principais,
existem as células C que são intermediárias entre as células A e B. As células da membrana
sinovial não estão limitadas por uma membrana basal verdadeira e repousam numa matriz rica
em fibras colágenas e proteoglicanos. Elas se organizam em vilosidades as quais aumentam em
extensão e número com a idade do indivíduo. A espessura da sinovial é irregular. Em áreas
sujeitas a atrito ou pressão de outras estruturas tornam-se descontínuas podendo se reduzir,
nestes locais, ao tecido subsinovial. Em áreas não sujeitas a trauma, as células sinoviais se
acumulam em até 3 ou 4 camadas.

FIGURA 2.1 – Componentes de uma articulação.

CARTILAGEM ARTICULAR - Forma uma superfície lisa de espessura assimétrica na extremidade


articular. Sua finalidade é permitir o deslize suave da articulação ao realizar movimentos e
suportar carga. Compõe-se basicamente de células (os condrócitos) e matriz. Estes elementos
conferem à cartilagem as propriedades necessárias para execução das funções acima citadas.
Condrócitos: - As células formam apenas 1-2% do volume total da cartilagem do adulto. Elas são
responsáveis pela elaboração da matriz e das enzimas capazes de destruí-la. Como a cartilagem
não tem suprimento sanguíneo próprio, a nutrição do condrócito é feita a partir do líquido
sinovial. Neste processo, a difusão dos nutrientes é auxiliada pela convecção induzida pela
compressão cíclica seguida de liberação da cartilagem durante o uso da articulação. Para
entender isto imagine que a cartilagem funciona como uma esponja; quando submetida à
pressão o líquido sinovial é espremido para fora; quando a compressão é aliviada, ela se embebe
no líquido circunjacente, rico em nutrientes. Isto ajuda a entender porque a imobilização leva à
diminuição do metabolismo do condrócito, e, se este período for prolongado, à perda de função
do mesmo, que pode ser irreversível. A realização de movimentos passivos auxilia na cura de
uma cartilagem injuriada. Quando a cartilagem é danificada, sua capacidade de regeneração
depende totalmente do condrócito sobrevivente, mas, em geral, o reparo é precário.
Matriz: A matriz contém dois tipos principais de macromoléculas: o colágeno e os
proteoglicanos. O colágeno da cartilagem é do tipo 2. Ele estrutura a cartilagem e forma uma
rede de contensão para os proteoglicanos. A orientação das fibras do colágeno varia de acordo
com a profundidade da cartilagem. Na sua parte mais superficial, as fibras estão orientadas de
maneira paralela à superfície articular e isto auxilia da proteção contra forças abrasivas geradas
39

durante o movimento. Na porção mais profunda eles orientam-se no sentido vertical indo se
inserir no osso subcondral. É o colágeno que confere resistência à tensão. Veja figura 2.2

A
FIGURA 2.2 (A)- Disposição das fibras de colágeno dentro da cartilagem. (B )- Estrutura da matriz

Os proteoglicanos são substâncias altamente hidrofílicas contidas dentro da rede do


colágeno. Seu alto grau de hidratação confere a cartilagem propriedades de resistência à
compressão, embora às custas de um aumento de sua vulnerabilidade à digestão enzimática.
São formadas por glicosaminoglicanos agrupados em torno de uma proteína central. Estes
glicosaminoglicanos podem ser de dois tipos: o queratanos e o sulfato de condroitina. Os
glicosminoglicanos se ligam a proteína central como se fossem folhas de uma árvore.

A porcentagem relativa de queratano e de


sulfato de condroitina varia de acordo com
a profundidade da cartilagem e sua
distribuição topográfica varia de indivíduo
para indivíduo, parecendo ser
geneticamente determinada numa espécie
de "impressão digital" da cartilagem.
Quando um proteoglicano tem alto peso
molecular, ele recebe o nome especial de
agrecano. A maioria dos proteoglicanos
existe em associação não covalente com o
FIGURA 2.3-Estrutura dos proteoglicanos ácido hialurônico e glicoproteínas.
formando agregados de alto peso
A razão deste tipo de formação não é bemmolecular.
sabida, mas supõe-se que ela ajude a manter
os proteoglicanos dentro da rede de colágeno e promova alguma forma de proteção à digestão
enzimática.
Biomecânica da cartilagem-Articulações que suportam peso estão, obviamente, sujeitas a
cargas altas, localizadas e de aplicação repetitiva. Embora os tecidos moles e o osso subcondral
tenham papel na dissipação da energia, forças consideráveis são transmitidas à cartilagem. A
cartilagem normal dissipa essa força através de propriedades especiais que são atribuídas à sua
composição química e às interações entre proteoglicanos e colágeno e outras moléculas. Não
fosse isto, a cartilagem seria facilmente destruída. Por causa do alto teor de glicosminoglicanos,
a cartilagem tem uma permeabilidade hidráulica baixa o que limita a quantia de líquido perdido
40

através da superfície submetida à compressão. Quando uma carga é aplicada, a pressão na


cartilagem sobe e a cartilagem se deforma de maneira gradual e reversível à medida que a água
é espremida pela superfície articular. Quando a carga é removida, a camada líquida que foi exu-
dada é novamente re-embebida e a cartilagem se expande. É a alta densidade de cargas
negativas dos proteoglicanos que permite que os mesmos segurem uma quantidade muito
grande de água. A restrição destes proteoglicanos dentro da rede de colágeno cria uma pressão
de edema no tecido que é contrabalançada pela força tensil da rede do colágeno.
Nas articulações que suportam peso, a rede de colágeno está sujeita a uma força tensil
ainda maior. Quando uma força compressiva é aplicada à cartilagem, o fluxo de água será
impedido pela pressão de "inchamento" e pela baixa permeabilidade hidráulica do tecido, mas
os proteoglicanos hidratados procuram se mover para fora da região sob pressão. O gradiente
de pressão impede o fluxo para baixo de tal maneira que este se faz principalmente no sentido
lateral até o ponto em que a rede do colágeno o restringe. A rede de colágeno contém
substâncias que a cimentam, a fim de impedir que uma fibra escorregue sobre a outra. Estas
substâncias cimentantes são vulneráveis ao dano mecânico, o que pode ser importante na
gênese da osteoartrite.

ANÁLISE DO LÍQUIDO SINOVIAL

Tirar líquido sinovial de uma junta doente e estudá-lo pode ser considerado como uma
"biópsia líquida", sendo esta análise fundamental para o diagnóstico diferencial das doenças
reumáticas. Mesmo pequenas quantias podem ser retiradas de pequenas aericulações como a
primeira metatarsofalangiana. Até em pacientes com diagnóstico já estabelecido, a sinovianálise
pode dar pistas para novas situações como por ex: infecção bacteriana em articulação de um
paciente com AR ou LES; superimposição de doença por depósito de pirofosfato de cálcio em
paciente com osteoartrite etc...
O líquido sinovial normal é um ultrafiltrado do plasma com pequena quantia de proteínas
de grande peso molecular como fibrinogênio, 1C etc... ao qual se adicionou ácido hialurônico
produzido pelas células B da membrana sinovial. O conteúdo de proteínas é cerca de 1/4 da do
plasma.
O líquido sinovial normal é de cor palha, em quantias que variam de poucas gotas até 3,5
ml no joelho. As células são poucas (menos que 200/ml) e incluem células sinoviais grandes,
monócitos, macrófagos, linfócitos e neutrófilos, existindo um predomínio das mononucleares.
Um outro constituinte é a glicose, em quantidades um pouco menores que as do plasma.

COLETA DO LÍQUIDO - A punção deve ser executada sob condições estéreis. Os locais de punção
são múltiplos, estando na dependência da articulação em questão. Existem atlas especiais para
esta demonstração. Em certas situações, o líquido sinovial pode conter elementos que
provocam a sua coagulação, o que impossibilita a sua análise, sendo, por isso, prática comum se
fazer a coleta em frascos anticoagulados. A preferência do anticoagulante deve recair sobre a
heparina para que se evitem a formação de cristais que podem vir a confundir a análise posterior
do material. É importante, também, que o líquido coletado seja entregue ao laboratório em um
curto prazo de tempo para que não se alterem os resultados. A contagem leucocitária após 6
horas de coleta pode cair pela metade (por morte celular provocada pela falta de oxigênio e
nutrientes). Outra observação é a de que a lidocaína usada como anestésico para a punção, por
ter efeitos bacteriostáticos, não deve entrar em contato com o líquido a ser analisado,
principalmente em casos suspeitos de artrite séptica, para que isto não promova um resultado
falso negativo.

EXAME MACROSCÓPICO - Os elementos analisados macroscopicamente em um líquido sinovial


são:
41

a) volume: a quantidade de líquido ajuda a avaliar a gravidade da artrite. Alguns líquidos


são de difícil aspiração por causa da presença de fibrina espessa, corpúsculos de arroz (rice
bodies) etc... Às vezes, o líquido pode estar septado e não acessível à rota escolhida para
punção.

b) viscosidade: é avaliada olhando-se o líquido


sinovial gotejar através da seringa. Os líquidos de
baixa viscosidade gotejam como água; os viscosos
caem formando um fio. Líquidos altamente viscosos
são vistos em hipotireoidismo. O grau de vis-
cosidade tende a ser paralelo ao teor de
hialuronidato, ou melhor, ao grau de polimerização
no complexo hialuronidato-proteína. A viscosidade
diminui à medida que o grau de polimerização deste
complexo diminui, o que geralmente acontece por
ação de enzimas lisossômicas, produzidas por
leucócitos procedentes do processo inflamatório.
Por outro lado, a viscosidade aumenta à medida que
a temperatura diminui, o que pode explicar a rigidez
articular associada ao clima frio. Em processos
purulentos, um número muito alto de leucócitos
pode tornar o líquido viscoso
Figura 2.4- Viscosidade de líquido
sinovial
c)- cor e claridade: diz-se que um líquido é
turvo quando não se consegue ler através
do tubo que o contém, quando este é
colocado em frente a um papel impresso.
Isto sugere um processo inflamatório. Não
se deve esquecer que o plástico de certas
seringas pode tornar o líquido falsamente
turvo. Em geral, quanto mais opaco, maior
é o número de células, mas isto pode, às
vezes, acarretar em interpretações
errôneas. Alguns líquidos podem conter os
chamados corpúsculos de arroz (rice bodies)
os quais são comumente confundidos com
pus. Os corpúsculos de arroz são o re-
sultado de proliferação e degeneração
sinovial, restos celulares e fibrina. O líquido
FIGURA 2.5- Líquido de um paciente com sinovial de pacientes com ocronose pode
gota, opaco por conter muitos cristais conter partículas escuras semelhantes à
pimenta moída.

Fragmentos de prótese de metal ou plástico podem conferir uma cor cinza ou preta ao
líquido. Na sinovite pigmentada vilonodular aparece um líquido hemorrágico ou de coloração
laranja-amarronada. Líquido sinovial de paciente com gota pode conter um número muito
grande de cristais e por isso ter uma cor esbranquiçada.
Estrias de sangue podem resultar de acidente de punção. As causas de um líquido
uniformemente hemorrágico estão resumidas no quadro 2.1.
42

QUADRO 2.1 -CAUSAS DE LÍQUIDO SINOVIAL HEMORRÁGICO


 Trauma com ou sem fratura  Trombocitopenia
 Sinovite pigmentada vilonodular  Escorbuto
 Sinovioma  Ruptura de aneurisma
 Hemangioma  Junta de Charcot
 Doença de Von Willebrand  Hemofilia
 Fístula artério-venosa  Uso de anticoagulantes
 Idiopático

CONTA LEUCOCITÁRIA - A conta leucocitária é a base para classificação do líquido sinovial em


não inflamatório, inflamatório ou séptico. Esta contagem serve para fornecer uma avaliação
grosseira do grau de inflamação, principalmente quando analisada em amostras sequenciais.
Um líquido não inflamatório contém 200 a 2000 leucócitos/mm3. Líquidos inflamatórios não
infecciosos contêm entre 2000 e 75.000 leucócitos/mm3 e líquidos sépticos tem contagens
acima de 100.000 leucócitos/mm3. Naturalmente os valores acima citados não são absolutos.
Uma infecção parcialmente tratada ou de baixa virulência pode ter uma contagem abaixo de
100.000 leucócitos/mm3, assim como, uma doença inflamatória, se muito intensa, pode
fornecer contagens que lembram enfermidades sépticas.

EXAME MICROSCÓPICO DO LÍQUIDO SINOVIAL

Preparo direto - Consiste no exame de uma gota do líquido sinovial a fresco, para cristais e
outros constituintes. Se só uma gota de líquido é obtida. Esta análise pode ser feita e a seguir a
lâmina é fixada e corada pelo Gram, se o caso assim o requerer.
Em geral, o líquido analisado não é centrifugado, mas isto pode ser feito na tentativa de
concentrar raros cristais ou células. O exame com microscopia óptica simples mostra eritrócitos
e leucócitos podem ser vistos e sua contagem pode ser estimada. Fragmentos de cartilagem
também podem ser visualizados. Ragócitos são leucócitos contendo corpúsculos de inclusão,
primariamente vistos na AR, mas também vistos em outras patologias. Estas inclusões
representam fagossomos distendidos ou vacúolos. Outros materiais que podem ser vistos:
fibrilas de fibrina, massas globulares de amilóide, fragmentos metálicos de próteses, gotas de
lipídeos (estes vistos em artrite traumática ou pancreatite necro-hemorrágica). Espículas de
medula óssea são achadas em casos de fraturas. Grumos globulares, semelhantes a moedas,
podem representar agregados de hidroxiapatita.
O exame de microscopia com luz polarizada tem por finalidade principal a detecção e
identificação de cristais. Cristais de urato aparecem como bastões ou agulhas e tem bir-
refringência negativa. Na crise de gota são encontrados dentro de células fagocitárias. Os cristais
de uratos obtidos de tofos são em geral mais longos e predominantemente extracelulares.
Cristais de pirofosfato de cálcio têm birrefringência fracamente positiva e são romboédricos e
mais curtos que os de urato. Uma grande variedade de material birrefringente pode ser visto à
luz polarizada: preparações de corticoide de depósito podem formar cristais semelhantes a
bastões, grânulos e fragmentos irregulares de birrefringência positiva ou negativa. Cristais de
colesterol podem ser vistos em sinovites crônicas, principalmente AR; têm formato de placa com
um sulco num dos cantos. Cristais de oxalato são encontrados em pacientes com insuficiência
renal crônica, sendo pleomórficos, mas incluindo sempre formas bi-piramidais grandes. Grumos
de cristais de hidroxiapatita são vistos ocasionalmente, mas estes cristais só podem ser
identificados com certeza por difração com R.X. ou microscopia eletrônica.
43

A B

B C
FIGURA 2.6- (A) Cristais de urato em liquido sinovial; (B)- Cristais de urato de tofos; (C) Cristais de
pirofosfato de cálcio; (D) Cristais de colesterol.

b) Lâminas coradas- A coloração de Wright serve para demonstrar fragmentos de cartilagem e


de sinovial; espículas de medula óssea e células de gordura e condrócitos carregados de ferro
em pacientes com hemocromatose. Identifica as células inflamatórias e as classifica em PMN,
monócitos, linfócitos etc. Células malignas e bactérias também podem ser vistas nesta colo-
ração. A coloração de Gram é feita à procura de bactérias e, naturalmente, de sua classificação
em Gram positivas e Gram negativas. Mesmo em doenças sépticas é comum a ausência de
bactérias. O gram é sensível para 75% dos casos de infecção estafilocócica e 25% dos casos de
artrite gonocócica. Outras colorações são: vermelho congo para amiloidose; Ziehl-Neelsen para
tuberculose ou doença de Hansen .

TESTES ESPECÍFICOS

A dosagem da glicose deve ser feita simultaneamente com a glicose sanguínea sendo, o
valor normal do líquido sinovial ligeiramente mais baixo do que o do sangue. Níveis muito baixos
(menores que 50% do valor plasmático) sugerem infecção ou AR. Pode-se dosar o complemento
hemolítico total ou as frações do complemento; tem valor quando comparado com níveis
séricos. Está diminuído em LES e hepatite; aumentado em artrite reativa.
Ao se pedir cultura não se deve esquecer que o meio deve ser adequado ao germe que se
procura. Se anaeróbios são procurados, não deixar de expelir todo o ar da seringa e usar um
meio de transporte para o laboratório que forneça condições de anaerobiose. Gonococos só são
cultivados em 25 a 30% dos casos. O líquido deve ser semeado em ágar-chocolate ou meio de
Thayer-Martin e deve-se fornecer CO2 à cultura. Fungos requerem o meio de Sabouraud e os
bacilos da tuberculose no de Lowenstein Jensen. Outros testes são determinação de pH (o
normal é 7.4; está mais baixo em inflamações); pesquisa de FAN e fator reumatoide (podem ser
identificados no líquido quando negativos no soro).
44

São causas de derrames do tipo não inflamatório: osteoartrite, trauma, acromegalia,


Doença de Paget, junta de Charcot, hemocromatose, amiloidose, necrose asséptica etc... São
causas de derrames do tipo inflamatório: artrite reumatoide, artrite psoriásica, artrite reativa,
espondilite anquilosante, artrite idiopática juvenil, moléstia reumática, doenças do colágeno,
eritema multiforme, doença do soro, artrites por cristal etc..

QUADRO 2.2 - LÍQUIDO SINOVIAL

EXAME NORMAL NÃO INFLAMATÓRIO INFLAMATÓRIO SÉPTICO


Viscosidade alta alta Baixa variável
Transparência transparente transparente translúcido opaco
Leucócitos /mm3 <200 200-2.000 2.000-75.000 >100.000
% de PMNs <25% <25% >50% >75%
Cultura negativa negativa Negativa positiva
Glicose  ao sangue  ao sangue  ao sangue 50% < sangue
Exceção : AR
(<50% sangue)
Doenças osteoartrite, trauma, MR; AR ; LES; artrites sépticas
artropatia de Charcot. esclerodermia, gonocócicas e
espondiloartrites, não
gota, DDPCa,FR. gonocócicas.

Referências:
Ferrari AJL, Líquido sinovial. Rev Bras Rheumatol 1996;36:87-92
Fye, KH. Aspiration & Joint Injection. In Imboden J, Hellmann DB, Stone JH (eds). Current Rheumatology: Diagnosis & Treatment.
Mc Graw Hill. New York, 2004: 10-7.
45

Capítulo 3- Abordagem do paciente com queixas reumáticas

A anamnese e exame físico bem feitos são de suma importância em reumatologia, uma
vez que, nesta especialidade, não existe nenhum exame laboratorial que isoladamente forneça
um diagnóstico de certeza.

A ANAMNESE

Vamos, inicialmente analisar os componentes da anamnese de um paciente com queixa


relacionada ao aparelho locomotor nos quais devemos focar nossa atenção.

IDENTIFICAÇÃO
a) Sexo. É interessante observar que existem doenças que incidem mais comumente em um dos
sexos, como por exemplo: artrite reumatoide e o lúpus eritematoso, nas mulheres. Já
espondilite anquilosante e gota preferem o sexo masculino. Dentro de uma mesma doença
podem existir variações clínicas dependendo do sexo do paciente. Assim, a artrose primária na
mulher é vista mais comumente em coluna cervical, dedos e joelhos; no homem, incide mais em
coxofemorais e coluna lombar.
b) Raça. A artrite reumatoide incide mais em brancos que em negros. A doença de Behçet e
Kawasaki são mais comuns na raça amarela.
c) Idade. Também interessa no que diz respeito a prevalência de certas enfermidades. A febre
reumática aparece preferentemente em crianças e jovens; a artrite reumatoide da criança é uma
doença totalmente diferente da artrite do adulto. A espondilite anquilosante inicia-se em
indivíduos jovens. A gota aparece em homens em qualquer idade; na mulher sua incidência
aumenta após a menopausa. A dermatomiosite da criança pode ser uma doença mais grave do
que a do adulto se estiver associada à vasculite do aparelho digestivo, que pode ser fatal.
d) Profissão. É importante porque o tipo de atividade física do indivíduo pode estar intimamente
relacionado com a doença apresentada. São alguns exemplos: cotovelo de tenista, epitrocleite
de golfista, esclerodermia em pessoas que se expõe aos solventes de tinta, tricloroetileno e
sílica, lombalgia nos indivíduos com profissão sedentária etc...

ANTECEDENTES MÓRBIDOS PESSOAIS- Alguns exemplos da importância da obtenção deste


dado são: história de litíase renal em pacientes com gota; história de A.V.C. ou I.A.M.
precedendo o aparecimento de síndrome ombro-mão; história de dor de garganta antes da
febre reumática e de uretrite blenorrágica antes da artrite gonocócica.

ANTECEDENTES MÓRBIDOS FAMILIARES - Da mesma maneira que os antecedentes pessoais, os


antecedentes familiares podem dar a sua contribuição para o diagnóstico. Observa-se, por
exemplo, uma tendência familiar para o aparecimento de nódulos de Heberden (artrose
primária das mãos) vista de maneira bem óbvia nas mulheres; a espondilite anquilosante é vista
em vários membros da mesma família; parentes de pacientes com lúpus têm uma frequência
maior de lúpus, seja da forma sistêmica, seja da forma discoide. A febre reumática também é
vista comumente entre membros de uma mesma família, não por influência hereditária, mas
por condições ambientais comuns (em geral, meio sócio econômico muito baixo) que favorece
a disseminação do estreptococo associado com a sua ocorrência.

HISTÓRIA DA MOLÉSTIA ATUAL - Na anamnese do paciente reumático a queixa mais frequente


é, sem dúvida, dor articular e, ela deve ser explorada sob os seguintes aspectos:

a)-Intensidade. Dores muito intensas são vistas em pacientes com crises agudas de gota, hérnia
de disco e nas bursites. Já a artrose e as doenças do tecido conjuntivo trazem dor com menor
46

intensidade. Não se deve esquecer que dor é um dado subjetivo e extremamente sujeito a
variações individuais e a influências do psiquismo. Uma dor descrita como intolerável em um
paciente capaz de exercer suas atividades normalmente é extremamente sugestivo de que
fatores emocionais estão ampliando o sintoma.

b)-Irradiação. Resulta, em geral, de compressão de raízes nervosas, como por exemplo,


discopatia cervical causando cervicobraquialgia; hérnia de disco lombar causando lombo-
ciatalgia, síndrome do túnel carpiano promovendo dor e parestesias nos 3 dedos médios da
mão.

c)-Ritmo. Diz respeito ao comportamento diário da dor. É importante aqui, verificar o


aparecimento ou agravamento da dor em relação ao uso da articulação bem como a sua
presença em repouso. Este último dado aponta para a caracterização de um processo
inflamatório. Os processos puramente mecânicos apresentam dor ao uso da articulação,
melhorando com o repouso. Veja um exemplo: um paciente com dor lombar por espondilite
anquilosante (processo inflamatório) costuma ter dor noturna que melhora a medida "que o
corpo esquenta". Já um paciente com discopatia lombar (processo mecânico) tende a ter dor à
medida que o dia passa, melhorando com o repouso.

d)- Localização anatômica da dor. Se a dor está exatamente sobre a junta uma desordem
articular está presente; já, se a dor está entre as articulações, sugere um processo ósseo ou
muscular. Dor em localizações de tendões, fáscias ou bursas sugerem patologia destas
estruturas. A dor de estruturas profundas costuma ser menos focal do que as de estruturas
superficiais. Assim, um envolvimento de pequenas articulações nas mãos é mais corretamente
localizado do que o de estruturas mais profundas como coxofemorais e ombros.

e)- Caráter. Embora este tipo de descrição seja extremamente variável, a dor tipo "surda"
sugere envolvimento articular. Uma dor tipo queimada ou em pontadas sugere neuropatia.

f)- Padrão de envolvimento articular. É um dado que auxilia bastante no diagnóstico etiológico.
Assim, a AR. envolve grandes e pequenas articulações de maneira simétrica. Já as
espondiloartrites ocasionam preferentemente um envolvimento assimétrico, em articulações
de mm.ii. A gota inicial frequentemente afeta a primeira metatarsofalangiana (podagra)
evoluindo em ciclos de padrão monoarticular. À medida que a doença progride, toma o caráter
poliarticular. É importante, também, que se verifique se o envolvimento se faz de maneira
aditiva ou migratória. A AR. é um bom exemplo de envolvimento aditivo (no qual, novas
articulações vão sendo afetadas, somando-se às anteriormente já envolvidas). A moléstia
reumática é um bom exemplo de envolvimento migratório, no qual à medida que uma segunda
articulação é envolvida, a primeira melhora.

g)- Ciclo. A grande maioria dos processos articulares evolui de maneira cíclica podendo, nos
casos mais graves, tomar um aspecto continuado. O tempo de duração e frequência destes ciclos
são fatores importantes na determinação da agressividade do tratamento.
Além de dor, o paciente reumático pode ter outras queixas. A de edema é um elemento
importante na separação de uma artrite de uma simples artralgia. A percepção do paciente em
relação à sua presença é variável. O examinador tem que decidir muitas vezes se existe edema
ou não pelo exame físico. Não é raro uma pessoa obesa descrever como edema as coleções
adiposas que se formam aos lados do joelho. Edema que ocorre em área confinada e de maneira
aguda se faz acompanhar de sintomatologia dolorosa importante por causa da pressão exercida
pelo líquido nas paredes; já o edema crônico é mais bem tolerado por dar tempo para que ocorra
estiramento das paredes da sinóvia.
47

Outra queixa comum é a de limitação de movimento. O tempo e a extensão em que a


limitação está presente são importantes na tentativa de se predizer a sua reversibilidade. Um
início agudo para limitação de movimento sugere ruptura de tendão.
A rigidez matinal é descrita pelo paciente como desconforto ao tentar mexer as
articulações após um período de imobilidade, e traduz existência de processo inflamatório. Sua
duração é indicativa do grau de atividade da doença. Esta queixa pode aparecer como pródromo
de uma artrite e é um dos critérios diagnósticos para a A.R. A rigidez matinal de uma doença não
inflamatória (chamada de gelling) é de curta duração: - menos de 1/2 hora .
Finalmente o paciente pode se queixar de fraqueza. Quando está presente a perda de
força motora deve ser confirmada ao exame físico. Em desordens musculares observa-se uma
perda de força em musculatura proximal; nas neuropatias, a fraqueza é mais distal. Deve ser
separado do sintoma fadiga que embora muitas vezes proeminente tem uma conotação
totalmente diferente.

QUEIXAS REFERENTES A OUTROS APARELHOS - Não se deve esquecer que doenças reumáticas
podem ter envolvimento multissistêmico, como é o caso, por exemplo, das colagenoses. É
fundamental, portanto, prestar-se atenção às outras queixas do paciente, na tentativa de
verificar se pertencem ou não à patologia reumática básica.

EXAME FÍSICO

Embora as queixas referentes ao aparelho músculo esquelético sejam muito comuns,


achados de uma doença reumática verdadeira, ou mesmo afecção de partes moles bem definida
só estão presentes em uma pequena porcentagem de pacientes. Por isso o médico se vê forçado
a procurar, através do exame físico, qualquer evidência (passada ou recente) de uma
enfermidade reumática. Além disso, o exame físico fornece uma avaliação do estado estrutural
e funcional das articulações. Os sinais mais procurados em exame físico são: edema,
sensibilidade, limitação de movimento, crepitação, deformidades e instabilidades.
O edema pode ser causado por coleção líquida intra-articular ou por inflamação de
tecidos periarticulares (ex: bursites). Deve ser separado do aumento de volume ósseo e de
coxins gordurosos extra-articulares. A localização da sensibilidade pela palpação ajuda a
determinar se o processo é intra ou periarticular.
Chama-se crepitação à sensação produzida pelo atritar de superfícies ásperas e
percebido pela palpação (e às vezes até pela audição). Significa que a cartilagem articular, antes
lisa e deslizante, tornou-se áspera pelo desgaste. Deve ser separada do "estalo" causado pelo
deslize dos tendões e ligamentos sobre a superfície articular e que não têm significado especial
podendo ser ouvido em articulações normais.
Para avaliação da limitação de movimento é necessário que se conheça a amplitude e
os tipos de movimento que cada articulação é capaz. A limitação pode se dever à dor, fraqueza
e alterações nas estruturas articulares e periarticulares.
A deformidade é resultante de aumento de volume ósseo, subluxação articular,
contraturas e ancilose em posições anômalas. Instabilidade articular está presente quando o
movimento da articulação é maior que o normal em algum sentido. Subluxação é definida como
um deslocamento parcial de uma das superfícies articulares, mantendo-se, entretanto, algum
tipo de contato com a superfície oponente. Já no deslocamento articular, a perda de contato é
total.
Para se proceder a um exame reumatológico, a primeira coisa que se deve fazer é
remover completamente as roupas do paciente. Caso isso não seja feito, aspectos importantes
da distribuição do envolvimento articular podem passar despercebidos. O exame começa pela
observação da marcha e postura do paciente, da maneira como ele se levanta da cadeira ou da
mesa de exames. Muitos reumatologistas começam o exame articular com as articulações de
48

extremidade superior e seguem para o tronco e membros inferiores. O importante é que cada
examinador estabeleça a sua maneira de proceder e a execute sempre do mesmo modo, para
não acabar esquecendo algum segmento. Vamos descrever aqui o exame que segue a sequência
de membro superior para o inferior e inclui, por último, a coluna.

Articulações metacarpofalangianas, interfalangianas proximais e distais - Todas elas são


articulações tipo "dobradiças". Edema dos dedos pode ter origem articular ou extra-articular. O
edema sinovial leva a um aumento simétrico da junta em si, dando o aspecto de dedo em fuso,
enquanto que, o de origem extra sinovial é assimétrico e difuso. Edema crônico de
metacarpofalangianas tende a produzir distensão e relaxamento da cápsula articular que,
combinado com o desiquilíbrio de forças musculares tende a deslocar o tendão dos músculos
extensores dos dedos para fora da cabeça dos metacarpianos causando o desvio ulnar visto nas
artrites crônicas.
Nódulos de Heberden e Bouchard são produzidos por hipertrofia óssea. Os de Heberden
estão em interfalangianas distais; os de Bouchard, na proximal. Ambos são achados de artrose
das mãos.
Dedo em pescoço de cisne é o nome dado ao aspecto do dedo no qual existe contratura
em flexão da metacarpofalangiana, hiperextensão da interfalangiana proximal e flexão da distal.
Estas alterações são produzidas por retração de músculos e tendões. É uma deformidade típica
da AR. Dedo em botoeira (ou em boutonnière) é aquela com flexão da interfalangiana proximal
associada à hiperextensão da interfalangiana distal. Acontece quando a porção central do
tendão extensor da interfalangiana proximal se desprende da base da interfalangiana proximal
permitindo o deslize em direção palmar das bandas laterais, as quais passam a funcionar como
flexores ao invés de extensores dos dedos. É também uma deformidade típica da AR. Outra
anormalidade que pode ser vista nas mãos é a telescopagem dos dedos, que ocorre quando
existe encurtamento dos dedos por reabsorção da parte óssea e pregueamento da pele, que
está em excesso sobre as articulações. É vista nas formas mutilantes de artrite reumatoide e de
artrite psoriásica.

FIGURA 3.1- Desenho esquemático de deformidades dos dedos vistas em artrite


reumatoide

As articulações metacarpofalangianas são palpadas em seu aspecto dorsal de cada lado


dos tendões extensores com as falanges proximais discretamente fletidas. Pequenas
quantidades de líquido são detectadas comparando-se com outras articulações.
As interfalangianas proximais e distais são examinadas através da palpação dos aspectos
mediais e laterais destas articulações, e, também no seu sentido ântero-posterior. A força da
mão pode ser avaliada pedindo-se ao paciente que prenda com força um ou dois dedos do
examinador. Deve-se também testar a mobilidade e força de cada dedo em separado.

Punhos - Os movimentos do punho são de flexão palmar, dorsiflexão, desvio ulnar e radial e
circundação. Pronação e supinação da mão ocorrem por conta da articulação rádio-ulnar
proximal e rádio-ulnar distal. O edema da região do punho pode se dever a envolvimento das
bainhas de tendões e/ou da articulação propriamente dita. Quando é a bainha dos tendões que
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está envolvida, o aumento de volume é mais localizado. Sinovite de uma articulação é mais
facilmente detectada palpando-se a superfície dorsal da mesma. Em processos inflamatórios
crônicos pode ocorrer subluxação da ulna, a qual aparece como uma proeminência em região
dorso lateral do punho e pode exercer pressão sobre os tendões extensores do 4º e/ou 5º dedos.
Este atrito pode promover ruptura destes tendões com perda da extensão destes dedos (caput
ulnae síndrome ou síndrome da cabeça da ulna).
Ganglion ou cisto sinovial é um aumento de volume cístico originário na cápsula
articular, que ocorre no dorso do punho. Em geral está preenchido com um material gelatinoso
e é uma verdadeira herniação da estrutura sinovial com a qual se conecta através de um canal
provido de válvula.
Chama-se contratura de Dupuytren à situação na qual a aponeurose palmar torna-se
espessada promovendo contratura em flexão ao nível da metacarpofalangiana. Ocorre
principalmente em 3º, 4ºe 5º dedos. A pele da palma da mão torna-se aderente a fáscia. É mais
frequente em diabéticos.
Tenossinovite estenosante (ou de De Quervain) é um processo inflamatório do tendão
do abdutor longo e extensor curto do polegar trazendo o aparecimento de dor junto ao processo
estiloide do rádio. É detectado através da manobra de Finkelstein, na qual o paciente fecha o
punho e o examinador procede ao seu desvio ulnar promovendo o aparecimento de dor sobre
o processo estiloide do rádio.
Síndrome do túnel carpiano resulta da pressão sobre o nervo mediano ao passar no
túnel do carpo promovendo o aparecimento de parestesias nos três dedos médios da mão
afetada.

A B
FIGURA 3.3- (A)- Anatomia do túnel do carpo; (B)- Diagrama da distribuição de parestesias
em Síndrome do túnel do carpo.

Existe um grande número de manobras descritas para detecção de túnel carpiano, a


maioria delas é grosseira e insensível. Uma delas é a manobra de Tinel, na qual se faz uma
percussão delicada sobre o túnel do carpo, com reprodução dos sintomas em casos positivos.
Outra manobra é a de Phalen – na qual o paciente faz flexão de 90º ao nível dos punhos durante
1 minuto com reprodução dos sintomas.

Cotovelos - O cotovelo é formado por três articulações, sendo a úmero-ulnar a que exerce o
principal papel. Ela tem um movimento em dobradiça. As outras duas, a rádio ulnar proximal e
a rádio umeral respondem pela rotação do antebraço. O exame do cotovelo é feito pinçando-se
o olécrano do paciente entre o polegar e o 2º ou 3º dedo e testando-se a sua mobilidade.
Limitações de movimento e crepitações podem ser notadas. Edema é percebido quando o
cotovelo está em extensão total. A presença de sinovite é comumente associada à limitação de
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movimento. Sobre o processo olecraniano está a bursa olecraniana e bursites podem ocorrer
isoladamente ou em doenças como A.R. e gota. Deve-se também palpar diretamente sobre os
epicôndilos medial e lateral à procura do cotovelo de golfista (internamente) ou de tenista
(externamente). O exame da região torna-se mais completo com inspeção e palpação da
superfície extensora do antebraço à procura de nódulos subcutâneos.

Ombros - A articulação glenoumeral é formada pela articulação da cabeça do úmero e a


cavidade glenoide da escápula que é um tanto rasa. Chama-se manguito rodador do ombro ao
conjunto de tendões do supraespinhoso, infraespinhoso, teres minor e do músculo
subescapular. Os três primeiros se inserem de maneira conjunta da tuberosidade do úmero. A
bursa subacromial situa-se sob o acrômio e se estende sob o músculo deltoide. O ombro deve
ser inspecionado à procura de evidências de edema, atrofia muscular e deslocamento. O exame
sistemático inclui palpação da junta acrômio-clavicular, do manguito rodador do ombro, região
da bursa subacromial e do tendão do bíceps, assim como palpação de toda a cápsula articular.
A mobilidade do ombro pode ser testada, de uma maneira grosseira, pedindo-se para o
paciente fazer um círculo com os braços, lateralmente, até acima da cabeça (180º). Para testar
a mobilidade da articulação glenoumeral o examinador deve fixar a escápula do paciente com
uma mão e, abduzir o braço de 90º e rodá-lo externamente de 90º.Manobras específicas para
as várias patologias do ombro serão estudadas à parte.

Coxofemorais - O exame deve incluir observação de como o paciente anda e de como fica em
pé. Ao se olhar o paciente deve-se tentar alinhar as espinhas ilíacas ântero-superiores. Se existir
obliquidade, esta pode se dever à escoliose, discrepância no tamanho das pernas ou patologia
do quadril. Os movimentos do quadril são testados com o paciente em posição supina. Os
movimentos possíveis são os de: flexão, extensão, abdução, adução, rotação interna e externa
e circundação.
A presença de contratura em flexão é sugerida
pela persistência de lordose lombar e inclinação da pelve
quando o paciente se deita. Esta compensação pode ser
anulada através do teste de Thomas na qual o quadril
oposto é fletido para "apagar" a lordose lombar e fixar a
pelve. O defeito em flexão então aparece. Na rotina
diária, se o paciente não tem queixas específicas no
quadril pode-se fazer apenas um teste de screening com
a manobra de Fabere (F= flexão; ab= abdução; re=
rotação externa) ou seja, pede-se ao paciente para que
faça um 4 com as pernas. Em pacientes com queixas de
dor em face lateral da coxa, a região do grande trocanter
deve ser palpada à procura de sensibilidade local que
pode denotar a presença de bursite trocantérica.
FIGURA 3.4 –Diagrama de meralgia Chama-se meralgia parestésica à neuropatia de
parestésica compressão do nervo cutâneo lateral ao passar pela
fáscia da porção ao passar pela fáscia da porção
superior da coxa.
O diagnóstico da meralgia é feito ao se encontrar dor à palpação no ponto de penetração
do nervo na fáscia, o que ocorre aproximadamente 10 cm abaixo da espinha ilíaca ântero-
superior.

Joelhos - O joelho compõe-se, na realidade, de três articulações: a patelo-femoral, tíbio-femoral


medial e tíbio-femoral lateral. Estas duas últimas têm meniscos. O joelho é estabilizado pela
cápsula articular e pelos ligamentos cruzados anterior e posterior, colaterais medial e lateral e
ligamento da patela. Sua mobilidade é uma combinação de flexão e extensão com rotação.
51

Existem várias bursas ao redor desta articulação, sendo as principais: a pré patelar, infra
patelares superficial e profunda, anserina, semimembranosa e do gastrocnêmio.
O exame do paciente deve incluir inspeção em pé; o suporte do peso pode demonstrar
defeitos de alinhamento não observados com paciente deitado.
Chama-se joelho varo ou “genu varum” ao desvio lateral do joelho com desvio medial
da perna; joelho valgo ou “genu valgum”, ao desvio medial do joelho com desvio lateral da
porção inferior da perna.

A
B

FIGURA 3.5- (A) Desalinhamentos do joelho; (B) diagrama do cisto de Baker

Assimetria por edema ou atrofia muscular pode ser notada. Atrofia da musculatura do
quadríceps é frequente nas artrites do joelho e aparece de maneira precoce. A porção posterior
do joelho deve ser observada à procura de aumento de volume no local. Cisto de Baker é um
aumento de volume da bursa semimembranosa medial que aparece como uma formação
globosa em fossa poplítea. Este cisto tem comunicação com a articulação do joelho, existindo,
nesta comunicação, uma válvula que permite a passagem de líquido em um único sentido, do
joelho para o cisto. Cistos poplíteos podem se romper e o líquido pode dissecar os músculos da
panturrilha promovendo edema e flogose no local, o que causa muita confusão com
tromboflebite. Edema localizado em região de patela pode ser devido à bursite pré-patelar que
é vista comumente em pessoas que costumam ficar ajoelhadas muito tempo (e por isso também
chamada de joelho de freira ou de lavadeira). Para que o joelho seja adequadamente palpado,
a musculatura deve estar relaxada (ou seja, o paciente deve estar deitado). Procura-se edema,
alterações de temperatura e nódulos. Em grandes coleções líquidas, a patela pode ser
empurrada de encontro à articulação ocorrendo o seu rechaço. Pequenas quantidades de
líquido podem ser postas em evidência através do sinal do abaulamento. Nele o examinador
comprime o lado medial da articulação e com a palma da mão faz uma compressão deslizante
no lado externo desenhando uma onda líquida em casos positivos. Instabilidade de ligamentos
pode ser posta a descoberto aplicando-se stress em varus, ou valgus e através do sinal da gaveta.
O sinal da gaveta aparece em ruptura de ligamentos cruzados. Para pesquisá-lo desloca-se o
platô da tíbia sobre o côndilo femoral com o joelho em flexão a 90ºe o quadril em flexão de 45º.
Em casos de suspeita de lesão de meniscos deve-se procurar estalidos e ruídos secos durante
extensão da articulação, além de sensibilidade ao longo da linha articular. Sintomas que
sugerem esta patologia são: sensação de entrave à mobilização do joelho e dor local. Perda de
extensão devido à contratura em flexão é um achado comum em artrites crônicas de joelho e
podem levar ao encurtamento do membro.

Tornozelo e pé - Os movimentos do tornozelo são de dorsiflexão e flexão plantar. Inversão e


eversão ocorrem por conta das articulações subtalar e intertarsianas.A cápsula do tornozelo é
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frouxa no aspecto antero-posterior, mas firmemente estabilizada por ligamentos nas posições
laterais. O arco do pé está suportado pela aponeurose plantar, pequenos músculos do pé e
tendões longos que cruzam o tornozelo em direção à sola do pé. A aponeurose ou fáscia plantar
é uma estrutura fibrosa que se estende do calcâneo e, no meio do pé se divide em porções que
vão até os cinco dedos. A área perto da inserção da aponeurose no calcâneo está
particularmente sujeita a efeitos de reações inflamatórias e traumas sendo comum a formação
de esporões.
Existem várias posições anormais do pé que devem ser reconhecidas:
•-pé chato ou valgo-plano: são aqueles em que existe abaixamento do arco longitudinal;
•-pé cavo: é o que tem elevação do arco longitudinal;
•-pé equino: é o formado por contratura do pé em flexão plantar. Este último aparece por
contratura do tendão de Aquiles e é frequente em pacientes confinados ao leito.
Das deformidades vistas nos dedos dos pés são algumas das mais comuns:
•-hallux-valgus ou joanete: é a deformidade do 1º pododáctilo, na qual existe desvio lateral do
1º dedo resultando numa angulação anormal e rotação da primeira metatarsofalangiana. O 1º
metatarsiano desvia-se medialmente o que torna o pé mais largo anteriormente e produz uma
proeminência do 1º osso metatarsiano. O 1º dedo fica sobre ou sob os demais. É comum a
formação de uma bursa ou calo sobre a cabeça proeminente do 1º metatarsiano.
•-dedo em martelo: deformidade que consiste na hiperextensão da metatarsofalangiana e
flexão da interfalangiana proximal. A interfalangiana distal pode ficar hiperestendida ou reta.
•-"cock-up toe": refere-se à subluxação da falange proximal ao nível das cabeças metatarsianas.
Estas se deslocam em direção à sola do pé aonde podem ser palpadas. As pontas dos dedos
ficam acima da superfície quando o pé está descansando.
Um calcanhar doloroso pode ter várias causas tais como esporões, tendinite do tendão
de Aquiles, bursite retrocalcânea, fraturas, periostites... A localização da dor revela a causa mais
provável dos sintomas.

FIGURA 3.6 - Pontos de dor no tornozelo e planta do pé

O tendão de Aquiles pode ser sítio de localização de nódulos reumatoides, tofos,


xantomas e calos fibrosos. Ruptura do tendão pode ser total ou parcial e ocorre geralmente
durante atividade física para qual o indivíduo não está preparado, trazendo dor, edema e
equimose no local.
Edema no tornozelo pode ser visto no aspecto lateral e ântero-lateral da articulação
onde a cápsula é mais frouxa. Já a sinovite das articulações intertarsianas pode ser de difícil
observação tendendo a produzir um edema difuso do dorso do pé. Nos dedos a sinovite pode
ser detectada palpando-se o aspecto medial e lateral de cada articulação.
53

Sinovite das interfalangianas podem se associar a tendinites e causar edema de todo o


dedo conferindo-lhe um aspecto "em salsicha".Metatarsalgia ou dor na superfície plantar ao
nível da cabeça dos metatarsianos ou articulações metatarsofalangianas é queixa muito comum.
Em jovens, trauma e osteocondrite da cabeça do 2º metatarsiano não são raros.
Neuroma interdigital ou de Morton é um aumento de volume fusiforme do nervo
interdigital, comumente associado à dor de caráter queimante ou aguda e alterações de
sensibilidade local. Localiza-se preferentemente entre ou distalmente aos 3º e 4º
metartarsianos (ao nível da cabeça dos mesmos). Mais comum em mulher e frequentemente
bilateral.Fraturas de marcha podem ocorrer após uso prolongado dos pés. Em geral, são fraturas
transversas da haste do metatarsiano. Fraturas de marcha também podem ocorrer em calcâneo
e porção distal da tíbia ou fíbula. Síndrome do túnel tarsiano: promove o aparecimento de
sensação de queimação dos pés (principalmente à noite) e fraqueza dos músculos intrínsecos
dos pés. É causada por compressão do nervo tibial posterior ao passar sob o retináculo flexor,
ao nível do maléolo medial.

Esqueleto axial - Os pontos de referência da anatomia das costas são importantes para ajudar a
localizar certas patologias. Para que sejam localizados, o paciente deve estar em pé, relaxado e
com os braços estendidos ao lado do corpo. A 7ª vértebra cervical e a 1ª torácica são
proeminentes na base do pescoço. A linha horizontal traçada entre os pontos mais altos da crista
ilíaca passa na coluna ao nível de L4. As "covinhas" sacras (espinhas ilíacas póstero-superiores)
estão alinhadas ao nível de S2.A inspeção da coluna pode revelar: escoliose, alterações no
alinhamento da pelve, cifose, hiperlordose lombar ou perda de lordose lombar. Espasmo
muscular pode ser proeminente em região paravertebral e é geralmente assimétrico. Percussão
das apófises espinhosas ajuda a localizar estruturas dolorosas, o que sugere doença de um
segmento específico da coluna.
As sacroilíacas podem ser palpadas e percutidas à procura de sensibilidade direta.
Sensibilidade indireta pode ser demonstrada colocando-se o paciente deitado de lado e
aplicando-se força contra o ilíaco lateralmente. Tanto a pesquisa de sensibilidade direta como
indireta são manobras insensíveis, ajudando muito pouco na separação da dor lombar de origem
em sacroilíacas daquelas originárias em outros pontos.
A coluna cervical deve ter sua mobilidade examinada, incluindo-se flexo-extensão,
rotação e inclinação lateral. Os processos espinhosos de C2 a C7 devem ser palpados.Em
pacientes com suspeita de doença radicular, deve-se utilizar a manobra de Spurling, na qual a
cabeça é inclinada para o lado dos sintomas, aplicando-se uma pressão no topo. Se, com a
pressão aplicada, existir reprodução ou agravamento de uma cervicobraquialgia, diz se que a
manobra é positiva. Pacientes com queixas referentes à coluna cervical devem ter exame
neurológico de membros superiores e inferiores para que a avaliação seja completa.
A coluna torácica é responsável pelos movimentos de rotação do corpo os quais devem
ser testados. A mobilidade costovertebral pode ser avaliada medindo-se a circunferência do
tórax em inspiração e expiração (a diferença em jovens é de 5 a 6 cm).
Os movimentos da coluna lombar são de flexão e extensão. Uma boa observação de
mobilidade do segmento lombar é feita pedindo-se para que o paciente se incline para a frente,
como se tentasse tocar o solo, mantendo os joelhos retos. O que ocorre normalmente é um
apagamento e posterior reversão da lordose lombar. A manobra de Lasègue serve para testar a
existência de pinçamento da raiz nervosa ao nível da coluna lombar. Nesta manobra procede-se
ao levantamento de uma das pernas estando o paciente deitado. Se houver pinçamento,
aparece dor no membro testado provocada pelo estiramento da raiz nervosa pinçada. Um teste
positivo tem o seu valor aumentado quando a dor é agravada pela dorsiflexão do tornozelo ou
aliviada pela flexão do joelho, o que também é chamado de contra-manobra de Lasègue.
O teste de Schober é uma medida da flexibilidade lombar. Duas marcas são feitas
verticalmente a partir do bordo superior do sacro, separadas pela distância de 10 cm. O paciente
é instruído para inclinar-se para a frente sem flexionar os joelhos. A distância entre as duas
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marcas, que inicialmente era de 10 cm, alonga-se para 15 ou 16 cm. (Diz-se que o paciente tem
um índice de Schober de 10/15 ou 10/16). Se o paciente tiver um defeito de flexão esta distância
estará encurtada. Assim como na coluna cervical, o exame da coluna lombar só será completo
quando a avaliação neurológica de membros inferiores for feita. Esta última auxilia em muito na
localização da raiz nervosa pinçada.

AS PRINCIPAIS SÍNDROMES ARTICULARES

Fazer um diagnóstico etiológico em reumatologia passa pela resposta fundamental de


duas perguntas. A primeira é: quem tem a doença? Para isto volte à anamnese e veja os dados
epidemiológicos que sugerem uma doença reumática. Valorize, principalmente, a faixa etária,
a raça e o gênero do paciente. A segunda pergunta é: o que ele tem ?... ou seja, qual é a
síndrome que domina o quadro clínico. Lembra lá da propedêutica? Síndromes são conjuntos
de sinais e sintomas que podem ter múltiplas etiologias. É sempre bom pensar em síndromes
antes do diagnóstico etiológico porque, se você fizer assim, quando um diagnóstico etiológico
não consegue ser confirmado, você sempre terá outras possibilidades na sua lista de
diagnósticos diferenciais. Para isso, cuide na hora de tirar a história do paciente. Muitos de nós
apanham a queixa principal, fazem um diagnóstico etiológico provisório e “crivam” o paciente
com perguntas fechadas acerca deste diagnóstico para ver se ele confirma ou não... Dá certo?
Até pode dar certo em situações mais simples, mas se o paciente tem um caso complicado, isso
pode induzir ao erro. Quando o caso é mais difícil – deixe o paciente falar e faça uma lista de
todas as suas queixas. Procure enfeixar estas queixas em síndromes. Use tantas quantas
síndromes forem necessárias para explicar o quadro da maneira o mais completa possível.
Escolha a síndrome dominante (que, em geral, explica a queixa principal) e vá para um banco
de dados (livro, internet, etc...) procurar as suas causas. Escolha a causa que pode explicar o
maior número de síndromes que você listou e comece, por ai, a sua investigação.
Mas, para fazer isso em reumatologia, você precisa conhecer as principais síndromes
articulares. Se você souber as principais síndromes e quais as doenças que as causam, você
resolve muita cosia em reumatologia só com a anamnese e exame fisico. Não vamos falar aqui
das síndromes de medicina interna em geral. Estamos partindo do principio que estas você já
sabe e elas serão muito úteis em paceitnes com colagenoses e com vasculites.
As síndromes articulares em reumatologia podem ser divididas de uma maneira mais ou
menos simplista em periféricas e axiais. Um conselho: pelo menos no começo de sua vida
profissional pense nas etiologias axiais e periféricas em separado. Se der para juntar mais tarde,
ótimo! Se não, elas podem ser doenças separadas mesmo. Veja bem: não é porque uma senhora
tem artrite reumatoide que ela não possa ter, também, uma artrose lombar, principalmente se
ela já tiver uma certa idade. Se você tentar colocar tudo junto, desconfio que não vai dar certo.
As sindromes articulares periféricas passam pela divisão inicial entre artralgias e artrites.
Embora muitos pacientes se queixem de articulações inchadas e você queira colocar isto em
artrite ao invés de artralgia, é sempre bom que o componente inflamatório seja verificado pelo
médico. Você pode ver isto achando inflamação no momento do exame físico ou as suas
sequelas. Achar inflamação pode não ser lá muito fácil quando o paciente é mais gordinho e as
articulações em questão são articulações pequenas como, por exemplo, as
metacarpofalangianas. Muitos médicos reumatologistas dispõem de aparelho de ultrassom no
próprio consultório e isto pode ser de muita valia nesta diferenciação. Feito isto você vai prestar
atenção no número de articulações afetadas: se uma (monoartrite ou monoartralgia), se poucas
(oligoartrites) e se muitas (poliartrite ou poliartralgia). Para ver as principais causas de mono e
poliartrite veja o capitulo em separado para cada uma delas, lá na frente (capítulos 9 e 10
respectivamente).
55

Se a queixa for axial, separe as síndromes por localização: cervical, dorsal e lombar.
Queixas cervicais podem ser divididas em cervicalgias, cervicobraquialgias e dor predominante
no ombro mas com irradiação cervical. Suas causas estão lá no capitulo 27. Dor na coluna
dorsal é interpretada como dorsalgia e na região lombar é dividida em lombalgia e
lombociatalgia. A lombalgia, por sua vez, deve ser separada em mecânica e inflamatória.
Tente exercitar estas diferenciações e você vai ver que vale a pena. No quadro abaixo
uma divisão das principais síndromes.
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PEQUENO ATLAS DE EXAME FISICO EM REUMATOLOGIA


(EXAME DOS 5 MINUTOS)
Exame das mãos e punhos
1- inspeção: procurando por alterações de pele, deformidades e desalinhamentos, etc.... Nos
quadros abaixo algumas deformidades típicas das doenças reumáticas.

Artrite reumatoide inicial Dedos em pescoço de cisne Dedos em botoeira


Artrite reumatoide Artrite reumatoide

Polegar em Z Edema de terceira Mão em ventania- (AR)


Artrite reumatoide (AR) interfalângica proximal

AR- Mão com desvio ulnar Vasculite periungueal Raynaud grave e isquemia
Lúpus eritematoso sistêmico digital - Esclerodermia

Esclerodermia - Vasculite lupus Pápulas de Gotron em MCF-


leucomelanodermia dermatomiosite
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Esclerodermia Cianose e afilamento da polpa Calcinose em paciente


digital em paciente com com esclerodermia
Esclerose de pele
Raynaud

Osteoartropatia hipertrófica Dactilite


Contratura de Dupuytren
(clubbing) Espondiloartrite (4ºdedo)

Tofos - Gota Tofo gotoso Gota tofácea em mãos e


cotovelo.

Nódulos de Heberden Nódulos de Bouchard OA de mão com cisto


mucoide
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A palpação as interfalangianas proximais e distais e


feita com um movimento de báscula para sentir ondas
líquidas

OBS- existe muita deformidade ISOLADA do 5º dedo,


que se deve à malformação congênita, não podendo,
portanto, ser valorizada no diagnóstico de doença
reumática.

3- exame das metacarpofalangianas: Primeiro peça ao paciente para dobrar os dedos e observe
as reentrâncias e saliencias formadas. Quando existe edema, as reentrâncias estão obliteradas.
Depois faça uma pressão sobre todas as metacarpofalangianas de uma só vez à procura de dor
(squeeze test). Se o paciente tiver dor, examine cada metacarpofalangiana individualmente nos
mesmo moldes das interfalangianas.

Observe as reentrâncias e saliências formadas Squeeze test


pelas articulações metacarpofalangianas em
flexão
4- Exame do punho: Palpe o punho a procura de edema. Depois teste os movimentos. Embora
o punho possua uma grande amplitude de movimentos, rotineiramente pesquisamos a flexão
dorsal e palmar do mesmo.

Extensão do punho Flexão do punho


59

5- Manobras para exame da mão e punho:


Rotineiramente são pesquisadas as manobras de Finkelstein para tendinite de De Quervain e as
de Phallen e Tinnel para tunel do carpo;

1- MANOBRA DE FINKELSTEIN

Para tenossinovite de De Quervain (tendinite do


abdutor longo e extensor curto do polegar).

Faça uma adução forçada do polegar sobre a palma


da mão. Feche os dedos sobre o polegar. Faça um
desvio ulnar do punho. Se o paciente reclamar de dor
sobre os tendões (mais ou menos região do processo
estiloide do rádio) a manobra é positiva

2- MANOBRAS PARA TUNEL DO CARPO - Podem ser feitas a manobras de Tinel e Phalen .
Na manobra de Tinel é feita percussão sobre a porção ventral do punho ( sobre o retináculo dos
flexores) e o paciente deve referir dor parestesicas nos três dedos médios (às vezes, também
no polegar, mas nunca no dedo mínimo). Na manobra de Phallen o paciente faz uma flexão
forçada dos punhos por 1 minuto. A resposta é a mesma.

Manobra de Tinel Manobra de Phallen

Atrofia da região tenar em paciente com Sindrome do túnel do carpo bilateral


60

EXAME DO COTOVELO

1- Na inspeção podem ser vistos: desalinhamentos, nódulos reumatoides (são comuns sobre a
ulna) e bursites olecranianas.

Bursite olecraniana em paciente com gota Nódulo reumatoide em cotovelo

2- Procure edema sobre a articulação e faça os


movimentos de flexão e extensão. Observe que
um cotovelo normal faz um movimento de 180
graus.

3- Palpe os epicôndilos mediais e laterais. Se houver dor no epicôndilo medial o paciente terá
cotovelo de golfista; se no lateral, de tenista.

Local de dor em cotovelo de golfista Local de dor em cotovelo de tenista


61

EXAME DO OMBRO

1- Inspeção: a procura de desalinhamentos (compare sempre com o outro lado) e


edemas.

Aumento de partes moles em região do ombro Observe edema em região de ombro


esquerdo esquerdo

Ruptura do tendão do bíceps. Sinal de Popeye

2- mobilidade do ombro: pesquisa-se a abdução, elevação e rotações internas e externas

Abdução Elevação Rotação externa Rotação interna


62

3- Palpação: Prestar atenção especial a dois pontos dolorosos: o da projeção do tendão do


supra espinhoso e o do bíceps porque dor sobre esses locais significa tendinite dos respectivos
músculos

Local de dor tendinite do supra espinhoso Local de dor na tendinite do bíceps.

4- Manobras para o ombro: existe um número muito grande de manobras para essa articulação.
Serão demonstradas aqui apenas duas: a do arco, para tendinite do supra espinhoso e/ou bursite
subacromial e a de Yergason para tendinite do bíceps.
Na manobra do arco pede-se ao paciente para realizar um arco de 180º com o braço. Dor entre
60º e 120º significam tendinite do músculo supra espinhoso ou bursite subacromial.
Na manobra de Yergason, pede-se para o paciente, com o cotovelo fletido, fazer uma prono-
supinação do antebraço contra resistência do examinador. Se houver tendinite do bíceps aparece
dor no local do tendão do referido músculo.

Manobra de Yergason

Manobra do arco
63

EXAME DA COXOFEMURAL

1- Inspeção e palpação: dar atenção especial ao ponto


de localização da bursa trocanterica

2- Mobilidade: como scrrening é


feita a manobra de FABERE:
3-
F=flexão.
AB=abdução;
RE= rotação externa,
ou seja, pede-se ao paciente
para que faça um 4 com as
pernas.

EXAME DO JOELHO
1:Inspeção: observe desalinhamentos, aumentos de volume anteriores e posteriores (edema
da articulação ou bursites pré-patelar, ou ainda, cisto de Baker)

Genus varus Genus valgus


64

Genus valgus + cisto de Baker.

Desalinhamento grave por osteoartrite

Edema de joelho Bursite pré-patelar bilateral

Cisto de Baker – vista lateral Cisto de Baker- vista posterior


(bursa semi membranosa) (Bursa semi membranosa)
65

Pápula de Gottron ( pápula eritematosa)


sobre o joelho (dermatomiosite)
Placa de psoríase sobre o joelho

Ainda na inspeção veja se o paciente tem defeito


do joelho em flexão . Quando isto acontece ele
não consegue encostar a porção posterior do
joelho na mesa de exame e fica bem fácil para o
examinador passar a mão por baixo

2- Palpação: sinta a temperatura do joelho. Lembre que o joelho tem uma temperatura inferior a
do resto do corpo (como nariz de cachorro). Se a temperatura estiver igual, já é sinal de artrite.
Depois procure por edema fazendo uma pressão sobre a patela. Em casos de edema ela bate
na estrutura óssea psoterior e sobe novamente como uma pedra de gelo (sinal da tecla). Você
também pode fazer pressão num dos lados do joelho para acumular o liquido do outro e fazer
uma expressão com o dorso da mão a procura de visualização de uma onda liquida.

Sinal da tecla Procura de onda líquida

4- Mobilidade: só é feita, de rotina, a flexão e extensão do joelho. Ao fazer isto, coloque a


mão espalmada sobre o joelho, para sentir possíveis crepitações durante a mobilização.
Pesquisa de sinais de lesão de menisco ou de ligamentos só são feitas em casos de
suspeita para tal entidade.
66

EXAME DO TORNOZELO

1.Inspecção e palpação: a procura de desalinhamentos e edema. Na palpação deve-se


prestar especial atenção no tendão de Aquiles que pode ficar edemaciado e doloroso em
casos de tendnite de tendão de Aquiles ou podem ser sitio de localização de nódulos
reumatoides. No meio do calcanhar estão ponto doloroso da fasciite plantar ou do
esporão de calcâneo.

Local de dor em tendinite de tendão de Nódulo reumatoide em tendão de Aquiles


Aquiles

Local de dor em fasciite plantar e/ou Localização do esporão de calcâneo pelo RX


esporão de calcâneo

Articulação de Charcot em paciente Gota tofácea


diabético
67

2- mobilidade: no sentido vertical- analisa-se a articulação tíbio társica. A articulação subtalar e


testada pelo eversão e inversão do pé

Exame da articulação tíbio társica Exame da articulação subtalar (eversão-inversão)


(flexão-extensão)

EXAME DOS PÉS

1- Inspecção e palpação: a procura de desalinhamentos e deformidades.

Metatarsianos caídos em artrite Dedo em martelo e Tofo gotoso em 1ª


reumatoide hallux valgus tarsometatarsiana

Calos nas solas dos pés por causa de Diferença de crescimento de dedos em
metatarsianos caidos pacientes com artrite idiopática da infância
68

Tofo de grandes proporções no segundo Dedo em salsicha da artrite psoriásica


pododáctilo

Artrite psoriatica: psoriase de pele, alterações Ceratodermia blenorrágica (artrite reativa)


ungueais e dactilite (2º dedo)

Hallux valgus bilateral Microtofos multiplos

2- a palpação das metatarsofalaginas é feita com um aperto sobre todas elas juntas. Caso o
paciente tenha dor, a palpação individual, de cada articulação deverá ser feita

3- em casos de suspeita de neurinoma de


Morton. a palpação é feita no espaço interdigital
- em geral entre 3-4 e 4-5, a procura de
nódulos e de dor local
69

EXAME DA COLUNA

1- Inspeção : procure desalinhamentos

Cifose torácica Posição em esquiador- espondilite

2- Percussão: a seguir são percutidos todos


os apófises espinhosos a procura de pontos
de dor.

3- Mobilidade cervical : O exame da coluna cervical é feito testando-se os movimentos da


mesma : rotação inclinação lateral, flexão e extensão.

Flexão Extensão Inclinação Lateral


70

4- Manobra de Spurling

Rotação – testa as articulações cervicais È feita fazendo uma pressão no topo da


superiores. cabeça. O individuo deve estar sentado em
superfície firme. Em casos de lesão de disco
o paciente refere dor irradiada do tipo
cervicobraquialgia

5 Pesquisa da expansibilidade torácica ; è


feita medindo-se a inspiração e expiração
máximas de um individuo. A diferença deve
ser de 3- 4 cm.

6. Pesquisa do índice de Schober . Testa a flexão da coluna lombar. È feito marcando-se 10


cm acima da linha que passa pelo bordo superior do sacro. A seguir pede-se para que o
individuo flexione o tronco sem dobrar os pés sendo feita nova medida entre as marcas. Ela
deve aumentar para, pelo menos, 15 cm.

Schober 1ª posição Schober- 2ª posição


71

EXAME DA TÊMPORO-MANDIBULARv

1- palpação a procura de dor e crepitação 2- medida da abertura bucal

Rágades (pregueamento da pele ao redor da


boca)
Microstomia (menos que 3 dedos)

Miosite ossificante de masseter E. Micrognatia em artrite idiopática juvenil


72

Capítulo 4 - Anti-inflamatórios não hormonais

No manejo de um paciente com qualquer tipo de artrite não infecciosa, na primeira linha
de medicação a ser usada, está o anti-inflamatório não hormonal (AINH). Atualmente existe um
número muito grande de anti-inflamatórios não hormonais e, acredita-se que, em termos de
eficácia anti-inflamatória, as doses se equivalem. Assim, teoricamente, se alguém tomar um
grupo de pacientes com doenças de gravidade equiparável e fornecer-lhes AINHs em doses
comparáveis, a mesma porcentagem deles deverá ter uma boa resposta. Entretanto, no dia a
dia, não é bem esta a impressão clínica. Nota-se, comumente, que a resposta de um indivíduo
frente certa droga é variável. Alguns têm resposta na primeira semana. Outros, usando a mesma
droga, na mesma dose, só irão responder dentro de 3 a 4 semanas. Outros, ainda, nunca
responderão. Esta variabilidade individual na resposta está provavelmente relacionada com o
tempo de meia vida, dose, tipo de metabolismo, mecanismo de ação, assim como, toxicidade
da droga em questão.
Ao escolher um desses medicamentos o médico deve sempre observar algumas
“regrinhas de ouro” que ajudam o paciente a aderir melhor ao tratamento. Aqui vão elas:

1- Deve-se incluir, sempre, na anamnese, informações sobre o uso de drogas anteriores e uma
cuidadosa história de reações a drogas. Assim, evita-se a prescrição dos anti-inflamatórios que
tenham causado efeitos colaterais importantes ou tenham sido motivo de falha em tratamento.

2- Deve-se escolher sempre o anti-inflamatório com uma meia vida apropriada ao caso que se
vai tratar. A importância da meia vida da droga é que ela determina com que frequência esta
droga deve ser utilizada. Ora, o número de vezes por dia que uma pessoa deve ingerir
medicamentos pode ser de importância no sucesso do tratamento. Existem estudos que
mostram que, indivíduos que tomam medicamento uma ou duas vezes por dia, o fazem mais
regularmente do que aqueles que têm uma prescrição para quatro vezes ou mais ao dia. Não se
pode esquecer de que, não é raro o fato de o paciente precisar usar remédios para outras
doenças associadas, como por exemplo, para diabetes, insuficiência cardíaca etc. Aliás, este é
um fato até bem frequente nas pessoas idosas com osteoartrite, por ex. Assim, quanto mais
simples for o esquema posológico, maior a garantia de que o paciente adere a ele.
Por outro lado, medicamentos de meia-vida longa, levam muito mais tempo para atingir
o nível sanguíneo terapêutico e não são boa escolha quanto o processo inflamatório é muito
grande, com bastante dor, na qual o paciente, não pode “se dar ao luxo” de esperar vários dias
pelo seu efeito total. Exemplos bem comuns deste tipo de situação são as crises agudas de gota
e de bursites. Nestas últimas situações é melhor optar por um medicamento de meia vida curta,
que, embora tenha que ser tomado mais frequentemente, com certeza agirá mais rápido.

3- Antes de considerar um determinado anti-inflamatório como ineficiente, deve-se ter certeza


de que o paciente está tomando o medicamento em dose adequada e por tempo suficiente para
observar o seu efeito. Para isto, é de bom alvitre pedir para o paciente explicar como está
tomando o medicamento. Parece incrível, mas existe uma diferença muito grande entre as
instruções que um médico dá, e o que um paciente entende delas...
Os efeitos terapêuticos deste tipo de drogas são dose-dependentes. Muitos dos AINHs
quando usados em doses baixas são puramente analgésicos, e, só têm atividade anti-
inflamatória quando usados em doses mais altas. É claro que se deve ser criterioso ao se pesar
benefícios de seu uso em altas doses contra os seus possíveis efeitos colaterais, principalmente
quando o paciente é idoso. Neste último caso é até mais prudente começar por uma dose mais
baixa e fazer um aumento gradativo a cada 2-4 semanas. Por último, deve-se lembrar de que,
embora os AINHs possam ter efeitos aparentes dentro de uma semana, este efeito pode levar
73

bem mais tempo para aparecer, de tal maneira que é de bom esperar algum período de tempo
antes de considerar uma droga insatisfatória.

QUAIS SÃO OS ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO HORMONAIS

Os principais representantes deste grupo de medicamentos estão agrupados em


famílias no quadro 4.1.

QUADRO 4.1 - PRINCIPAIS ANTIINFLAMATÓRIOS NÃO HORMONAIS


GRUPO DO ÁCIDO CARBOXILICO
aspirina
diflunisal
GRUPO DO ÁCIDO PROPIÔNICO
Ibuprofeno, naproxeno
Fenoprofeno, cetoprofeno
GRUPO DO ÁCIDO ACÉTICO
Indometacina, tolmectin
Sulindaco, diclofenaco
etodolaco
GRUPO DOS FENAMATOS
ácido mefenâmico
meclofenamato
GRUPO DO ÁCIDO ENÓLICO
piroxicam
fenilbutazona
GRUPO DO NAFTILCANONAS
nabumetone
INIBIDORES SELETIVOS DE COX-2
Celecoxibe, valdecoxibe,
Lumiracoxibe, etorecoxibe

FARMACOCINÉTICA

Todas estas drogas possuem uma absorção boa e relativamente rápida. O uso
concomitante com a alimentação prejudica um pouco a sua absorção, mas, por outro lado,
diminui consideravelmente a toxicidade gástrica, de maneira que, vale a pena mandar tomar
estes medicamentos junto com as refeições. A neutralização do suco gástrico, com aumento do
seu pH (ex.: uso de antiácidos) torna os AINHs mais hidrossolúveis e, por isso, diminui sua
absorção pela mucosa gástrica.
A maioria destes medicamentos circula fortemente ligada a proteínas plasmáticas,
existindo apenas uma pequena fração livre. É esta porção livre que corresponde à porção
farmacologicamente ativa. A parte livre e a parte ligada com a albumina estão em constante
equilíbrio. Assim que a porção livre é metabolizada, a albumina libera algumas das moléculas de
AINH para manter o nível plasmático constante, funcionando como um verdadeiro reservatório
da droga. É importante saber isto para entender a ocorrência de interação medicamentosa que
pode acontecer quando se faz uso concomitante de outra droga que também se ligue
fortemente à albumina. Esta segunda droga, por ocupar o espaço de ligação com a albumina,
fará com que a porção livre do AINH aumente, seja rapidamente metabolizada e eliminada, di-
minuindo o efeito dele esperado. Esta é uma justificativa para que se evite usar uma associação
de anti-inflamatórios entre si.
O fato de existir um maior aporte sanguíneo em pontos de inflamação, concentra a
droga aonde ela é mais necessária. Além disso, o baixo pH do local inflamado, dissocia a droga
74

da albumina, aumentando a sua penetração celular.Os AINHs são metabolizados pelo fígado e
os metabólitos (já inativos) são eliminados pelo rim.
A meia vida dos AINHs varia bastante, mas, de uma maneira geral, eles podem ser
divididos em AINHs de meia vida curta (menos que 6 horas) e longa (mais do que 6 horas). É a
meia vida da droga que determina o número de tomadas e o tempo que a droga leva para atingir
o pico de ação como já foi comentado. Os AINHs de meia vida longa acumulam-se no plasma de
maneira significante quando administrados em longo prazo. Por outro lado, demoram em atingir
um plateau de concentração, a menos que se dê uma dose de ataque. Isto decorre do fato de
que a 1/2 vida de concentração é igual à 1/2 vida de eliminação, e, atinge-se 90% do valor do
plateau após um tempo de mais ou menos 3 meias vidas. Assim, a fenilbutazona leva 10 dias
para atingir o seu plateau, enquanto que, o naproxeno leva 2 dias. Portanto, quando alguém
quer um efeito rápido da droga, para tratar, por exemplo, uma crise aguda de gota, que é uma
situação de muita dor e inflamação, e, sobre a qual se quer ter uma ação pronta, deve utilizar
um anti-inflamatório de ação curta. Caso o anti-inflamatório escolhido seja o de 1/2 vida longa,
deve-se fazer uma dose de ataque, supra-farmacológica.
Em pacientes idosos deve-se preferir AINHs de meia vida curta, como por exemplo, o
ibuprofeno, dadas as dificuldades de metabolismo próprias da idade. É importante salientar que
a 1/2 vida da aspirina é dose dependente. Isto acontece, em dose baixa, porque o nível do ácido
acetilssalicílico aumenta de acordo com a taxa de administração. Em doses altas, entretanto,
existe um aumento desproporcional do nível sérico, uma vez que os sistemas enzimáticos
envolvidos no seu catabolismo se tornam saturados.

MECANISMOS DE AÇÃO

Uma longa lista de mecanismos de ação tem sido sugerida. Nela se incluem efeitos em
virtualmente todos os fenômenos conhecidos que ocorrem durante o processo de inflamação.
Os principais mecanismos propostos são:

INIBIÇÃO DA SÍNTESE DE PRODUTOS DO METABOLISMO DO ÁCIDO ARACDÔNICO - Os AINHs


inibem uma enzima chave na conversão do ácido aracdônico em prostaglandinas, a
ciclooxigenase. E este é o seu principal mecanismo de ação.
Relembrando: o ácido aracdônico é formado durante o processo inflamatório, a partir
da membrana das células e é metabolizado via ciclo-oxigenase e via lipo-oxigenase. Na via da
ciclo-oxigenase, depois de passar por vários intermediários, acaba por levar à formação de
prostaglandinas, prostaciclina e tromboxane.
Atualmente sabe-se que existem duas ciclo-oxigenases: uma responsável pela
fabricação de prostaglandinas para o “gasto basal” do organismo, chamada de COX-1. A
segunda, a COX-2, entra em ação quando o organismo é submetido a um estímulo inflamatório.
A maioria dos anti-inflamatórios se liga de maneira reversível às duas ciclo-oxigenases (com
exceção da aspirina que faz essa ligação de maneira irreversível) bloqueando a formação de
prostaglandinas, prostaciclinas e tromboxane pró-inflamatórias e as que servem para o
organismo executar as suas funções fisiológicas. Esta inibição dupla não só é responsável pelos
efeitos terapêuticos da droga como também por muito dos seus efeitos colaterais. Além disso,
a inibição de formação do tromboxane confere a este grupo de droga outro tipo de
propriedades, como por exemplo, a anti-agregação plaquetária. Neste último ponto vale a pena
ressaltar a diferença entre o AAS e os demais AINHs. Como já foi mencionado, a aspirina bloqueia
a ciclo-oxigenase de maneira irreversível, e, desta maneira, o seu efeito só cede quando uma
nova enzima é fabricada. Uma vez que as plaquetas, por não terem núcleo, não têm comando
para o fabrico de uma nova enzima, o efeito do AAS sobre estas células só desaparece quando
as plaquetas bloqueadas morrem e a medula óssea fabrica novas plaquetas. Isto leva 7 dias para
acontecer. Trocando em miúdos, uma única aspirina tem efeito anti-adesivo de plaquetas por 7
75

dias. Quanto aos demais AINHs, à medida que a droga é excretada e a sua ligação com a ciclo-
oxigenase é desfeita, a função plaquetária retorna ao normal.

FIGURA 4.1- Derivados do ácido aracdônico

A inibição da COX-2 não modifica apenas o processo inflamatório. Esta enzima atua,
também, no processo imune específico porque é importante para a elaboração de citocinas
como IL-2, TNF- e γ INF, as quais agem nos estágios iniciais da ativação do linfócito T. A indústria
farmacêutica tem trabalhado para desenvolver anti-inflamatórios que bloqueiam apenas, ou
pelo menos principalmente, a COX-2. Assim, procura-se diminuir um número razoável dos
efeitos colaterais. Exemplos destas drogas são os coxibes (celecoxibe, etorecoxibe valdecoxibe,
lumiracoxibe etc). Realmente, os efeitos gástricos indesejáveis melhoram muito com estes
medicamentos. Infelizmente muitos deles aumentam a chance de um evento coronariano, o que
acaba não sendo vantagem para o paciente.
Originalmente pensou-se que os AINHs não tinham efeito na via lipo-oxigenase, a qual
leva à formação de leucotrienos e lipoxinas, que também são mediadores do processo
inflamatório. Embora não se tenha conseguido provar que os AINHs ajam na via das lipo-
oxigenases existem alguns experimentos que apontam para esta possibilidade.

AÇÃO NÃO DEPENDENTE DE INIBIÇÃO DE PROSTAGLANDINAS

Ação sobre a função dos neutrófilos - Os neutrófilos, como já foi estudado, são figurinhas
essenciais no processo inflamatório. Além de gerarem prostaglandinas e leucotrienos durante o
processo de fagocitose, agem liberando enzimas lisossômicas, como p.ex, colagenases,
elastases, catepsina, etc, que são capazes de destruir não só o elemento invasor, mas, também
tecidos subjacentes. Estas enzimas degradam o colágeno e possivelmente até o osso pe-
riarticular. Em somatória a tudo isto, os PMNs liberam radicais superóxido que são altamente
destrutivos para o osso e cartilagem. Os AINHs se inserem dentro da membrana dos neutrófilos
e por um processo físico-químico perturbam as interações dele com o meio externo, interações
essas que são fundamentais para a sua função. Além disto, tem sido descrito que eles causam
uma diminuição na produção de L-selectina, uma molécula de adesão que faz a aderência do
neutrófilo à célula endotelial e assim auxilia na sua chegada ao local de inflamação.
76

Inibição de fatores de transcrição dependentes do NFB. Um dos elementos que são inibidos
aqui é a sintetase do óxido nítrico. Esta enzima produz oxido nítrico em altas quantias e este,
por sua vez, é responsável por aumento do processo inflamatório (faz vasodilatação, aumento
de permeabilidade vascular, etc.)

Atuação sobre a apoptose celular. A apoptose celular (ou morte celular programada) é inibida
pelas prostaglandinas e esta inibição favorece o aparecimento de tumores. Os AINHs, ao
inibirem as prostaglandinas, teriam um efeito de restauração da apoptose, livrando o organismo
destas células anômalas. Existem alguns estudos mostrando que certos AINHs (principalmente
AAS e sulindaco) atuam diminuindo o tamanho de pólipos intestinais em casos de polipose
familiar (que é uma situação que precede o câncer colo-retal).

USOS CLÍNICOS DOS AINHs

Os AINHs são usados como:


 Como anti-inflamatórios e analgésicos, em quase todas as doenças reumáticas. Também
usado em outras situações dolorosas, quando os analgésicos puros, como o paracetamol,
são ineficientes. É importante notar que estas drogas trazem melhoria sintomática, mas
não alteram as provas de atividade inflamatória como VHS e proteína C reativa.
 No tratamento de cólicas (menstruais, nefréticas): pela ação inibidora de prostaglandinas.
 Como antiadesivo de plaquetas: principalmente o AAS.
 Em doenças oculares: ex. uveítes (pela sua ação anti-inflamatória).
 Como antipirético: através da ação de inibição de prostaglandinas. A PGE1 é o pirógeno mais
poderoso que se conhece.
 Como adjuvante em tratamento de câncer. Sulindaco tem sido descrito como capaz de inibir
a formação de pólipos de colon em pacientes com Síndrome de Gardner (polipose familiar).
Todavia esta forma de uso ainda é experimental.

EFEITOS COLATERAIS

Os AINHs são medicamentos utilizados com muita frequência, seja através de


prescrições médicas ou através da auto medicação. Desta maneira, são responsáveis não só
pela movimentação de altas cifras no mercado farmacêutico, mas, também, pelo aparecimento
de um grande número de efeitos colaterais, alguns dos quais leves e sem repercussões mais
sérias, mas outros graves e que colocam a vida do usuário em risco. Calcula-se que o risco anual
para desenvolvimento de uma complicação gastrintestinal grave quando se utiliza um AINH
clássico é de 1,3% para um paciente com artrite reumatoide e 0,73% em pacientes com
osteoartrite. A mortalidade secundária a eventos gastrintestinais está estimada em 0,22%. Ao
se interpretar estes números de maneira individual eles não parecem muito impressionantes.
Entretanto, quando se leva em conta que os AINHs fazem parte das medicações mais prescritas
no mundo todo, estas cifras se tornam preocupantes.
Estes medicamentos possuem um valor indiscutível na analgesia e no controle do
processo inflamatório sendo extremamente úteis em quase todas as áreas da medicina.
Entretanto são, também, muitas vezes prescritos para doenças fugazes, para sintomas menores
e auto limitados trazendo todo o potencial de seus efeitos colaterais para uma população que
poderia, muito bem, prescindir o seu uso. É claro que não se trata de adotar posturas radicais e
abolir o seu uso. São drogas úteis e podem ser bem utilizadas, desde que os seus possíveis
benefícios sejam pesados contra os riscos advindos de seu uso. É necessário, portanto que, tanto
a comunidade médica como a população em geral, seja educada para as vantagens e
desvantagens de seu uso.
77

A seguir, serão listados os seus principais efeitos colaterais.

GASTRINTESTINAIS - A maioria dos AINHs (na verdade, todos eles, com exceção dos salicilatos
não acetilados) é tóxica para o aparelho gastrintestinal. As manifestações mais comuns são
dispepsia, azia, náuseas, vômitos, diarréia e constipação. Se algumas formas deste grupo de
fármacos são mais seguras que outras, é assunto debatido. O problema é que existem muitos
estudos que não podem ser comparados entre si pelo alto número de variáveis em jogo (seleção
de pacientes, administração da droga, critérios para toxicidade etc...).
Como a doença péptica pelo AINH é, sob muitos aspectos, diferente da doença péptica
clássica, cunhou-se o termo GASTROPATIA POR AINH para designá-la. Quando se compara a
gastropatia por AINH com a doença péptica clássica, nota-se que ela é mais comum em mulheres
que nos homens e que tende a promover lesões mais antrais e pré-pilóricas. Fatores
contribuintes para seu desenvolvimento são: o uso de cigarro, álcool, administração
concomitante de outras drogas (principalmente corticoides, mas também, inibidores de re-
captação da serotonina e anticoagulantes), doenças debilitantes e idade avançada.

QUADRO 4.2 - DIFERENÇAS ENTRE GASTROPATIA POR AINH E DOENÇA PÉPTICA CLÁSSICA
GASTROPATIA P/AINH DOENÇA PÉPTICA CLÁSSICA
Antral, prépilórica Duodenal
Mulheres/velhas Homens /jovens
Tto com citoproteção Tto c/supressão da formação e neutralização de ácidos

Assim como na doença clássica, existe uma falta completa de correlação entre as
queixas apresentadas pelo paciente e as evidências endoscópicas de lesão.
Preste atenção neste aspecto!!!

Pode-se ter erosões graves ou mesmo perfuração e hemorragia, sem queixas gástricas
anteriores, enquanto que, outros pacientes com desconforto importante, têm endoscopia
normal.

A causa da gastropatia é provavelmente multifatorial. Dentre eles estão: um pH baixo


resultante do efeito direto da droga e a inibição de prostaglandinas que fazem a citoproteção
gástrica. Certas prostaglandinas como PGE1, E2 e I2 têm um efeito importante na proteção da
mucosa gástrica. Elas aumentam o fluxo sanguíneo gástrico, produção de muco e diminuem a
produção de ácido livre. Além disso, elas aumentam a migração de células basais para o lume, o
que favorece a reparação de eventuais lesões da mucosa. Diz-se, portanto, que estas
prostaglandinas são responsáveis pela citoproteção da mucosa gástrica. Os AINHs, pela sua ação
farmacológica de inibição de prostaglandinas, inibem a citoproteção..
A maioria dos médicos recomenda que os AINHs sejam tomados com alimentos para
minimizar os efeitos colaterais gastrintestinais. Se estas drogas forem administradas apenas com
líquidos, elas podem ser “deixadas para trás”, causando irritação gástrica, uma vez que os
líquidos escoam mais facilmente do estômago que os sólidos. Portanto, instruir o paciente para
que tome a droga misturada com a alimentação, pode ser mais útil do que uma informação
ambígua de "tome com as refeições" - o que significa que o paciente vai tomar após as refeições,
em geral com o cafezinho, o que aumenta ainda mais os efeitos gástricos indesejáveis. Atenção
deve ser dada a fatores contribuintes como uso excessivo de álcool e cigarro. Outro aspecto a
ser atendido é a cronologia na administração destes fármacos. Em estudos feitos em animais
tem-se descrito que a gastrotoxicidade da aspirina (e também a do álcool) é muito maior quando
esta é administrada à noite, ao invés de pela manhã. Isto estaria relacionado com ritmo
circadiano das funções secretórias, motoras e metabólicas gastrintestinais.
78

Se a duração do uso de AINH influi na ocorrência da gastropatia é assunto controverso.


Alguns autores acham que existe um aumento de incidência deste efeito colateral com o
aumento da duração do tratamento. Outros são de opinião totalmente contrária, sugerindo que
existe desenvolvimento de uma espécie de tolerância. Quem adota esta segunda hipótese, tem
a seguinte explicação. Se o uso de AINHs promove a morte de células parietais, o aumento do
seu turnover resultaria em um aumento de células mais jovens e, portanto, mais resistentes. O
Colégio Americano de Gastroenterologia recomenda que pessoas consideradas como de risco
(veja quadro 4.3) ao receber AINHs já façam, junto, profilaxia para a gastropatia,
independentemente de sintomas dispépticos. Isto pode ser feito, por exemplo, com
bloqueadores de bomba de prótons.

QUADRO 4.3 - SITUAÇÕES NAS QUAIS A PRESCRIÇÃO DE AINHs DEVE SER ACOMPANHADA DE
PROFILAXIA DE GASTROPATIA
 Hx de evento gastrintestinal prévio;
 Usuários acima de 60 anos;
 Dosagem alta de AINHs (↑ de 2 X o normal);
 Uso concomitante de glicocorticoides e anticoagulantes.

Os AINHs, mesmo quando não utilizados por via oral, podem causar inibição da ciclo-
oxigenase, gástrica, uma vez que chegam na mucosa gástrica pela via sanguínea, produzindo
erosões. É claro que, quando usados pela via oral, este efeito é maior, por se fazer tanto
localmente como por via parenteral. Se a presença do H. pylori aumenta, ou não, o risco de
gastropatia num paciente que usa AINH é fato debatido. Os estudos feitos têm muita dificuldade
em separar as melhorias trazidas pela erradicação do H. pylori daquelas causadas pela proteção
trazida pelo uso de inibidores de bomba de prótons (que são usadas no tratamento desta
infecção).
Como as prostaglandinas também influenciam na função do trato gastrintestinal
inferior, o uso de AINH pode trazer diarreia, constipação, dor abdominal em cólica e
sangramento de divertículos pré-existentes. Estreitamentos esofagianos têm sido descritos.
Para se evitar isto, deve se pedir que o paciente tome o comprimido com bastante água e que
não se deite imediatamente após a ingestão do mesmo. Lesões intestinais são mais comuns em
AINHs com circulação êntero-hepática. Eles causam um aumento da permeabilidade na mucosa
intestinal e facilitam o supercrescimento bacteriano. Em intestino grosso, existe uma lesão típica
da lesão de AINH, no qual se forma um estreitamento da luz intestinal, em formato de
diafragma, que pode ser causa de obstrução intestinal. Na realidade, ulcerações podem ser
vistas em todas as porções do aparelho gastrintestinal, da boca ao ânus. Em vista disso, existe a
sugestão de que o termo gastropatia por anti-inflamatório seja trocado por outro, mais amplo,
como gastroenteropatia pelo AINH.
Por último, embora os AINHs possam ser causa de sangue oculto positivo nas fezes, este
achado não deve ser atribuído só ao uso da droga. Caso isto aconteça o médico pode não
procurar outras causas, e perderá, assim, a chance de detectar outras formas de lesão. Não é
porque alguém faz uso de AINH que fica isento de ter, por exemplo, um câncer de intestino ...
É na procura de minimizar os efeitos gástricos dos AINH assim, como os outros efeitos
colaterais dependentes da inibição de prostaglandinas, que se desenvolveu um tipo de
inflamatório que inibe seletivamente a COX-2, deixando intacta a COX-1, a qual continuaria a
desempenhar a sua função de elaborar prostaglandinas protetoras do aparelho gastrintestinal.
Embora os inibidores de COX-2 realmente sejam menos agressivos para a mucosa gástrica, não
se deve esquecer que a COX-2 é importante para a regeneração de tecidos que já estão lesados
e que úlceras pépticas previamente existentes não cicatrizam com a mesma facilidade na
vigência do uso destes medicamentos.
79

HEPÁTICOS - Um aumento assintomático de transaminases é bem mais comum do que


hepatotoxicidade clinicamente detectável. O diclofenaco tem sido causa de hepatite por
hipersensibilidade. Foi descrita, também, a ocorrência de colestase.

PANCREÁTICOS - Pancreatite tem sido descritas. Salicilatos diminuem a glicemia em pacientes


recebendo sulfoniluréia provavelmente por inibição de prostaglandinas do pâncreas as quais
impedem a liberação de insulina. Não foi estudado se outros AINHs têm efeitos similares.

NEFROTOXICIDADE- Com o uso destes medicamentos pode-se detectar edema periférico,


hiperpotassemia, insuficiência renal, nefrite intersticial, nefrose lipoídica e necrose papilar. Os
3 primeiros ocorrem por inibição de prostaglandinas renais. Prostacilina, PGE2 regulam a
filtração cortical, resistência vascular à secreção de renina; a PGE2 sintetizada na medula regula
a excreção de água e sal. Embora a influência da prostaglandinas seja importante na filtração
glomerular, ela não parece ser essencial para pessoas com função renal normal. Entretanto, em
pacientes com função renal comprometida, este efeito é crítico. A síndrome de insuficiência
renal associada a AINH é o efeito colateral mais comumente visto em pacientes com
osteoartrite, artrite reumatoide e gota, que são pacientes que já têm uma frequência alta de
insuficiência cardíaca, hipertensão e síndrome nefrótica, ou seja, um certo dano prévio à função
renal.
Outro efeito dependente de inibição de prostaglandinas renais é o efeito negativo desta
droga sobre a pressão arterial. A perda da ação natriurética e vasodilatadora das pros-
taglandinas pode descontrolar uma hipertensão anteriormente sob controle e precipitar
insuficiência cardíaca em pacientes predispostos. Se a pressão arterial de um paciente aumenta
quando se utiliza um AINH deve-se proceder à troca por outro medicamento ou aumentar a
medicação anti-hipertensiva. Já a nefrite intersticial é uma reação idiossincrásica mediada por
linfócitos T e está frequentemente associada à síndrome nefrótica e à presença de eosinófilos
na urina. A clínica pode aparecer em dias ou mesmo meses após o uso do AINH. É reversível com
a retirada da droga embora alguns pacientes precisem de um ciclo curto de corticoide.A nefrose
lipoídica tem sido descrita em casos isolados. A necrose papilar relacionada com o uso do AINH
tem um mecanismo desconhecido. Talvez seja causada pela marcada redução do fluxo
sanguíneo no local.
A respeito do uso de AINH em pacientes com insuficiência renal pré-existente. Desde que
existe pouca excreção do AINH diretamente pelo rim não existe muito problema de acúmulo de
droga quando o paciente tem redução do clearence. O que fica acumulado são os metabólitos
da droga e isto aparentemente não traz problemas. Se o paciente tem uma insuficiência renal
a ponto de ser totalmente dependente da diálise, não existe problema com inibição das
prostaglandinas renais no que se refere ao acúmulo de água e sal. Talvez seja mais importante
a inibição de formação de eritropoietina já prejudicada pela insuficiência renal crônica, com
agravamento da anemia encontrada nesta situação. (Veja mais adiante em efeitos
hematopoiéticos destas drogas). Por outro lado, se existe função renal residual, pelas
informações já dadas, sabe-se que os AINHs irão agravar esta disfunção e por isso é prudente
evitar-se este tipo de droga neste grupo de pacientes.

TOXICIDADE PULMONAR - É rara, porém, é potencialmente séria. A aspirina pode ocasionar


crises de asma principalmente em paciente com pólipos nasais, rinite e episódios de
broncoespasmo. Nestes pacientes a maioria dos AINH tem efeitos similares. Dois são os
mecanismos propostos para este efeito: (A)- inibição de prostaglandinas broncodilatadoras; (B)-
inibição da ciclo-oxigenase com desvio do metabolismo do ácido aracdônico para o lado dos
leucotrienos (substâncias bronco-constritoras). Outro achado é a ocorrência de pneumonite de
hipersensibilidade com febre, tosse, infiltrados pulmonares e eosinofilia. Naproxeno é o que
mais causa este tipo de efeito colateral mas este também tem sido descrito com sulindaco,
80

ibuprofeno e fenilbutazona. Edema pulmonar pode acompanhar casos de intoxicação salicílica,


principalmente em idosos e fumantes.

TOXICIDADE CARDIOVASCULAR - OS AINHs, sejam inibidores de COX-1 ou de COX-2, são drogas


vasoconstritoras e, como visto nos seus efeitos sobre o rim, retentoras de água e sal. Por isso
causam edema periférico, erguem a pressão arterial e frequentemente causam
descompensação cardíaca em pacientes cuja reserva cardíaca é baixa.Os inibidores seletivos de
COX-2 têm sido implicados em um aumento em eventos coronarianos. A causa para isto não
está bem clara, mas uma das hipóteses explicativas é a de que estes medicamentos promovem
a inibição das prostaciclinas (que são vasodilatadoras) sem inibir os tromboxanes (que são
agregantes plaquetários).

TOXICIDADE HEMATOLÓGICA - Aplasia e hipoplasia de medula por AINH é raro. Entretanto


qualquer um deles pode fazê-lo, principalmente quando se usa a fenilbutazona (e por isso o uso
desta droga tem sido praticamente abandonado). Outros achados hematológicos são os de
aplasia pura de células vermelhas, trombocitopenia, neutropenia isolada, anemia hemolítica
Coombs positiva. Evidências recentes têm demonstrado que os AINHs contribuem para a
chamada anemia de doença crônica através de seus efeitos inibidores de síntese de
prostaglandinas. As prostaglandinas renais estimulam a formação da eritropoietina em resposta
a hipóxia tissular.
Um efeito hematológico bem conhecido (e usado terapeuticamente) dos AINHs é sobre
a adesividade plaquetária. A aspirina acetila a ciclooxigenase de maneira irreversível e impede
uma plaqueta de se agregar pelo resto de sua vida útil, o que dura em média, uma semana. Os
outros AINHs fazem esta ligação de maneira reversível e os seus efeitos sobre as plaquetas são
função da meia vida da droga. Inibidores preferenciais de COX-2 são drogas com pouco efeito
sobre a adesividade plaquetária. O uso da aspirina não costuma se associar a sangramentos
importantes em cirurgia. Entretanto, se estes pacientes precisam de profilaxia pós-operatória
com heparina, a associação destes dois tipos de medicamento pode trazer uma incidência maior
de sangramento. Portanto, nesta situação aconselha-se a retirada da droga 5 a 7 dias antes do
procedimento cirúrgico e a sua substituição por um AINH de meia via mais curta (como por
exemplo, o ibuprofeno) o qual será suspenso 24-35h antes da cirurgia. A aspirina e outros AINH
não necessitam ser retirados em pacientes que não serão submetidos a anticoagulação pós
operatória.

DERMATOLÓGICOS - Rash cutâneo ocorre em, aproximadamente, 3% dos pacientes que


usam AINHs. Veem-se erupções morbiliformes benignas, eritema pigmentado fixo, erupções
maculo bolhosas, urticária, purpura palpável, eritema multiforme e síndrome de Steven-
Johnson. O naproxeno pode causar uma síndrome de pseudoporfiria; o piroxicam é o que mais
causa reações de fotossensibilidade. Em geral as manifestações cutâneas não são graves.

FIGURA 4.2- Vasculite de pequenos vasos por uso de diclofenaco. A lesão em pernas(
segunda figura) é clássica de púrpura palpável.
81

SISTEMA NERVOSO CENTRAL - A toxicidade dos AINHs para o lado do SNC passa
frequentemente despercebida, particularmente no idoso. Neste grupo etário, o início de
qualquer disfunção cognitiva não explicada requer a retirada da droga, pelo menos
temporariamente. A indometacina, por ter um núcleo indólico lembrando a serotonina, causa
reações de S.N.C. particularmente frequentes, tais como cefaleia, tonturas, sonolência e
ocasionalmente psicose. Outra reação bem conhecida é a meningite asséptica causada pelo
ibuprofeno ou tolmectin em pacientes com LES ou doença mista do tecido conjuntivo.

APARELHO REPRODUTOR - Os anti-inflamatórios dificultam o rompimento do folículo para a


saída do óvulo. Isto justifica a infertilidade verificada em algumas mulheres que fazem uso
crônico de AINHs.

SOBRE O USO DE FORMAS TÓPICAS DE AINHs

Vários AINHs pode ser encontrados em forma de cremes, géis, sprays etc... Dependendo
da molécula e do meio de diluição, a penetração da droga por via cutânea pode ser extensa.
Todavia, na maioria das vezes, as concentrações plasmáticas tendem a ser bem mais baixas do
que aquelas atingidas com uso oral, embora concentrações sinoviais possam ser similares nas
duas situações. Vários estudos têm demonstrado que esta forma de aplicação é efetiva no alívio
dos sintomas de pacientes com osteoartrite. Desta maneira, em situações com poucos sítios
anatômicos envolvidos e de baixo componente inflamatório, esta é uma opção de tratamento.

INTERAÇÃO MEDICAMENTOSA

No quadro 4.4, estão as principais interações medicamentosas dos AINHs.

QUADRO 4.4 - AINHs E AS SUAS PRINCIPAIS INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS


DROGAS INTERAÇÃO E IMPLICAÇÃO CLÍNICA
Antiácido salicilato o antiácido ↑ a excreção renal do salicilato. Pode
ser necessário ↑a dose
Antiácido outros AINHs o antiácido toma a absorção do AINH mais lenta;
sem implicação clínica .
Anti Hipertensivos todos os AINHs o AINH contrabalança o efeito antihipertensivo
Aspirina todos os AINHs a aspirina ↓ o nível sérico da maioria dos AINH
Coumadínicos salicilatos e fenilbutazona o AINH desloca a coumadina de sua ligação com a
albumina; fenilbutazona bloqueia o metabolismo
dos coumadínicos. O RISCO DE GASTROPATIA ESTÁ
AUMENTADO.
Diuréticos todos os AINH os AINHs inibem a diurese
Metotrexate todos os AINH os AINHs deslocam o MTX de sua ligação com a
albumina e diminuem a sua excreção. TOXICIDADE
POR MTX ACONTECE EM DOSES BAIXAS
Probenecide todos os AINH probenecide diminui a excreção renal e prolonga a
½ vida dos AINH. Salicilatos inibem o efeito
uricosúrico do probenecide. EVITE ESTA
COMBINAÇÃO.
Triantereno indometacina ↑a incidência de insuficiência renal. EVITE A
COMBINAÇÃO.
Sais de Lítio naproxeno, todolaco, Aumento dos níveis do lítio.
diclofenaco e piroxicans
82

O USO DE AINHs EM GRAVIDEZ

Nenhum anti-inflamatório não hormonal é aprovado para uso em gravidez, desde que
os estudos a respeito de sua segurança nesta situação são impossíveis. O efeito sobre vasos
pulmonares do feto é objeto de preocupação e casos de fechamento precoce do ducto arterioso
com hipodesenvolvimento das extremidades inferiores têm sido descritos, assim como casos de
hipertensão pulmonar. Se tiver que ser usado, a mãe deve estar ciente dos riscos; seu uso deve
limitar-se ao 3º trimestre da gravidez e descontinuado algumas semanas antes da data prevista
para o parto porque estas drogas inibem o trabalho de parto e trazem risco de hemorragia tanto
para a mãe como para o feto. Todos estes efeitos são dependentes da inibição de
prostaglandinas. Todavia, estes medicamentos não são indispensáveis. Então, por que usá-los
na gravidez? Efeitos analgésicos podem ser obtidos de drogas mais seguras como o paracetamol.
Se a ação anti-inflamatória for necessária pode-se utilizar glicocorticoides - como será visto mais
tarde.

Referências:
Bakowski V, et al. COX-2 inhibition: not too hot, not too cold. Perhaps just right? J Rheumatol 2001; 27:2734-7.
Hocheberg MC. NSAIDs: patterns of usage and side effects. Hosp Prac 1989, 24:167-74
Lanza, FL. A guideline for the treatment and prevention of NSAID-induced ulcers. Members of the Ad Hoc Committee on Practice
Parameters of the American College of Gastroenterology. Am J Gastroenterol. 1998; 93 :2037-46.
Moore RA. Topical nonsteroidal antiinflamatory drugs are effective in osteoartritis of the knee. J Rheumatol 2004, 31:1893-5.
83

Capítulo 5- Glicocorticoides

Os glicocorticoides são substâncias de benefício significante em grande número de


doenças inflamatórias, muitas das quais seriam fatais não fosse esta forma de tratamento. Por
outro lado, seus efeitos colaterais são bem conhecidos e temidos. Um bom conhecimento destas
drogas é fundamental na tentativa de se conseguir um máximo de efeitos terapêuticos com o
mínimo possível de efeitos colaterais. O glicocorticoide endógeno de maior importância é a
hidrocortisona ou cortisol, que é secretado pela zona fasciculada da adrenal na taxa de 20
mg/dia. Os seus análogos sintéticos, que são numerosos, têm uma maior ação glicocorticoide e
uma menor ação mineralocorticoide.
A presença da atividade glicocorticoide está na dependência do radical hidroxila (OH) no
carbono 11. (Os glicocorticoides são compostos esteroides com 21 carbonos). Saber isto é de
importância quando se nota que certos compostos, como a cortisona e a prednisona não têm
este radical e, portanto, para se tornarem substância ativa devem sofrer hidroxilação no fígado,
in vivo. Isto tem pelo menos duas implicações práticas:-
 os componentes sem o radical hidroxila, uma vez que devem passar pelo fígado para se
tornarem ativos, não têm efeito se aplicados topicamente (daí não existirem cremes e
pomadas contendo cortisona ou prednisona);
 pacientes com insuficiência hepática podem ter este tipo de biotransformação
prejudicada, podendo-se perder a efetividade da droga. Nestes casos dá-se preferência
às drogas que não necessitam ser metabolizadas.

FIGURA 5.1- Glicocorticoides com e sem radical OH na posição 21.

METABOLISMO

Quando estas drogas são administradas por via oral, a absorção é feita em jejuno
superior. Grande parte da mesma circula ligada a proteínas plasmáticas que são a albumina e a
transcortina (que é uma -globulina). O resto circula livre, sendo que esta porção livre que
difunde para os tecidos e é responsável pelo efeito biológico da droga. A proporção com que
84

cada corticoide se liga a transcortina varia. Assim, com o cortisol, só 10% da droga está livre para
se difundir, ao passo que com a dexametasona, esta ligação quase não existe, o que explicaria
em parte a grande potência da dexametasona em comparação com o cortisol. Além da
transcortina, os corticoides se ligam à albumina como já foi mencionado. Existindo menos
albumina para se ligar à droga, a taxa livre aumenta. Alguns estudos mostram que, quando a
albumina baixa de 2,5 mg%, os efeitos colaterais da droga dobram. Não se esqueça de que é a
parte livre, a responsável não só pelos efeitos farmacológicos como, também, pelos efeitos
colaterais. Pacientes com hipoalbuminemia devem, portanto, receber uma dose menor de
corticoide.A metabolização deste tipo de droga é feita através do fígado por uma conjugação
irreversível com o ácido glicurônico. As enzimas de conjugação estão sujeitas a indução por
drogas como fenitoína, barbitúricos, rifampicina etc. A excreção é feita pelo rim. O clearance
dos corticoides está diminuído em pacientes com hipotireoidismo.

INTERAÇÃO MEDICAMENTOSA

Existem consideráveis evidências de um número de drogas, que têm efeito sobre a ação
do corticoide. Como já foi dito, muitas drogas, por estimular a proliferação do retículo
endoplasmático hepático, o qual produz enzimas microssomiais hepáticas, acabam acelerando
a degradação metabólica da droga e diminuem a sua resposta. Estrógenos (p.ex. os usados nos
anticoncepcionais) aumentam a concentração total de prednisolona (tanto a livre quanto a
ligada à proteína) por diminuir o seu clearance e a afinidade da albumina e transcortina pela
droga.

AÇÃO DO CORTICOIDE NA CÉLULA

Buttgereit e col. dividiram didaticamente os mecanismos de ação dos glicocorticoides


em 3 grupos principais:
(1)- ações dependentes de modificações do genoma;
(2)- ações não dependentes de modificações no genoma e que são mediadas por
receptores e
(3)- ações não dependentes de modificações no genoma e que são mediadas de maneira
físico-química.
A dose de medicamento influi no mecanismo em questão. Assim, em doses baixas como
7,5 mg a 15 mg de prednisona/dia, só se verificam os efeitos resultantes das ações dependentes
de modificação do genoma. Se a dose utilizada passa a ser mais alta observa-se, além do
primeiro mecanismo, também o segundo e o terceiro.
A rapidez de resposta é outra variável dependente do mecanismo contemplado. Os
efeitos genômicos são mais lentos e levam pelo menos 30 minutos para se fazer notar uma vez
que requerem passagem através de uma série de etapas, as quais consomem tempo. Já os
efeitos não genômicos são mais rápidos, sendo o dependente da ação físico-química ainda mais
rápido do que o dependente de ligação a receptores.

FIGURA 5.2 – Formas de ação do glicocorticoide


85

Ação dependente da modificação do genoma - Este é o mecanismo mais conhecido. Os


glicocorticoides, graças a sua solubilidade em lipídios, passam facilmente a membrana da célula
indo se ligar a receptores intra-citoplasmáticos, os quais existem sob duas formas: alfa e beta. A
forma alfa é a forma funcionalmente ativa; já a forma beta é incapaz de se ligar ao hormônio e
por isso atua como um antagonista da forma alfa. O receptor alfa, na sua forma inativa, está
ligado a uma proteína de choque térmico que impede que o receptor atue. Quando o receptor
se liga ao glicocorticoide, desfaz-se sua ligação com a proteína de choque térmico e o conjunto
migra para o núcleo celular aonde irá se ligar ao DNA, iniciando a transcrição de genes e síntese
de várias proteínas. No DNA existem pontos específicos para a ligação com o glicocorticoide os
chamados elementos de resposta ao glicocorticoide. Situe-se na figura 5.3.

1- O glicocorticoide se liga ao receptor no 2- O receptor com o glicocorticoide


citoplasma se desloca para o núcleo.

3- Ligação do complexo glicocorticoide- 4- Ordens para produção ou não de RNA


receptor com o DNA. mensageiro e formação de proteínas.
FIGURA 5.3- Sequência da atuação genômica do corticoide.

Entretanto, a inibição da síntese de proteínas efetoras nem sempre é feito por um


mecanismo de ação direto sobre o DNA. Pode acontecer, também, em nível de pré-transcrição
e de pós-transcrição. Não entraremos em detalhes quanto a isto mas uma coisa é bom saber:
que o glicocorticoide tem um efeito de inibição pré-transcrição sobre um fator de transcrição
chamado NF-B. É este fator que media a ação de várias citocinas pró-inflamatórias, entre as
quais o TNF-.
A ação do glicocorticoide sobre a transcrição genética nem sempre é positiva, podendo
ser, também, negativa. Genes que têm um produto de síntese aumentado são, por exemplo, os
da IL-10, os da família das anexinas, das endonucleases, das endopeptidases neutras, da enzima
de conversão de angiotensina, dos 2 adrenoreceptores.
A lipocortina I, uma das proteínas da família das anexinas (e por isso também conhecida
como anexina I) é importante para a ação anti-inflamatória dos glicocorticoides. Ela inibe a
fosfolipase A2, que é a enzima chave para o início do metabolismo do ácido aracdônico ( o
mesmo lá dos AINHs), o qual leva, por sua vez, à formação de prostaglandinas, tromboxane e
leucotrienos.
86

FIGURA 5.4. Ponto de atuação da fosfolipase.

Dentre os componentes que têm a sua síntese reduzida pelos glicocorticoides estão
várias citocinas como a IL-1, IL-2, IL-4, IL-6, INF- e o TNF-. A inibição de síntese do TNF- é
extremamente sensível à ação do glicocorticoide, ou seja, ocorre quando pequenas doses são
utilizadas ou, até mesmo, quando acontece um pequeno aumento do nível sérico devido às
variações fisiológicas vistas durante o ritmo circadiano de secreção de cortisol endógeno.
Terapeuticamente esta inibição do TNF- é descrita, inclusive, após uso de glicocorticoide intra
articular. É a inibição sobre a formação de TNF- que explica, pelo menos parcialmente, as
alterações na expressão de certas moléculas de adesão. Já a IL-6 é mais resistente à supressão
e é o rebote na sua produção durante a retirada do corticoide que parece ser o componente
responsável pela clínica vista na chamada síndrome da retirada do corticoide e em casos de
insuficiência suprarrenal. (Veja esta síndrome mais adiante em efeitos colaterais dos
glicocorticoides).
A ação do corticoide sobre a IL-6 diminui a formação dos reagentes de fase aguda e,
portanto, diminui a VHS e proteína C reativa do paciente que o utiliza.
Resumindo: a ação genômica dos glicocorticoides pode ser feita diretamente sobre o
DNA ou em nível de pré-transcrição genética (NF-B) ou, ainda, em nível de pós-transcrição.
Estas ações se fazem sentir aumentando ou diminuindo o produto da transcrição genética.

Mecanismos de ação não genômica mediada por receptor - Pelo que já foi dito anteriormente,
sabe-se que este mecanismo exige doses mais altas de glicocorticoides e que seus efeitos
aparecem mais rapidamente do que os efeitos genômicos, uma vez que não requerem a síntese
de novas proteínas. Levam de segundos a 2 minutos para serem sentidos. Aparecem com a
ligação dos glicocorticoides em receptores de membrana que são receptores diferentes dos
intracitoplasmáticos já comentados anteriormente.
Entre os efeitos mediados por este mecanismo pode-se citar: o feedback negativo ao
ACTH, supressão da prolactina, efeitos sobre estabilização de membranas, efeitos
cardiovasculares e de comportamento, indução de apoptose e, possivelmente, a ação anti-
anafilática dos glicococorticoides.

Mecanismos de ação não genômica mediada por ações físico-químicas - Este mecanismo de
ação exige doses muito altas de glicocorticoide (como as usadas em pulsoterapia) e é o que
aparece mais rapidamente. É responsável por uma diminuição no transporte de sódio e de cálcio
através da membrana citoplasmática, o que explica uma queda no consumo de ATP e uma
87

diminuição do cálcio citosólico. A ação dos glicocorticoides sobre a membrana interna das
mitocôndrias justifica um aumento de sua permeabilidade aos prótons, com consequente
distúrbio no processo de fosforilação oxidativa. Este tipo de mecanismo pode ser explicado
pela dissolução do próprio glicocorticoide nas membranas celulares alterando as suas
propriedades físico-químicas e a atividade das proteínas ligadas a elas. Acredita-se que os
esteroides se encaixam entre as duas camadas fosfolipídicas da membrana celular graças a sua
lipofilia e polaridade.
É interessante lembrar que o cálcio intracitoplasmático é essencial para proporcionar e
manter ativação linfocitária. Assim sendo, este mecanismo pode explicar o sucesso obtido com
as chamadas terapias de pulso utilizadas para tratamento de doenças imunologicamente
mediadas nas quais se somam, mais tarde, os efeitos genômicos que prolongam e completam a
ação terapêutica destes medicamentos.
O esclarecimento destas formas de ação dos glicocorticoides permite uma interpretação
correta das modalidades de uso deste medicamento. Assim, ao se administrar uma dose mais
alta do medicamento não se pode supor que exista apenas um aumento quantitativo do seu
efeito terapêutico, e sim, uma contribuição qualitativa adicional.

POTÊNCIA DOS CORTICOIDES

A potência de um dado corticoide varia de acordo com (a) potência biológica intrínseca
da droga; (B)- duração de ação da droga. Deve-se, aqui, separar a duração de ação da droga do
tempo de meia vida plasmática. Isto porque é notório o fato de que o corticoide, mesmo depois
de desaparecer da circulação entra na célula e, ligado ao receptor, continua a agir.
No quadro 5.1 veja a lista dos mais usados, sua potência e equivalência de doses.

QUADRO 5.1 - EQUIVALÊNCIA E POTÊNCIA DE GLICOCORTICOIDES


POTÊNCIA EQUIVALÊNCIA DE DOSES
AÇÃO CURTA
Cortisol 1 20mg.
Prednisona 4 5mg.
Prednisolona 4 5mg.
Metilprednisolona 5 4mg.
AÇÃO INTERMEDIÁRIA
TRIANCINOLONA 5 4mg
AÇÃO LONGA
Betametasona 25 0,60mg.
Dexametasona 30 0,75mg.

EFEITOS DA DROGA

Aqui será dada importância à ação anti-inflamatória e imunossupressora deste tipo de


droga. Este efeito é bastante complexo uma vez que não existe um único mecanismo de ação.
Inclui alterações nos movimentos dos leucócitos, na função dos mesmos, em fatores humorais
e nos vasos. A ação anti-inflamatória mais importante parece ser a de inibição do aporte de
neutrófilos e monócitos-macrófagos ao local de inflamação. O efeito anti-inflamatório dos
glicocorticoides deve-se principalmente às alterações sobre o trânsito leucocitário, mais do que
sobre as funções destas células. A ação sobre o processo celular é maior do que sobre o humoral.

EFEITOS SOBRE O TRÂNSITO LEUCOCITÁRIO - Com o uso de corticoide as contagens de


linfócitos, monócitos e basófilos diminuem, a de neutrófilos aumenta. O pico deste efeito é visto
4 a 6 h. após a administração de cada dose e desaparece em 24 h., independentemente do fato
de se usar dose única ou repetida.
88

Linfócitos: A linfocitopenia induzida no homem pelo uso do corticoide parece ser o resultado
(pelo menos parcialmente) de uma redistribuição temporária dos linfócitos para fora do
compartimento intravascular, os quais ficam armazenados em tecidos linfocitários.
Mostrou-se que os glicocorticoides agem principalmente sobre os linfócitos T re-
circulantes tendo bem menos efeito sobre os linfócitos B. Como o corticoide causa esta redis-
tribuição não é bem sabido, mas estas alterações parecem se dever a alterações produzidas na
produção e expressão de moléculas de adesão da superfície das células linfoides.
Monócitos: Os glicocorticoides produzem profunda depleção dos monócitos no sangue
periférico. Esta monocitopenia parece se dever a alterações produzidas na redistribuição das
células (semelhante ao que acontece com os linfócitos, só que os monócitos são mais sensíveis).
Neutrófilos: Os corticoides produzem neutrofilia através do aumento da liberação dos PMNs da
medula óssea e redução de sua migração para fora dos vasos. Os esteroides inibem a capacidade
dos PMNs se marginalizarem e aderirem à parede do vaso (e isto é um pré-requisito para que
migrem para os tecidos). Isto faz com que o neutrófilo não tenha acesso ao local da inflamação.
Eosinófilos: Eosinopenia induzida por corticoide parece se dever ao mesmo mecanismo de
redistribuição para fora do compartimento intravascular, semelhante ao descrito para os
linfócitos.
A diminuição do acúmulo de neutrófilos associada à diminuição de monócitos no local
da inflamação é o principal mecanismo responsável pela ação anti-inflamatória dos
glicocorticoides.

100000

10000

1000
Células/mm3

100

10

1
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

neutrofilos linfócitos basofilos eosinófilos

FIGURA 5.5- Efeito dos glicocorticoides sobre o trânsito leucocitário

EFEITOS SOBRE A FUNÇÃO LEUCOCITÁRIA - Além de agir sobre o trânsito dos leucócitos os glico-
corticoides têm efeito sobre o desempenho do leucócito. Alguns exemplos são:
-supressão das respostas cutâneas de hipersensibilidade retardada, por diminuição do
recrutamento dos macrófagos necessários à expressão da hipersensibilidade. Isto aparece 14
dias após o início do uso da droga e desaparece mais ou menos seis dias depois da retirada da
droga.
- os glicocorticoides antagonizam o efeito do MIF (migration inhibition factor) nos
macrófagos por impedir que estes mediadores solúveis recrutem células necessárias à resposta
imunitária celular.

EFEITOS HUMORAIS - Os glicocorticoides são potentes inibidores da síntese de vários


moduladores do processo inflamatório. Agem sobre prostaglandinas e leucotrienos, sobre várias
moléculas de adesão, sobre citocinas etc, como já foi comentado na ação genômica desta droga.
Estas drogas, apesar de inibirem a formação de prostaglandinas e tromboxanes, não são agentes
89

antiadesivos de plaquetas. Lembre-se de que a formação de lipomodulina depende do comando


do DNA (que é intranuclear). Como as plaquetas não têm núcleo, elas tornam-se imunes a este
bloqueio. Os glicocorticoides em doses convencionais não suprimem a formação de anticorpos.
Em tratamentos prolongados parecem causar diminuição de imunoglobulinas séricas, mas mais
por um mecanismo de aumento do catabolismo do que por diminuição de produção.
Os glicocorticodies têm efeito inibitório sobre a transcrição de várias citocinas ,
principalmteet as do tipo Th1 como IL-1 beta, IL-2, IL-3, e interferon . Também inibem a IL-17 e
o fator de crecimento de granulocitos- macrófagos.

EFEITOS VASCULARES- Os glicocorticoides são vasoconstritores. A vasoconstrição trabalha em


conjunto com os outros mecanismos para diminuir o afluxo de células para o local de inflamação.
Estas drogas também diminuem a permeabilidade vascular.

EFEITOS COLATERAIS

Reações adversas aos glicocorticoides incluem síndrome de Cushing e a supressão do


eixo hipotálamo hipofisário. Abaixo uma lista das principais manifestações da síndrome de
Cushing :

Oftalmológicas: catarata subcapsular posterior, glaucoma.


Cardiovasculares: hipertensão, insuficiência cardíaca congestiva em pacientes predispostos
para isto.
Gastrointestinais: úlcera péptica (esta associação é contestada por alguns autores), pancreati-
tes.
Endócrino-metabólicas: obesidade truncal, facies de lua cheia (moon face), depósito de gordura
supraclavicular e região cervical posterior (corcova de búfalo). Acne, hirsutismo, virilismo,
impotência e irregularidades menstruais. Em crianças: supressão do crescimento, hiperglicemia,
hiperlipoproteinemia. Balanço negativo de nitrogênio, de potássio e de cálcio; insuficiência
suprarrenal secundária.
Músculo esqueléticas: miopatia (maior com os corticoides halogenados). Osteoporose, necrose
asséptica de cabeça de fêmur e de úmero.
Neuropsiquiátricas: convulsões, hipertensão intracraniana benigna, alterações de
comportamento, do humor e da personalidade, psicoses.
Dermatológicas: eritema facial, fragilidade cutânea, petéquias, equimoses, estrias violáceas e
dificuldade de cicatrização.
Imunológicas: supressão da hipersensibilidade retardada, diminuição da resposta inflamatória,
susceptibilidade a infecções.
Os efeitos colaterais dos glicocorticoides, como pode ser notado, variam de complicações
sem consequência nenhuma até as que colocam a vida do paciente em risco. A prevalência e
gravidade destas reações podem ser influenciadas pela via de administração, frequência das
doses e duração do tratamento, concentração de albumina e transcortina, predisposição para
certas doenças e doenças pré-existentes. Assim, pacientes com predisposição para diabetes
podem ter sua doença desmascarada pelo corticoide. Pacientes com doença psicológica pré-
existente têm tendência para desenvolver manifestações psiquiátricas. Os velhos são mais
propensos ao desenvolvimento de osteoporose e hipertensão.

Outro aspecto temido é a ocorrência de atrofia de suprarrenal com consequente insuficiência


desta glândula que se torna patente quando a droga é retirada. O tempo de uso do corticoide
para que isto ocorra é altamente variável, assim como o grau de atrofia e insuficiência. Em geral
a recuperação é mais lenta se o paciente usou mais do que 7,5 mg/dia de prednisona ou
equivalente ou o tratamento durou mais do que 18 meses. A recuperação ocorre gradualmente
90

sendo mais rápida em crianças. A retirada do corticoide quando a doença básica o permite, deve
ser feita lenta e gradualmente e com, frequentes reavaliações do paciente.
Não se deve confundir casos de insuficiência suprarrenal com a chamada síndrome da
retirada do corticoide, na qual o paciente apresenta mialgias, artralgias, náuseas, anorexia,
hipotensão postural e letargia. Os níveis séricos de glicocorticoides são normais. Esta síndrome
em muito contribui para a dependência psicológica da droga. O horário de administração do
glicocorticoide influi no grau resultante de atrofia de suprarrenal, a despeito da dose. O ACTH
tem um ritmo de secreção diário que é o seguinte: a secreção começa em torno de 1-2 horas da
manhã e faz pico em torno das 6 da manhã, baixando a seguir durante toda a tarde e noite para
níveis bem baixos. Sincronizando-se a administração do corticoide exógeno com o ciclo natural
a gente expõe os tecidos do paciente a estes agentes nos "períodos normais do dia". Não se
sabe porque, mas isto reduz em muito os efeitos do tratamento sobre o eixo hipotálamo
hipofisário.

B
C

A D

E G
F
FIGURA 5.6 - Efeitos colaterais dos glicocorticoides. (A) supressão do crescimento; (B)
catarata; (C) pele fina e friável; (D) obesidade central e estrias; (E) Herpes Zoster; (F) Necrose
óssea asséptica do quadril; (G) Giba cervical.
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REGIMES TERAPÊUTICOS

Se bem que o corticoide seja temido (e com razão) pelos seus efeitos colaterais, não resta
dúvida de que ele tem sido também uma verdadeira "tábua de salvação" para muitos pacientes
com doenças graves.

PRESTE BEM ATENÇÃO NISTO !!!!


É totalmente impróprio administrar corticoide em doses inadequadas a um paciente com
doença ativa, só para evitar os seus efeitos colaterais, assim como é errado permitir que
o paciente permaneça utilizando a droga por um tempo maior do que o necessário.

REGIME DE DOSE ALTA DIÁRIA - Diz-se, arbitrariamente, que a dose é alta quando ultrapassa
0,2 mg/Kg/dia de prednisona ou equivalente. Aqui, os efeitos colaterais são importantes, com
aumento de susceptibilidade do paciente a certas infecções (estafilococos, gram negativos,
tuberculose, listeriose e estrongiloidíase disseminada). Em situações que se deseja obter efeito
anti-inflamatório máximo deve-se parcelar a dose em tomadas a cada 6 horas (embora neste
esquema o risco de supressão de suprarrenal é maior).

REGIME EM DOSE BAIXA DIÁRIA - É quando a dose é menor que 0,2 mg/kg/dia de prednisona
ou equivalente. Nesta situação os testes de hipersensibilidade retardada permanecem intactos
(especialmente se a dose total está abaixo de 5 mg/dia de prednisona), assim como, o risco de
supressão de supra renal é bem menor. Geralmente este esquema é usado para tratamento de
sinovite quando os AINHs não são suficientes, ou quando apresentam efeitos indesejados,
principalmente os gástricos.

TERAPÊUTICA DE PULSO COM METILPREDNISOLONA - Usa-se uma dose supra farmacológica


de metilprednisolona: 1 grama/dia/alguns dias (em geral 3). O medicamento deve ser
administrado endovenosamente e injetado de maneira lenta (30 a 60 minutos) para se evitar
hipocalemia e mudanças nos compartimentos líquidos do corpo (o que tem sido associado com
casos de morte súbita durante este tipo de tratamento). Esta forma é utilizada em pacientes
com situações graves para induzir remissão da doença até que outras drogas possam agir.
Está contra indicada em pacientes com doença psiquiátrica, infecções crônicas, hipertensão
significante e úlcera péptica.

TERAPÊUTICA EM DIAS ALTERNADOS - Consiste na administração de uma dose a cada 48 hrs.


Aparentemente este esquema preserva o eixo hipotálamo-hipofisário-suprarrenal (senão total-
mente, pelo menos parcialmente). A dose é o dobro da usada em esquemas diários. Os riscos
de complicações infecciosas e de supressão de hipersensibilidade retardada cutânea estão
reduzidos. Entretanto, este tipo de administração não evita os efeitos indesejáveis da droga
sobre a massa óssea. O uso em dias alternados pode ser feito desde o início do tratamento como
tal ou, o medicamento pode ser iniciado em doses diárias nos estágios iniciais ou de exacerbação
da doença, para depois ser transformado em tratamento para dias alternados. Como se vê esta
é uma forma de tratamento que não consegue controlar a doença em situações que altas doses
são necessárias. Existe quem acredite que, quando usado com sucesso, em doses baixas, estes
pacientes, na realidade, nem precisem de corticoide.

USO INTRA-ARTICULAR - Esta forma de uso é considerada quando o paciente tem um


envolvimento articular grave (ou mais grave) em poucas articulações Embora estas injeções,
pretendam agir primariamente sobre a articulação manipulada, existe sempre certo "vaza-
mento" para tecidos periféricos e ação sistêmica. Em geral são usados preparados de liberação
lenta em doses que variam de acordo com o tamanho da articulação a ser injetada. Deve-se
92

excluir infecção sempre que uma articulação for infiltrada. Quando se procede à infiltração com
corticoides, existe o risco de que ocorra uma reação inflamatória precipitada por cristais de
corticoide, a qual pode ser tratada com compressas de gelo e com anti-inflamatórios não
hormonais. Outra preocupação é a ocorrência de uma artrite séptica secundária, a qual é mais
comum em pacientes com artrite reumatoide do que os com osteoartrite. A incidência de sepsis
secundária é baixa. Nos casos em que isto acontece, a infecção tende a se manifestar de maneira
subaguda, aparecendo em semanas até 2-3 meses pós-injeção. Um efeito colateral
relativamente comum é a queixa de sensação de flush facial que aparece em até 10% dos
pacientes que fazem injeções em joelhos por causa de osteoartrite e que tende a recorrer
quando o procedimento é repetido.

USO DO CORTICOIDE EM PACIENTE PEDIÁTRICO - Os efeitos mais graves em crianças são su-
pressão do crescimento e desenvolvimento de cataratas. Este medicamento só deve ser
utilizado em crianças quando não existe outra terapêutica alternativa e, sempre que a doença
básica o permita, deve-se passar para regime em dias alternados.

USO DO CORTICOIDE EM PACIENTES GRÁVIDAS - Deve ser utilizado com cuidado se a paciente
tem tendência para retenção hídrica ou eclâmpsia. Um número de experimentos em animais
mostra que a droga é teratogênica. Entretanto, os seres humanos possuem uma enzima
placentária (a 11  dehidrogenase) que inativa grande parte da droga durante a passagem pela
placenta. Assim sendo, o feto recebe apenas 10% da dose administrada à mãe. Isto não acontece
com a betametasona e com a dexametasona, as quais atingem o feto em altas proporções. Por
isso, em situações em que o bebê necessita tratamento com corticoide (para acelerar maturação
pulmonar em casos de prematuridade ou risco de bloqueio cardíaco congênito em lúpus
neonatal) deve-se preferir estes dois últimos compostos. Existem autores que preferem o uso
da betametasona sobre o da dexametasona porque foram descritos alguns casos de
leucomalácia periventricular com esta última droga. Todavia outros negam esta ocorrência.

SUPLEMENTAÇÃO DE CORTICOIDE EM SITUAÇÕES DE ESTRESSE -Já foi mencionado que o eixo


hipotálamo-hipofisário-suprarrenal fica suprimido quando se recebe corticoide exógeno. Esta
inibição pode evitar que, em situações de stress, o organismo consiga responder erguendo sua
produção de cortisol. Assim esta inibição de suprarrenal frente a cirurgias, traumatismos severos
e outras doenças sérias pode levar a colapso circulatório e mesmo morte se não for tratada
adequadamente. Desta maneira, recomenda-se que, todo paciente de risco (o que recebe
corticoide ou que recebeu corticoide até um ano atrás), receba uma dose suplementar da droga.
Aqui vai um esquema proposto por PLUMPTON e cols: frente à cirurgias de grande porte o
paciente recebe 100 mg de hidrocortisona a cada 6 horas por 72 horas, e frente à cirurgias de
pequeno porte 100 mg de hidrocortisona a cada 6 horas por 24 horas. Após isso o paciente
retorna a dose anterior, acrescida de 10 a 15% a mais. Todavia existe várias outras
recomendações.

Referências:
Buttgereit F et al. A new hypothesis of modular glucocorticoid actions. Arthritis Rheum 1998; 41:761 -67.
Derijk R et al. Exercise and circadian rhytm-induced variations in plasma cortisol differentially regulate interleukin-
1beta (IL-1 beta), IL-6 and tumor necrosis factor-alpha (TNF-alpha) production in humans: high sensitivity of TNF
alpha and resistance of IL-6. J.Clin Endocrinol Metab 1997; 82: 2182-91.
Doherty,M. Intra articular corticosteroid injection for OA. In Klippel JH, Dieppe PA. Rheumatology, vol.2, Mosby,
London, 1997, section 8, p:12-3.
Kirwan JR. The effect of glucocorticoids on joint destruction in rheumatoid arthritis. The Arthritis and Rheumatism
Council Low-Dose Glucocorticoid Study Group. N Engl J Med 1995; 333:142-6.
White,R. Preoperative evaluation of patients with rheumatoid Aathritis. Semin Arthritis Rheum 1985 ;14 :287-99.
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Capítulo 6 - Outros medicamentos usados em reumatologia

Este capítulo se destina a estudar outros medicamentos, pertencentes a diferentes


classes farmacológicas, que também são bastante utilizados na reumatologia. O primeiro grupo
a ser estudado é o chamado de drogas modificadoras de doenças, utilizados para o tratamento
de doenças reumáticas com caráter sistêmico. As principais drogas pertencentes a este grupo
estão listadas no quadro abaixo.

QUADRO 6.1 - PRINCIPAIS MEDICAMENTOS USADOS NO TRATAMENTO DE DOENÇAS


REUMÁTICAS SISTÊMICAS
Antimaláricos
Sulfassalazina
Metotrexato
Leflunomide
Azatioprina
Ciclofosfamida
Ciclosporina
Mofetil micofenolato
Medicamentos biológicos Anti TNF alfa
Anti IL-1
Anti IL-6
Abatacepte (CTLA4)
Anti células B – Rituximabe, Belimumabe
Anti IL-17
Anti IL -12/23
Pequenas moléculas – inibidores de JAK quinases

Embora este grupo de medicamentos seja utilizado primariamente para a artrite


reumatoide, a sua amplitude de ação vai muito além. Por exemplo, os antimaláricos são muito
úteis no tratamento do lúpus discoide ou sistêmico; o metotrexate é útil no tratamento das
polimiosites etc.. Você será alertado para estas possibilidades ao estudar cada um deles.
Aqui também serão revisados alguns dos medicamentos usados no tratamento da gota
e da osteoartrite.

MEDICAMENTOS USADOS NO TRATAMENTO DAS DOENÇAS REUMÁTICAS SISTÊMICAS

Antimaláricos : Fazem parte deste grupo, a cloroquina e a hidroxicloroquina. Esses são, talvez,
os medicamentos mais fáceis de serem utilizados por serem os menos tóxicos e, também, os de
menor custo. De maneira geral, considera-se a hidroxicloroquina menos tóxica que a cloroquina
e, portanto, deve ser esta a forma preferida de administração.
Os antimaláricos, além de serem utilizados para o tratamento da artrite reumatoide, são
talvez muito mais úteis no tratamento do lúpus. Também são usados na síndrome do anticorpo
antifosfolípide, nas manifestações cutâneas da dermatomiosite e na síndrome de Sjögren.
Experimentalmente têm sido utilizadas no tratamento da osteoartrite. Além de atuar nas
doenças reumáticas, estas drogas diminuem o nível de lipídeos circulantes e agem como
antiagregantes plaquetárias. Seu uso é muito importante no tratamento do lúpus, onde tem
sido verificado que este medicamento evita os surtos agudos da doença e aumenta a sobrevida
dos pacientes. Nesta doença, os antimaláricos NÃO devem ser suspensos durante a gravidez;
acredita-se inclusive, que eles diminuam o risco de bloqueio cardíaco em filhos de mães com
lúpus e presença do anticorpo anti-Ro, que desenvolvem lúpus neonatal.
94

O mecanismo de ação dos antimaláricos não é totalmente conhecido. Estudos in vitro


mostram que estas drogas têm efeito inibidor de síntese prostaglandina e de diminuição da
atividade e da liberação das enzimas lisossômicas. No entanto, algumas destas formas de ação
requerem uma dose muito alta do medicamento, mais alta do que as obtidas com seu uso in
vivo. Outra hipótese é a de que estas drogas ajam interferindo com produção de IL-1 pelos
monócitos podendo ser consideradas, portanto, como drogas imunomoduladoras. Existem
algumas evidências de que estas drogas interferem com a apresentação de antígenos por
aumentar o pH de organelas intracelulares. Alteração do pH de organelas intracelulares como
os receptores toll like 3,6,8,e 9 (que reconhecem RNA e DNA viral) parece ser importante no
tratamento do lúpus sistêmico.Os antimaláricos têm efeito fotoprotetor, aumentando a dose de
luz ultravioleta necessária para produzir eritema cutâneo em 5 a 10 vezes.
Estes medicamentos são bem absorvidos por via oral. Atingem um plateau plasmático
em torno de 8-14 dias. A meia vida é dependente da dose em uso. Se usado semanalmente, a
meia vida é de 3,5 dias; se usado diariamente, passa a ser de 7 dias. A concentração dos
antimaláricos nos tecidos é muito mais alta do que a sua concentração plasmática. Pode-se dizer
que esta droga fica estocada em fígado, baço, pulmões e suprarrenal. Além disto, este grupo de
drogas tem uma notável preferência para se depositar em tecidos pigmentados, principalmente
nos oculares e na pele. Em torno de 1/3 a 1/2 da droga é metabolizada pelo fígado. O restante
da droga e os metabólitos inativos são excretados pelos rins.
A hidroxicloroquina interage com digoxina, reduzindo o nível deste último
medicamento. Embora estas drogas possam ser consideradas relativamente seguras quando
utilizadas na dose correta, existe um grande número de efeitos colaterais possíveis que devem
ser conhecidos por aquele que as utiliza. No quadro 9.2, estão listados os principais.

QUADRO 6. 2 - PRINCIPAIS EFEITOS COLATERAIS DOS ANTIMALÁRICOS


SISTEMA NERVOSO neuropatia periférica
movimentos involuntários
dificuldade com o acomodamento visual
disfunção vestibular, tinnitus
surdez nervosa
cefaléia tipo enxaqueca
confusão mental, insônia, nervosismo
psicose tóxica, convulsões.
Fraqueza
PELE E CABELOS secura de pele
prurido, urticária
rash morbiliforme ou maculopapular. Piora de psoríase.
descamações e lesões exfoliativas
aumento de pigmentação da pele e mucosas
perda e embranquecimento dos cabelos
SANGUE leucopenia; agranulocitose
GASTRINTESTINAIS anorexia, distensão abdominal e cólicas abdominais
azia, nausea, vômitos e diarréia
OLHOS Subjetivos - escotomas, cegueira noturna, dificuldade na leitura
Objetivos - diminuição de visão para cores, alterações pigmentares de
fundo de olho, edema na retina, palidez do disco ótico, constrição
arteriolar e edema de retina.
perda do reflexo corneano e depósitos em córnea
OUTROS alterações cromossômicas, cardiomiopatia,
alterações eletrocardiográficas.
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Como pode ser visto na tabela acima, muitos dos efeitos colaterais, principalmente os
gastrintestinais podem se confundir com os de anti-inflamatórios não hormonais. Estes efeitos
são menores quando se usa a hidroxicloroquina ao invés da cloroquina. Das lesões cutâneas
possíveis é importante ressaltar a descrição de piora de lesões de psoríase, o que contra indica
o uso destes medicamentos na artrite psoriásica. Já a fraqueza muscular pode ser confundida
com a fraqueza por miosite pela doença básica ou com miopatia por corticoide. Estudos
eletromiográficos em pacientes com miopatia pela cloroquina mostram um misto de miopatia
com alterações neuropáticas. A fraqueza aparece principalmente em porção proximal de
extremidades inferiores, mas pode progredir para extremidades superiores. As enzimas
musculares são normais e a biópsia muscular mostra alterações vacuolares. Reverte com a
retirada do medicamento. Uma síndrome tipo miastenia, inclusive com ptose palpebral,
também tem sido descrita e responde à retirada do medicamento.
De todos os efeitos colaterais, os mais preocupantes são os oculares. Depósitos em
córnea, fazendo a chamada córnea verticilata, não são raros, ocorrendo na maioria dos
pacientes que fazem uso da cloroquina e, em menor grau, daqueles que se utilizam da
hidroxicloroquina. Revertem com retirada da droga ou mesmo com uma diminuição de sua
dosagem. Estes não são graves. Já a retinopatia é bem mais grave porque é irreversível e porque
pode promover uma perda importante da capacidade visual. A droga se acumula em células
pigmentares da retina e promove lesão destrutiva em cones e bastonetes. Assim sendo todo
paciente em uso de antimaláricos deve usar preferencialmente a hidroxicloroquina e deve ser
acompanhado por um oftalmologista, independentemente de apresentar ou não sintomas. Os
achados precoces de uma retinopatia por cloroquina incluem alterações pigmentares perto da
mácula e perda do reflexo da fóvea. Quando a lesão está plenamente estabelecida forma-se um
halo pigmentar em volta da mácula, conferindo-lhe um aspecto de olho de búfalo; o disco ótico
fica pálido e as arteríolas mostram constrição segmentar.
As doses recomendadas são as de 5,0 mg/Kg/dia de hidroxicloroquina e 3,0mg/kg/dia
de cloroquina.
Não existe consenso quanto à frequência do exame oftalmológico nestes pacientes.
Alguns anos atrás se recomendava a realização de um exame oftalmológico semestral. Todavia,
esta conduta parece não ser custo-efetiva. O American Academy of Ophthalmology recomenda
que seja feita uma avaliação inicial (antes de ou logo após começar o medicamento). A partir dai
são indicadas avaliações dali a 5 anos e, depois disso, todos os pacientes devem ter um
acompanhamento mínimo de uma vez ao ano. Estas regras nãos e aplicam a pacientes idosos,
com disfunção renal e hepática, e olho único. Nestes casos o acompoanhamento mínimo é
anual. O tamoxifeno- uma droga usada no tratamento do câncer de mama aumenta a chance
de um antimalárico fazer retinopatia.
Por último, existem relatos de casos de ingestão de antimaláricos em altas doses com
intenção suicida, causando óbitos pelas complicações cardíacas.

A B C
FIGURA 6.1- Efeitos colaterais dos antimaláricos (A)- hiperpigmentação de mucosa;
(B)- hiperpigmentação de pele (C)- retinopatia em olho de búfalo.
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Metotrexate - O metotrexate (MTX) é um antagonista do ácido fólico que interfere com a síntese
da timidina e, consequentemente, com a síntese do DNA. Desta maneira ele promove a morte
de células que se proliferam muito rápido (e esta é a razão do seu uso em psoríase e em câncer).
Isto o torna, também, uma droga imunodepressora. Todavia este último efeito é sútil no caso
de seu uso em artrite reumatoide, uma vez que a dosagem utilizada para tratamento desta
doença é bem baixa. Acredita-se, portanto, que seu efeito em artrite reumatoide não se deva às
suas propriedades antiproliferativas e, sim, aos seus efeitos inibidores em mediadores da
inflamação e de inibição de trânsito de leucócitos. Esta última propriedade aparece porque esta
droga promove a liberação de adenosina que é uma substância sabidamente inibidora da
migração dos leucócitos. Em várias doenças em que ele é usado existe uma melhora bem mais
rápida do que com uso de outras drogas (em 3 a 6 semanas) e quando suspenso, a recidiva da
doença também acontece logo.
Apesar do aparecimento de muitos medicamentos novos para tratamento da artrite
reumatoide, o metotrexate ainda é considerado como droga “padrão-ouro” no tratamento
dessa doença. Além da artrite reumatoide, ele é usado em artrite psoriásica, lúpus, polimiosites,
manifestações periféricas das espondiloartrites etc.
Na prática diária, o que se faz é começar com 7,5 mg a 10 mg/ semana e, aumentar a
dose rapidamente até um máximo de 20-25 mg/semana conforme a necessidade. Em
polimiosites refratárias tem sido usado até 50-60mg/ semana. Nestes casos prefere-se a via
subcutânea. O fato de se administrar esta droga em pequenos pulsos semanais diminui, em
muito, os seus efeitos colaterais. Este esquema de uso semanal, usado em reumatologia, é
“emprestado” da dermatologia, que utiliza esta droga para o tratamento da psoríase. O fato se
escolher o intervalo de uma vez por semana, está baseado em estudos de turnover de células
da pele e não tem, portanto, porque ser observado de maneira rígida no caso de tratamento de
pacientes reumáticos.
A rota de administração da droga pode influir nos resultados do tratamento já que a
administração subcutânea ou intramuscular confere níveis mais altos do medicamento,
principalmente quando se usam doses mais elevadas. Assim, quando um paciente responde
apenas parcialmente ao tratamento pela via oral, a mudança de via de administração pode
ajudar a chegar aos efeitos desejados.
Os efeitos colaterais advindos de seu uso são:
 Intolerância gastrintestinal: encontrada logo após o uso. São encontrados vômitos,
náusea, estomatites, distúrbios transitórios da função hepática e diarréia. Acontece em
torno de 10% dos pacientes, e, nem todos necessitam suspender o tratamento. As
náuseas e vômitos ocorrem no primeiro dia após o uso; as estomatites podem aparecer
até 5 dias após.
 Complicações hematológicas: são raras nas doses usadas em reumatologia. Constam de
leucopenias, anemia e trombocitopenia que aparecem em torno de 3% dos usuários.
Pacientes com função renal diminuída, idosos ou, ainda pessoas que usem
trimetroprim-sulfametoxazol concomitante, têm um risco maior de desenvolver
mielotoxicidade. Antes que um paciente venha a desenvolver anemia pelo uso de MTX,
o hemograma mostra o aparecimento de megaloblastose. Lembre-se de que esta droga
é antifólica.
 Toxicidade hepática: é um dos problemas clínicos mais importantes dos associados à
terapêutica com metotrexate. Interessantemente parece ser mais comum quando este
medicamento é usado para tratamento de psoríase. O que acontece nesta situação é
um processo de fibrose hepática que nem sempre se traduz por alterações de provas de
função hepática. Pode aparecer em pacientes que sempre tiveram níveis normais de
transaminases, assim como, pode não ser visto naqueles que tiveram um aumento
transitório destas enzimas. Pacientes com diabetes, obesos, doença hepática prévia ou
alcoólatras estão mais sujeitos a desenvolver a hepatotoxicidade e estas situações se
97

constituem em contra indicações para a instituição do uso do metotrexate. A


concomitância de psoríase com obesidade e esteatose hepática talvez seja uma das
justificativas porque a hepatotoxicidade do metotrexate é mais comum nessa doença.
Deve-se verificar se o paciente não é portador de hepatite B ou C antes do seu início.
Existe quem recomende que seja realizada biópsia hepática em todos os pacientes, que
usam metotrexate após uma dose total cumulativa que vai de 1,5 gramas até 6 gramas.
Essa prática não é de consenso geral, porque, afinal das contas, uma biópsia hepática
também não é um procedimento isento de riscos. Por isso o Colégio Americano de
Reumatologia criou algumas regrinhas para acompanhar a função hepática do paciente
usando metotrexate. São elas:
o examinar os níveis séricos de aminotransferases e albumina a cada 4 -6
semanas;
o a biópsia de fígado só será feita se o paciente tiver anormalidades em 6 de 12
testes ou 5 de 9 testes feitos anualmente (dependendo se feito a cada 4 ou a
cada 6 semanas);
o a biópsia de fígado não deve ser feita a intervalos fixos ou depois de uma certa
dose cumulativa. Só será feita antes do tratamento se o paciente tiver hepatite
B ou C, se o paciente usar álcool ou tiver testes de função hepática anormais
antes de começar o medicamento.
 Teratogenicidade: toda mulher em idade fértil deve ser alertada para esta possibilidade
e ser adequadamente instruída a usar medidas anticoncepcionais. Seu uso deve ser
suspenso três meses antes de uma gravidez programada. Existem autores que também
adotam esta medida para homens que desejem procriar.
 Toxicidade pulmonar: pneumonite intersticial, bronquiolite e alveolite difusa parecem
ser mais comuns em pacientes fazendo uso de metotrexate para doenças reumáticas do
que para doenças dermatológicas. Deve-se fazer diagnóstico diferencial com processos
infecciosos oportunísticos e com pneumonites intersticiais causadas pelas doenças que
levaram ao uso do MTX (AR ou polimiosite, por exemplo).
 Nodulose: aparece em pacientes com AR os quais desenvolvem paradoxalmente muitos
nódulos reumatoides, em geral pequenos, nas mãos e sobre cicatrizes anteriores.

É importante lembrar que metade do


metotrexate circula ligada a proteínas
plasmáticas e o uso concomitante de drogas
que possam deslocá-lo desta ligação tendem
a elevar os seus níveis séricos. A maior parte
do medicamento é eliminada inalterada pela
urina, requerendo um ajuste de dose em
casos de prejuízo da função renal.
A reposição de ácido fólico reduz a
porcentagem de efeitos colaterais
FIGURA 6.2: Nodulose por metotrexato provocados pelo MTX.

Sulfassalazina - A sulfassalazina é uma droga considerada como de eficiência menor. Tem,


também, um baixo índice de toxicidade. Cerca de 50% dos pacientes que iniciam o seu uso,
abandonam o tratamento por causa de falta de efeito terapêutico. Ela pode ser usada de
maneira combinada com outras drogas modificadoras de doença como metrotexate e
cloroquina. A maioria dos efeitos colaterais é gastrintestinal, tais como, náuseas, vômitos, dor
abdominal. Além disso, pode ser hepatotóxica e causadora de leucopenia; por isso é prudente
98

acompanhar as provas de função hepática e o hemograma a cada 2-3 meses durante o


tratamento.

Leflunomide- É um agente imunomodulador que atua inibindo a enzima dihidro-orotato


deidrogenase, o que resulta numa diminuição da produção de UMP (uridila monofosfato). Este,
por sua vez, é necessário para a formação da pirimidina que é fundamental na replicação do
DNA.
A leflunomida é um medicamento usado em artrite reumatoide quando o paciente não
responde ao uso de metotrexate. Outra indicação é a artrite psoriásica. O seu uso deve ser feito
com atenção aos seus efeitos colaterais que são diarreias, hepatotoxicidade, aparecimento de
pneumonite intersticial e teratogenicidade. O uso da leflunomide não se associa a leucopenia
ou trombocitopenia importantes.
A leflunomide é administrada oralmente como pró-droga que, após passagem pelo
fígado se torna no componente ativo. Sua meia vida é longa (15 dias) uma vez que grande parte
da mesma está sujeita à circulação êntero-hepática (fica sendo reabsorvida após a excreção
biliar). O uso da colestiramina acelera a eliminação deste medicamento exatamente por impedir
a circulação êntero-hepática e esta é uma estratégia a ser usada em casos em que a mulher,
engravida durante o seu uso. Pode ser usada isoladamente ou em combinação com o
metotrexate.

Azatioprina - É um medicamento que interfere com a síntese do DNA por suprimir a síntese de
purina. A azatioprina é, na verdade, uma pró-droga, que, após passagem pelo fígado, se
transforma em 6 mercaptopurina. Esta, por sua vez, é transformada pela xantina oxidase em
ácido 6 tio-inosínico. É importante saber isto, uma vez que, este fato explica porque o uso
concomitante de alopurinol ou febuxostate (inibidores da xantina oxidase) potencializam a
capacidade de imunossupressão da azatioprina. Portanto, NUNCA USE ESSA ASSOCIAÇÃO!
Tem um efeito sobre a resposta imune por inibir a replicação dos linfócitos efetores. É
usado por via oral. É uma droga bem tolerada embora, às vezes, o paciente possa ter náuseas e
vômitos. Casos raros de pancreatite e hepatite têm sido descritos e regridem com a retirada do
medicamento. Reações de hipersensibilidade são infrequentes e se manifestam como febre e
rash cutâneo.
Existe a descrição de indução de neoplasias de linha linfoide (principalmente
intracerebrais), relatados principalmente em casos de uso em transplante renal.
Esta é uma droga pouco usada no tratamento da artrite reumatoide. É mais indicada na
manutenção de indução de glomerulonefrite lúpica, no tratamento de manifestações
hematológicas do lupus. Uma das suas grandes indicações é como poupadora de uso de
corticoide em indivíduos que têm recidiva da doença quando a dose deste medicamento é
abaixada. Apesar de ser imunossupressora, ela tem sido usada em mulheres grávidas com
segurança, o que é uma das suas grandes vantagens.

Ciclofosfamida - A ciclofosfamida, da mesma maneira que a azatioprina é uma pró-droga, cujos


metabólitos é que têm a principal ação farmacológica. Ela é metabolizada no fígado para
carboxifosfamida - o elemento ativo, o qual é excretado principalmente pelo rim. Isto torna
evidente a necessidade de um ajuste da dose em casos de insuficiência renal. A carboxifosfamida
tem um efeito alquilante nas bases guaninas e no DNA. Isto impede a replicação celular. O
resultado é uma linfocitopenia (tanto de célula T como de célula B) e bloqueio da função da
célula B, que são os mecanismos responsáveis pela ação imunossupressora da mesma. Esta
droga é mais potente do que a azatioprina e o metotrexate, mas também muito mais tóxica. Ao
ser biotransformada no fígado, além de formar a carboxifosfamida, a ciclofosfamida dá origem
a acroleína que é um elemento tóxico e responsável por alguns dos efeitos colaterais da droga,
como a cistite hemorrágica, a qual pode resultar em fibrose e formação de telangiectasias na
bexiga, além de predispor a carcinomas de células transicionais.
99

A ciclofosfamida raramente é usada em artrite reumatoide, mas tem um uso maior no


tratamento das manifestações mais graves do lúpus eritematoso sistêmico (nefrites,
envolvimento de sistema nervoso central), nas polimiosites refratárias e nas vasculites
necrotizantes (principalmente na poliangeite com granulomatose e na poliarterite nodosa)
entre outras.
Pode ser utilizada de maneira injetável (geralmente em pulsos mensais ou trimestrais)
ou usada por via oral, embora a absorção, no caso desta última via, não seja completa. A
aplicação em pulsos é feita, geralmente em casos de lúpus ou de vasculite. Efeitos colaterais são
comuns, mesmo em doses baixas, tais como, náusea, vômitos e alopecia. A cistite hemorrágica
é mais frequente nas doses mais altas e pode ser minimizada por uma alta ingesta de líquidos,
visando evitar a exposição do epitélio da bexiga a acroleína.Supressão de medula óssea se
manifesta como leucopenia e trombocitopenia. Complicações infecciosas como herpes zoster e
pneumocistose são encontradas. Além de tudo isto, esta droga é indutora de esterilidade por
promover fibrose ovariana na mulher e azoospermia no homem. Este efeito colateral é uma
consequência da dose cumulativa utilizada sendo mais frequente quando o paciente é mais
idoso ou quando a mulher está mais próxima da menopausa. Também tem um potencial de
induzir linfomas e leucemias, além de neoplasias cutâneas. É teratogênica.
Como se pode depreender do acima exposto, a ciclofosfamida é uma droga bastante
tóxica e seu uso deve ser reservada para casos graves ou para aqueles em que todas as outras
possíveis alternativas foram esgotadas sem nenhum resultado.

Ciclosporina - A ciclosporina é uma droga que, inicialmente, foi usada para evitar rejeição em
pacientes transplantados renais, mas que tem sido utilizada com sucesso em um grande número
de doenças auto-imunes. Ela age na expansão clonal dos linfócitos e influencia tanto a
imunidade humoral como a celular, mas tem um efeito bem maior na celular. Não é mielotóxica,
não influi na quimiotaxia e nem no processo de fagocitose dos leucócitos. Isto traz a vantagem
de não ocasionar riscos especiais de infecção, a não ser pelo vírus de Epstein-Barr. Por outro
lado, é uma droga nefrotóxica e hepatotóxica. Como é nefrotóxica deve-se evitar que seja usada
de maneira concomitante com AINH. Outros efeitos colaterais são tremores, hipertrofia
gengival, hipercolesterolemia, hiperuricemia e hipomagnesemia e hirsutismo. Para que se evite
a sua nefrotoxicidade recomenda-se o acompanhamento de níveis séricos da mesma. Tem sido
usada em artrite reumatoide, em casos isolados de polimiosite refratária ao corticoide e casos
de nefrite lúpica.

Micofenolato de mofetila - Este é um medicamento muito mais usado em pacientes com lúpus
do que com artrite reumatoide principalmente para as suas manifestações mais graves. Atua
inibindo enzima inosina monofosfato dehidrogenase. Desta maneira impede a proliferação
tanto de linfócito T e B, a maturação de células dendríticas e o aporte de monócitos ao ponto
de inflamação, induzindo imunotolerância.
Os efeitos colaterais mais comuns são náusea, vômitos, diarreia e cólicas abdominais.
Leucopenia é rara.

Bloqueadores do fator de necrose tumoral alfa - Este bloqueio pode ser conseguido através de
uso de anticorpos monoclonais contra o TNF-α (infliximabe, adalimumabe, certolizumabe e
golimumabe) ou, ainda, através do fornecimento de receptores solúveis para esta citocina, os
quais competem com os receptores celulares pelo TNF-α circulante (etanercepte).
Para entender como estes medicamentos funcionam é interessante revisar um
pouquinho a estrutura e função do TNF-α. Lembra que ela é uma das principais citocinas pró-
inflamatórias? Ela atua tanto no sistema imunológico específico como o inespecífico: ativa
linfócitos B, T e macrófagos, aumenta outras citocinas pró-inflamatórias como a IL-1, a IL-6 e a
IL-8, aumenta o recrutamento de neutrófilos no local da inflamação por influir na síntese de
moléculas de adesão e aumenta a atividade destes neutrófilos por incrementar a produção de
100

enzimas e radicais de oxigênio livre. A molécula do TNF-𝛼 é uma molécula transmembranosa


que, por ação da enzima de conversão de TNF-α pode dar origem a uma fração solúvel. É fácil
de entender que a citocina que se liga a um receptor solúvel não consegue comunicação com a
célula e, portanto, tais receptores solúveis atuam, na verdade, como inibidores da função do
TNF-α.
Estudos feitos com bloqueio do TNF-α, seja com o uso isolado ou associado ao
metotrexate, têm demonstrado bons resultados clínicos e que este medicamento é capaz de
diminuir o infiltrado inflamatório. Um inconveniente é que este tipo de tratamento depende de
administração parenteral (endovenosa ou subcutânea) e tem um custo muito alto.Embora a
proposta inicial para uso deste grupo de medicamentos tenha sido feita para artrite reumatoide,
seu uso estendeu-se para as artrites idiopáticas da infância, Síndrome de Behçet e
espondiloartrites. Existem, indicação para casos de uveítes refratárias.
Efeitos colaterais incluem sinais e sintomas de irritação de vias aéreas superiores e nos
locais da injeção; febre, náuseas e vômitos que estão descritos com uso dos anticorpos
monoclonais quiméricos logo após ou durante a infusão endovenosa. Entretanto mais
preocupante do que isto, é saber que esta citocina desempenha um papel chave na proteção à
infecção e na imunogenicidade. Seu uso torna os indivíduos mais susceptíveis a infecções em
geral, principalmente as por micobactérias como a tuberculose. Dessa maneira, todo candidato
a uso de anti TNF-α deve ser submetido a triagem para tuberculose com RX de tórax e PPD (ou
IGRA) estando recomendado o uso de profilaxia para tuberculose antes de seu uso em casos de
PPD acima de 5mm. Outro cuidado a ser tomado é com a história de contato com outras pessoas
que tenham tido tuberculose. Lembre que muitos dos pacientes reumáticos são
imunossuprimidos e não respondem adequadamente ao PPD.
Tem sido descrito o aparecimento de anticorpos anti DNA e até de clínica compatível
com lúpus eritematoso induzido por droga em pacientes fazendo uso de anticorpos monoclonais
e casos de doenças desmielinizantes em pacientes fazendo uso dos receptores solúveis. Tem
sido notada a piora de casos de insuficiência cardíaca. Houve sempre uma grande preocupação
quanto ao fato de que a inibição do TNF pudesse favorecer o aparecimento de tumores. Estudos
mais recentes mostram que- com exceção de tumor de pele não melanoma, não existe risco
aumentado de neoplasia. Entretanto ainda recomenda-se que só se faça o uso deste
medicamento 5 anos após o tratamento para tumor.
Embora essas drogas possam ser usadas de maneira isolada, a combinação com
metotrexate oferece melhores resultados em casos de artrite reumatoide.

Anti interleucina 6 - A anti-interleucina 6 ou tocilizumabe tem a sua principal indicação no


tratamento da artrite reumatoide mas também pode ser usada na artrite idiopática juvenil. Este
medicamento atua contra o receptor da IL-6 solúveis e ligados à membrana celular impedindo
que a transmissão do sinal da citocina seja encaminhado para dentro da célula. É uma droga de
uso endovenoso. Seus efeitos colaterais mais comuns são aumento da frequência de infecções
de vias áreas superiores e de hipertensão. Ela altera o perfil lipídico do usuário. Também está
contraindicada em suspeita de tuberculose. As provas de atividade inflamatória (VHS e PCR)
serão sempre baixas no usuário desta droga já que a IL-6 é a grande indutora de reagentes de
fase aguda.

Abatacepte (CTLA4) - O CTLA4 é usado para inibir a co-estimulação do linfócito T e a célula


apresentadora de antígeno. Lembra lá dos segundos sinais da revisão de imunologia? Um deles
era o CD28 (do linfócito) que se ligava ao B7 do macrófago. Pois bem: o CTLA4 (cytotoxic T
lymphocyte-associated antigen 4) é uma proteína feita pelo próprio linfócito que se liga ao B7
ocupando o lugar do CD 28 e assim impedindo que o processo de estimulação continue. Neste
caso é oferecido CTLA4 exógeno (abatacepte). Sua principal indicação é artrite reumatoide.
101

FIGURA 6.3 – Mecanismo de ação do abatacepte

Anti células B - Os medicamentos anti células B disponíveis para uso atualmente são o
rituximabe e o anti BlysS ou belimumabe.
O rituximabe é um anticorpo monoclonal, anti CD-20 que atua depletando os linfócitos
B. É usado para tratamento de artrite reumatoide soropositiva e, ocasionalmente, para
manifestações graves do lúpus, na dermatomiosite e em poliangeite com granulomatose.
Apesar de atuar contra linfócitos B, o rituximabe não causa diminuição importante dos níveis
séricos de imunoglobulina (a não ser de IgM), uma vez que os plasmócitos não têm o CD-20.
Além disso, as células precursoras do linfócito também não têm este marcador; isso permite a
re população destas células, o que acontece em 6-9 meses. Veja a figura 6.4.

Figura 6.4- Presença do CD20 em células B e área de atuação do Rituximabe.

É uma droga bem tolerada embora possa causar reações infusionais e de reativação de
casos de hepatite. Tem sido descrito, também, o aparecimento de infecção pelo vírus JC - que
causa uma doença desmielinizante progressiva multifocal.
O anti BlysS ou belimumabe é uma droga que atua contra o BlysS/BAFF que é o fator de
crescimento de célula B indicado no tratamento do lúpus eritematoso sistêmico, principalmente
como um economizador de corticoide.

Anti interleucina 1 - Os inibidores de IL-1 têm um impacto menor do que o dos outros biológicos
no tratamento da artrite reumatoide, mas eles desempenham um papel crucial no tratamento
das doenças auto inflamatórias. Um desses inibidores é o Anakinra que é um receptor inibitório
para aIL-1 (IL-1Ra). Outro é o Canakinumabe que é um anticorpo contra a própria IL-1.

Os demais biológicos não abordados neste texto.

Tofacitinibe -` É um inibidor das Janus kinases, mais precisamente das Janus kinase 3 (JAK-3),
que são os componentes intermediários entre o receptor da interleucina e o núcleo. Assim ele
intercepta a informação dada pelas citocinas que ocasionariam aumento da sobrevida de
linfócitos, sua proliferação e diferenciação. Tem a vantagem e ser de uso oral e está indicado
102

para o tratamento da artrite reumatoide. Tem como efeitos colaterais alterações hematológicas,
de enzimas hepáticas e de colesterol.

Gama globulina - A gama globulina tem sido utilizada classicamente em situações nas quais se
necessita conferir imunidade passiva a um paciente. Entretanto, tem se verificado que as suas
ações podem ir muito além disso. Ela tem um efeito imunomodulador em várias doenças
autoimunes nas quais se incluem a doença de Kawasaki, as miosites inflamatórias idiopáticas,
lúpus eritematosos sistêmico, AR do adulto e juvenil e vasculites sistêmicas. Acredita-se que o
seu efeito imunomodulador se deva a:
 bloqueio de receptores Fc de macrófagos e células endoteliais;
 clearence de possíveis agentes infecciosos eventualmente envolvidos na etiologia
destas doenças
 supressão da síntese de anticorpos;
 inibição da produção e liberação de citocinas;
 inibição da ativação de células T por super-antígenos;
 redução da expressão de moléculas de adesão;
 neutralização de auto-anticorpos por anticorpos anti-idiotípicos;
 regulação da ação das células T e B pelos anticorpos anti-idiotípicos;
 inibição da ligação com o complemento e sua consequente ativação.
A administração da gama globulina endovenosa é feita em doses mensais de 1-2
mg/kg/dia por 2 dias. É muito bem tolerada e relativamente segura. Os efeitos colaterais
possíveis estão resumidos no quadro 6.3.

QUADRO 6.3 - EFEITOS COLATERAIS DA GAMA GLOBULINA


COMUNS náusea e vômitos ; cefaleia; dor lombar, mialgias; calafrios, febre;
dor abdominal; sensação de aperto no peito;
RARAS reações anafiláticas; reações anafilactóides; anemia hemolítica
meningite asséptica; insuficiência renal e AVCs (em velhos);
TEÓRICAS transmissão de agentes infecciosos.

As reações do grupo comum dependem em geral da velocidade de infusão da gama


globulina. Cedem com o alentecimento da infusão ou com a sua suspensão. Se for necessário
pode-se administrar analgésicos, antitérmicos, anti-histamínicos ou corticoide. As reações
anafiláticas acontecem mais comumente em indivíduos com deficiência de IgA. Estes indivíduos
fazem IgE contra a IgA do preparado. Para estes casos existem preparações comerciais com
baixo teor de IgA. Já o risco de transmissão de agentes infecciosos é bastante baixo; são descritos
alguns casos de transmissão de hepatite C. O maior problema deste tipo de medicamento está
no seu custo muito alto. Além disto, os pacientes não curam de suas doenças, necessitando
serem mantidos com infusões de manutenção.

Aferese terapêutica - Aferese é uma palavra que vem do grego e quer dizer retirar. Uma aferese
terapêutica nada mais é do que a retirada de algum elemento do paciente. Os elementos que
podem ser retirados são plasma (plasmaferese), linfócitos (linfaferese) ou ambos. A ideia atrás
de se fazer uma plasmaferese é que, retirando-se o plasma do paciente, saem junto anticorpos
e complexos imunes potencialmente patogênicos. Veja bem: este é um processo mecânico!
Plasmaferese tem sido indicada em um bom grupo de doenças do tecido conjuntivo e outras
vasculites. Entretanto existe o problema de uma formação de anticorpos de “rebote”. Na
linfaferese o que se faz é retirar linfócitos potencialmente responsáveis pela etiologia de uma
doença.
O papel exato deste tipo de tratamento não está determinado. Existem descrições
isoladas de que ela é benéfica a curto prazo para pacientes com artrite reumatoide e lúpus. A
103

sua grande indicação está em “ganhar tempo” em situações graves até que outros
medicamentos funcionem.

Irradiação nodal ou total - A irradiação total ou nodal do paciente tem um efeito imunoterápico
e é utilizada em situações de “desespero de causa”, em pacientes com artrite reumatoide, lúpus
e polimiosites refratárias. Ela promove uma depleção seletiva de linfócitos T CD4+ que aparece
em 5-8 semanas após a irradiação e persiste por 1-3 anos.

Transplante de medula óssea (TMO) - As células tronco hematopoiéticas constituem apenas 1


a 3% das células da medula óssea, mas são capazes de repovoar a medula para todas as
linhagens, inclusive linfócitos. Estas células carregam o marcador de superfície CD-34 e podem
ser coletadas em sangue periférico, estocadas e retornadas ao seu doador para reconstituir o
sistema imune e o hematopoiético, o que é feito em casos de transplante. Nestes casos, a
medula primitiva do paciente é destruída com altas doses de quimioterápicos (em geral,
ciclofosfamida e bussulfan). Quando as células que irão repovoar a medula são originárias do
próprio paciente o transplante é dito autólogo; quando se originam de outrem, trata-se de um
transplante alogênico e neste último caso, é mais bem sucedido quando o doador é um irmão
gêmeo (transplante singênico).
A ideia de utilizar transplante de medula óssea em pacientes com doenças autoimunes
vem da observação do fato de que pacientes com esta doença, ao fazer TMO por outro motivo,
entravam em remissão do processo de autoimunidade. O funcionamento deste tipo de
tratamento parte da seguinte premissa: que um indivíduo com doença autoimune tem duas
populações de células tronco: as que agem certo e as que agem errado. Ao se recomeçar o
processo de povoação da medula, existe a chance de que só as células certas se multipliquem.
Outra explicação para a efetividade deste tratamento é a de que a célula T reinfundida encontra
um número tão alto de antígenos expostos nas articulações sinoviais inflamadas que entra em
processo de anergia. Obviamente, a quimioterapia de ablação também influi favoravelmente no
processo.
Se o conteúdo medular reinfundido estiver contaminado por linfócitos maduros, o risco
de recidiva é maior. Se estes linfócitos forem filtrados, o risco de recidiva diminui mas a
imunodepressão que o indivíduo sofre durante o seu período de recuperação do procedimento
é maior.
Complicações deste tipo de tratamento são: infecções no período de imunossupressão,
náuseas, vômitos, alopecia e mucosites decorrentes do uso dos quimioterápicos e doença
hepática veno-oclusiva. Transplantes alogênicos podem levar à reação graft X host se não forem
originários de um gêmeo monozigótico .

MEDICAMENTOS USADOS NO TRATAMENTO DE DOENÇAS MICROCRISTALINAS

A seguir daremos atenção ao grupo de drogas utilizadas para tratamento de gota e de


outras artropatias por cristal.

Colchicina - A colchicina é uma droga anti-inflamatória utilizada no tratamento da gota graças à


sua capacidade de inibir fagocitose dos uratos pelos neutrófilos. Ela forma uma associação com
a tubulina, o elemento que recobre a porção terminal dos microtúbulos e assim interfere com o
transporte do material fagocitado para os lisossomos. Ela inibe a liberação de um fator
quimiotático, reduz a adesão e a mobilidade dos polimorfonucleares e inibe a formação do
leucotrieno B4. Esta droga NÃO tem efeito no metabolismo dos uratos.
Seu uso em gota está restrito a situações nas quais os AINHs estão contra indicados. Na
crise aguda pode-se administrar 1 mg por via oral inicialmente, seguidos de 0,5 mg na próxima
hora. A maioria dos pacientes tem algum alivio dos sintomas em 18h. A artrite desaparece em
48h em 75-80% dos pacientes.
104

Além de ser usado na gota, este medicamento é eficaz no combate à inflamação em


outras doenças nas quais existe depósito de cristais como doença por depósito de pirofosfato
de cálcio ou por cristais de hidroxiapatita. Pode ser usada em doenças autoinflamatorias já que
ela é uma droga “anti-neutrófilo” que é o principal ator da inflamação. Na febre familiar do
Mediterrâneo – que é uma doença auto inflamatória, o uso da colchicina impede a progressão
para amiloidose.
O uso prolongado pode ser causa de aplasia de medula óssea e neurite periférica. O uso
concomitante de cimetidina ou eritromicina impede o metabolismo da colchicina e aumenta o
risco de reações tóxicas.

Alopurinol - O alopurinol é uma droga que diminui o nível sérico de ácido úrico por bloquear a
enzima xantina dehidrogenase que é importante para a sua formação. No organismo o
alopurinol é transformado em oxipurinol que também é uma droga farmacologicamente ativa e
que, por ter uma meia vida bem longa, responde pela maior parte da ação desta droga. O
oxipurinol age da mesma maneira que o alopurinol, bloqueando a mesma enzima.
O uso do alopurinol leva a um acúmulo de xantina no organismo que é o local onde o
metabolismo do ácido úrico é sustado.
Esta droga é bem absorvida por via oral e a excreção da forma oxidada, o oxipurinol, se
faz, principalmente pelos rins. Assim se o paciente é portador de insuficiência renal esta droga
deve ser ajustada, de acordo com o clearence do paciente.
Quando um paciente recebe alopurinol, o seu ácido úrico baixa em 24-48h e após 3 a 6
meses de normouricemia pode-se reduzir a frequência dos ataques de gota; os tofos resolvem
em 6 a 12 meses após. Quando a droga é retirada, em poucos dias os níveis de ácido úrico
retornam a níveis pré-tratamento. Isto torna claro que este tipo de tratamento deve ser
continuado por um tempo indefinido.
Os principais efeitos colaterais deste tipo de medicamento são:
 Precipitar ataques agudos de gota - costuma acontecer quando o paciente inicia o
tratamento. Nesta situação pode-se usar colchicina para profilaxia.
 Cálculos de xantina: o fato de o alopurinol sustar o metabolismo do ácido úrico, leva ao
acúmulo de xantina que é a substância onde o metabolismo fica suspenso. Sendo
insolúvel, a xantina pode se precipitar no rim, formando cálculos.
 Reações de hipersensibilidade: o paciente observa intolerância gastrintestinal, rashes
cutâneos (ocasionalmente epidermólise bolhosa), alopecia, supressão de medula óssea,
hepatite, vasculites e formação de granulomas semelhantes à sarcoides. A soma de
qualquer dos tipos de manifestação de hipersensibilidade chega a acometer 20% dos
pacientes. Os efeitos tóxicos são mais frequentes em pacientes que usam diuréticos ou
que têm insuficiência renal. Já a incidência de rashs cutâneos aumenta quando o
paciente usa simultaneamente a ampicilina. As reações alérgicas podem ser
minimizadas se o paciente iniciar o tratamento com uma dose menor (p.ex 100mg/dia)
aumentando a mesma gradativamente até níveis terapêuticos.
Atenção! Não use esta medicação com azatioprina ou 6 mercaptopurina. Os efeitos colaterais
sobre a medula se potencializam...

Febuxostate - Como o alopurinol, também inibe a xantina oxidase, reduzindo a produção de


ácido úrico. Seus efeitos colaterais principais são náusea, diarreia, artralgia, rash cutâneo,
cefaleia e aumento de enzimas hepáticas. Também está contra indicado em uso simultâneo com
azatioprina e mercaptopurina.

Rasburicase - É uma versão recombinante da enzima urato oxidase, que existe em mamíferos
mas não no ser humano e que transforma o ácido úrico em alantoína. Tem sido usada para
diminuir o risco de insuficiência renal aguda por hiperuricemia em adultos submetidos a
105

tratamento de doenças malignas hematológicas. Uma forma peguilada deste medicamento, a


pegloticase, está indicada em casos de gota crônica refratária.

Drogas uricosúricas - Estas são drogas que baixam o nível do ácido úrico no sangue por aumentar
a sua excreção renal. Pertencem a este grupo: o probenecide, a benzobromarona e o lesinurade
(este ultimo ainda inexistente no Brasil). Este tipo de medicamento deve ser administrado com
uma dieta rica em líquido para que se evite o risco de formação de cálculos. Às vezes pode ser
desejável a alcalinização da urina, o que é feito com bicarbonato ou acetazolamida. Outros
efeitos colaterais possíveis são: rashs cutâneos, intolerância gastrintestinal e precipitação de
ataque agudo de gota. Mais raramente são vistos casos de hepatotoxicidade e anemia
hemolítica.
As drogas uricosúricas atuam, de maneira geral, nos túbulos proximais interferindo com a
reabsorção do acido úrico do filtrado urinário para o sangue. A grande maioria delas interfere
com a ação de um transportador de ácido úrico conhecido como URAT1 embora existam outros
transportadores que também possam ser inibidos. Para localizar a atuação de cada droga em
cada um destes transportadores veja a figura baixo (Figura 6.5).

FIGURA 6.5 - Local de atuação dos uricosúricos

Pacientes com insuficiência renal são resistentes a este tipo de medicamento. Quando
o clearence cai para 20-30 ml/min, estas drogas se tornam ineficazes. O probenecide interfere
com o metabolismo de vários antibióticos (penicilina, ampicilina, algumas cefalosporinas e
rifampicina) além de potencializar a ação anticoagulante da heparina.
Existem outros medicamentos que têm como “ efeito colateral” baixar o ácido úrico.
Eles são interessantes na escolha de tratamento de comorbidades que se associam à gota como
hipertensão e dislipemia. Entram neste grupo: losartana, nifedipina, fenofibrato e atorvastatina.
Por oturo lado, diuréticos como os tiazidicos ajudam a reter o ácido úrico.

MEDICAMENTOS USADOS NO TRATAMENTO DA OSTEOARTRITE

Por último, algumas palavras sobre alguns medicamentos usados no tratamento da


osteoartrite. Infelizmente nenhuma droga, até o momento, consegue ser modificadora de
doença em osteoartrite.

Glicosamina - Este medicamento se propõe inibir as enzimas que degradam a matriz


cartilaginosa e estimular o metabolismo das células sinoviais e dos condrócitos, aumentando a
produção de glicosaminoglicanos e proteoglicanos. Existe na forma de sulfato de glicosamina ou
de hidrocloreto de glicosamina. Pode ser usada de maneira isolada (em geral, na dose de 1500
mg de sulfato de glicosamina) ou associada com condroitina. Trata-se de um medicamento
muito bem tolerado, devendo ser evitado apenas em pessoas que são alérgicas a mariscos e
106

ostras. Existe a sugestão de que este medicamento pode ter um efeito modesto na redução do
ritmo de estreitamento da cartilagem embora estudos posteriores tenham lançado dúvida sobre
este efeito. Tem ação analgésica depois de uso por tempo prolongado.

Condroitina- O sulfato de condroitina é composto por unidades repetidas de sulfato de


galactosamina e de ácido glicurônico e é o principal glicosaminoglicano que existe na cartilagem
articular. Alguns estudos têm demonstrado que este medicamento é capaz de diminuir a dor de
articulações com osteoartrite, embora outros falhem nesta proposta. Seus efeitos sobre a
modificação do processo osteoartrítico também ainda está por ser provado. Assim como a
glicosamina é um medicamento muito bem aceito, praticamente sem efeitos colaterais .
Embora tanto a glicosamina como a condroitina possam ser usadas “por vias das
dúvidas” uma vez que são extremamente bem toleradas e podem vir a beneficiar o paciente,
quem a prescreve não deve esquecer que estes medicamentos têm um custo substancial.

Diacereina - Este medicamento é um derivado da reína, a qual é uma substância que tem
propriedades analgésicas e anti-inflamatórias. Ele inibe a produção de IL-1 e estimula a produção
de prostaglandina E2. Tem um efeito modesto no alívio da dor de osteoartrite mas o seu
potencial em retardar a evolução da osteoartrite ainda está por ser provado. Seu principal efeito
colateral é diarreia.

Outros medicamentos usados em osteoartrite ainda em caráter experimental são os


antimaláricos e as tetraciclinas. A racionalidade para o uso destas últimas está no fato de que
elas inibem as metaloproteinases, colagenases e gelatinases dos neutrófilos, que são enzimas
que degradam a matriz cartilaginosa.

Leitura complementar 6.1- Tratamento da dor

Dor é um sintoma que, assim como um resfriado comum, todos nós esperamos vir a ter
algum dia. Apesar disto, esta é uma palavra que, quase universalmente, acarreta medo.
Promover analgesia é uma das tarefas fundamentais e mais gratificantes de todo profissional de
saúde. A dor crônica altera a qualidade de vida de uma pessoa e de quem está ao seu redor,
causa alterações no sono e gera ansiedade e depressão.
De uma maneira bastante simplista, pode-se dizer que a dor é, em geral, sentida na
periferia através de receptores (chamados de receptores nociceptivos) e transmitida por
terminações nervosas até o corno posterior da medula. Esta transmissão pode ser feita por
fibras mielinizadas (tipo Aδ) ou não mielinizadas (tipo C) que nada mais são do que axônios dos
neurônios do gânglio da raiz dorsal.
Do corno posterior da medula elas vão, pelo trato espinotalâmico ao tálamo
contralateral que por sua vez projeta estes estimulo na córtex cerebral para a sua interpretação.
Do tronco cerebral partem estímulos descendentes para inibir a via de transmissão da dor. Esta
inibição é feita por liberação de serotonina, noradrenalina e opioides endógenos.
A passagem do estimulo doloroso de um neurônio a outro é feito por
neurotransmissores. São transmissores excitatórios o glutamato e o aspartato enquanto o ácido
gama-aminobutírico (GABA), a glicina e a taurina são neurotransmissores inibidores. Saber isto
ajuda alocalizar o pontode atuação dos vários analgésicos
107

FIGURA 6.6-Vias de transmissão da dor

O tipo, dose e via de administração de um analgésico está na dependência do grau de


dor experimentado (aliás, algo que é muito difícil de ser avaliado) assim como da qualidade da
dor (em cólica, neuropática etc). Acredita-se que tanto médicos como pessoal da enfermagem
tendem a subestimar o grau de dor sentido pelo paciente. Uma maneira grosseira de avaliar dor
é usar a chamada escala visual analógica de dor onde o paciente gradua a sua dor de 0 até 10.
Senão consegue ajudar o médico a entender o quanto de dor o paciente está sentido, serve para
dizer se ele está melhorando ou piorando.

FIGURA 6.7– Escala visual analógica (EVA) usada na medida de dimensão de dor.

Em casos de dor leve a moderada pode se utilizar anti-inflamatórios não hormonais


(AINHs) ou analgésicos puros simples. Dentre os analgésicos puros mais usados estão o
paracetamol e a dipirona. Ambos têm a vantagem de não causar tanta intolerância gástrica, nem
alterar a filtração glomerular como os AINHs. Estas drogas também não são antiagregante de
plaquetas.
O paracetamol é usado em doses de até 4g/dia e seu principal problema é a
hepatotoxicidade devendo ser evitado em pacientes com disfunção deste órgão e em pessoas
que consomem grandes quantidades de álcool. Seu mecanismo de ação não está bem
compreendido embora exista a sugestão de que estas drogas façam a inibição de uma
ciclooxigenase 3 ( COX-3) existente apenas em tecidos cerebrais.
Os anti-inflamatórios não hormonais são, também, excelentes analgésicos, podendo ser
utilizados para este fim. Entretanto estão bem indicados quando existe um processo
inflamatório causando a dor.
Já em situações de dores mais graves podem ser usados os analgésicos opiodes fracos
como a codeína, propoxifeno, oxicodona e o tramadol ou os opiodes fortes como morfina,
meperidina, fentanil e metadona. Analgésicos opioides sempre trazem a possibilidade de adição,
o que amedronta tanto médicos como usuários. Entretanto esta possibilidade é superestimada
principalmente quando o seu uso é limitado a uma situação aguda. Efeitos colaterais bem
conhecidos dos opioides são: náusea, constipação intestinal (laxativos suaves devem ser
108

prescritos de rotina), bradicardia, depressão respiratória, urgência miccional, sedação etc. Na


população geriátrica, o seu uso para dores que não estão relacionadas a câncer deve ser evitado
por causa destes efeitos colaterais. Todavia eles podem ser úteis por um período curto no qual
a dor está exacerbada de maneira aguda.
Uma vez escolhido o analgésico é fundamental que o paciente seja orientado a tomá-lo
em horários fixos e não se necessário, uma vez que, nesta última situação a sua eficiência fica
reduzida. Preste bem atenção nisto: a eficiência de um analgésico é maior quando o paciente
faz seu uso em horários fixos, pré-estabelecidos, ao invés de usá-lo apenas nos períodos da dor.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem um protocolo terapêutico para tratamento
da dor no qual a potência do analgésico usado é aumentada de maneira progressiva. É claro que,
se a dor inicial já for uma dor muito forte pode se iniciar por medicamentos mais potentes.

Medicamentos auxiliares no tratamento


da dor são: corticoides (como infiltrações),
antidepressivos tricíclicos (Ex: amitriptilina,
doxepina, imipramina), anticonvulsivantes
(carbamazepina) e a capsaicina. A capsaicina é
um derivado da pimenta, de uso tópico, que
exerce atividade analgésica por aumentar a
liberação de substância P de fibras nervosas.
Esta liberação impede a transmissão do sinal da
FIGURA 6.8 - Escala de analgesia da dor pelas fibras nervosas. Cuidados devem ser
Organização Mundial De Saúde (OMS). tomados com irritação local.

Existem outras formas, não farmacológicas, de tratamento da dor: aplicações de


compressas quentes ou frias (e aqui o método de escolha é o de “tentativa e erro”), massagens,
acunpuntura, técnicas de relaxamento, aplicação de TENS (estimulação nervosa transcutânea).
A dor crônica gera transtornos na esfera psicossocial e determina alterações na
personalidade. O tratamento da ansiedade e/ou da depressão associadas facilita o manejo da
dor. Muitas vezes pode ser necessária uma abordagem multidisciplinar com médicos,
psicólogos, assistentes sociais e psiquiatras.

Leitura complementar 6.2 - Acupuntura no tratamento da dor

A acupuntura é um método tradicional chinês utilizado desde 2600 AC e originário do


pensamento taoista e da China Antiga que pode ser utilizado para tratamento da dor.
Atualmente, a chamada acupuntura ocidental tem procurado se desvencilhar dos princípios
filosóficos e religiosos chineses e vem sendo utilizada de uma maneira mais cientifica. Vários dos
chamados pontos de acupuntura se sobrepõem - em termos de localização - aos pontos gatilhos
miofaciais - que, em reumatologia, constituem a sua principal indicação. Entretanto é
fundamental que o médico que a indica note que, como qualquer forma de terapia, ela não é
isenta de efeitos colaterais e não prescinde a realização de um diagnóstico antes de sua
indicação.
O seu uso, assim como o de outros analgésicos, pode mascarar o diagnóstico e retardar
o tratamento mais correto de uma doença mais agressiva, como por exemplo, as neoplásicas.
Não vamos explorar aqui todos os aspecto desta forma de tratamento. Iremos apenas rever
ligeiramente os mecanismos aos quais se atribui a sua ação assim como algumas das suas
indicações.O método consiste na aplicação de estímulos físicos em pontos pré-fixados sendo
utilizadas agulhas, eletroacupuntura, moxabustão, sangria por ventosas, escarificação etc... A
109

moxabustão é feita através da combustão de fibras de lã da artemísia aplicadas direta ou


indiretamente sobre a pele.
Evidências de eficácia clínica da acupuntura são difíceis de se obter, uma vez que, do
ponto de vista metodológico, é complexo realizar um estudo bem desenhado. As indicações são
muitas, mas as evidências reais são poucas. Vê-se este método sendo utilizado para tratamento
de doenças músculo-esqueléticas, cefaléias, dores de origem ginecológica e obstétrica, doenças
neurológicas, alterações psíquicas e emocionais, doenças do ouvido nariz e garganta entre
outras situações.Existem algumas evidências obtidas através de estudos de meta-análise de que
este método seja útil no tratamento de dor de dente, dor lombar, náuseas e vômitos. Em dores
de origem cervical, enxaqueca, doenças reumáticas inflamatórias, asma, osteoartrite os dados
são contraditórios. No caso de interrupção do hábito de fumar e perda de peso os dados são
negativos.
Quando acontece um estímulo doloroso, este é geralmente transmitido por fibras A-
delta e C (vias aferentes) até o corno dorsal da medula de onde é re-transmitido para níveis
superiores. No SNC, o estímulo é modulado, sofrendo influência de fatores psíquicos e culturais,
condicionamento físico e aspectos genéticos - os quais atuam de maneira positiva ou negativa
na sensação de dor. A chamada teoria das comportas propõe que a estimulação da via aferente
pela acupuntura ocuparia o “espaço” usado para a transmissão da dor. Outras ideias são as de
que a acupuntura favoreça a secreção de analgésicos opioides naturais e de determinados
neuro-transmissores. Não se pode negar, também, a possibilidade de efeito placebo.
Ao contrário do que muitas pessoas apregoam a acupuntura não é totalmente inócua,
embora seja mais inócua do que outras formas de tratamentos analgésicos. Os efeitos adversos
podem ser classificados nos seguintes grupos:
a) retardo no diagnóstico correto; b) deterioração da doença sob tratamento (causada não pela
acupuntura mas pelo abandono do tratamento medicamentoso); c) dor; d) reações neuro-
vegetativas (síncope e torpor); e) transmissão de infecções bacterianas e virais (septicemia,
endocardite bacteriana, hepatites, SIDA etc); f) trauma de órgãos e tecidos (tamponamento
cardíaco, pneumotórax, lesões vasculares e de nervos periféricos, lesões cutâneas etc...).
Não existem dados quanto à frequência destes efeitos colaterais, mas com certeza esta
sofre influência da habilidade e da experiência do aplicador.
Apesar de muito antiga esta prática ainda carece de provas claras de eficácia. Ainda está
por chegar o tempo em que se prove que com determinados cuidados e em determinadas
situações ela está claramente indicada.

Referências:
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lupus erythematosus. Arthritis Care Res (Hoboken). 2010; 62 (6):775-84.
110

Capítulo 7- Laboratório em reumatologia

FATORES REUMATOIDES

Fatores reumatoides são auto-anticorpos dirigidos contra determinantes antigênicos


do fragmento Fc de uma molécula de IgG. Embora tenham sido descritos inicialmente em
pacientes com artrite reumatoide, logo se tornou evidente o fato de que estes fatores não estão
exclusivamente, nem uniformemente, relacionados a esta doença, podendo ser encontrados em
uma grande variedade de situações nas quais exista estimulação antigênica crônica. Os fatores
reumatoides podem pertencer à classe IgM, IgG, IgA e IgE embora o grupo predominante seja
de IgM. Estes anticorpos podem ser detectados e quantificados por radioimunoensaio e pelo
método ELISA. O fator reumatoide do tipo IgM pode ser detectado pelas provas do látex e do
Waaler Rose (que são testes de aglutinação que se prestam para detectar IgM que, por ser mul-
tivalente, é uma eficiente aglutinadora). O teste do látex é o mais usado. Nesta prova o soro do
paciente é colocado em contato com partículas de látex recobertas com IgG. Se o soro do
paciente contém fator reumatoide IgM ocorre aglutinação das partículas de látex que produzem
uma floculação visível. A quantidade do fator reumatoide presente é expressa na maior diluição
do soro que causa aglutinação.
Como já foi mencionado anteriormente não é só a artrite reumatoide que tem fator
reumatoide presente. Ele pode ser encontrado em uma grande variedade de pacientes com
doenças inflamatórias agudas e crônicas, também, em uma boa porcentagem de indivíduos
idosos (25% de pessoas saudáveis acima dos 70 anos). Existe uma observação interessante que
mostra um aumento de proporção de fator reumatoide positivo em pessoas fumantes, quando
comparadas com não fumantes. No quadro 7.1, estão algumas das doenças que mais
comumente cursam com fator reumatoide positivo. Na maioria das outras condições, que não
a artrite reumatoide, os títulos do fator reumatoide são mais baixos do que na AR. Portanto,
quanto mais alto o título, maior é a especificidade do mesmo.

QUADRO 7.1 - DOENÇAS FATOR REUMATOIDE POSITIVAS


Doenças reumáticas: Artrite reumatóide, lúpus eritematoso sistêmico, esclerodermia, doença
mista do tecido conjuntivo, síndrome de Sjögren
Infecções virais agudas Mononucleose infecciosa, hepatite e após vacinações
Infecções parasitárias Calazar, tripanosomíase, malária, esquistossomose, filaríase.
Doenças inflamatórias crônicas: tuberculose, lepra, lues, brucelose, endocardite bacteriana
subaguda, salmoneloses.
Neoplasias após irradiação ou quimioterapia.
Outros estados hiperglobulinêmicos crioglobulinas, doença hepática crônica, sarcoidose.

Setenta a 80% dos pacientes com AR têm fator reumatoide positivo detectado pelo
látex, em casos de doença bem estabelecida. Todavia, este teste só é positivo na metade dos
pacientes à apresentação, o que dificulta o diagnóstico desta doença nas formas iniciais. O
restante dos pacientes são chamados de soronegativos. Destes, alguns poucos têm fator
reumatoide tipo IgG na ausência do fator reumatoide IgM. Outros tornam-se soropositivos em
testes posteriores.
Os pacientes soronegativos têm em geral uma doença articular mais branda e raramente
desenvolvem manifestações extra-articulares. Já seropositividade guarda relação, ainda que
imperfeita, do título do fator reumatoide com o grau de gravidade da doença articular e extra-
articular. Existe uma correlação positiva entre a ocorrência de artrite reumatoide soropositiva
com HLA DR4.
Embora o fator reumatoide acabe sendo mais um produto da doença do que sua causa
existem evidências de que estes anticorpos contribuem para danificar as articulações, vasos, e
111

estruturas envolvidas na artrite reumatoide. Eles formam complexos imunes que fixam
complemento e desencadeiam o processo inflamatório. A principal fonte de fator reumatoide
em pacientes com AR parece ser a sinóvia (sendo uma pequena porção elaborada por células
mononucleares do sangue). Pode, também, ser produzido localmente, em outros pontos de
inflamação como pleura, pericárdio etc. Alguns complexos imunes se difundem e são transpor-
tados pela corrente sanguínea sendo removidos pelo S.R.E. Quando esta taxa excede a
capacidade de remoção do S.R.E., os complexos imunes se depositam nos vasos ativando
complemento e produzindo vasculite.
A presença do fator reumatoide tipo IgG tem implicações mais sérias que a presença do IgM,
estando a sua presença relacionada com a ocorrência de vasculite.
Duas síndromes resultam diretamente da presença do fator reumatoide:
 - síndrome de hiperviscosidade: em pacientes com altas taxas de FR IgG formando complexos
autoagregados;
 - crioglobulinemia mista: síndrome de vasculite de pequenos vasos secundária a fatores reu-
matoides de todas as classes embora o FR IgM seja principal.

ACPAS – ANTICORPOS CONTRA PROTEINAS CITRULINADAS

O anticorpo mais contra proteínas citrulinadas mais comum é o anti-CCP (peptídio cíclico
citrulinado). Este é pesquisado por ELISA. Neste teste são identificadas anticorpos contra
proteínas (filagrinas) contendo um resíduo modificado de arginina (que foi citrulinada).
Proteínas citrulinadas têm sido encontradas em pessoas com AR. Pacientes com AR parecem ter
polimorfismo para genes que determinam a presença da enzima que faz esta citrulinação.
A pesquisa do anti -CCP é um teste mais específico para a artrite reumatoide do que o
fator reumatoide. Sua sensibilidade está estimada em 74.0% e a especificidade em 94.5%.
Assim como o fator reumatoide, seu aparecimento está ligado com uma doença mais erosiva e
grave. A procura deste auto-anticorpo é particularmente útil em pessoas que começam com
queixas poliarticulares, mas cujo quadro clínico é indefinido.

LABORATÓRIO EM DOENÇAS MUSCULARES

Uma grande variedade de condições reumáticas cursa com envolvimento muscular. O


diagnóstico deste tipo de envolvimento nem sempre é fácil porque toda doença sistêmica
debilitante, independentemente de sua etiologia, pode causar atrofia muscular. Além disso, dor
articular é causa de restrição de movimento que pode ser erroneamente interpretada como
fraqueza muscular. Existindo lesão de fibras musculares, as enzimas contidas no seu interior
podem vazar do tecido para a circulação aonde podem ser medidas e utilizadas, não só como
indicadores da presença deste tipo de doença como, também, de sua atividade. A taxa de uma
enzima encontrada na circulação depende não só da velocidade com que é liberada pelas células
como também da velocidade de sua remoção da corrente sanguínea. Este último fator pode ser
influenciado pela presença de certos agentes farmacológicos, como por exemplo, diazepam,
morfina e pentobarbital que aumentam a longevidade de uma enzima chamada creatinofosfo-
quinase.
Além das enzimas contidas no interior da fibra muscular, quando existe injúria deste tipo
de célula pode-se notar, na corrente sanguínea, um aumento de produtos que seriam captados
pelas mesmas para serem metabolizados, como é o caso da creatina. A creatina é uma proteína
que serve de matéria prima para a formação da creatina-fosfato, a qual é uma fonte de reserva
de energia para a atividade muscular. Proteínas musculares que estariam contidas no interior
das fibras, como a mioglobina, também extravasam para corrente sanguínea podendo ser
medidas no sangue e na urina.
Ao se interpretar um resultado não se deve esquecer que a liberação acelerada destas
enzimas em circulação nem sempre indica inflamação de músculo. Pode se ver, por exemplo,
112

um aumento de creatino-fosfoquinase em casos de exercícios muito violentos, injeções


intramusculares e hipotireoidismo.

a).CREATINOFOSFOQUINASE (CK): Esta enzima é composta de duas subunidades, a M e a B, de


tal maneira que 3 formas de isoenzimas são reconhecidas: MM,MB,BB. A forma MM é
encontrada principalmente no músculo esquelético; a MB no coração e a BB em músculo liso e
SNC. Doenças do músculo-esquelético estão associadas com um aumento rápido de CK MM na
circulação, aumento este que é mais precoce e intenso do que o aumento de outras enzimas
testadas (em geral, AST e LDH). Esta enzima está aumentada em casos de miosites, distrofias
musculares, rabdomiólise, injeções intramusculares e biópsia muscular, após eletromiografia
(pelo traumatismo das agulhas) e em exercícios violentos. Em casos de miosite pode-se notar,
além do aumento da CK MM, um aumento relativo de CK MB, fato este explicado pelo fato de
que as fibras em regeneração sintetizam taxas mais altas da subunidade B, repetindo um padrão
encontrado em vida fetal e em crianças de baixa idade. Pela mesma razão, crianças com menos
de 1 ano têm uma porcentagem mais alta de CK MB em músculo esquelético.

b).ASPARTATO TRANSFERASE (AST): antigamente denominada de transaminase oxalacética


ou SGOT, é encontrada em vários tecidos: coração, fígado, músculo esquelético e rim. Em uma
doença muscular, os níveis de AST aumentam mais lentamente e em menor intensidade que os
de CK. A AST é usada, também, como provas de função hepática.

c). DESIDROGENASE LÁCTICA (LDH): A LDH é um tetrâmero composto da combinação de 2 tipos


de subunidades: M e H, existindo portanto 5 diferentes isoenzimas. As duas primeiras (a 1 e a 2)
são encontradas em coração e em eritrócitos; a 4 e a 5 em fígado e músculos e a 3 no pulmão.
Músculos esqueléticos variam em teor de LDH e na proporção das isoenzimas. Fibras de
contração rápida têm um teor mais rico de e as de contração mais lenta têm menos LDH. Doença
muscular está associada, portanto, com aumento de todas as enzimas de LDH, mas existe um
aumento desproporcional de LDH 4 e LDH 5 . O padrão preciso depende do tipo de músculo
envolvido, do grau de extensão da doença e da idade do indivíduo.
Após injúria muscular, o aumento de LDH é mais tardio e menos intenso que o de CK e
AST e, após a remissão do processo, a LDH permanece alta vários dias após a CK retornar ao
normal.

d). ALDOLASE: A aldolase não é considerada uma enzima muito específica por estar presente
em uma grande variedade de tecidos. Além disso, o seu nível não se correlaciona bem com a
atividade da doença.

e). CREATINA: a creatina não é uma enzima. Como já foi visto anteriormente, é um produto de
síntese hepática que, transportada pela circulação até o músculo serve para a formação da
creatina-fosfato, a qual é uma fonte de reserva de energia para a atividade muscular. Dentro do
músculo, a creatina dá origem a creatinina. Esta é liberada na circulação e filtrada pelo glomé-
rulo. Por causa desta filtração glomerular, a dosagem de creatinina é usada como um índice de
função renal. Pelo que foi acima exposto, pode-se entender que o nível sérico e a excreção total
urinária da creatinina num indivíduo depende da sua massa musculareda filtração pelo rim.
Em situações em que existe atrofia muscular importante, a transformação de creatina
em creatinina também está reduzida, ocasionando uma diminuição do nível sanguíneo desta
última. Preste bem atenção nisto!!! A dosagem de creatinina sérica num indivíduo com doença
muscular deixa de refletir a sua excreção renal e, portanto, nesta situação, este teste NÃO é um
bom índice da função renal.

f). MIOGLOBINA: Mioglobina é uma proteína contendo heme, encontrada no músculo


esquelético e no coração. A sua concentração no sangue reflete destruição muscular aguda, seja
113

ela esquelética ou cardíaca. São causas de mioglobina elevada no sangue e na urina: miopatias,
exercício vigoroso, injeções intramusculares, convulsões, choque e certas toxinas. A depuração
renal da mioglobina é muito rápida de tal maneira que esta elevação é transitória. Em situações
de injúria muscular extensa como em politraumatizados e em queimaduras, as grandes
quantidades de mioglobina liberadas na corrente sanguínea podem danificar o rim do indivíduo.
A mioglobina é convertida em hematina, a qual é tóxica para os túbulos renais.

AUTO-ANTICORPOS INTRACELULARES

Na maioria das doenças do tecido conjuntivo encontram-se auto-anticorpos dirigidos


para estruturas intracelulares. Mais comumente estão dirigidos contra estruturas nucleares
sendo chamados de fatores antinuclear ou FANs. Este fenômeno é reconhecido em doenças
como lúpus, esclerodermia, S.de Sjögren, dermatomiosites, polimiosites, e doença mista do
tecido conjuntivo entre outras. No quadro 7.2 estão listadas algumas doenças reumáticas com
este teste positivo.

QUADRO 7.2 - DOENÇAS F.A.N. POSITIVAS


Doença % de FAN +
LES 93
Lúpus por droga 100
Esclerodermia 85
Artrite reumatoide 41
Polimiosite e dermatomiosite 61
Doença mista do tecido conjuntivo 93
Síndrome de Sjögren 48
Reichlin M. Measurement and clinical significance of antinuclear antibodies. In Rose B (ed) Uptodate.com.

Como estes auto-anticorpos são, em certas situações, característicos de determinadas


doenças, eles podem ser de ajuda no diagnóstico das mesmas pelo reumatologista.
Antes de irmos para frente vamos parar para esclarecer o significado de alguns termos
que você irá encontrar rotineiramente daqui para frente. Você vai encontrar o uso do termo
FAN (ou anticorpo antinuclear) usado de maneira alternada com o título mais abrangente auto-
anticorpos intracelulares. Até alguns tempos atrás, estes eram praticamente os únicos auto-
anticorpos intracelulares estudados. Entretanto, com a identificação de outros auto-anticorpos,
muitos dos quais intra-citoplasmáticos, a denominação passou a ser mais abrangente. Talvez o
mais correto fosse chamá-los de auto-anticorpos intracelulares, para separá-los de outros, como
por exemplo, o látex, que é dirigido contra uma imunoglobulina. Só que, na prática ninguém faz
isto... Se você for solicitar este teste ao laboratório, você ainda vai utilizar o termo fator
antinuclear (FAN).

TESTE DE IMUNOFLUORESCÊNCIA - O teste amplamente utilizado como screening para auto-


anticorpos é o de imunofluorescência indireta. Para tal, o plasma humano a ser testado é
colocado em contato com células humanas. Prefere-se o uso de células humanas como as células
Hep-2 (que são células de câncer de laringe humanas criadas em cultura). Se o soro contém o
auto-anticorpo, este irá se ligar ao núcleo ou ao citoplasma das células ali expostas. A seguir
coloca-se o conjunto todo em contato com anti-imunoglobulina humana de coelho, marcada
com fluoresceína, a qual irá se ligar ao auto-anticorpo que já está fixado na célula, permitindo a
sua vizualização ao microscópio. Quando se olha ao microscópio o que se vê é uma estrutura
celular corada com a cor verde- maçã, que reflete a cor da fluoresceína ligada a Ig anti-humana.
114

FIGURA 7.1- Técnica da pesquisa do FAN por imunofluorescência

Existem alguns padrões básicos de fluorescência que podem ser reconhecidos, os quais
sugerem diferentes tipos de anticorpos subjacentes. Estes padrões básicos serão aqui descritos.
Todavia é bom saber que existe classificações bem mais completas como, por exemplo, a que
faz parte do Consenso Brasileiro do FAN.

 padrão homogêneo nuclear: sugere a presença do anticorpo anti-histona ou anti-dsDNA.


 padrão nuclear periférico: visto em auto-anticorpos que são dirigidos contra estruturas que
fazem parte da membrana nuclear. O anti-dsDNA também produz padrão periférico se o tecido
utilizado for de células cuja cromatina está inativa, como é o caso de células de tecidos
altamente diferenciados ou de imprints de órgãos. Se, no entanto, a célula for de uma linhagem
com cromatina ativa, o padrão tenderá a ser homogêneo.
 padrão pontilhado nuclear: é indicativo de auto-anticorpos contra a família dos antígenos não
histona. Este padrão pontilhado pode ser grosseiro, como no caso dos anticorpos anti-Sm e anti
U1-RNP ou pode ser delicado, como no caso dos anti-Ro/SS-A e anti-La/SS-B.
 padrão nucleolar: visto em pacientes com esclerodermia ou com doença mista no qual se
encontram muitas características da esclerodermia. São exemplos destes anticorpos: anti Scl-70
e anti RNA polimerase 1 (padrão nucleolar pontilhado), anti-PM-Scl (padrão nucleolar
homogêneo), anti fibrilarina ou U3 RNP- (padrão ramificado).
 padrão de centrômero: são vistos nos anticorpos anti-cinetocoro da Síndrome de CREST
(esclerodermia limitada) e em cirrose biliar primária.
 padrões anti-citoplasmáticos: têm diferentes subtipos na dependência do anticorpo envolvido.
É importante enfatizar que estes padrões de imunofluorescência podem ser sugestivos,
mas não são suficientes para diagnóstico da presença do anticorpo muito menos de qualquer
entidade patológica. Para se confirmar a presença de um dado auto-anticorpo são necessários
testes mais específicos como imunodifusão dupla, imunoblot, ELISA etc... A grande vantagem
do teste de imunofluorescescência é, portanto, o de permitir uma triagem. Entretanto, é muito
importante que se tomem certos cuidados na interpretação do seu resultado.
115

FIGURA 7.2 - Desenho esquemático de alguns dos principais padrões do FAN

A B

C D
FIGURA 7.3- Alguns padrões do FAN (A)- Homogêneo; (B) Pontilhado grosso; (C) Nucleolar;
(D)-Centromérico
Figura cedida pelo Prof Renato Nisihara

Pessoas saudáveis ou com doenças não reumáticas podem vir a ter um teste positivo.
Doenças hepáticas, neoplasias, malária, endocardite bacteriana subaguda, lepra etc... são
exemplos de algumas doenças que podem vir a dar um teste positivo, embora, nestes casos o
título costume ser mais baixo. Não se pode esquecer, também, que pacientes predispostos a
uma doença reumática podem ter um teste positivo muitos anos antes da doença se manifestar
por completo. Assim, o valor diagnóstico da determinação de um auto-anticorpo depende da
apresentação clínica do paciente. O teste de imunofluorescência não detecta auto-anticorpos
“mais externos” como os antifosfolipideos, nem anticorpos contra membrana de eritrócitos, de
116

plaquetas ou de linfócitos, vistos em muitas doenças reumáticas como o lúpus. Nestes casos
serão necessários outros testes que não serão discutidos aqui.

SIGNIFICADO CLÍNICO DE ALGUNS AUTO-ANTICORPOS - A seguir vamos estudar os principais


auto-anticorpos e o seu significado para o diagnóstico e prognóstico das doenças reumáticas.
 Anticorpos anti-DNA: Os anticorpos anti DNA podem ser de cadeia dupla (dsDNA ou
DNA nativo) e contra cadeia simples (ssDNA ou DNA desnaturado). Os anticorpos anti-
dsDNA são altamente específicos para o lúpus; esta especificidade chega a 95%. Sua
positividade, no entanto, varia com a atividade da doença, oscilando entre 40% a 70%
em pacientes com doença ativa. É um dos poucos auto-anticorpos que estão claramente
implicados na patogênese do lúpus. São eles que se depositam na membrana basal do
rim, formando complexos imunes que danificam esses órgãos. Portanto sua presença
aponta para maiores chances de que o paciente venha a ter lesão renal. Como foi visto
anteriormente ele costuma dar uma imunofluorescência de padrão nuclear homogêneo
(se a célula do substrato tiver cromatina ativa) ou periférico (se a cromatina estiver
inativa). Os anticorpos anti-ssDNA são menos específicos podendo aparecer em diversas
doenças de auto-imunidade.
 Anticorpos anti-histonas: Estes anticorpos aparecem em pacientes com lúpus
espontâneo e em lúpus induzido por drogas. Dão uma imunofluorescência com padrão
nuclear homogêneo.
 Anticorpos anti-Sm (Smith): São também considerados altamente específicos para
lúpus (99%) embora a sua sensibilidade seja baixa (cerca de 20%). A correlação clínica
deste tipo de anticorpo não é muito evidente, mas tende a aparecer mais em indivíduos
com envolvimento de sistema nervoso central, rim, fibrose pulmonar e pericardite. Dão
um padrão de imunofluorescência nuclear pontilhada grosseira.
 Anticorpo anti-Ro/SS-A: Está presente em várias doenças reumáticas como LES,
Sjögren, esclerodermia e AR. No lúpus a sua presença está ligada a fotossensibilidade, a
casos de defeitos de complemento (C2 e C4), lúpus cutâneo subagudo e lúpus neonatal.
Esta última situação é causada pela passagem deste anticorpo pela placenta fazendo
com que a criança possa nascer com bloqueio cardíaco congênito, plaquetopenia e
fotossensibilidade. O padrão de imunofluorescência é nuclear pontilhado.
 Anticorpo anti-La/SS-B: encontrado em lúpus e na Síndrome de Sjögren. Também causa
o lúpus neonatal ao atravessar a placenta.
 Anticorpo anti-U1RNP: é visto em várias doenças do tecido conjuntivo, inclusive nas
doenças mistas dos tecido conjuntivo, nas quais é condição sine qua non para o
diagnóstico. Dá um padrão nuclear pontilhado grosseiro de imunofluorescência.
 Anticorpos anti-nucleossomos (ou anti-cromatina): este é um anticorpo que se volta
contra um antígeno formado por uma mistura de DNA e histona, mas não consegue se
ligar a cada um destes elementos de maneira separada. A detecção deste anticorpo é
problemática porque os métodos usados também podem promover a ligação com
dsDNA ou histona de maneira isolada. Aparece em até 80% dos casos de LES e, uma
associação com nefrite tem sido demonstrada em animais. Este é o anticorpo
responsável pelo aparecimento da célula LE.
 Anti Scl-70 ou anti topoisomerase-1: É um anticorpo que está associado com a forma
difusa da esclerodermia. Estes pacientes além de terem uma doença cutânea difusa são
os que têm uma chance maior de desenvolver manifestações viscerais graves como crise
renal, doença pulmonar intersticial etc... Pode dar um padrão nuclear pontilhado e,
também, um padrão nucleolar pontilhado.
 Anticorpo anti-centrômero: São auto-anticorpos contra proteínas localizadas nas placas
do cinetocoro, aquela cintura não genética do cromossomo, que serve de ponto de
117

apreensão para o aparelho mitótico. Aparecem em pacientes com esclerodermia


limitada.
 Anticorpo Anti-PM-Scl: aparecem em casos de síndromes mistas de polimiosite com
esclerodermia e parece identificar um grupo de pacientes com bom prognóstico. Têm
padrão de imunofluorescência homogênea nuclear ou homogênea nucleolar.
 Anticorpos anti-sintetases: Sintetases são enzimas citoplasmáticas que catalisam a
reação de ligação dos aminoácidos ao tRNA, incorporando-os nas cadeias de
polipeptídeos que estão sendo formadas. Cada aminoácido tem a sua sintetase. Existem
5 anticorpos contra 5 sintetases diferentes. São o anti-Jo-1, PL-7, Pl-12 EJ e OJ.Eles são
encontrados em indivíduos com polimiosites e determinam o aparecimento da chamada
síndrome das anti-sintetases. Pacientes esta síndrome são pacientes de polimiosite que
têm também, fibrose intersticial pulmonar, mãos de mecânico e artrite erosiva. O
prognóstico da doença positiva é pior do que o de anti-sintetases negativa. Estes
anticorpos dão imunofluorescência citoplasmática pontilhada.
 Anticorpo anti Mi-2: São mais ou menos típicos de pacientes com dermatomiosite. Dão
padrão de imunofluorescência nuclear pontilhada.
 Anticorpo anti-SRP: SRP ou partícula de reconhecimento de sinal - é uma partícula que
está envolvida no transporte de proteínas recém-formadas dentro do retículo
endoplasmático. Aparece em pacientes com polimiosite e denota prognóstico ruim,
estando associada com uma alta taxa de envolvimento cardíaco. Dá um padrão
citoplasmático pontilhado.

QUADRO 7.3 - PRINCIPAIS AUTO-ANTICORPOS E SEU SIGNIFICADO CLÍNICO


AUTO - DOENÇAS ALGUNS ASPECTOS PADRÃO
ANTICORPO CLÍNICOS
Ds DNA marcador para lúpus Associado a envolvimento Nuclear homogêneo
renal ou periférico
Anti Sm marcador para lúpus Nuclear pontilhado
Anti-U1 RNP várias doenças reumáticas . Nuclear pontilhado
Obrigatório para diagnóstico
de DMTC
Anti-Ro/SS-A Lúpus, SS, AR, esclerodermia e Lúpus cutâneo subagudo, Nuclear pontilhado
polimiosite Fotossensibilidade, lúpus
neonatal, defeitos de
complemento (C2-C4)
Anti-La/SS-B S. de Sjögren, LES, lúpus neonatal nuclear pontilhado
Anti -Scl-70 Esclerodermia forma difusa doença com mau nucleolar e nuclear
prognóstico pontilhado
Anti-centrômero Esclerodermia forma limitada prognóstico melhor nuclear
centromérico

ANTICORPO CONTRA CITOPLASMA DE NEUTRÓFILO (ANCA) - ANCA ou anticorpo anti-


citoplasma de neutrófilo é um anticorpo dirigido contra estruturas citoplasmáticas de
leucócitos. Repare que ele é diferente dos anticorpos discutidos anteriormente porque ele é
específico contra estruturas citoplasmáticas de um tipo particular de células. Os outros eram
dirigidos para núcleo ou citoplasma de qualquer tipo de célula. Ele também pode ser detectado
por teste de imunofluorescência indireta, só que a célula que serve de substrato tem que
diferente, não é? Portanto, quando você pedir este teste para o laboratório você vai ter que
especificar...
Existem dois tipos de ANCA no padrão de imunofluorescência: o ANCA-c e o ANCA-p. O
ANCA-c (c=clássico), também chamado de PR3-ANCA é um anticorpo dirigido contra proteínase-
3 que é uma proteinase catiônica. É altamente específico para a poliangeite com granulomatose,
118

embora a sua sensibilidade dependa do estado de atividade da doença. Se a doença estiver ativa
chega a ser positivo em 90% dos casos; se a doença estiver em remissão, esta positividade cai
para 30%. Isto mostra uma das grandes utilidades deste teste: a monitorização da atividade dos
pacientes com poliangeite com granulomatose. O ANCA-p (p=perinuclear), também chamado
de MPO-ANCA, está dirigido, p. ex, contra a mieloperoxidase, uma enzima que desempenha
um papel importante na geração de radicais de oxigênio livre. Tem sido descrito em uma grande
variedade de doenças auto-imunes como vasculite de Churg-Strauss, poliarterite microscópica,
Síndrome de Goodpasture, retocolite ulcerativa, colangite esclerosante, e glomerulonefrite
crescêntica pauci-imune.
O teste de imunofluorescência indireta revela apenas se um paciente tem um ANCA-c
ou ANCA-p. O substrato contra o qual eles e dirige (se mieloperoxidade ou proteína-3 etc...) é
testado pelo ELISA.

ANTICORPOS ANTI-ESTREPTOCÓCICOS

Existe um grande número de evidências que estabelecem o fato de que a febre reumática
ocorre como uma sequela de uma infecção por estreptococo do grupo A de Lancefield. As evi-
dências mais óbvias são:
 -associação epidemiológica entre M.R. e a infecção estreptocócica;
 -a dramática redução na incidência dos ataques primários e secundários com o
tratamento e profilaxia das estreptococcias pela penicilina.
Apesar disto um grande número de pacientes negam sintomas antecedentes de faringite
(30% deles). Nestes, entretanto, testes para a detecção de anticorpo anti-estreptocócico de-
monstrarão que houve estimulação antigênica, embora sem os sintomas clínicos de infecção.
Existem várias técnicas para medir a resposta à grande variedade de antígenos estreptocócicos,
mas para propósitos clínicos, são mais utilizadas a dosagem da ASO (anti-estreptolisina O) e da
anti-DNAse B.

COMPORTAMENTO DOS ANTICORPOS ANTI-ESTREPTOCÓCICOS - Como acontece com todos os


antígenos, a resposta imune a produtos do estreptococo está condicionada ao número, duração
e frequência de exposição destes ao hospedeiro, bem como a sua capacidade de resposta.
As crianças nascem com um suprimento de anticorpos oriundos da mãe. Nos primeiros
anos o nível de anticorpos anti-estreptocócicos é baixo (em geral, para ASO, abaixo de 50 UI/ml
e raramente acima de 100 UI/ml) mesmo porque a resposta às infecções iniciais é débil. Quando
a criança chega à idade escolar já se expôs a repetidas infecções e a resposta do anticorpo toma
caráter de reação imune secundária. Elas ocorrem prontamente e vigorosamente, poucos dias
após a infecção, atingindo um pico em 21 dias.
Em uma população de mesma idade, a magnitude e duração da resposta imune tende a
refletir a gravidade da infecção e a duração do estado de portador do organismo. No caso de
anticorpos como ASO, entretanto, a maioria dos indivíduos quando chega à idade escolar está
tão imunizada que qualquer infecção produz uma resposta imune vigorosa.

Antiestreptolisina o (ASO) - O aumento deste título é quase uma prova específica de infecção
estreptocócica com uma única exceção conhecida: a toxina teta do Clostridium welchii, que
reage cruzado com a ASO.
Não existe um título "normal" de ASO: os valores encontrados em uma população dependem
da idade, época do ano e localização geográfica. Em uma população entre 1 e 3 anos o título é,
em geral, em torno de 50 UI/ml; entre 8 a 12 anos atinge um pico de 200 a 300 UI/ml. Seguindo-
se à infecção estreptocócica, 80 a 90% dos pacientes não tratados mostram um aumento da
ASO.
Anti DNAse B -é o teste mais sensível para detecção de estreptococcias de pele.
119

OS ANTICORPOS NO DIAGNÓSTICO DA MOLÉSTIA REUMÁTICA - A moléstia reumática tem


início acerca de um mês após a infecção estreptocócica e, geralmente, neste período os
anticorpos anti-estreptocócicos alcançam seu título máximo. Portanto, pacientes com poliartrite
ou cardite por moléstia reumática devem SEMPRE ter evidência de infecção estreptocócica
recente. Se um dos anticorpos for medido, pelo menos 80% dos pacientes mostrarão título alto;
se dois deles forem medidos, existirá evidência em mais de 90% dos casos. Todavia, a coréia é
geralmente uma manifestação tardia do ataque de febre reumática e pode existir um período
de tempo entre o aparecimento desta e a infecção estreptocócica. Quando a clínica da coréia se
torna evidente, em geral, os títulos de anticorpos já baixaram. Os anticorpos anti-estrep-
tocócicos têm o seu valor quando medidos precocemente no ataque agudo e são mais úteis na
exclusão da moléstia reumática como diagnóstico provável quando não estão aumentados no
início da doença.

A falha em demonstrar infecção estreptocócica recente virtualmente exclui a moléstia


reumática como causa de poliartrite. O reverso da medalha, entretanto, não é verdadeiro. A
presença de um título alto de anticorpo anti-estreptocócico em um paciente com poliartrite NÃO
estabelece o diagnóstico de moléstia reumática.

FIGURA 7.4- Sequência cronológica dos anticorpos anti-estreptocócicos e manifestações clínicas da


febre reumática
120

ÁCIDO ÚRICO SÉRICO E URINÁRIO

O ácido úrico é encontrado em quantidades apreciáveis somente no soro do homem e


primatas superiores. Isto, provavelmente acontece por perda de um gene que codifica a
formação de uma enzima hepática, a uricase, que quebra o anel de purina do ácido úrico
tornando-o um produto facilmente excretado pela urina. Tem se proposto que a presença do
ácido úrico em altas quantidades oferece vantagens para a sobrevida do homem, por suas pro-
priedades de proteção contra radicais de oxigênio livre. Também a sua propriedade de reter
sódio era apreciada antigamente quando este elemento era raro na natureza. Naturalmente isto
não acontece agora, já que vivemos numa sociedade “salgadinha”...
Hiperuricemia é resultante, basicamente, de duas situações: (A)-excesso de produção;
(B)-diminuição na excreção.
O ácido úrico forma-se da xantina por ação da xantina oxidase. A xantina por sua vez
origina-se de: metabolismo da purina na dieta; metabolismo dos ácidos nucleicos; síntese "de
novo" a partir do ácido inosínico. A taxa de síntese do ácido inosínico, por sua vez, é regulada
pela concentração intracelular de um substrato: o fosforibosilpirofosfato ou PRPP (quanto maior
a quantia de substrato, maior é a formação de ácido inosínico) e por feedback negativo de uma
enzima,a amido-fosforibosiltransferase. Um aumento de produção de ácido úrico pode,
portanto, ser ocasionado por aumento na ingesta de alimentos ricos em purina; aumento na
quebra de ácidos nucleicos (como por ex., em leucemias) e por anormalidades metabólicas que
levem a um aumento de PRPP ou a uma relativa insensibilidade da amidotransferase ao
feedback negativo.
Um aumento dos níveis de PRPP pode ocorrer por:
 -deficiência de uma enzima, a hipoxantina-guanina-fosforibosiltransferase (HGPR
sintetase) com subutilização de PRPP, o qual fica sobrando para formar mais ácido
inosínico;
 - aumento da atividade da PRPP. sintetase, com mais formação de PRPP.
Resumindo, as causas de aumento na produção do ácido úrico estão no quadro 7.4.

QUADRO 7.4 - CAUSAS DE AUMENTO NA PRODUÇÃO DE ÁCIDO ÚRICO


1- Dieta rica em purina;
2- Aumento na quebra de ácidos nucléicos;
3-Anormalidades metabólicas com ↑ de PRPP: Defeito na HGPR sintetase;
Aumento na ação de PRPP sintetase.

O pool de ácido úrico do corpo humano sofre normalmente um turnover em 24 h. A excreção


é feita 1/3 pelas fezes e 2/3 pela urina.
O ácido úrico é filtrado completamente no glomérulo, mas sofre reabsorção nos túbulos.
Uma porção é então secretada pelos túbulos e, novamente reabsorvida (agora de uma maneira
parcial) distalmente. Portanto, diminuição de excreção renal de ácido úrico acontece em
situações de diminuição de filtração glomerular ou por diminuição de secreção tubular. Muitos
ácidos orgânicos inibem a secreção de uratos e respondem pelo aumento de uricemia visto em
toxemia da gravidez, exercícios musculares, cetoacidose diabética e uso de aspirina em doses
baixas. Certos diuréticos também inibem a secreção tubular de uratos, embora o mecanismo
preciso para isto ainda não esteja bem claro. O alopurinol, um análogo da hipoxantina, usado
no tratamento da hiperuricemia, age como um inibidor competitivo da xantina oxidase. Faz,
também, depleção de PRPP intracelular. Drogas uricosúricas (probenecide, narcaricina,
sulfinpirazolona) inibem a reabsorção pós-secretória do urato.
121

Figura 7.5. Agentes que influem no nível de ácido úrico sérico.

A concentração de ácido úrico varia com idade e sexo do paciente. Crianças de ambos
os sexos normalmente têm uma concentração em torno de 3 a 4 mg%. Na adolescência, os ho-
mens mostram um aumento de 1 a 2 mg% nesta concentração, o qual é mantido durante toda
a sua vida. Com as mulheres isto não acontece; este aumento só é visto após a menopausa. Em
adultos, níveis de urato correlacionam com o peso do corpo, altura, creatinina sérica (que, por
sua vez, reflete a massa muscular), pressão arterial e ingesta de álcool. Um valor acima de 7.0
mg% é considerado anormal.
Embora, de maneira geral, a ocorrência de artrite gotosa correlacione com a magnitude
da hiperuricemia, nem todo paciente hiperuricêmico tem gota e, existem pacientes com crises
agudas de gota que nunca tiveram hiperuricemia demonstrável.

Referências:

Barland P et al. Selection and use of laboratory tests in the rheumatic diseases. Am J Med. 1996; 100 (2A):16S-23S.
Bohlmeyer TJ et al . Evaluation of laboratory tests as a guide to diagnosis and therapy of myositis. Rheum Dis Clin North Am. 1994;
20:845-56.
Massa M et al. Anti-double-stranded DNA, antihistone and antinucleosome IgG reactivities in children with systemic lupus
erythematosus. Clin Exp Rheumatol 1994; 12:219-25.
McGuire J et al. Aggressive drug therapy for rheumatoid arthritis. Hosp Pract 1993, 45-52
Mimori T. Clinical Significance of anti CCP antibodies in Rheumatoid arthritis. Int Med 2005; 44(11): 1122-26.
\Reichlin M. Measurement and clinical significance of antinuclear antibodies. In Rose B (ed) Uptodate.com, versão 14.2, capturado
em www. uptodate.com.
Saag KG et al. Cigarette smoking and rheumatoid arthritis severity, Ann Rheum Dis, 56:463-369, 1997.
von Muhlen CA et al. Autoantibodies in the diagnosis of systemic rheumatic diseases. Semin Arthritis Rheum. 1995; 24: 323-58.
Whitnack E et al.Antiestreptococcal antibodies in the diagnosis of rheumatic fever. In Cohen AS (ed). Laboratory diagnostic
procedures in the rheumatic diseases. Grunne & Stratton, Inc 1985, 273:292.
122

Capítulo 8- Noções básicas de Imagem em reumatologia

Embora este capítulo esteja localizado no meio das noções básicas em reumatologia,
talvez seja melhor que, primeiro, você estude cada doença e depois volte aqui, localizando o
achado radiológico de cada uma delas. A finalidade deste pequeno texto é a de dar uma noção
dos principais achados radiológicos em reumatologia. Se sabidos podem resolver muitos dos
problemas do dia a dia. Vamos rever o que acontece em cada uma das doenças ao envolver o
segmento apendicular e axial do esqueleto. Entretanto antes disso seria bom deixar bem claro
o significado de certos termos comumente utilizados nesta situação, tais como:

Espaço interarticular: é o espaço visto entre duas articulações. Sua altura representa a grossura
da cartilagem que não aparece ao RX. Portanto quando este espaço está reduzido significa que
a cartilagem está afilada por algum motivo.
Osteófito: é um esporão ósseo que aparece nas margens da articulação afetada por osteoartrite
e representa uma tentativa de regeneração da cartilagem que acaba se ossificando. Aparece
tanto na osteoartrite primária como na secundária. É conhecido vulgarmente como bico de
papagaio.

FIGURA 8.1- Espaço articular e osteófito.

Erosão: é um “buraquinho” escavado no osso. Significa que existe uma doença inflamatória na
qual a membrana sinovial proliferou muito e invadiu o osso. Aparece por primeiro nas margens
da cápsula articular porque ali o osso não tem cartilagem estando em contato bem direto com
a membrana sinovial. Se o processo inflamatório for muito grave afeta todo o osso e cartilagem
e acaba resultando em destruição da cartilagem e, mais tarde, em uma ancilose óssea. É um
achado típico da artrite reumatoide.

FIGURA 8.2- Erosão


123

Em casos de gota, o tofo pode cair na articulação e deixar uma lesão radiologicamente
semelhante a da erosão. No entanto, o tofo aparece tanto em região articular como não articular
e como não se origina da sinovial costuma deixar a parede externa do local de erosão mais ou
menos intacta. Quando afeta os dois lados de uma articulação forma cavitações em espelho.
Outro dado usado para separar gota de artrite reumatoide é a de que na artrite
reumatoide existe muito mais lesão de cartilagem e, portanto, o espaço interarticular está muito
mais afilado do que na gota.

C
FIGURA 8.3- (A) Principais diferenças entre artrite reumatoide e gota; (B) Artrite
reumatóide (C)- gota

Condrocalcinose: é o termo usado para dizer que existe depósito de cálcio em cartilagem. É visto
em casos de doença por depósito de pirofosfato de cálcio embora possa aparecer em casos de
deposição de alguns outros cristais como os de hidroxiapatita. Aparece mais em cartilagens
fibrosa e hialina, mas pode aparecer na membrana sinovial e cápsula articular.
Sindesmofitose: é um achado típico das espondiloartrites e resulta da ossificação da parte
externa do ânulo fibroso do disco intervertebral.

B
A
C
FIGURA 8.4- (A)- Condrocalcinose; (B)- Diferença osteófito e sindesmófito; (C)- Sindesmófito
124

Outros achados vistos em doenças reumáticas podem ser os de desvios e subluxações,


osteoporose justa articular, edema de partes moles, esclerose subcondral, cistos subcondrais e
anquilose.
Ao analisar um filme de RX procure identificar sempre as doenças mais comuns de cada
articulação afetada. As doenças apendiculares mais comuns são: a osteoartrite, a artrite
reumatoide, a doença por depósito de pirofosfato de cálcio e gota. No esqueleto axial, as
doenças mais comuns são a osteoartrite, a doença discal degenerativa, a espondilite
anquilosante e a artrite reumatoide (esta última em coluna cervical). A estes dados devem se
associar dados epidemiológicos fornecidos pela requisição.
Uma última observação é a de que todas as doenças reumáticas acabam em artrose (no
caso, artrose secundária). Por isso, achados de artrose podem ser encontrados em todas as
outras doenças reumáticas que já estejam num estágio avançado.

ENVOLVIMENTO DO ESQUELETO PERIFÉRICO

Como já foi mencionado, as doenças mais comuns são a osteoartrite, a artrite


reumatoide, gota e a doença por depósito de pirofosfato de cálcio. A marca registrada da
primeira é osteófito, da segunda é a erosão e da terceira a lesão em saca bocado e da ultima, a
condrocalcinose. Na mão, estas três doenças afetam segmentos distintos. A osteoartrite afeta
as interfalangianas proximais e distais e a primeira carpometacarpiana. A artrite reumatoide
afeta todas as articulações das mãos menos as interfalangianas distais. A doença por depósito
de pirofosfato de cálcio prefere a articulações radio-cárpica e metacarpofalangicas. Ainda na
mão, a artrite psoriásica envolve o punho e as interfalangicas distais.

A
B
C
FIGURA 8.5 – Mapa articular (A) Artrite reumatoide; (B) Osteoartrite (C) Artrite psoriásica.

ARTRITE REUMATOIDE:- Nos estágios iniciais da doença existe um edema da cápsula e


espessamento da sinóvia que não são nítidos ao RX. Podem apenas aparecer como um aumento
de partes moles, em formato de fuso, periarticular. À medida que a doença progride, aparece
osteoporose justa articular e as típicas erosões já descritas. As erosões iniciais são no ponto de
fixação da cápsula articular ao osso, mas, com o decorrer do tempo, a doença avança e a sinóvia
espessada invade toda a cartilagem e o osso periarticular destruindo-o. Com isso o espaço
articular diminui e depois de uma ancilose fibrosa, aparece a ancilose óssea. Desalinhamentos e
subluxações são comuns. Acompanhe os estágios da doença na figura 8.6.
125

FIGURA 8.6- Fases evolutivas da artrite reumatoide

Treine os olhos nas figuras abaixo:

A B C

D F
E
FIGURA 8.7 – Achados na artrite reumatodie: (A) osteoporose justa articular; (B) e (D) e (E) Erosões;
(C) Fusão dos ossos do carpo; (F) Destruição grave dos ossos do cotovelo.

OSTEOARTRITE PRIMÁRIA - Os principais achados na osteoartrite primária são os de diminuição


de espaço interarticular, esclerose da margem da articulação, cistos ósseos (também chamados
de geodos) e osteófitos. A osteoporose justa articular não é uma achado da osteoartrite primária
mas pode aparecer em situações em que o indivíduo por causa da incapacidade gerada pela
doença, fica imobilizado.
126

A B C

D E F
FIGURA 8.8 - (A) e (B) e (C) Osteoartrite (OA) de mãos; (D) e (E) OA de joelho; (F) OA de
coxofemoral.

DOENÇA POR DEPÓSITO DE PIROFOSFATO DE CÁLCIO - Na doença por pirofosfato de cálcio


existem achados iguais aos da osteoartrite a qual pode parecer muito destrutiva, embora, por
vezes, em locais nos quais não se esperaria encontrar osteoartrite primária (como por exemplo,
nas articulações metacarpofalangianas, ossos do carpo e cotovelos). Nas metacarpofalangianas,
ela pode formar osteófitos em gancho, bem avantajados. O achado mais característico, como já
foi mencionado, é o de condrocalcinose, que resulta de depósito de cálcio em fibrocartilagens.
A condrocalcinose aparece como linhas de calcificações paralelas à superfície articular. Ela é
mais facilmente encontrada em joelhos (nos meniscos), punhos (no ligamento triangular) e
sínfise púbica e por isto este é o trio de imagens a ser solicitado quando existe esta suspeita
diagnóstica. Depósitos de cálcio em tendões, bursas e outras partes moles periarticulares
podem ser encontrados.

A B
FIGURA 8.9 - (A) Condrocalcinose de meniscos; (B) Condrocalcinose do ligamento
triangular do punho.
127

ARTRITE PSORIÁSICA - A artrite psoriásica pode ter tanto o envolvimento periférico como o
axial. Na forma periférica, como já visto, esta é uma das poucas entidades que envolve as
inerfalanganas distais (a outra seria osteoartrite). A artrite psoriasica pode tomar um caráter
bastante agressico com reabsorção importante de extremidades ósseas. A lesão chamada de
pencil and cup é descrita nas mãos e é considerada característica dessa doença. Nesta forma de
lesão existe um afilamento da interfalangiana proximal (pencil) e um alargamento da base da
interfalangiana distal (cup).

A B
FIGURA 8.10: Artrite psoriatica: Em (A) imagem em pencil and cup ( flecha); (b)
reabsorção de interfalagianas distais.

GOTA - A kesão típica da gota - erosão com o bordo externo parcialmente íntegro (também
chamadode borda over hanging) - pode aparecer em qualquer das articulações afetadas sendo
mais comuns em extremidades dos membros. Depósito de cálcio pode ocorrer nos tofos gotosos
causando um aumento de densidade de partes moles.

A
B
FIGURA 8:11: Gota: (A) flechas mostrando lesões em saca bocados com o bordo externo
parcialmente íntegro; (B) – Erosões e aumento de densidade de partes moles por tofos com
cálcio.
128

ENVOLVIMENTO DO ESQUELETO AXIAL

No esqueleto axial, as doenças mais encontradas são a osteoartrite, a doença


degenerativa discal, o DISH, a espondilite anquilosante e a artrite reumatoide.
A osteoartrite - como é uma doença de articulações sinoviais - afeta principalmente as
facetas interapofisárias e as articulações uncovertebrais da coluna cervical, além de articulações
cervicovertebrais e sacroilíaca. A marca registrada desta patologia é, como já foi comentado
anteriormente, a diminuição de espaço interarticular e a formação de osteófitos. A doença
discal degenerativa leva à formação de osteofitose marginal e diminuição de altura do disco
intervertebral.

A B

FIGURA 8.12: Osteoartrite de coluna : osteofitos, diminuição do espaço discal e alteração


de eixo. Na última- kissing osteophytes
129

A DISH ou “disseminated idiopatic skeletal hyperostosis” é uma ossificação do ligamento


longitudinal anteriormente levando à formação de grandes excrescências ósseas confluentes e
mantendo o espaço interdiscal preservado. Essa ossificação pdoe aparecer, também, em êntesis
periféricas.

A B

FIGURA 8: 13. DISH ou Disseminated idiopatic hyperostosis. Observe a osteofitose


confluente com preservação da altura dos corpos vertebrais. Em (A) a formação óssea pode
causar disfagia pela sua posição. Em (B) – note a preferência pelo osteofitose em lado D. No
lado esquerdo o batimento da aorta prejudica o seu crescimento.
Imagens- gentileza Dra Ana Paula Beckhauser Campos.

Das doenças inflamatórias da coluna, a espondilite anquilosante é a mais comum. Ela


leva ao aparecimento de sacroiliíte (vista como esclerose e erosões e anquilose das articulações
sacroilíacas ao RX e na tomografia. Na ressonância magnética pode-se ver, também, edema
ósseo. O edema ósseo da RMI traduz inflamação no local. Observa-se, também formação de
vértebras quadradas (por perda da concavidade anterior das mesmas), sindesmofitose e,
quando esta se torna confluente, a chamada coluna em bambu.
130

A B

C D

E F

G H
FIGURA 8.14- Espondiloartrite. (A) até (D) sindesmofitose. (B) e (C) com quadratura vertebral;
(E)-Fusão de sacroiliacas; (F) TAC- sacriliíte bilateral ; (G)- sequela de inflamação em canto
superior das vertebras (cantos brilhantes). (H) RMN com sacroileite bilateral e edema ósseo.
131

Na artrite reumatoide, a coluna cervical está envolvida principlamente as articulações


C1 e C2, a qual pode estar luxada. Para ver isto melhor no RX é importante que vc peça
incidências em posição neutra e em flexão, para fazer aparecer a distância entre o dente do axis
e o arco da primeira vertebra. Outra maneira de ver isto é através da incidência transoral,
procurando ver se o dente do axis está situado bem na posição mediana.

Diz-se que existe subluxação atlanto-axial quando a distância entre o arco anterior do
atlas e a superfície anterior do processo odontoide é maior do que 2,5 mm para a mulher e 3,0
mm para o homem, vistas ao RX lateral. Erosões no dente do axis não são raras

A B
FIGURA 8.15- (A) - Localização da medida entre arco atlas e dente do axis para julgar
luxação; (B)- Posição normal do dente em radiografia transoral.

ACERCA DOS OUTROS MÉTODOS DE IMAGEM

Embora o RX continue sendo a primeira forma de aproximação em termos de métodos


de imagem para pacientes reumáticos, outros exames podem ser mais esclarecedores para
situações mais difíceis: a tomografia computadorizada e a ressonância magnética são alguns
destes métodos, os quais só não são usados mais comumente pelo seu custo.De uma maneira
geral, a tomografia é útil para esclarecimento de lesões ósseas enquanto a ressonância
magnética oferece mais informações sobre partes moles adjacentes.
Cintilografia óssea tem o seu valor na detecção de tumores com lesões blásticas e
processos inflamatórios no esqueleto.

FIGURA 8.16: Cintilografia óssea - area focal de acentuada hipercaptação heterogênea na


região metadiafisária distal do fêmur esquerdo com lesão osteoblástica de alta agressividade.
132

O ultrassom é um exame barato, sem irradiação e que, portanto, pode ser repetido
quantas vezes for necessário. Infelizmente é operador dependente. Mostra sinovites, erosões,
osteofitos e é muito interessante para tendões, bursas, etc... permite ainda, a identificação de
cristais; em casos de artropatia por ácido úrico (gota) ele exibe um achado carcateristico na
sinovial chamado de sinal do duplo contorno.

A B
FIGURA 8:17 - Imagens de ultrassom A - sinovite, erosão e power doppler positivo
(inflamação); B - sinal do duplo contorno de gota.
Imagens: Gentileza do Dr Leonardo Schmidt.

Diminuição de densidade óssea pode ser suspeitada pelo RX, mas como a densidade
mineral sofre muita influência da penetração dos raios, este não é um bom teste para o seu
diagnóstico. Um RX até pode mostrar fraturas e estriamento vertical de ossos esponjosos (já
que as trabéculas horizontais são reabsorvidas com mais facilidade por não suportarem peso).
Todavia estes são achados tardios e não devem ser valorizados para diagnóstico A
densitometria pelo DEXA é uma melhor opção como será discutido no capítulo de osteoporose.
133

Capítulo 9- Diagnóstico diferencial das monoartrites.

Quando um paciente se apresenta com queixas de dor em uma única articulação, o


primeiro passo que o médico tem que tomar no esclarecimento da situação, é decidir se está
frente a um processo verdadeiramente articular ou de um processo periarticular. As condutas
a serem tomadas serão totalmente diversas dependendo da resposta à esta questão.
Esta diferenciação pode ser feita principalmente com o exame físico. Enquanto num
processo verdadeiramente articular existe um envolvimento da articulação toda, com edema,
restrição de mobilidade em todos os sentidos, aumento de temperatura e eventualmente rubor
local, no processo periarticular, dificilmente se “enxerga’” alguma coisa de diferente. Nestes,
existe um padrão de restrição de mobilidade mais seletivo, muito maior à mobilização ativa que
passiva. O processo doloroso está confinado a uma das superfícies da articulação e pode-se
provocar dor quando se executam as manobras específicas. Assim, um paciente com tendinite
bicipital terá manobra de Yergason positiva; aquele com tendinite do supra-espinhoso terá sinal
do arco positivo; o com tendinite de De Quervain terá uma manobra de Finkelstein positiva; os
com cotovelo de tenista ou bursite trocantérica terão dor localizada sobre a estrutura envolvida
etc. Nada mais é necessário nesta situação, a não ser se preocupar com o tratamento do
paciente
Por outro lado, se a conclusão a que o médico chegou, é a de que existe uma artrite
verdadeira, o problema diagnóstico está apenas começando... E muitas vezes o profissional tem
que tomar decisões rápidas, seja porque o processo é muito doloroso e causa sofrimento agudo,
seja porque existe risco de se tratar de uma artrite séptica, cujo manejo não deve ser retardado
a fim de que se evitem sequelas que poderão prejudicar a função da articulação. Neste
contexto, as artrites sépticas não gonocócicas são as mais graves. No quadro 9.1, algumas
doenças mais comuns que cursam com monoartrite e, também, de algumas doenças
tipicamente poliarticulares mas que podem começar com uma forma monoarticular e criar
confusão diagnóstica.

QUADRO 9.1 - DOENÇAS DE CURSO MONOARTICULAR OU POLIARTICULAR


COM INÍCIO MONOARTICULAR
MONOARTRITES POLIARTRITES COM COMPONENTE DE
MONOARTRITE
 Artrites sépticas
 Artrites por cristal (gota,
pseudogota,etc...)
 Traumatismos  Artrite Reumatoide Juvenil
 Hemartroses  Espondiloartrites
 Tumores  Osteoartrite
 Sinovite pigmentada vilonodular
 Necrose óssea avascular
 Junta de Charcot (neuropática)

Elementos da história e do restante do exame físico do paciente devem ser explorados


no sentido de tentar oferecer alguma conclusão. Veja como alguns destes dados podem ajudar
a dar uma pista diagnóstica...
134

Se o paciente teve uma cirurgia recente ou ficou acamado por qualquer outro motivo, o
diagnóstico sugerido é o de gota, principalmente se este indivíduo também for do sexo
masculino, obeso, hipertenso e/ou diabético. Nos gotosos pode existir, também, história de
cálculo renal ou de episódios de monoartrite anterior de um padrão clínico bem semelhante.
Uso de anticoagulantes e histórias de sangramentos anteriores podem ser de ajuda no
diagnóstico de hemartrose. A história de um acidente, certas formas de trabalho braçal, prática
de algum tipo de esporte e de crises convulsivas recentes podem auxiliar no diagnóstico de um
processo traumático. Uretrite blenorrágica não tratada ou tratada de maneira inadequada pode
levar ao diagnóstico de artrite séptica por gonococos. Na mulher este aspecto passa muitas
vezes desapercebido, mas deve ser sempre lembrado se a monoartrite aparece em uma mulher
grávida, na qual existe uma propensão para a disseminação desta infecção. Dados que
corroboram para esta possibilidade são a ocorrência de tenossinovites e o aparecimento de
lesões de pele típicas. Outras portas de entrada, para outros tipos de agentes microbianos que
não o gonococos, podem ajudar levantar suspeita de processo infeccioso, como por exemplo,
uso de drogas injetáveis, feridas infectadas em indivíduos imunodeprimidos como diabéticos,
usuários de drogas imunossupressoras, portadores de insuficiência renal, alcoólatras, pacientes
com SIDA etc. Febre e leucocitose são dados que ajudam a pensar na hipótese de infecção, mas,
às vezes, em pacientes com gota estes dados também podem ser encontrados. O envolvimento
de grandes articulações como coxo-femurais e joelhos é comum em pacientes com artrite
séptica embora pacientes que usam drogas endovenosas possam ter envolvimento de
articulações pouco comuns como a esternoclavicular. O uso de corticoide, principalmente em
pacientes lúpicos ou história de alcoolismo pode ajudar a pensar em uma necrose óssea
avascular. Pacientes com artrite psoriásica, em geral, têm manifestações cutâneas ou ungueais
da psoríase. Pacientes com espondilite podem contar dor lombar ou história de uveíte. Os com
artrite reativa podem ter história de conjuntivite, uretrite, diarréia ou rash cutâneo.
A despeito de o fato de que a história e exame físico poderem fornecer dados quanto a
possível etiologia da monoartrite em questão, uma vez que sempre existe o risco de se tratar de
um processo séptico a punção e análise do líquido sinovial é mandatória.

TODO PACIENTE COM MONOARTRITE, ATÉ PROVA EM CONTRÁRIO, DEVE SER PUNCIO-
NADO PARA ANÁLISE DO LÍQUIDO SINOVIAL!!!

Esta análise, além demonstrar possíveis artrites séptica, faz diagnóstico imediato de
hemartroses. Além disso, a presença de cristais de ácido úrico ou de pirofosfato de cálcio dão
os diagnósticos de gota e de pseudogota.
Uma investigação mais sofisticada pode ser necessária nos casos mais difíceis com uso
de cintilografia óssea, tomografia computadorizada e ressonância magnética.
No fluxograma da figura 9.1 encontram-se de maneira bem resumida, os possíveis
diagnósticos diferenciais em um paciente com queixa monoarticular aguda.
A grande maioria dos pacientes consegue um esclarecimento diagnóstico de maneira
relativamente rápida. Daqueles que permanecem com monoartrite de etiologia obscura, uma
parte acaba tendo regressão espontânea. Provavelmente eram casos de artrite viral ou
situações devidas a traumatismos não reconhecidos. Outra porção, no entanto, permanece
sintomática, evoluindo para uma monoartrite crônica e obrigando o médico, muitas vezes a
realizar biópsia de sinovial, no sentindo de verificar a possibilidade de existência de tumor,
tuberculose ou infecções fúngicas. A biópsia sinovial é importante para excluir tuberculose, uma
135

vez que a pesquisa de bacilo álcool-ácido resistente no líquido tem baixa positividade (menos
que 20%).

Excluídas estas últimas possibilidades, resta, ao profissional, tratar o paciente com


fisioterapia, AINHs e até mesmo corticoides intra-articulares e permanecer observando-o, no
sentido de detectar o surgimento de algum outro sinal da possível doença do futuro.
Pacientes com monoartrite podem representar uma forma de manifestação de uma
espondiloartropatia oculta, principalmente se este for portador de HLA B27 .

Referências

Baker D,et al. Acute monoartritis. N Eng J Med.1993, 329:1013-20.


Imboden JB. Approach to the patient with arthritis. In Imboden JB, Hellmann DB, Stone JH. Current Rheumatology diagnosis and
treatment. McGraw Hill, New York, 2004; p.27-35.
136

Capítulo 10 - Diagnóstico diferencial das poliartrites

No presente capítulo procurar-se-á discutir a abordagem de um paciente com queixas


em múltiplos pontos do aparelho locomotor, no sentido de se procurar uma elucidação
diagnóstica.
Existem pelo menos 5 pontos chaves que devem ser esclarecidos quando nos
deparamos com este tipo de queixa. São eles:

 - Qual a origem da dor? - ou seja, verificar se a dor é articular ou não;


 - Caso a dor realmente seja articular, trata-se realmente de uma poliartrite ou de uma
simples poliartralgia?
 - Se existe poliartrite, qual o seu comportamento? Ou seja, qual a distribuição das
articulações atingidas e a relação temporal entre os acometimentos de diferentes
articulações?
 - Quais os sintomas que acompanham a poliartrite ou a poliartralgia?
 - Quem é acometido por poliartrite?

A seguir tentaremos discutir como a resposta a cada um destes pontos pode ser de auxílio
no esclarecimento do diagnóstico.

A ORIGEM DA DOR :

Nesta primeira etapa, a preocupação está em localizar o sítio anatômico de origem da


dor. Ora, dores numa extremidade do corpo ou em uma parede podem ter origem muscular ou
nervosa e vascular além da origem articular...
Dor muscular pode ser localizada ou generalizada. Aquelas localizadas, geralmente, têm
uma explicação mais ou menos imediata para a sua ocorrência, tal como traumas, defeitos de
postura etc. Já as generalizadas podem estar fazendo parte de um processo de miosite
generalizada, como os encontrados em doenças infecciosas, tóxicas, metabólicas ou nas
polimiosites reumáticas. Estas últimas, em geral, se fazem acompanhar de fraqueza, a qual é
mais proeminente na musculatura proximal.
Dores de origem nervosa costumam ter a característica de serem descritas como
pontadas ou em queimação e podem se acompanhar de parestesias, formigamentos e/ou
alterações de sensibilidade de acordo com o processo em questão. Causas comuns de confusão
com dor articular são as polineuropatias, as quais são descritas classicamente, como tendo uma
distribuição em “botas e luvas”, e, não sobre a articulação como seria o caso de um
envolvimento primariamente articular. Quando produzem fraqueza esta é mais acentuada nas
extremidades, ou seja, a fraqueza é distal. Naturalmente, o exame neurológico pode ser de valia
para ajudar na diferenciação.
Dores de origem vascular podem se dever à isquemia de uma extremidade ou à
dificuldades em retorno venoso. A dor isquêmica típica é a claudicação intermitente. Ela é uma
dor desencadeada pelo uso e que melhora com o repouso. Pacientes com claudicação
intermitente têm, na maioria das vezes, alterações de pulsos periféricos e de trofismo da pele e
dos fâneros. Os pêlos caem e as unhas são distróficas. Dor vascular por dificuldade de retorno é
aquela vista em casos de varizes. São dores descritas como uma sensação de peso ou de cansaço
que pioram depois que o paciente fica muito tempo em pé (ou seja, são piores no final do dia).
Acompanham-se de edema que diminui com o decúbito e aumenta com a posição ortostática.
137

Eritromelalgia parestésica é um outro diagnóstico diferencial. Esta síndrome causa dor


em queimação, episódica, acompanhada de vermelhidão nas extremidades e provocada pelo
aumento de calor ambiente. Pode ser familiar ou estar relacionada à hipertensão,
medicamentos ou ainda com a policitemia vera. É uma situação clinica bem pouco estudada.
No caso da dor articular a queixa é descrita diretamente sobre a articulação, salvo raros
casos, como por exemplo da articulação coxo-femoral, onde a dor pode se irradiar para joelho.
Aliás, esta é uma situação bem comum. Toda vez que um paciente se queixar de dor no joelho,
pense que o problema pode estar na coxofemoral!

ARTRALGIA VERSUS ARTRITE:

Caso a dor tenha sido localizada na articulação, é importante saber se o processo é


puramente álgico ou se existem elementos inflamatórios detectáveis. A grande maioria dos
processos primariamente reumáticos causa artrite. Artralgias são vistas mais comumente em
situações de fenômenos articulares que acompanham doenças sistêmicas, na fibromialgia, no
lupus, em doenças cujo elemento etiológico principal é mecânico e, ainda, em processos
psicossomáticos. Para se chegar à conclusão se existe ou não processo inflamatório pode-se
lançar mão dos seguintes elementos. Dores em processos inflamatórios não dependem do uso
da articulação e tendem a causar rigidez matinal. Lembre-se que rigidez matinal para ser
significativa deve durar pelo menos meia hora. Procurar e encontrar edema, rubor e/ou calor
na articulação ao exame físico, torna o componente inflamatório óbvio. Em situações em que o
exame da articulação é duvidoso (tem ou não edema?) - que é muito comum em pessoas obesas
- o ultrassom é uma arma poderosa na diferenciação. Além de mostrar o edema, pode-se lançar
mão do power doppler que mostra o grau de aporte sanguíneo (e, portanto, de inflamação...)

O “MAPEAMENTO” DO ENVOLVIMENTO ARTICULAR :

Uma vez diagnosticada a poliartrite, o passo seguinte é proceder a um verdadeiro


“mapeamento” do tipo de articulação envolvida e do padrão do envolvimento articular. Assim,
moléstia reumática causa uma poliartrite assimétrica, migratória com certa preferência pelas
articulações maiores. Esta forma de poliartrite é autolimitada e não deixa sequelas.
A artrite reumatoide tem um padrão aditivo e envolve as grandes e as pequenas
articulações tendo uma preferência toda especial por pequenas articulações das mãos e pés.
Poupa a coluna, exceto a cervical. Tende a produzir deformidades típicas.
Nas espondiloartrites, o padrão encontradiço é de uma oligoartrite (menos do que 4
articulações), assimétrica, com preferência pelas articulações de membros inferiores. Afeta
coluna e causa entesopatias com muita frequência.
A artrite gonocócica costuma promover uma poliartrite migratória passageira à qual se
segue uma monoartrite mais duradoura.
A gota poliarticular sempre teve uma fase monoarticular antes. O número de articula-
ções afetadas e a frequência dos ataques se sucedem com gravidade progressiva.
Quer um bom conselho? Saiba muito bem o mapa articular as principais doenças
reumáticas e você vai saber resolver metade dos problemas na reumatologia.

SINTOMAS ASSOCIADOS:

Como muitas das doenças reumáticas são doenças sistêmicas, outros aparelhos e
sistemas podem estar afetados e, a maneira pela qual isto acontece pode ajudar no diagnóstico.
Um rash na face, em borboleta, na face, torna óbvio o diagnóstico de lúpus. Febre e sopro
138

cardíaco sugerem a possibilidade de moléstia reumática. Miosite e heliótropo sugerem


dermatopolimiosite; tofos são achados de gota, etc.
O exame da pele, de acesso bastante fácil ao clínico, mesmo sem dispor de semiologia
armada, é, neste particular de muita utilidade . Pela sua facilidade, deve ser incluído em todos
os pacientes com queixas reumáticas.

QUEM ESTÁ ACOMETIDO PELA POLIARTRITE?

A epidemiologia é outro elemento que ajuda, em muito, a tentar diagnosticar a etiologia


de uma poliartrite. Vejamos alguns exemplos:
Moléstia Reumática ou Febre reumática acomete crianças e jovens de nível sócio
econômico baixo, o que predispõe a disseminação do estreptococo causador da doença. Artrite
reumatoide acomete preferentemente mulheres jovens e de meia idade; lúpus acomete
também mulheres na mesma faixa etária e é mais grave em afrodescendentes. Já a gota é uma
doença com preferência pelo sexo masculino. Só acomete o sexo feminino se for na pós-
menopausa porque os estrógenos fazem aumento da excreção e ácido úrico na urina. Ataca
principalmente homens obesos, hipertensos e/ou diabéticos. A espondilite é uma doença de
homens jovens, o que também acontece com a artrite reativa. Artrite gonocócica é uma doença
de indivíduos sexualmente ativos, tendendo a incidir, portanto, em jovens em idade de
procriação. É mais comum na mulher onde a infecção primária passa desapercebida,
principalmente se ela estiver grávida, o que facilita a sua disseminação. Osteoartrite com ou sem
doença por cristal associada é uma doença da idade mais avançada.
Saber a epidemiologia de cada doença reumática resolve a outra metade da
reumatologia. É claro que, uma vez levantada a suspeita clínica, o laboratório pode ajudar na
confirmação ou não do diagnóstico. Mas saiba que você pdoe fazer uma reumatologia muito
bonita baseada apenas em dados clínicos. Esta é uma especialidade onde os ecames
complementares são, realmente , complementares! Mas se vc uiser lembrar dos detalhes,
retorne à leitura de dos exames laboratoriais em cada uma das doenças, já descritos
anteriormente.
No fluxograma da página seguinte, o resumo do caminho a ser seguido no raciocínio
diagnóstico das poliatrites.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS POLIARTRITES

1. Certifique-se de que a dor é articular. Caso positivo passe para o ítem seguinte.

2. Separe casos de artralgias de casos de artrite. Rigidez matinal maior do que meia
hora, dor com predominância noturna, achados de edema, rubor, dor e calor sugerem
artrite.

3. Siga os itens anteriormente descritos. Observe, novamente, que neste quadro


não entra nenhum exame de laboratório....
139

ARTRITES ARTRALGIA
Procure o PADRÃO DA ARTRITE Procure EPIDEMIOLOGIA DIAGNÓSTI Artralgia de
SINAIS/SINTOMAS CO doença
ASSOCIADOS sistêmica
poliartrite migratória não cardite, coreia, nódulos, crianças e jovens M.R.
deformante, autolimitada, + em eritema marginatum lúpus
grandes articulações
poliartrite, aditiva, simétrica, + mais comum  nódulos mulheres jovens e A.R.
fibromialgia
em mãos deformante, meia idade
oligoartrite assimétrica, + em Sacroileite bilateral, homens jovens E. A.
MM.II., muita entesopatia uveíte, SJögren
oligoartrite assimétrica, + em conjuntivite, uretrite homens jovens Artrite processos
MM.II., muita entesopatia reativa mecânicos
poliartrite, não deformante, mais comum  lesões mulheres jovens e LES
migratória ou aditiva cutâneas (rash em de meia idade Psicogênica
butterfly, lesões discoides
etc.). Procure também
sinais de lesão renal,
cardíaca, pulmonar,
hematológico e de SNC
oligoartrite assimétrica, fugaz miosite,heliótropo, mulheres jovens, Dermatomi
pápulas de Gottron meia idade osite
oligoartrite assimétrica não Raynaud, esclerodactilia mulheres jovens e Escleroder
deformante meia idade ma
poliartrite crônica e deformante, tofos, cálculos renais; homens c/ Gota
precedida de história de longa obesidade e hipertensão diabetes, obesos,
duração de episódios de hipertensos; mu-
monoartrite e oligoartrite lheres na pós
menopausa
poliartrite aguda migratória febre, história de uretrite jovens; mais na Artrite
seguida de monoartrite ( + em anterior, pápula única em mulher grávida séptica por
joelho e punho) base eritematosa gonococos.

Referências:

Mazière B,et al . The hip. In Klippel JH, Dieppe PA. (eds) Rheumatology, Mosby, London 1998, p.S4 - 10.1:10-8
140

Capítulo 11 - Artrite reumatoide

Artrite reumatoide (AR) é uma doença crônica e multissistêmica de etiologia


desconhecida, cuja característica principal é uma sinovite inflamatória, persistente, envolvendo
todas as articulações sinoviais, preferentemente as periféricas de forma simétrica e com um
potencial deformante variável. Acreditava-se até certo tempo atrás, que a grande maioria destes
pacientes teria uma doença branda. Sabe-se, no entanto, hoje em dia, que até 50% dos
indivíduos afetados param de trabalhar dentro de 10 anos do início da doença.

EPIDEMIOLOGIA E PATOGÊNESE

Esta é uma doença bastante frequente, existindo em cerca de 1% de população geral.


As mulheres são afetadas três vezes mais que os homens. A prevalência aumenta com a idade e
nos grupos mais velhos as diferenças de sexo não são tão marcantes. A grande maioria dos
pacientes inicia sua doença entre 35 e 50 anos.
Existe uma predisposição genética para que a doença apareça. O maior fator genético
associado está relacionado com a presença do HLA DR B1, embora existam vários outros genes
adicionais, fora do locus HLA que também estão implicados. No caso dos HLA DR B1, dois alelos
estão particularmente implicados: o DRB1*04:01 e o DRB1*04:04.
Os alelos do HLA DR B1 associados com a presença da AR têm, em comum, uma mesma
sequência de aminoácidos chamada de epítope compartilhado - que é quem parece ser o
componente responsável pela associação com a doença. O fato de um paciente possuir dois
alelos com o referido epítope comum, coloca o paciente, não só num risco maior de desenvolver
a AR, mas, também, de desenvolver uma forma mais grave da doença com manifestações extra-
articulares.
Entretanto não basta que uma pessoa tenha o HLA referido para desenvolver a AR. É
necessário que agentes ambientais interajam nesta predisposição. Estes agentes não estão
totalmente conhecidos embora existam algumas “pistas” sobre a sua possível identidade. Na
lista dos candidatos a agentes causais estão vários agentes infecciosos exógenos, certas
proteínas do tecido conjuntivo e imunoglobulinas alteradas. Poluentes ambientais como sílica e
tabaco estão associados ao ou ao seu aparecimento ou a um aumento da sua gravidade.

Agentes infecciosos - A procura de um agente infeccioso para a AR vem de longa data. Esta
procura tornou-se mais intensa quando se estabeleceu um agente infeccioso definitivo para a
Doença de Lyme que tem um envolvimento articular com padrão semelhante ao da AR.
Vários agentes infecciosos têm sido propostos tais como os vírus linfotrópicos para
células T-tipo 1, vírus da rubéola, citomegalovírus, herpes vírus e micoplasmas etc... , mas para
nenhum deles se conseguiu suporte científico que comprovasse esta hipótese.
O vírus de Epstein Barr (causador da mononucleose infecciosa) tem sido ligado a AR, por
causa do fato de que 80% dos pacientes com AR têm anticorpos circulantes contra este vírus, e,
pelo fato do vírus ser um ativador policlonal de célula B levando a uma superprodução de
imunoglobulinas (inclusive de fator reumatoide). Recentemente, o interesse neste vírus
aumentou quando se descobriu que a proteína viral gp-110 tinha exatamente a mesma
sequência de aminoácidos do epítope comum. Diante disto, uma hipótese lógica seria a de que
o vírus de Epstein Barr desencadeasse a doença através do mecanismo de mimetismo molecular.
O interesse pelas micobactérias também tem se acentuado recentemente devido ao
fato de se observar que elas expressam proteínas "heat-shock" (HSP) ou proteínas do choque
térmico. Micobactérias têm múltiplos antígenos HSP, os quais são muito semelhantes aos HSP
humanos. Isto tem levado à idéia de que estes antígenos possam estar implicados em doenças
autoimunes por processo de mimetismo molecular.
141

Mais recentemente os estudos têm focado na ocorrência de gengivites. A


Porphyromonas gingivalis, uma bactéria associada com infecção periodontal, a peptidil arginina
deaminase (PAD) que permite que a bactéria forme peptideos citrulinados levando à hipótese
de que, em pessoas predispostas pelo epítope compartilhado, ela ajude na formação do
anticorpo contra antígenos citrulinados (ACPA), e contribuindo para o aparecimento da AR.
Anticorpos contra antígenos citrulinados como o anti-CCP são auto-anticorpos bastante
específicos para AR.
Outra área, na qual agentes infecciosos têm sido valorizados como causadores de
autoimunidade é a alteração do microbioma intestinal. Componentes da flora intestinal de
indivíduos com AR diferem daqueles de indivíduos normais.
A ideia de que um agente infeccioso está associado com aparecimento de AR ficou
reforçado no recente surto de Chikungunya. Observou-se que alguns indivíduos com esta
doença desenvolvem uma artrite crônica muito semelhante a AR.

Proteínas alteradas- Além de elementos infecciosos, elementos endógenos como colágeno e


IgG têm sido propostos como elementos etiológicos. O colágeno é causa de artrite em animais
de experimentação, e esta é uma doença muito parecida com a AR. A maioria dos estudos, no
entanto, aponta que o desenvolvimento de anticorpos anti colágeno (tipo 2) é mais um efeito
amplificador da destruição do que propriamente o causador da AR. Alterações no metabolismo
de proteínas têm sido enfatizadas desde a descoberta dos ACPA (anticorpos contra proteinas
citrulinadas). Estes anticorpos dirigem-se contra proteínas (como a filagrina) que, ao serem
modificadas, passam a ter citrulina, despertando a formação dos referidos auto-anticorpos.
Pacientes com AR possuem determinado polimorfismo genético para as enzimas que favorecem
a reação de citrulinização destas proteínas (a PAD) , o que acontece ao nível da sinóvia
reumatoide.

Fatores ambientais: Outro elemento muito valorizado na fisiopatologia da AR é o uso do


tabaco. Assim como outros poluentes ambientais, o fumo pode estimular a formação de fator
reumatoide em pessoas sadias, e, em casos de doença já estabelecida, torná-la mais erosiva e
grave.

Quando uma pessoa geneticamente susceptível encontra o elemento desencadeante


(seja ele qual for), a doença se estabelece. O primeiro evento é possivelmente a ativação do
sistema imune inato seguido por citrulinização de proteínas que são apresentadas ao sistema
imune especifico dentro da articulação. As células que recebem a informação (células
dendríticas, macrófagos e células B - ou apresentadoras de antígenos) migram para os
linfonodos regionais, elaboram células T e B autoreativas que voltam para a articulação
desencadeando a sinovite.
Sabe-se, atualmente, que existe uma fase pré-clínica da AR com formação de auto
anticorpos contra proteínas citrulinizadas como os ACPA e de fatores reumatoides, na qual o
paciente não tem sintomas. Essa fase pode durar até 10 anos e nela observa-se aumento de
citocinas pró-inflamatórias e de reagentes de fase aguda cujas concentrações vão aumentando
gradativamente, à medida que se aproxima do inicio da doença clínica. As biópsias de sinovial
feitas na fase pré-clinica são normais do ponto de vista histológico, embora alguns pacientes já
se queixem de artralgias.
Quando aparece a doença clínica observa-se que as células que infiltram a sinóvia são
predominantemente linfócitos T CD4+ principalmente dos tipos Th1 e Th17 com uma redução
do número das células Th2 e células T reguladoras. As células T que vão até a sinovial são
apresentadas ao antígeno que desencadeou a doença, passam pela ativação dos segundos
sinais, levam a formação de células B autorreativas seguindo o esquema que já foi visto na
revisão de imunologia. As células T da sinóvia reumatoide têm um programa de apoptose
alterado e sobrevivem mais do que devem, perpetuando e amplificando o processo. Os linfócitos
142

B quando estimulados fabricam os fatores reumatoides que formam complexos imunes capazes
de ativar complemento, e consequentemente aumentar a permeabilidade vascular e promover
acúmulo de células tais como polimorfonucleares. Estas últimas, ao ingerir os complexos
imunes, causam liberação de enzimas hidrolíticas, radicais de oxigênio livres e ácido aracdônico
(o qual será metabolizado a prostaglandinas e leucotrienos). Estes elementos respondem por
grande parte da inflamação da AR.

ANATOMIA PATOLÓGICA

Na AR estabelecida, a sinóvia aparece edematosa e forma vilosidades que fazem


protube-râncias para dentro da cavidade articular. Devido a este aspecto "felpudo" a sinóvia
recebe o nome de pannus. Em geral, numa sinóvia normal existem 2 a 3 camadas de células,
mas na AR ela passa a ter de 6 a 10 ou mais. A hiperplasia resulta tanto de aumento de células
tipo A como de células tipo B. Alterações vasculares focais ou segmentares são regra. É comum
o achado de dilatação venosa, obstrução capilar, áreas de trombose e hemorragia perivascular.
O estroma subsinovial, normalmente acelular fica entulhado por células mononucleares que
podem formar arranjos semelhantes a folículos. Como já comentado, os linfócitos T
predominam embora também existam células B produtoras de imunoglobulinas.
Uma membrana sinovial de AR pode chegar até 100 vezes o seu peso original. Mas, bem
mais importante que o seu peso, é o seu potencial destrutivo, de invadir cartilagem, osso
subcondral, ligamentos e tendões, num comportamento muito parecido com o de uma
neoplasia localizada.
Além da desestruturação articular, resultante de invasão da articulação pelo pannus, as
enzimas liberadas em líquido sinovial contribuem muito para o caráter destrutivo da artrite
reumatoide. Proteases liberadas pelos condrócitos são capazes de digerir a matriz cartilaginosa,
no que são auxiliadas pelas enzimas liberadas pelos polimorfonucleares. O resultado final destas
alterações patológicas é altamente variável, uma vez que a doença pode estacionar em qualquer
estágio.
Em AR de longa duração, o pannus forma adesões e cicatrizes. Superfícies articulares
opostas de tornam aderentes e se organizam promovendo ancilose fibrosa quando grande parte
da articulação está envolvida. Metaplasia do tecido de granulação pode promover ancilose
óssea ou cartilaginosa. Aderências em estruturas periarticulares e enfraquecimento da cápsula
e ligamentos alteram a estrutura e função da articulação. Pode ocorrer ruptura de tendões. A
soma dessas alterações patológicas junto com o suporte de peso e tração dos músculos
produzem as alterações típicas da AR.

CLÍNICA

A clínica da AR pode ser dividida, para fins de estudo, em manifestações articulares e


manifestações extra-articulares sendo estas últimas encontradas nos casos mais graves da
doença.

MANIFESTAÇÕES ARTICULARES - A doença articular típica consiste em uma poliartrite de


padrão simétrico e aditivo. O envolvimento articular é cíclico caracterizado por frequentes
exacerbações e remissões, podendo se tornar crônico e destrutivo. Embora todas as articulações
potencialmente possam estar envolvidas, diz-se que é comum o envolvimento de todas as
articulações do esqueleto periférico com exceção das interfalangianas distais e, que é raro o
envolvimento do esqueleto axial com exceção da coluna cervical. Nas formas bem estabelecidas
da doença as articulações estão envolvidas bilateralmente, em espelho, de forma aditiva,
iniciando-se por pequenas articulações. Nos casos atípicos, as grandes articulações são
envolvidas precocemente e nem sempre há simetria.
143

Um achado comum é a rigidez matinal. Enquanto alguns autores acreditam que essa
rigidez pode ser causada pelo acúmulo de líquido na articulação durante um período de repouso,
outros atribuem-na à liberação noturna de citocinas pró-inflamatórias.
A mão na AR está quase sempre envolvida. Na fase inicial é característico o achado de
edema em interfalangianas proximais (dando ao dedo aspecto de fuso) e metacarpo falangianas.
Com o evoluir da doença aparecem outras deformidades, tais como os dedos em botoeira e em
pescoço de cisne. Para relembrar a descrição destas deformidades, volte ao capítulo de exame
físico. As articulações metacarpofalangianas tendem a ficar luxadas e a se desviar para o lado.
Lembre-se de que a mão funciona, às vezes como um instrumento de apreensão dotado de em
grau relativamente alto de força, outras vezes como um delicado instrumento de precisão.
Anatomicamente pode ser notado que a mão desempenha as funções mais delicadas com a sua
porção radial, onde está o polegar e o indicador. Já a porção ulnar é a que mais participa e
fornece suporte em situações em que se exige força. Isto explica, parcialmente, porque, na
artrite reumatoide, o desvio se faz em direção ulnar.

C
A B

D E F
FIGURA 11.1- (A)- Forma inicial da artrite reumatoide; (B) desvio ulnar; (C) e (D) dedos em pescoço de cisne; (E)
dedo em botoeira; (F) polegar em Z.

Edema dorsal dos punhos é comum e a proliferação local da sinóvia pode ocasionar
ruptura do 5º e 6º tendões extensores dos dedos os quais ficam caídos, o que é conhecido como
sín-drome da cabeça da ulna ou "caput ulnae". Outro achado em mão de paciente com AR é o
da síndrome do túnel do carpo, causada pela compressão do nervo mediano por edema e
proliferação da sinóvia da articulação do punho.
Tenossinovites são comuns, principalmente de tendões flexores dos dedos ocasionando
atrito à mobilização (percebido pela palpação) e edema localizado entre as articulações
interfalangianas ou na superfície volar das falanges. Tenossinovite do abdutor longo ou do
extensor curto do polegar é responsável pelo aparecimento da síndrome de De Quervain. Não
raramente nódulos reumatoides se assentam sobre os tendões, travando os dedos em flexão,
com dor (dedos em gatilho).
144

Fica fácil de entender que, todas estas deformidades, associadas à diminuição de força
muscular ocasionadas pela dor e por atrofia muscular, em muito contribuem para a perda de
função da articulação.
O cotovelo é comumente afetado nesta doença. O que se encontra é uma epicondilite
ou artrite. O sinal mais encontrado de que existe (ou existiu) artrite do cotovelo é a perda de
extensão total da articulação, nem sempre percebida pelo paciente.
O envolvimento do ombro não se restringe à sinóvia da articulação glenoumeral, mas
também às bursas e tendões que se encontram nesta região com tendinites, bursites e até
ruptura do manguito rodador do ombro.
As articulações têmporo-mandibulares estão envolvidas na AR e pode ocorrer, em casos
mais avançados, ancilose da mesma ou reabsorção dos côndilos mandibulares.
As articulações cricoaritenoides são pequenas articulações sinoviais que têm a função
de rodar as cordas vocais para modular a voz. Quando acometidas na AR causam rouquidão,
sensação de tensão na garganta que aumenta ao tossir e ao deglutir. Podem se imobilizar em
adução causando dificuldade respiratória, o que é uma situação de emergência.
O quadril é uma articulação que está mais envolvida na forma infantil do que na de
adulto. Não se esqueça de que, dor no aspecto lateral da coxa pode se dever à bursite
trocantérica, ao invés de sinovite. Não esqueça também de que um paciente com problemas
no quadril pode se queixar de dor no joelho (dor referida).
O joelho demonstra facilmente coleções líquidas. Quando afetado, a atrofia da
musculatura do quadríceps ocorre precocemente (até em 1 semana). Outra manifestação é a
perda de extensão completa, que se não corrigida a tempo pode levar à contratura em flexão
(ocorre em pacientes que têm o costume de colocar almofadas sob o joelho afetado). Coleção
líquida no espaço articular pode ocasionar protrusão na porção posterior do com-partimento
articular, formando o cisto de Baker. Este nada mais é do que uma "hérnia" da sinovial, na qual
o líquido entra, mas não pode sair, graças a uma válvula que permite a passagem de líquido em
um único sentido. Este cisto pode se romper e o líquido nele contido pode dissecar a
musculatura da panturrilha, causando dor e reação inflamatória num processo que cria muita
confusão com tromboflebite.

A B
FIGURA 11.2 – Artrite Reumatoide. (A) Artrite de joelho (B) cisto de Baker (RMN)

O envolvimento do tornozelo é mais raro que o de joelho e aparece nas formas mais
sérias da doença. Erosões dos ligamentos desta articulação resultam em incongruência articular
que pode evoluir para deformidades do pé em pronação ou eversão. O tendão de Aquiles é local
para processo inflamatório e para assentamento de nódulos reumatoides. Pode, inclusive,
romper.
O pé, cujo envolvimento é comum, se alarga por um aumento do ângulo entre os
metatarsianos. Formam-se deformidades tipo hallux valgus e subluxação plantar da cabeça dos
metatarsianos, os quais provocam o aparecimento de bursas adventícias e calosidades ao se
145

submeterem a processos repetitivos de aumento de pressão. Dedos em martelo resultam da


hiperextensão de metatarsofalangianas e flexão da interfalangiana proximal e são causa de
dificuldades para adequação aos sapatos.
Outras causas de dores em pés de paciente com AR são fasciíte plantar e a síndrome
do túnel tarsiano.

C
B
FIGURA 11.3- Artrite reumatoide. (A) Queda de metatarsianos com dedo em martelo. (B) desvio medial da
segunda falange;hallux valgus (C) dedo em martelo

Dentro do esqueleto axial, a coluna cervical está tipicamente comprometida. A


destruição do ligamento transverso do atlas e do ligamento atlanto-axial anterior permite que
o dente da 2ª vértebra deslize para dentro do canal espinhal, comprimindo a medula. Diz-se que
existe subluxação atlanto-axial quando a distância entre o arco anterior do atlas e a superfície
anterior do processo odontoide é maior do que 2,5 mm para a mulher e 3,0 mm para o homem,
vistas ao RX lateral com coluna em flexão completa. A evidência radiológica de subluxação é
relativamente comum, mas os sintomas de compressão medular são mais raros. As queixas,
neste contexto, são de cefaléia (em região occipital), desenvolvimento de quadriparesia com
presença de Babinski e disfunção esfincteriana de bexiga e intestinos e sensação de choque no
corpo ao virar a cabeça (sinal de Lhermitte). Toda manipulação de pescoço em pacientes com
AR (intubação, "colocação da coluna no lugar" ou mesmo o exame intempestivo do pescoço –
manobra de Spurling) pode precipitar um quadro de compressão medular.
146

A B C
FIGURA 11.5. Luxação de coluna cervical em artrite reumatoide. (A) Desenho esquemático da posição do dente
do atlas; (b) RX mostrando aumento do espaço entre arco anterior do atlas e dente; (c) luxação superior grave.

MANIFESTAÇÕES EXTRA ARTICULARES

NÓDULOS REUMATOIDES -São nódulos que se compõem, histologicamente, de uma área


central de tecido necrótico, circundada por uma coroa de fibroblastos em paliçada que, por sua
vez, está envolta em uma cápsula fibrosa com infiltrado perivascular de células inflamatórias. O
local mais fácil de encontrá-los é na superfície extensora dos braços e cotovelos principalmente
sobre o olécrano. No entanto, podem ser achados em qualquer ponto do tecido subcutâneo,
principalmente em locais de contato ou pontos de pressão. Também têm sido encontrados até
em parede abdominal e em vísceras como coração, pulmão, olhos, orelhas etc... À palpação,
eles são elásticos, lisos; podem ser móveis ou fixos ao periósteo. São característicos dos doentes
soropositivos. Seu achado significa que a doença é mais grave.

A B D
FIGURA 11.6 - Nódulos reumatoides de diferentes tamanhos e em diferentes locais

ENVOLVIMENTO OCULAR - Pode aparecer episclerite, esclerite e escleromalácia perforans etc...


A episclerite é uma inflamação de tecidos episclerais que, em geral, se resolve de maneira
espontânea e não traz prejuízo para acuidade visual. Já a esclerite implica em inflamação de uma
camada mais profunda, a esclera, podendo causar o seu adelgaçamento e ruptura. Quando a
esclerite é grave, mas localizada , pode levar à formação de um granuloma reumatoide em
147

tecido escleral (lesão esta que lembra o nódulo reumatoide). Isto causa uma hérnia da coroide
– o que confere um aspecto escuro à lesão. É denominada de escleromalácia perforans. Apesar
de um aspecto bastante preocupante (e do nome) a perfuração do globo ocular com perda do
seu conteúdo é muito rara.
O olho pode estar envolvido na Síndrome de Sjögren secundária ou cerato conjuntivite
seca, que é uma síndrome associada a AR. Nestes casos vê-se secura do globo ocular por perda
da formação de lágrimas ocasionada por uma disfunção lacrimal secundária a infiltração
linfocitária da glândula. A córnea se resseca e se torna facilmente sujeita a traumas e infecções.
Outras glândulas exócrinas estão envolvidas nesta síndrome: salivar, pâncreas etc..

A B C
FIGURA 11.7- Manifestações oculares da artrite reumatoide (A) escleromalácia (a porção escura é a uvea que
pode ser vista proque a esclera ficou muito fina) ; (b) esclerite necrotizante ; (c) episclerite.

O uso de medicação em AR pode ser causa de doença ocular. Antimaláricos podem


causar retinopatia; corticoides podem levar à formação de cataratas subcapsulares posteriores
e/ou precipitar glaucoma.

ENVOLVIMENTO CARDÍACO - O envolvimento mais comum é sob a forma de pericardite, sendo


muitas vezes subclínica (achados de ecocardiografia ou de necropsia). Ocorre em mais da
metade dos pacientes com doença clássica. Outros achados são: arterite da artéria coronariana,
bloqueios cardíacos (nódulos que se assentam sobre o sistema de condução), miocardites e
disfunções valvulares, mitral e aórtica.
O achado de líquido pericárdico tipo exudato com um teor de glicose muito baixo (por
falha no transporte da glicose através das membranas) é característico da AR. Nestes casos é
importante fazer um diagnóstico diferencial com pericardite tuberculosa. Afinal das contas estes
pacientes são imunossuprimidos, o que facilita o aparecimento desta infecção.

ENVOLVIMENTO PULMONAR - Envolvimento pleural é a complicação pulmonar mais comum da


AR. Em exames pós mortem até 40% dos pacientes têm aderências pleurais, embora muitos
deles nem tenham tido sintomas. O líquido é, novamente, um exudato com teor de glicose
bastante baixo. Ocorre mais em homens. Outras lesões encontradas são presença de nódulos
reumatoides no parênquima os quais podem ser isolados ou múltiplos, podem cavitar, sofrer
hemorragia ou abecedar. Se sub-pleurais, a cavitação pode levar à formação de fístula bronco-
pleural. Estes nódulos podem criar confusão diagnóstica com carcinoma, lesões micóticas ou
tuberculose. Têm evolução flutuante, podendo desaparecer espontaneamente.
Síndrome de CAPLAN é o nome dado à associação de doença reumatoide nodular
pulmonar em pacientes trabalhadores de minas de carvão. Também tem sido identificada em
pacientes expostos a asbestos, sílica e abrasivos. Esta síndrome pode ser encontrada em
pacientes com AR ou em pessoas só com fator reumatoide positivo e sem artrite.
148

Outros achados no pulmão do paciente com AR são:- (a)-fibroses intersticiais difusas, as quais
causam dispnéia de esforço, tosse com pouca expectoração, e com o decorrer do tempo pode
levar à insuficiência cardíaca direita; (b)- vasculite de vasos pulmonares.

Quadro 11.2 – MANIFESTAÇÕES PULMONARES DA AR


Derrame pleural
Nódulos em Isolados
parênquima
Múltiplos Com pneumoconiose – CAPLAN
Sem pneumoconiose
Fibrose intersticial difusa
Vasculite de vasos pulmonares.

A B
FIGURA 11.8 - Pneumonite intersticial (A) incipiente (vidro fosco) (B) forma mais grave com
faveolamento

MANIFESTAÇÕES NEUROMUSCULARES- O paciente apresenta-se com queixas de hipoestesia,


formigamentos e dores em queimação nas extremidades. A distribuição dos sintomas é
semelhante à de quem usa botas e/ou luvas. O exame mostra perda de sensação de vibração,
toque e distinção entre dois pontos. Em geral, acomete pacientes com AR de longa data e tem
um prognóstico relativamente bom.
Mononeurite multiplex é outro quadro de lesão periférica, no qual um ou mais nervos
apresentam alterações motoras e sensoriais. Nesta situação são comuns quadros de pés e/ou
punhos caídos. Deve-se a arterite da vasa nervorum. É sinal de mau prognóstico.
Subluxação cervical com compressão medular é a compressão da medula pelo dente
da 2ª vértebra cervical, já discutida anteriormente.
Neuropatias por compressão acontecem quando a sinóvia inflamada e proliferante
comprime nervos que passam em região justa articular. Um exemplo bem comum é a síndrome
do túnel carpiano; outro, a do túnel tarsiano. O tratamento é feito com infiltração de corticoide
local e, na falha deste, com liberação cirúrgica.
Desordens musculares tais como fraqueza e atrofia de musculatura esquelética ao redor
das articulações afetadas e, atribuídas ao desuso, são comuns em AR. No entanto podem
aparecer miosites causando fraqueza e aumento das enzimas musculares.

MANIFESTAÇÕES HEMATOLÓGICAS- As manifestações mais comumente observadas são


anemia, eosinofilia e a síndrome de Felty. A anemia é, classicamente normocrômica e
149

normocítica, e a sua magnitude está claramente relacionado ao grau de atividade da AR, embora
a hemoglobina dificilmente esteja abaixo de 10g/ml a menos que existam outras causas
associadas. A capacidade de transporte do ferro está baixa (se fosse deficiência de ferro, estaria
alta). Não se deve esquecer que o uso crônico de AINHs pode ser causa de perda sanguínea
gastrintestinal, o que por sua vez causa anemia ferropriva. Eosinofilia tem sido descrita em
pacientes com doença articular grave, soropositiva, com vasculite e pleurite.
Síndrome de FELTY é o nome dado à associação entre AR + esplenomegalia + leucopenia
(principalmente granulocitopenia). Estes pacientes têm uma incidência maior de nódulos
reumatoides, úlceras de perna, infecções e manifestações extra-articulares da doença como
vasculites, neuropatia periférica etc... O fator reumatoide é positivo em altos títulos; o FAN
também é positivo, e pode existir crioglobulinemia. A leucopenia, nesta situação, é um
fenômeno periférico. A medula óssea está hiperplásica. O que ocorre é uma somatória de
fatores tais como: aumento na marginalização dos leucócitos, presença de anticorpos
antinucleares tipo específico (contra núcleo de granulócito) e esplenomegalia com
hiperesplenismo. Dois terços deste pacientes são mulheres. Caso você tenha um interesse maior
neste assunto, leia o texto complementar sobre S. de Felty.

VASCULITE REUMATOIDE- Vários tipos de lesão vascular podem ocorrer e têm sido
reconhecidas como aspecto cardinal da doença. Podem ocasionar, p.ex., obliteração da artéria
digital, obliteração em vasos que suprem pele e órgãos internos como artérias coronarianas,
vasos mesentéricos e vasa nervorum trazendo lesões isquêmicas agudas e subagudas nestes
locais. As manifestações clínicas se traduzem por achados extra-articulares da AR já descritos
anteriormente e por lesões de pele como úlceras de perna de difícil cicatrização, micro infartos
de leito ungueal, bordos de unha e polpa digital etc....
Pacientes com vasculite têm doença de longa duração, com doença mais grave e pouco
controlda, com maior número de nódulos subcutâneos, presença de fator antinuclear,
diminuição de complemento sérico e pior prognóstico. Só que, ao contrário do que acontece
com os nódulos reumatoides, que têm uma evolução bem paralela com o grau de atividade
articular da doença, a vasculite tende a aparecer nos períodos de quiescência da mesma.
Com o advento de novos medicamentos e melhor controle da doença, as vasculties
estão se tornandoraras em AR.

A B
FIGURA 11.9- Manifestações de vasculite em AR (A) Úlcera de perna; (B) Isquemia de dígitos.
150

LINFADENOPATIA- Ocorre mais no sexo masculino e seu desenvolvimento não guarda relação
com a atividade da doença básica.

AMILOIDOSE- É, na realidade, uma doença associada e não uma manifestação da AR. O termo
amiloidose vem do fato de que, nesta doença existe depósito de uma glicoproteína filamentosa
em tecido conjuntivo, que se cora de maneira semelhante ao amido, com uso do corante
vermelho do Congo. No caso da amiloidose associada a AR diz-se que a mesma é uma amiloidose
secundária. (Existem várias doenças associadas com amiloidose secundária além da AR como
tuberculose, bronquiectasias, osteomielites etc... Estas doenças têm em comum uma
estimulação crônica do sistema imune.) Esta glicoproteína pode se depositar em vários locais;
os achados mais comuns são em rins (causando proteinúria), fígado e baço (com hepato-
esplenomegalia), intestinos (causando síndrome de má-absorção) e língua (macroglossia).
O diagnóstico é feito através de biópsia gengival ou retal ou por análise de adipócitos
aspirados de tecido subcutâneo de abdome.

EXAMES COMPLEMENTARES

PROVAS DE ATIVIDADE INFLAMATÓRIA- VHS, mucoproteínas e proteína C reativa tendem a


acompanhar a atividade da doença e servem mais para avaliar a sua severidade do que para
fazer diagnóstico. O melhor teste aqui parece ser o da proteína C reativa.

PESQUISA DO FATOR REUMATOIDE - Pode ser feita através da prova do látex ou do Waaler
Rose. Este último está em desuso. A prova do látex é positiva em 80% dos pacientes com AR.
Além disso, várias outras doenças tais como hepatite crônica ativa, lepra, tuberculose,
endocardite bacteriana e mononucleose infecciosa também podem cursar com presença de
fator reumatoide. Para relembrar o valor destas provas, leia a parte de laboratório em
reumatologia. Um aspecto, no entanto, deve ser salientado: o fato de que, no início dos
sintomas, muitos pacientes que virão a ser soropositivos, apresentam-se com este teste
negativo. Só metade dos pacientes tem látex positivo na primeira consulta. É pois, de bom
alvitre, quando a suspeita clínica aponta para o diagnóstico de AR e o paciente é fator
reumatoide negativo, que este teste seja repetido dentro de alguns meses.

ANTICORPOS ANTI-CCP - São anticorpos dirigidos contra proteínas citrulinadas como a filagrina
e sua forma circular (peptídeo cítrico citrulinado). Têm alta especificidade para AR (em torno de
90%) e parecem identificar os pacientes com doença mais grave. A sensibilidade varia de 33 a
87,2% dependo do tipo do teste usado e do padrão genético da população estudada.

EXAMES RADIOLÓGICOS - Já vimos que na AR ocorre inflamação e proliferação da sinóvia. Este


tecido anormal (pannus) preenche o espaço articular e se associa com derrame, distensão da
cápsula e edema de partes moles. Estes achados são responsáveis pelo primeiro achado
radiológico em paciente com AR, que é edema simétrico e fusiforme de partes moles. Em adição
a isto, a membrana sinovial hipervascular produz o aparecimento de osteoporose justa articular.
À medida que o pannus cresce ocorre a degradação enzimática da cartilagem acarretando
diminuição difusa do espaço interarticular. Além disso, o pannus ataca a estrutura óssea,
produzindo as erosões marginais características. Com a progressão da doença toda a capa de
cartilagem se perde e o pannus invade osso subcondral produzindo cistos e predispondo à
fraturas.
151

FIGURA 11.10- Achados radiológicos em mãos e pés de pacientes com AR.


152

O envolvimento de tendões, ligamentos e cápsulas, produzem subluxações com


aparecimento das deformidades características (mais comuns em mãos, pés e coluna cervical).
No final do processo sobrevém ancilose. Estes achados podem ser encontrados em RX,
tomografias e RMNs.
Atualmente o ultrassom tem se mostrado um grande aliado na avaliação do paciente
com AR. Além de mostrar edema, proliferação da sinóvia e erosões ele pode dar uma ideia da
atividade da doença mostrando o aumento de fluxo sanguíneo pelo power doppler. Além disso
tem a grande facilidade de ser de baixo custo e de poder ser repetido muitas vezes por não
emitir irradiação. Atualmente muitos reumatologistas dispõe de aparelho de US no consultório
utilizando-o no dia a dia para avaliar estes pacientes.

FIGURA 11.11 - Erosões detectadas ao ultrassom


Imagens: Gentileza Dr Leonardo Schmidt

CRITÉRIOS PARA CLASSIFICAÇÃO DA AR

O diagnóstico da AR é clínico. É sempre bom enfatizar que simples presença do fator


reumatoide no soro não faz diagnóstico da doença. O Colégio Americano de Reumatologia
publicou os critérios revisados – em 1987 - para classificação da AR que são os seguintes:

1. artrite de 3 ou mais articulações (vistas pelo médico e com envolvimento simultâneo);


2. artrite de juntas da mão ( punho e/ou metacarpofalangianas);
3. artrite simétrica;
4. rigidez matinal;
5. presença do fator reumatoide;
6. nódulos reumatoides;
7. alterações radiológicas sugestivas da AR .

Os critérios de 1 a 4 devem ter uma duração mínima de 6 semanas. Diz-se que um


paciente tem artrite reumatoide quando satisfaz 4 dos 7 critérios.
Com o aparecimento de drogas mais efetivas para o tratamento da AR começou-se a
observar que, quanto mais precoce o tratamento, melhor era a resposta ao tratamento. Notou-
se, inclusive, que a existência de um período, chamado de “janela de oportunidade”, no qual o
bom controle de atividade inflamatória da doença permite uma espécie de “domesticação” da
doença, a qual se torna mais branda e pode até remitir completamente. Isto, é claro, permite
que o paciente sofra menos e tenha uma capacidade funcional melhor. O grande entusiasmo
despertado por estas observações, arrefeu frente a duas grandes dificuldades no
estabelecimento precoce do tratamento.
153

A primeira delas é que a janela de oportunidade está mais para uma fenda do que para
uma janela propriamente dita, ou seja, este período inicial, sugerido inicialmente como de 2
anos, passou a ser considerado de meses (3 meses). Como é que um paciente chega tão cedo a
um médico - seja ele de clinica geral ou reumatologista? Lembre-se que, embora muitos
reumáticos no Brasil tenham convênio ou possam ter um médico particular, a grande maioria
ainda é dependente do tratamento oferecido pelo SUS, o qual é notório pela sua lentidão...
O segundo problema é: mesmo que o paciente chegue bem cedo ao médico, qual
profissional consegue fazer diagnóstico assim tão precoce e, na dúvida, tem coragem para iniciar
um imunossupressor? Cá entre nós, quando uma paciente fecha quatro dos famosos critérios
classificatórios para AR do Colégio Americano de Reumatologia, ela nem precisa mais destes
critérios... A doença está bem estabelecida e é obvia. Portanto, esqueça os critérios de 1987. O
problema está ali, no comecinho.
Os testes de laboratório que usamos não nos ajudam: a presença de fator reumatoide
não é necessária nem suficiente para o diagnóstico de AR e tem um índice de positividade bem
mais baixo no começo da doença. O anti-CCP é mais especifico, mas não tão sensível quanto
gostaríamos e escapa ao alcance de pacientes do sistema único de saúde. Além disso, muitas
pacientes se queixam de inchaço articular, mas ele nem sempre é assim tão óbvio ao exame
físico, principalmente se o paciente for um pouco mais rechonchudo....
Numa tentativa de auxiliar no diagnóstico precoce construiu-se um questionário com
pontuações (conhecidos como novos critérios de classificação da AR) , que consta a seguir:

QUADRO 11.3 CRITÉRIOS CLASSIFICATÓRIOS PARA ARTRITE REUMATOIDE DE 2010 DO


COLÉGIO AMERICANO DE REUMATOLOGIA/ LIGA EUROPÉIA CONTRA O REUMATISMO
Envolvimento articular – por envolvimento entende-se edema ou sensibilidade à palpação
que podem ser confirmados por exames de imagem. Excluem-se: interfalangianas distais, 1ª
carpometacarpiana e 1ª tarso-metatarsiana.
1 articulação grande (cotovelos, ombros, joelhos, coxo-femurais e tornozelos) 0
2-10 articulações grandes (cotovelos, ombros, joelhos, coxofemurais e tornozelos) 1
1-3 articulações pequenas (com ou sem envolvimento de articulações grandes). 2
São articulações pequenas: metacarpofalangianas, interfalangianasproximais , 2ª
a 5ª metatatarsofalangianas, interfalangianas do hálux e punhos.
4-10 articulações pequenas (com ou sem envolvimento de articulações grandes)- 3
São articulações pequenas: netacarpofalangianas, interfalangianas proximais, 2ª a
5ª metatatarsofalangianas e, interfalangians do halux e punhos
> 10 articulações (com pelo menos 1 articulação pequena incluída) 5
B – Sorologia (o resultado de pelo menos um teste é necessário para a classificação)
FR negativo E anti CCP negativo (valores inferiores ou iguais ao limite fornecido 0
pelo laboratorio)
FR positivo fraco OU CCP positivo fraco (valores positivos fracos são os de até3 X 2
o limite positivo fornecido pelo laboratorio)
FR fortemente positivo OU CCP fortemente positivo (valores fortementepositivos 3
são os acima de 3 X o limite positivo fornecido pelo laboratório)
C- Reagentes de fase aguda (o resultado de pelo menos um teste é necessário para a
classificação)
Proteína C reativa E VHS normal 0
Proteina C reativa OU VHSalterado 1
D – Duração dos sintomas (auto referidos pelo paciente)
< 6 semanas 0
> ou = 6 semanas 1
SENDO A SOMA ACIMA OU IGUAIS A 6 - OS ACHADOS SÃO DE AR DEFINIDA.
154

Bem, obter uma pontuação alta é uma coisa. Decidir-se pelo tratamento, é outra. Aí é
que entra o famoso “bom senso” que fazem de um médico, um bom clínico...

PROGNÓSTICO

A doença articular que começa de maneira aguda e explosiva tende a ter uma evolução
melhor do que aquela de início insidioso. Outros fatores que influem no prognóstico são:
soropositividade, presença de nódulos reumatoide, sexo feminino e a presença do antígeno de
histocompatibilidade HLA DR B1, principalmente se o paciente for homozigoto.
O grau de disfunção de um paciente pode ser avaliado pela classificação funcional
global que está no quadro 11.4.

QUADRO 11.4 - CLASSIFICAÇÃO FUNCIONAL GLOBAL DO PACIENTE (ou índice de


Steinbroker) COM AR
Classe Estado funcional.
I Capaz de realizar todas as atividades diárias (cuidado com si mesmo, atividades de
lazer e de trabalho).
II Capaz de realizar tarefas de cuidado com si e de trabalho. Não pratica atividades
extras recreacionais.
III Cuida de si mesmo, mas não consegue trabalhar nem ter atividades recreacionais.
IV Necessita de ajuda para o cuidado próprio.

Embora se torne evidente que o maior problema da artrite reumatoide é dor e invalidez
resultante do envolvimento articular, a sobrevida de um paciente com AR é mais curta quando
comparada com a da população normal. As causas para diminuição de sobrevida são: infecções,
com-plicações sistêmicas da doença (tais como vasculites, pulmão reumatoide, sub-luxação de
coluna cervical e amiloidose), e complicações secundárias ao tratamento. Outra explicação para
a diminuição de sobrevida é a de que o processo inflamatório contínuo da AR atua como uma
fator de aterogênese acelerada, aumentado o risco de infartos do miocárdio e de doenças
vasculares isquêmicas.
Em um estudo canadense feito por MITCHELL e cols, a sobrevida de um paciente com
AR estaria diminuída em 4 anos para pacientes do sexo masculino e em 10 anos para pacientes
femininos quando comparadas com as da população normal, embora existam outros estudos
que demonstrem uma mortalidade maior para pacientes do sexo masculino. Outra publicação,
mais preocupante mostra que a mortalidade de uma AR severa (com mais do que 30 articulações
envolvidas) está associada com uma sobrevida <50% em 5 anos, sendo comparável com a de
uma doença coronariana de 3 vasos ou de um linfoma de Hodgkin estadio IV .

TRATAMENTO

A conscientização de que a AR não é uma doença benigna e que o tratamento precoce


e agressivo muda a qualidade de vida e a sobrevida dos seus portadores, tem levado muitos
reumatologistas a mudar de maneira drástica a forma de abordar estes pacientes. Aasim sendo,
o plano terapêutico deve ser desenhado de maneira a NÃO permitir persistência do processo
inflamatório.
O diagnóstico de uma doença potencialmente deformante como a AR é sempre causa
de muita preocupação para o paciente e seus familiares. O médico deve informar ao paciente
155

sobre a sua doença com intuito não só de esclarecê-lo sobre as suas possibilidades de
tratamento como, também, de fornecer e reforçar instruções de proteção às articulações e de
ajudá-lo a fazer as mudanças necessárias ao seu novo modo de vida. O suporte emocional neste
tipo de doença, dadas as suas consequências sobre o dia a dia do paciente, é fundamental. É
fácil de entender que, uma doença como esta tem um impacto sócio econômico bastante grande
sobre a vida do indivíduo e que se acompanhe de um grau razoável de ansiedade, depressão,
diminuição da auto-estima e perda da motivação. Estas alterações psíquicas ajudam não só a
prejudicar a qualidade de vida do paciente como, também, impedem uma boa colaboração do
mesmo, no que concerne ao tratamento. Nesta situação, o melhor remédio, ainda é o próprio
médico. O interesse e o apoio que um médico atencioso dispensa ao paciente são elementos
insubstituíveis. É claro que, em situações mais acentuadas, nada impede que o profissional faça
uso da farmacoterapia dirigida para a alteração psíquica verificada.
Algumas medidas gerais devem ensinadas ao paciente. É fato sabido que o repouso
melhora a dor. No entanto, são bem conhecidos os efeitos do descondicionamento físico e
deterioração de nutrição da cartilagem que o mesmo promove. O segredo está em achar um
balanceamento correto entre repouso nas fases mais agudas seguido de exercícios adequados,
assim que o paciente melhore. Estes exercícios estão destinados a manter o trofismo muscular
e a evitar deformidades pelo desuso. Ao realizar estes exercícios é importante que o paciente
aprenda a respeitar a dor como um sinal de admoestação de que o uso da articulação está sendo
indevido. Além disso, estes exercícios, assim como a execução das atividades diárias, não devem
se acompanhar de suporte de peso.
O uso de aplicação de calor local é útil para aliviar a dor em casos em que a inflamação
é moderada ou suave. Articulações muito inflamadas toleram mal o calor. Nestes casos pode-se
fazer uso de compressas frias. Só que, antes de recomendá-las, tenha certeza de que o paciente
não é portador de S. de Raynaud, nem de crioglobulinemia...
Outro ponto que merece atenção por parte do médico é a instrução dirigida para
proteção articular. Afinal da contas, todo mundo concorda que é sempre melhor prevenir que
remediar. Agora, veja bem!... Esta doença tem uma predileção toda especial pelas mãos. Além
disto, afeta mais as mulheres, muitas das quais fazem uso excessivo desta parte do corpo, ao
realizar tarefas domésticas. Assim sendo, vale a pena “perder“ um pouco de tempo e instruir
estes pacientes para que “desdobrem” os pesos a serem sustentados. Um exemplo. Ao invés de
erguer uma chaleira cheia de água, para passar o café, pode-se ensinar estas pacientes a usar
uma concha ou uma xícara para passar este café, em pequenas porções. Ao invés de puxar uma
panela cheia de batatas para fora do fogão, que tal pedir a ela que retire cada batata com auxílio
de um garfo, para depois puxar a panela?... Torcer roupas é prejudicial para o punho: vamos
usar a maquina de lavar ou pendurar roupas sem torcer...
O movimento de pinça força muito os tendões, músculos e articulações da mão, como
os usados para segurar uma faca, uma caneta, o cabo de xícaras ou agulha de crochê. Para evitá-
lo, todos os objetos devem ter cabos largos, leves e macios (de preferência, de plástico). Deve-
se recomenar o uso de xícaras com duas asinhas ou uso das duas mãos para segurá-las apoiando-
as com a palma da mão.
Agulhas de crochê, canetas e facas e colheres de pau podem receber uma espuma
enroladinha no cabo ou um involucro com durepox e assim ficarão mais largas e mais fáceis de
segurar. Facas e tesouras devem estar bem afiadas para evitar para evitar que se tenha que
fazer força ao usá-las.
Em países mais desenvolvidos existe um grande número de adaptações a serem
utilizadas por estes pacientes e que podemser compradas. Ensine seu paciente a “ surfar na
internet” e descobrir algumas que ache que podem lhe ajudar...
A lém disso, uma terapeuta ocupacional pode auxiliar na prevenção de deformidades
das mãos com uso de talas moldadas individualmente para cada paciente e para cada tipo de
deformidade como mostradas na Figura 11.12.
156

A
B

C
FIGURA 11.12- Órteses para pacientes reumáticos: (A) órtese para dedo em botoeira; (B)
anel para deformidade em pescoço de cisne; (C) órtese para desvio ulnar.
Fotos - Gentileza da terapeuta ocupacional Bruna Caires

O pescoço também merece uma atenção especial. É claro que é inadequado carregar
pesos como pacotes e sacolas, mas, se isto não pode ser evitado, o paciente deve sempre
aproximar o peso do corpo, carrregando-o abraçado. Pacientes com muita dor nesta região
podem se beneficiar do uso de um colar cervical flexível. Este deve ser usado de maneira
intermitente e não continua para evitar enfraquecimento dos músculos da região. Se houver
instabilidade cervical (luxação atlas-axis) pode-se fazer uso de um colar rígido ou de medidas
cirúrgicas, dependendo de uma análise individual do caso. Pacientes com instabilidade cervical,
ao se utilizarem de veículos motorizados, não devem fazer uso de cintos de segurança e sim de
um colar cervical, para evitar que alguma freada brusca cause movimentos indesejáveis a este
nível (tipo chicote), com consequente lesão medular. Para isso você vai ter que dar um atestado
ao paciente para que ele não seja multado pelo departamento de trânsito. Estes pacientes
devem, também, sempre fazer uso de cadeiras e sofás que permitam um adequado suporte da
cabeça. Além disto, é importante evitar a posição de curvatura anterior da cabeça, o que tende
a comprimir a medula. Por isso, travesseiros não devem ser muito altos, nem muito baixos.
Quando o paciente se deita de lado, o travesseiro deve ocupar um espaço igual ao da altura do
ombro. Se ele se deita em decúbito dorsal, o travesseiro deve apenas preencher a lordose
fisiológica desta parte da coluna.
Quando as articulações de mm ii estão envolvidas, visto que elas suportam o peso do
indivíduo, é necessário que se faça uso de medidas que ajudem a “descarrregar” este peso ou
seja, de bengalas, muletas ou até de cadeira de rodas. Infelizmente o uso deste tipo de medida
auxiliar é visto com muito preconceito pelos nossos pacientes, e são poucos os que aderem a
ele. A prescrição da bengala para um paciente com AR deve levar em conta o fato de que este
157

paciente tem muitas articulações envolvidas e que, a transferência de suporte de um local para
outro pode poupar uma articulação e prejudicar outra. Assim, o uso de uma bengala comum
embora ajude a tirar peso de articulações de membros inferiores pode prejudicar a mão e
punhos do paciente. As bengalas canadenses por terem um apoio no antebraço são melhores
nesta situação. Deve-se também reforçar que a “pega” da bengala deve ficar na altura do quadril
do paciente com o cotovelo flexionado a 15-20º. Bengalas muito altas ou muito baixas podem
ser prejudiciais a tornozelos e coluna respectivamente. Bengalas e muletas devem ser usadas
no lado contrario ao de queixas do paciente.
Pacientes com envolvimento de mm. ii. sentem-se bem ao se utilizar de cadeiras com
pernas mais altas do que o normal e que tenham um assento com uma profundidade
equivalente ao comprimento das coxas. Estas cadeiras devem ter um bom suporte para as costas
e devem estar adequadas à altura da mesa. Se forem altas demais, prejudicam as costas e o
pescoço; se muito baixas, os braços estão sujeitos a um esforço aumentado. Camas um pouco
mais elevadas, assim como toaletes mais altas do que aquelas que normalmente usamos,
também costumam ser apreciadas porque facilitam o esforço de levantar o corpo.
Uma atenção especial ao treinamento do quadríceps deve ser dispensada ao artrítico
que tenha envolvimento do joelho. Se você não puder contar com o auxílio de um fisioterapeuta,
ensine a paciente, em posição deitada, a fazer contrações isométricas deste grupo de músculos.
Ficar deitado e elevar a perna afetada até mais ou menos 35º , por tempo mais ou menos
prolongado, também ajuda a treinar o quadríceps. Pode-se sofisticar este exercício usando uma
faixa elástica que ofereça um pouco de rexistência à elevação. No caso de envolvimento de
joelhos, nunca permita que o paciente coloque uma almofada sob esta articulação, um costume
bastante comum em nosso meio. Isto tende a promover contraturas em flexão. Peça, também,
ao paciente que evite ficar ajoelhado ao realizar suas tarefas domésticas.
Um ponto a ser atendido é o uso de sapatos adequados. Lembre-se de que, quando você
usa um sapato com saltos muito altos, o seu peso tende a ser sustentado pela parte da frente
do pé, o que pode prejudicar pacientes com metatarsianos caídos ou que tenham envolvimento
artrítico deste local. Além disso, saltos muito altos causam instabilidade no tornozelo. Por outro
lado, se o sapato não tiver salto algum, o peso todo tende a cair sobre as articulações do
tornozelo. O mais prudente é, então, adotar medidas intermediárias, recomendando ao
paciente que se utilize de saltos grossos de 2,5-3 cm numa tentativa de distribuir melhor o peso.
O sapato deve ser estável, com uma sola que não permita movimento de torção e que tenha um
solado grosso o suficiente para impedir o impacto da sola do pé com o chão durante a marcha.
Deve ter um bom contraforte e uma frente bem ampla e quadrada para melhor acomodar os
dedos. É melhor ainda, se este puder dispor de um sistema de abertura anterior, com cordões
ou velcros, que permita uma regulagem do tamanho de acordo com o grau de edema que o
paciente porventura venha a ter.
Se o paciente tiver metatarsianos caídos, ele pode se beneficiar de uma palmilha com
barra anterior. Se existir deformidades da articulação do tornozelo em varus ou valgus, o uso de
palmilhas adequadas que preencham o canto do tornozelo, externo ou interno
respectivamente, também pode ser feito.
Nas paginas que se seguem existem algumas figuras mostrando maneiras certas e
erradas de suporte de peso e de postura.
158

FIGURA 11.13- Medidas de proteção articular


159

FIGURA 11.14- Medidas de proteção articular


Obs-Objetos da cozinha devem ser leves e ter cabos largos
160

Agora vamos passar ao manejo medicamentoso do paciente com AR, o qual se baseia
no uso de AINHs, analgésicos, corticoides e nas chamadas modificadoras de doença.

ANTI INFLAMATÓRIOS NÃO HORMONAIS - O primeiro passo para o tratamento é dada com o
uso destas drogas. A farmacologia das mesmas já foi estudada anteriormente e por isto não será
revista aqui. Esta medicação pode ser usada de maneira intermitente (naqueles com doença que
evolui com remissões completas) ou de maneira continuada. Qualquer dos AINHs pode ser
utilizado e, antes de se considerar que a droga é insuficiente ou inefetiva, deve se estar certo de
que o paciente está fazendo uso da mesma em dose correta e pelo tempo adequado. Todavia,
o médico que as prescreve deve estar ciente de que esta é uma forma de tratamento dirigida
apenas para a sintomatologia do paciente e que estes medicamentos são apenas coadjuvantes
no tratamento. De maneira nenhuma devem substituir o uso de drogas modificadoras de
doença.

CORTICOIDE - Estas drogas podem produzir um efeito dramático na supressão da inflamação e


dos sintomas por ela causados. Este medicamento é usado em doses baixas (5 a 10 mg/dia de
prednisona), em dose única, pela manhã e sempre acompanhada de profilaxia de osteoporose.
Esta deve ser feita, no mínimo, com uso concomitante de cálcio e vitamina D. Manifestações
sistêmicas podem requerer uso de doses mais altas.
Dados aos seus efeitos colaterais indesejáveis (riscos de infecção, osteoporose e
alterações metabólicas que favorecem doenças cardiovasculares), assim que possível estes
medicamentos devem ser retirados.
O uso de injeções intrarticulares de corticoide, feito de maneira judiciosa, pode ser
benéfico em pacientes que apresentem poucas articulações afetadas. Instilação de corticoide
em tendões e bursas também podem ser efetivas, assim como em locais de neuropatia por
compressão (tunel carpiano, por exemplo). A duração e a magnitude do benefício é variável.

DROGAS MODIFICADORAS DA DOENÇA (ou drogas remissivas) - Considera-se, atualmente, que


todo paciente que tem o diagnóstico de AR, merece o uso de uma droga modificadora de
doença. Qual delas? Esta é uma pergunta que pode ser difícil de ser respondida, porque não é
fácil “adivinhar” o grau de agressividade da doença.
Para decidir isto, o médico tem que julgar a gravidade e a atividade da doença
reumática. Em geral, são indicadores de mau prognóstico: múltiplas articulações com sinais
flogísticos, presença de nódulos subcutâneos, título alto de fator reumatoide, presença de um
FAN positivo, evidência de erosão e desgaste de cartilagem ao RX. Além disso, início da doença
em pacientes mais velhos parece correlacionar com um pior prognóstico.
Antes de prescrever, converse com o paciente e explique que estas drogas não vão tirar
a sua dor, mas sim, modificar a doença, de tal maneira que, no futuro, a articulação não vai doer.
Muitos pacientes tomam umas duas a três doses de modificadores da doença e param com o
remédio porque acham que não adiantou nada, uma vez que a dor e o edema continuam lá...
Os medicamentos usados na modificação da doença são: metotrexate, sulfassalazina,
cloroquina, azatioprina, leflunomide, medicação biológica e pequenas moléculas. Outras opções
usadas em situações de exceção são: ciclosporina, ciclofosfamida, transplante de medula óssea
etc. Para saber mais sobre estas opções de tratamento consulte o capítulo de outras drogas em
reumatologia.
O modificador de doença, considerado “padrão ouro” para a artrite reumatoide é o
metotrexate. Deve ser usado precocemente e em doses de até 20-25mg/semana ou ainda
combinado com cloroquina e/ou sulfassalazina. Existe quem sugira a instalação dos três
medicamentos modificadores já de início, com a retirada progressiva de um ou de dois deles à
medida que o paciente melhore (abordagem step-down). Outros preconizam a introdução
gradati-va de um segundo ou terceiro modificador de doença, à medida que os anteriores se
161

mostram insuficientes (abordagem step up). Existem outras formas de combinações, mas estas
são as mais usadas.
O uso da chamada terapia biológica vem revolucionando o tratamento da AR e sendo
fonte de esperança para doentes com doença grave. Agentes anti TNF-alfa (como etanercepte,
infliximabe, golimumabe, certolizumabe e adalimumabe), inibidores de coestimulação (CTLA4
ou abatacepte), anti IL-6 e anti CD-20 (rituximabe), devido ao seu alto custo, são indicados em
casos em que as terapias anteriores falharam.
O tofacitinibe è uma nova opção que pode ser usada antes ou depois da terapia
biológica.
Para maiores detalhes sobre a maneira de usar estes medicamentos, volte lá em no
capítulo de outros medicamentos em reumatologia.

QUADRO 11.5- DROGAS MODIFICADORAS DE DOENÇA EM AR


Metotrexate
Cloroquina
Sulfassalazina
Leflunomide
Biológicos Bloqueadores de necrose tumoral  Infliximabe,
Etanercepte,
Adalimumabe,
Golimumabe,
Certolizumabe
CTLA-4 ou abatacepte
Anti IL-6
Anti CD-20 ou rituximabe

Pequenas tofacitinibe
moléculas

OUTRAS RECOMENDAÇÕES - Não existem recomendações especiais quanto à dieta a ser


seguida por estes pacientes. É de bom alvitre que pacientes obesos reduzam o seu peso no
sentido de evitar dano às articulações que fazem a sustentação do corpo. Diabetes e retenção
de água e sal em pacientes que usam corticoide podem necessitar atendimento dietético
especial, mas isto em nada tem a ver com a doença básica.
Existe a observação de que a dieta rica em óleos de peixe pode ser benéfica para
pacientes em que a doença é suave. Esta recomendação se fundamenta no fato de que óleos de
peixe contém ácidos graxos que levam à formação de um substituto para o ácido aracdônico.
Estes resultariam na formação de prostaglandinas e leucotrienos com uma atividade
inflamatória menor. Existe um estudo mostrando a diminuição da necessidade de uso de AINH
em pacientes aos quais se forneceu suplementação com óleo de peixe.
Um ponto que é fundamental no manejo destes pacientes é atender os fatores de risco
para aterogênese, uma vez esta é uma das grandes causas de mortalidade nestes pacientes:
redução de peso, de níveis séricos do colesterol e triglicerideos, controle de hipertensão arterial
e a prática regular de exercícios (dentro do possível), deve ser estimulada com muita ênfase.
Abolir o uso do cigarro também é fundamental, não só pelo seu papel como fator de risco de
doenças ateroscleróticas, mas porque – como já foi visto na patogênese da AR, é fato sabido
que pacientes que fumam têm uma doença mais agressiva.
Por último atender à vacinação, incluindo-se nisto a vacina antipneumocócica, evita
infecções que são importantes causas de óbito nestes pacientes.
162

Leitura complementar 11.1- Artrite reumatoide e aterogênese


acelerada

Tem sido observado, em pacientes com AR, um número de eventos cardiovasculares


desproporcional ao restante da população. O risco de infarto do miocárdio, por exemplo, é de
até 3,1 vezes maior em mulheres com AR de 10 anos de duração do que em controles. O
aumento da prevalência de doença cardiovasculares nesta situação não é totalmente explicado
pelos clássicos fatores de risco como sedentarismo, obesidade, hipertensão, diabetes,
dislipidemia etc. Obviamente estes fatores contribuem para com o problema quando presentes.
Todavia é a persistência de um processo inflamatório sinovial generalizado que parece justificar
este aumento.
Tanto na AR quanto na placa aterosclerótica existem processos inflamatórios e
imunológicos operando. As duas situações estão associadas com aumento de reagentes de fase
aguda (como proteína C reativa, proteína sérica amiloide e fibrinogênio). Citocinas pró-
inflamatórias como a IL-1, IL-6 e TNF-alfa elaboradas pelo tecido sinovial reumatoide atuam em
tecidos distantes gerando alterações pró-ateroscleróticas como resistência à insulina, efeitos
pró-trombóticos, estresse oxidativo e disfunção endotelial. A magnitude do processo
inflamatório articular se corresponde com a magnitude das alterações ateroscleróticas
encontradas. A mortalidade vista na AR por doenças cardiovasculares guarda correlação direta
com o número de articulações inflamadas. Desta maneira, a supressão agressiva do processo
inflamatório sistêmico deve melhorar o risco de doença cardiovascular.
Alguns autores têm especulado o papel de certos medicamentos usados no tratamento
da artrite reumatoide. Os antimaláricos (cloroquina e hidroxicloroquina) têm um efeito benéfico
sobre o perfil lipídico e atuam como antiagregantes plaquetários. Já os AINHs, principalmente
os inibidores de COX-2 estão claramente associados com maior risco de eventos
cardiovasculares. Todos os AINHs elevam os níveis pressórios e prejudicam os efeitos de drogas
antihipertensivas como diuréticos, inibidores da ECA e beta-bloqueadores. Os corticoides
sabidamente aumentam a resistência à insulina, alteram o perfil lipídico e causam hipertensão.
Outras drogas associadas com hipertensão são: leflunomide e ciclosporina mas esta última
raramente é usada em AR. Por último, o metotrexate parece aumentar o nível de homocisteína
sérica (um fator de risco independente para doença cardiovascular), a qual pode ser reduzida
pelo uso concomitante de ácido fólico. Apesar disto, quando estes medicamentos
aparentemente maléficos para a aterogênese suprimem a inflamação da AR, observa-se um
ganho em termos de doença cardiovascular.
De maneira reversa, as estatinas como a atorvastatina, usadas na redução de
dislipidemias têm um efeito, embora modesto, na redução de atividade da AR.

Leitura complementar 11.2 - Síndrome de Felty

Chama-se Síndrome de Felty à tríade de AR + esplenomegalia + neutropenia. Aparece


em menos de 1% dos pacientes com artrite reumatoide. Em sua maioria são mulheres com idade
de 55 a 65 anos e com história de doença articular de longa duração.
A doença articular costuma ser grave, erosiva, com nódulos, várias manifestações extra-
articulares e perda de peso. É comum o aparecimento de úlceras de pernas associadas à
pigmentação amarronada em extremidades de membros inferiores ocasionada pelo
extravasamento de sangue associado a vasculite de pequenos vasos. Naturalmente, a
granulocitopenia desempenha um papel importante na infecção das mesmas. Infecções pela
granulocitopenia são comuns principalmente quando as contagens de neutrófilos baixam de 0,1
x109. Fatores locais alterando os mecanismos de defesa tais como neuropatias, úlceras de pele,
secura de mucosas por Sjögren associado, favorecem e determinam a localização da maioria das
163

infecções. Os germes mais encontrados são: estáfilos (principalmente S. aureus), estreptococos


e gram negativos como pseudomonas e hemofilus.
Além de um número anormal de granulócitos existe um defeito na função destas células.
Tem se notado um prejuízo nas capacidades de quimiotaxia, fagocitose e na morte intracelular
de bactérias. Os defeitos na fagocitose e morte intracelular de bactérias devem-se à fagocitose
anterior de complexos imunes pelos neutrófilos. É comum a ocorrência de hepatomegalia.
Fibrose portal, linfocitose sinusoidal e hiperplasia regenerativa nodular são encontrados. Em
20% dos casos ocorre sangramento de varizes de esôfago.
Esplenomegalia parece ser o elemento mais dispensável na tríade. O tamanho da baço
é variável e não guarda relação com o grau de granulocitopenia. A ocorrência de úlceras de
perna e das outras manifestações extra-articulares estão em correlação muito mais estreita com
a neutropenia do que com a esplenomegalia. As manifestações hematológicas constam de
granulocitopenias (relativa e absoluta) flutuantes, anemia que resulta de hiperesplenismo e da
anemia de doença crônica e plaquetopenia, que é, em geral, discreta.
O diagnóstico diferencial inclui causas de esplenomegalia em pacientes com AR como
amiloidose, concomitância de infecção por tuberculose ou HIV, linfomas, sarcoidose e cirrose
com hipertensão portal. Pacientes com Síndrome de Felty têm um risco aumentado de
desenvolvimento de linfoma não Hodgkin.
O fator reumatoide (IgM) está positivo em 98% dos casos, em títulos altos. O FAN é
positivo em 47a 100% dos pacientes.
A esplenectomia está indicada toda vez que o paciente vem sofrendo infecções
recorrentes ou sérias. Existe uma melhora dramática nas úlceras de perna e alguns autores tem
descrito melhora, também, das manifestações articulares.
O tratamento é o da AR. Em casos de leucopenia muito grave pode ser usado o GM-CSF
(fator estimulador de produção de colônias) embora existam relatos de casos isolados, em que
este medicamento piorou os sintomas artriticos. O GM-CSF é uma citocina pró inflamatória.

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164

Capítulo 12 - Lúpus Eritematoso Sistêmico

Lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença de etiologia desconhecida, na qual


células e tecidos são danificados por auto-anticorpos patogênicos e complexos antígeno-
anticorpos. Embora ambos os dois sexos possam estar afetados, esta doença atinge
predominantemente mulheres (numa proporção de 9 mulheres para 1 homem), em idade
reprodutiva. Crianças e velhos podem estar afetados mais raramente. A doença tende a ser mais
comum e mais grave em pessoas de raça negra; chineses e certos asiáticos também demonstram
uma incidência mais alta.

PATOGÊNESE

A anormalidade básica no lúpus é o aparecimento de inúmeros auto-anticorpos,


associados a uma falha na supressão de sua formação. Com isto formam-se complexos antígeno-
anticorpos, os quais se depositam em vários tipos de tecidos e respondem, pelo menos
parcialmente, pela clínica do paciente.
No quadro 12.1, existe uma lista dos principais auto-anticorpos encontrados no lúpus.
Nem todos os anticorpos encontrados no LES são patogênicos. Já outros, causam doença pela
sua especificidade antigênica, como por exemplo, os anticorpos anti-plaquetas, anti-eritrócitos,
anti-linfócitos ou os dirigidos para fatores de coagulação. Outros deles, ainda, causam doença
pela sua capacidade de fixar complemento e/ou carga elétrica. Ex: anticorpos anti-ds DNA, anti-
ss DNA e anti-RNP, (os quais encontrados seletivamente em lavados de glomérulo e em
crioprecipitados).

QUADRO 12.1 - AUTO ANTICORPOS EM LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO


ANTICORPO FREQUÊNCIA ANTÍGENO IMPORTÂNCIA CLÍNICA
FAN 95% Múltiplos teste repetidamente negativo torna o
diagnóstico improvável
Anti-DNA 70% DNA específico para LES. Associado com nefrite.
Anti-Sm 30% sn RNPs ( small nuclear específico para LES
ribonuclear protein particles)
Anti-RNP 40% proteína U1-RNP aparece em síndromes mistas. Com anti-
DNA negativo, o risco de nefrite é baixo.
Anti-Ro(SS-A) 30% proteína com 52 e 60 kDa aparece em lúpus cutâneo sub agudo; LES,
FAN negativo, LES no idoso e RN.
Anti-La (SS-B) 10% fosfoproteína de transporte RNA Associado ao anti Ro e síndrome. de
polimerase 3 Sjögren .
Anti- 70% Complexo DNA-histona Responsável pela Célula LE.
nucleossomo (Cromatina) Doença renal ( controverso)
Anti-histona 70% Histonas mais em lúpus por droga (95%) que
espontâneo
anti -P 15% proteínas ribossomais Manifestações neuropsiquiátricas, hepatite
e lesão renal.
Anti- 30% Fosfolípideos aniônicos risco de tromboses, abortos,
fosfolipideos trombocitopenia, aumento do PTT, VDRL
falso positivo
Anti eritrócito 60% anti superfície de hemácia poucos fazem hemólise
Anti-linfócitos 70% Antígeno de superfície linfócito T leucopenia e disfunção

Na patogênese do lúpus influem fatores genéticos, ambientais e hormonais. São alguns


dos principais:
165

PREDISPOSIÇÃO GENÉTICA- Esta fica clara quando se nota a alta concordância de incidência da
doença mais em gêmeos monozigóticos do que em dizigóticos. A concordância em gêmeos
homozigóticos chega a 67% . De resto, o que se vê é uma ocorrência de história familiar em 10-
12% dos casos , embora um número muito maior de parentes apresente sinais de um distúrbio
imunológico incompleto, como por ex.: fator reumatoide positivo, anticorpos anti-cardiolipina
e anti-histonas positivos, diminuição de função de célula T supressora etc...
Vários genes determinantes de HLA classe II e III aumentam o risco relativo de se adquirir
o LES tais como: HLA DR2, HLA DR3, e alelos nulos para frações do complemento (por exemplo:
C4, C2 e C1q)É interessante notar, também, que uma deficiência adquirida dos fatores de
complemento, como é o caso que se vê no edema angioneurótico hereditário (no qual a
deficiência de C1q esterase causa um consumo excessivo dos demais elementos do comple-
mento) também está associada a uma maior ocorrência de lúpus.
Como uma deficiência de complemento poderia explicar uma predisposição para lúpus?
Acredita-se que a deficiência do complemento ocasione a persistência de determinados agentes
infecciosos de tal maneira que estes causem uma estimulação imunológica prolongada. Uma
falha na remoção de restos celulares apoptóticos e complexos imunes formados é outra
explicação.
Além dos genes do HLA e dos ligados ao complemento, outros genes implicados são os
de receptores de porção Fc de imunoglobulinas, de várias interleucinas, de moléculas
sinalizadoras intracelulares etc. Calcula-se que de 4 a 8 genes são necessários para predispor
uma pessoa a desenvolver lúpus.

INFECÇÕES VIRAIS - Vários vírus têm sido implicados como possíveis agentes etiológicos, mas
nada ainda pode ser provado. Fosfolipídeos de parede celular de bactéria podem agir como
ativadores policlonais de célula B ou levar à formação de anticorpos que reagem cruzado com o
esqueleto de ribose-fosfato do DNA. Descrições de partículas semelhantes a herpes virus ou
mixovírus têm sido feitas em rim, pele e linfócitos periféricos de pacientes lúpicos e dadas como
suporte para esta hipótese. Existe, no entanto, quem acredite que tais partículas são, na
realidade produto de necrose intracelular.
Uma ideia existente valoriza os HERVs - (Human Endogenous Retro Virus) que é um
material genético de retrovírus incorporado ao genoma humano. Este material resultou de
infeções em nossos antepassados e que aumentou com o decorrer das gerações sendo
transmitido geneticamente. Os HERVs podem se tornar ativos fazendo com que uma pessoa
tenha o equivalente a uma infecção viral sem ter encontrado “pessoalmente” com o vírus. Isso
pode estimular o sistema imune como se fosse uma infecção verdadeira. É comum observar que
um paciente com lúpus frequentemente sofre surtos de agudização da doença após infecções.

PAPEL DOS HORMÔNIOS SEXUAIS - Hormônios sexuais contribuem para a patogênese do LES.
Em geral, os estrógenos aumentam e a testosterona diminui a resposta de anticorpos. Homens
e mulheres com LES têm um aumento da hidroxilação de estrógenos e estrona, o que produz
uma estimulação estrogênica prolongada. Os estrógenos estimulam células CD8, CD4 , células
B, macrófagos e aumentam a expressão de HLAs e moléculas de adesão endotelial.

FATORES AMBIENTAIS- como raios ultra-violeta, causam surtos agudos da doença,


provavelmente por alterar a antigenicidade do DNA ou a composição da junção dermo-
epidérmica.
A fotossensibilidade não é suficiente para o desenvolvimento da doença, ou seja, nem
todo mundo que é fotossensível tem lúpus. Evitar a exposição à luz ultravioleta também não
consegue eliminar a doença. Alguns subtipos de lúpus são mais fotossensíveis e estes são,
naturalmente, os com anti-Ro positivo (incluindo-se neste grupo lúpus cutâneo subagudo, o
lúpus neonatal e os com deficiência de complemento C2). A piora da doença causada pela
166

exposição à luz ultravioleta não se limita ao aparecimento ou piora das lesões de pele na área
exposta, mas, também, se vê ativação da doença sistêmica.
Exposição a certas drogas (hidralazina, procainamida, clorpromazina e vários anticon-
vulsivantes) está claramente associada à ocorrência de uma doença similar ao LES e estas drogas
parecem funcionar como haptenos, levando à formação de anticorpos. Uso de tabaco e inalação
de sílica também atuam como elementos predisponentes à doença.
Curiosamente o consumo de brotos de alfafa, com alto teor do aminoácido L-cana-
vanina, o qual pode influir na imunorregulação, tem sido reconhecido como um fator associado
à ocorrência de LES.

DESREGULAÇÃO DA APOPTOSE CELULAR. A apoptose celular é uma forma fisiológica de morte


celular, distinta daquela acidental ou da necrose. É a maneira as células que são indesejáveis
para a manutenção da tolerância imunológica são eliminadas. Existem genes que controlam a
apoptose celular como o gene Bcl -2, que a antagoniza e o gene Fas que a promove. Expressão
anormal nestes genes tem sido encontrada em pessoas com lúpus e com doenças lúpus-like,
embora o seu papel etiopatogenético esteja por ser estabelecido. Uma apoptose exagerada,
com dificuldade na remoção e eliminação de restos apoptóticos, permitiria contacto de
antígenos intra-celulares com o sistema imune.

PAPEL DA NETOSE - Tem sido observado que, em certas circunstâncias, os neutrófilos, ao


defenderem o organismo contra agentes microbianos formam redes (nets) para apreendê-los.
Esta rede é formada à custa de cromatina e é revestida por enzimas lisossômicas... Desta
maneira, o material genético da célula é exposto ao meio externo e pode se tornar antigênico.

ALTERAÇÕES EPIGENÉTICAS - Alterações epigenéticas têm sido identificadas em pacientes com


lúpus. Chama-se uma alteração de epigenética aquela que aparece no cromossoma depois que
o material genético é fabricado e que interferem com a ordem dada pelo mesmo. O silêncio de
genes que deveriam estar funcionando ou a atuação de genes que deveriam estar inibidos pode
alterar o funcionamento do sistema imune e predispor à autoimunidade.

Sejam quais forem os elementos causais, o resultado final é a hiperatividade de célula


B, acompanhada de desordens na imunorregulação. A função de células T helper está
aumentada e a capacidade das células T supressoras diminuírem a síntese de anti DNA está
anormal. Citotoxicidade direta ou mediada por anticorpo também está anormal. A habilidade
das células T produzirem IL- 2 está suprimida e vários interferons anormais são produzidos.
Os complexos imunes formados são removidos mais lentamente que o normal e isto se
correlaciona com as deficiências herdadas ou adquiridas do complemento e com deficiência de
receptores do complemento das superfícies das células.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

As manifestações clínicas da doença são proteiformes. Dependem do tipo de anticorpo


presente, dos órgãos, células ou produtos de células atingidos e da capacidade do organismo
corrigir estes defeitos. O paciente pode se apresentar ou com queixas referentes a um único
sistema (com manifestações adicionais aparecendo mais tarde) ou a doença pode ser
multissistêmica já no início. A gravidade também é variável, podendo ser leve, intermitente ou
severa, até fatal. A maioria dos pacientes apresenta surtos de exacerbação intercalados com
períodos de relativa quiescência. É interessante notar que, num dado paciente, o mesmo tipo
de sintomas presente, tende a recorrer nos diferentes surtos que ele porventura venha a ter
Manifestações gerais tais como fadiga, mal-estar, febre, anorexia e perda de peso,
náuseas etc, podem ser proeminentes e embora alterem a qualidade de vida do paciente são
167

totalmente inespecíficos e não ajudam a fazer este diagnóstico. Em 60% dos casos de
apresentação da doença existem queixas articulares; 20% têm queixas de pele.
Na criança, a doença debuta com um número maior de casos de envolvimento renal,
Coombs positivo, hipocomplementemia e trombocitopenia. Nelas, as queixas articulares e as de
sistema nervoso central são mais raras. No velho, a doença tende a ter um início mais vago que
lembra, às vezes, a polimialgia reumática ou artrite reumatoide. Nesta idade as manifestações
neuropsiquiátricas, fotossensibilidade, úlceras, lesões discoides e Raynaud são as mais comuns.

MANIFESTAÇÕES DO APARELHO LOCOMOTOR - Quase todos os pacientes lúpicos têm artralgias


e mialgias e uma grande parte deles desenvolve artrite. A dor costuma estar fora de proporção
com os achados físicos e este é um elemento que pode levar o paciente a ser rotulado como
portador de distúrbios psicogênicos. O padrão de envolvimento articular é recorrente,
frequentemente evanescente e não costuma trazer deformidades, a não ser em alguns casos
raros quando toma o padrão de um reumatismo de JACCOUD. (OBS: Chama-se reumatismo de
Jaccoud a aquele que causa deformidades quando a doença normalmente não é deformante.
Neste caso, pacientes de lúpus podem ter as mesmas deformidades que as da AR, mas nunca
fazem erosões). Todas as articulações podem estar envolvidas mas é a mão que está acometida
com uma alta prevalência. O paciente se queixa de rigidez matinal (semelhante à artrite
reumatoide), edema e dor em interfalangianas proximais e metacarpofalangianas. Edema difuso
de toda a mão pode ocorrer, principalmente ao se levantar, persistindo por algumas horas. No
quadro 12.2, encontram-se dados para o diagnóstico diferencial entre o envolvimento da mão
em um paciente com AR e com LES.

QUADRO 12.2 QUADRO COMPARATIVO DA ARTRITE DO LÚPUS E DA AR


LES AR
Fenômeno de Raynaud 30% 10%
Dor discreta intensa
Sinovite recorrente rara (evanescente) comum
Deformidade articular por perda de tecido de Por perda tecido de suporte e
suporte destruição da superfície articular
Desvio ulnar reversível irreversível
Punho função normal subluxado
Erosões ao RX sem comum

O líquido sinovial dos pacientes com artrite lúpica é do tipo inflamatório com glicose
normal; o FAN pode ser positivo em baixos títulos. Existem casos de coexistência de artrite
reumatoide e lúpus, numa forma mista de doença. Esta é denominada de rupus.
Tendinites, inclusive com casos de ruptura de tendão têm sido descritos, sendo estes
últimos mais comuns em pacientes tratados com corticoide.
Nódulos subcutâneos têm sido vistos nas proximidades de articulações das mãos e em
superfície extensora do antebraço. A histologia é diferente da do nódulo reumatoide e sempre
que presente deve-se fazer diagnóstico diferencial com paniculite ou lúpus profundus.
Necrose óssea com clínica ocorre em 4 a 11% dos lúpicos; a maior parte associada à
corticoterapia. Os locais mais afetados são plateau tibial, cabeça de fêmur e de úmero. Necroses
assintomáticas parecem ser bem mais comuns do que isto.
Outros achados, bem mais raros, incluem a ocorrência de condrite envolvendo
cartilagens do nariz e dos pavilhões auriculares, e calcinose.
Para o lado dos músculos, a queixa mais comum é de mialgia que aparece em 40 a 50% dos
casos. A miosite acontece mais raramente, em 5 a 11% dos casos e comporta-se como uma
miosite clássica, semelhante à vista em casos de polimiosite. Tem preferência pela musculatura
proximal, promove aumento de enzimas, alterações eletromiográficas etc. Não se deve
esquecer que estes pacientes recebem frequentemente corticoide e antimaláricos os quais
168

podem ser causa de miopatia. Mialgias com EMG e CPK normais respondem bem ao uso de
AINH. Já a miosite requer o uso de corticoide em altas doses (pelo menos 1 mg/Kg/dia de
prednisona ou equivalente).

MANIFESTAÇÕES DERMATOLÓGICAS - Muitos tipos de lesões cutâneas podem aparecer no


lúpus. As lesões cutâneas no lúpus podem ser divididas em especificas e não especificas.
Dentre as especificas temos o lúpus agudo com rash em borboleta, o lúpus subagudo e o lúpus
discoide. Estas lesões ajudam a fazer o diagnóstico da doença. As lesões não específicas sugerem
uma vasculite subjacente. Não ajudam a fazer o diagnóstico, mas mostram que a doença está
ativa.
O rash em borboleta é o achado manifestação cutânea aguda mais comum. São lesões
eritematosas e edematosas sobre o dorso do nariz e bochechas com tendência para poupar o
sulco nasolabial. Estas lesões se exacerbam com exposição ao sol ou à luz artificial ultravioleta,
nervosismo e ingestão de álcool. Acompanham os surtos de agudização da doença. Curam sem
cicatriz ou defeito de pigmentação.

FIGURA 12.1- Pacientes com lesão aguda do LES (rash em borboleta)

O lúpus cutâneo subagudo (SCLE) pode ocorrer em associação com LES clássico e está
associado coma presença dos anticorpos anti-Ro (SS-A) e anti-La (SS-B). Existe, também, uma
associação desta forma da doença com HLA DR3 e HLA B8 e com deficiência de complemento
(no caso, C2). As lesões cutâneas são extensas, simétricas, não deixam cicatriz e são altamente
169

fotossensíveis envolvendo predominantemente pele de tronco superior, parte superior dos


braços e ombros. São menos comuns na face e couro cabeludo. Existem 2 tipos morfológicos de
lúpus cutâneo subagudo: um pápulo escamoso (psoriasiforme) e um anular. As lesões anulares
envolvem grandes superfícies e podem se reunir formando lesões policíclicas.
Os pacientes com lúpus cutâneo subagudo parecem se situar, muitas vezes, em um
espectro intermediário. Estão entre aquela forma que envolve exclusivamente a pele e a forma
sistêmica. No lúpus cutâneo subagudo, quando existem sintomas sistêmicos, estes são suaves
assumindo a forma de artralgias, febre e mialgias. As chances de desenvolvimento de doença
mais séria com lesão renal ou de sistema nervoso central são poucas.

FIGURA 12.2- Lesões cutâneas circinadas de lúpus cutâneo subagudo (anti Ro positivo)

As lesões do lúpus eritematoso discoide (LED) começam como placas eritematosas


cobertas por uma escama aderente e ocorrem mais em couro cabeludo, face, orelha e pescoço.
Na fase inicial as lesões são mais edematosas e eritematosas. Os folículos pilosos podem estar
170

envolvidos. Hiperpigmentação, às vezes, está presente, mas com o decorrer do tempo é mais
comum aparecer despigmentação central e atrofia. Cicatrizes deprimidas, teleangiectasias e
despigmentação permanente podem trazer problemas sérios do ponto de vista cosmético.

A B

C D

E F
FIGURA 12.3- Lesões de lúpus discoide ativas (A) , (B) e (D); cicatriciais (C), (E) e (F).
171

Casos de carcinomas epidermoides que se assentam sobre as cicatrizes de lesões


crônicas de lúpus discoide têm sido encontrados. A maioria dos pacientes com lesões discoides
tem doença limitada à pele, mas, mesmo nestes pacientes, algumas alterações imunológicas
podem estar presentes, tais como, FAN positivo em baixo título, leucopenia, ou teste falso
positivo para sífilis. Por outro lado, 10 a 15% dos pacientes com lúpus sistêmico, têm lúpus
discoide quando a doença debuta e, outros 25% desenvolverão este tipo de lesão de pele
durante algum tempo de sua doença. Pacientes com lúpus eritematoso sistêmico e lesões dis-
coides tendem a ter uma menor incidência de complicações graves, tais como glomerulonefrite.
Indivíduos que iniciam com lesões discoides podem vir, no futuro, desenvolver a doença
sistêmica. Quando as lesões de lúpus discoide são disseminadas (e por disseminadas entende-
se aquelas que aparecem abaixo da linha do pescoço) as chances de a doença se tornar sistêmica
aumenta.
No quadro 12.3 as características morfológicas de uma lesão discoide.

QUADRO 12.3 - CARACTERÍSTICAS DAS LESÕES CUTÂNEAS NO LED


1. eritema persistente localizado
2. escamas aderentes
3. formação de rolhas de queratina em folículos pilosos
4. telangiectasia
5. atrofia

Por causa da possibilidade de um paciente de lúpus discoide ser portador de uma


doença só de pele, que é relativamente benigna, ou de ter uma doença sistêmica com um
potencial muito maior para complicações, é fundamental fazer esta diferenciação de maneira
adequada. Esta oferece dificuldades porque um paciente com esta lesão pode ser tanto um
portador de lúpus discoide isolado, quanto um lúpus sistêmico que ainda não se manifestou
completamente. Como já vimos anteriormente, estas lesões de pele podem ser a forma de
apresentação da doença sistêmica. A chance de um paciente que se apresenta com lesões
discoides isoladas vir a desenvolver doença sistêmica diminui significantemente à medida que o
tempo passa na ausência de sintomas sistêmicos, embora se tenham descrito casos isolados de
progressão de lúpus discoide para sistêmico em até 15 anos após o aparecimento do primeiro.

Quando a disseminação da doença ocorre, ela se faz presente, em geral, dentro dos 2 a 3
primeiros anos após o aparecimento das lesões discoides.

O estudo de biópsias cutâneas auxilia a diferenciar se um lúpus discoide pertence ou


não a um quadro sistêmico, através do chamado lúpus band test, ou seja, através do estudo por
imunofluorescência dos depósitos de complexos imunes em membrana basal da junção dermo-
epidérmica. Um paciente com lúpus discoide puro não tem imunofluorescência positiva para
IgG. M e frações do complemento na junção dermo-epidérmica de um local que não tenha
lesões de pele visíveis e esteja protegida do sol, ao passo que, na pele sadia de um paciente com
lúpus sistêmico, depósitos de IgG e frações do complemento pode ser encontrado. Algumas
generalizações são úteis no auxílio da diferenciação entre estes dois espectros da doença. Estas
estão resumidas no quadro 12.4.
172

QUADRO 12. 4 - DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ENTRE LED E LES


LED LES
Relação entre sexos 2 mulheres/1homem 9 mulheres/1 homem
Lesões de pele tipo placa c/cicatriz, atrofia e lesões palmares, eritema periungueal,
despigmentação. Sem outras vasculites, úlceras de boca. Lesões
lesões discoides em 15%
Lúpus band test negativo em pele não envolvida Positivo para IgG,M e frações de
complemento em pele não envolvida
FAN. Negativo ou+ em baixo título positivo em título alto
Anti DNA as vezes + para anti ss DNA frequentemente + para anti dsDNA
Sintomas sistêmicos Raros comuns

Existem algumas variantes das lesões especificas que são:

1. -paniculite do lúpus eritematoso (lúpus profundus) que aparecem como lesões nodulares
bem definidas subcutâneas que, ao curar, deixam uma área deprimida central;
2. - lesões bolhosas que aparecem quando o processo inflamatório agudo é muito importante.
Estão associadas com aparecimento de lesão renal.
3. – perniose lúpica que aparece como placas infiltradas que se agravam com exposição ao frio.
(Obs- não confunda perniose lupica com lúpus pérnio que é uma lesãode pele caracteristica
de sarcoidose e não de lúpus).
4.

A B
FIGURA 12.4 – Lúpus eritematosos sistêmico- lesões bolhosas (A) e paniculite lupica (B).

Além das lesões específicas, outros achados são possíveis em pele de um paciente com
doença sistêmica. Lesões agudas como pápulas avermelhadas simulando alergias são comuns.
Lesões vasculíticas podem aparecer sob a forma de púrpura palpável, hemorragias em estilhaço
subungueais, lesões vasculíticas nos bordos ungueais, dilatação de capilares e eritema na base
das unhas, urticárias, etc.
173

A B

C D

E F
FIGURA 12.5- Lesões inespecíficas do Lúpus: (A) rash máculo-papular agudo, (B) lesões de
vasculite tipo púrpura palpavel, (C) e (D) Vasculites de cantos de unhas e nodular ( 2º dedo
em C). Fazer diferencial com endocardite bacteriana. (E) Vasculite de dedos; (F)- Urticária-
vasculite.

Outras formas de manifestações de pele incluem lesões purpúricas por


trombocitopenia, edema periorbitário , fenômenode Raynaud e deformidades ungueais como
estriações tranversais e pitting. Livedo reticularis pode ser visto em pacientes com doença
mínima ou em associação com vasculite; esta forma de alteração de pele parece estar
relacionada com a presença da síndrome do anticorpo antifosfolipide associada. Úlceras de
mucosas podem aparecer e são mais comuns em palato e língua. Não raramente afetam o septo
nasal podendo perfurá-lo. Vão de pequenos pontos avermelhados assintomáticos até úlceras
174

grandes, profundas e dolorosas. Estas úlceras aparecem e se fecham com grande rapidez à
medida que a doença é controlada, mas tendem a recorrer em futuros surtos de agudização em
pacientes nos quais estiveram presentes no surto inicial.

B
A

D
C
FIGURA 12.6- A e C- Livedo reticular; B e D- Lesões de mucosas em paciente com lupus

Alopecia pode aparecer de maneira difusa ou em placas.


A alopecia difusa é a mais comum e pode ser o primeiro sinal de que uma reagudização
da doença está a caminho. Alopecia em placas é mais rara e pode, ou não, ter um rash discoide
no fundo da lesão. O cabelo costuma crescer novamente quando a doença é controlada, a
menos que existam lesões de lúpus discoide subjacente- quando a alopecia será irreversível.

FIGURA 12.7 Alopecia em placas com lesões discodies subjacentes.


175

FIGURA 12.8- Alopecia difusa e em placa (esta última com lúpus discoide).

MANIFESTAÇÕES CARDIOVASCULARES - Dor precordial em um paciente com lúpus pode ter


múltiplas causas que não são cardíacas; costocondrite, refluxo e/ou espasmo esofagiano,
pleurite e pneumonite. Logicamente, também pode existir doença coronariana.
Doença coronariana em paciente lúpico pode ser ocasionada por uma arterite das
artérias coronárias, mas, na grande maioria das vezes, é um reflexo de doença arteriosclerótica
precoce, a qual é vista principalmente em pessoas com hipertensão e síndrome nefrótica (nas
quais existe hipercolesterolemia), tratadas com corticoide por pelo menos um ano para a
doença básica. Este último é um agente trombogênico e que favorece a dislipidemia.
Pericardite é comum, podendo ser a forma de apresentação da doença. É facilmente
diagnosticada pelo ecocardiograma. Achados de necropsia sugestivos deste envolvimento em
paciente que nunca teve clínica in vivo não são raros. As pericardites costumam ser de leves a
moderadas e geralmente respondem bem ao tratamento com AINHs ou corticoide. São raros os
casos de tamponamento.
Miocardite é causada por uma vasculite difusa de pequenos ramos das artérias
coronarianas com inflamação intersticial, degeneração de fibras e fibrose. A maioria destes
pacientes tem pequenos graus de disfunção miocárdica. Em alguns casos o paciente pode
apresentar-se com insuficiência cardíaca com alto débito. O anti-Ro está ligado ao lúpus
neonatal e bloqueio átrio-ventricular. Este anticorpo atravessa a barreira placentária e causa
bloqueio cardíaco congênito no recém-nascido.
A ocorrência de arritmias isoladas é rara, mas a taquicardia sinusal sem uma causa
subjacente identificável pode aparecer.
Envolvimento valvular no lúpus é relativamente frequente. Pode ser clinicamente
silente ou hemodinamicamente importante a ponto de exigir troca valvular. Este tipo de lesão
pode ser secundário à um espessamento com disfunção valvular ou à endocardite de Liebmann-
Sacks. A endocardite de Liebmann-Sacks é uma forma de endocardite verrucosa, na qual se
formam lesões ovoides de 1 a 4 mm de diâmetro, resultantes de áreas de proliferação e
degeneração de tecido valvular e trombos de plaquetas e fibrina. Está associada com a presença
de síndrome do anticorpo antifosfolipide associada. A válvula mitral é o alvo preferido de ambos
os tipos de lesões.
176

MANIFESTAÇÕES PLEUROPULMONARES - Pleurite e/ou derrames pleurais acontecem em mais


da metade dos pacientes. Pode preceder as outras manifestações do lúpus por muitos anos.
Também aparece em casos de lúpus induzido por drogas.
Infiltrado pulmonar em paciente com lúpus tem na pneumonia bacteriana a sua causa
mais comum. (Não se deve esquecer que estes indivíduos são imunológicamente deprimidos,
seja pela doença, seja pelo tratamento). A pneumonite lúpica é rara. Pneumonite lúpica,
pneumonite difusa, pneumonite linfocítica intersticial são formas de doença mediada por
imuno-complexos envolvendo o parênquima. Na ausência de fibrose proeminente estas formas
de apresentação respondem a corticoide.
Embolia pulmonar e consequente hipertensão pulmonar secundária a trombos são
achados de pacientes com anticorpo antifosfolípide. A hipertensão pulmonar pode aparecer,
também, na ausência de alterações na pleura e de parênquima, mas isto é mais raro, porém, de
mau prognóstico.
Outro achado relativamente raro é a hemorragia pulmonar que aparece em mulheres
jovens por doença mediada por complexo imune. A hemorragia é no alvéolo. Manifesta-se como
infiltrados pulmonares e anemia de início recente. Aqui o corticoide em altas doses pode salvar
o paciente. Atelectasias recorrentes de bases têm sido atribuídas à neuropatia do frênico
causando disfunção diafragmática .

ENVOLVIMENTO VASCULAR - Raynaud é um achado frequente, não específico e que pode


preceder por anos os outros achados de lúpus. O tratamento é semelhante ao do Raynaud
idiopático.
Pacientes com vasculite ativa podem desenvolver ulcerações, gangrena digital, infarto
cutâneo ou lúpus profundus. Úlceras de pele ocorrem perto dos maléolos e podem ser grandes.
Gangrenas de extremidades aparecem com pulsos adjacentes normais, o que demonstra um
envolvimento predominante de pequenos vasos. Gangrena pode aparecer após pequenas
cirurgias em membros.

A B C
FIGURA 12.9- A e B- Raynaud; C -Úlcera de perna com características de pioderma
gangrenoso.

MANIFESTAÇÕES DE SNC - Estas manifestações são extremamente comuns embora nem


sempre adequadamente valorizadas. Muitos distúrbios cognitivos e alterações de humor
passam despercebidos ou são atribuído ao estresse causado pela doença.
Vasculopatias podem promover microinfartos e estão relacionada com a presença do
anticorpo antifosfolípide que, por ser trombogênico, promove múltiplas embolias.
177

A coreia e o balismo são raros. A coreia tem sido descrita em pacientes grávidas ou
precipitada pelo uso de anticoncepcionais orais e parece não guardar relação com a atividade
da doença. Sua presença tem sido associada, também, à dos anticorpos antifosfolipideos.
Cefaleia pode aparecer isoladamente, isto é, sem associação com outras manifestações
do S.N.C. e responde a aumento na dose do corticoide. Cefaleia é, no entanto, um achado muito
inespecífico. Deve-se desconfiar de que existe uma causa orgânica para a mesma, quando o
paciente apresenta, junto, convulsões, alterações de personalidade, ou quando aparece em
alguém que não tinha previamente este sintoma.
Neurite periférica pode aparecer como neuropatia isolada ou múltipla. Envolvimento de
nervos cranianos é comumente transitórios e respondem a corticoide.
Convulsões podem preceder o quadro completo do lúpus. São tratadas com corticoides
e anticonvulsivantes.
Depressão, psicoses incluindo uma síndrome esquizofrenia-like são frequentes.
Aparentemente são as manifestações de SNC mais comuns em pacientes lúpicos podendo
aparecer anos antes das outras manifestações desta doença. Estados psicóticos podem se dever
tanto à doença como ao uso do corticoide e não existe correlação entre o grau de alteração
psiquiátrica observada e a dose do corticoide. Nestes pacientes é importante observar, também,
se eles não estão fazendo uso de qualquer outra droga que possa ter efeito psicoativo, como é
o caso dos -bloqueadores, cimetidine, digoxina, AINHs , tranquilizantes ou antidepressivos.
Obviamente, muitas das manifestações psiquiátricas podem resultar de depressão ou
ansiedade em quem tem uma doença crônica grave, o que é perfeitamente compreensível.
Em um paciente com manifestações do sistema nervoso central, a punção lombar é
mandatória para se excluir uma infecção associada. O líquor de pacientes com lúpus pode
apresentar pleocitose, e proteínas aumentadas. A glicose é normal. Estudos sorológicos e de
complemento têm pouco valor no diagnóstico. Tomografia computadorizada parece ter pouco
valor sendo positiva em pacientes com sinais neurológicos focais, e praticamente sem validade
nos casos de envolvimento difuso. Não se deve esquecer que a maioria dos pacientes tratados
com corticoide apresenta atrofia cerebral. Existe a associaçãode fenômenos psicóticos com os
anticorpos anti P ribossomal - (P=psicose) cujos títulos parecem flutuar de acordo com os
achados neuropsiquiátricos.

MANIFESTAÇÕES OCULARES – Conjuntivite e episclerite podem aparecer, mas não têm maior
significado clínico. Corpúsculos citoides e infiltrados brancos aparecem nos pacientes
agudamente doentes, podendo estar associados com vasculite retiniana e com a presença do
anticorpo anticardiolipina. Isto explica porque é raro o achado de alterações retinianas em
pacientes ambulatoriais. Corpúsculos citoides são resultado do dano endotelial aos capilares
com aumento de permeabilidade que permite o escape de plasma e hemácias para dentro das
fibras nervosas.

MANIFESTAÇÕES GASTRINTESTINAIS- Sintomas gastrintestinais são comuns. Os mesmo


podem, no entanto, ter causas secundárias como stress e drogas, e estas possibilidades devem
ser afastadas.
Disfagia pode estar presente principalmente em pacientes com síndrome de Raynaud.
Anorexia, náuseas e vômitos ou diarréia ocorrem em 1/3 dos pacientes quando a doença está
ativa. Deve-se, nesta situação, afastar a concomitância de uma doença inflamatória do intestino,
infecção ou efeitos colaterais de drogas. Ascite é a mais rara das serosites. Sua presença deve
levar à investigação de cirrose associada, síndrome nefrótica e insuficiência cardíaca congestiva.
Pancreatite é rara, mas pode ser séria. Está associada à vasculite pancreática, em casos de
doença florida. Elevação da amilase pode aparecer sem envolvimento clínico. Corticoide é
tratamento de escolha, mas não se deve esquecer que ele próprio pode ser causa de
pancreatite, assim como a azatioprina e os diuréticos tiazídicos. Paciente com lúpus e com dor
abdominal pode ter isquemia mesentérica em seu diagnóstico diferencial. É uma situação rara,
178

porém muito grave e frequentemente fatal. O tratamento é com corticoide e


imunossupressores. Má absorção aparece raramente.
Hepatomegalia ocorre em até 1/3 dos pacientes. Icterícia pode resultar de anemia
hemolítica, hepatite ou pancreatite. Não é raro que os pacientes têm enzimas hepáticas
elevadas; este aumento raramente ultrapassa 4 vezes o normal. Síndrome de Budd-Chiari
(trombose de vasos supra-hepáticos) tem sido descrita em associação à presença do anticorpo
antifosfolípide.

ALTERAÇÕES HEMATOLÓGICAS - Linfadenomegalia é frequente. Os nódulos são discretos, não


sensíveis. Ocasionalmente pode ocorrer aumento maciço dos linfonodos a ponto de lembrar
linfoma, e, isto é mais comum em pessoas negras e em crianças.
Esplenomegalia também é comum e o aspecto anátomo patológico das arteríolas do
baço, em casca de cebola, é característico da doença. Do ponto de vista funcional, estes
pacientes se comportam como portadores de hipoesplenismo.
Anemia aparece na metade dos pacientes. É secundária a anemia de doença crônica,
deficiência de ferro, uremia e presença de inibidores de eritropoietina. A anemia do tipo
hemolítico - que se constitui num dos critérios diagnósticos da doença, pode ser a sua forma de
apresentação. A maioria destes pacientes tem anticorpos IgG recobrindo as hemácias, que dão
teste de Coombs positivo. Transfusões devem ser cuidadosas neste caso.
Leucopenia é comum e indica doença ativa, efeito de drogas e depressão de medula
óssea. Atividade quimiotática e de fagocitose diminuídas são encontradas em granulócitos.
Linfopenia se deve, em geral, à presença de anticorpos linfocitotóxicos.
Plaquetopenia é outra manifestação hematológica do lúpus e pode causar
sangramentos. Pode preceder o restante das manifestações lúpicas por muitos anos. Alguns
pacientes com púrpura trombocitopênica idiopática têm FAN positivo e parte deles têm ou virão
a desenvovler lúpus. O tratamento é feito com corticoterapia em altas doses e, para os casos
mais rebeldes, imunossupressão e/ou esplenectomia. A trombocitopenia também se
correlaciona com a presença de anticorpos antifosfolípides.

MANIFESTAÇÕES RENAIS - Alterações renais ocorrem praticamente em todos os pacientes


embora isto nem sempre tenha tradução clínica. As chances de que um indivíduo desenvolva
lesão renal diminui à medida que avança a idade de aparecimento do lúpus.
Chama-se sedimento telescopado ao sedimento sugestivo de lúpus no qual se tem uma
grande variedade de achados: hemácias, todos os tipos de cilindros, leucócitos, corpúsculos
ovais de gordura, etc...
A presença do anticorpo anti ds-DNA se correlaciona com um risco maior de se
desenvolver esta forma de envolvimento. Pacientes com síndrome nefrótica e anticorpos
antifosfolípideos têm um risco maior de desenvolver trombose de veia renal. O envolvimento
renal do lúpus é primariamente glomerular, embora interstício e túbulo também podem ser
afetados.
Um número de diferentes padrões tem sido descritos e classificados pela ISN/RPS . (Veja
quadro 12.5). Estes diferentes padrões estão associados com graus diferentes de anormalidades
clínicas e laboratoriais.

QUADRO 12.5- CLASSIFICAÇÃO DA ISN/RPS PARA GLOMERULONEFRITE LÚPICA


I - mesangial mínima
II - mesangial proliferativa
III – glomerulonefrite proliderativa focal
IV - glomerulonefrite proliferativa difusa
V - glomerulonefrite membranosa
VI- esclerose global
179

Na classe 1 ou forma mesangial mínima não existem alterações patológicas à


microscopia otica mas depósitos de complexo imune aparecem na microscopia eletrônica e
estudos com imunofluorescência.
Na classe 2 ou forma mesangial proliferativa vê-se hipercelularidade confinada ao
mesângio, sem nenhuma alteração na parede dos capilares. É uma manifestação de muito bom
prognóstico. O paciente pode apresentar-se com proteinúria leve ou hematúria microscópica.
um achado de parcial de urina.
Na classe 3 ou forma de glomerulonefrite focal menos de 50% dos glomérulos está
afetada. Os complexos imunes depositam-se abaixo do endotélio. Este tipo se caracteriza por
lesões ativas necrotizantes, lesões escleróticas ou uma combinação de ambos. Proteinúria,
hematúria, hipocomplementemia, alterações leves ou sem alterações de função renal.
Na classe 4 ou nefrite proliferativa difusa mostra depósitos de complexos imunes
subendoteliais em mais do que 50% dos glomérulos. O envolvimento renal é grave ; crescentes
podem ser encontrados. Hipertensão, hematúria, proteinúria e insuficiência renal aparecem.
A classe 5 ou nefrite membranosa é associada com espessamento de membrana
glomerular basal. Existem depósitos de complexos imunes subepiteliais. Apresenta-se
clinicamente como uma síndrome nefrótica com função renal boa ou com uma tendência lenta
para a deterioração. Trombose da artéria renal não é uma complicação rara, encontrada nesta
forma, principalmente se o paciente tiver níveis muito baixos de albumina causados pela
síndrome nefrótica.
Denomina-se classe 6 ou esclerose avançada aquela em que os glomérulos estão
globalmente esclerosados e o paciente está em insuficiência renal.
As formas 3 e 4 podem ser subdivididas em A- com lesões puramente ativas; C- com
lesões puramente crônicas e A/C com lesões agudas e crônicas. Também podem ser classificadas
em S ou segmentar quando cada glomérulo envolvido tem lesão em menos de 50% e G ou global
quando cada glomérulo envolvido está lesado em mais de 50% de sua estrutura.
Nenhuma combinação de testes ou achados clínicos é segura para predizer a presença
ou ausência de certo tipo de lesão renal, sendo necessária a biópsia renal. Além disto, estas
classes de lesão renal não são entidades patológicas distintas e devem ser consideradas como
diferentes estágios de um único processo patológico. Um mesmo paciente pode apresentar
padrões diferentes de glomérulo para glomérulo.
Pacientes com lúpus e que desenvolvem insuficiência renal, evoluem bem ao serem
submetidos a transplante de rim embora a doença possa vir a recorrer no órgão transplantado.

ACHADOS LABORATORIAIS

HEMOGRAMA - Anemia normocrômica e normocítica, de doença crônica é comum em lúpus


ativo. Anemia hemolítica que, às vezes, é Coombs positiva, pode aparecer. O teste de Coombs
pode ser positivo mesmo na ausência de um quadro completo de anemia. Leucopenia, mais
frequentemente linfopenia, é regra na doença ativa. Leucocitose pode significar infecção
associada ou uso de corticoide. Trombocitopenia é outro achado de doença ativa.

PROVAS DE ATIVIDADE INFLAMATÓRIA - A VHS é um guia pobre para a atividade do lúpus, uma
vez que pode persistir alta por anos ou meses em pacientes com doença quiescente. Mesmo
assim, é melhor que a proteina C. reativa.

FATOR ANTINUCLEAR- É o teste padrão para triagem em lúpus. Quase todos os pacientes
lúpicos têm FAN positivo. O problema é que estes auto-anticorpos também são encontrados em
uma grande variedade de outras situações incluindo idade avançada, uso de certas drogas,
infecções como lepra lepromatosa ou endocardite bacteriana, artrite reumatoide e outras
180

doenças auto-imunes, hepatite crônica ativa e cirrose biliar primária. Como os testes mais
modernos são muito sensíveis, estes achados estão sendo bem frequentes e trazem muitos
problemas para a sua interpretação. Um teste positivo isolado, sem contexto clínico, não tem
valor. Na realidade um teste repetidamente negativo é muito mais útil, porque praticamente
afasta o diagnóstico de LES.

ANTI DNA - Anticorpos contra ds-DNA são quase únicos de pacientes com lúpus, o que não
acontece com os ss-DNA que são encontrados em uma grande variedade de doenças
reumáticas. Como já foi mencionado anteriormente, existe uma correlação entre o achado deste
anticorpo e a presença de lesão renal.

ANTICORPOS CONTRA ENA (extractable nuclear antigens)- Sob este título estão vários
autoanticorpos como anti RNP, anti-Sm, anti-Ro (SS-A), anti-La (SS-B). Salvo o anticorpo anti-Sm
que é altamente específico para a doença, os outros não são exclusividade do lúpus.
Anticorpos anti-RNP são vistos em pacientes com vasculite urticariforme
hipocomplementêmica, em paciente com lúpus e hipertensão pulmonar e parecem
correlacionar de maneira negativa com doença renal significante.
O anticorpo anti-Ro é visto em pacientes com Síndrome de Sjögren, em pacientes com
lúpus clássico, lúpus cutâneo subagudo e deficiência de C2. O sistema anticorpo anti Ro (SS-A)
tem uma habilidade especial para iniciar injúria cutânea e isto explica sua relação com
fotossensibilidade. Este sistema também atravessa a barreira placentária em mulheres grávidas,
sendo responsável pelo lúpus neonatal aonde se vê fotossensibilidade (enquanto durar o
anticorpo circulante) e bloqueio cardíaco congênito (permanente).

DOSAGEM DE COMPLEMENTO - Desde que o paciente não tenha nenhuma deficiência


congênita do complemento, a dosagem do complemento hemolítico total, o CH50 reflete
clinicamente a atividade da doença. Combinado com a titulação do anti ds-DNA, a qual também
está elevada durante a doença aguda, estas duas medidas são um guia útil não só para o
acompanhamento da doença como para avaliação de eficácia do tratamento. Dosagens
quantitativas de C3 e C4 também são de fácil execução.

FATOR REUMATOIDE - Está presente em mais da metade dos pacientes embora em títulos bem
menores dos que os de pacientes com artrite reumatoide.

ANTICORPOS ANTIFOSFOLÍPIDEOS- Os anticorpos pesquisados de rotina são anticardiolipinas


IgG e IgM e o lúpus anticoagulante (LAC). Alguns laboratórios realizam, também, o anti-B2-GPI.
Estão presentes em torno de 30% a 40% dos casos de LES e se associam à síndrome do anticorpo
antifosfolípide que cursa com fenômenos trombóticos e abortamentos de repetição e piora o
prognóstico destes pacientes. São estes anticorpos que promovem o falso VDRL positivo que
aparece em 1/3 dos pacientes com LES e pode preceder o aparecimento da doença clínica por
muitos anos. Para saber mais sobre estes anticorpos leia sobre a síndrome do anticorpo
antifosfolípideo mais adiante.

CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO

Estes critérios são, muitas vezes, considerados como essenciais para que se possa
estabelecer um diagnóstico definitivo. Isso não é bem verdade. É possível admitir-se um
diagnóstico de lúpus em um paciente que não os preencha, como por exemplo, em alguém em
que a doença se manifeste como febre de origem desconhecida. O valor destes critérios está no
181

auxílio que eles podem prestar em casos duvidosos e, principalmente, em estudos


epidemiológicos, nos quais se precisa de algum parâmetro para que o diagnóstico seja aceito
por toda a comunidade médica.
No quadro 12.6, estão relacionados os 11 critérios para classificação do LES do colégio
Americano de Reumatologia revisados em 1997. São necessários 4 ou  critérios para o
diagnóstico.

QUADRO 12.6 - CRITÉRIOS DO ACR REVISADOS EM 1997 PARA CLASSIFICAÇÃO DO LES

1. RASH MALAR: eritema fixo,sobre as proeminências malares, economizando as dobras


nasolabiais.
2. RASH DISCOIDE: placas eritematosas, com escamas aderentes e rolha
folicular;cicatrização com atrofia.
3. FOTOSSENSIBILIDADE: rash cutâneo resultante da exposição à luz solar. O dado pode
ser obtido por observação direta do médico ou por história fornecida pelo paciente.

4. ÚLCERAS ORAIS: ulceração de nasofaringe ou oral. Deve ser observada pelo médico.
5. ARTRITE: não erosiva, envolvendo duas ou mais articulações periféricas com sinais
flogísticos.
6. SEROSITE: PLEURITE: história bem típica ou atrito pleural escutado pelo médico ou
evidências de derrame pleural; PERICARDITE: documentada pelo ECG, atrito ou
evidência de coleção líquida.
7. DESORDEM RENAL: PROTEINÚRIA persistente maior que 0,5g/dia ou mais que +++ se
a quantificação não for feita; CILÍNDROS CELULARES: de hemácias, granulares,
tubulares os mistos.
8. DESORDEM NEUROLÓGICA: CONVULSÕES: na ausência de desordens metabólicas
(tais como uremia, acidose ou desiquilíbrio hidro-eletrolítico) ou drogas que possam
causá-las; PSICOSE: na ausência de droga ou desordem metabólica que possam ser os
responsáveis pelo sintoma.
9. DESORDENS HEMATOLÓGICAS ANEMIA HEMOLÍTICA: com reticulocitose;
LEUCOPENIA: menos que 4.000/mm3 no total, em duas ou mais ocasiões;
LINFOPENIA: menos que 1.500/mm3, em duas ou mais ocasiões; TROMBOCITOPENIA:
menos que 100.000/mm3, na ausência de droga que possa ser a causa.
10.DESORDENS IMUNOLÓGICAS: ANTI DNA positivo, ANTI Sm positivo OU PRESENÇA DE
ANTICORPOS ANTIFOSFOLIPIDEOS (diagnosticados por achados positivos de
anticorpos anticardiolipina, lúpus anticoagulante ou falso teste positivo para lues por
mais de 6 meses com FTA -ABS normal).
11. FAN POSITIVO: na ausência de uso das chamadas drogas indutoras de lúpus

Atualmente encontramo-nos em uma fase de transição onde estes critérios do ACR de


1997 estão dado lugar aos critérios do SLICC, no quadro 12.7.
182

QUADRO 12.7- CRITÉRIOS PARA CLASSIFICAÇÃO DO LES SLICC/2012

CRITÉRIOS CLÍNICOS
1) Lesões cutâneas agudas: rash em borboleta, lesões bolhosas, necrolise epidérmica
tóxica, rash maculopapular, rash fotossensível na ausência de dermatomiosite OU lesões
cutâneas de lúpus subagudo.
2) Lesões cutâneas crônicas: rash discoide localizado ou generalizado, lúpus
hipertrófico, paniculite lúpica, lúpus de mucosa, lúpus túmido, perniose, overlap de lúpus
discoide/líquen plano.
3) Úlceras orais (palato, bucal, língua e nasal) na ausência de infecção, Behçet, artrite
reativa ou ingestão de alimentos ácidos.
4) Alopecia não cicatricial – na ausência de alopecia areata, androgênica ou ↓de ferro.
5) Sinovite- ≥2 articulações OU artralgia de 2 ou + com 30 minutos de rigidez matinal.
6) Serosite (pleural ou pericárdica - dor típica que durou mais de 1 dia, derrame ou atrito
ou ainda pericardite por ECG)
7) Renal – relação proteína/creatinina na urina ou proteinuria de 24h acima de
500mg/dia ou cilindros hemáticos
8) Neurológico: convulsões, psicose, mononeurite múltipla na ausência de outras causas
conhecidas, mielite , neuropatia periférica ou craniana na ausência de vasculite e de diabetes,
estado confusional ( na ausência de uremia, exposição a tóxicos e infecções)
9) Anemia hemolítica
10) Leucopenia (4.000/mm3 pelo menos 1 vez na ausência de S. de Felty, medicamentos
e hipertensão portal) OU linfopenia (1.000 pelo menos 1 vez na ausência de corticoides,
drogas e infecções.
11) Trombocitopenia (menos que 100.00/mm3 pelo menos 1 vez) na ausência de drogas,
hipertensão portal e purpura trombocitopênica trombótica.

CRITÉRIOS IMUNOLÓGICOS
1) FAN positivo
2) Anti ds DNA (se por ELISA, pelo menos 2 vezes o valor normal)
3) Anti Sm
4) Anticorpos antifosfolípides – (ACLs, LAC e B2GPI. Podem ser do tipo IGM, IgG e IgA.)
ou falso VDRL.
5) Complementos baixos: C3, C4 e/ou CH50.
6) Coombs direto positivo na ausência de anemia hemolítica.
O diagnostico é feito com 4 critérios sendo pelo menos 1 clínico e 1 imunológico. No caso de biópsia de rim positiva com FAN ou
anti dsDNA o diagnóstico também é aceito.

TRATAMENTO

MEDIDAS GERAIS - Educação do paciente e suporte psicológico são muito importantes em uma
doença crônica de prognóstico grave, que perturba as realizações de atividades diárias e que
pode ser causa de incapacitação e diminuição da sobrevida.
Os pacientes devem ser ensinados a evitar a luz solar ou outras formas de exposição à
luz ultravioleta através de um vestuário adequado, uso de filtros e evitando exposição intensa
ao sol.
A gravidez deve ser evitada nos períodos de atividade da doença ou quando se faz uso
de certas drogas imunossupressoras.
183

ANTI INFLAMATÓRIOS NÃO HORMONAIS - O uso de anti-inflamatórios não hormonais pode


auxiliar no tratamento de artralgias, artrite, febre e mialgia, assim como de serosites, tais como
pericardites e pleurites de pequeno porte.

ANTIMALÁRICOS - As doses e os cuidados com a administração destaa drogas são os mesmos


que para a artrite reumatoide.
Estão indicados particularmente no tratamento da artrite e das lesões de pele
(Antimaáricos, além de outras ações, tem a capacidade de aumentar a tolerância à exposição à
luz solar aumentando a dose mínima de luz ultravioleta necessária para produzir eritema em 5
a 100 vezes).Pode-se utilizar, também, para o tratamento de serosites crônicas (pleurite e
pericardite) e em pacientes com síndrome do anticorpo antifosfolipídeo.
Como ficou claro que pacientes com doença controlada mantém esta remissão com uso
de antimaláricos, este tem sido indicada praticamente em todos os pacientes com LES, a menos
que exista alguma contra indicação para seu uso. A preferencia deve ser dada apra a
hidroxicloroquina que tem menos efeitos colaterais.

CORTICOIDE -É essencial notar que o diagnóstico de lúpus não é igual a tratamento obrigatório
com corticoide. Indivíduos com artrite e lesões de pele safam-se muito bem só com AINH ou
com cloroquina. Em lesões de pele pode-se utilizar o corticoide tópico.
O corticoide via oral ou parenteral pode ser usado das seguintes maneiras:
1) em doses até 10 mg/dia de prednisona ou equivalente: para artrite, lesões de pele e serosites
que não responderam ao tratamento anterior.
2) em doses altas ou 1 mg/Kg/dia de prednisona ou equivalente: em pacientes com
manifestações mais graves (anemia hemolítica, trombocitopenia, envolvimento de S.N.C.,
lesões renais e serosites grandes). O corticoide pode ser utilizado como droga isolada para
o tratamento da glomerulonefrite membranosa, e associado a ciclofosfamida ou outro
imunossupressor em casos de glomerulonefrite proliferativa difusa e focal.
3) como terapia de pulso: em pacientes com envolvimento de SNC, doença renal ativa e com
trombocitopenia enquanto se faz a esplenectomia. De maneira geral, o pulso do corticoide é
usado para “ganhar tempo” enquanto se estabelecem outras formas de tratamento.
Assim que possível estas drogas devem ser retiradas e substituídas por “
economizadores” de corticodie por casua de seus efeitos colaterais.

AGENTES IMUNOSSUPRESSORES - A ciclofosfamida é utilizada em pacientes com vasculite de


pele, anemia hemolítica e trombocitopenia auto-imune, formas graves de envolvimento renal
(glomerulonefrite proliferativa difusa e focal) e formas graves de manifestações de sistema
nervoso (que são as manifestações mais resistentes ao uso de corticoides). Em casos de lesão
renal, antes da instituição desta terapêutica deve-se proceder à biopsia renal. A ciclofosfamida
é uma droga que tem efeitos colaterais sérios e torna-se totalmente inútil em casos em que os
glomérulos já foram substituídos por fibrose. O que se deve pesar, com a biópsia, é se existem,
ou não, lesões ativas, que possam vir a reverter com este medicamento.
A aplicação da ciclofosfamida é feita mensalmente nos primeiros 6 meses para indução
da remissão. Quando o paciente evolui bem é possível, após os primeiros 6 meses de uso, trocar
este medicamento por azatioprina ou mofetil micofenolato (os quais têm menos efeitos
colaterais). A administração do pulso, na mulher, concomitante ao período menstrual parece
diminuir o risco de esterilidade pela droga.
Quanto à azatioprina, não tem sido provado que seja superior ao uso de corticoide. Seu
grande é uso é como droga economizadora de corticoide ou na glomerulonefrite lupica, quando
a ciclofosfamida já induziu remissão e é necessário manter o medicamento por dois a três anos
para evitar recidiva.
184

Ciclosporina tem sido utilizada em casos de pacientes com citopenias severas que contra
indiquem o uso de outras drogas imunossupressoras e em alguns pacientes com lesão renal,
principalmente, classe 5.
O mofetil micofenolato, por causa de sua boa tolerabilidade vem sendo usado cada vez
mais nas manifestações graves no lugar da ciclofosfamida podendo ser uma opção na indução
de remissão das glomerulonefrites.
O metotrexate tem se mostrado útil no tratamento das manifestações articulares mais
rebeldes, vasculites cutâneas e, mesmo para as serosites.

TERAPÊUTICAS ALTERNATIVAS - Talidomida tem bons resultados em pacientes com lesões de


pele. Por causa de seus efeitos teratogênicos deve ser evitada em mulheres em idade fértil.
Plasmaferese, irradiação total de linfonodos, e gama globulina EV são tratamentos
utilizados quando a terapêutica convencional não parece surtir efeito.
Trombocitopenia resistente a tratamento pode ser indicação para esplenectomia. Outra
droga utilizada em casos de trombocitopenia resistente é o danazol.
Rituximabe (anti CD20) é usado em situações graves, em que o rim ou SNC ou mesmo
citopenias não respondem o tratamento preconizado. Embora os estudos não tenham
conseguido provar o beneficio deste tipo de tratamento é e impressão geral que ele é útil em
situações de maior gravidade
Belimumabe ou anti Blyss pode ser usado em formas com alterações sorológicas, de
pele, articulares e fadiga, que não respondem aos medicamentos clássicos.
Em casos de nefrite refratária, a combinação de MMF com tacrolimus tem sido feita com
resultados razoáveis ( terapia multitarget).
Pacientes que desenvolvem estádio final de nefrite devem ser colocados em diálise e
planejamento para transplante. Sua sobrevida é igual a de outros pacientes com outras nefrites
auto imunes. A chance de recorrência de nefrite lúpica em um rim transplantado é de 10% .
Naqueles pacientes que sofrem de trombose de repetição (portadores de anticorpos
antifosfolípides), o uso de anticoagulantes deve ser considerado. Para mais detalhes, leia o
capítulo sobre síndrome do anticorpo antifosfolipideo mais adiante.
O transplante de medula óssea para ser de valor nos pacientes lúpicos graves embora
os estudos sobre esta indicação de tratamento ainda deixem muitas dúvidas.

OUTROS CUIDADOS – O uso de drogas como inibidores de ECA e de seus receptores podem
ser usados no combate à proteinuria. Pacientes com lúpus, assim como os de artrite reumatoide
estão sujeitos a aterogenese acelerada. Tratamento de dislipidemias,sedentarismo, tabagismo,
hipertensão arterial e obesidade devem ser feitos com rigor.
Pacientes em uso de corticoide devem receber cálcio e vitamina D para prevenir
osteoporose. Existe que recomende que um nível sérico de vitamina D nestes pacientes deve
ser em torno de pelo menos 40 ng/mL já que esta vitamina possui propriedades
imunomodulatorias benéficas neste contexto. Lembre que um paciente de LES usa protetor
solar de maneira rotineira o que prejudica a sua síntese. Acompanhamento com densitometria
óssea podeser necessário.
Outro cuidado a ser tomado é com infecções, as quais são comuns, seja pela doença
básica ou pela terapêutica que o paciente usa. Antibiótico profilático é advogado antes de
procedimentos dentários, genito-urinários e outros procedimentos cirúrgicos invasivos. Vacina
anti-pneumocócicas e contra influenza estão indicadas. Uso do Bactrin ® profilático para evitar
a infecção pelo P. jirovechii deve ser feito em usuários de ciclofosfamida e MMF ou, ainda,
naqueles com linfopenia grave.
Outras doenças autoimunes podem aparecer nestes pacientes, principalmente as de
tireoide. Testes para disfunção tireoidiana devem ser solicitados quando houver esta suspeita.
Finalmente, pacientes com lúpus têm uma maior prevalência de certos tumores,
principalmente se ele tiver feito uso de ciclofosfamida. Nas mulheres, o exame preventivo de
185

colo de útero deve ser feito anualmente uma vez que este é um dos tumores cuja prevalência
está aumentada. Se possível utilizara vacina contra HPV.
Para recomendações sobre gravidez e uso de anticoncepcional – vá até o capitulo de
Gravidez em doenças reumáticas.

PROGNÓSTICO

A evolução de um paciente com lúpus é altamente variável. As mortes precoces


acontecem por causa do lúpus; as tardias, por infecções. A sobrevida, no geral, está estimada
em 80% em 10 anos. Todavia, a gravidade do quadro está na dependência do órgão afetado, das
condições socioeconômicas do paciente e do grau de compreensão que ele tem de sua doença.
No quadro 12.8, existe uma lista dos órgãos que, quando envolvidos, podem mudar a sobrevida
do paciente.

QUADRO 12.8- IMPORTÂNCIA PROGNÓSTICA DAS MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DO LES


DOENÇA LEVE DOENÇA COM RISCO DE VIDA
 febre  miocardite
 artrite  doença renal significativa
 pleurites e pericardites pequenas  derrames pleurais e pericárdicos grandes
 rash  anemia hemolítica
 fadiga  púrpura trombocitopênica
 cefaléia  envolvimento do SNC
 vasculite aguda

O nível sócio econômico e a instrução do paciente influenciam na sobrevida porque


estes elementos são importantes não só para o acesso a recursos como para os devidos cuidados
com a terapêutica e complicações da doença.

Leitura complementar 12.1- Lúpus induzido por droga

O termo lúpus induzido por droga é usado para designar as situações nas quais o
indivíduo desenvolve sinais e sintomas lúpus like após a exposição a determinado medicamento.
Tipicamente, estes desaparecem quando o medicamento é removido. Assim, o diagnóstico de
lúpus induzido por droga requer uma identificação temporal entre a administração da droga e
aparecimento da síndrome clínica (ou do FAN positivo). A indução desta síndrome por um
fármaco pode levar semanas, meses e até anos para aparecer. A soro reatividade (no caso, FAN
+) é o primeiro elemento a surgir e o último a se extinguir quando o agressor é suspenso.
Muitos agentes têm sido implicados na gênese desta síndrome. Os mais comuns são os
anti-arrítmicos e anti-hipertensivos (especialmente a hidralazina e os -bloqueadores), anti-
convulsivantes e a isoniazida. No quadro 12.9 estão listadas algumas destas drogas.

QUADRO 12.9 - ALGUMAS DROGAS IMPLICADAS NA INDUÇÃO DE LÚPUS


Procainamida Trimetadione Practolol Penicilamina
Izoniazida Atenolol Clorpromazina Agentes anti TNF-
Nitrofurantoina Captopril Carbonato de Litio Propiltiuracil
Sulfas Hidralazina Levodopa Metimazole
Sulfassalazina Metildopa Reserpina Carbamazepina
Minociclina Metoprolol Quinidina Fenitoina
Sinvastatina Propranolol Pindolol Metisergide
186

No caso especial da hidralazina, a indução da síndrome parece ser dose dependente - o


que não acontece com outras drogas. Calcula-se que 50 a 90% dos usuários de procainamida,
50% dos que fazem uso continuado e em dose alta de hidralazina ou clorpromazina e 25% dos
em uso de isoniazida ou metildopa desenvolvem FAN positivo. É bem verdade que só uma fração
destes indivíduos desenvolverá uma síndrome clínica.
Esta síndrome tende a afetar indivíduos mais velhos, que é a população que mais se
sujeita ao uso deste tipo de medicamentos. Com a retirada da droga os sintomas desaparecem
dentro de 6 meses, mas o FAN + pode permanecer por anos.
Os sintomas clínicos mais frequentes são poliartrite e pleuro-pericardite. A poliartrite é
comumente do tipo migratório que, aos poucos, se torna mais severa e mantida. Envolve tanto
as articulações pequenas como as grandes, com tendência a apresentar maior riqueza de
sintomas álgicos do que achados inflamatórios.
Outros sintomas são raros (não ocorrendo nefrite, nem manifestações do S.N.C.).
Leucopenia, trombocitopenia, lúpus anticoagulante, crioglobulinemia, fatores reumatoides,
V.D.R.L. falso positivo, e Coombs + podem aparecer. De maneira geral, pode-se dizer que, em
todos os aspectos, esta variante é bem mais sutil, com um menor número de manifestações
sistêmicas do que o lúpus idiopático.
O quadro 12.10 mostra as principais diferenças clínicas entre o lúpus induzido por droga
e o lúpus idiopático.

QUADRO 12.10- DIFERENÇAS CLÍNICAS ENTRE LÚPUS IDIOPÁTICO E O INDUZIDO POR


DROGAS
LÚPUS POR DROGA LÚPUS IDIOPÁTICO
Artralgias /artrite +++ +++
Pleurite +++ +++
Febre +++ +++
Infiltrados pulmonares ++ +
Mialgias +++ +++
Pericardite + +++
Rash cutâneo + +++
Raynaud + +++
Esplenomegalia + +++
Nefrite - +++
Sintomas neuropsiquiátricos - +++

O mecanismo preciso da indução do lúpus por drogas permanece desconhecido.


Provavelmente os fatores são múltiplos. Um fator genético parece estar associado com o caso
da procainamida e da hidralazina. Estas drogas causam mais lúpus em indivíduos que acetilam
a droga lentamente.
Nos casos induzidos por droga, o FAN é sempre positivo e nunca aparecem anticorpos
contra DNA de cadeia dupla. O anticorpo mais característico desta situação é o anti-histona que
pode ser dirigido contra histonas simples (H1, H2A, H2B, H3, H4) ou complexos histona (H2A-
H2B, H3-H4). Entretanto anticorpos anti-histonas não são específicos do lúpus por droga e sua
ausência não afasta o seu diagnóstico.
O mecanismo pelo qual estas drogas induzem auto-imunidade não é bem sabido.
Algumas idéias são as seguintes:
 - a droga interage com antígenos nucleares, principalmente histonas e DNA, promovendo
reatividade cruzada ou tornando-os imunogênicos;
 - ocorrência de interação das drogas com os linfócitos, promovendo aparecimento de linfóci-
tos autorreativos, alterando a regulação imunogênica e levando à indução dos anticorpos
anti-linfócitos;
187

 - por foto oxidação aumentando o dano por fotossensibilidade de células epidérmicas ou do


DNA celular;
 - por produção de metabólitos alterados que seriam os responsáveis pelo aumento de
imunogenicidade.

Resumindo, pode se depreender que existam dois elementos básicos predisponentes a esta
situação, um genético e outro dependente da droga em si.
O diagnóstico do lúpus induzido por droga nem sempre é fácil. Primeiro, pela predominância
de sintomas músculo-esqueléticos, os quais facilmente podem ser atribuídos a outra causa.
Segundo, pela polifarmácia que ocorre, em geral em idosos que são os elementos mais sujeitos
a desenvolver este tipo de síndrome.
Apesar de estarmos conscientes da ocorrência do lúpus induzido por drogas, não existem
elementos para se sugerir que estes medicamentos não devam ser utilizados, nem para que o
achado de um FAN + deva ser causa da retirada dos mesmos. A baixa probabilidade de que um
indivíduo venha a ter sintomas e a benignidade dos mesmos permitem que se corra o risco da
administração deste tipo de fármaco. Além disso, se o paciente vier a ter sintomas, estes
regridem prontamente com a retirada da droga ou respondem a baixas doses de corticoides ou
a antI-inflamatórios não hormonais.

Leitura complementar 12.2 - Lupus e infecção

Pacientes portadores de lúpus tornam-se imunossuprimidos tanto pela doença básica


quanto pelo uso de medicamentos como os corticoides e imunossupressores. Nesta doença
existe uma migração anormal dos leucócitos, defeitos de opsonização, defeitos no clearence dos
complexos imunes e de síntese de imunoglobulinas. Além disto, o uso de corticoide em doses
altas ( > 40mg/prednisona dia) parece aumentar a incidência de infecções em até 5 vezes . Já a
dose cumulativa de citostáticos dos últimos 3 meses antes de uma infecção está associado com
uma maior mortalidade da mesma.
O problema da infecção no paciente lúpico é de tal magnitude que sobrepassa ao da
atividade da doença básica. Um estudo multicêntrico mostrou que 33% dos pacientes lúpicos
morrem de infecção enquanto 31% morrem do próprio lúpus.
As infecções do paciente lúpico podem ser causadas tanto por germes comuns como
pelos oportunísticos. Germes oportunísticos encontrados em lúpicos são Pneunocystis jirovecchi
cândida, nocardia, aspergilos, toxoplasma, tuberculose e o citomegalovirus. Muitas dessas
infecções têm manifestações que simulam as do próprio lúpus requerendo, por parte do medico
atendente um alto grau de suspeição. Assim, pneumonias podem ser erroneamente
interpretadas como pneumonites lúpicas; manifestações de envolvimento cerebral da
toxoplasmose podem ser confundidas com as de sistema nervoso central do lúpus. Doença por
citomegalovirus causa febre, leucopenia, esplenomegalia, miocardites e hemorragia pulmonar
da mesma maneira que o lúpus. Dos germes habituais, o S. aureus e os gram-negativos são os
mais encontradiços. Assim, todo o paciente lúpico com sintoma de falha de um órgão deve ser
estudado para a possibilidade de uma infecção associada, principalmente se este órgão for o
pulmão ou o sistema nervoso. A identificação e tratamento da infecção pode mudar o
prognóstico do paciente.
Vacinação é uma boa medida para evitar infecções. Todavia, vacinas com vírus vivos
devem ser evitadas pelo risco de que o paciente, sendo imunossuprimido, adquira a infecção.
No quadro abaixo algumas recomendações acerca de vacinas e de soro em pacientes
imunossuprimidos.
188

QUADRO 12. 12 - PRINCIPAIS VACINAS EM PACIENTES IMUNOSSUPRIMIDOS


VACINA OBSERVAÇAO
Tétano e difteria Deve ser administrada (toxóide)
Anti meningocócica Sem riscos . Administrada em dose ínica
Anti- pneumocócica Sem riscos. Realizar antes da terapia imunossupressora e de anti TNF. Acima
de 10 anos: duas doses da Pn23 com intervalo de 5 anos Pacientes com Anti-
TNF - fazer a vacina antes do uso.
Influenza Permitido. Não se sabe bem da eficiência que pode estar diminuída
Anti-Haemophilus Sem riscos. Se possível realizar vacina antes do tto imunossupressor
influenza B
Rotavirus (vírus vivo) Feita por via oral. Contra indicada.
BCG (bacilo atenuado) contra indicada em vigência de imunossupressão. Liberada
para conviventes do paciente.
Varicela (vírus vivo). Não recomendada.
Pólio-SABIN (oral-vírus vivo). Não recomendada. Evitar contacto com quem recebeu a
vacina. Pacientes devem receber com vírus inativado - SALK
Sarampo-caxumba– (vírus vivo) Contra indicada
rubéola
Febre amarela (vírus vivo) Contra indicada. Associada a encefalite.
Hepatite A Sem dados; parece ser segura.
Hepatite B Pode ser usada nos reumáticos. Relaciona-se com aparecimento de doenças
autoimunes. Em LES cuidar com ativação da doença (Liberada pela Soc.
Britânica de Reumatologia)
HPV Indicada pelos altos riscos de infecção; sem dados
IMUNIZAÇÃO PASSIVA
Sarampo Exposição a doentes. Realizar até 6 dias depois da exposição
Varicela Exposição a doentes com varicela ou com Zoster na fase contagiosa. Fazer até
96h do contacto.
Hepatite B Máximo até 14 dias após exposição; usar o mais precoce possível
Tétano Máximo 14 dias após exposição. Usar o mais precoce possível
Raiva O mais precoce. Usar mesmo com atraso de vários dias.

Referências:

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prospective study of 1.000 patients. European Working Party on Systemic Lupus Erythematosus. Medicine 1999; 78:
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(ed) Eular Compendium on Rheumatic Diseases, 2009, BMJ Publishing Group, Italy, p.257-68.
Gilliam JN et al.Distinctive cutaneous subsets in the spectrum of lupus erythematosus. J Am Acad Dermatol 1981; 4
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Hochberg MC. Updating the American College of Rheumatology revised criteria for the classification of systemic lupus
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Jurencák R, Fritzler M, Tyrrell P, Hiraki L, Benseler S, Silverman E. Autoantibodies in pediatric systemic lupus
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Weening J et al. The classification of glomerulonephritis in systemic lupus erythematosus. Kidney Int 2004; 65: 521–
30.
189

Capítulo 13 - Esclerodermia

A esclerodermia é uma doença na qual ocorre fibrose generalizada em pele e outros


órgãos contendo tecido conjuntivo. Recentemente a esclerodermia tem atraído atenção das
diversas disciplinas e serve como modelo para estudos dos eventos patofisiológicos que levam
à formação de fibrose e esclerose. Do ponto de vista clínico tem se tornado claro que sob o título
de esclerodermia existe um espectro de doenças diferentes que vão desde uma forma localizada
até síndromes mistas (como a síndrome mista do tecido conjuntivo).

EPIDEMIOLOGIA

Comparada com outras doenças do tecido conjuntivo é uma doença relativamente rara
(acontece em 1-2/100.000 pessoas) o que dificulta avaliações de tratamento e elucidações
patogenéticas. A incidência homem/mulher é de 1/3, favorecendo ainda mais o sexo feminino
nos pacientes não brancos. A idade média de início da doença é aos 30-50 anos, sendo que a
doença costuma ser mais grave em homens e em pacientes idosos.

QUADRO 13.1- CLASSIFICAÇÃO DA ESCLERODERMIA


ESCLEROSE SISTÊMICA Forma difusa
Forma limitada
Forma sine escleroderma
ESCLERODERMIA LOCALIZADA Morfea
localizada ou difusa
guttata
forma profunda
Escleroderma linear e em golpe de sabre
ESCLERODERMIA SINE SCLERODERMA -
ESCLERODERMIA ASSOCIADA À EXPOSIÇÃO QUÍMICA -
SÍNDROMES MISTAS Esclerodermia-lupus; esclerodermia-dermatolimiosite etc

PATOGÊNESE

Os eventos precipitantes e iniciais da doença ainda são pouco conhecidos. A melhor


explicação que se encontra para este tipo de doença é a de que ocorram episódios repetidos de
injúria endotelial de vasos e microvasos. Todavia, existem apenas alguns componentes
conhecidos deste quebra cabeças.
Acontece, com certeza, uma vasoconstrição exagerada, o que aparece antes de
qualquer outra manifestação clínica da doença. Quais seriam os componentes que estão
envolvidos neste processo de vasoconstrição e poderiam estar atuantes aqui? Os candidatos
são: endotelinas, ácido nítrico, fatores de constrição derivados do endotélio, hipóxia e estresse
físico.
Evidências de um fator genético advêm do fato de que alguns índios americanos têm
um aumento de até 20 vezes esta doença em relação a outras raças, o que parece estar ligado
ao HLA DQ7 e DR2. Em caucasianos sua ocorrência está ligada aos HLA- DQA1*0501. Gêmeos
monozigóticos têm só 20% de concordância em doença clínica embora quando tenham a doença
apresentem 100% de concordância no perfil de auto-anticorpos !! Polimorfismo em genes da
enzima conversora de angiotensina, de sintetase de óxido nítrico e de proteínas associadas a
certos receptores para linfócitos B são outros pontos propostos para estudo desta
predisposição.
Os agentes ambientais potencialmente envolvidos são: infecções (por CMV e por
borrelias) e exposição a produtos de petróleo, cloreto de vinila, L-triptofano etc...
190

O microquimerismo fetal é outro assunto que se tem estudado como fator


desencadeante da doença. Mulheres que engravidam normalmente hospedam células fetais
até muitos anos depois do parto. Esta persistência de células pode estar ligada à ocorrência de
esclerodermia através dos seguintes mecanismos: (a) -as células do feto reagem contra as
células maternas (reação tipo graft X host); (b)- a mãe dirige resposta imunológica contra as
células fetais que, depois,se voltam contra antígenos próprios;(c)-células maternas que
atravessaram a barreira placentária podem predispor a reações desencadeantes da
esclerodermia no filho.
Já as evidências para que a esclerodermia seja considerada uma doença de etiologia
auto- imunitária, são indiretas, tais como: (a)- ocorrência significante de auto-anticorpos neste
grupo de pacientes (veja mais adiante) e (b)- o fato de a esclerodermia coexistir com doenças
reconhecidamente auto-imunes como LES e Sjögren.

AUTOANTICORPOS NA ESCLERODERMIA

De maneira similar a outras doenças do tecido conjuntivo, autoanticorpos circulantes


têm sido detectados. Quando se usa substrato de células humanas, até 95% dos pacientes são
FAN positivo.
A variedade de auto-anticorpos capazes de dar FAN positivo em um paciente com
escleroderma é muito grande, mas alguns deles assumem uma importância particular quando
se trata de classificar o subtipo da doença. É o caso do anticorpo anticentrômero, do anti
topoisomerase (Scl70) e do anti-RNA polimerase III. O anticorpo anticentrômero reconhece
determinantes antigênicos situados na "cintura" não genética do cromossomo. Sua importância
advém do fato de seu aparecimento ser precoce, e de demonstrar uma seleção positiva para os
pacientes com a forma localizada da doença. Assim, um achado deste anticorpo pode "predizer"
qual o paciente com síndrome de Raynaud que vai desenvolver a forma localizada de
esclerodermia. Os anticorpos anticentrômero não são exclusivos da esclerodermia; também são
encontrados em pacientes com cirrose biliar primária. O anticorpo contra Scl-70 (ou anti-
topoisomerase 1) parece se correlacionar de forma positiva com forma difusa da esclerodermia
e com a ocorrência de fibrose pulmonar. A topoisomerase 1 é uma enzima nuclear que acelera
a transcrição genética de genes do colágeno. Experimentalmente, inibidores da topoisomerase
1 têm demonstrado serem capazes de controlar a excessiva produção de colágeno em pacientes
com esclerodermia. Já o anti RNA polimerase III também está ligado à forma difusa da
esclerodermia e com as manifestações renais, cutâneas e com malignidade.
Estes e outros anticorpos menos comuns e o seu significado clínico estão no quadro
13.2.

QUADRO 13.2 – ALGUNS AUTO ANTICORPOS NA ESCLERODERMIA


ANTICORPO FREQUÊNCIA SIGNIFICADO CLÍNICO PADRÃO DO FAN

Scl-70 (antitopoisomerase-1) 20-40% Doença difusa; envolvimento pontilhado


pulmonar
Anticentrômero 20-40 % Forma limitada (CREST) centromérico
AntiRNA polimerase 4-20% Prognóstico pior (crise renal, nucleolar
doença cardiaca e fibrose pontilhado
pulmonar)
Anti-U3 RNP (antifibrilarina) 8% Doença difusa nucleolar
Anti-U1 RNP 5% Forma de doença mista pontilhado
191

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

MANIFESTAÇÕES CUTÂNEAS - As manifestações cutâneas são frequentemente acompanhadas


ou precedidas pelo fenômeno de Raynaud, sendo, em geral, um dos eventos mais precoces e o
de maior ajuda para estabelecer o diagnóstico. Entretanto, este tipo de alterações deve ser
diferenciado de achados similares que ocorrem em outras doenças (veja mais adiante em
diagnóstico diferencial).
O envolvimento cutâneo pode ser dividido em 3 fases: (1) fase precoce ou edematosa;
(2)-fase esclerótica ou clássica,(3)-fase atrófica ou tardia. Na fase precoce, a pele é edematosa
e espessada podendo demonstrar um eritema discreto, indicando um processo inflamatório. Na
grande maioria o envolvimento começa pelas extremidades e, envolve primeiro dedos e mãos
e, mais tarde, se estende para face, frênulo da língua e resto do corpo. Os dedos e as mãos ficam
"suculentos". O edema é do tipo não depressível, mais acentuado pela manhã. O paciente se
queixa de que não consegue estender os dedos completamente. Gradualmente o paciente
evolui para a segunda fase na qual se estabelece a esclerose, com endurecimento da pele a qual
fica aderente a planos profundos prejudicando a mobilidade articular e friável, ulcerando-se
com facilidade.

A B

C D
FIGURA 13.1- Esclerodermia achados da mão (A)- fase precoce ; (B, C e D) fase esclerótica.
192

Ocorre o aparecimento de telangiectasias, perda de pelos e anidrose nas áreas afetadas,


o que reflete a atrofia dos apêndices pela fibrose circundante. Úlceras dolorosas e de
cicatrização lenta são comuns nas pontas dos dedos, sobre as interfalangianas e, em áreas de
depósito de cálcio. Infecções secundárias são comuns. Reabsorção óssea promovendo
dissolução das interfalangianas distais leva ao encurtamento dos dedos. Os pés também podem
estar envolvidos, mas isto costuma ser mais raro.
A esclerose da face resulta em afilamento do nariz o qual fica semelhante a um "bico de
pássaro"; promove diminuição da rima bucal com aparecimento de pregas radiais nos ângulos
labiais (chamadas rágades) e isto dificulta, em muito, uma higiene bucal adequada. A perda das
pregas naturais da face torna a face inexpressiva (fácies esclerodérmica).Frequentemente
telangiectasias se desenvolvem em pele de face e troncos e em alguns pacientes pode ser bem
proeminentes. Outros locais onde as telangiectasias podem ser encontradas são nos bordos
periungueais. Estas não são atributos exclusivos da pele podendo surgir, também, em órgãos
internos como bexiga, intestinos e brônquios, sendo causa de sangramento nestes locais.

A B

C D
FIGURA 13.2-Fascies esclerodérmico; (A) perda da expressão facial, (B) telangiectasias em
palma da mão (C) e (D) teleangiectasias em face

Junto com as alterações escleróticas da pele são comuns alterações da pigmentação,


tanto para o lado de hiper como de hipopigmentação, as quais podem ser pontilhadas ou difusas
provavelmente secundárias a alterações pós-inflamatórias.
193

FIGURA 13.3- Alterações de pigmentação da pele - leucomelanodermia

Em alguns pacientes as manifestações de pele permanecem confinadas às extremidades


por muito tempo, enquanto que em outros se espalham por todo corpo em um curto período
de tempo. Este grupo de pacientes com uma doença mais limitada às regiões acrais é conhecido
como portador de esclerodermia limitada (lSSc) ou da síndrome de CREST (C=calcinose;
R=Raynaud; E=esôfago; S=sclerodactily; T= telangiectasia), ou ainda portadores da Síndrome de
THIBIERGE-WEISSENBACH. Esta seria uma forma mais benigna da doença.
Já os pacientes com envolvimento cutâneo difuso são considerados como portadores de
esclerodermia difusa (dSSc) e neles a doença costuma ser mais grave, com envolvimento de
órgãos internos e mau prognóstico.

Figura 13.4- Formas difusas da esclerodermia. Na segunda foto calcinose também.

Em alguns pacientes (não todos) o envolvimento de pele entra para uma fase tardia, de
3 a 15 anos após a fase clássica. A pele fica mais pregueável e mais macia, mas a epiderme
permanece atrófica e sem anexos.
194

ALTERAÇÕES VASCULARES PERIFÉRICAS- Mais do que 95% dos pacientes têm síndrome de
Raynaud, sendo esta incidência maior do que em qualquer outra doença do tecido conjuntivo.
Nos pacientes com a forma limitada da doença, o Raynaud tende a preceder por muitos anos o
aparecimento do restante da clínica levantando sempre a pergunta: qual dos pacientes com
Raynaud virá a desenvolver esclerodermia?

B
A

D
C

E F
FIGURA 13.5- Raynaud e suas consequências;(A) fase pálida; (B) fase cianóticas; (C) úlcera
estelar na polpa digital-3odedo; (D) e (E) – isquemia; (F)- acro-osteólise.

Os testes que ajudam na tentativa de se identificar este grupo de risco seriam a


capilaroscopia periungueal e a determinação do anticorpo anticentrômero. A técnica e os
achados de capilaroscopia periungueal encontram-se descritos no capítulo Raynaud. Na forma
difusa da doença a síndrome de Raynaud aparece junto ou até depois das manifestações
cutâneas. Em pacientes com esclerodermia existe evidência de que o espasmo vascular não se
195

limita à circulação periférica, mas também inclui vasos de órgãos internos como o rim, coração
e pulmões.

APARELHO MÚSCULO ESQUELÉTICO - O envolvimento articular na esclerodermia pode se


fazer sob vários aspectos:
 artrite:- envolve frequentemente dedos, punhos, joelhos e tornozelos, de maneira
simétrica e semelhante à artrite da artrite reumatoide, porém com menos erosões e
látex negativo. Em geral precede as manifestações de pele e cede quando estas
aparecem.
 contraturas:- ocorrem geralmente por alterações escleróticas de pele e tendões. Alguns
pacientes têm deformidades de mão, não erosivas, lembrando reumatismo de
JACCOUD. Acro-osteólise:- é a reabsorção de extremidades ósseas principalmente os
tufos distais das interfalangianas distais, comuns após a 2ª ou 3ª décadas de doença.
Este achado também pode ser visto em pacientes com Raynaud de longa duração,
independente de sua etiologia. Nestes casos o elemento responsável é o suprimento
sanguíneo inadequado. Entretanto, na esclerodermia a reabsorção dos tufos digitais é
desproporcional à severidade do Raynaud.
 calcificações periarticulares: - ocorrem em geral, em tecido subcutâneo, sobre saliências
como cotovelo, joelhos, coluna e sobre as espinhas ilíacas.
 atrito tendinoso:- pelas alterações fibróticas; em tendões justa articulares.
 síndromes compartimentais:- como tunel carpiano, tarsiano etc. Determinadas pela
fibrose.

A B

C D
FIGURA 13.6 (A)- (B) Contratura da articulação por esclerose da pele ; (C) Acro-osteólise;
(D) Calcinose.
196

Quanto ao envolvimento muscular, existem 2 tipos:


• miosite aguda:- com dor e fraqueza de musculatura proximal e aumento de enzimas
musculares como CPK e aldolase. A eletro¬miografia mostra alterações típicas de miosite e a
biópsia mostra infiltrado mononuclear.
• miosite crônica:- é de aparecimento mais sutil e aparece com fraqueza de início
indolente, atrofia e alterações de enzi¬mas mais suaves.

QUADRO 13.3-MANIFESTAÇÕES MÚSCULO-ESQUELÉTICAS DA ESCLERODERMIA


Mialgias Calcificações peri-articulares
Miosites (agudas e crônicas) Síndromes compartimentais
Artralgias Deformidades por retração da pele
Artrites Acro-osteólise
Tendinites (com ou sem atrito tendinoso)

ENVOLVIMENTO PULMONAR - O envolvimento pulmonar é o quarto em ordem de incidência,


precedido por alterações de vasos periféricos, pele e esôfago. Existem vários tipos de
envolvimento pulmonar. São eles: derrame pleural (raro), hipertensão pulmonar e doença in-
tersticial pulmonar. Os dois últimos são os mais temidos e causam diminuição na sobrevida do
paciente.
O envolvimento intersticial difuso é o achado mais comum e o mais típico e se instala de
maneira insidiosa. O paciente se queixa de dispnéia e tosse seca. Ao exame físico detectam-se
estertores disseminados e, com o avançar do quadro, sinais de hipertensão pulmonar
(hiperfonese de P2). Todavia, a dispnéia pode passar despercebida inicialmente, uma vez que
este tipo de paciente tem uma atividade física reduzida. Em estágios mais avançados causa cor
pulmonale com insuficiência cardíaca direita (hepatomegalia, edema de membros inferiores e
jugulares ingurgitadas).
O RX de tórax é um método pouco sensível para detecção do envolvimento precoce,
sendo neste caso preferível usar as provas de função respiratória e tomografia computadorizada
de alta resolução. Na tomografia podem ser encontradas lesões em “vidro moído” ou “vidro
fosco”, (significam inflamação em atividade ou pneumonite; pneumonite não especifica) ou
alterações reticulares e reticulo nodulares com formação de bronquiectasias de tração
(significam fibrose pulmonar estabelecida; pneumonite usual).
Existem raros casos em que a fibrose pulmonar precede o envolvimento de pele.

A B
FIGURA 13.7- (A)- Imagem em vidro fosco; (b) Fibrose e bronquiectasias de tração.
197

A hipertensão pulmonar pode ocorrer isoladamente ou pode ser secundária à fibrose


intersticial. Pacientes com esclerodermia parecem desenvolver um Raynaud de artérias
pulmonares quando expostos ao frio. Entretanto, se isto tem relação direta com o
desenvolvimento da hipertensão pulmonar, é um fato a ser provado.
Um paciente com hipertensão pulmonar apresenta queixas de dispnéia de esforço e, ao
exame físico, encontra-se hiperfonese de P2. Nos casos de hipertensão pulmonar isolada não
existem alterações no parênquima pulmonar ao RX ou tomografia e a ausculta pulmonar é
limpa. A ecocardiografia com medida da pressão na artéria pulmonar, embora com margem de
erro importante, pode ser uma maneira de se avaliar esta pressão. Melhores testes são
arteriografia e provas de função respiratória com medida da difusão de monóxido de carbono,
testes que, infelizmente, não são acessíveis a todos.
Com a melhora das condições de tratamento das lesões renais da esclerodermia, o
envolvimento pulmonar vem se tornando uma causa importante de óbito entre estes pacientes.
Portanto pacientes com esclerodermia devem ser submetidos periodicamente à investigação do
envolvimento pulmonar com tomografia de tórax de alta resolução, testes de função ventilatória
e ecocardiografia com medida de pressão na artéria pulmonar, numa tentativa de detecção
precoce e tratamento destas complicações.

ENVOLVIMENTO CARDÍACO -Envolvimento cardíaco primário é mais comum na forma difusa da


doença. Embora seja bem comum em autópsias, in vivo, a doença cardíaca passa fre-
quentemente despercebida.
Em pericárdio, a doença ocasiona inflamação e fibrose do mesmo e se apresenta como
pericardite aguda com atrito e febre ou como um derrame pericárdico silencioso.
O envolvimento miocárdico é reconhecido de longa data. Clinicamente o que pode ser
encontrado é angina pectoris, arritmias, insuficiência cardíaca e morte súbita. É causado por
dano a pequenos vasos coronarianos ou por fibrose miocárdica. Em artérias coronarianas com
menos de 1 mm de diâmetro, os achados anátomo-patológicos são semelhantes aos da artéria
renal com fibrose de íntima e proliferação endotelial. Na fibra miocárdica está descrito um tipo
especial de necrose, a chamada contraction band necrosis, causada por isquemia intermitente
associada à re-perfusão e, que à microscopia eletrônica aparece como faixas transversais
citoplasmáticas de material eosinofílico denso (achados que poderiam ser causados por
alterações em vasos coronarianos, semelhantes à síndrome de Raynaud). Este tipo de
envolvimento denota mau prognóstico.
A investigação inclui ECG, RX de tórax e técnicas mais sensíveis como estudos de
perfusão coronariana por cintilografia e ecocardiografia. A arteriografia é normal uma vez que
o envolvimento mais grave é na microcirculação, o que torna claro que procedimentos tipo
bypass são inúteis.

ENVOLVIMENTO GASTRINTESTINAL- A seguir, uma lista das formas mais comuns de


envolvimento gastrintestinal nesta doença.
Boca: envolvimento da mucosa oral é comum. Os lábios ficam menores e a mucosa fica tensa.
Telangiectasias são comuns em volta dos lábios, língua e membrana mucosa. A boca tem sua
abertura diminuída (microstomia). A língua fica rígida e imóvel por espessamento e
encurtamento do freio. Um achado comum é o alargamento da membrana periodontal, mais
frequente em dentes posteriores. Resulta de um aumento no depósito de colágeno periodontal.
Outros achados são: induração e atrofia de musculatura da língua, lábios e palato mole;
reabsorção do osso alveolar, pseudo-ancilose da articulação têmporo-mandibular e ocorrência
de placas esclerodermatosas em tecido gengival.
Esôfago: o que existe é uma diminuição da motilidade por diminuição da força de propulsão dos
músculos involuntários dos 2/3 distais do esôfago. Ocorre na maioria dos pacientes em estágio
clássico de envolvimento de pele. Destes, menos da metade tem sintomatologia (disfagia,
regurgitação ou manifestações dispépticas). O diagnóstico é feito por cinerradiografia e por
198

manometria do esôfago (este último mais sensível). A patogênese deste tipo de lesão não é bem
fluxo sanguíneo (primeiro de maneira intermitente, depois de maneira fixa).
A acalásia, por promover regurgitação e trazer a possibilidade de aspiração de conteúdo
esofágico (em pequenas quantias, porém de maneira constante) tem sido implicada na piora
das lesões pulmonares da esclerodermia.
Intestino delgado: o que se vê aqui é hipomotilidade. Consequentemente a isto pode-se
encontrar clínica de má-absorção e de pseudo obstrução. Distúrbios de motilidade causam
dilatação de 3ª e 4ª porção do duodeno e lentificação do tempo de trânsito. Síndrome de má
absorção aparece em parte alguns pacientes e é causada por superpopulação bacteriana em um
intestino hipotônico. Estas bactérias desdobram os sais biliares. A má absorção leva a um
aumento da excreção de gordura nas fezes, perda de peso, desnutrição, diminuição de absorção
de vitaminas lipossolúveis.
As outras manifestações são síndrome de pseudo-obstrução (que também ocorre em
intestino grosso), pneumatose cistoide intestinal (a superpopulação bacteriana produz gás que
aumenta a pressão do lume e disseca as paredes do intestino), volvo, impactação de material
fecal e formação de úlceras estercorais com eventual perfuração.
O mecanismo de produção da hipomotilidade em intestino delgado é, provavelmente,
semelhante ao do esôfago.
Colon: a diminuição da motilidade leva à formação de divertículos de boca larga na borda anti-
mesentérica, que são típicos da doença. Estes divertículos contém as 3 camadas da parede
intestinal, mas a muscular está atrófica. São achados mais raros e de uma fase mais tardia da
doença. Nunca ocorrem sem envolvimento do esôfago.
Na maioria das vezes são assintomáticos existindo apenas a queixa de constipação
crônica por diminuição da motilidade. Só dão clínica quando infectam ou sangram.

A B C
FIGURA 13.7- (A) Microstomia; (b) acalasia de esôfago; (c) divertículos de boca larga no
colon.

ENVOLVIMENTO RENAL - A chamada crise renal esclerodérmica acontece em poucos pacientes,


mas está associada a um grande risco de vida. Caracteriza-se pelo início súbito de hipertensão
maligna anemia hemolítica microangiopática, e, se não for adequadamente tratada evolui para
insuficiência renal e morte. Quando um paciente vai desenvolver a crise renal, esta geralmente
ocorre dentro dos 3 primeiros anos do aparecimento da doença e, frequentemente, é precedida
por uma piora rápida das lesões de pele, que funcionam como um verdadeiro “sinal de alerta”.
Alguns autores tentaram implicar o uso de corticoide no aparecimento da crise renal, mas isto
não pode ser comprovado. Atualmente a redução da pressão arterial é possível com agentes
hipotensores potentes; no caso - inibidores da enzima de conversão de angiotensina. Todavia a
insuficiência renal pode ocorrer a despeito do bom controle da PA e a diálise pode se tornar
necessária.
199

O envolvimento visceral acontece de maneira diferente de acordo com o subgrupo de


esclerodermia ao qual o paciente pertence. As principais diferenciações entre as duas formas
estão resumidas no quadro 13.4.

QUADRO 13.4- PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS DUAS FORMAS DE ESCLERODERMIA


FORMA SISTÊMICA DIFUSA FORMA SISTÊMICA LIMITADA
Envolvimento da pele Acima dos cotovelos e joelhos Abaixo dos cotovelos e joelho, face
Ritmo de espessamento da pele Rápido Lento
Tempo entre envolvimento de pele Juntos, ou pele primeiro Raynaud prolongado antes da pele
e Raynaud
Envolvimento articular Contraturas, atrito de tendões Raro
Calcinose e telangiectasias Raro Frequente e proeminente
Envolvimento visceral Rim,miocárdio e fibrose pulmonar Hipertensão pulmonar, cirrose
biliar primária, Sjögren
Anticorpo Scl 70 (ou anti toposomerase I ) e Anti-centrômero
RNA polimerase III

Pacientes com a forma localizada da esclerodermia têm uma maior incidência de cirrose
biliar primária e Síndrome de Sjögren. Além disso, as manifestações esclerodérmicas podem
fazer parte de uma síndrome mista do tecido conjuntivo
O prognóstico na esclerodermia depende claramente do padrão de órgãos envolvidos.
Pacientes com forma limitada têm uma sobrevida de 90% em 5 anos; os com doença difusa em
torno de 70-80% neste mesmo período. Os pacientes com a forma difusa de esclerodermia que
irão desenvolver envolvimento visceral grave (principalmente cardíaco e renal) o fazem dentro
dos primeiros anos de doença. Assim, a observação cuidadosa do paciente nos primeiros anos
após o diagnóstico revela quais são os pacientes com mau prognóstico.

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS

Os critérios classificatórios aprqa diagnóstico da esclerodermia criados pelo ACR


(American College of Rheumatology)/EULAR(European League Against Rheumatism) são os do
quadro 13.5 . Pontuam-se vários sintomas e quando o paciente completar 9 (nove) pontos,
pode-se estabelecer o diagnóstico.

QUADRO 13.5 - CRITÉRIOS CLASSIFICATÓRIOS DA ESCLERODERMIA ACR/EULAR- 2013.


Ítem Sub ítem Pontos
Espessamento da pele dos dedos das 2 mãos que vai acima da MCF (critério suficiente) 9
Espessamento da pele dos dedos (só conte o que der Dedos suculentos 2
pontos mais altos) Esclerodactilia distal as articulações MCF, mas 4
proximal às interfalangianas proximais
Lesões das polpas digitais (só conte o que der pontos Úlceras nas pontas dos dedos 2
mais altos) Úlceras estelares 3
Telangiectasias 2
Capilaroscopia anormal 2
Hipertensão pulmonar ou doença pulmonar Hipertensão pulmonar 2
intersticial (máximo de 2 pontos) Doença pulmonar intersticial 2
Raynaud - 3
Anticorpos da esclerodermia (Scl70, anticentrômero, antiRNA polimerase III) (máximo de 3 pontos) 3
OBS: MCF= metacarpofalangianas
200

ESCLERODERMIA EM EXPOSIÇÃO QUÍMICA

Um bom número de exposições ocupacionais e outras formas de exposição a químicos


estão associados à ocorrência de esclerodermia embora o razão para que isto ocorra não esteja
bem clara. A exposição ao pó de sílica é uma dessas associações. Assim sendo existe um grande
número de relatos de incidência aumentada de esclerodermia em mineradores de ouro (em
grutas subterrâneas), assopradores de vidro, e trabalhadores em cerâmica e fundição. O risco
de desenvolver esclerodermia aumenta em 17 vezes nos mineradores de carvão (estudos feitos
em minas na Alemanha sendo mais frequente nos que trabalham com motores que são os
indivíduos que acabam se expondo a uma concentração maior de sílica respirável. Outro estudo,
também alemão, mostra um aumento de esclerodermia de 25 X em pacientes que se expõe à
sílica e de 110 vezes se o paciente já é portador de silicose!!
Outra condição associada com o desenvolvimento de esclerodermia é a exposição a
substâncias tipo parafina e silicone, usadas para plástica de mama. Esta associação tem sido
notada principalmente entre japoneses, ocorrendo, em geral, vários anos após as injeções. Se
este assunto te interessa leia alguma coisa a mais, na leitura complementar abaixo, sobre
doença por adjuvante em humanos.
Mais uma evidência da associação entre a esclerodermia e agentes químicos vem da
epidemia do "óleo tóxico" na Espanha. Esta epidemia ocorreu após a ingesta de um óleo de
cozinha adulterado. Depois de uma doença aguda as vítimas desenvolveram alterações de pele
semelhantes à esclerodermia, às vezes, com um aspecto um aspecto mais típico de fasciíte eosi-
nofílica, assim como, neuropatias, Sjögren, disfunção pulmonar e esofagiana.
Outra forma de exposição química associada à esclerodermia é a inalação ou exposição
cutânea ao cloreto de vinila. Um estudo demonstrou a ocorrência deste tipo de alteração em 10
de 200 pacientes expostos a este químico. Entretanto parece que a síndrome resultante não é
bem típica: as lesões de pele são nodulares, ocorre baqueteamento digital, sacroiliíte erosiva e
fibrose hepática. Acredita-se que exista uma susceptibilidade genética que predisponha à ocor-
rência da doença.
Finalmente, a doença tem sido vista também em associação com exposição a certos
solventes orgânicos. Outras drogas implicadas em manifestações esclerose-like são a dapsona e
a parafina.
Embora os casos de esclerose sistêmica induzidos quimicamente sejam a minoria, o
reconhecimento de agentes específicos como capazes de causar a doença ajuda em muito no
esclarecimento dos possíveis mecanismos etiopatogênicos da doença idiopática, assim como
abre novas perspectivas em termos de tratamento.

ESCLERODERMIA SINE ESCLERODERMA

Cerca de 10% dos pacientes com esclerodermia têm apenas envolvimento visceral, sem
acometimento cutâneo. Este é um subgrupo pouco estudado da doença. O diagnóstico é feito
com base em achados de envolvimentos viscerais tais como hipomotilidade de esôfago,
Raynaud, doença intersticial pulmonar etc e pela presença dos autoanticorpos. O padrão de
envolvimento visceral tende para o da forma limitada da esclerodermia.

A ESCLERODERMIA SÓ DE PELE

Escleroderma localizado ocorre em uma minoria de pacientes e pode se manifestar de


diferentes formas: morfea, esclerodermia linear, esclerodermia em golpe de sabre e hemiatrofia
facial.
A morfea apresenta-se como uma descoloração perolácea da pele circundada por um
leve anel eritematoso violáceo. Tipicamente ocorre como lesão isolada, em geral, no tronco e
201

quase nunca se associa a envolvimento sistêmico. Quando aparecem lesões múltiplas e


pequenas recebe o nome de esclerodermia guttata (em gotas).
A esclerodermia linear é uma lesão em faixa envolvendo o tronco ou uma extremidade,
mais frequentemente visto em crianças que adultos. Quando está envolvendo um braço ou uma
perna a lesão tende a se aprofundar penetrando no subcutâneo, fáscia, músculo assim como em
osso subcondral prejudicando o crescimento local.

A B

C D

E F
FIGURA 13.8- Formas localizadas de esclerodermia: (A) golpe de sabre; (B) e (C)- formas
lineares, (D) formas de morfea em placas; (E) e (F)- morfea generalizada.
202

Escleroderma em golpe de sabre é assim chamada porque lembra a cicatriz de um golpe


de espada na fronte; pode ser uma variante da esclerodermia linear ou alternativamente, uma
forma limitada de hemiatrofia facial. Na hemiatrofia facial, um dos lados da face sofre alterações
esclerodermatosas com atrofia dos tecidos subcutâneos e muscular.
Todas as formas de esclerodermia localizada podem involuir completamente. As lesões
de morfea podem deixar graus variáveis de hiper ou hipopigmentação e atrofia; a esclerodermia
linear pode deixar contraturas e atrofia.
Tem sido descrito que trauma pode precipitar o aparecimento da morfea, mas isto não
é bem documentado. A ocasional coexistência de nevos, vitiligo e perda da sudorese em
associação com esclerodermia linear em território de distribuição de nervo autônomo sugere a
possibilidade de um mecanismo neurológico ou neurovascular. Experimentos com enxertos de
pele mostram que, quando pedaços de pele com esclerose são transplantados em pele normal,
existe uma tendência para ocorrer resolução do processo de morfea, mas a não resolver na
esclerodermia sistêmica. Contrariamente a descrições anteriores, o FAN tem sido encontrado
em pacientes com as formas localizadas da doença. Anticorpos anti Scl-70 e anticentrômero não
foram encontrados nestes pacientes. Embora existam casos descritivos de transição de morfea
para esclerose sistêmica acredita-se que, nestes casos, o diagnóstico inicial de morfea estava
errado e o paciente já era um portador de esclerose sistêmica desde o início. Transformação
verdadeira deve ser extremamente rara.

TRATAMENTO DA ESCLERODERMIA

Não existe uma droga ou combinação delas que tenha provado ser de valor ou que seja
completamente aceita como capaz de sustar a doença. Isto decorre da precariedade dos co-
nhecimentos sobre a patogênese da doença. Desta maneira resta ao médico tratar cada uma
das manifestações apresentadas pelo paciente.

TRATAMENTO DO ENVOLVIMENTO DE PELE - Cuidados gerais incluem uma lubrificação


adequada da pele com agentes emolientes, evitando banhos muito quentes ou com excesso de
sabão. Tarefas que envolvam objetos pontiagudos (que potencialmente podem danificar a pele
ou produzir cortes) devem ser evitadas, assim como exposição das mãos a agressores químicos,
como, por exemplo, detergentes muito fortes. Evitar banhos muitos quentes e com uso
abundante do sabonete deve ser evitado porque ressecam a pele. Hidratantes auxiliam na
sensação de secura e no prurido.
Úlceras que aparecem nas pontas dos dedos são, em geral isquêmicas e são melhores
tratadas com proteção local, imobilização e cuidados para infecção secundária se esta existir. Já
as úlceras sobre interfalangianas proximais, cotovelos e maléolos são geralmente causadas por
trauma local e também devem ser tratadas com medidas conservadoras locais.
O uso de d-penicilamina e de colchicina advogado até alguns anos atrás tem sido
abandonado por falta de provas de sua eficiência. O metotrexate, usado nos mesmos moldes da
AR, parecer ter alguma ação sobre as medidas de envolvimento da pele.

TRATAMENTO DO RAYNAUD - É fundamental que na Síndrome de Raynaud, o indivíduo seja


protegido contra o frio. Deve-se, também, evitar o fumo que é um vasoconstritor potente. Entre
as drogas mais utilizadas estão os bloqueadores de fluxo transmembranoso do cálcio como
nifedipina e verapamil, principalmente a primeira. Esta droga também tem um efeito benéfico
em perfusão miocárdica e reduz a pressão de perfusão pulmonar. Entretanto, tem um efeito
negativo sobre a regurgitação gástrica por reduzir o tônus do esfíncter esofagiano inferior.
Outras drogas utilizadas seriam: inibidores da enzima de conversão de angiotensina, agentes
simpaticolíticos, inibidores de receptores de endotelina, prostaglandinas e em, casos rebeldes
e com ulceração, simpatectomia.
203

TRATAMENTO DA CALCINOSE- A calcinose pode ser tratada com excisão cirúrgica simples
desde que a pele das redondezas esteja intacta e não esteja infiltrada com cálcio, o que
prejudicaria a cicatrização. Em situações em que ocorreu a ulceração de pele e formação de
fístula, a cirurgia deve ser evitada. Quando existe uma reação inflamatória estéril, por depósito
de cristais de hidroxiapatita, pode-se utilizar a colchicina com bom resultado. Outro grupo de
drogas passível de utilização é o dos varfarínicos em doses baixas, diatiazen (bloqueador de
canal de cálcio), bisfosfonados e tiossulfato de sódio.

TRATAMENTO DO ENVOLVIMENTO MÚSCULO-ESQUELÉTICO - Pacientes com miosite aguda


respondem bem a corticoterapia ou a corticoide associados a imunossupressores. A forma
crônica de miosite é mais rebelde a este tratamento. Na sinovite pode-se usar AINH. A
fisioterapia é importante para prevenir contraturas, para manter um bom trofismo muscular
como também para alívio dos sintomas resultantes do envolvimento articular.

TRATAMENTO DO ENVOLVIMENTO GASTRINTESTINAL - Boca: deve-se prestar atenção aos


cuidados com os dentes: a microstomia pode dificultar o acesso e impedir uma boa higiene.
Visitas regulares ao dentista e uma escova de dentes com o cabo longo podem ser
recomendados. Em casos muito avançados pode ser necessária cirurgia para a ressecção de
tecidos fibróticos periorais.
Esôfago: as drogas utilizadas na tentativa de estimular a motilidade do esôfago são
metoclorpramida (10 mg antes das refeições e ao deitar) e cisapride. Ambas só são efetivas
quando o esôfago não está severamente infiltrado.
Medidas anti-refluxo podem ser utilizadas e são as seguintes:
 manter a cabeceira da cama elevada (para evitar o refluxo noturno),
 não deitar após as refeições,
 alimentar-se com refeições de pequeno volume,
 uso de antiácidos e bloqueadores de H2, e, mais recentemente, do omeprazole, que tem
provado ser bastante eficiente.
A ocorrência de estreitamentos pode requerer dilatação periódica ou tratamento
cirúrgico. Esofagectomia parcial com interposição de segmento de colon (esofagocoloplastia)
pode ser realizada, mas o cólon interposto também pode desenvolver hipomotilidade. Refluxo
crônico pode levar ao desenvolvimento de úlcera de Barret, a qual predispõe a neoplasias.
Intestino delgado: teoricamente os procineticos devem ajudar na melhoria da motilidade, mas
na prática, o efeito é pequeno. Quando existe proliferação bacteriana e síndrome de má-
absorção, o uso de antibióticos de amplo espectro como ampicilina, tetraciclina, metronizadol
e trimetroprin-sulfametoxazol podem ser usados. Suplementação dietética com triglicerídeos
de cadeia média pode ser necessária.
Episódios de pseudo-obstrução resultante de um íleo adinâmico podem ocorrer. O
tratamento cirúrgico (ressecção de parte do intestino) raramente está indicado,uma vez que os
sintomas tendem a recorrer e o pós operatório pode ser complicado com um íleo prolongado.
Colon: os divertículos de boca larga raramente são sintomáticos a menos que perfurem e
causem abdome agudo. Os sintomas de constipação crônica devem ser tratados com dieta e
suplementação de fibras.

TRATAMENTO DAS MANIFESTAÇÕES PULMONARES - Pleurite aguda e sintomática pode ser


tratada com AINHs, sendo o corticoide raramente necessário. O tratamento de pacientes com
fibrose pulmonar deve ser feito precocemente, na fase de pneumonite intersticial, uma vez que,
se a fibrose ficar estabelecida, os medicamentos usados deixam de ter boa atuação. Este
tratamento é feito com ciclofosfamida isolada ou combinada com corticoides. Uso isolado de
corticoide não é eficiente. A ciclofosfamida pode ser administrada em pulsos mensais, de
maneira semelhante ao que é feito no lupus ou em doses orais. É muito difícil acompanhar a
204

resposta destes pacientes ao medicamento: tomografia computadorizada de alta resolução,


provas de função ventilatória e lavado bronco alveolar são os itens observados. O tempo de
duração do tratamento não está claro. Uma boa prática é fazê-lo por seis meses e depois re-
avaliar a necessidade de seu uso. Outros medicamentos usados para tratamento do
envovliemnto pulmonar são o mofetil micofenolato e o rituximabe. O tratamento da
hipertensão pulmonar pode ser feito com antagonistas do receptor da endotelina-1 (bosentam
e sitaxsentam), análogos de prostaciclina (iloprost, trepostinil e epoprostenol) ou com inibidores
da fosfodiesterase (sildenafil e tadalafil) usados de maneira isolada ou combinada. Além disto,
estes pacientes podem se beneficiar de oxigênio, diuréticos e digitais. Os bloqueadores de canal
de cálcio são difíceis de usar (existem testes de vasoreatividade prévio) e sofrem taquifilaxia, ou
seja, perdem o efeito com o tempo de uso.

TRATAMENTO DAS MANIFESTAÇÕES CARDIOVASCULARES - A pericardite é tratada com AINH


ou, se necessário, com corticoide.O envolvimento miocárdico é tratado com corticoides e/ou
sintomaticamente, ou seja, trata-se a arritmia, a angina ou a insuficiência cardíaca. Na
esclerodermia como em qualquer outra forma de miocardiopatia existe um aumento de
sensibilidade ao digital. O uso de vasodilatadores como a nifedipina parece prevenir os defeitos
de perfusão após exposição ao frio (visto em estudos usando cintilografia pelo tálio), mas o seu
papel clínico permanece indefinido.

TRATAMENTO DAS MANIFESTAÇÕES RENAIS - A melhora dos métodos de diálise e o uso de


anti-hipertensivos potentes têm reduzido a mortalidade em esclerodermia, particularmente o
uso de inibidores de conversão de angiotensina como o captopril. Entretanto, não são todos os
casos respondem a este tratamento. É muito importante a precocidade do tratamento anti-
hipertensivo existindo quem postule que o paciente deva ser acompanhado com dosagens
periódicas de renina sérica e tratado assim que demonstre algum aumento, independente dos
níveis tensionais. O captopril pode ser usado isoladamente ou junto com minoxidil, hidralazina
ou propanolol. Infelizmente, a despeito de um bom controle pressórico existe certo número de
pacientes que progridem para insuficiência renal necessitando de diálise. Destes alguns têm
retornado à função renal normal, outros permanecem como dependentes crônicos da diálise e
são candidatos ao transplante renal, o que tem sido feito com sucesso..

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Duas formas de manifestações da esclerodermia necessitam um diagnóstico diferencial:


a do paciente que aparece com fenômeno de Raynaud e a do paciente com manifestações
cutâneas. Outras causas de fenômeno de Raynaud serão abordadas mais adiante. Já o
espessamento de pele deve ser diferenciado de esclerodactilia da diabetes, mixedema,
escleredema, escleromixedema e amiloidose. Em casos de dúvida, a biópsia de pele pode ajudar
a fazer esta diferenciação. Outros elementos úteis são a pesquisa de envolvimento de
esclerodermia em outros órgãos e dos auto-anticorpos.

Leitura complementar 13.1 - Fenômeno de Raynaud

Fenômeno de Raynaud é uma condição caracterizada pelo desenvolvimento abrupto de


palidez e cianose digital em resposta a exposição ao frio ou a fatores emocionais. Estes ataques
são acompanhados de disestesias e o fim deles é caracterizado por ocorrência de uma hiperemia
dolorosa. Descrito por Maurice Raynaud suas alterações são tipicamente trifásicas, começando
com palidez, prosseguindo para cianose e terminando em hiperemia, embora formas
incompletas sejam aceitas como válidas. Este tipo de manifestação nem sempre é reconhecida.
205

O fenômeno de Raynaud pode ser primário, mas é frequentemente associado a uma


variedade de doenças, principalmente as do tecido conjuntivo. Nestas condições associadas
costuma existir alteração histológica nos vasos que comprometem a sua resposta a estímulos
físicos comuns, como ao frio e à vibração. A importância relativa das alterações estruturais e de
vasoespasmos devidos a causas centrais ou periféricas na patogênese do Raynaud ainda não
estão bem esclarecidos.
Fenômeno de Raynaud é um termo que meramente descreve os fatos como eles
ocorrem. Já o termo síndrome de Raynaud (ou Raynaud secundário) é reservado para os casos
associados a uma desordem primária reconhecida; doença de Raynaud (ou Raynaud primário) é
usado para aqueles casos em que não se detecta doença subjacente por pelo menos 2 anos após
o início dos sintomas. Esta separação é de certa maneira artificial porque é bem sabido que
existem casos depacientes com Raynaud que só desenvolveram esclerodermia 14 anos após o
aparecimento deste. Alguns autores sugerem que se substitua o termo Doença de Raynaud por
Raynaud idiopático.
No quadro 13.6 alguns dados que ajudam a identificar o Raynaud de origem secundária.

QUADRO 13.7- CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS DO RAYNAUD SECUNDÁRIO


 Sexo masculino;
 Dor junto com os ataques isquêmicos;
 Alterações tróficas nos dedos (em geral, ulcerações isquêmicas);
 Idade de aparecimento acima de 40 anos;
 Assimetria dos dígitos afetados;
 Sinais e sintomas de uma doença subjacente (reumática, hematológicas etc);
 Achados anormais de laboratório (FAN, crioglobulinas etc).

FISIOPATOLOGIA

O bom conhecimento do sistema vascular é importante para o entendimento da


fisiopatologia do fenômeno de Raynaud. A artéria subclávia fornece sangue para a artéria radial
e ulnar. Estas, por seu turno, se dividem em arco palmar superficial e profundo, a partir dos
quais se formam as artérias digitais. Assim cada dedo tem um suprimento sanguíneo duplo.
Para que se afete o fluxo digital, deve existir uma obstrução proximalmente na artéria
subclávia ou esta obstrução deve envolver tanto a artéria radial como a ulnar, senão não se
consegue afetar o fluxo sanguíneo de cada dedo. Uma única exceção é o polegar, que tem sua
irrigação proveniente unicamente do arco palmar profundo via artéria radial. A situação é
semelhante no pé com exceto pelo fato de que o primeiro pododáctilo também recebe um
suprimento duplo.
Alguns princípios fisiológicos são importantes para entendimento do fenômeno de
Raynaud. Da Lei de Poiseville deduz-se que existem 3 mecanismos pelos quais pode ocorrer
diminuição do fluxo capilar:
 diminuição da pressão de perfusão;
 diminuição do raio do lume da artéria digital;
 aumento na viscosidade sanguínea.
Estes mecanismos podem ser funcionais ou anatômicos e podem ocorrer em combi-
nação ou isolados.
206

QUADRO 13.8- RAYNAUD - FISIOPATOLOGIA


DIMINUIÇÃO DA PRESSÃO DE PERFUSÃO hipotensão arterial;
oclusão proximal;
DIMINUIÇÃO DO LUMEN: oclusão luminal trombose ;
vasculites;
vasoespasmo aumento de atividade simpatico;
alteração nos mediadores locais;
AUMENTO DE VISCOSIDADE SANGUÍNEA:
aumento de proteínas circulantes. (fibrinogênio, imunoglobulinas,
complexos imunes);
aumento dos componentes celulares.

Uma diminuição de perfusão ocorre, por exemplo, em uma hipotensão severa ou


obstrução proximal causada por um trombo em artéria subclávia ou por uma costela cervical.
Estreitamentos do lume podem ocorrer por vasoespasmo, oclusão vascular anatômica
ou ambos. Um exemplo de oclusão luminal é característica de pacientes com Raynaud
secundário à esclerodermia; biópsia de vasos digitais mostra hiperplasia de íntima e fibrose da
adventícia nesta doença. Pacientes com LES e Raynaud podem ter vasculite e trombose. Va-
soespasmo pode ser causado por descarga adrenérgica central ou por fatores locais que mediam
o grau de vasoconstrição e de shunting dos vasos. Um aumento de atividade simpática local ou
hiperatividade vascular local ao estímulo simpático são duas explicações para explicar o
componente de vasoespasmo do Raynaud.
Um terceiro mecanismo pelo qual pode-se diminuir o afluxo de sangue à uma
extremidade seria por aumento da viscosidade sanguínea seja por aumento dos componentes
celulares ou por proteínas circulantes como o fibrinogênio e imunoglobulinas.

EPIDEMIOLOGIA

Cerca de 60 a 90% dos pacientes com Raynaud são mulheres; estas têm mais
comumente o Raynaud primário e o secundário que está associado com doenças do tecido
conjuntivo. Homens com Raynaud geralmente são de idade mais avançada e têm uma incidência
mais alta de arterosclerose. Certas ocupações aumentam o risco de desenvolver esta doença
como é o caso de lenhadores e mineradores usando equipamento vibratório.

DOENÇAS ASSOCIADAS

Em uma série de 631 pacientes portadores de Raynaud de ambos os sexos e sem


distinção de idade, estudada por Freedman et al, só 40% destes tinham uma doença associada.
Destes, 40% tinham uma doença do tecido conjuntivo (esclerodermia em primeiro lugar,
seguido por doença mista do tecido conjuntivo, L.E.S., A.R. e Sjögren); os restantes tinham
desordens variadas tais como arterosclerose, tromboangeíte obliterante, trauma e uso de
máquinas vibratórias. Neste mesmo grupo, se o paciente apresentava um início do Raynaud
após os 60 anos, 80% destes tinham uma doença subjacente (com uma menor porcentagem de
doenças do tecido conjuntivo e uma maior porcentagem de síndromes de hiperviscosidade,
malignidade e arteriosclerose). Raynaud como uma manifestação de doença arteriosclerótica
era frequente em homens com outras manifestações de doença arteriosclerótica como doença
cardiovascular.
O uso de determinados medicamentos, tais como os  bloqueadores, anticoncepcionais,
anfetaminas e drogas simpaticomiméticas estão associados à ocorrência de fenômeno de
Raynaud. Outras drogas relacionadas coma sua ocorrência são quimioterápicos, principalmente
aqueles usados para o tratamento de câncer de testículo como a cisplatina, vinblastina e
bleomicina. Destas, a bleomicina está relacionada com o início do fenômeno de Raynaud,
207

principalmente quando feita em injeções em bolo. Uma isquemia suficiente para causar
ulceração ou gangrena, sugere a presença de uma doença arterial subjacente. Ela nunca
acontece em situações só de vasoespasmo.

QUADRO 13.9- DOENÇAS ASSOCIADAS AO FENÔMENO DE RAYNAUD


esclerodermia, LES, AR, dermatopolimiosite, DMTC, vasculites (PAN)
DOENÇAS DO TECIDO CONJUNTIVO
DOENÇAS HEMATOLÓGICAS crioproteinas/crioglobulinas, hemaglutininas p/frio, paraproteinemias,
policitemia , trombocitemia , doença tromboembólica;
DOENÇAS ARTERIAIS: tromboangeíte obliterante, arteriosclerose obliterante, arterites;
COMPRESSÃO NEUROVASCULAR síndrome do desfiladeiro torácico síndrome do túnel carpiano, síndrome de
compressão da cintura escapular;
OCUPACIONAL: máquinas vibratórias, trauma arterial direto, acro-ostólise do contacto com cloreto de vinila;
DROGAS ergotamínicos, metisergida,  bloqueadores, metais pesados, nicotina, cafeína, estrógenos,
progesterona e simpáticomiméticos;
NEUROGÊNICA poliomielite, seringomielia, hemiplegia.
MISCELÂNEA: neoplasias, hipotireoidismo, insuficiência renal crônica, hipertensão pulmonar primária.

ABORDAGEM CLÍNICA

A abordagem do paciente deve começar por uma descrição detalhada dos sintomas do
paciente: a descrição clássica é trifásica: palidez (pela vasoconstrição e diminuição súbita do
fluxo arterial), cianose (as veias se relaxam mais rapidamente que as artérias e o sangue é
dessaturado). No terceiro estágio, o que se vê é eritema e vasodilatação secundária. Esta
alteração trifásica ocorre em 2/3 dos pacientes, nos outros os achados são incompletos. A
palidez é condição sine qua non para o diagnóstico. Ela deve envolver a área toda e não ser
salpicada; além disso, deve se estender até pelo menos a articulação interfalangiana distal.
O paciente costuma se queixar de formigamentos, queimação e amortecimento na área
afetada. O início é, em geral, abrupto e segue stress psíquico ou exposição ao frio. Os dedos da
mão são mais frequentemente envolvidos sendo raro o acometimento do polegar. Os membros
inferiores, lobos de orelha e pontas do nariz podem estar acometidas. Se os sintomas do
paciente são bilaterais e simétricos, com envolvimento de múltiplos dígitos, existe uma maior
chance de que o Raynaud seja primário. Se for assimétrico e envolver poucos dígitos deve se
pensar mais no Raynaud secundário. Quando a isquemia é prolongada ou intensa podem ocorrer
áreas de isquemia que resultam em cicatrizes estelares vistas nas pontas dos dedos. A
ocorrência de necrose é um fator que ajuda a pensar no Raynaud secundário.
Ao se obter a história deve-se enfatizar através da anamnese dirigida, a procura dos
sinais e sintomas que sugiram uma doença do tecido conjuntivo como fotossensibilidade, lesões
de pele, telangiectasias, artrite, etc; hobbies, esportes e medicações. Histórias de angina ou de
claudicação intermitente sugerem arteriosclerose obliterante e a de tromboflebite migratória
sugere tromboangeíte obliterante.
O exame físico deve incluir exame dos pulsos periféricos e manobras para a síndrome
do desfiladeiro.

EXAMES COMPLEMENTARES

Os exames laboratoriais complementares se dividem em dois grupos: os destinados a


confirmar o diagnóstico de síndrome de Raynaud e os destinados a procurar uma doença sub-
jacente.
No grupo de exames destinados a fazer o diagnóstico do fenômeno de Raynaud em si,
incluem-se a pletismografia, termocouple ultrassom e arteriografia mas estes exames são
difíceis de serem feitos na pratica diária. A arteriografia está indicada em pacientes com
208

isquemia unilateral com o fim de diagnosticar uma possível obstrução orgânica potencialmente
corrigível pela cirurgia. O laboratório no diagnóstico de fenômeno de Raynaud só é parcialmente
bem sucedido. Uma história bem documentada ainda é insubstituível.
A procura de uma doença subjacente em um paciente com Raynaud é feito através da
seguinte bateria de testes: hemograma, VHS, perfil bioquímico, FAN, látex, parcial de urina e RX
de mãos. Se o diagnóstico de esclerodermia é suspeitado pode-se proceder a provas de função
respiratória e estudo da motilidade do esôfago. A esclerodermia dá FAN positivo em mais de
90% dos casos quando se utiliza extrato de células humanas para esta pesquisa. Testes adicionais
são pedidos em casos selecionados e incluem: eletroforese de proteínas, dosagem de
complemento, VDRL, pesquisa de anti DNA e do ENA, antígeno de hepatite B e anticorpo
anticentrômero, crioproteínas e crioaglutininas. RX de tórax pode ser necessário para se verificar
a possibilidade de costela cervical e a eletromiografia pode ser útil no diagnóstico de síndromes
compartimentais.

A capilaroscopia periungueal é um
teste fácil de ser executado e que fornece
dados úteis quando se suspeita de uma doença
do colágeno subjacente, principalmente a
esclerodermia.
Esta técnica, originalmente descrita para
uso de biomicroscópio (veja figura ao lado)
pode ser confortavelmente executada com um
oftalmoscópio comum. Uma gota de óleo
mineral é colocada na prega ungueal e o
oftalmoscópio é colocado em 40 dioptrias (+),
resultando em um aumento de 10 vezes. O
instrumento é colocado perto, mas sem tocar
FIGURA 13.9 - Capilaroscopia no óleo. Em indivíduos normais os capilares são
periungueal com biomicroscopio vistos como alças regulares, finas, correndo
perpendicularmente à base da unha.

Um indivíduo com esclerodermia possui o padrão capilaroscópico SD, que consiste em


presença de capilares alargados, deformados, com dilatação da via aferente e eferente (aspecto
em salsicha).
São capilares ectasiados quando o aumento é de até 9 vezes o de um capuialr normal
ou megacapilares quando o auemnto atinge 10 vezes o normal. Associado a isto podem existir
áreas avasculares, capilares com muitas ramificações (chamados de capilares em arbusto) e
desorganização marcante. Esta última é encontrada nas fases tardias da doença. Este padrão
não só auxilia no diagnóstico da esclerodermia, mas também ajuda a determinar o seu
prognóstico. Quanto mais áreas avasculares, maior é a chance de que se trate de uma forma
difusa da doença, que é mais grave. O padrão SD é classicamente descrito na esclerodermia mas
também pdoe ser encontrado na dermatomiosite. As alterações capilaroscópicas podem
preceder os sintomas da esclerodermia, ajudando a predizer quais os indivíduos com Raynaud
que irão desenvolver esta doença. A capilaroscopia pode ser de difícil visualização em indivíduos
de cor escura ou naqueles que traumatizam a prega ungueal por trabalhos manuais ou técnicas
de manipulação cuticular. Veja imagens de achadps capílaroscópicos na página seguinte.
Predizer o que um fenômeno de Raynaud virá a ser pode ser um dilema difícil e é mais
importante para prognóstico do que para tratamento uma vez que não existe uma terapêutica
que previna o aparecimento de uma doença do tecido conjuntivo. Além disso, o tratamento
vigoroso do Raynaud não influencia no prognóstico da doença do tecido conjuntivo
209

A B

C
D

E F

G H
FIGURA 13.9 – Capilaroscopia periungueal: (A)-Desenho esquemático dos achados, (B)-
capilar normal, (C)- Aspecto macroscópico sugestivo de padrão SD . Em fotos de (D) até
(H)- detalhes de achados capilaroscópicos de padrão SD com capilares extasiados e
áreas avasculares.
Fotos F ,G e H - gentileza do Dr Leonardo Schmidt.
210

TRATAMENTO DO FENÔMENO DE RAYNAUD

Existe uma variedade muito grande de modalidades terapêuticas usadas no fenômeno


de Raynaud. O manejo deste tipo de paciente deve ser adequado à severidade e etiologia da
doença. Uma observação interessante é a de que a gravidade do fenômeno de Raynaud está
relacionada com o número de fases do mesmo. Assim, um fenômeno trifásico tem muito mais
changes de trazer alterações tróficas para os membros do que um unifásico.
Medidas preventivas são benéficas para todos os pacientes e podem ser as únicas
necessárias nos casos leves. Nestes, o uso da medicação oral, deve se limitar aos episódios de
vasoespasmo.

MEDIDAS PREVENTIVAS - A medida preventiva mais óbvia é evitar o excesso de exposição ao


frio. É importante vestir-se de maneira adequada não protegendo só a extremidade afetada
mas, também, todo o corpo e a cabeça (esta última é a maior fonte de perda de calor). Existem
algumas fábricas americanas que desenham roupa especial para este tipo de paciente com a
vantagem de ser menos volumosa. Luvas e botas aquecidas eletricamente também podem ser
usadas.Evitar o fumo é outra medida a ser utilizada. O cigarro é deletério para qualquer portador
de doença vascular periférica. Em indivíduos normais, fumar 2 cigarros diminui o fluxo sanguíneo
cutâneo de 40% ou aumenta a resistência vascular de 100% (3). Outras drogas que estimulam
os nervos simpáticos central ou perifericamente potencializam o fenômeno de Raynaud, e
devem ser evitadas,como é o caso de cafeína, anfetaminas etc.
Já se comentou que o fenômeno de Raynaud pode ser induzido por vibrações: p ex.,
pacientes que trabalham britando pedras com uso de martelo pneumático, esmerilhadores,
rebitadores, digitadores e aficcionados por handebol e boliche principalmente quando as bolas
não estão bem adequadas. Esta forma de Raynaud está associada ao dano de fibras nervosas
com perda de sensibilidade e fraqueza dos músculos das mãos. O Raynaud induzido por vibração
pode ser revertido em 1/4 dos pacientes se eles mudarem de atividade no início dos sintomas.
Enquanto não se fabricam máquinas mais adequadas pode-se melhorar os efeitos destes
instrumentos segurando-se-os de maneira mais leve, usando velocidade mais baixa e usando
luvas grossas e com propriedades antivibratórias.

VASODILATADORES-As drogas mais populares no tratamento do Raynaud são os bloqueadores


de canais de cálcio, dentre os quais a nifedipina ou anlodipina que tem maior efeito periférico
Existe, no entanto uma sugestão de que possa ocorrer taquifilaxia com o uso desta droga.
Pacientes com fenômeno de Raynaud idiopático respondem melhor. Efeitos colaterais incluem
rash facial, cefaléia, sensação de cabeça leve e edema De maneira similar, o diltiazem também
é efetivo em doses de 90 a 180 mg/dia. Verapamil, o bloqueador de canais de cálcio mais velho,
exerce uma ação mais vigorosa em coração e não é efetivo em Raynaud.
Descreve-se também o uso de nitratos tópicos, que melhoram a temperatura dos dedos,
aumentam o fluxo sanguíneo e têm sido úteis para abortar ataques severos. Entretanto o seu
uso tem sido questionado e fica difícil o uso de aplicações frequentes. Nitroglicerina sublingual
tem sido recomendada para pacientes que tem poucos ataques
Outra classe dos agentes vasodilatadores é a dos inibidores de conversão de enzima
como o captopril. Estes agentes relaxam a musculatura lisa por diminuir a conversão de an-
giotensina 1 em angiotensina 2. Inibidores de receptores de angiotensina 2, como o losartana,
também são usados mostrando reduzir a gravidade e a frequência dos ataques. Outros
medicamentos são sildenafila, bosentana (antagonista da endotelina-1) e fluoxetina. A
bonsentana parece prevenir o aparecimento de ulceras isquêmicas mas não tem um efeito
importante sobre as já estabelecidas.

DERIVADOS DE PROSTAGLANDINAS- Prostaglandina E1 (PGE1), prostaciclina ( PGI2) e iloprost (


um análogo de PGE1) têm sido usadas mais em casos refratários. Estas medicações estão
211

limitadas pelo uso parenteral (em geral, endovenoso). Preparações orais estão em estudo e não
são encontradas no país.

SIMPATECTOMIA - Simpatectomia torácica pode ser seguida por uma melhora parcial, em geral
transitória. Este procedimento pode ser substituído por infiltração do simpático cervical com
anestésico local em dias alternados por 1-2 semanas. Outra técnica proposta é a simpatectomia
digital acompanhada de "descascamento" da adventícia das artérias digitais.

TRATAMENTO DAS ÚLCERAS E DA NECROSE - Quando ocorre infarto digital e gangrena, o


melhor é esperar pela demarcação dos tecidos viáveis (auto-amputação). Entretanto se existe
superinfecção bacteriana a intervenção cirúrgica pode estar indicada.

Leitura complementar 13.2- Fasciíte eosinofílica

É uma doença que afeta homens e mulheres adultos com uma maior incidência entre
terceira e sexta décadas. Cursa com alterações cutâneas que lembram a esclerodermia, eosinofi-
lia, V.H.S. alto e hipergamaglobulinemia. Na metade dos casos se segue à realização de um
exercício físico intenso.
Embora a fasciíte eosinofílica seja considerada por muitos como uma variante da es-
clerodermia, isto não é bem aceito por todos os autores. Sua etiologia é desconhecida. Tem-se
postulado o papel de fatores humorais e celulares autoimunes, inferidos de sua associação com
outras doenças sabidamente de autoimunidade (S. de Sjögren, tireoidites e vitiligo), da
existência de imunorreagentes em fáscia e de hipergamaglobulinemia, assim como, pela
ocorrência de fasciíte eosinofílica como manifestação da doença graft x host. Mais
recentemente tem se tentado implicar a Borrelia burgdosferi na etiologia desta patologia.
Não guarda relação significante conhecida com qualquer tipo de HLA.
São pacientes que se apresentam com dor, rigidez e edema na porção distal das
extremidades associadas a fenômenos gerais como mal-estar, fraqueza, febre e alterações de
peso. O que se vê precocemente é edema e irregularidade na pele, a qual fica com aspecto
semelhante à casca de laranja, podendo ou não ser pregueada. As alterações de pele podem ser
vistas em qualquer região do corpo mas são mais comuns em pernas, braços, mãos e pés.
Outras alterações cutâneas incluem: eritema, urticária, bolhas, alopécia, vitiligo, hiper e
hipopigmentação e a própria morféia. As manifestações extra-cutâneas incluem:
Articulares:- artralgias, artrites, síndrome do túnel carpiano. Contraturas costumam ser
proeminentes. Miosites são comuns e refletem extensão do processo inflamatório da fáscia.
Viscerais:- são mais raros. Consistem em disfunção esofagiana, anormalidades ventilatórias
restritivas (por envolvimento da fáscia do tronco) e derrame pericárdico.
Ao contrário do que é observado nos pacientes com esclerodermia típica, a ocorrência do
fenômeno de Raynaud, de telangiectasias e de ulcerações dos dedos é rara.
Por outro lado, existe uma associação da fasciíte eosinofílica com Síndrome de Sjögren, vitiligo
e tireoidites que incidem com uma maior frequência nestes pacientes.
Mais recentemente vem se descrevendo uma associação intrigante da fasciíte eosinofílica com
doenças hematológicas como anemia aplástica, trombocitopenias, anemia hemolítica,
leucemias e doenças linfoproliferativas. Nestes casos o prognóstico torna-se reservado. A
trombocitopenia ocorre pela formação de anticorpos anti plaquetários. Nos casos de anemia
aplástica acredita-se que exista uma alteração no microambiente da medula óssea ou a
ocorrência de uma imunoglobulina G que inibe o crescimento da célula matriz da linha eritroide
212

e dos granulócitos. Não se tem boa explicação para a transformação maligna observada em
alguns casos.
Eosinofilia periférica é um achado marcante nestes pacientes, mas pode ser transitório.
Pode-se ter hipergamaglobulinemia e aumento da V.H.S. Nem sempre existe uma correlação
clínica entre a VHS, eosinofilia e atividade clínica da doença.
O diagnóstico é feito por biópsia que inclua pele, gordura, fáscia e músculo. Os achados
mais marcantes são inflamação, edema, espessamento e esclerose da fáscia. O infiltrado
inflamatório contém linfócitos, histiócitos, células plasmáticas e eosinófilos. A distribuição dos
eosinófilos pode ser focal e está relacionada com a eosinofilia periférica. Em músculo, vê-se
miosite focal. Derme e epiderme são normais. À imunofluorescência são encontrados depósitos
de IgG e complemento na fáscia e junção dermo-epidérmica.
O tratamento é feito com prednisona, 40 a 60 mg/dia com resposta variável. Em casos
rebeldes pode-se usar cloroquina. Embora a literatura tenha enfatizado a natureza benigna
desta doença isto não é verdade para os casos associados com alterações hematológicas.

Leitura complementar 13.3 - Doença humana por adjuvante

O termo doença por adjuvante em humanos se refere a um grupo de


manifestações reumáticas, semelhantes às de doença do tecido conjuntivo, que aparecem em
pacientes que se submetem à cirurgia plástica no qual são injetados elementos estranhos. Mais
comumente estes elementos são a parafina e o silicone. Leva este nome porque se assemelha à
artrite adjuvante dos ratos (artrite por injeção de adjuvante de Freund). As queixas apresentadas
pelos pacientes são, às vezes, inespecíficas: artralgias e artrites, olhos secos, dermatite
fotossensível, mas. Existem situações em que podem abranger doenças bem definidas como
lúpus, síndrome de Reiter, tireoidite de Hashimotto, polimiosite, artrite reumatoide e,
principalmente, esclerodermia. As descrições de casos de esclerodermia são mais comuns na
população japonesa. Todavia existem muitas dúvidas sobre alguma relação entre causa e efeito.
O silicone é um material utilizado principalmente em próteses mamárias, em
rinoplastias e, em próteses articulares. Como ele produz reações sistêmicas deste tipo, é
desconhecido. Embora se acredite que ele seja um material quimicamente inerte, têm sido
encontradas células fagocitárias dentro do material implantado. Além disso, ele pode levar à
formação de uma cápsula de fibrose ao redor do que implante que é comumente responsável
pelo insucesso da plástica em questão. Se ele pode provocar fibrose localizada, porque não pode
fazê-lo de maneira mais generalizada como no PSS? Além disto, este material tende a migrar
sendo encontrado promovendo a formação de granulomas de células gigantes e linfadenopatia
regional. Casos de uma migração mais extensa têm sido documentados com este material
formando granulomas de corpos estranhos em fígado, baço, medula óssea, etc...As
possibilidades admitidas para a patogênese desta doença seria:
 - conversão de silicone em sílica que, por sua vez, é uma substância altamente imunogênica.
Esta transformação não acontece de maneira espontânea, mas pode ser causada pelos
macrófagos que rodeiam o implante.
 - o silicone poderia servir como uma fonte contínua de material antigênico para macrófagos
e servir de estímulo para que estas células liberem substâncias que estimulem e recrutem
fibroblastos induzindo-os a produzir fibrose.
Apesar de muitos relatos de casos, inclusive com situações em que a doença reumática
melhora após a retirada do implante, estudos mais recentes, com uma melhor metodologia, têm
213

falhado em comprovar a associação entre próteses de silicone e doenças auto-imunes. Outros


materiais implicados no aparecimento deste problema são os adjuvantes e preservativos de
vacinas, pesticidas, resinas, materiais utilizados por dentista em restauração de dentes, óleos
minerais e solventes, etc..
Mais recentemente cunhou-se a designação ASIA (Autoimune/autoinflammatory
Syndrome Induced by Adjuvants) para designar este grupo de doenças .

Referências:
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concordance for the presence of antinuclear antibodies. Arthritis & Rheum 2003; 48:1956-63.
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Treatment 2004, Mac Graw Hill , N. York, p.189-97.
Kelley WN et al. Textbook of Rheumatology. Connective Tissue Diseases Characterized by Fibrosis. Scleroderma. 5 ed.
Philadelphia: W.B. Saunders Company; 1997;p. 1133-62.
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States. Arthritis & Rheum 1998; 41:778-99.
Owens GR, et al .Systemic sclerosis secondary to occupational exposure. Am J Med 1988; 85: 114-6.
Poormoghim H et al. Systemic sclerosis sine scleroderma: demographic, clinical, and serologic features and survival
in forty-eight patients. Arthritis Rheum 2000; 43: 444-51.
Silman AJ et al. Epidemiology of systemic sclerosis. Curr Opin Rheumatol 1996; 8: 585-9.
Wells AU. High-resolution computed tomography and scleroderma lung disease. Rheumatology. 2008; 47: 59–61.
214

Capítulo 14 - Síndrome de Sjögren

Sindrome de Sjögren (SS) é uma doença crônica com destruição auto-imune das
glândulas exócrinas, principalmente a lacrimal e a salivar, resultando em querato-conjuntivite
seca e xerostomia. Originalmente foi descrita como uma tríade de olho seco, boca seca e artrite
reumatoide. Atualmente sabe-se que outras doenças do tecido conjuntivo podem estar
presentes no lugar da artrite reumatoide e que o complexo "sicca" também pode existir como
uma entidade primária, sem estar associado à outras doenças. Reserva-se para este último caso
o nome de Síndrome de Sjögren primária, enquanto que, nos casos associados a outras doenças
do tecido conjuntivo a denominação passa a ser Síndrome de Sjögren secundária.
Em alguns pacientes a doença evolui para uma desordem proliferativa generalizada,
pseudo-linfoma ou mesmo neoplasias linfóides.

EPIDEMIOLOGIA

Assim como a grande maioria das doenças do tecido conjuntivo a síndrome de Sjögren
tem uma predileção por mulheres de meia idade e idosas. A idade média de diagnóstico está em
torno de 50 anos. A doença primária, embora não seja rara, é menos comum do que a síndrome
de Sjögren acompanhada de doença do tecido conjuntivo.
Acomete todas as raças e existem raros casos descritos em crianças. A forma primária está
associada com uma maior incidência dos antígenos de histocompatibilidade HLA-DR-3, DR-5 e
DQ A1.

ASPECTOS CLÍNICOS

Os sintomas mais comuns são os do desenvolvimento gradual de secura nos olhos e na


boca. Nos casos de evolução mais grave pode existir aumento de volume de glândulas parótidas
e lacrimais.

MANIFESTAÇÕES OCULARES - As queixas oculares são resultantes de alterações tróficas e


cirróticas nas glândulas lacrimais. Mais frequentemente o paciente se queixa de sensação de
corpo estranho nos olhos, prurido e fotofobia. O olho é descrito pelo pacientes como "cheio de
areia", outras vezes como queimando. Ocorre acúmulo de secreção espessa e filamentar nos
cantos particularmente ao acordar, diminuição do lacrimejamento, fadiga ocular. O olho sem a
defesa da lágrima é susceptível a ferimentos e infecções.
O teste de Schirmer pode ser usado para medir grosseiramente a produção lacrimal.
Consiste na colocação de uma fita standard de papel de filtro no saco conjuntival por 5 minutos.
Um indivíduo com produção lacrimal normal produz lágrima suficiente para molhar 15 mm da
fita. Uma produção abaixo de 5 mm sugere um olho seco. Deve-se levar em conta de que a
idade, por si só, é um fator de redução da produção lacrimal.
O diagnóstico mais fidedigno é feito com exame de lâmpada de fenda e uso do corante
rosa bengala. Este corante evidencia pequenas áreas de lesão na córnea. A biomicroscopia
também revela um número muito grande de restos celulares acumulados na córnea e filamentos
de muco (daí o nome de ceratite filamentar utilizada como sinônimo de queratoconjuntivite por
Sjögren).
A película lacrimal que recobre a córnea é constituída por várias camadas:
 uma camada externa: constituída principalmente por material gorduroso; fosfolípideos
elaborados pelas glândulas sebáceas das pálpebras (glândulas de Meibomio). Ajuda a evitar
a evaporação da lágrima.
215

 uma camada interna: onde uma lâmina aquosa e rica em lisozima, elaborada pelas glândulas
lacrimais se funde com uma lâmina mucoide formada pelas glândulas lacrimais e pelas células
calificiformes da conjuntiva. A parte mucoide tem um componente hidrofílico, que se liga a
água da lágrima e outro hidrofóbico que se liga ao epitélio corneano.
A camada aquosa contém proteínas, albumina e lisozima. Ela serve para diminuir a tensão
superficial e assim permitir a continuidade na película lacrimal. Desta maneira ela provê uma
superfície lisa e homogênea que ajuda a manter a integridade das células da conjuntiva e córnea.
Em sua ausência estas células passam a se queratinizar e tomar características semelhantes às
da pele.
Na síndrome de Sjögren, o grande prejuízo está na formação do componente aquoso da
lágrima, tornando-a hiperosmolar. Forma-se um excesso de muco que não consegue se espalhar
adequadamente pela superfície e que forma filamentos, os quais se prendem na córnea
ocasionando edema e hiperemia de conjuntiva e até dos bordos palpebrais. Com o tempo
ocorrem ulcerações na córnea, que curam com vascularização e cicatrização com perda da
transparência, perfuração etc. Além disso, existe um maior número de infecções secundárias
locais.

MANIFESTAÇÕES ORAIS - Os sintomas de insuficiência salivar incluem dificuldades na


mastigação, deglutição e fonação, aderência da comida às superfícies da boca, fissuras e úlceras
em lábios e ângulos da boca. Existe uma necessidade de ingesta freqüente de água
(principalmente durante as refeições) e não é raro que o paciente carregue consigo uma
pequena vasilha com água. As cáries são comuns assim como a candidíase oral devido a
alterações da flora normal. Ao exame físico, o que se vê é uma mucosa oral que adere ao dedo
do examinador ou à espátula e, ausência do lago salivar sublingual. A língua fica vermelho-
rutilante, sem papilas, lisa e brilhante. De um terço até metade dos pacientes apresentam
queixas de aumento de volume da parótida ou de glândulas submandibulares (freqüentemente
descritas como caxumbas de repetição...). Este aumento de volume pode ser simétrico ou
assimétrico, uni ou bilateral, crônico ou transitório e pode se fazer acompanhar de febre,
sensibilidade local e eritema. Uma glândula muito dura e nodular deve sugerir a possibilidade
de uma neoplasia.
A função da glândula salivar pode ser avaliada por cintilografia com tecnécio pertecnetato
ou através de sialografia. A sialografia mostra dilatações (sialectasias) e atrofia do sistema ductal
intra-salivar. A sialectasia pode predispor a infecções, em geral, por estafilococos que, por sua
vez, pode ser causa de formação de abscessos.
A biópsia permite a confirmação histológica da doença e geralmente é feita em glândulas
salivares menores. A biópsia de uma glândula maior deve ser evitada por causa das potenciais
complicações deste procedimento, a menos que exista a necessidade de se fazer diagnóstico
diferencial com neoplasia. Os achados histopatológicos são os de um infiltrado linfocitário
invadindo e destruindo o tecido acinar normal. Um agregado de mais do que 50 linfócitos é
chamado de foco. Um achado de mais do que 1 foco/4 mm 2 de tecido glandular (score>1) é
característico de Síndrome de Sjögren. Outro achado é o de hipertrofia das células
epimioepiteliais. As células responsáveis pela infiltração são linfócitos B e T do tipo CD4+ e cé-
lulas plasmáticas.
A saliva de um paciente com SS tem uma porção de peculiaridades. Tem níveis de IgG e
IgM elevados e o seu grau de elevação correlaciona com a gravidade da infiltração da glândula
salivar. Níveis salivares aumentados de fator reumatoide (tanto do tipo Ig A como Ig M) também
são vistos. Além disso, a concentração de 2-microglobulina salivar é maior do que a concen-
tração sérica, sugerindo que esta proteína de membrana é secretada na saliva pelos linfócitos.
A concentração salivar da 2-microglobulina guarda correlação direta com o grau de infiltração
linfocitária encontrado em glândulas salivares. Já o seu nível sérico se correlaciona com a
ocorrência de complicações linfoproliferativas e renais, que serão vistas mais adiante.
216

OUTRAS MANIFESTAÇÕES - A secura pode envolver nariz, faringe posterior, árvore


traqueobrônquica e causar epistaxis, rouquidão, otites recorrentes, bronquites e pneumonia.
Pneumonite intersticial difusa pode resultar de um infiltrado linfocitário e ser causa de dispnéia.
Existem casos descritos de hipertensão pulmonar aparecendo concomitante com o diagnóstico
de Síndrome de Sjögren primária e óbito em insuficiência cardíaca direita. Bloqueio da trompa
de Eustáquio pode resultar em surdez e otites crônicas. Outros achados são os de insuficiência
pancreática exócrina e má absorção; hipo ou acloridria. A secura das mucosas de vulva e vagina
pode ser causa de dispareunia e prurido vulvar. Pele seca pode resultar da atrofia das glândulas
anexas à pele. Podem aparecer casos de gastrites e, nestes pacientes, é mandatória a pesquisa
de infecção por H. pilory porque este microorganismo tem sido associado com aparecimento de
linfoma MALT em SS. A anormalidade renal mais comum é acidose tubular renal que parece se
dever mais à injúria tubular do que por hipersensibilidade. Suporte para esta hipótese vem do
fato de que, pacientes com estadio precoce de rejeição de transplante renal, desenvolvem
acidose tubular renal associada a infiltração linfocitária peritubular.

A B

D
C
FIGURA 14.1- Síndrome de Sjögren (A)- aumento de parótida; (B) olho seco (exame à lâmpada de fenda) e (C) e (D)
vasculite e pequenos vasos (púrpura palpável)

Glomerulonefrite não é comum, exceto em pacientes com vasculite, crioglobulinemia ou


com lúpus eritematoso sistêmico associado. Miosites e vasculites podem ocorrer tanto na forma
primária como na secundária da doença. Manifestações articulares podem fazer parte não só da
doença associada (ex: AR e LES) como também pode fazer parte da síndrome de Sjögren
primária. Neste último caso o achado característico é o de uma poliartrite leve, episódica, e não
217

erosiva. Raynaud aparece numa minoria de casos. Púrpuras não trombocitopênicas podem
resultar de hipergamaglobulinemia. Vasculites aparecem em ¼ dos pacientes com a síndrome
primária e se manifestam, em geral, como púrpura palpável em pele de membros inferiores. Às
vezes, os episódios de vasculites podem ser mais graves, estando daí, em geral, associados à
crioglobulinemia, com febre, rash cutâneo e infarto intestinal. O envolvimento vasculítico tem
um caráter episódico. Uma variedade de manifestações neurológicas tem sido descrita em
pacientes com Sjögren, tais como, polineuropatias, mononeurite multiplex e envolvimento de
S.N.C. o qual pode ser focal ou difuso.
Existe um aumento da prevalência de tireoidite de Hashimoto em pacientes com SS.
Outros achados são os de hepatomegalia, hepatite crônica ativa, cirrose biliar primária e doença
celíaca.
A incidência de linfoma está aumentada nestes pacientes; a maioria deles pertence à
linhagem de célula B. Proliferação monoclonal de células B pode levar à macroglobulinemia de
Waldeström, mieloma e gamapatias monoclonais por IgG e IgA. Esta transformação maligna
parece ser mais comum em pacientes com crioglobulinemia.
Sinais que apontam para uma transformação maligna são: linfadenopatia generalizada e
esplenomegalia. Pseudo-linfoma é um termo cunhado para designar um estágio intermediário
entre linfoproliferação benigna e maligna, o qual se apresenta com linfadenopatia generalizada,
nódulos pulmonares e/ou aumento das glândulas parótidas. Esta forma sobrevém em torno de
10% dos pacientes com a Síndrome de Sjögren. Exames físicos e sorológicos periódicos podem
ajudar a detectar precocemente um processo maligno.
As manifestações clínicas da SS estão resumidas no quadro 14.1.

QUADRO 14.1-QUADRO CLÍNICO DA SÍNDROME DE SJÖGREN


Respiratórias secura de vias aéreas superiores e inferiores com formação rolhas de
muco; pneumonite intersticial; derrame pleural;
Gastrintestinal disfagia associada a xerostomia; gastrite atrófica; insuficiência
pancreática; alterações de provas de função hepática;
Pele secura de pele; vasculite;crioglobulinemia; Raynaud;
Renal nefrite tubulointersticial;glomerulonefrites;
Hematológicas anemia; leucopenia (linfocitopenia),
linfadenopatia associada ou não a pseudolinfomas e linfomas;
Outras secura vaginal; tireoidites; polineuropatias periféricas; mononeurite
multiplex; sintomas semelhantes aos da esclerose múltipla.

OS ANTICORPOS NA SÍNDROME DE SJÖGREN

O FAN é positivo em 80 a 90% dos casos. Os padrões nucleares que parecem ter certo
grau de especificidade para esta síndrome são os salpicados e nucleolares. O padrão salpicado
corresponde à presença dos anticorpos anti Ro/SS-A ou anti La/SS-B. Anti Ro e anti La foi a deno-
minação usada para descrever estes anticorpos quando reagiam contra antígenos
citoplasmáticos. Anti SS-A e anti SS-B são os mesmos anticorpos, dirigidos para os mesmos
antígenos só que, agora, localizados no núcleo. Para se explicar esta localização dupla dos
antígenos acredita-se que estes anticorpos estejam dirigidos contra complexos proteína-
ribonucleares envolvidos no transporte e modificação pós transcripcional do mRNA. Estes,
dependendo do estadio do ciclo celular, podem estar localizados no citoplasma.
Além dos anticorpos antinucleares está presente, nesta síndrome, uma grande variedade
de outros anticorpos não órgão-específicos tais como anticorpo anti-receptor de insulina, anti-
mitocôndria e anti-músculo liso e outros, órgão-específicos. como por ex: anti-tireoide, contra
218

células parietais gástricas, anticorpos anti-adrenais, paratireoide e hipófise, anticorpos anti


ductos salivares, Coombs positivo, etc. Os níveis de complemento são normais, exceto em casos
de vasculite.

DIAGNÓSTICO

De maneira semelhante ao que acontece com outras doenças reumáticas, aqui também
existem critérios que auxiliam na classificação para diagnóstico. Na realidade, existem vários
grupos de critérios. Abaixo encontra-se a lista dos critérios do ACR/EULAR. São necessários ≥4
pontos para o diagnóstico. O paciente deve ter pelo menos 1 critério de inclusão e não ter os de exclusão.

QUADRO 14.2 - CRITERIOS DO ACR/EULAR PARA SS-2016


Critério pontos
Biópsia de glândula salivar positiva (>1 foco) 3
Anti Ro/SS-A positivo 3
Coloração ocular ≥5 ( ou Van Bijsterveld≥4) em pelo 1 olho 1
Teste de Shirmer ≤ 5mm/5min em pelo menos1 olho 1
Fluxo salivar sem estimulo ≤0.1ml/min 1
Critérios de inclusão ≥1 sintoma Critérios de exclusão
 Olho seco diário por +de 3 meses?  Irradiação na área
 Sensação recorrente de areia nos olhos?  Hepatite c ativa
 Usa colírio lubrificante >3X/dia?  SIDA
 Boca seca por mais de 3 meses/  Sarcoidose
 Toma líquidos para engolir a comida?  Amiloidose
 GRAFT vs HOST
 Doença por IgG4
OBS- um foco é igual a 1 ninho de 50 linfocitos/4mm2

TRATAMENTO

O tratamento da Síndrome de Sjögren pode ser dividido em tratamento da doença em si


e tratamento das desordens associadas. O mais importante é manter o paciente sob a
supervisão periódica de um grupo multidisciplinar envolvendo reumatologistas, oftalmologistas
e dentistas.
Para tratamento dos sintomas oculares utilizam-se colírioslubrificantes. Um bom colírio
lubrificante não deve ter conservante porque este causa irritação e deve ser hipoosmolar. No
Sjögren a lágrima é hiperosmolar porque o que esta em falta é a camada aquosa. Pacientes com
uma produção muito diminuída de lágrimas podem se beneficiar de oclusão dos ductos
nasolacrimais por eletrocoagulação ou colocação de plugs. Agente mucoliticos como n acetil
cisteina podem ajudar na degradação dos filamentos de muco. Outras opções são: uso de
colírios de ciclosporina, tacrolimus, antiinflamatórios não hormonais e andrógenos. Deve-se
tomar cuidado com infecções secundárias. Culturas periódicas e tratamento vigoroso com
antibióticos apropriados podem ser necessários. O paciente deve ser instruído para evitar
ambientes secos, com ar condicionado, locais poluídos e a evitar períodos prolongados de leitura
ou de atividades em frente à televisão ou computador. Nestas últimas situações existe uma
diminuição do número de vezes em que uma pessoa pisca, favorecendo a evaporação da
lágrima.
Xerostomia é difícil de tratar. Lubrificantes tendem a aderir à mucosa, deixando a boca
com a sensação de estar mais seca do que antes do uso. Uso frequente de líquidos é de alguma
ajuda. Existem substitutos para a saliva para serem aplicados e estes parecem melhorar os
219

sintomas e aumentar o fluxo de saliva endógena. Aplicações de flúor ajudam a prevenir cáries.
O paciente deve ser instruído para ser meticuloso com a sua higiene oral. Infecções por cândida
e parotidites supurativas requerem o uso de nistatina e antibióticos apropriados. A pilocarpina
(um agonista muscarínico) aumenta a secreção aquosa em pacientes que têm uma função
glandular residual. Infelizmente seu uso é limitado pelos efeitos colaterais como retenção
urinária, cólicas abdominais e sudorese.
Secura nasal deve ser tratada com instilação de gotas de soro fisiológico. Deve-se evitar o
uso de lubrificantes contendo material oleoso uma vez que eles podem levar à pneumonia
lipoídica por aspiração. Secura de pele e vaginal são tratadas com lubrificantes tópicos.
No grupo das drogas modificadoras de doenças usadas em SS se incluem: cloroquina e
hidroxicloroquina, ciclosporina, metotrexate, inibidores de TNF- e rituximabe, mofetil
micofenolato e azatioprina. Destes, o rituximabe é o que parece ser mais eficiente.A maioria dos
casos de vasculite, por ser episódica, não requer uso de citostáticos, embora pacientes com
formas graves possam ter benefício do uso de ciclofosfamida.
Por último, o médico deve ter em mente que, determinados medicamentos tais como os
de quadro 14.4 tendem a agravar a sensação de secura de mucosa, e que, em pacientes com
Síndrome de Sjögren, o seu uso deve estar limitado ao que for estritamente necessário.

QUADRO 14.3 - MEDICAMENTOS IMPLICADOS EM SECURA DE MUCOSAS


1. Antidepressivos 6. Hipnóticos e ansiolíticos
2. Antieméticos 7. Antihistamínicos
3. Antiespasmódicos 8. Neurolépticos; antipsicóticos
4. Diuréticos 9. Broncodilatadores
5. Antihipertensivos 10.Medicamentos usados p/ Parkinson

Leitura complementar 14.1 – Doença por Ig G4

A doença por IgG4 é uma entidade descrita recentemente na qual foi possível englobar
várias entidades que, anteriormente, acreditava-se não estarem relacionadas entre si.
Caracteriza-se por infiltração de vários órgãos por plasmócitos IgG4 positivos causando aumento
de volume dos órgãos e por fibrose (a qual tem um aspecto histológico característico chamado
de estoriforme). Por fibrose estoriforme entende-se aquela com caracteristicas semelhantes à
de uma roda de carroça. Concentrações séricas de IgG4 podem ou não estar aumentadas.
Incluíram-se, nesta síndrome: pancreatites autoimunes, aumento de glândulas
exócrinas (salivares e lacrimais e chamadas anteriormente de síndrome de Mikulicz), nefrite
intersticial, doença orbitária que pode causar proptose e fibrose retroperitoneal além de outras
manifestações menos comuns. A doença de Mikulicz era, até algum tempo atrás, erroneamente
considerada uma variante da síndrome de Sjögren.
Acomete predominantemente homens de meia idade a idosos. Sua etiologia é
desconhecida. O diagnóstico é feito pelos achados histopatológicos característicos e valores
séricos aumentados de IgG4. No tratamento estão os corticoides, azatioprina, mofetil
micofenolato e rituximabe.

Referências:
Fox R et al. Pathogenesis of Sjögren’s syndrome. In Rose N. Uptodate.com. Capturado em www.uptodate.com em setembro de
2014.
Kassan, SS et al. Increased risk of lymphoma in sicca syndrome. Ann Intern Med 1978; 89:888-92.
Talal N. What is Sjögren syndrome and why is it important? J Rheumatol 2000; 27 S-61:1-3.
Voulgarelis, M and the members of the European concerted action on Sjögren's syndrome. Malignant lymphoma in primary Sjögren's
syndrome. Arthritis Rheum 1999; 42:1765-72.
220

Capítulo 15 - Polimiosite e dermatomiosite

Todas as doenças que cursam com inflamação de músculo podem ser chamadas de
miosites. Entretanto, tradicionalmente, os termos polimiosite e dermatomiosite têm sido
aplicados para um grupo de entidades associadas a distúrbios imunológicos, que
frequentemente acompanham outras doenças do tecido conjuntivo e neoplasias. Estas formas
deveriam, talvez, ser incorporadas mais apropriadamente sob o título de miopatias
inflamatórias idiopáticas.
No quadro 15.1, uma classificação das miosites idiopáticas.

QUADRO 15.1 - CLASSIFICAÇÃO DAS MIOPATIAS INFLAMATÓRIAS IDIOPÁTICAS


 Polimiosite
 Dermatomiosite
 Dermatomiosite da criança
 Miosite da doença mista
 Miosite associada a tumores
 Miosite com corpúsculo de inclusão

EPIDEMIOLOGIA

Estas doenças são raras. Calcula-se que existam 0,5 a 8 casos por ano para cada 1 milhão
de pessoas. Afeta predominantemente as mulheres, numa relação de 2:1, com exceção da
miosite por corpúsculo de inclusão, que é mais comum nos homens.Embora possa ocorrer em
qualquer idade existe uma distribuição bimodal com picos em crianças (5 a 15 anos) e adultos
em torno de 50-60 anos. A forma associada a neoplasia e a com corpúsculos de inclusão é mais
comum após os 50 anos.

ETIOLOGIA E PATOGÊNESE

A etiologia e patogênese da miosite não estão bem definidas. Existem mecanismos


auto-imunes operantes que são diferentes se o paciente tem polimiosite ou dermatomiosita. Na
primeira, a polimiosite, as células T CD8+ são encontradas invadindo as fibras musculares
enquanto que, na dermatomiosite, as células são do tipo T CD4+. Existe uma predisposição
familiar para a doença embora não se saiba qual é o elemento determinante. Associação com
HLAs é verificada principalmente com HLA DR3.
Microquimerismo fetal (passagem de células fetais para a mãe) e determinadas
infecções têm sido estudados como elementos desencadeantes, sem que, até o momento,
existam provas que assegurem o papel destes elementos. Infecções que podem estar implicadas
são as por Coxsackie tipo B, Herpes simples e toxoplasma. Em adultos esta doença pode
aparecer de maneira associada com tumores como será visto mais adiante.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Inicialmente serão descritas, aqui, as manifestações comuns a todas as formas de


doenças inflamatórias musculares e, depois, serão descritos alguns elementos de diferenciação
entre elas. Todas as miopatias inflamatórias cursam, por definição, com envolvimento de
musculatura estriada, cuja manifestação dominante é fraqueza muscular. Nos casos típicos a
fraqueza é predominantemente, proximal, que começa, seja pelo membro superior (cintura
escapular), seja pelo membro inferior (cintura pélvica), trazendo, ao paciente, dificuldade para
correr, subir escadas, levantar-se de uma cadeira etc. Com o quadro bem estabelecido, a marcha
torna-se instável. O paciente apresenta tendência para cair e dificuldade para levantar-se sem
assistência. Em membro superior, a fraqueza pode fazer com que o indivíduo não consiga
221

alcançar prateleiras altas ou pentear os cabelos. Em estágios avançados, o paciente pode, até
mesmo, ter dificuldades para levantar a cabeça do travesseiro, engolir e mastigar. Um dado
interessante é o de que estes pacientes praticamente nunca apresentam envolvimento de
musculatura ocular, o que é importante para fazer diagnóstico diferencial com miastenia gravis.
Sintomas que acompanham a fraqueza muscular são mialgias e atrofias musculares. A
apresentação de mialgia isolada, isto é, sem fraqueza muscular é rara e deve induzir o clínico a
pensar em outras possibilidades diagnósticas. Contraturas não são comuns no início da doença,
mas tendem a se desenvolver com o passar dos anos. Flutuações espontâneas no grau de
fraqueza podem ocorrer. O envolvimento cardíaco é relativamente comum (cerca de metade
dos pacientes). Afinal das contas este órgão é rico em musculatura estriada... Este envolvimento
vai desde alterações eletrocardiográficas assintomáticas até arritmias importantes e
miocardiopatias dilatadas graves, capazes de ocasionar a morte. Não é demais lembrar que
frações de CK-mb não predizem o envolvimento cardíaco porque o músculo esquelético em
regeneração também libera esta enzima (numa espécie de repetição do padrão fetal de
produção de fibras novas). A pesquisa de troponina-1 (que é exclusivamente cardíaca) pode
ajudar na separação.
O envolvimento do esôfago é outra manifestação comum. Disfagia alta aparece devido
à fraqueza dos músculos da hipofaringe. Regurgitação e aspiração não são raras. Por vezes,
disfagia em pacientes com polimiosite pode se dever à disfunção dos músculos cricofaringeanos
sendo, neste caso, tratável com miotomia. Outros achados para o lado do aparelho
gastrintestinal são os de retardo no esvaziamento gástrico.
A artrite, na maioria das vezes, não é um problema maior; costuma ser discreta. O
líquido sinovial encontrado neste pacientes é do tipo inflamatório não infeccioso.
O aparelho respiratório pode estar envolvido de diferentes maneiras: pela fraqueza da
musculatura da parede torácica e do diafragma causando insuficiência de ventilação; por
vasculopatia ocasionando hipertensão pulmonar (com prognóstico bastante grave) e por doença
intersticial (pneumonite intersticial, bronquiolite obliterante etc.)
O envolvimento renal, também não é um problema maior nestes pacientes.
Glomerulonefrite leve tem sido descrita. Pacientes com rabdomiólise e mioglobinúria podem
desenvolver insuficiência renal aguda.
Outros achados incluem fenômeno de Raynaud, amiloidose, pneumatose cistóide
intestinal e vasculites cutâneas ou viscerais.
A seguir será dada atenção aos principais aspectos diferenciais entre as miopatias
inflamatórias.

POLIMIOSITE IDIOPÁTICA DO ADULTO

Os sintomas apresentados por este grupo de pacientes são os descritos acima. Estes se
instalam de maneira insidiosa e, geralmente, já estão presentes de 3 a 6 meses quando o
paciente procura o médico. Mais raramente pode existir uma apresentação aguda com
mioglobinúria, fraqueza respiratória ou fraqueza dos músculos bulbares com disfonia e disfagia.

DERMATOMIOSITE DO ADULTO

Além dos sintomas acima descritos, este grupo de pacientes apresenta manifestações
de pele. A proporção do grau de envolvimento da pele não guarda relação com o grau de
envolvimento muscular, ou seja, um paciente pode ter muita lesão de pele e pouca
manifestação muscular e vice e versa. Além disso, nem sempre existe coincidência temporal de
aparecimento entre os dois tipos de achados clínicos. Assim, o rash pode preceder a miosite em
até um ano ou, aparecer simultâneamente.
222

As lesões mais típicas desta afecção são: o heliótropo - um eritema violáceo sobre as
pálpabras, que lembra a cor de uma flor dos Alpes que leva o mesmo nome, e, as pápulas de
Gottron - uma erupção vermelha, violácea, às vezes descamativa, sobre as articulações,
principalmente nas interfalangianas. A distribuição sobre as interfalangianas poupando a pele
sobre as falanges é muito característica desta doença, ao contrário do que acontece no lúpus,
no qual o envolvimento é mais da região das falanges economizando a área articular. Além disto,
pode-se encontrar um rash eritematoso, fotossensível, nas bochechas e dorso do nariz muito
parecido com o rah em borboleta do lúpus, só que, na dematomiosite o sulco nasolabial não é
poupado. Outros avhados são eritema na frente e costas do peito (sinal do xale), superfícies
extensoras dos cotovelos e joelhos, e região maleolar. As lesões agudas são de um vermelho-
brilhante e se tornam, mais tarde, violáceas. O paciente pode notar um discreto prurido. A pele
fica atrófica, mas se o rash for florido pode existir um pouco de edema e dor local. Não é raro
uma descamação leve e que a pele tome aspecto seborreico. As dobras ungueais apresentam
descoloração linear eritematosas que mais tarde se tornam amarronadas. Linhas horizontais
escuras e de aspecto “sujo” podem aparecer no aspecto lateral e palmar das mãos e dedos, o
que costuma ser chamado de “mãos de maquinista”. Vê-se, ainda, ulcerações da pele, n’outras
vezes, calcificações em pele e tecidos subcutâneos (calcinose), livedo reticularis, infartos digitais
e púrpura vascular. Fotossensibilidade também é um achado desta doença.
O fenômeno de Raynaud parece ser mais comum nesta forma de envolvimento. Chama-
se dermatomiosite amiotrófica ou dematomiosite sine miosite à situação clínica em que o
paciente tem apenas as manifestações cutâneas sem as musculares.

MIOSITE ASSOCIADA A NEOPLASIAS

Neoplasias aparecem seis vezes mais comumente em pacientes com dermatomiosite e


duas vezes mais do que o esperado em pacientes com polimiosite. A dermatomiosite é mais
frequentemente associada à neoplasia do que a polimiosite pura. Qualquer neoplasia pode
acompanhar esta síndrome, mas as mais comuns são as cervicais, de pulmão, ovário, mama e
estômago.
É importante separar os casos de miosite dos de caquexia associada à doença
neoplásica. A síndrome muscular pode preceder em 2 a 3 anos ao aparecimento da clínica da
doença neoplásica. O tratamento do tumor pode melhorar o grau de envolvimento muscular,
mas esta melhora nem sempre é duradoura.

DERMATOMIOSITE DA CRIANÇA

Na criança, a doença é mais frequente no sexo masculino, com predomínio de 2 casos


de dermatomiosite para um de polimiosite. Uma frequência maior de lesões vasculares é vista
difusamente, com bastante envolvimento do aparelho gastrintestinal (com perfurações e
hemorragias). A calcinose também é mais comum na dermatomiosite da criança do que na do
adulto e tende a aumentar com o tempo. Estes depósitos podem se ulcerar através da pele e
servir como focos para infecção secundária.

MIOSITE COM CORPÚSCULOS DE INCLUSÃO

Esta forma afeta indivíduos mais velhos e a fraqueza muscular pode ser focal, distal e
assimétrica. Esta forma pode ser bem mais insidiosa. A CK sérica tende a estar discretamente
aumentada, e, em alguns casos é totalmente normal. O diagnóstico é definido basicamente pela
anatomia patológica, a qual mostra inclusões celulares vacuolares, bem delimitadas e com uma
orla de material basofílico. As fibras musculares contêm depósitos de amilóide -(A4). Esta
forma costuma ser refrataria ao tratamento.
223

A B

C D

E
FIGURA 15.1- DERMATOMIOSITE: (A) e (B) E (C) Heliótropo; (D) Mãos de mecânico;
(E)- Fotossensibilidade (F)- Sinal do xale.
224

B C

D E
FIGURA 15.2- (A), (B), (C) e (D) – Pápulas de Gottron; (E) calcinose.

MIOSITE DAS DOENÇAS MISTAS

Pode existir uma associação entre miosite e outras doenças reumáticas. Esta associação mais
comum é com esclerodermia. Na tabela 15.2, a seguir, existe uma lista dessas doenças.
225

QUADRO 15.2- DOENÇAS ASSOCIADAS COM MIOPATIAS INFLAMATÓRIAS


 Granulomatose alérgica  Artrite reumatoide
 Arterite das células gigantes  Esclerodermia
 Vasculites de hipersensibilidade  Síndrome de Sjögren
 Doença mista do tecido conjuntivo  Lúpus Eritematoso Sistêmico
 Poliarterite nodosa  Poliangeite com granulomatose

EXAMES COMPLEMENTARES

LABORATÓRIO - As provas de atividade inflamatória podem estar elevadas, a eletroforese de


proteínas pode mostrar hipergamaglobulinemia. Existe aumento das enzimas musculares
(aldolase, CK, AST e LDH) e este aumento é proporcional ao grau de acometimento muscular. A
excreção urinária de creatina está aumentada. Destes exames, a dosagem da CK é o mais
sensível indicador de dano muscular e a sua monitorização serve para acompanhar o tratamento
do paciente. Entretanto, casos de miopatia inflamatória por corpúsculo de inclusão e casos de
miosite associadas a neoplasias, a CK deixa de ser um guia fiel, uma vez, que, nestes casos, nem
sempre está aumentada. Reveja o valor das enzimas musculares no capítulo de laboratório em
reumatologia.
AUTO ANTICORPOS - Pacientes com polimiosite e dermatomiosite têm uma alta frequência de
auto-anticorpos dirigidos não só para estruturas nucleares como, também, para elementos do
citoplasma. Embora não seja sabido porquê estes anticorpos se formam, nem porquê existe a
predileção para a formação deste ou daquele tipo de anticorpo, o reconhecimento de suas
existências é de suma importância, uma vez que existe uma correlação muito forte entre a
presença de certos anticorpos e as manifestações clínicas apresentadas pelos pacientes.
De uma maneira geral, os auto-anticorpos encontrados nas miosites inflamatórias
podem ser divididos em 2 grupos: os miosite específicos (MSA) e os não específicos. É
interessante notar que um paciente sempre só tem um único tipo de auto-anticorpo do tipo
miosite específico, de tal maneira que, o achado de um deles exclui a possibilidade de que
existam outros. Antes de ler sobre o significado dos principais anticorpos encontrados nestas
patologias, localize-os no quadro 15.3.

QUADRO 15.3- AUTO-ANTICORPOS EM POLIMIOSITE E POLIDERMATOMIOSITE


ANTICORPOS MIOSITE ESPECÍFICOS
anticitoplasmáticos anti sintetases, anti SRP, anti KJ
antinucleares Mi-2
ANTICORPOS ASSOCIADOS AS MIOSITES ( não específicos)
anti 56kd
associados com Síndromes Mistas anti PM-Scl.
anti U1 RNP,
anti U2 RNP.
anti Ku ,
anti Ro/SS-A.
ANTICORPOS DE ESPECIFICIDADE INCERTA
anti Fer , anti Mas

Antissintetases - Sintetases são enzimas citoplasmáticas que catalizam a reação de ligação de


aminoácidos ao tRNA, incorporando-os nas cadeias de polipeptideos que estão sendo formadas.
Cada aminoácido tem a sua sintetase. Existem pelo menos 5 anticorpos dirigidos contra 5
sintetases diferentes e, cada um deles está associado com uma clínica diferente. A síndrome
226

típica para cada um destes anticorpos vem sendo denominada de Síndrome das antissintetases.
Veja quais são estes anticorpos na tabela seguinte:

QUADRO 15.4 - ANTI SINTETASES E SEUS ANTÍGENOS


ANTICORPO ANTÍGENO
anti- Jo-1 histidil tRNA sintetase
anti PL-7 treonina tRNA sintetase
anti PL-12 alanina t RNA sintetase
anti EJ glicina tRNA sintetase
anti OJ isoleucina tRNA sintetase

O anticorpo anti Jo-1 é o mais reconhecido e parece se correlacionar de maneira positiva


com a ocorrência de fibrose intersticial pulmonar, artrite erosiva e HLA DR3 e DR52. Além disso,
sua presença denota um prognóstico reservado. Estima-se que a sobrevida destes pacientes seja
menor que 70% em 5 anos . Este mau prognóstico advém do fato de estes pacientes terem uma
alta incidência de doença pulmonar intersticial. Os outros anticorpos pertencentes a este
mesmo grupo são menos frequentes.
Outros anticorpos anti citoplasmáticos não anti sintetases - Neste grupo se incluem anticorpos
contra partículas de reconhecimento de sinal (SRP) além de alguns outros, mais raros (anti Fer,
anti Mas, anti KJ). SRP ou partículas de reconhecimento de sinal são partículas envolvidas na
translocação de proteínas recém formadas dentro do retículo endoplásmico.
Os pacientes com anti SRP têm, quase todos, polimiosite e não dermatomiosite. Sua presença
denota prognóstico bastante reservado, existindo uma alta incidência de envolvimento
cardíaco.
Anticorpos antinucleares - Nos anticorpos antinucleares existem alguns que estão relacionados
com a miosite pura e, outros deles, associados com as síndromes mistas do tecido conjuntivo.
São eles:
Anti Mi-2 - Está associado muito mais com dermatomiosite do que com a polimiosite. Seu
achado implica em um bom prognóstico com resposta favorável ao tratamento. Este anticorpo
promove um padrão de FAN a imunofluorescência que cora fortemente o núcleo mas
“economiza” os nucléolos
Anti RNP - Está associado com síndromes mistas nas quais aparece a miosite. São vários auto-
anticorpos sendo que o mais comum deles é o anti - U1RNP. Este anticorpo será abordado
novamente ao estudarmos a síndrome mista do tecido conjuntivo.
Anti PM- Scl - É um auto-anticorpo que aparece em síndromes mistas nas quais a miosite se
mescla com aspectos da esclerodermia. Artrite é um achado muito comum nestes pacientes e
as calcinoses são mais comuns. É um anticorpo dirigido contra um complexo de pelo menos 11
proteinas nucleolares.
De maneira resumida, o significado clínico destes auto-anticorpos está no quadro 15.5

QUADRO 15.5- SIGNIFICADO CLÍNICO DE ALGUNS DOS AUTO-ANTICORPOS DAS MIOSITES


Antissintetases Polimiosite ou dermatomiosite com infiltrado pulmonar instersticial
Anti SRP Polimiosite com inicio muito agudo; envolvimento cardíaco.
Mau prognóstico
Anti Mi-2 Dermatomiosite com sinal do xale. Bom prognóstico

ESTUDOS ELETROMIOGRÁFICOS - São alterações características: fibrilação espontânea,


potenciais positivos em forma de serra de curta duração e polifásicos os quais aparecem à
contração voluntária; salvas de potenciais repetitivos e de alta frequência.
BIÓPSIA MUSCULAR - O músculo a ser biopsiado deve ser selecionado cuidadosamente. Não
deve estar normal nem profundamente enfraquecido. A polimiosite é um processo "salteado" e
uma área pode mostrar extensa degeneração e inflamação e outra, ao lado, pode ser
227

perfeitamente normal. Não se deve biopsiar um local onde foi feita a eletromiografia porque a
inserção do eletrodo, por si só, produz alterações inflamatórias. Atualmente vem se utilizando
a ressonância magnética como uma forma de selecionar o músculo a ser biopsiado. Este teste
permite identificar músculos com um maior teor de água (inflamados) e para eles é que se dirige
a coleta do material.
BIÓPSIA DE PELE. O exame histológico de pele pode muitas vezes ser indistinguível daqueles dos
de LES.
RESSONÂNCIA MAGNÉTICA: A ressonância magnética de musculatura estriada é uma maneira
não invasiva de estudar os músculos. Em casos de miosite, ela mostra edema, fibrose e
calcificação. Este teste é muito bom no sentido de guiar a biópsia mostrando qual a área afetada
e evitando erros na obtenção da amostra.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Quando a dor é um elemento clínico muito proeminente, geralmente procura - se um


diagnóstico alternativo, como por exemplo, a polimialgia reumática.
Uma grande variedade de condições tem se associado com miopatia semelhante à do
complexo miosite. No quadro 15.6 está uma lista mostrando algumas delas.

QUADRO 15.6- DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS MIOSITES


DOENÇAS ENDÓCRINAS MIOPATIAS INDUZIDAS POR DROGAS
 Hipo e hipertireoidismo; colchicina, cloroquina, etanol, corticoides,
 síndrome de Cushing. agentes para  o colesterol , zidovudine (AZT)
DOENÇAS NEUROMUSCULARES DOENÇAS INFECCIOSAS
 distrofias musculares; viral ( influenza, Epstein Barr, HIV, cosackie);
 atrofia muscular espinhal; bacteriana (estáfilo, estrepto, etc...);
 miastenia gravis ; parasitárias ( triquinose, toxoplasmose) .
 esclerose lateral amiotrófica.
DOENÇAS METABÓLICAS MISCELÂNIA
 desordens do metabolismo dos carboidratos, Hipocalemia, hipomagnesemia; vasculites;
lipideos e da purina; hipo ou hipercalcemia; paraneoplásicas;
 miopatias mitocondriais. síndrome da eosinofilia-mialgia.

Deve-se, também, prestar bem atenção ao tipo de fraqueza encontrada porque ela pode
servir de pista para o diagnóstico diferencial. Veja, no quadro 15.7, algumas delas:

QUADRO 15.7- DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS FRAQUEZAS MUSCULARES


TIPO DE FRAQUEZA CONDIÇÕES POSSÍVEIS
Familiar distrofia muscular
Com envolvimento de músculos distrofia muscular,miastenia gravis, LES,
cranianos hipertireoidismo,
Com atrofia precoce distrofia muscular
Com hipertrofia muscular distrofia mucular; Duchenne, miotonia congênita,
Proximal osteomalácia, polirradiculopatias, hipo e hipertireoidismo,
Distal distrofia muscular,
Intermitente efeito de drogas, paralisia familiar,desordens funcionais.

Por último é bom reforçar que desordens do equilíbrio eletrolítico causam comumente
sintomas de fraqueza muscular, alguns deles, inclusive acompanhados por dor muscular. No
quadro 15.8, estão os principais.
228

QUADRO 15.8 -SINTOMAS MIOPÁTICOS E DESIQUILÍBRIOS


HIDROELETROLÍTICOS
ANORMALIDADE FRAQUEZA MIALGIA CÃIBRAS
hipercalcemia + + -
hipocalcemia ++ - +
hipomagnesemia + + +
hipofosfatemia ++ + -
hipercalemia + - -
hipocalemia ++ + +
hipernatremia + + +
hiponatremia + - +

SOBRE AS MIOPATIAS POR DROGAS

É sempre importante pensar na possibilidade de uma miopatia induzida por drogas, uma
vez que muitos delas podem estar relacionados com esta forma de sintomas. Aliás, existem
muitos medicamentos utilizados na própria reumatologia, responsáveis pelo aparecimento
deste tipo de sintoma, o qual pode facilmente ser atribuído, de maneira errônea, à doença
básica que indicou o seu uso. São alguns exemplos:- os corticoides, a penicilamina, colchicina,
cloroquina e hidroxicloroquina. Outras drogas implicadas nesta síndrome podem ser vistas no
quadro 15.9.
A miopatia induzida por corticoide acontece tanto com o uso oral quanto com o
injetável. Pacientes que usam a droga em altas doses e por mais tempo têm mais chances de
desenvolver este tipo de complicação. A biópsia do músculo é de pouca ajuda no diagnóstico,
embora seja útil saber que, nestes casos, não existe processo inflamatório (ao contrártio das
miosites). A EMG mostra um potencial baixo, traçados polifásicos e sinais de denervação. Não
existe um marcador bioquímico desta forma de miopatia. As enzimas musculares séricas estão
normais, embora a creatina urinária esteja aumentada, o que pode ser utilizado para
monitorizar a situação.
A cloroquina e a hidroxicloroquina são neurotoxinas que podem afetar tanto o músculo
esquelético quanto o cardíaco. A mesma distribuição é vista com o álcool.
O AZT, uma das drogas mais utilizadas no tratamento da SIDA, causa miopatia
dependendo da dose usada. É importante diferenciar esta situação da miopatia causada pelo
próprio virus da SIDA. Estudos com microscopia eletrônica mostram mitocondrias gigantes nos
casos de toxicidade pelo AZT, o que não existe em casos de infecções pelo HIV.
No caso das estatinas pode aparecer um tipo especial de miopatia: a miopatia
necrotizante que pode persistir após a retirada da droga e é mediada por fenômenos
autoimunes (contra a proteína da HMG coenzima A redutase).Esta não é a forma mais comum
de miopatia por estatina e, felizmente, é rara.
Finalmente, certas drogas injetáveis como clorpromazina, paraldeído,
cloroquina, opiáceos e antibióticos, podem induzir o aparecimento de uma miopatia no local da
injeção.

TRATAMENTO

TRATAMENTO DA MIOSITE
Corticoides são os agentes farmacológicos recomendados para a maioria dos pacientes
com polimiosite. Pode-se começar com uma dose de 40 a 60 mg/dia de prednisona ou
equivalente em doses divididas. Em crianças pequenas pode-se utilizar a dose de 1-2 mg/Kg/dia.
Estas doses altas são utilizadas até que a CK caia para nível normal (o que habitualmente leva
de 4 a 8 semanas). Após isso, o corticoide é passado para uma dose única pela manhã e
229

diminuído lentamente (por exemplo, 1/4 da dose pré-existente, por mês) desde que a CK
permaneça normal. Pode-se tentar um esquema de dias alternados, na tentativa de se reduzir a
toxicidade da droga embora alguns autores contestem esta forma de tratamento.
Após 4 a 6 meses, em geral, atinge-se a dose de manutenção de 5 a 10 mg/dia ou 10 a 20 mg/
dias alternados. Uma terapêutica mais prolongada pode ser necessária para controlar a doença
e não se deve descontinuar este medicamento até que toda a atividade da doença esteja
totalmente suprimida por pelo menos um ano.
Se ocorrerem evidências clínicas de recorrência, a dose da prednisona é novamente
levantada até que se atinja novo controle da doença.
É bem evidente que, melhora da força muscular só aparece depois de várias semanas
ou meses que a CK retornou ao normal. Entretanto, pode ocorrer miopatia por corticoide e isto
retarda a resposta clínica. Felizmente este tipo de miopatia responde sempre à redução da dose
do medicamento. Às vezes, pode ser interessante repor potássio, uma vez que o corticoide induz
hipocalemia e isto por si só é causa de fraqueza muscular.
Durante o processo inflamatório agudo, as atividades físicas se limitam ao tolerado pelo
paciente. Nesta fase pode se programar um tratamento fisioterápico com exercícios,
principalmente passivos para prevenção de contraturas. Quando a doença entra em remissão,
um programa de exercícios para melhorar a força muscular está indicado. Entretanto, se o
médico quiser optar por uma terapêutica física mais agressiva é bom saber que esta, mesmo em
fase de miosite ativa, NÃO leva a uma piora clínica nem à aumento da CK.
Suplementação oral de cálcio e vitamina D também é útil na tentativa de se evitar a
osteopenia induzida pelo corticoide.
Embora a maioria dos pacientes responda a corticoide, em torno de 25% dos casos, esta
medicação não é totalmente efetiva . Os pacientes com maior possibilidade de resposta são
aqueles que recebem um tratamento precoce (antes de 3 meses do início dos sintomas).
Pacientes com dermatomiosite respondem melhor ao corticoide do que os com polimiosite. Os
pacientes com corpúsculos de inclusão são tipicamente refratários a esta terapêutica. Pacientes
que anticorpos anti Mi-2 respondem melhor do que os portadores de antisintetases e anti SRP.
Pacientes refratários ao corticoide são tratados com terapêutica imunossupressiva, com
resultados variáveis. A maior experiência é com o metotrexate. O metotrexate parece ser
particularmente útil em pacientes masculinos e anti-sintetase positivos. Prednisona em doses
intermediárias ou baixas podem ser continuadas nestes pacientes, mas deve se tirar efeito
máximo dos efeitos economizadores de corticoide desta droga. Um problema que pode
aparecer no paciente em uso de metotrexate é a ocorrência de fibrose pulmonar intersticial
pelo uso da droga , que pode ser confundida com a fibrose da própria doença. Outras drogas
utilizadas são: azatioprina, ciclofosfamida, agentes bloqueadores de TNF-, mofetil
micofenolato e ciclosporina A. O uso do rituximabe parece ser útil em casos refratários. Outra
forma de tratamento utilizada é a gamaglobulina EV.
A miosite com corpúsculos de inclusão é tipicamente resistente ao tratamento. Nestes
casos costuma-se fazer uma tentativa de tratamento com esteroides por 3 meses. Caso o
paciente não responda, o tratamento é suspenso, para que assim se evitem os efeitos colaterais
deste tipo de medicamentos sem os correspondentes efeitos benéficos sobre a patologia básica.
Existem descrições de casos isolados em que se usou gama globulina para estes pacientes e a
houve melhora substancial do quadro clínico.

TRATAMENTO DAS MANIFESTAÇÕES CUTÂNEAS


O uso de bloqueadores solares deve ser recomendado. Corticoide tópico parece
diminuir o eritema das lesões mas é insuficiente para controlá-las totalmente. Antimaláricos
(cloroquina ou hidroxicloroquina) são capazes de induzir remissão das manifestações cutâneas.
230

TRATAMENTO DE PROBLEMAS RELACIONADOS

Raynaud é tratado com vasodilatadores (em geral, nifedipina) e aquecimento das


extremidades. Aconselha-se a parar de fumar.
Calcificações subcutâneas são problemáticas e podem ser como as da esclerodermia.
Colchicina é útil quando existe processo inflamatório por cristais de cálcio ao redor dos
depósitos. Como o aparecimento das calcinoses é inversamente proporcional ao tempo de
doença do indivíduo, um tratamento mais agressivo da miosite, nas fases iniciais, previne a sua
ocorrência.
A artrite responde ao uso de anti-inflamatórios não hormonais ou de corticoide em
baixas doses.

Referencias

Oddis CV. Therapy of inflammatory myopathy. Rheum Dis Clin North Am. 1994; 20: 899-918.
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Rheumatology, W. B. Saunders Co, Philadelphia, vol,2, 1993, p.1177-206.
231

Capítulo 16 - Doença Mista Do Tecido Conjuntivo

Quando se observam os diferentes casos de doença do colágeno, descobre-se que, nem


sempre, os quadros clínicos são bem definidos, de tal maneira que as doenças se superpõe entre
si, criando dificuldades diagnósticas. Os exames de laboratório conseguem oferecer muito
pouca ajuda, uma vez que dificilmente pode-se esperar deles a especificidade desejada. Assim,
na prática, cunhou-se uma série de nomes híbridos, visando designar este tipo de patologia,
como por exemplo, a esclero-dermatomiosite, lupoderma, doença não classificada do tecido
conjuntivo e doença mista do tecido conjuntivo.
O termo Doença Mista do Tecido Conjuntivo (DMTC) é reservado para situações em que
existem características clínicas mistas e o paciente é portador do anticorpo anti-RNP em altos
títulos. Segundo SHARP e colaboradores, que propuseram este termo, esta seria muito mais uma
nova entidade clínica, do que uma mistura das colagenoses já conhecidas. Assim, por definição,
a presença do anticorpo anti-RNP é condição sine qua non para se aceitar o diagnóstico de
doença mista do tecido conjuntivo. Caso ele não exista, utiliza-se o termo de doença não
classificada do tecido conjuntivo ou de síndrome de superposição.
Além da presença do anti RNP, outras características que parecem peculiares a DMTC são:
a. alta prevalência de Raynaud e de mãos difusamente edemaciadas (suculentas);
b. ausência de envolvimento renal e de sistema nervoso central;
c. tendência para artrite mais grave e para aparecimento de hipertensão arterial pulmonar não
relacionada à fibrose pulmonar.
A história natural desta doença mostra que, na maioria das vezes, ocorre uma perda dos
aspectos sorológicos e uma progressão clínica para uma forma de doença do colágeno bem
definida, em geral, para esclerodermia.

EPIDEMIOLOGIA

É uma doença menos comum do que o lúpus, mas mais comum que a esclerodermia e a
polimiosite e dermatomiosite. Afeta 16 mulheres para 1 homem. Casos que se iniciam em
crianças e também no indivíduo já bem idoso têm sido descritos.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

As queixas iniciais são, em geral, de fadiga, artralgias, febre, malestar e alterações


vasomotoras. Depois de certo período de tempo o paciente pode apresentar alopécia, rash
discoide, pleurite, Raynaud e artrite deformante. Em casos de apresentações mais agudas vê-se
febre alta, miosite, meningite asséptica, neuralgia do trigêmio e gangrena de extremidades.
Embora a maioria dos pacientes tenha uma clínica mista, se forem acompanhados por um certo
período de tempo, a metade deles desenvolverá um quadro típico de esclerodermia; alguns
poucos, de lúpus. O restante permanecerá indefinido.

MANIFESTAÇÕES CUTÂNEAS - O envolvimento de pele é quase universal e pode se manifestar


como qualquer das manifestações encontradas em esclerodermia, lúpus ou dermatomiosite.
As manifestações mais comuns são as de Raynaud e as de mãos inchadas e “suculentas”.
Alguns pacientes têm alterações cutâneas do lúpus, como rash malar e lesões discoides. O
achado de alopecia, esclerodactilia, vitiligo, urticária, fotossensibilidade e teleangiectasias é
menos comum. As lesões típicas de dermatomiosite são bem mais raras. Úlceras de boca,
perfuração de septo nasal e xerostomia são achados possíveis em mucosas. Em casos de longa
duração é possível encontrar o fascies esclerodérmico.
Os achados muco-cutâneos estão resumidos no quadro 16. 1.
232

QUADRO 16.1- MANIFESTAÇÕES CUTÂNEAS DA D. M. T. C.


 Mãos inchadas  Calcinose
 Raynaud  Ulcerações de pele
 Alopécia  Nódulos subcutâneos
 Esclerodactilia  Heliótropo
 Rash malar  Pápulas de Gottron
 Lupus discoide  Teleangiectasias
 Úlceras de boca  Fotossensibilidade
 Eritema nodoso  Despigmentação
 Perfuração do septo nasal

MANIFESTAÇÕES DO APARELHO LOCOMOTOR - Quase todos os pacientes têm queixas de dor


articular e rigidez matinal. Em torno de 60% deles desenvolvem artrite, a qual costuma ser mais
severa que a do lúpus e não tão deformante quanto a da artrite reumatoide. Deformidades em
pescoço de cisne e em botoeira podem ser encontradas. Metade dos pacientes tem a presença
do fator reumatoide. Tenossinovites, mialgias e miosite são outros achados possíveis.

ENVOLVIMENTO CARDÍACO - Em geral se manifesta como uma pericardite auto-limitada. Casos


de miocardite e de bloqueios cardíacos têm sido descritos. É interessante notar certa associação
do anticorpo anti- U1RNP com miocardites, mesmo em casos não relacionados com a doença
mista do tecido conjuntivo, a ponto de certos autores recomendarem que, todo indivíduo com
miocardite de causa desconhecida, deve se submeter à pesquisa do anticorpo anti-RNP .

MANIFESTAÇÕES PULMONARES - A forma mais comum de envolvimento é a pleurite. Outros


achados possíveis são os de doença intersticial difusa (nem sempre com clínica, mas que, em
testes de função pulmonar se mostra presente em até 75% dos casos), e hipertensão pulmonar.

MANIFESTAÇÕES GASTRINTESTINAIS - É comum o achado de alterações de motilidade em


esôfago, dilatação do intestino delgado (e consequente má-absorção), vasculite mesentérica e
pseudo-divertículos.

MANIFESTAÇÕES RENAIS - Não é comum que exista doença renal severa neste tipo de paciente.
O achado mais comum é o de glomerulonefrite membranosa com conseqüente síndrome
nefrótica.

MANIFESTAÇÕES DE SISTEMA NERVOSO - A manifestação mais encontradiça é a de neuralgia


do trigêmio e cefaléias tipo enxaqueca. Casos de meningite asséptica têm sido documentados
e respondem ao tratamento com esteroides.

MANIFESTAÇÕES HEMATOLÓGICAS - Anemia de doença crônica é um achado bem comum.


Também têm sido encontrados: Coombs positivo (a maioria das vezes sem hemólise),
leucopenia e trombocitopenia.

O ANTICORPO ANTI –U1 RNP

O anticorpo anti RNP, como já foi mencionado antes, é condição ”sine qua non” para o
diagnóstico desta forma de colagenose. Sua presença deve ser em altos títulos. É interessante
frisar que, se bem que a presença deste anticorpo é necessária para o diagnóstico, esta não é a
única doença em que ele aparece, sendo detectado em uma grande variedade de colagenoses.
Este anticorpo produz FAN positivo do padrão salpicado, de maneira tal que, o FAN convencional
é um bom teste de triagem para esta doença.
Anticorpos anti-RNP, também chamados anti-U1RNP estão dirigidos contra pequenos RNAs
do núcleo ou small nuclear RNA- sn RNA. O U se refere ao alto teor de uridina do RNA contra o
233

qual o anticorpo se dirige. Estes U1-RNAs parecem ser importantes para fazer a remoção de
íntrons do RNA pré-mensageiro.

PROGNÓSTICO

Parece que estes pacientes, por serem portadores dos anticorpos anti-RNP, estão de
alguma maneira protegidos das manifestações renais e neurológicas graves. Entretanto sempre
existe o risco de outro tipo de manifestação grave como hipertensão pulmonar e miocardites.
Assim, o prognóstico da doença é ditado pelo grau de envolvimento de órgãos mais nobres.

TRATAMENTO

Está na dependência do tipo de órgão envolvido e segue os mesmo parâmetros já


citados no tratamento das outras doenças do tecido conjuntivo.

Referências

Alarcon-Segovia D, Cardiel MH. Comparison between 3 diagnostic criteria for mixed connective tissue disease. Study of 593
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Benne RM, Mixed connective tissue disease and other overlap syndromes. In Kelley WN, Ruddy S, Harris Jr E, Sledge CB (eds).
Textbook of Rheumatology, WB Saunders Co, Philadelphia, 1985; p.1065-78.
234

Capítulo 17 - Síndrome do anticorpo antifosfolipideo (SAF)

Os anticorpos antifosfolípides formam uma “família” de auto anticorpos cuja presença


tem sido associada com eventos trombóticos de repetição sejam eles arteriais ou venosos e que
acometem vasos de todos os calibres. Também são causa importante de morbidade gestacional.
Os representantes mais proeminentes desta família são os anticorpos anticardiolipina
(aCl) IgG e IgM; um anticorpo chamado de “lúpus anticoagulante” (LAC) e o anticorpo anti-2
glicoproteína I (2-GPI). Estes anticorpos podem ser encontrados em pacientes com lúpus, em
lúpus induzido por droga, outras colagenoses, sífilis, infecções agudas, doenças neoplásicas e
em pessoas idosas. Além disso, um grupo de indivíduos parece ter este anticorpo e uma
desordem autoimune subclínica não classificada. Nestes casos, diz-se que o paciente é portador
de uma síndrome do anticorpo antifosfolípide primária.
Estes anticorpos estão fortemente associados com um grupo especial de manifestações
clínicas que inclui tromboses arteriais e venosas de repetição, desordens neuropsiquiátricas,
livedo reticularis, endocardite de Liebman Sacks, IAM, trombocitopenia, VDRL falso positivo e
abortamentos de repetição. Tais manifestações dependem exclusivamente da presença do
anticorpo e não da doença subjacente, uma vez que os achados clínicos resultam dos insultos
isquêmicos em vários órgãos e não de vasculites. Isto não impede que a sua presença repercuta
de uma maneira importante no prognóstico do paciente.

FISIOPATOLOGIA

Os anticorpos antifosfolipides atuam sobre várias vias da coagulação favorecendo


trombose. Nisso se incluem a atuação sobre proteína C, anexina V, plaquetas, proteases séricas,
fator tissular e fibrinólise. Não se confunda. Tem um destes anticorpos que é chamado de lúpus
anticoagulante porque in vitro, ele aumenta o KPTT. Todavia, in vivo, a sua ação é trombótica.
Como se vê este nome pode causar confusões... cuide-se com isso. Além de causar tromboses,
estes anticorpos aumentam o tônus vascular aumentando a susceptibilidade para aterosclerose,
perda fetal e dano neurológico. Eventos apoptóticos, ao remodelar a superfície celular e expor
fosfolipídios da porção interna da membrana ao sistema imune, parecem ser importantes, já
que certos antifosfolipideos existem apenas neste folheto interno da membrana celular. A
apoptose ajuda estas células a mostrarem o seu “avesso” para estes anticorpos...
Acredita-se que a doença se estabeleça depois de duas “ondas” de eventos
predisponentes. Numa primeira fase formar-se- iam os anticorpos num indivíduo geneticamente
predisposto que se expõe a uma infecção ou usa algum medicamento ou, ainda, encontra-se
num ambiente de autoimunidade como, por ex., tem lúpus. Numa segunda fase existiria um
evento precipitante (second hit) que faria com que ocorressem eventos trombóticos. Este
segundo evento pode ser infecção, agressão cirúrgica, gravidez, uso de anticoncepcionais ou
outros hormônios, aparecimento de neoplasia, hipertensão arterial etc... A ativação do
complemento e anticorpos anti-beta2 glicoproteina I (anti 2-GPI ) parecem ser
particularmente importantes na fisiopatologia dos eventos clínicos. Evidências do papel do
complemento surgiram quando se verificou que ratinhas grávidas com deficiência de C5, apesar
de terem os autoanticorpos, não sofriam abortamentos.
A etiopatogenia das tromboses ainda não está bem compreendida e parece ser
multifatorial. Alguns mecanismos propostos são:
 - ativação das plaquetas mediada pelo anticorpo:
 - dano direto ao endotélio impedindo que o mesmo fabrique prostaciclina e fator de
relaxamento.
 -inibição dos anticoagulantes endógenos;
 - ação impedindo que as proteínas anticoagulantes placentárias (PAPs) exerçam o seu efeito.
235

Além dos pontos de atuação já mencionados, causadores de alterações hemostáticas


tromboembólicas, especula-se que estes anticorpos possam reagir de maneira cruzada
diretamente com fosfolipideos de tecidos cerebrais (o que explicaria a riqueza de manifestações
para o lado de sistema nervoso resultantes de sua presença) e com LDL-oxidada (com aumento
da captação destas pelos macrófagos acelerando a aterogênese).
Consumo de complemento com depósito dos mesmos em placenta tem sido
demonstrado principalmente nas formas de SAF obstétrica.

CLÍNICA

Como já foi falado anteriormente aos anticorpos antifosfolípides podem aparecer


isoladamente na chamada síndrome do anticorpo antifosfolípide primária ou associados à outra
doença como o lúpus, infecções, neoplasias etc
Pacientes com lúpus são os mais aquinhoados com a tendência trombogênica deste tipo
de anticorpo. Calcula-se que 50% dos pacientes com lúpus tenham anticorpos antifosfolípides.
A ocorrência deste tipo de anticorpos não depende da idade do paciente, nem do tempo de
duração do lúpus. Como este anticorpo tem um papel prognóstico significativo parece lógico
que ele seja pesquisado em todo paciente lúpico, pelo menos uma vez, durante o decorrer de
sua doença. A clínica resultante da presença destes anticorpos resulta, em grande parte dos
fenômenos trombóticos de repetição. Está resumida no quadro 17.1.

QUADRO 17.1- SÍNDROME DO ANTICORPO ANTIFOSFOLIPIDEO


 Trombose arterial
AVCs
Oclusões oculares
Infarto do miocárdio
Oclusões vasculares periféricas etc
 Oclusões venosas
Trombose venosa recorrente e úlceras de perna
Embolia pulmonar (c/hipertensão pulmonar)
Trombose da veia adrenal (ADDISON)
Trombose da veia renal
Budd-Chiari
 Morbidade gestacional
Abortamentos recorrentes
Morte fetal
 Alterações imunológicas e sanguíneas
Trombocitopenia
Anemia hemolítica Coombs positiva
FAN; VDRL
 Outras associações
Trombose de válvulas cardíacas
Hemorragias em estilhaço
Coreia e epilepsia
Livedo reticularis
Enxaqueca (controverso)
Amaurosis fugax
Necrose asséptica de cabeça de fêmur
Necrose cutânea e gangrena
Mielopatia
Síndrome catastrófica
236

Alguns destes aspectos merecem atenção especial e passaremos a estudá-los,


classificando-os de maneira anatômica, ou seja, por local do envolvimento.

MORBIDADE GESTACIONAL-Pacientes portadores de síndrome de anticorpos antifosfolípides


têm uma taxa alta de abortamentos. Perda fetal (segundo trimestre) também é encontrada
assim como eclâmpsia e pré-eclâmpsia com perda e/ou prematuridade do concepto. Uma das
hipóteses explicativas para a morbidade gestacional é a de que ocorra uma insuficiência dos
vasos da placenta associada com tromboses de repetição. O feto em si, não parece estar afetado
pelo anticorpo. Ultimamente, entretanto têm sido documentados casos em que a lesão vascular
não parece ser suficiente para explicar o abortamento. Nestes casos parece existir um nível
insuficiente de IL-3. Em animais de experimentação a IL-3 induz um crescimento do trofoblasto
que compensa a isquemia placentária, além de normalizar os títulos de lúpus anticoagulante e
de plaquetas. O complemento (frações de C5) deve desempenhar alguma influência uma vez
que a inibição deste por anticorpos anti-C5 (eculizumabe) evita a perda gestacional.

MANIFESTAÇÕES CARDÍACAS- A presença dos anticorpos antifosfolípides tem sido associada


com espessamento valvular (verrucoso ou global) e disfunção de ventrículo esquerdo.
a)- Lesões valvulares. A associação entre lesão valvular e anticorpos antifosfolípides aparece
tanto na endocardite verrucosa (endocardite de Liebmann Sacks) quanto na forma de
espessamento valvular difuso. As vegetações da endocardite de Leibmann Sacks são formadas
por linfócitos, células plasmáticas, tecido fibroso, assim como fibrina e trombos plaquetários.
Estas lesões são, em geral, clinicamente silentes embora possam causar alterações
hemodinâmicas suficientes para requerer troca valvular. Mais comumente aparecem as
insuficiências, tanto mitral quanto aórtica. Estenoses são mais raras. Acredita-se que elas
resultem de formação de trombos, nas próprias válvulas, que mais tarde se organizam.
b)- Disfunção ventricular esquerda. Acredita-se que os anticorpos antifosfolípides possam ser
os responsáveis por este tipo de lesão por causar macro e micro trombose coronariana.

MANIFESTAÇÕES PULMONARES - As manifestações pulmonares desta síndrome incluem


embolia pulmonar e infarto, hipertensão pulmonar resultante ou não de tromboembolismo,
trombose da artéria pulmonar, microtrombos pulmonares, síndrome de distresse respiratório
do adulto, hemorragia pulmonar intra-alveolar e síndrome pós-parto.

MANIFESTAÇÕES NEUROLÓGICAS- Existe uma grande variedade de achados neurológicos que


se acreditam possam estar associados com anticorpos antifosfolípides. Estes resultam tanto do
processo tromboembólico como, também, de uma provável lesão direta dos anticorpos em
estruturas neuronais.
a)- Isquemia cerebral focal. É o achado neurológico mais freqüente . É encontrado tanto nos
portadores de lúpus como em casos de síndromes primárias.Quando um paciente desenvolve
um acidente isquêmico cerebral existem altas chances de recorrência.
b)- Isquemia ocular. Estes quadros ocorrem freqüentemente com outras formas de
manifestações neurológicas. É mais comum em casos associados a doenças do colágeno do que
em casos primários.
c)- Enxaqueca- Existem autores que debatem esta associação.
d)- Coréia. Sua ocorrência tem sido associada com gravidez e uso de anticoncepcionais orais.
e)- Mielopatia. Existe uma forte correlação entre a ocorrência de mielite transversa e anticorpo
antifosfolípide.
f) Outros: Guillain-Barré, convulsões e demência. Chama-se síndrome de SNEDDON éÀ
associação de livedo reticular e acidentes cerebrais isquêmicos. A prevalência de dos anticorpos
antifosfolípides nesta última síndrome varia de 0-85% conforme o estudo. A síndrome esclerose
múltipla-like causa lesões na substância branca que são –difíceis de separar da esclerose
237

múltipla verdadeira. Alguns autores se referem a este tipo de envolvimento como esclerose
lupoide.

MANIFESTAÇÕES RENAIS- Recentemente tem se descrito também o envolvimento do rim como


um dos órgãos - alvo na chamada síndrome do anticorpo antifosfolípide. À esta síndrome têm
sido atribuídas ocorrência de hipertensão arterial, necrose cortical, microangiopatia trombótica
associada ou não à gravidez e insuficiência renal. Tais fenômenos acontecem tanto em casos
associados com lúpus como nos portadores da forma primária da doença.

Insuficiência suprarrenal secundária à necrose hemorrágica por trombose de veia


adrenal também tem sido atribuída a esta síndrome, aparecendo tanto em casos associados ao
lúpus como em casos da síndrome primária. No caso associado ao lúpus é importante a distinção
entre o Addison causado pelos fenômenos tromboembólicos dos antifosfolípides e o causado
por uma doença autoimune associada ao lúpus, ou, ainda, secundário ao uso de glicocorticoides.

A B C
FIGURA 17.1- Síndrome do Anticorpo Antifosfolípide: (A) Lesão isquêmica com infarto
cerebral à E; (B)- Obstrução da artéria renal à E. (C )- Trombo intracardíaco à
ecocardiografia.

MANIFESTAÇÕES DE PELE- Várias lesões cutâneas são encontradas nesta síndrome:


anetoderma, hemorragias em estilhaço , necrose cutânea com infarto, tromboflebite , gangrena
digital, ulcerações cutâneas, vasculite livedoide, etc...Chama-se anetoderma à lesão cutânea
causada por perda das fibras elásticas da derme; ela se apresenta como áreas delimitadas de
pele flácida e enrugada. O livedo reticularis é uma lesão salpicada, azulada , que resulta do
realce do padrão vascular que confere um aspecto rendado à pele. É causada pelo edema das
vênulas secundário a obstrução trombótica dos capilares.

OUTROS- Existem casos descritos em que têm sido vistos múltiplos pontos de necrose óssea
asséptica. Uma publicação, muito interessante, mostra a ocorrência de anticorpos
anticardiolipina em casos de febre reumática aguda. O fato de lesões valvulares (endocardite
verrucosa) e coréia, no lúpus, estarem associadas a este anticorpo, motivou a sua procura em
pacientes portadores de moléstia reumática, na qual estes dois tipos de achados estão listados
como pertencentes ao grupo dos critérios maiores de Jones. 80% dos pacientes estudados
tinham este anticorpo e este fenômeno estava relacionado à atividade da doença. Estes achados
não puderam ser reproduzidos por outros autores.
Manifestações hematológicas incluem plaquetopenia e anemia hemolítica.
238

A B

C D

E
F
FIGURA 17.2- Síndrome do anticorpo antifosfolipide: (A) Livedo reticularis ; (B)
Livedo com úlcera; (C), (E), (F) - Necrose de dígitos; (D)- Obstrução da veia central
da retina.
239

Todos os pacientes lúpicos devem passar por esta pesquisa, pelo menos uma vez na
vida, uma vez que sua presença muda, em muito, o prognóstico.

É mandatório que todo paciente com fenômenos tromboembólicos mal explicados


faça pesquisa deste grupo de anticorpos, principalmente em casos de mulheres com I.A.M.
na pré- menopausa e pacientes com manifestações neurológicas.

SÍNDROME CATASTRÓFICA DO ANTICORPO ANTIFOSFOLÍPIDEO- Nesta síndrome, oclusões


vasculares se desenvolvem de maneira disseminada em questão de dias ou semanas. Ocorrem
infartos cardíacos, intestinais, hepáticos, renais, adrenais, cerebrais e pancreáticos etc. Deve-se
fazer diagnóstico diferencial com púrpura trombocitopênica trombótica, coagulação
intravascular disseminada e síndrome hemolítico-urêmica. A mortalidade é alta acontecendo
em metade dos casos. Por definição para que o paciente receba este rotulo devem ter sido
constatadas tromboses em, pelo menos, três órgãos ou sistemas em uma semana.

MANIFESTAÇõES NÃO TROMBÓTICAS DOS ANTICORPOS ANTIFOSFOLIPIDES – Como você já


deve ter observado, embora definição de SAF pesse pela presença de trombose, alguns dos
achados acima descritos: plaquetopenia, anemia hemolítica, desordens de movimento como
coreia, lesões valulares , alterações da substancia branca simulando esclerose múltipla etc... não
se explicam pela ocorrência de trombose. Por enquanto estes pacientes . existe quem chame
este grupode manifestaões de SAF não trombótica e isto demonstra que devem existir outros
mecanismos fisiopatológicos associados com a presença deste grupo de anticorpos que ainda
não estão bem esclarecidas.

SAF SORONEGATIVA- Esta é uma entidade debatida. Este termo é usado para denominar
pacientes com tromboses arteriais e/ou venosas nos quais não é possível demonstrar a
presença dos anticorpos antifosfolipides que são medidos rotineiramente. Lembre que
anticardiolipinas, anticoagulante lúpico e beta-2 GPI são apenas os “membros mais famosos de
uma vasta família de antifosfolipides” , podendo, portanto existir vários deles que passam
despercebidos. Alguns destes pacientes têm um VDRL falso positivo.

DIAGNÓSTICO

Existem critérios para a Síndrome do anticorpo antifosfolípide; veja quadro 17.2


Nesta síndrome pode ser observado, ainda: Teste falso positivo para VDRL; KPTT
alargado em estudos de coagulação. Quando o KPTT está aumentado - ele não se corrige com
a adição de plasma normal, porque não está sendo causado pela deficiência de um fator de
coagulação e, sim, pela presença de um anticorpo. Como os resultados dos testes sorológicos
podem flutuar, recomenda-se que este teste seja repetido em casos negativos em casos em que
existe uma suspeita clínica importante.
240

TABELA 17.2- CRITÉRIOS DE SAPPORO MODIFICADOS OU CRITÉRIOS DE SIDNEY PARA


CLASSIFICAÇÃO DA SÍNDROME DO ANTICORPO ANTIFOSFOLÍPIDE.
CRITÉRIOS CLÍNICOS
 Presença de um ou mais episódios de trombose vascular (venosa ou arterial)
diagnosticada de maneira inequívoca por exame histológico ou de imagem. Trombose
venosa superficial NÃO serve como critério.
 Morbidade gestacional definida como morte fetal não explicada de outra maneira em
gestação igual ou acima de 10 semanas; três abortos no primeiro trimestre (em feto
sem malformação e em gestação sem distúrbios hormonais); nascimento prematuro
antes da 34 semana de pelo menos uma criança por eclâmpsia, pré-eclâmpsia ou
insuficiência placentária .
CRITÉRIOS LABORATORIAIS
Presença de anticorpos antifosfolípides em pelo menos duas ocasiões com 12 semanas de
intervalo e com não mais do que 5 anos da manifestação clínica, demonstrada como
 Anticorpo anticardiolipina IgG ou IGM positivo em títulos acoima de 40U MPL ou GPL;
 Anticorpos anti-Beta2 GPI positivo
 Lúpus anticoagulante positivo.
Para diagnóstico é necessário pelo menos um critérios clínico e um critério laboratorial.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Deve ser feito com todas as outras causas de tromboses venosas como deficiências de
proteína C, proteína S e antitrombina III, resistência ao fator 5 de Leiden (proteína C ativada),
policitemia vera, disfibrinogenemia, hemoglobinúria paroxística noturna, uso de
anticoncepcionais e doença de Behçet. Em pacientes com oclusão arterial, o diagnóstico
diferencial inclui diabetes mellitus, hiperlipemias, homocistinúria, doença de Berger e anemia
de células falciformes.
A síndrome dos anticorpos antifosfolípide é responsável só por uma pequena parte das
morbidades gestacionais.

TRATAMENTO

O tratamento deste grupo de pacientes está na dependência do tipo de manifestação


apresentada. Se o paciente é assintomático, não é necessária a instituição de alguma forma de
terapêutica embora a maioria dos médicos prescreva, pelo menos, o AAS. Pacientes com
manifestações embólicas devem ser anticoagulados.Esta anticoagulação deve ser mantida pela
vida toda. Mesmo os pacientes adequadamente anticoagulados podem apresentar recidiva dos
episódios trombóticos.
Alguns autores sugerem que a meta do RNI em casos de trombose arterial (3 a 4 vezes
o normal) deva ser maior do que a de trombose venosa (entre 2 a 3 vezes ). Todavia o risco de
sangramento aumenta muito e não parece valer a pena.
Pacientes grávidas devem ser tratadas com heparina subcutânea (porque os
anticoagulantes orais são teratogêncios) associada à aspirina. É interessante notar que, muitas
pacientes grávidas que requerem tratamento durante o período gestacional podem ser
completamente assintomáticas fora da gestação. Isto parece se dever ao fato de a gestação em
si, ser uma situação na qual existe um estado de hipercoaguabilidade que se agrava com a
presença do anticorpo antifosfolípide. A dose utilizada na gestação é a dose de heparina
profilática se a mulher nunca teve trombose anterior (só morbidade gestacional). A
241

anticoagulação deve ser mantida durante o puerpério para evitar que a mãe sofra alguma
trombose. Entretanto, se a mãe já teve um episódio de trombose anterior, então a
anticoagulação durante a gestação deve ser completa e mantida após a mesma. Na gravidez é
importante monitorizar contagem de plaquetas e possível ocorrência de osteoporose que são
efeitos colaterais da heparina.
Os antimaláricos também são usados uma vez que têm efeito antiagregante de plaquetas.
Afastar situações que colaboram para aparecimento de tromboses também é fundamental
como evitar o fumo, imobilização, uso de anticoncepcionais e correção de dislipidemias,
homocisteinemia e hipertensão.
Até o momento não existem evidências de que os anticoagulantes modernos possam
ser utilizados em síndrome do anticorpo antifosfolípide .

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Schur, PH. Genetics of systemic lupus erythematosus. Lupus 1995; 4:425.
242

Capítulo 18 - Gravidez e doenças reumáticas

Doenças reumáticas sistêmicas afetam preferentemente pessoas do sexo feminino em


idade reprodutiva. Desta maneira, a sua ocorrência em mulheres que estão grávidas ou desejam
engravidar não é rara. Nesta situação são colocadas muitas questões sobre a influência da
doença reumática na evolução da gravidez ou sobre a saúde do concepto, tanto pelas próprias
pacientes como pelos familiares. É importante, pois, que se conheçam estes dados.

ARTRITE REUMATOIDE - A AR é uma enfermidade que tende a melhorar durante a gravidez.


Pelo menos isto acontece em ¾ dos casos. As pacientes que irão apresentar melhora durante
este período, o fazem de maneira precoce, já no início da gravidez e esta melhora pode
aumentar com o progredir gestação. Todavia, a doença tende a recidivar no período de pós-
parto (em geral, após 3 a 4 meses). A AR não afeta a criança; não tem sido associada com
eclampsia, nem parto prematuro. Mulheres nulíparas têm mais chance de vir a desenvolver
artrite reumatoide do que as multíparas.
Se a paciente tiver prótese de quadril, o parto vaginal deve ser evitado, por causa da
pressão exercida sobre o local, indicando-se a cesárea. Em casos de cesárea com anestesia geral,
deve ser feita avaliação da coluna cervical antes da intubação (pelo risco de luxação atlas-axis).
As razões da melhora da AR durante a gravidez ainda não estão bem claras. Algumas
hipóteses são: (a)- Alterações no perfil de citocinas TH1: TH2. A artrite reumatoide é uma doença
na qual predominam citocinas TH1: na gravidez aumentam as TH2; (b)-Produção materna de
anticorpos anti HLA-II; (c)- Normalização do eixo hipotálamo- hipófise-supra-renal, que estaria
alterado.; (d)-Aumento do cortisol durante a gravidez.

LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO -Diferentemente da AR, o lúpus é uma doença no qual a


gravidez deve ser acompanhada com muito mais cuidado. Debate-se se a gestação realmente
piora a evolução do lúpus ou se as pioras eventualmente encontradas neste período nada mais
são do que o resultado dos ciclos intermitentes de atividade que iriam aparecer
independentemente da gestação. Com certeza, o fato de a mulher estar grávida complica o
tratamento...
Até algum tempo atrás, a maioria dos médicos contra indicava formalmente a gravidez
no LES. Entretanto, hoje em dia ela é permitida desde que sejam atendidas algumas premissas:
(A)- a atividade da doença deve estar quiescente no mínimo 6 meses antes da concepção; (B)-
a medicação não deve ser retirada por inteiro, mas sim, escolhida de maneira adequada para
que possa ser usada durante este período. Muitos médicos tendem a retirar toda a medicação
durante a gravidez com medo dos seus efeitos sobre o feto e acabam permitindo que uma
doença “teóricamente freada” se mostre por inteiro.
No caso do lúpus é, por vezes, difícil separar os sinais e sintomas da própria gravidez
daqueles de um surto da colagenose. A vasodilatação generalizada da gravidez pode acentuar
a erupção em borboleta; dores articulares podem ser encontradas pelo relaxamento
generalizado dos ligamentos. Cansaço, proteinúria leve e aumento da VHS são encontrados
numa gravidez normal. Além disto, os complementos, cujo consumo é usado para medir
atividade do LES, estão aumentados na gravidez. Alopecia no puerpério é comum. Sinais e
sintomas de eclâmpsia e pré-eclâmpsia simulam o envolvimento renal da doença.
Elementos que parecem influir no fato e uma paciente com LES ter ou não uma evolução
pior durante a gravidez são: raça negra, pré-existência de doença renal e o fato de a gravidez
não ser planejada.
O lúpus discoide puro não altera sua evolução durante a gravidez e, nem traz maiores
implicações para o feto.
243

Se, pelo lado materno, não existe muita concordância entre os pesquisadores sobre o que
acontece; pelo lado da criança, as coisas são bem diferentes. Todos concordam que existe um
aumento na ocorrência de abortamentos, partos prematuros, natimortos e recém-nascidos de
baixo peso.
Pacientes com lúpus e portadoras de anticorpos antifosfolípides têm uma taxa mais alta
de abortamento, uma vez que múltiplas tromboses causadas por este anticorpo afetam a
circulação placentária. A pesquisa destes anticorpos é mandatória nas pacientes com lúpus e
grávidas.
Outro problema que existe é quando a mãe é portadora do anticorpo anti Ro/SS-A.
Nestes casos, a criança corre o risco de nascer com lúpus neonatal e/ou bloqueio cardíaco (BAV)
congênito. No lúpus neonatal a criança apresenta rash cutâneo fotossensível. Manifestações
viscerais são raras. Trombocitopenia pode aparecer e, segundo alguns autores, é indicação para
cesárea, para que se evite o risco de hemorragia intracraniana durante o esforço do trabalho de
parto. Via de regra, a síndrome desaparece no primeiro ano de vida, à medida que os anticorpos
da mãe são metabolizados, mas existem uns poucos casos em que estas crianças, quando
adolescentes, desenvolveram lúpus. O bloqueio cardíaco congênito é manifestação mais grave
desta síndrome e pode ser uma situação permanente.
Fetos de mães com LES e portadoras de anti Ro/SS-A devem ser acompanhadas com
ecocardiografia a partir do 2º trimestre da gravidez, e, se a criança apresentar sinais de que pode
estar desenvolvendo lesão cardíaca, deve-se tratar a mãe com altas doses de dexametazona ou
betametasona. Estas formas de corticoide são capazes de atravessar a barreira placentária. Com
este tratamento pretende-se sustar o processo inflamatório local, impedindo-se, assim, o
desenvolvimento deste tipo de lesão. Aparentemente a causa do bloqueio cardíaco é uma
miocardite. Este anticorpo tem, também, um potencial arritmogênico por interferir, de alguma
maneira, com transporte de cálcio e reduzir a fase de repolarização cardíaca.
Embora a síndrome do lúpus neonatal tenha sido descrito largamente como se devendo
ao anticorpo anti-Ro/SS-A, aparentemente o anticorpo anti-La/SS-B também pode estar
implicado em sua gênese. Existem raros casos associados com o anti-U1RNP.
Nem toda mãe que tem o anticorpo anti-Ro/SS-A ou anti- La/SS-B gera filhos com lúpus
neonatal. Ele aparece em menos de 25% das mães que os tem. Parece existir uma predisposição
dos tecidos fetais a esta complicação, o que explica porque uma mãe, que teve um filho com
BAV, pode, numa gestação subsequente, ter outro filho normal. Um terço das crianças com
bloqueio cardíaco congênito morrem antes dos 3 anos de idade. O aparecimento do lúpus
neonatal não está relacionado com a gravidade do lúpus materno.
É bom que fique bem claro que a síndrome do lúpus neonatal está associada com a
presença destes anticorpos e não com a doença básica da mãe, podendo, portanto, aparecer
em casos de mães não lúpicas que tenham este anticorpo por causa de uma outra doença, como
p.ex., síndrome de Sjögren. Não é raro que o diagnóstico saia “às avessas”. Primeiro descobre-
se o bloqueio cardíaco na criança e depois, a presença do anticorpo materno, em uma mulher
assintomática.
As lesões cutâneas do lúpus neonatal são fotossensíveis e estas crianças não devem ser
submetidas a tratamentos com luz ultravioleta para tratamento de icterícia neonatal.
Frequentemente são confundidas com infecções fúngicas pelo seu aspecto circinado. Podem
curar deixando pequenas telangiectasias.
Um problema especial na paciente grávida com lúpus e que merece atenção é o da
paciente com envolvimento renal. Considera-se uma gravidez contra-indicada em pacientes com
síndrome nefrótica, creatinina acima de 2,0 mg% ou com padrão de glomerulonefrite prolifera-
tiva difusa à biópsia.
É desnecessário enfatizar os efeitos maléficos da hipertensão sobre a gravidez. Em casos
de envolvimento lúpico renal que aparece durante a gestação, pode ser extremamente difícil
fazer a diferenciação com pré-eclâmpsia, principalmente em casos com envolvimento do
sistema nervoso central com convulsões. Além disso, pré-eclâmpsia é muito mais comum na
244

paciente lúpica, numa incidência de até 32%. Por outro lado, um tratamento muito agressivo
da hipertensão materna pode causar trazer dano ao feto por diminuição no fluxo sanguíneo
placentário.
As contraidicações da gravidez no LES podem ser vistas na tabela 18.1

Tabela 18.1- CONTRA INDICAÇÕES PARA GRAVIDEZ EM LUPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO


 Hipertensão pulmonar com média > 50 mm Hg;
 Insuficiência cardíaca;
 Insuficiência renal crônica (creatinina >2,8mg/dL);
 Doença pulmonar restritiva (capacidade vital forçada <1 L);
 Doença renal ativa;
 História de pré-eclâmpsia grave ou síndrome HELLP anterior;
 Acidentes vascular encefálico nos 6 meses anteriores;
 Surto agudo grave da doença nos 6 meses anteriores.

Drogas imunossupressoras são teratogênicas, com exceção da azatioprina e ciclosporina.


Pacientes que estão fazendo uso da azatioprina com bom controle da doença e engravidam NÃO
devem suspender o tratamento, uma vez que existem casos descritos de reativação da doença
com criação de uma espécie de "resistência" a esta droga.
Corticoides podem ser usados com relativa segurança para o feto durante a gravidez,
uma vez que a maior parte deles (com exceção da dexametasona e betametasona) são
inativados pela placenta. O maior problema está no seu uso em dose alta por causa dos riscos
de hipertensão materna.
Os antimaláricos podem e devem ser mantidos durante a gravidez.
Para maiores detalhes sobre o uso de drogas anti-reumáticas na gravidez, dirija-se à
leitura complementar abaixo.
Por último, não se deve esquecer que o lúpus pode dar um teste de gravidez falso positivo;
que em pacientes tomando corticoide pode ser difícil a avaliação do estriol urinário, e que
pacientes em uso de imunossupressores têm maior risco de infecção pós-cesárea ou com uso
de DIU.
Antes de terminarmos esta leitura sobre lúpus e gravidez existem alguns tópicos
relacionados, que merecem atenção.
O primeiro deles diz respeito ao uso de métodos contraceptivos em pacientes lúpicas.
Métodos de barreira obviamente podem ser utilizados embora sua pouca eficiência sejam causa
de preocupação. O DIU de cobre pode ser também uma boa opção para a paciente que não
esteja fazendo uso de drogas imunossupressoras ou corticoide por causa do risco aumentado
de infecções. Já o uso de anovulatórios contendo estrógenos, anteriormente formalmente
contra indicados, têm sido liberados para pacientes com doença mais leve e que não tenham
anticorpos antifosfolípides.
O segundo aspecto diz respeito ao aconselhamento genético. Deve se esclarecer à
paciente que, apesar de existir uma predisposição hereditária para a mesma, esta não é uma
doença genética e o seu aparecimento exige a intercorrência de vários outros fatores.

ESCLERODERMIA- São poucos os estudos sobre a evolução da gravidez em mulheres com


esclerodermia. O número de gestações nestas pacientes é menor do que na população normal,
o que pode se dever ao aconselhamento negativo dos médicos ou a algum componente de
infertilidade.
Em algumas séries tem sido demonstrado aumento no número de abortamentos,
principalmente nas mulheres com doença difusa e de longa duração. Prematuridade é outro
problema encontrado.
245

Os sintomas da esclerodermia, em geral, não se alteram durante a gravidez embora existam


relatos de casos de crise renal esclerodérmica em grávidas. Todavia não se consegue implicar
a gravidez no seu aparecimento. Com certeza o manejo desta crise fica muito dificultado pela
gravidez uma vez que inibidores de enzima de conversão de angiotensina que são as principais
drogas usadas neste contexto estão contra indicadas na grávida.
Outras complicações descritas são: aumento do espessamento cutâneo, piora dos sintomas
de refluxo gastroesofágico e de dores articulares. O Raynaud tende a melhorar nestas pacientes.
Pacientes com hipertensão pulmonar devem ser aconselhadas a não engravidar.Existem
raros casos na literatura de descrição de esclerose em cervix uterina e em períneo que podem
dificultar o parto pela via vaginal podendo ser indicação para cesárea eletiva.

SÍNDROME DO ANTICORPO ANTIFOSFOLÍPIDEO - Morbidade gestacional é parte importante da


síndrome do anticorpo antifosfolípideo, sendo, inclusive, um dos critérios clínicos seu para
diagnóstico. Para explicar a ocorrência dos abortamentos, a hipótese mais aceita é a de que
aconteça uma insuficiência dos vasos da placenta por tromboses de repetição e vasculopatia.
A implantação normal do feto (a qual requer que o trofoblasto invada tecidos do útero) está
afetada porque os anticorpos antifosfolipideos interferem com este processo. Também os níveis
de anexina 5 estão diminuídos nesta situação. A anexina 5 é responsável por tornar os
fosfolipideos não trombogênicos.
Aumento na prevalência de pré-eclampsia, síndrome HELLP e retardo de crescimento
intrauterino têm sido notados assim como tromboses maternas durante a gravidez e o puerpério
O risco de abortamento na primeira gravidez de uma paciente com títulos moderados de
anticardiolipina IgG ou LAC é de aproximadamente 30%. Este risco aumenta para 70% se a
mulher já teve dois abortamentos prévios.
O tratamento durante gravidez deve ser feito com heparina associada à aspirina.
Anticoagulantes orais são teratogênicos, O uso prolongado da heparina está associado à
ocorrência de osteoporose a qual aparece em até 2% das mulheres grávidas que a utilizam. Se
a droga for descontinuada no pós-parto, ocorre recuperação (pelo menos parcial) da massa
óssea. Uso de cálcio e vitamina D e de exercícios com impacto são recomendados para minimizar
este risco. Sea SAF é so gestacvional utiliza-se heparina em dose profilática; se a mulher já teve
trombose, a dose da heparina deve ser completa e a anticoagulação não deve ser suspensa após
o parto.
Outras drogas usadas são: antimaláricos (a qual parece reverter a ativação plaquetária
induzida pelo anticorpo antifosfolípideo) e em casos de exceção, corticodie e gama globulina
endovenosa.

POLIMIOSITE - São poucos os relatos desta doença em associação com gravidez, mas, nestes
casos, o prognóstico parece estar mais relacionado com eventuais disfunções de órgãos,
principalmente com fraqueza de músculos respiratórios. Existem casos descritos de mães
portadoras de doença inativa, em geral, que tiveram dermato ou polimiosite infantil, nas quais
aconteceu uma reativação da doença, mas que não chega a afetar o feto.
Em casos de doença de aparecimento em idade adulta, que estejam ativas durante a
gravidez, a sobrevida do feto está reduzida, com uma alta taxa de abortamentos e de mortes
perinatais.

Leitura complementar 18.1 -Drogas antirreumáticas e gravidez

Infelizmente as informações a respeito de segurança de uso de drogas em gravidez


são em pequeno número porque a experiência clínica é bastante limitada por razões éticas, que
são óbvias. Utiliza-se, portanto, uma correlação com dados obtidos em animais, o que nem
246

sempre é aplicável ao ser humano. Além disso, é difícil separar os efeitos da droga sobre o feto
dos efeitos da doença que levaram à sua indicação.

ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO HORMONAIS - Dentre as drogas antirreumáticas, os AINHs


estão entre os melhores estudados uma vez que o seu uso em mulheres grávidas, mesmo sem
prescrição, é muito difundido. Aparentemetne não existem efeitos teratog~enicos destas
drogas. Todavia as ações farmacológicas destes elementos sobre o feto podem ser mais sérias.
Estas drogas são sabidamente inibidoras da produção de prostaglandina, prostaciclinas e
tromboxane, o que, aliás, é responsável por parte de seu efeito terapêutico. A inibição de
prostaglandinas em tecidos fetais pode explicar muitos dos achados, tais como os abaixo
descritos.
1.Efeito sobre a circulação placentária do feto. A prostaglandina I2 ou prostaciclina ocasiona um
relaxamento da artéria umbilical e aumenta o fluxo sangüíneo. Este mecanismo é mais evidente
em situações de estresse (principalmente com hipóxia) servindo como um mecanismo de
defesa. O uso de AINH inibe este mecanismo de defesa, podendo ser deletério. Alguns autores
procuram justificar, desta maneira, a ocorrência de R.N. de baixo peso em mães que fazem uso
de AINH.
2.Efeitos no metabolismo de água e sal. Sabe-se que prostaglandinas modulam o metabolismo
da água e sal regulando o fluxo plasmático renal e a ação da vasopressina. O uso de AINH
diminuiria o fluxo plasmático renal e potencializaria a ação da vasopressina, sendo este um dos
mecanismos para justificar a ocorrência de oligohidrâmnio em crianças de mães tratadas com
indometacina como agente inibidor de parto prematuro, o que foi difundido nos anos 70.
3.Efeito sobre o ducto arterioso. Sabe-se que o ducto arterioso é mantido aberto, em estado
dilatado por produção de prostaglandinas locais (I2 ou prostaciclina e a PgE2). O uso de AINH
levaria a um fechamento precoce do ducto e à ocorrência de hipertensão pulmonar e suas
repercussões. Este efeito ficou bem claro com uso de AAS, indometacina e naproxeno usados
como agentes tocolíticos e foi causa de óbito em RN.
4.Efeitos hematológicos. Pelos conhecidos efeitos dos AINHs sobre a adesividade plaquetária
tem se observado uma maior incidência de hemorragias periparto na mãe e, no R.N., uma maior
incidência de hemorragias intraventriculares. Um estudo usando aspirina mostrou uma
incidência de 44% de hemorragias intraventriculares demostráveis à tomografias em R.N de
mães usando AINH uma semana antes do parto em crianças à termo. A taxa subia para de 71%
nos casos em que as crianças eram prematuras.
5. Efeitos sobre o trabalho de parto- Estas drogas prolongam a gravidez e o tempo de trabalho
de parto .
6. Risco de icterícia neonatal no RN -A incidência de icterícia tem sido descrita como aumentada
nestas crianças quando a droga é administrada no período periparto.
Por estes motivos, o uso de AINH deve ser limitado em extremo na mulher grávida e, se
o seu uso é imprescindível, que se use uma droga de meia vida curta e com os maiores intervalos
possíveis sempre suspendendo a mesma pelo menos algumas semanas antes do parto.

GLICOCORTICOIDES - Estas drogas quando administradas em animais ocasionam o


aparecimento de lábio leporino e fenda palatina. A teratogênese dos corticoides está
intimamente ligada à inibição de fosfolipase A2 induzida pela lipomodulina. Em humanos,
entretanto, a placenta apresenta um efeito protetor por ser dotada de uma enzima a 11
dehydrogenase que oxida o corticoide para uma forma inativa. A imaturidade do sistema
enzimático fetal previne a sua retransformação em elemento ativo.
A oxidação dos glicorticoides ocorre de maneira diferencial dependendo do
glicocorticoide em questão. A prednisona (e a prednisolona) é bastante susceptível a esta
enzima de tal maneira que a relação de concentração de glicocorticoide mãe/filho é de 10 para
1. Já a dexametazona e a betametazona são mais resistentes a esta enzima e a relação de
concentração mãe/filho é de 1:1. Por isto é rara a ocorrência de malformações fetais ou de
247

insuficiência suprarrenal na criança, exceto quando doses muito altas são usadas ou quando
estes dois últimos preparados são utilizados. Existem obstetras que preferem o uso da
betametazona à dexametazona porque foram descritos alguns casos isolados de leucomalácia
periventricular com esta última, embora isto não seja de consenso.
O uso de terapia de pulso não tem sido adequadamente estudado durante a gravidez,
embora existam alguns relatos de que a criança apresenta redução de movimentos,
transitoriamente, durante o seu uso. Quando usada, é de bom alvitre monitorar o recém-
nascido para infecções e supressão de supra-renal, embora tais eventos sejam considerados
raros.
Corticoides causam osteoporose e, como a demanda de cálcio na gravidez está aumentada,
é necessário atender a sua reposição e a de vitamina D. Além disto, se as parturientes
necessitarem de cesárea ou o trabalho de parto for prolongado, deve-se proceder à
suplementação de corticoide como as feitas para situação de estresse.

ANTIMALÁRICOS - Até algum tempo atrás, recomendava-se que os antimaláricos fossem


suspensos durante a gravidez uma vez que as suas indicações eram artrite e lesões de pele do
lúpus. (que não são manifestações graves). Todavia, descobriu-se mais tarde que tais drogas são
úteis no tratamento da síndrome do anticorpo antifosfolípide e que servem para evitar novos
surtos da doença em casos de lúpus, o que é altamente desejável numa gravidez. Assim,
passou-se a fazer uso deste medicamento durante a gravidez e ele tem se mostrado seguro para
a mãe e para a criança. Além disto, a consciência de que esta droga se elimina muito lentamente
mostra que, ao suspender esta droga quando a mulher engravida não impede que o feto venha
a entrar em contacto com este medicamento que estava acumulado.
O uso de antimaláricos aprece reduzir o risco de BAV no feto em mães que são anti Ro/SS-
A positivas.

SULFASSALAZINA- Sabe-se, da experiência de doenças inflamatórias intestinais, que estas


drogas são bem toleradas durante a gravidez e que não causam aumento em abortamentos ou
malformações.

METOTREXATE (MTX) - O MTX é uma droga considerada teratogênica a partir de estudos feitos
principalmente em animais. Em humanos existem casos descritos de malformação dos ossos
cranianos, fenda palatina, anencefalia, hidrocefalia e meningomielocele. Desta maneira é
fundamental que as mulheres em idade fértil que estão recebendo metotrexate recebam
orientações para uso adequado de anticoncepcionais. Se a mulher pretende engravidar após o
seu uso é adequado que a interrupção do medicamento aconteça 3-4 meses antes da
concepção.

AZATIOPRINA- Como já foi comentado anteriormente, a azatioprina é um imunossupressor


derivado da 6 mercaptopurina a qual deve ser metabolizada para sua forma ativa, o ácido tio-
inosínico. Em animais, esta droga é causadora de anomalias esqueléticas mas em grande série
de humanos (pacientes com transplantes renais) isto não tem se comprovado.

CICLOSPORINA- A experiência com os inibidores de calcineurina durante a gravidez em


transplantados renais tem mostrado que esta droga é bem tolerada durante a gestação.

CICLOFOSFAMIDA- É outra droga imunossupressora que também interfere com a síntese do


DNA. É sabidamente teratogênica e mutagênica. A pequena experiência publicada neste sentido
mostra uma taxa alta de malformações. Em casos em que o uso desta droga é inevitável, este
deve ser limitado ao último trimestre da gravidez.
248

A ciclofosfamida é uma droga capaz de induzir a esterilidade principalmente se administrada


a paciente com mais idade (acima de 25 anos) com reserva de óvulos menores. A chance de
esterilidade aumenta quando a paciente apresenta amenorréia.

LEFLUNOMIDE - Experiência em animais mostra que a leflunomida usada durante a gestação


aumenta as chances de óbito fetal e teratogenicidade. Além de se contra indicar a gravidez
durante o seu uso é importante que a mulher que usa este medicamento evite gravidez por um
longo período após o término do tratamento porque ele pode levar até dois anos para sofrer
um clearence completo. Caso exista o desejo de uma gravidez antes deste período, deve-se
administrar 8 g de colestiramina, três vezes ao dia por 11 dias para acelerar a sua eliminação.

MOFETIL MICOFENOLATO - Em animais este agente causa problemas com o


desenvolvimento do ovo. Em humanos existe um relato em que houve exposição intra-útero
causando hipoplasia ungueal e encurtamento dos 5os dedos. Não existem estudos maiores. Por
causa da pobreza de informações, sugere-se que esta droga seja evitada durante a gravidez,
devendo ser substituída pela azatioprina ou corticoterapia.

BLOQUEADORES DE FATOR DE NECROSE TUMORAL ALFA - Como este medicamento é


relativamente novo existe pouca experiência com seu uso em gravidez. Existem casos de
concepção durante o seu uso foram observadas em pacientes com artrite reumatoide e Crohn,
sendo o seu uso interrompido assim que a gravidez foi confirmada. Não se observou
teratogenicidade e a taxa de abortamentos foi semelhante a da população normal.

Referências

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249

Capítulo 19 - Outras vasculites

Vasculite é toda e qualquer inflamação de um vaso sanguíneo. Em contraposição com


esta definição bastante simplista elas formam um grupo de doenças muitas vezes percebidas
pelo médico como doenças raras, obscuras e de diagnóstico difícil. Esta percepção negativista
não é de todo desmerecida, e, na realidade são vários os fatores que contribuem para isto. O
primeiro deles é o espectro muito amplo deste grupo. Vai desde as chamadas vasculites "de
novo" onde o envolvimento vascular é o dominante no quadro clínico (como por ex, na
periarterite nodosa), até aquelas doenças em que o envolvimento vascular é um mero
componente da síndrome estando associado a uma outra sintomatologia mais evidente (como
por ex, artrite reumatoide). Outro fator que é causa de dificuldade do diagnóstico nestas
doenças é o fato de que as manifestações clínicas decorrem do envolvimento do vaso. Aquilo
que o paciente apresenta varia de acordo com o local em que o vaso envolvido se situa e, dessa
maneira, uma mesma doença pode se apresentar de várias maneiras. Some-se a isto o
desconhecimento quase total sobre a etiopatogenia da maioria destas doenças, o que não
permite uma classificação correta destas patologias impedindo que se catalogue de maneira
adequada e proveitosa tudo que vem sendo descoberto sobre elas, permanecendo estes
conhecimentos de maneira desordenada e avulsa. Apesar desta visão niilista existem alguns
grupos que são mais estudados e conhecidos, e, cujas dificuldades na feitura do diagnóstico são
recompensadas com um prognóstico e tratamentos definidos.

AS PRINCIPAIS VASCULITES

Existem várias classificações das vasculites. A classificação que se segue é a classificação


de Chapel Hill de 2012, que leva em conta, principalmente, o tamanho do vaso. As vaculites de
pequenos vasos são subdivididas de acordo com achado histológico

Tabela 19.1 - Classificação da vasculites segundo consenso de Chapel Hill 2012


Vasos de grande tamanho
Arterite de Takayasu
Arterite de células gigantes
Vasos de médio calibre
PAN ou poliarterite nodosa
Doença de Kawasaki
Vasos de pequeno calibre
Vasculite ANCA associadas Poliangeite microscópica- PAM
Poliangeite com granulomatose (Wegener)
Poliangeite com granuloma eosinofilico (Churg
Strauss)
Vasculites por complexo imune Crioglobulinemia
Vasculite por IgA ( Henoch Schonlein)
Vasculite urticariforme hipocomplementemica
Vaso de qualquer tamanho
Doença de Behçet
Doença de Cogan
Outras
Vasculite de órgão isolado Olho, SNC, cutânea. aorta etc...
Vasculite de doença sistêmica Colagenoses: AR, LES, Sjögren, polimiosite,dermatomiosite, etc
Sarcoidose.
Vasculite de outras etiologias Infecciosas hepatite B e C, sífilis, etc
Associadas a droga Reações de hipersensibilidade;
Cocaína.
propiltiuracial (ANCA Associada) , etc...
Associadas a câncer
250

A seguir serão revistas as principais características de cada grupo.

ARTERITE DE TAKAYASSU- Também chamada de doença sem pulso, afeta principalmente


mulheres jovens que se apresentam com sintomas gerais, tais como febre, mal-estar, perda de
peso e artralgias. A arterite envolve o arco aórtico e seus ramos causando claudicação, membros
frios, úlceras isquêmicas, hipertensão arterial, pulmonar e angina. É comum o achado de sopros
sobre os vasos afetados.

A B
C
FIGURA 19.1 Arterite de Takayassu: (A) em aorta e vasos renais; (B) e (C) obstrução da
subclávia ; em (B) arteriografia e (C) pelo ultrassom.

ARTERITE TEMPORAL (ou de células gigantes)- Esta forma de vasculite de grandes vasos
acomete pessoas idosas. Sua apresentação mais característica é cefaléia rebelde causada por
envolvimento da artéria temporal, a qual se apresenta espessada, tortuosa, sensível e sem
pulso. Envolvimento dos vasos que nutrem o olho pode ser causa de cegueira irreversível. O
advento da cegueira pode surpreender o paciente e o médico, aparecendo sem pródromos.
Outros sintomas incluem febre e claudicação da mandíbula e da língua, necrose de tecidos
irrigados pelos vasos afetados. Apesar de o nome desta doença ser arterite temporal esta
doença afeta vasos de grande calibre em todo o organismo. Não é raro que muitos destes
apcietnes venham a desenvolver aneurismas de aorta anos mais tarde.
Em um grande número de casos, o paciente cursa com polimialgia reumática associada,
que é uma síndrome clínica caracterizada por rigidez e dor em musculatura de dorso e porção
proximal das extremidades. Esta pode se fazer acompanhar de sinovite, a qual é mais comum
em joelhos e articulações esternoclaviculares.

B
A
FIGURA 19.2 Arterite temporal (A) necrose couro cabeludo (B) nutrição do nervo ótico
251

POLIARTERITE NODOSA (PAN) - Antigamente também era chamada de periarterite nodosa, mas
teve seu nome mudado para poliarterite nodosa (PAN) quando se detectou envolvimento das 3
camadas da artéria. Esta é uma vasculite exclusivamente arterial. O termo "nodosa" deve-se ao
fato de que o processo inflamatório vascular leva a formação de nódulos, os quais podem ser
palpados.
Tem um espectro clínico variável, indo de uma doença limitada até uma forma agressiva
e fulminante. Pode aparecer associada a outras doenças como artrite reumatoide, síndrome de
Sjögren, leucemia das células cabeludas e, ainda, crioglobulinemia mista. Ocorre em qualquer
idade, mas sua maior incidência está na faixa dos 40-60 anos com uma ligeira preponderância
para o sexo masculino (relação 2:1 entre homem e mulher).
O envolvimento renal na PAN clássica acontece em vasos médios (artérias interlobares)
e, por poupar os vasos de pequeno calibre, não causa glomerulonefrite. Assim sendo, não se
espera encontrar cilindros hemáticos no parcial de urina, embora hematúria e proteinúria
possam ser achadas. Hipertensão renovascular é encontrada comumente. A angiografia mostra
pequenos aneurismas e infartos renais. Os sintomas músculo-esqueléticos constam de artralgias
e artrites oligoarticulares e não deformantes. As manifestações cutâneas mais comuns são:
alterações isquêmicas de dígitos, ulcerações, púrpura palpável e livedo reticularis. Para o lado
do sistema nervoso, o achado mais freqüente é de mononeurite multiplex tanto em membros
inferiores como superiores. Mais raramente ocorrem convulsões e hemiparesias. As
manifestações intra-abdominais resultam do envolvimento de vasos que podem causar infarto
mesentérico, infarto de vesícula biliar etc. O envolvimento hepático é mais um achado de
autópsia que raramente tem tradução clínica, exceto nos casos associados com presença do
antígeno de hepatite B. A associação com esta infecção vem declinando graças ao uso
disseminado da vacinação contra hepatite B. Caracteristicamente a PAN não afeta os pulmões.

A B C
Figura 19.3 - PAN- (A)- livedo reticularis; (B) aneurismas renais; (C)-histologia mostrando
envolvimento de vasos de médio calibre

A PAN é, na sua grande maioria, uma doença grave e segue um curso agudo. A maioria
dos pacientes morre no primeiro ano da doença se não for tratado. As mortes precoces
decorrem da vasculite. As mortes mais tardias tendem a serem causadas pelo tratamento como
infecções ou por complicações tipo AVC e IAM. Todavia existe uma forma limitada à pele,
benigna e que está associada com infecções estreptocócicas.
Antes de ir adiante, revise, no quadro 19.2, a lista das principais características da PAN.
252

QUADRO 19.2 - PRINCIPAIS ACHADOS NA PAN


 Envolvimento de artérias de médio calibre;
 Lesão renal secundária a envolvimento de vasos interlobulares (com
infartos);
 Manifestações cutâneas: úlceras, livedo reticularis e nódulos;
 Sistema nervoso: principalmente mononeurite multiplex;
 Aparelho gastrintestinal: isquemia mesentérica e de vesícula;
 Associação com vírus de hepatite B.

DOENÇA DE KAWASAKI- É uma doença que afeta predominantemente crianças abaixo dos 5
anos, sendo que a maioria dos casos é descrita entre japoneses. Nos aspectos clínicos mais
característicos se incluem febre, aumento de linfonodos, congestão conjuntival e de outras
mucosas como a oral e faríngea e rash eritematoso envolvendo face e tronco. Este rash pode
ser morbiliforme ou em placas. Mais raramente toma características escarlatiniformes. Dura em
media duas semanas e é seguido por uma descamação fina. A língua fica avermelhada e cheia
de pequenas elevações; toma um aspecto semelhante ao de um morango Acompanha-se de
artrite não deformante, pauciarticular ou edema difuso em mãos e pés, de cor amarronada. As
anormalidades cardiacas são numerosas e variadas. Nelas se incluem as pericardites, as
miocardites e lesões coronarianas. Pode existir a formação de aneurismas da artéria
coronariana, os quais, às vezes, se rompem. Achados menos típicos são os de pneumonites,
pleurites, meningite asséptica, hepatomegalia, uveítes etc... A doença é, em geral, autolimitada
e subside em 4 a 6 semanas. Crianças com Kawasaki têm uma tendência para apresentar maior
risco de arteriosclerose coronariana quando adultos.
A Doença de Kawasaki se comporta, em muitos aspectos como uma infecção,
principalmente em sua fase inicial. Apresenta-se com rash cutâneo, linfadenomegalia, febre alta
etc... Entretanto existem evidências para que nela ocorram, também fenômenos de auto-
imunidade, como artrite e vasculite etc. A impressão existente é que ela se situe no limiar entre
estes dois tipos de doenças. Organismos candidatos a agentes desencadeantessão o
estreptococo, o estafilococo, retrovirus e vírus de Epstein Barr, cândida e espécies de ricketsia.

QUADRO 19.3- MANIFESTAÇÔES CLÍNICAS DA DOENÇA DE KAWASAKI


 Febre e linfadenomegalias;
 Inflamação de mucosas: conjuntiva, oral e faríngea;
 Rash eritematoso ( morbiliforme, em placas ou escarlatiniforme);
 Lesões cardíacas: pericardite, miocardite e arterite coronariana (com formação de
aneurismas);
 Outras: edema de mãos e pés, meningite asséptica, infiltrados pulmonares,
pleurite, uveite.

POLIANGEITE COM GRANULOMATOSE (antiga Granulomatose de Wegener)- Esta é uma


vasculite de médios e pequenos vasos com predomínio de envolvimento dos vasos pequenos.
Por isso alguns autores a colocam no grupo dos pequenos vasos. A característica clínica da
poliangeite com granulomatose é o envolvimento do trato respiratório tanto superior como
inferior, seguido de manifestações renais.
As queixas iniciais são, em geral, as referentes ao trato respiratório superior, tais como
sinusite crônica, ulceração nasal, otite serosa média, rinite crônica. Além disso, podem ocorrer
otites supurativas, colesteatomas, perfuração do septo com nariz em sela e perda de audição.
Úlceras orais e lesões de gengivas com aspecto em morango são encontradas. Naturalmente,
são comuns as infecções secundárias. O envolvimento de trato respiratório inferior produz
tosse, hemoptise, dispnéia e dor pleurítica. Radiografias de tórax podem demonstrar infiltrados,
formação de cavidades, derrame pleural etc. Os nódulos cavitados são os achados mais típicos.
253

Outros achados peculiares são os de estenose de traquéia e de brônquios. Interessantemente


não existem, nesta doença, linfonodos peri hilares, o que pode ser de ajuda no seu diagnóstico
diferencial com outras entidades que envolvem o pulmão.
O envolvimento renal segue o pulmonar, sugerindo a possibilidade de uma cadeia de
eventos. Ocorreria entrada de um agente patogênico, por via respiratória, que desencadearia
uma resposta inflamatória a qual se estenderia a outros tecidos. Manifestações renais incluem
proteinúria, hematúria, cilindrúria, insuficiência renal. O achado de hipertensão é raro e este é
um ponto importante para auxiliar no diagnóstico diferencial desta doença com PAN. Do ponto
de vista anátomo-patológico o que acontece é uma glomerulonefrite necrotizante paucimune.
Entre as manifestações cutâneas encontram-se púrpuras, úlceras e lesões nodulares. Artralgias
e artrites não deformantes são comuns. O olho pode ser envolvido por contiguidade (pelo
processo inflamatório que se estende de seios da face, com trombose de seio cavernomatoso
etc.) ou pela vasculite, que causa irite, episclerite, esclerite e conjuntivite. O envolvimento do
sistema nervoso central decorre de vasculites ou da extensão do processo inflamatório dos seios
da face. Polineuropatias e mononeurites multiplex também aparecem, sendo esta última menos
comum do que na PAN.
Laboratorialemtne pode-se encontrar o anticorpo contra citoplasma de neutrófilo
(ANCA C) que é dirigido contra a proteinase 3.
Até alguns anos atrás a poliangeite com granulomatose era uniformemente fatal, mas a
introdução de tratamento com corticoides e imunoterápicos alterou o curso da doença me-
lhorando bastante a sobrevida. Aliás, atualmente, pelo fato de se conhecer melhor esta doença
e pela melhoria das suas condições de diagnóstico, têm sido descritas formas bem mais suaves
que se manifestam como doença limitada aos olhos, nariz e garganta.
No quadro 19.4 encontra-se um resumo das manifestações clínicas

QUADRO 19.4- POLIANGEITE COM GRANULOMATOSE (WEGENER)- MANIFESTAÇÕES


CLÍNICAS
 Envolvimento de vias aéreas superiores: sinusites, perfuração do septo nasal, gengivites em
morango, úlceras orais úlceras nasais etc;
 Envolvimento pulmonar: Nódulos cavitados, infiltrados etc;
 Lesão renal:
 Glomerulonefrite focal necrotizante paucimune;
 Outros:
 Esclerites, pseudo tumor de órbita, ceratites, púrpura palpável, úlceras cutâneas,
mononeurite multiples, artrite e artralgias etc.

FIGURA 19-4- Manifestações pulmonares da poliangeite com granulomatose: Nódulos e


nódulos cavitados
254

A B

C D

E F

G H
FIGURA 19.5 - Poliangeite com Granulomatose: (A) até (D) Nariz em sela; (B) notar fístula
de seio etmoidal; (E)escleromalacia; (F) estenose de glote; (G) e (H)- vasculite de pele.
255

POLIANGEITE COM GRANULOMATOSE EOSINOFILICA (OU DE CHURG STRAUSS)- Aqui as


manifestações respiratórias são comumente as primeiras a aparecer. Destas a mais frequente é
a asma, que precede os outros sintomas por vários anos. O início da doença sistêmica é marcado
por febre, perda de peso e outros sintomas gerais. Nesta ocasião, metade dos pacientes
apresenta anormalidades ao RX de tórax indo de infiltrados pulmonares alternantes (pneumonia
de Löeffler) até infiltrados nodulares maciços sem cavitação ou pneumonite intersticial. De
maneira geral, as manifestações clínicas restantes em muito se assemelham às da PAN.
Laboratorialmente é marcante a ocorrência de eosinofilia. Os eosinófilos são vistos infiltrando
vísceras como pulmão, aparelho gastrintestinal, miocárdio etc.

POLIANGEITE MICROSCÓPICA (PAM) - Anteriormente chamada de poliarterite microscópica,


teve seu nome mudado para poliangeite microscópica quando se observou que, ao contrário da
PAN clássica que compromete só artérias, esta vasculite afeta, também o lado venoso. Outra
diferença importante com a PAN clássica é a de que esta tende a afetar mais os vasos de médio
calibre enquanto a forma microscópica prefere os vasos de pequeno calibre. Então, se a
poliangeite microscópica tivesse que ser comparada com outra vasculite, esta deveria ser a
granulomatose de Wegener com a qual é muito mais parecida.Diferentemente da PAN clássica,
a poliangeite microscópica afeta os pulmões causando capilarite com hemorragia pulmonar e
hemoptise. Nos rins, é causa de glomerulonefrite pauci-imune. Em pele aparece púrpura
palpável e hemorragias em estilhaço. Outros achados são os de artrite, mononeurite multiplex,
vasculite mesentérica esclerites e uveites.
No quadro 19.5, você encontra um diagnóstico diferencial entre PAN, PAM e poliangeite
com granulomatose.

QUADRO 19.5-DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ENTRE PAN, PAM E POLIANGEITE COM


GRANULOMATOSE
PAN Poliangeite com PAM
granulomatose
Tamanho do vaso + médio Médio e pequeno Médio e pequeno
Tipo de vasos envolvidos arterial arterial e venoso arterial e venoso
Formação de granulomas Não Sim Não
Glomerulonefrite Não Sim Sim
Hipertensão arterial Sim Não não
Envolvimento pulmonar Não Nódulos cavitados Capilarite
Anca positivo Não Sim ( + ANCA c) Sim (+ANCA p)
Associação com hepatite B Sim Não Não

VASCULITE POR IgA OU PÚRPURA DE HENOCH SCHÖNLEIN - A púrpura de Henoch


Schönlein é uma forma de vasculite de pequenos vasos que acomete crianças e jovens. Acredita-
se que seja desencadeada por um agente infeccioso. A lesão mais típica é a púrpura palpável
causada por inflamação dos vasos da derme superficial. A púrpura palpável não é apanágio desta
forma de vasculite e aparece em toda situação em que existe envolvimento de pequenos vasos.
Esta é uma lesão purpúrica não trombocitopênica, que não desaparece com a compressão local.
Predomina em áreas onde a pressão hidrostática é maior como membros inferiores ou porções
pendentes do corpo e ocorrem em surtos que duram 1 a 4 semanas podendo deixar
hiperpigmentação residual ou mesmo cicatrizes que desaparecem mais tarde. O envolvimento
renal ocorre na metade dos casos e é geralmente um comprometimento leve, mas pode ser
mais grave, principalmente quando a doença acomete adultos. Existe uma maior incidência de
lesão renal em pacientes com deficiência de complemento (frações C2, C4 e fator B). Nas lesões
256

de pele um achado característico é o depósito abundante de IgA. Existe, também aumento da Ig


A sérica nestes pacientes. Esta vasculite costuma cursar com envolvimento de aparelho
gastrintestinal, o qual provoca dores abdominais e perda de sangue pelas fezes.

A B C
FIGURA 19.5- Lesões de púrpura palpável em casos de vasculite por IgA

DOENÇA DE BEHÇET - Esta é uma vasculite que afeta vasos de todos os calibres tanto arteriais
como venosos. Está associada com HLA B-51 e é mais comum em pessoas de raça turca ou
asiática. As manifestações clínicas são muito variadas; as mais características são as ulcerações
orais e genitais, as lesões cutâneas e as manifestações oculares. As lesões cutâneas tomam
aspecto de eritema nodoso e lesões acneiformes. Existe no Behçet, uma reação cutânea típica,
chamada patergia que consta da formação de uma pústula no local em que houve trauma
mecânico (como escarificação com agulha). Embora bem característica da doença, nem todos
os pacientes a apresentam. No olho é mais comum a uveite (panuveite, ou seja, uveite que é
tanto anterior quanto posterior) que pode ser bilateral e recidivante. A exudação inflamatória
importante em casos de uveite anterior pode levar ao acúmulo de pus na câmara anterior, o que
é conhecido como hipopion.

A B C
FIGURA 19.6 – Doença de Behçet: (A) úlceras orais; (B)- úlceras escrotais; (c) hipópio.

Outras manifestações, menos características, são as oligoartrites, miosites, lesões


neurológicas (como meningites e encefalites), tromboflebites, lesões cardíacas (tipo
miocardites, valvulopatias e pericardites) e aneurismas pulmonares.
No quadro 19.6 estão os critérios de classificação da Síndrome de Behçet pelo ACR.

QUADRO 19.6- CRITÉRIOS DO ACR PARA A SÍNDROME DE BEHÇET


 Úlceras orais ( pelo menos 3X em 1 ano);
 Úlceras genitais recorrentes;
 Lesões oculares (uveite anterior ou posterior, vasculite retiniana);
 Lesões cutâneass (eritema nodoso, pseufoliculite, lesões acneiformes);
 Teste de patergia positivo.
OBS - Um paciente para ter Behçet deve ter o critério 1 + dois dos demais.
257

VASCULITES ASSOCIADAS A DROGAS:- Reações de hipersensibilidade às drogas causam


vasculites que, em geral, ficam limitadas a pequenos vasos. O achado mais clássico é o de
púrpura palpável mas podem aparecer artralgias, proteinuria, etc.... Estas reações tendem a ser
autolimitadas desaparecendo coma retirada do agente ofensivo. Na sua grande maioria são
reações causadas por depósito de complexos imunes na parede dos vasos. O aparecimento dos
sintomas ocorre 7 a 10 dias após exposição ao antígeno.
Existe um grupo de drogas que causa o aparecimento do ANCA e, neste caso o que se
vê é como se fosse uma poliangeite com granulomatose associada ao uso do medicamento.
Neste último grupo encontram-se os medicamentos usados para tratar o hipertireoidismo como
propiltiuracil e metimazol e as formas clínicas apresentadas podem ser mais graves.
O levamizole, um medicamento que era usado antigamente como anti helmíntico e que
hoje em dia é misturado à cocaína (para aumentar a adição à mesma), causa um tipo especial
de vasculite com lesões purpúricas principalmente em extremidades (nariz, orelhas e membros
inferiores) e bolhas hemorrágicas associada com ocorrência de leucopenia, ANCA e FAN.

ABORDAGEM DIAGNÓSTICA

Quando suspeitar de que um paciente é portador de uma vasculite? Esta suspeita deve ser
levantada quando:
a) existe uma doença multissistêmica;
b) quando existe glomerulonefrite ativa;
c) quando existe sinal de isquemia em paciente jovem;
d) quando existe púrpura palpável;
e) quando existe mononeurite multiplex.
Uma vez levantada a suspeita clínica existe uma gama de exames, dos mais corriqueiros
e inespecíficos aos mais invasivos, visando, não só o diagnóstico da doença mas, também, a
realização de um verdadeiro inventário do grau de envolvimento dos diversos sistemas.

EXAMES LABORATORIAIS

Hemograma: leucocitose é um achado comum; eosinofilia é encontrada em Churg Strauss.


VHS: ou qualquer outra prova de atividade inflamatória. Não só ajuda a fazer diagnóstico de um
processo inflamatório, mas é amplamente utilizada no acompanhamento do tratamento do pa-
ciente. É um dos testes usados como guia no tratamento da arterite temporal.
Dosagens de imunoglobulinas: pode-se achar um aumento policlonal de imunoglobulinas. A IgA
está aumentada em Poliangeite com granulomatose e na púrpura de Henoch Schönlein.
Avaliação da função renal: através do parcial de urina e dosagens de uréia e creatinina, à
procura do envolvimento renal.
Pesquisa de fator reumatoide e crioglobulinemias: podem ser positivas em casos selecionados.
FAN: ajuda no diagnóstico das vasculites associadas a doenças do colágeno.
Pesquisa do antígeno de superfície do vírus de hepatite B: pode ser positivo nos casos de PAN.
Está presente em alguns casos de vasculites por hipersensibilidade, crioglobulinemias e arterite
temporal.
Pesquisa do ANCA (anti neutrophil cytoplasmic antibody): O ANCA-c que tem o aparecimento
associado à ocorrência de poliangeite com granulomatose; é detectado em cerca de ¾ dos
pacientes e está dirigido contra a proteinase-3. O ANCA-p pode ser encontrado em pacientes
com poliangeite microscópica (PAM) e Churg Strauss. O antígeno mais comumente detectado
aqui é a mieloeproxidase.

DIAGNÓSTICO DE TECIDO - O local escolhido para biópsia deve ser o que mostre evidência de
doença ativa e no qual a retirada de tecidos traga menos riscos para o paciente. É importante
258

também que se obtenha amostragem adequada (um bom pedaço), uma vez que o envolvimento
do vaso pode ser segmentar, sendo por isso, inadequado o uso de biópsias de agulha. Os locais
mais comumente biopsiados são: pele, músculo, nervos, pulmões e rins.
A biópsia de pele tem valor no diagnóstico de vasculite de pequenos vasos.
Leucocitoclastose é um termo utilizado para designar o achado à microscopia, de fragmentos de
núcleo de célula e este achado não tem significado especial arpa dfiagnóstico. O estudo por
imunofluorescência pode revelar depósito de IgA em casos de Síndrome de Henoch Schönlein.
Outra possibilidade é o achado de granulomas nos casos de vasculites ANCA associadas.
A biópsia de rim costuma dar o tipo de glomerulonefrite que domina o quadro, o que
sem dúvida é importante para o prognóstico do paciente, mas não diz, necessariamente, o tipo
de vasculite que está causando a doença. Por exemplo, pode dizer se o paciente tem uma
glomerulonefrite focal ou uma proliferativa, mas não pode dizer se é causada ou não por uma
poliangeite com granulomatose ou por poliangeite microscópica etc..
A biópsia de pulmão costuma dar alto índice de positividade quando a biópsia é feita a
céu aberto, embora existam alguns casos descritos, de biopsia transbrônquica mostrando
material adequado para o diagnóstico.
Os achados anátomo patológicos estão na dependência do tipo de vasculite encontrada.
Assim sendo, veja um resumo deles no quadro 19.7.

QUADRO 19.7 - ACHADOS ANÁTOMO PATOLÓGICOS DAS PRINCIPAIS VASCULITES


ENTIDADE ANATOMIA PATOLÓGICA
Vasculites de hipersensibilidade vasculite leucocitoclástica de pequenos vasos.
Púrpura de Henoch Schönlein Vaculite leucocitoclástica e depósito de Ig A à
imunofluorescência.
PAN necrose fibrinóide de artérias médias e pequenas.
Churg Strauss vasculite granulomatosa de pequenos vasos.
Poliangeite com granulomatose Vasculite granulomatosa de pequenos e médios vasos e
necrose extra-vascular.
Takayassu arterite de células gigantes de artérias médias e grandes
Arterite temporal arterite de células gigantes de artérias médias e grandes.

EXAMES DE IMAGEM - Angiografia, angiotomografia, angiorressonância e ultrassom são úteis


quando o vaso envolvido é de médio ou grande calibre. Todavia, são destituídos de valor quando
o envolvimento é de pequenos vasos. As doenças com maiores chances de serem diagnosticadas
através deste tipo de exame são as vasculites do grupo dos grandes vasos (Takayassu e arterite
temporal) e a PAN (vasos médios). As artérias a serem estudadas são: em caso da arterite
temporal, a carótida e seus ramos; em caso de Takayassu, a aorta e seus ramos; e, no caso de
PAN, as renais ou mesentérica. Os achados que denotam envolvimento vasculítico de uma
artéria são aneurismas, estreitamentos e amputações. No caso de PAN, chama à atenção a
ocorrência de aneurismas saculares, que por um bom tempo pensou-se serem exclusivos desta
doença. Mais tarde foram descritos em outras vasculites como LES, poliangeite com
granulomatose e endocardite bacteriana. A ocorrência destes aneurismas não guarda relação
especial com a clínica, embora eles tendam a aparecer e a serem mais numerosos nos casos
mais graves. Desaparecem com o tratamento.

ABORDAGEM TERAPÊUTICA

Não se deve esquecer que, frente a uma situação individual, o mais importante nem
sempre é o diagnóstico específico da doença, ou seja, o nome da mesma. Caso o diagnóstico
259

não seja possível, deve tentar identificar o tipo de vaso envolvido e o grau de envolvimento dos
diferentes órgãos. Isto é ressaltado aqui porque, muitas vezes, enquanto o médico se demora
procurando o diagnóstico, o paciente, que em geral é um paciente grave, vai a óbito. O
tratamento em linhas gerais, é feito de acordo com o grupo e que o paciente se situa. Assim:

TRATAMENTO DAS VASCULITES DE GRANDES VASOS - É feito, em primeira linha, com corticoide
em altas doses, ou seja, 1 mg/Kg/dia de prednisona ou equivalente. A retirada da droga deve
ser feita de maneira gradual e lenta, acompanhando-se a VHS. Em casos de arterite temporal
com perda visual recente, pode-se tentar o uso de pulsoterapia com corticoide. Metotrexate
pode ser usado como economizador de corticoide. O uso de AAS em doses baixas parece auxiliar
a evitar as complicações em arterite temporal e anti IL-6 vem sendo testada em Takayasu.A
arterite temporal costuma ser uma doença auto-limitada e a grande maioria dos pacientes
consegue suspender o tratamento em 2 anos. Isto não acontece com o Takayasu que segue um
curso crônico.Biologicos v~em sendo estudados. Anti IL-6 se mostrou ptomissora em casos e
arterite temporal.

TRATAMENTO De VASCULITE POR IgA - Estas são doenças que nem sempre requerem a interfe-
rência do médico. Nestes casos, a clínica regride em 1 a 3 semanas. Em situações mais rebeldes
pode-se utilizar corticoide em doses baixas, colchicina ou dapsona. Em pacientes que
aparentemente têm doença exclusivamente de pele é importante o acompanhamento do
paciente para ver se existe o aparecimento de doença sistêmica. Reserva-se o uso de corticoide
e imunossupressores para situações em que existam repercussões sistêmicas ou para quando a
doença incide em adultos. Nestes últimos, a doença costuma ser mais grave.

TRATAMENTO DA POLIANGEITE COM GRANULOMATOSE - A droga de escolha é a


ciclofosfamida, 1-2 mg/kg/dia oral, a qual pode ser aumentada gradativamente de 25 mg a cada
2-3 semanas. Uso intravenoso, em pulsos, também têm sido feito. Junto com a ciclofosfamida é
usado o corticoide rm pulso seguido por uso oral nas doses de 1mg/kg/dia de prednisona. Assim
que a doença permita, a dose deve ser baixada. Outras drogas usadas são metotrexate,
azatioprina, mofetil micofenolato, rituximabe. Este último vem sendo usado cada vez mais
frequentemente, inclusive tomando o lugar da ciclofosfamida. Pacientes que tenham sido
tratados com sucesso podem vir a sofrer recorrência da doença, devendo retornar ao mesmo
esquema de tratamento.
Existem relatos de uso de trimetoprim-sulfametoxazol no tratamento desta doença,
tratamento este feito em situações de exceção, quando existam contra-indicações formais para
o uso de outras drogas. Isto não pode ser recomendado como regra.

TRATAMENTO DA PAN - A droga de escolha é o corticoide em altas doses; se existe


envolvimento visceral, pode-se usar a ciclofosfamida. A azatioprina pode ser utilizada para
"economizar" corticoide ou no paciente que tem doença visceral e que não aceita os efeitos
colaterais da ciclofosfamida. Pacientes que têm PAN e sorologia positiva para hepatite B podem
ser tratados com plasmaferese e antivirais.

TRATAMENTO DO KAWASAKI - O tratamento de escolha é feito com gamaglobulina endovenosa


associada ao da aspirina como agente anti-agregante plaquetário. A gama globulina, se usada
precocemente, reduz não só as complicações coronarianas como do tempo total de doença. Em
casos de falha da terapia padrão têm sido usados: glicocorticoides, pentoxifilina, plasmaferese
e agentes anti TNF - .

TRATAMENTO DO BEHÇET: É feito com corticoides, imunossupressores (azatioprina,


ciclosporina, ciclofosfamida), interferon-, talidomida (particularmente útil para o tratamento
260

da ulceras orais) e colchicina (melhor indicada em lesões de eritema nodoso e articulares). O


anti TNF alfa tem sido usado em casos mais graves.

Leitura complementar 19.1- Polimialgia reumática

Lembra que a polimialgia reumática é aquela entidade clínica que costuma aparecer
junto com a arterite temporal? Pois ela também pode aparecer sozinha. A epidemiologia dos
casos isolados é a mesma da arterite, ou seja, prefere pessoas idosas de ambos os sexos.
Estes pacientes se queixam de rigidez nas cinturas pélvicas e escapulares e isto causa
dificuldade para erguer os braços ou para se levantar de uma cadeira. Embora a rigidez seja a
queixa principal, também pode existir dor. O envolvimento é bilateral e simétrico. As porções
distais das extremidades não estão afetadas. Ressonância magnética dos locais sintomáticos
tem demonstrado uma associação de tendinites e sinovite no local. As enzimas musculares são
normais embora possa existir sensação de fraqueza de músculos por causa da dor. A VHS está
alta, mas não esqueça que este achado é inespecífico.
O tratamento é feito com corticoides em doses baixas (10 a 20 mg/dia de prednisona ou
equivalente) por, em média, 2 anos.
O grande problema aqui é saber qual o paciente que tem arterite temporal associada ou
não. Não existe consenso na literatura se esta investigação deve ser feita de rotina. Todavia o
clinico deve se manter alerta para queixas e sinais que apontem neste sentido.

Referências:
Burns JC, et al. Infliximab treatment for refractory Kawasaki syndrome. J Pediatr 2005; 146: 662-7.
Newburger JW, et al. The treatment of Kawasaki syndrome with intravenous gamma globulin. N Engl J Med 1986;
315:341-7.
Patrignelli R, etal. Henoch-Schönlein purpura: a multisystem disease also seen in adults. Postgrad Med 1995, 97: 123-
4.
261

Capítulo 20- Espondiloartrites – conceitos gerais

As espondiloartrites formam um grupo de doenças de etiologia desconhecida que


afetam primariamente o esqueleto axial, embora articulações periféricas e estruturas extra-
articulares também possam estar envolvidas. Neste grupo estão incluídas: a espondilite
anquilosante, a espondilite anquilosante juvenil, a artrite reativa (ou síndrome de Reiter), a
artrite psoriásica, a forma indiferenciada, as artropatias relacionadas com as doenças
inflamatórias do intestino como retocolite ulcerativa e doença de Crohn e outras menos
comuns. Veja quadro 20.1

QUADRO 20.1- PRINCIPAIS ESPONDILOARTRITES


 Espondilite anquilosante;
 Artrite reativa (ou síndrome de Reiter);
 Artrite psoriásica;
 Artrite das Doenças Inflamatórias Intestinais (Crohn e RCUI);
 Espondiloartrite indiferenciada;
 Doença de Whipple;
 Síndrome SAPHO (ou artrite associada ao acne);
 Espondilite juvenil.

Todas estas doenças se caracterizam pela ausência do fator reumatoide e de outros


anticorpos, daí serem chamadas de soronegativas. É importante separar este grupo de doenças
da artrite reumatoide, tendo em vista diferenças importantes não só na clínica articular como
na extra-articular, na resposta terapêutica e no prognóstico. Além do fato de que todas estas
entidades serem soronegativas existem outros pontos em comum, que permitem o seu agrupa-
mento. São eles:
 predileção pelo envolvimento do esqueleto axial, do tipo inflamatório, resultando em
aparecimento radiológico de sacroiliíte e espondilite;
 envolvimento articular periférico do tipo oligoarticular;
 tendência para localização do processo inflamatório mais em pontos de inserção de tendões
e fáscias (êntesis) do que em sinóvia. Este processo ocorre tanto perifericamente como em
coluna. Todas estas entidades mostram uma tendência para fibrose proeminente, ossificação
e neoformação óssea promovendo anquilose óssea e contratura;
 focos de inflamação extra-articular em olho (uveíte anterior, conjuntivite), coração (aortite),
pele e membranas mucosas;
 tendência para afetar adultos jovens, principalmente do sexo masculino;
 associação importante com antígeno de histocompatibilidade classe I, HLA-B27.
Diferenças nos padrões clínicos das espondiloartrites servem para descriminá-las entre
si e provavelmente refletem diferenças etiológicas.
Um dos elementos mais chamativos deste grupo de doenças, do ponto de vista clínico,
é, sem dúvida, a ocorrência de dor lombar do tipo inflamatório, proporcionada pela ocorrência
de sacroiliíte e/ou espondilite. É exatamente na característica inflamatória da dor lombar que
está uma das melhores pistas para este diagnóstico. Estas estão resumidas no quadro 20.2.

QUADRO 20.2- CRITERIOS DO ASAS (Assesment Spondyloarthritis International Society) PARA


DOR LOMBAR INFLAMATORIA (presença de 4 dos 5) -
 Idade abaixo de 40 anos
 Início insidioso
 Melhora com exercícios
 Sem melhora com repouso
 Dor noturna com melhora ao levantar
262

Mas, para que o médico possa usufruir deste dado, é fundamental a realização de um
diagnóstico diferencial cuidadoso entre dor lombar inflamatória e mecânica. Os principais
pontos de diferenciação estão listados no quadro 20.3.

QUADRO 20.3- DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ENTRE DOR LOMBAR MECÂNICA E DE ORIGEM


INFLAMATÓRIA
MECÂNICA INFLAMATÓRIA
História pregressa + ++
História familiar - +
Início agudo Insidioso
Idade 15-90 <40 anos
Distúrbio do sono + ou - ++
Rigidez Matinal - +++
Envolvimento de outros sistemas - +
Efeito do exercício piora Melhora
Efeito do descanso melhora Piora
Irradiação da dor anatômica Difusa
Sintomas densoriais + -
Escoliose + -
Espasmo muscular local Difuso
Lasègue + -
Envolvimento do quadril - +

CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO DAS ESPONDILOARTRITES

Embora existam vários grupos de critérios para classificação de uma espondiloartrites,


aqui serão reproduzidos apenas os critérios ASAS que estão abaixo:

FIGURA 20.1 - Critérios ASAS (Assesment Spondyloarthritis International Society) para


classificação das Espondiloartrites.
263

ETIOPATOGENIA

São vários os fatores que parecem contribuir para o aparecimento deste grupo de
doenças. São eles:

FATORES GENÉTICOS- Componentes hereditários desempenham um papel importante na


gênese das espondiloartropatias. Entre os fatores hereditários está o gene para o HLA-B27.
Outros seriam os genes do ERAP-1 (endoplasmic reticulum aminopeptidase- 1), do receptor de
IL-23, do CARD-9, IL -12B, IL-27, TYK-2 etc .
A ligação com o HLA-B27 varia nas diferentes formas clínicas de espondiloartrites. Veja,
no quadro 20.4, a frequência do HLA B27 nestes indivíduos.

QUADRO 20.4- HLA B-27 E RISCO PARA DOENÇAS REUMÁTICAS


DOENÇA % HLA B-27 positivo
Espondilite anquilosante >90%
Artrite reativa 63-75%
Doença inflamatória do intestino c/ sacroiliíte 50%
Artropatia psoriásica 20-50%

Não é todo mundo que tem o B27 que irá desenvolver espondiloartrite. Aliás, ela
acontece em uma minoria deles (cerca de 13,6%). O HLA-B27 tem cerca de 31 subtipos e só
alguns deles estão associados com as espondiloartrites.
O HLA-B27 é um antígeno de histocompatibilidade da classe 1, existente em todas as
células nucleadas do organismo e responsável pela apresentação de antígenos aos linfócitos T-
CD8+ Quando um elemento estranho adentra o citosol, ele é degradado pelo proteossomo em
pequenos epítopes antigênicos que são encaminhados ao sistema reticulo endoplasmático (RE)
sendo anexados a uma molécula de HLA I. Um HLA I é formado por uma cadeia α (alfa) com três
domínios: α 1, α2 e α3, e uma molécula de beta2 microglobulina (β2M); o antígeno deve se
encaixar numa fenda entre aos domínios alfa 2 e 3. Figura 20.2 A.
A montagem do antígeno no topo da fenda é feita pela tapasina e as enzimas ERAP
(aminopeptidases endoplasmáticas) funcionam como ”tesourinhas”, que recortam os peptídeos
antigênicos para que eles se encaixem adequadamente na fenda. O conjunto tridimensional
assim formado (cadeia α, β2M e antígeno) é transportado até a superfície celular onde será feita
a sua apresentação à célula T CD8+. Figura 20.2B.

A B
FIGURA 20.2 (A)- Estrutura do HLA B27; (B) montagem do epítope na fenda do HLA-B27.
264

Como a presença do HLA-B27 poderia se relacionar com predisposição para as


espondiloartrites? São três as teorias que procuram explicar essa associação:

Teoria do peptídeo artritogênico: É baseada no fato de que o HLA-B27, ao apresentar um


peptídeo microbiano ao linfócito T-CD8+, iniciaria o processo patológico. Mimetismo molecular
entre peptídeos estranhos e auto-antígenos poderia quebrar a tolerância imunológica. Já se
observou, p.ex., que o HLA-B27 pode apresentar moléculas próprias que têm alta homologia
com um peptídeo derivado da Clamydia trachomatis. Um dado que aponta contra esta teoria é
a descoberta de que ratos transgênicos, sem linfócitos T-CD8+, também desenvolvem
espondiloartrites.

Teoria da formação de homodímeros: Homodímeros do HLA-B27 ou (HLA-B27)2 são formados


pela ligação de duas cadeias α entre si sem a presença de β2M. Ao serem expressos na
membrana celular têm a capacidade de se ligar a receptores KIRs (Killer immunoglobulin like
receptor) e LILRs (leucocyte immunoglobulin like receptors) de célula NK e T. A ligação com estes
receptores faz com que a sobrevida dessas células aumente e com que elas passem a secretar
mediadores pró- inflamatórios como IL-17. Figura 20.3 A.

Teoria do estresse do SRE por defeito na dobradura das proteínas. O HLA-B27, ao formar os
domínios α1, 2 e 3 tem a peculiaridade de se dobrar de maneira muito lenta, o que favorece o
aparecimento de erros de dobradura (ou misfolding). O acúmulo de moléculas mal dobradas
causa estresse no reticulo endotelial e ativação do NFκB com indução de proteínas pró-
inflamatórias como a IL-23, que, por sua vez, induz a polarização das células T-CD4+ em Th17.
Ocorre também a produção de interferons tipo 1 que favorecem a sobrevida dos macrófagos,
principalmente se os receptores toll like 3 e 4 forem ativados. Figura 20.3B.

B
FIGURA 20.3 - (A)- Formação de Homodímeros; (B) Teoria do misfolding
265

Embora estas doenças tenham forte associação com o HLA-B27, há que se reconhecer
que, para que um indivíduo tenha uma espondiloartrites, o HLA-B27 não é indispensável. Caso
contrário, como se poderia explicar a ocorrência desta forma de doença em quem é negativo
para este antígeno de histocompatibilidade? Indivíduos com espondiloartrite e que são HLA-B27
negativos geralmente não pertencem à população branca e têm formas secundárias da doença
(tais como sacroiliíte psoriásica ou enteropática).

PAPEL DOS AGENTES MICROBIANOS - Existe uma associação intrigante entre flora microbiana
e as espondiloartrites. As artrites das doenças inflamatórias intestinais e a ocorrência de
infecções precedendo aparecimento da artrite reativa são exemplos bem conhecidos dessa
interação3. Microinflamações em mucosa intestinal de pacientes com espôndilo são
encontradas em indivíduos assintomáticos do ponto de vista gastrintestinal. Além disso, animais
criados em ambientes estéreis não desenvolvem espondiloartrites, fato este que é revertido
quando colocados em ambientes contaminados. Estudos recentes demonstram que a interação
microbiota intestinal-hospedeiro é fundamental para manutenção da homeostase imunológica.
Bactérias comensais como B.fragillis induzem a formação de células T reguladoras e produção
de IL-10 favorecendo a tolerância imunológica. Alterações na flora intestinal (ou disbiose), com
crescimento de espécies prejudiciais como as de bactérias filamentosas segmentadas ou certos
lactobacillus, favorecem a expansão local de células pró-inflamatórias (Th1 e Th17), as quais
migram para compartimentos periféricos, ativando células B, macrófagos, osteoclastos,
citocinas e moléculas de adesão que, por sua vez, subsidiam o processo inflamatório. Dessa
maneira uma interação disfuncional entre microbiota intestinal-sistema imune pode favorece o
início (ou perpetuação) das espondiloartrites.
Na artrite reativa, também chamada síndrome de Reiter, por definição existe um agente
infeccioso que precipita o processo, geralmente oriundo do trato gastrintestinal ou genito-
urinário. Os organismos de origem gastrintestinal mais comumente implicados são Salmonella,
Shigella, e Yersínia e neste caso a artrite reativa leva o nome de pós-disentérica ou epidêmica.
Agentes de origem em trato genito-urinário incluem a Chlamydia trachomatis e talvez o
Ureoplasma e nesta última situação, ela passa a se chamar de pós-venérea ou endêmica. É
importante frisar que, estes micro-organismos não são cultivados das articulações de indivíduos
com artrite reativa, ou seja, a artrite é reativa e não séptica!
No caso da artropatia psoriásica, a flora da placa de psoríase de pele, principalmente o
estreptococo do grupo A, parece estar implicada na etiopatogenia da doença. Outros pontos
possíveis de estimulação antigênica seriam as infecções de unhas por fungos ou mesmo por
bactérias, que são ocorrências secundárias comuns nos pacientes com envolvimento ungueal da
psoríase. Estimulação por bactérias de aparelho gastrintestinal tem sido advogada nos casos em
que as manifestações articulares precedem as cutâneas. A psoríase está associada com
alterações funcionais do aparelho gastrintestinal, embora não se tenha conseguido provar a
existência de anormalidades na flora intestinal destes indivíduos. No entanto, niveis séricos de
IgA e complexos imunes contendo IgA parecem ser mais comum em pacientes com
manifestações articulares do que em pacientes com manifestações exclusivamente de pele.
Trauma parece desempenhar, também, um papel importante no caso da artrite
psoriásica. Acro-osteólise tem sido descrita após trauma local.
No caso da artrite relacionada às doenças inflamatórias do intestino (doença de Crohn
e retocolite ulcerativa inespecífica) a ocorrência de artrite está relacionada ao sítio anatômico
de envolvimento do intestino, em grau maior do que com o diagnóstico específico de Crohn ou
de retocolite. O envolvimento do colon resulta em maior incidência de artrite. A razão para isto
é especulativa e talvez esteja relacionada com o grau de população bacteriana em cada um
destes segmentos do intestino. No jejuno existe uma concentração de micro-organismo de 104
por ml de fluido intestinal; esta concentração aumenta a medida que se progride distalmente.
266

Além disso, a proporção de bactérias anaeróbias aumenta e estes elementos são a população
predominante no colon onde pode-se chegar a ter uma proporção de pelo menos 1 bactéria
aeróbica para 5.000 anaeróbicas. Como no caso da retocolite ulcerativa o processo inflamatório
intestinal se restringe ao colon, a colectomia total é curativa para artrite.

EIXO INTERLEUCINAS 23/17 - Vários estudos documentam uma ativação do eixo IL-23/IL-17 em
pacientes com espondiloartrites tanto em sangue periférico como nos tecidos afetados. A IL-23,
cuja produção pode ser estimulada por situações de estresse de RE, é reconhecida como
essencial para a proliferação e diferenciação de células Th17. Consistentemente observa-se em
sangue periférico aumento de células CD4 Th17, as quais elaboram IL-22 e TNF-α. Muitos dos
genes implicados na predisposição para espondiloartrites como CARD9, STAT3, IL12B etc, estão
associados com produção de IL-23. Além disso, aumento de células produtoras de IL-17
ostentando receptores KIR, promove ligação entre a presença dessa citocina e do (HLA 27)2.
Em tecidos periféricos, a expressão da IL-17 está associada com aumento de produção
principalmente por células do sistema imune inato; em mucosa intestinal e medula óssea,
documenta-se aumento da IL-23. Por último, em tecidos afetados de animais experimentais
como êntesis, úvea e raiz da aorta, um tipo especial de célula tem sido encontrado: IL-23R+,
RORγt CD4-,CD8- capaz de produzir IL-17, IL-6 e IL-22. Esta última citocina parece estar
implicada nas alterações osteoproliferativas das espondiloartrites.

Referências
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41.
267

Capítulo 21- Espondilite anquilosante

A espondilite anquilosante é o protótipo das espondiloartrites. Na Europa também é


conhecida por Doença de Bechterew. Caracteristicamente é uma artropatia axial, crônica com
predominância masculina de 3:1. Na mulher, a doença tende a ter um envolvimento mais
brando e com envolvimento articular mais periférico do que axial. Inicia-se entre puberdade e
35 anos, com pico em torno da 2ª década.

CLÍNICA

SINTOMAS ARTICULARES- Os sintomas da doença são notados primeiramente no final da


adolescência ou início da idade adulta. Início após os 40 anos é raro. A maioria dos pacientes se
queixa de dor de início insidioso, surda, sentida em coluna lombar baixa e na parte inferior das
nádegas, não bem localizada, acompanhada caracteristicamente de rigidez após o repouso e
que melhora com o exercício. Alguns meses após o início a dor se torna bilateral, persistente e
com exacerbações noturnas obrigando o paciente a levantar-se à noite para andar.
Gradativamente o envolvimento da coluna e a rigidez ascendem até, que estádios mais
avançados toda a coluna fica envolvida, fundida em uma peça única e frágil, podendo fraturar
com traumas mínimos.
Pelo menos um terço dos pacientes tem envolvimento periférico, na forma de dor,
edema e aumento de temperatura articular. O envolvimento periférico é tipicamente
oligoarticular, assimétrico e com predominância para articulações de membro inferior ou
articulações próximas do tronco (quadris e ombros).
Entesopatias são comuns. Êntesis são locais de inserção de tendões, ligamentos, cápsula
articular ou fáscia no osso. Não é raro que os pacientes se apresentem com tendinite de tendão
de Aquiles, fasciíte plantar, dactilites ou tendinites de musculatura intercostal. Estas tendinites
tendem a recorrer, mas costumam deixar pouca evidência residual de atividade a não ser
neoformação óssea como no caso do esporão de calcâneo. Outros locais comumente afetados
são: cristas ilíacas, grandes trocanteres, tuberosidades isquiáticas e tubérculos tibiais. Em região
torácica, este envolvimento pode ser causa de bastante desconforto por causar dor do tipo
pleurítica.
Inicialmente o exame físico reflete as manifestações do processo inflamatório. O mais
comum é perda da mobilidade espinhal com limitação de flexão anterior, lateral e de extensão
da coluna lombar, e diminuição da expansibilidade torácica. Este processo de limitação da
mobilidade está fora da proporção com o grau de anquilose óssea e reflete espasmo muscular
secundário a dor e a inflamação. Dor em região sacroilíaca pode ser provocada por percussão
direta sobre a articulação ou através de manobras que produzam estresse sobre as mesmas
como a manobra do tripé. Nesta o indivíduo fica em decúbito ventral e o examinador aplica
uma força de compressão sobre o sacro, causando dor nas nádegas se a manobra for positiva.
O índice de Schober e a expansibilidade torácica estão diminuídos. Limitação e dor à
mobilidade de ombros e coxofemorais podem estar presente se estas articulações estiverem
envolvidas.
O curso do envolvimento é extremamente variável indo de um espectro onde se vê
somente discreta rigidez e uma sacroiliíte radiologicamente demonstrável, até uma coluna to-
talmente fundida e anquilose grave em articulações periféricas. A dor tende a ser persistente no
início da doença e a se tornar cíclica com o passar do tempo.
Nos casos de envolvimento vertebral grave, a postura do indivíduo sofre alterações
características. Existe perda da lordose lombar com atrofia dos músculos das nádegas; a cifose
torácica se acentua e, se existe envolvimento cervical, pode existir um deslocamento anterior
268

do pescoço. Se houver contratura dos quadris, os joelhos se flexionam para compensar. Esta
postura típica é chamada de postura espondilítica ou posição de esquiador.
O suporte de peso favorece a inflamação em locais de êntesis.

A B C
FIGURA 21.1 (A)- Hábito espondilítico; (B) tendinite de tendão de aquiles; (C)- Esporão de calcâneo.

A progressão da doença pode ser acompanhada medindo-se a altura do paciente, a


expansibilidade torácica, o índice de Schober e a distância entre o occipício e a parede quando
o indivíduo se encosta ereto contra uma parede.
O início da doença na adolescência se correlaciona com um prognóstico mais grave e
cursa, em geral, com envolvimento das coxofemorais. Na mulher, a doença tende a ser mais
branda com maior tendência para envolver preferentemente as articulações periféricas. Tem,
também, uma incidência maior de envolvimento de coluna cervical.
A complicação mais séria da doença vertebral é a fratura que ocorre mesmo aos
pequenos traumas devido a pouca elasticidade e a osteoporose. A fratura é mais comum em
coluna cervical e pode levar a quadriplegia caso exista dano à medula.
Outra complicação da doença vertebral de longa duração é a síndrome da cauda equina.

MANIFESTAÇÕES EXTRA- ARTICULARES

SINTOMAS GERAIS- Incluem febre, fadiga, perda de peso.

SINTOMAS OCULARES - Uveítes ocorrem em ¼ dos pacientes durante algum tempo de sua
doença podendo até preceder as manifestações articulares. A ocorrência de uveíte se
correlaciona de maneira positiva com o HLA-B27 e com doença articular periférica. Não
demonstra correlação com atividade da doença vertebral. Os episódios são, em geral, auto-
limitados. A ocorrência isolada de uveíte pode ser considerada uma forma frustra da doença.
Outro achado ocular menos comum é o de conjuntivite.

MANIFESTAÇÕES PULMONARES- Alterações fibróticas, infiltrativas em ápices pulmonares


podem simular tuberculose. Esta fibrose pulmonar é inicialmente silente, mas com o decorrer
do tempo a maioria dos pacientes afetados desenvolve tosse, expectoração e dispnéia.
Formações císticas com posterior colonização por Aspergillus (bolas de fungos) podem ocorrer
e causar hemoptise. Este tipo de alteração aparece tipicamente em pacientes com espondilite
avançada. A ventilação pulmonar costuma ser bem mantida pelo diafragma a despeito da rigidez
da parede torácica.
269

A B
FIGURA 21.2- Manifestaçôes extra articular da E.A. (A) Traves fibroticas em ápice; (b) PKs
em câmara anterior por uveite.

MANIFESTAÇÕES CARDIOVASCULARES - Insuficiência aórtica, cardiomegalia e defeitos de


condução são vistos em 10% dos pacientes com espondilite grave. O envolvimento cardíaco
pode ser silencioso ou dominar o quadro. A lesão aórtica é a situação mais bem estudada. Na
válvula aórtica vê-se espessamento das cúspides e formação de tecido fibrótico na raiz da aorta.
Esta fibrose pode envolver o tecido subvalvar levando à formação de um anel fibrótico.
Envolvimento de tecido da base anterior da válvula mitral pode ser causa de insuficiência mitral.
Uma extensão ainda maior do processo parece ser a causa de bloqueios do sistema de
condução. Embora estas alterações sejam mais comuns em doença de longa data, elas podem
ser vistas precocemente ou mesmo preceder as manifestações articulares da doença. A
ocorrência deste tipo de achado cardíaco isolado pode ser considerado uma forma frustra da
doença da mesma maneira que a uveíte. Um estudo demonstrou que 13% dos indivíduos que
recebem marcapassos têm espondiloartrites não diagnosticada.

MANIFESTAÇÕES RENAIS - Depósito de amiloide é uma complicação ocasional. Nefropatia por


IgA tem sido descrita em pacientes com espondiloartropatia soronegativa.

MANIFESTAÇÕES NEUROLÓGICAS - São raras. Compreendem a síndrome da cauda que pode


ser vista em um estágio avançado da doença. Secção e compressão de medula podem aparecer
em pacientes que sofrem fraturas de coluna. Esta se fratura muito facilmente, aos mínimos
traumas, graças a rigidez e fragilidade decorrentes da entesopatia abundante e da osteoporose,
vistas em casos de doença de longa duração.

MANIFESTAÇÕES GASTRINTESTINAIS - Envolvimento inflamatório de mucosas de aparelho


gastrintestinal podem existir embora muitos destes pacientes sejam assintomáticos. Isto não
implica que o paciente seja portador de uma doença inflamatória do intestino.

OUTRAS- Tem se descrito um aumento de otite média crônica em pacientes com EA que se
acredita possa pertencer ao quadro de manifestações extra-articulares desta doença.

QUADRO 21.1 - FREQUÊNCIA DAS MANIFESTAÇÕES EXTRA ARTICULARES DA E.A


Uveíte anterior aguda 25%
Aortite 5%
Complicações neurológicas 5%
Fibrose pulmonar 1%
Lesões de mucosa intestinal
270

ACHADOS LABORATORIAIS E RADIOLÓGICOS

Não existe teste laboratorial que faça o diagnóstico de espondilite anquilosante. A


maioria dos pacientes tem provas de atividade inflamatórias altas durante os períodos de
doença ativa e, neste período, uma anemia normocrômica e normocítica pode estar presente.
Fator reumatoide e fatores antinucleares são negativos.
Sacroiliíte demonstrável ao RX costuma estar presente na espondilite anquilosante. Os
primeiros sinais são vistos no lado ilíaco da articulação, porque aí existe fibrocartilagem. Do lado
sacral existe cartilagem hialina. Para visualizar adequadamente as articulações sacroilíacas ao
RX, deve-se solicitar incidência de Fergusson. Oblíquas podem ser necessárias. As alterações
mais precoces são borramentos na margem articular, seguido por erosões e esclerose. Erosões
em grande quantidade podem causar um pseudo-alargamento do espaço articular. Com o
decorrer do processo sobrevém anquilose, primeiro por fibrose e depois óssea até que ocorra
fusão total da articulação. Estas alterações costumam ocorrer de maneira simétrica e tendem a
ser mais pronunciadas no bordo ileal da articulação. As alterações radiológicas em sacroilíacas
aparecem sempre antes do que as alterações em coluna.
Em casos discretos podem decorrer anos antes que apareçam imagens radiológicas
sugestivas de sacroiliíte. Tomografia computadorizada e ressonância magnética são capazes de
demonstrar este tipo de alteração muito mais precocemente que o RX simples. O uso mais
generalizado da ressonância tem permitido diagnóstico precoce, mesmo nos casos em que o RX
é normal (na chamada espondilite pré-radiográfica).
Na coluna lombar a doença ocasiona uma perda da lordose lombar e esclerose reativa
nos cantos das vértebras com erosão subsequente o que acaba por levar à quadratura vertebral
ou "squaring" (ou seja, perda da concavidade anterior das vértebras). O processo inflamatório
das êntesis que se fixam nos bordos das vertebras faz com que as mesmas fiquem com os
“cantos brilhantes” também chamado de sinal de Romanus. Chama-se sinal de Anderson aos
achados referentes á discite não infeciosa vista nas espondiloartrties.
Ossificação progressiva das camadas mais superficiais do ânulo fibroso promove a
formação de sindesmófitos marginais, visíveis ao RX simples como delicadas pontes ósseas,
fazendo conexão entre os vários corpos vertebrais pelos lados anterior e laterais. Sindesmófitos
confluentes acabam por dar à coluna o aspecto clássico em bambú. Na espondilite estas
alterações acontecem sempre de maneira simétrica e ascendente.

A B
FIGURA 21.3: (A)- Coluna em bambu (sindesmofitose confluente); (B)-Fusão das
sacroiliacas em doença avançada.
271

A B

D E

G
F
FIGURA 21.2- Imagens na espondilite anquilosante: (A) sacroiliite (TAC); (B) sacroiliite
(RMN) (C)-Fusão C1 e C2 (dente do atlas com arco do axis); (D)- Osteoartrite secundária de
coxofemoral; (E) Espondilite (flecha larga-sinal de Anderson; flecha estreita-sinal de
Romanus); (F)- Coluna cervical em bambu; (G) sacroiliite (TAC).
272

Osteitis condensans ilii é uma anomalia radiológica típica de mulheres multíparas aonde
se vê esclerose exclusivamente no lado ilíaco da articulação. Pode ser causa de confusão com
sacroiliíte. Não pertence ao quadro de espondilite.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico precoce de espondilite anquilosante não é fácil de ser feito. Utilizam-se


os critérios ASAS Já descritos no capítulo 20. A tipagem do HLA- B27 só é útil como um elemento
a mais desde que a sua presença não é necessária nem suficiente para o diagnóstico. Solicitar
este teste em pacientes com dores lombares mal caracterizadas pode ser causa de grande
confusão.
Um dos principais diagnósticos diferenciais é com artrite reumatoide, principalmente
em mulheres, nas quais o envolvimento axial é suave e o periférico é mais intenso e nas quais a
coluna cervical está mais frequentemente envolvida. Outra doença que deve ser afastada é o
DISH (disseminated idiopathic skeletal hyperostosis) – que uma variante da osteoartrite com
formação de osteofitose abundante que pode confundir com sindesmofitose.
No quadro 21.2, estão as principais diferenças entre estas duas entidades.

QUADRO 21.2 - DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ENTRE ESPONDILITE ANQUILOSANTE E ARTRITE


REUMATOIDE
ARTRITE REUMATOIDE ESPONDILITE ANQUILOSANTE
poliartrite,simétrica. oligoartrite , assimétrica
Distribuição articular articulações grandes e pequenas. grandes > pequenas
MM.SS> MM.II. MM.II. > MM. SS.
Sacroiliíte Ausente Presente
Envolv. de coluna Cervical total, ascendente
Olhos esclerite, episclerite, S. de Sjögren, conjuntivite, uveíte
escleromalácia perfurante
Regurgitação aórtica Ausente Presente
Pulmões pleurite, pneumonite intersticial; fibrose apical
Síndrome de Caplan
Nódulos Presente Ausente
Fator reumatoide + -
Associação HLA B27 - +
Patologia + sinovite + entesopatia

TRATAMENTO

Não existe um tratamento definitivo para a espondilite. As metas principais são educar
e conscientizar o paciente de sua participação em um programa de exercícios, a fim de que o
paciente possa manter uma postura funcional e preservar os movimentos. O uso do fumo deve
ser banido.
A maioria dos pacientes requer anti-inflamatórios não hormonais para o controle da dor
e para conseguir dar conta do programa de exercícios. Os anti-inflamatórios não hormonais são
os únicos medicamentos que conseguem retardar a formação de sindesmófitos e, assim
modificar a doença. A não respostada dor ao AINH é um sinal de mau prognóstico.
Alguns estudos têm mostrado bons resultados com o uso de sulfassalazina na dose de 2
a 3 g/dia em pacientes com artropatia periférica. O mesmo acontece com metotrexato.
273

Corticoide intra-articular ou intra-lesional pode ser útil em pacientes com sinovite ou


entesopatia que não respondem ao uso de AINHs. Outros medicamentos utilizados são
ciclosporina, talidomida e pamidronato. Agentes bloqueadores de TNF- têm mostrado bons
resultados e mais recentemente os inibidores de IL-17 (secukinumabe) têm sido usados. A
indicação mais comum para cirurgia é prótese de quadril. Um número menor de pacientes pode
se beneficiar de correção cirúrgica de deformidades em flexão extremas na coluna ou em casos
de subluxação atlanto-axial.
Ataques de uveíte aguda anterior podem ser manejados com corticoide local ou
sistêmico e com midriáticos. Esta é uma manifestação que parece ter boa resposta ao uso de
anti TNF-. Doença cardíaca pode exigir o implante de marca passos ou troca de válvula aórtica.
O prognóstico da doença é relativamente bom. Na maioria dos casos, os primeiros 10
anos de doença servem para predizer como será o comportamento da mesma. Doenças graves
mostram-se assim precocemente e têm como marca uma artropatia periférica abundante.
A gravidez em mulheres com espondilite pode ser problemática. Ao contrário da artrite
reumatoide, esta doença não melhora durante a gravidez e a sacroiliíte pode causar muita dor
durante o parto. Se estas articulações estiverem fundidas pode, inclusive, existir dificuldade
mecânica para o nascimento da criança. Existe uma tendência para que as articulações
periféricas mostrem atividade inflamatória aumentada no puerpério. Não existem repercussões
sobre a criança.
Mortalidade pela doença resulta, em geral, das complicações em coluna cervical,
cardíacas ou amiloidose. Pode ainda ser causada por infecções, aterogênese acelerada ou
tumores.

Referências:

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Prevalence among 223 pacemaker-treated men. Am J Med 1982; 73:187-91.

Gorman JD. Spondyloarthropathies. In Imboden J, Hellmann DB, Stone JH. (eds) Current rheumatology: diagnosis and
treatment. Mc Graw Hill, New York, 2004, p.157-69.

Yu TD et al Diagnosis and differential diagnosis of ankylosing spondylitis in adults. In Rose B. Uptodate.com. Capturado
em www.uptodate.com em outubro de 2014.
274

Capítulo 22- Artrite psoriásica

A artrite psoriásica é a artrite que acompanha a psoríase cutânea. Esta definição


presume que outras causas de artrite estejam excluídas e que as manifestações de pele e
articulação estejam relacionadas patogeneticamente. Enquanto a psoríase de pele é uma
doença que afeta 1 a 2% da população em geral, a artrite psoriásica afeta só 5% a 7% dos
pacientes com psoríase. A maioria dos casos começa na idade adulta jovem e a relação entre
homens e mulheres parece igual.
A artrite psoriásica está incluída no grupo das espondiloartrites porque sacroiliíte e
espondilite aparecem em uma das suas formas de apresentação, e, nesta forma, a prevalência
do HLA-B27 está aumentada. Nas outras formas de artrite nota-se um aumento de HLA-B13,
B17, B57 e Cw6.

ASPECTOS CLÍNICOS

A doença de pele (psoríase) precede ou coincide com a articular. Mais raramente a


doença articular pode preceder a cutânea, mas, nesta situação, o diagnóstico é praticamente
impossível. De maneira geral, a extensão da doença de pele não acompanha o grau de gravidade
da doença articular. As alterações ungueais encontradas na psoríase são o pitting (ou unha em
dedal) e a onicólise. A extensão das alterações ungueais, ao contrário do que acontece com a
cutânea, guarda correlação com a gravidade da doença articular e são muito comuns nas formas
que envolvem as interfalangianas distais.
O espectro clínico da artrite psoriásica é amplo e compreende pelo menos 5 subgrupos:
1. envolvimento de interfalangianas distais de mãos e pés;
2. oligoartrite periférica assimétrica;
3. poliartrite simétrica semelhante à artrite reumatoide porém seronegativa;
4. artrite mutilante com destruição severa dos dedos resultando em deformidade característica
das mãos em óculos de ópera;
5. sacroiliíte com ou sem espondilite.
Destas formas de envolvimento, a mais comum é a oligoartrite assimétrica, a qual se
associa frequentemente às outras formas, tais como envolvimento de interfalangianas distais,
sacroileíte ou ambas. A forma de envolvimento de interfalangianas distais isoladas, como já foi
comentado, está tipicamente associada com alterações ungueais. O envolvimento isolado de
coluna ocorre em uma minoria. A forma de artrite mutilante tem alto grau de associação com
envolvimento de coluna. Em ¼ dos casos, os pacientes têm a forma de poliartrite semelhante à
artrite reumatoide.
Como em todas as outras formas de espondiloartrites, entesites e tendinites são
comuns. O envolvimento de dedos das mãos ou pés (dactilite) pode tomar o caráter de edema
difuso, ou de "dedo em salsicha" semelhante ao visto na artrite reativa. Edema de um único
membro pode aparecer ou mesmo edema difuso de mãos e pés, com cacifo, pode ser
encontrado no início da artrite. Um aspecto interessante é a tendência da artrite se assentar
sobre articulações previamente traumatizadas, num comportamento muito semelhante ao
fenômeno de Koebner da doença de pele.
A artrite psoriásica tende a ser indolente e lentamente progressiva. Frequentemente as
articulações afetadas têm poucos sintomas e conservam a sua função, a ponto de alguns
pacientes parecem mais preocupados com o aspecto cosmético de suas mãos, do que com dor
e rigidez.
275

B
A

C D

E F

G
H

I J
FIGURA 22.1 -Psoríase ungueal; placas de psoríase. Em F- forma guttata.
Fotos E-H- gentileza Dra Juliana Simioni
276

A B
FIGURA 22.2: (A)- Entesopatia de tendão de Aquiles; (B) Múltiplas dactilites.

As lesões psoriásicas de pele são maculares ou papulares com formação característica


de escamas prateadas e com sangramento fácil no local de remoção destas escamas (sinal do
orvalho sangrante). Estas lesões são bem delimitadas e de formato variável embora sejam
tipicamente arredondadas e localizadas sobre as superfícies extensoras. As vezes, é necessário
procurar estas lesões em pontos mais escondidos como couro cabeludo, região umbilical e
região perianal.
Sintomas de envolvimento sistêmico, como os vistos na artrite reativa, são mais raros.
Manifestações extra-articulares se limitam a inflamação ocular (conjuntivite, irite, episclerite e
queratoconjuntivite seca). Insuficiência aórtica também tem sido descrita e uma miopatia
associada tem sido sugerida.

CRITÉRIOS CLASSIFICATÓRIOS PARA DIAGNOSTICO DA ARTRITE PSORIÁSICA

Os critérios mais utilizados atualmente para classificação da artrite psoriásica são os


critérios CASPAR (Classification criteria for Psoriatic Arthritis). Os mesmos estão resumidos na
tabela 23.1 abaixo.

TABELA 23.1 CRITÉRIOS CASPAR PARA ARTRITE PSORIÁSICA


Doença articular inflamatória estabelecida
Psoriase cutânea atual 2 pontos
Historia de psoríase 1 ponto
História familiar de psoríase 1 ponto
Dactilite 1 ponto
Distrofia ungueal 1 ponto
Fator reumatoide negativo 1 ponto
Neoformação óssea ao RX 1 ponto
Para diagnóstico é necessário: doença articular estabelecida +3 pontos
277

ACHADOS LABORATORIAIS E RADIOLÓGICOS

Achados de anemia e de provas de atividade inflamatória elevadas paralelam a ati-


vidade clínica da doença. A pesquisa de fator reumatoide é, por definição, negativa.
Hiperuricemia tem sido citada como um aspecto da psoríase, principalmente em pacientes
com envolvimento de pele extenso. Este achado se deve ao turnover acelerado das células de
pele e ao uso concomitante de drogas que afetam a excreção do ácido úrico. Isto pode causar
confusão nas formas oligo articulares, as quais podem ser interpretadas erroneamente como
gota.
Análise do líquido sinovial mostra um líquido do tipo inflamatório não infeccioso, com
predomínio de neutrófilos. Biópsia de sinovial mostra alterações em muito parecidas com as da
artrite reumatoide, embora exista uma tendência para fibrose sinovial.
Os aspectos radiológicos da artrite psoriásica lembram os da artrite reumatoide com
exceção de que menos articulações costumam estar envolvidas. Erosões marginais podem
provocar um aparente alargamento do espaço articular e expansão na base da falange terminal.
Podem existir erosões dos tufos terminais das falanges principalmente no hállux.
Em pacientes com envolvimento de interfalangianas distais, as erosões podem
determinar o aparecimento da lesão conhecida tipicamente como em pencil and cup. Pencil
(lápis) corresponde ao afilamento da porção distal da falange média e cup (xícara) corresponde
ao alargamento da base da falange. No caso da artrite mutilante existe uma verdadeira
dissolução dos ossos, principalmente dos metatarsianos. A falange distal pode virtualmente
desaparecer. A mão toma um aspecto arredondado, semelhante ao de um óculo de ópera.
Achados na coluna são os de sacroiliíte e sindesmofitose. A sacroiliíte pode ser
unilateral, assim como a sindesmofitose pode ser assimétrica, marginal ou não, e, em geral, de
pequena monta. Pode ocorrer luxação atlanto-axial.
Entesopatias podem causar alterações radiológicas de periostite.

TRATAMENTO

Frequentemente a artrite é suave e não requer nenhum tipo de tratamento. Pacientes


com sintomas leves e moderados se beneficiam do uso de anti-inflamatórios não
hormonais.Pacientes com doença progressiva podem se beneficiar do mesmo tipo de
tratamento que é feito para artrite reumatoide. A cloroquina deve ser evitada uma vez que esta
droga pode provocar exacerbação das lesões de pele.
Em pacientes com doença extensa, uma boa escolha é o uso de metotrexate em pulsos
semanais. Esta droga trata concomitantemente as lesões cutâneas e a artrite. Outros
medicamentos indicados são a ciclosporina, o leflunomide, azatioprina e a sulfassalazina. Drogas
anti-TNF- também são usadas com boa resposta tantoda pele como da articulação. Outros
biológicos são o anti IL-17(secukinumabe) e o anti IL-12/23 (ustequinumabe).
Corticoides sistêmicos raramente são usados em altas doses porque a doença de pele
tende a se exacerbar quando esta droga é retirada; o uso em doses baixas, no entanto, é bem
tolerado. Seu uso intra-articular ou intralesional pode ser benéfico.
Metoxipsoralen e raios ultravioletas A (ondas longas) têm sido descritos como benéficos
tanto para a pele quanto para as formas periféricas de artrite, mas não para as formas axiais da
doença. O uso de vitamina D3 parece exercer um efeito benéfico na pele, mas seu uso ainda é
experimental.
Próteses de quadril e joelhos podem ser úteis. É necessário um cuidado na preparação
da pele subjacente para evitar ocorrência de infecções pós-operatórias. Este mesmo cuidado
deve ser tomado para infiltrações de corticoide. Rigidez pós-operatória é um problema maior
em artrite psoriásica do que na artrite reumatoide.
278

A B C

D E

G H
QUADRO 22.3 - Artrite psoriásica: (A) pencil and cup; (B) reabsorção de falanges; (C) lesão
no 5º dedo dactilite; (D) mão - forma mutilante; (E) dactilite em RMN;(F) lesão pencil and
cup – 3º metatarsiano; (G)-dactilite-ultrassom; (H) entesopatias em tornozelo (Aquiles e
calcâneo).

Imagem G- Gentileza Dr Leonardo Schmidt.

Referências
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diseases, Arthritis Foundation, Atlanta, 2001, p.233-8.
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Williamson, L, et al. Extended report: nail disease in psoriatic arthritis clinically important, potentially treatable and
often overlooked. Rheumatology 2004; 43:790-4
279

Capítulo 23- Artrite reativa e das doenças Inflamatorias intestinais

ARTRITE REATIVA

A artrite reativa foi descrita em 1916 como uma associação de artrite não purulenta,
uretrite estéril e inflamação ocular ( conjuntivite) que aparece após uma infecção
(gastrintestinal ou venérea). A tríade clássica se expandiu para incluir a balanite e algumas lesões
típicas de pele como o queratoderma blenorrágico. Ela reparte com a espondilite alguns
elementos em comum, tais como manifestações articulares e extra-articulares, preferências
demográficas e genéticas. No entanto, ela se separa da espondilite pela sua tendência para
desenvolver artrite predominantemente periférica e pelas manifestações cutâneas que lhe são
peculiares. Semelhantemente a espondilite, acomete principalmente indivíduos jovens do sexo
masculino. Aliás, mais precisamente, na doença de início pós-diarréia, a relação entre os sexos
é mais ou menos a mesma, de 1:1; enquanto que, na de início pós-venéreo, o sexo masculino
está fortemente favorecido, numa proporção de 9:1. Têm sido documentados casos, também,
em crianças de até 5 anos de idade.
Embora a tríade clássica é o que facilita o reconhecimento clínico da doença, as formas
incompletas são mais encontradiças do que as clássicas. Alguns estudos em populações de
militares sugere que a artrite reativa é a causa mais comum de artrite inflamatória periférica
em adultos jovens.

CLÍNICA - Tipicamente os sintomas da artrite reativa começam de 2 a 4 semanas após uma


diarréia ou exposição sexual, quando os problemas entéricos e urogenitais já se resolveram e o
organismo causal não pode mais ser cultivado das fezes ou da secreção uretral.
A uretrite costuma ser a primeira manifestação e se caracteriza por disúria suave e
secreção mucopurulenta. Pode passar despercebida e, não é raro que este seja um dado que o
paciente só forneça quando submetido a um questionamento direto. Exame do pênis mostra
edema e eritema no meato urinário. Para ser detectada laboratorialmente, exige que se
examine a primeira urina da manhã, a qual irá demonstrar a ocorrência de piúria. Prostatite
aguda ou crônica também pode ocorrer no homem, enquanto, na mulher, pode-se achar
cervicite, vaginite ou ambos. Deve-se enfatizar que o achado de uretrite ocorre tanto na forma
pós-diarréia quanto pós-venérea, ou seja, não indica que a doença foi adquirida de maneira
venérea.
Conjuntivite é geralmente bilateral e segue a uretrite ou coincide com a mesma. Uveíte
anterior aguda pode ocorrer e cursa com dor ocular, eritema e fotofobia; aparece em 20% dos
pacientes durante algum tempo de sua doença.
A artrite costuma ser o último elemento da tríade a aparecer e na maioria das vezes
surge várias semanas depois. A artrite afeta predominantemente as extremidades inferiores, é
assimétrica e oligoarticular. Joelhos, tornozelos e pés são as articulações mais comumente
afetadas. Envolvimento digital, especialmente dos pés é frequentemente acompanhado por um
edema difuso do dedo, o que é chamado de "dedo em salsicha" (dactilite). Quando o processo
inflamatório é muito intenso e está restrito a uma articulação, a artrite pode ser confundida com
artrite séptica, principalmente com a gonocócica, que também cursa com uretrite. O líquido
sinovial é do tipo inflamatório com predomínio de células polimorfonucleares, glicose normal e
complemento alto. As culturas são estéreis.
Sintomas adicionais referidos à articulação são causados por entesopatia. Tanto a
inflamação da inserção da aponeurose plantar no calcâneo, como da do tendão de Aquiles são
particularmente comuns. Estes dois elementos causam dor no calcanhar em mais ou menos
metade dos pacientes. Outros sítios de inserção de ligamentos como ossos longos, costelas,
vértebras ou estruturas pélvicas podem estar afetados.
280

Dor lombar é comum em artrite reativa, mas só parte dos pacientes têm evidência
radiológica de sacroiliíte. É importante deixar bem claro que, apesar da artrite reativa estar
classificada entre as espondiloartrites, o achado de sacroiliíte não é uma condição obrigatória
para seu diagnóstico. Envolvimento de coluna, acima das sacroilíacas, é raro. Entretanto alguns
pacientes, com doença persistente, podem chegar a desenvolver uma fusão completa de coluna.
Manifestações cutâneas ocorrem na metade dos pacientes e incluem queratoderma
blenorrágico, balanite circinata, úlceras orais e alterações ungueais. O queratoderma
blenorrágico é uma lesão pápulo-escamosa que aparece frequentemente em solas das mãos e
plantas dos pés. Estas lesões são clinicamente e histologicamente indistinguíveis da forma
pustular da psoríase. O rash é, em geral, limitado e transitório, entretanto uma forma
disseminada psoriasiforme pode dominar o quadro clínico. A balanite circinata caracteriza-se
pela formação de úlceras rasas, não dolorosas, serpiginosas que circundam o meato urinário.
Elas se iniciam como vesículas que se tornam hiperqueratóticas e se rompem. No homem
circuncidado elas formam placas com escamas secas semelhantes as da queratodermia
blenorrágica. As úlceras orais são rasas, indolores, serpiginosas e ocorrem em palato duro ou na
língua. Alterações ungueais incluem descoloração amarelada ou branca com espessamento e
tendência para descolamento do leito ungueal. Estas anormalidades são muito parecidas com
infecções micóticas, podendo até ter inflamações periungueais que lembram paroníquias.

A B C
FIGURA 23.1 . Artrite reativa - (A) Ceratopatia blenorrágica;(B) Dactilite; (C) Uveíte.

Outros achados encontrados são:


 febre - principalmente na forma aguda, podendo o paciente estar com aparência tóxica;
 perda de peso;
 manifestações cardíacas - na forma de bloqueios e aortite. Podem ser achados de exame;
 envolvimento do sistema nervoso (em uma minoria) na forma de polineurites, lesões em
nervos cranianos e hemiplegias;
 amiloidose e glomerulopatias por depósito de IgA (rara);
 tromboflebites (raras);
 púrpuras (raras).
Tanto a artrite reativa como a artrite psoríasica podem estar associadas com síndrome
da imunodeficiência adquirida (SIDA). Nestes casos a maioria dos pacientes tem exuberantes
manifestações extra-articulares exuberantes (particularmente as manifestações cutâneas). Para
maiores detalhes sobre esta associação de doenças, leia, mais adiante, as manifestações
reumatológicas da SIDA.
Pacientes com o quadro articular típico da doença, mas sem evidência de uretrite e
conjuntivite são ditos portadores de artrite reativa incompleta. Acredita-se que 40% dos pacien-
tes têm a forma incompleta. Mesmo situações mais limitadas da doença acontecem em
indivíduos HLA-B27 positivos. Estas formas incluem o achado isolado de qualquer das seguintes
manifestações: queratoderma blenorrágico ou psoríase pustular, balanite circinata, dactilite,
dor em calcanhar, uveíte e dor lombar baixa.
Uma comparação entre artrite reativa e a espondilite anquilosante está resumida no
quadro 23.1.
281

QUADRO 23.1- QUADRO COMPARATIVO ENTRE A ARTRITE REATIVA E A ESPONDILITE


ESPONDILITE ANQUILOSANTE ARTRITE REATIVA
SIMILARIDADES
Sexo homem>mulher homem> mulher
Idade  20 anos  20 anos
Uveíte 25% 25%
Prostatite 80% 80%
Articulações MM.II. MM.II.
Sacroileíte +++ +
HLA-B27 + +
Regurgitação aórtica + +
Patologia Entesopatia Entesopatia
DIFERENÇAS
Início gradual Súbito
Uretrite - +++
Conjuntivite + +++
Pele - +
Mucosas - ++
Articulações periféricas 25% 90%
Quadris +++ +
Joelhos + +++
Coluna +++ +

ACHADOS LABORATORIAIS E RADIOLÓGICOS - As provas de atividade inflamatória estão


elevadas durante a fase aguda da doença. Pode existir uma discreta anemia. O líquido sinovial é
do tipo inflamatório não específico como já foi discutido. Em torno de 3/4 dos pacientes são
HLA-B27 positivos e a sua tipagem pode auxiliar a separar a população de doentes com
tendência a cronificação, ao desenvolvimento de espondilite e uveíte.
Embora seja raro que a infecção precipitante esteja presente, às vezes é possível
cultivar o organismo precipitante. Evidências sorológicas da infecção são mais fáceis de serem
obtidas.
Na doença inicial, o RX mostra apenas osteoporose justa articular. Em doença de longa
duração pode se encontrar erosões marginais, diminuição do espaço interarticular. Reações
periostóticas com neoformação óssea é um achado característico; são comuns as formações de
esporão de calcâneo. Sacroiliíte e espondilite similar àquelas descritas na espondilite podem ser
vistas como sequela tardia. A sacroiliíte é comumente assimétrica e a espondilite não tem
aquele caráter ascendente visto na espondilite anquilosante, podendo se iniciar em qualquer
lugar da coluna. Os sindesmófitos são grosseiros, não marginais e começam no meio do corpo
da vértebra, o que é raro na espondilite.

TRATAMENTO - A artrite reativa pode-se apresentar como casos muito fáceis de manejar e em
outras situações, extremamente difícil. Normalmente os mesmos agentes efetivos na
espondilite anquilosante têm sucesso no tratamento da artrite reativa.
Assim, o tratamento de escolha inicial é o anti-inflamatório não hormonal. Infelizmente
quando a artrite é grave pouco benefício é obtido deste tipo de agente. Azatioprina e
metotrexate têm sido utilizados em pacientes mais afetados. Não existe lugar para o uso de
corticoides sistêmicos e antimaláricos. Entesopatias e artrites isoladas podem se beneficiar de
infiltrações de corticoide local.
282

Balanite circinata e queratoderma blenorrágico raramente requerem tratamento


específico. Os sintomas oculares podem requerer uso de corticoide em injeções locais. A uretrite
é autolimitada e é debatido se os seus sintomas podem ser encurtados pelo uso de antibióticos
(tetraciclina).
Os agentes anti-TNF-, da mesma forma que na espondilite têm sido benéficos, mas
estão reservados para pacientes que não respondem aos demais medicamentos.
O uso de antibióticos é assunto debatido. Obviamente se o paciente ainda tem sinais de
ser portador da infecção precipitante o uso destes medicamentos é de consenso geral, embora
Salmonela, Shigela e infecções por Campilobacter tendam a ser auto-limitadas. A dúvida é se
estas drogas têm alguma ação na artrite reativa em si. Tetraciclina e seus derivados como
doxiciclina e minociclina e a ciprofloxacina têm sido usados pelo período de 3 meses com
resultados conflitantes. É possível que o tratamento precoce de uma nova infecção que venha
a ser adquirida por quem já tem a artrite reativa previna a recorrência dos sintomas.

PROGNÓSTICO - O curso da artrite reativa não é previsível. A maioria dos pacientes experimenta
um único episódio que dura de 4 a 12 meses. Aproximadamente 1/3 destes pacientes tem uma
recrudescência após vários anos livres de sintomas. Alguns pacientes progridem para uma forma
periférica crônica ou para espondilite progressiva. Incapacidade resulta de dores nos pés,
deformidades e cegueira. É muito raro que artrite reativa seja causa de morte do paciente. Estes
raros casos são motivados por alterações cardíacas ou amiloidose.

ARTROPATIA DAS DOENÇAS INFLAMATÓRIAS DO INTESTINO

Tanto a artrite periférica como a espondiloartrite têm sido observadas em associação


com as doenças inflamatórias do intestino (DII ou retocolite ulcerativa e doença de Crohn).
A artrite periférica ocorre mais em pacientes que têm doença inflamatória do intestino
grosso e naqueles com doença complicada por abscessos, polipose, doença perianal,
hemorragia maciça, estomatite, uveíte e pioderma gangrenoso. Aparece mais comumente em
casos de Doença de Crohn do que em casos de retocolite ulcerativa. Homens e mulheres estão
afetados na mesma proporção. A forma periférica de artrite das DII pode ser dividida em artrite
do tipo 1 e do tipo 2. A do tipo 1 é aguda e oligoarticular, acompanha os surtos da doença
intestinal e assume uma forma autolimitada não deformante. Os joelhos são as articulações
mais afetadas. Já a forma tipo 2 é poliarticular com preferência por pequenas articulações
(metacarpo, metatarso e interfalangianas proximais) embora possa afetar joelhos, tornozelos,
ombros, etc). Os episódios duram meses tende a ser recorrente não acompanhando a atividade
inflamatória intestinal. Tanto a forma tipo 1 como a tipo2 podem ser migratórias. No caso da
forma periférica, as manifestações intestinais podem ser muito discretas, de tal maneira que é
importante a valorização de quaisquer sintomas gastrintestinais em paciente com artrite de
membros inferiores. Em 1/3 dos casos existem manifestações cutâneas. As alterações cutâneas
mais típicas são, no caso da doença de Crohn, o eritema nodoso e, no caso da retocolite
ulcerativa, o pioderma gangrenoso.
Achados do líquido sinovial são compatíveis com um líquido inflamatório não infeccioso.
A análise de biópsia sinovial tem sido feita em poucos casos, mas tem-se descrito o achado de
granulomas em pacientes com doença de Crohn, e, nestes casos a artrite parece tomar um
caráter mais erosivo. O fator reumatoide é, por definição, negativo e no caso desta forma de
artrite não existe associação com o antígeno HLA B27. O tratamento médico ou cirúrgico para a
doença inflamatória intestinal controla a artrite periférica. Em casos de ataques agudos pode se
utilizar os AINHs. O uso dos corticoides está indicado para controlar os sintomas gastrintestinais
e outros sintomas sistêmicos da doença; dificilmente o seu uso está indicado para tratamento
isolado das manifestações articulares
283

A B
FIGURA 23.2 (a) Eritema nodoso; (b) pioderma gangrenoso.

Achados do líquido sinovial são compatíveis com um líquido inflamatório não infeccioso.
A análise de biópsia sinovial tem sido feita em poucos casos, mas tem-se descrito o achado de
granulomas em pacientes com doença de Crohn, e, nestes casos a artrite parece tomar um
caráter mais erosivo. O fator reumatoide é, por definição, negativo e no caso desta forma de
artrite não existe associação com o antígeno HLA B27. O tratamento médico ou cirúrgico para a
doença inflamatória intestinal controla a artrite periférica. Em casos de ataques agudos pode se
utilizar os AINHs. O uso dos corticoides está indicado para controlar os sintomas gastrintestinais
e outros sintomas sistêmicos da doença; dificilmente o seu uso está indicado para tratamento
isolado das manifestações articulares. A forma de espondilite ocorre em até ¼ dos pacientes
com doença inflamatória intestinal e tem uma evolução bastante semelhante à da espondilite
anquilosante. Metade destes pacientes são HLA-B27. O curso da espondilite é totalmente
independente do curso da DII. Homens e mulheres estão afetados na mesma proporção.
Sacroiliíte assintomática, detectada por RX, tem sido verificada em 1/4 dos pacientes com
Doença de Crohn. Quando se usam técnicas mais sensíveis para detecção de sacroiliíte esta
porcentagem pode ser mais alta, mas esta "doença" não evolui necessariamente para uma
espondilite clássica. Os achados radiológicos são semelhantes aos da espondilite anquilosante
com alterações bilaterais e simétricas em articulações sacroilíacas, sindesmofitose vertical,
erosão apofisária e fusão óssea. O tratamento é semelhante ao da espondilite anquilosante.
Outras complicações das DII de cunho reumático são:
• baqueteamento digital (principalmente em pacientes com Crohn com envolvimento de
intestino delgado);
• amiloidose (também mais no Crohn);
• osteomalácia e osteoporose (resultante da malabsorção e inatividade e/ou tratamento
com corticoide);
• artrites sépticas secundárias a fístulas e abscessos do psoas. São encontradas em
pacientes com Crohn e acometem principalmente o quadril.

OUTRAS DOENÇAS COM SACROILIÍTE

Os pacientes com espondiloartrites que não se encaixam bem dentro de um dos grupos
já estudados são designados como portadores de espondiloartrites indiferenciadas e formam
um grupo grande de pacientes, talvez até, os mais comuns. O tratamento é feito de maneira
semelhante ao das demais. O prognóstico e o grau de resposta a tratamento ainda estão sendo
estudados. Existem outras doenças, menos comuns, que podem se enquadrar no grupo da
espondiloartrites. Entre elas está a espondiloartrite associada à pustulose palmo-plantar. Nesta
doença é comum o envolvimento de articulações da parede anterior do tórax (esterno-clavicular
e manúbrio-esternal) e o aparecimento de sacroiliíte, espondilite e espondilodiscite. Doença
articular periférica é do tipo oligoarticular, não erosiva. As lesões de pele têm curso variável e
284

tendem a aparecer dentro dos 2 primeiros anos da doença articular. Não existe associação com
HLA B27.
Sacroiliíte também é detectada entre os achados músculo-esqueléticos que
acompanham a acne conglobata e a hidradenite supurativa. Acne conglobata é uma forma grave
da acne vulgar com inflamação que se estende mais profundamente até a derme e cobrindo
uma maior extensão da pele. A cura é feita com processo cicatricial importante. O início dos
sintomas músculo esqueléticos coincide com exacerbação das lesões de acne, e tende a ocorrer
mais em pacientes de raça negra. Estes sintomas constam de sacroiliíte, artrite periférica do
tipo oligoarticular. Esta últimas afetam principalmente articulações de membros inferiores mas
cursam, também, com envolvimento da articulação esterno-clavicular. É interessante notar que,
nos sintomas músculo esqueléticos que acompanham a acne fulminante (uma forma ainda mais
grave de acne), não se inclui a sacroiliíte e sim lesões osteolíticas em esterno, clavícula, ossos
longos e ílio.
A Doença de Whipple é uma doença multissistêmica rara que cursa com síndrome
disabsortiva (diarréia, esteatorréia e perda de peso). Artrite, nesta enfermidade, pode ser
migratória ou aditiva e simétrica. Alguns casos têm sido associados com sacroiliíte em pacientes
HLA-B27 positivos. É causada por um actinomiceto chamado Tropheryma whippelii e o
tratamento é feito com antibióticos (tetraciclinas).
Por último, pacientes com insuficiência renal e hemodiálise tendem a desenvolver uma
forma destrutiva de espondiloartropatia não inflamatória e não relacionada à presença do HLA-
B27. Ela parece resultar de hiperparatireoidismo secundário, depósitos de hidroxiapatita e
amiloidose por beta-2 microglobulina.

Referências:

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Scarpa R et al. The arthritis of ulcerative colitis: clinical and genetic aspects. J Rheumatol 1992; 19: 373-7.
285

Capítulo 24 - Artrites Microcristalinas

Muitas observações têm ligado a presença dos cristais com doença articular e
periarticular; os primeiros a serem identificados foram os cristais de urato de sódio. A partir daí,
outros foram sendo estudados e, atualmente, existe uma grande variedade deles implicados
neste tipo de doença. No quadro 24.1, uma lista de alguns destes cristais.

QUADRO 24.1- CRISTAIS NA DOENÇA ARTICULAR


 Urato monossódico
 Pirofosfato de cálcio
 Hidroxiapatita
 Carbonato de cálcio
 Colesterol
 Outros

Se não resta dúvida da associação de artropatia com cristais, existe muita discussão em
torno de como isto ocorre. Nosso corpo é dotado de sistemas que favorecem a formação de
cristais, onde isto é desejável, (como no caso dos ossos e dos dentes) e de sistemas que
impedem a sua formação, onde isto não seria benéfico. Áreas de alto risco, como urina e saliva,
são dotadas, inclusive, de proteínas especiais inibidoras da formação de cristais. Estes inibidores
impedem não só a sua deposição nos tecidos articulares, mas, também, diminuem a resposta
inflamatória quando porventura eles "descamam" para dentro do líquido sinovial. Cada cristal
tem o seu inibidor específico.
A ocorrência da formação de cristais em um local considerado inapropriado estaria da
dependência, basicamente, de dois fatores:
 concentração muito alta do soluto sobrepujando as capacidades das proteínas inibidoras;
 anomalia local no tecido, impedindo a ação dos inibidores naturais. Um exemplo típico da
ação deste segundo fator é o aparecimento de lesões calcificadas em tecidos tuberculosos.
Um aumento de concentração de cristais favorecendo sua deposição articular ficou bem
documentado no caso da gota. Demonstrou-se que, quando a concentração de ácido úrico sobe
para 9,0 mg%, o risco de gota em pacientes do sexo masculino chega a 90%. Já um excesso de
casos de doença de pirofosfato de cálcio é visto em pacientes com hiperparatireoidismo, onde
se encontra um aumento de níveis séricos de cálcio. Um aumento desta forma de artropatia por
cristal é vista também em casos de insuficiência renal, possivelmente relacionado a uma
concentração aumentada do produto entre cálcio e fósforo ou ao hiperparatireoidismo
secundário.
Foi mencionado que, qualquer situação que danifique a cartilagem, favorece a deposi-
ção de cristais pelo segundo mecanismo. Isto fica bem patente principalmente quando se analisa
a doença por depósito de pirofosfato de cálcio e suas associações. Ora, se por um lado uma
cartilagem danificada é ninho para depósito de cristais, pelo outro, os cristais, gerando um
processo inflamatório, acabam promovendo um maior dano articular, num verdadeiro processo
de retro alimentação.
Uma vez dentro da articulação, o cristal interage com vários elementos existentes no
local, que se ligam à sua superfície, tais como IgG, lisosima, albumina etc.... É importante
salientar-se que a ligação do cristal com IgG ocorre na porção Fab desta, deixando a porção Fc
livre para interagir com qualquer célula ou outro elemento que tenha receptor para Fc, como
por exemplo, fagócitos e complemento. IgGs catiônicas se ligam, de preferência, a cristais
aniônicos como os de uratos, pirofosfatos de cálcio e hidroxiapatita, e vice e versa. A seguir, o
cristal é ingerido por polimorfonucleares e a sua superfície pontiaguda promove ruptura das
membranas do fagolissosomo, ocasionando liberação de enzimas líticas para dentro da célula,
a qual morre. A célula morta libera enzimas em tecidos circunvizinhos e o cristal volta ao espaço
286

extracelular. Desta maneira, o processo inflamatório se intensifica gerando-se mais destruição


tissular...

FIGURA 24.1 – Fagocitose de cristais e processo inflamatório

Além do que já foi mencionado, isolou-se uma glicoproteina dos neutrófilos com
propriedades quimiotáticas. Quando esta é liberada, ocorre afluxo de outros polimorfonu-
cleares, que irão repetir todo o processo já mencionado, perpetuando e amplificando ainda mais
o processo inflamatório. A produção desta glicoproteína é suprimida pela colchicina, daí o seu
papel benéfico no tratamento destas situações.
O papel dos neutrófilos na inflamação das artrites por cristal está comprovado
experimentalmente em animais. Demonstra-se que é possível impedir que ocorra inflamação
por cristais de urato tornando-se estes animais neutropênicos pelo uso de vimblastina.
Entretanto, em humanos tem sido descrito casos contundentes de gota e pseudogota em
situações nas quais poucos polimorfonucleares estavam presentes. Isto chama a atenção para
o fato de que, talvez outras células, além dos PMNs, podem estar envolvidas no processo. Aliás,
a fagocitose de cristais de urato por plaquetas tem sido identificada embora não se saiba com
que magnitude isto contribui para com a totalidade do processo inflamatório.
A morte celular ocorre em 10 a 15 minutos após a fusão da fagossomo contendo o cristal
com os lisossomos.
As enzimas liberadas pelo neutrófilo têm atividade máxima em pH neutro ou ácido e são
capazes de digerir componentes do tecido conjuntivo. Além do extravazamento de enzimas
existe liberação de radicais de oxigênio livre os quais também são dotados de alto poder
destrutivo.
De maneira geral, todos os cristais parecem agir da mesma maneira, com diferenças
mais de ordem quantitativa do que qualitativa. A lise das membranas pelo cristal de monourato
de sódio é aumentada pela presença de andrógenos e reduzida pela incorporação de estrógenos
como o 17  estradiol. Esta interferência hormonal talvez ajude a explicar a predileção da artrite
gotosa pelo sexo masculino.
A ativação do complemento tem papel de destaque na inflamação produzida em casos
de artrite por cristal. Os cristais sozinhos são capazes de ativar tanto a via clássica quanto a via
alternativa do complemento. Já os cristais ligados à imunoglobulina ativam o complemento via
287

clássica, por ligação com as suas porções Fc. Além disto, existem evidências de ativação do fator
de Hageman gerando calicreína e cininas.
Quanto aos padrões articulares, de uma maneira geral, aquilo que é causado pelo
depósito de cristais se repete, independente do tipo de cristal em questão. Este pode tomar
dois aspectos básicos, um de artrite aguda autolimitada e outro de depósito crônico com
tendências mais destrutivas. A gota tende a preferir as articulações localizadas de maneira
centrífuga e a doença por depósito de pirofosfato de cálcio tende a se situar mais
centripetamente.
Depósitos de urato, de oxalato e de hidroxiapatita acontecem de maneira sistêmica. Já
o depósito de pirofosfato de cálcio ocorre exclusivamente em articulações. As características
principais, assim como detalhes de aspectos clínicos serão fornecidos ao se estudar cada uma
das doenças por cristal.

GOTA

O termo gota é utilizado para um grupo heterogêneo de situações encontradas


exclusivamente na espécie humana, cujo elemento comum é o depósito tissular de cristais de
monourato de sódio. Quando todos os componentes da doença se manifestam podemos
encontrar:
 ataques recorrentes de artrite aguda nas quais os cristais são demonstráveis em
leucócitos do líquido sinovial;
 aumento do ácido úrico sérico;
 depósitos de urato de sódio monohidratado principalmente em tecidos periarticulares
das articulações de extremidades podendo ocasionar deformidades importantes ;
 doença renal envolvendo glomérulo, túbulos e tecidos intersticiais e cálculos urinários
de ácido úrico.
Frequentemente nem todos estes componentes estão presentes e, nestes casos, o
termo gota só pode ser utilizado quando existem manifestações tissulares inflamatórias, não
devendo ser usado para situações em que existe hiperuricemia e/ou cálculos urinários isolados.

EPIDEMIOLOGIA - A concentração normal do ácido úrico varia com a idade e com o sexo.
Crianças de ambos os sexos têm uma concentração de urato entre 3 a 4 mg/ 100 ml. Com a
adolescência, o ácido úrico sérico nos indivíduos do sexo masculino aumenta de 1 a 2 mg/ 100
ml, o que é mantido durante toda a vida. Nas mulheres este aumento só vai acontecer quando
sobrevém a menopausa. Isto se deve a ação dos hormônios estrogênicos que promovem uma
excreção renal aumentada do ácido úrico.
Considera-se que um indivíduo adulto tem ácido úrico normal quando o mesmo está
abaixo de 7 mg/100 ml. O nível de ácido úrico sérico de uma pessoa se correlaciona com vários
elementos tais como; creatinina sérica, peso corporal e altura (e portanto, com superfície
corporal), pressão arterial, ingesta de álcool, fatores raciais, etc. Uma observação curiosa é a da
ocorrência de níveis de uratos mais elevados em indivíduos de grande inteligência, capacidade
de liderança, com bom humor, dados aos prazeres da vida e, também, de um nível sócio
econômico alto. (Daí a gota ter recebido a denominação de doença dos reis).
Um estudo americano mostra que hiperuricemia é um achado frequente, presente em
2 a 18% daquela população. No entanto, nesta mesma população, só 0,13 a 0,37 % tinham gota
verdadeira. A ocorrência ou não de clínica deve-se não só ao grau de hiperuricemia, mas,
também, ao tempo pelo qual ela se mantém.
Pelo que foi exposto pode se depreender que gota é uma doença de homens adultos,
raramente afetando mulher e, mais raramente ainda, crianças pré-puberais. É incomum antes
da 3ª década e tem seu pico de incidência em torno dos 50 anos.
288

CLÍNICA - Quando a história natural da doença está completa distinguem-se 4 estágios: o de


hiperuricemia assintomática, o de artrite gotosa aguda, a gota intercrítica e a gota tofácea
crônica.

Hiperuricemia assintomática - É o estágio no qual o ácido úrico está elevado, mas ainda não
apareceram os fenômenos articulares, tofos ou cálculos urinários. Nos homens com
hiperuricemia, esta começa na puberdade e termina quando o indivíduo tem o primeiro ataque
de artrite ou litíase urinária. A tendência para o desenvolvimento da artrite gotosa, como já foi
mencionado, depende da magnitude da elevação do ácido úrico e do tempo de sua persistência.
A tendência para aparecimento da urolitíase depende do grau de excreção do ácido úrico. Em
média, um ataque de gota aparece após 20 a 30 anos de hiperuricemia mantida e, em 10 a 40%
dos casos existe uma história prévia de cálculo urinário

Artrite gotosa aguda - A maneira mais típica da gota se manifestar é através de uma crise de
artrite aguda, inicialmente monoarticular, extremamente dolorosa. Em 50% dos casos o
primeiro ataque ocorre na 1ªmetatarsofalangiana (podagra). Outras articulações também
podem ser o local do ataque inicial, tais como, tornozelos, joelhos, punhos, dedos e cotovelos.
Como se vê, as articulações preferidas são as mais distais (mais frias), principalmente as de
membros inferiores. Em casos raros a doença pode se manifestar como poliarticular.
O processo inflamatório é, em geral, intenso simulando trauma ou um processo
piogênico. Na maioria das vezes ocorre sem sinais premonitórios. Tipicamente, estes ataques
ocorrem à noite. O indivíduo vai deitar-se bem e acorda de madrugada com uma dor
insuportável, no hállux, a qual pode se acompanhar de calafrios e febre. A dor é tão intensa que
a vítima não suporta nem o peso das cobertas sobre a articulação afetada.
Estes ataques podem ser precedidos por eventos precipitantes tais como trauma local,
ingestão de álcool e certas drogas, excesso alimentar, cirurgias ou outras situações agudas, uso
de tratamento com RX ou com proteínas estranhas, hemorragias etc.
Os ataques mais precoces desaparecem em 3 a 10 dias, mesmo sem tratamento. Após
a melhora, a pele sobre a articulação afetada descama e o indivíduo entra em um período
totalmente livre de sintomas até o próximo ataque. Esta acalmia pode durar de meses a anos,
mas que na grande maioria dos casos, o ataque se repete dentro de seis meses a dois anos.
Alguns indivíduos nunca têm um segundo ataque.
À medida que a doença evolui, os ataques tendem a se repetir cada vez mais
precocemente, a serem mais prolongados e a envolver um número crescente de articulações. A
evolução natural é para uma doença poliarticular e com ataques tão prolongados que a
articulação nunca fica totalmente livre de sintomas (fase de gota tofácea crônica).
A preferência marcante da gota pelas articulações periféricas pode estar relacionada,
pelo menos parcialmente, com as suas temperaturas que são mais baixas. Isto acontece porque
a solubilidade do cristal de ácido é diretamente proporcional à temperatura. Por exemplo: a
37°C o limite de solubilidade do ácido úrico é 6,5 mg%. Se a temperatura baixar para 30 °C, ele
se precipita em concentração de 4,5 mg%. Ora, a temperatura intra-articular de um joelho é de
33° C e a de um tornozelo, de 29° C...
Outra observação interessante é a de que a difusão da água na membrana sinovial é
mais rápida do que a do ácido úrico. Isto promove transitoriamente concentrações altas do
cristal, o que favorece a sua precipitação. A articulação metatarsofalangiana, que está sujeita a
microtraumas durante o seu uso, está frequentemente edemaciada e, este líquido dilui o ácido
úrico nela contido. Quando o indivíduo repousa, a água é reabsorvida mais rapidamente que o
ácido úrico, e a alta concentração do cristal causa um ataque agudo de artrite. Isto explica
porque muitas das crises agudas de gota acontecem de madrugada.
289

A B

C D
FIGURA 24.2-GOTA-(A) Artrite de joelho (B) Artrite de 1ª tarsometatarsiana (podagra); (C)
Bursite pré-patelar; (D)- Bursite olecraniana.

Gota intercrítica - Corresponde aos intervalos entre as crises agudas de gota, nas quais os
pacientes não têm sintomas. Desaparecem à medida que o processo evolui para a fase crônica.
O diagnóstico de gota nesta situação é difícil e se baseia da história passada de artrite. Aspiração
do líquido sinovial, nesta circunstância, pode demonstrar o achado de cristais de monourato de
sódio extracelular (o que também aparece em casos de insuficiência renal crônica sem gota).

FIGURA 24.3- História natural da artrite gotosa.

Gota tofácea crônica - Se o paciente não é tratado e a taxa de produção de ácido úrico excede
a de excreção, obviamente o pool de ácido úrico aumenta. Cristais se depositam em cartilagem,
membranas sinoviais, tendões e em tecidos moles, formando nodulações indolores chamadas
tofos. O local mais clássico, embora não o mais comum, de aparecimento destes tofos é na hélice
290

e na ante-hélice da cartilagem auricular. Outros locais onde são encontrados são: sobre tendões
(principalmente o de Aquiles), superfície ulnar do antebraço, formando dilatações saculares na
bursa olecraniana e outros pontos de pressão. Qualquer articulação pode ser afetada (até
mesmo as da coluna). As preferidas são as de membros inferiores.
Os tofos, se muito proeminentes, podem afetar a mobilidade da articulação
contribuindo para a perda de função da mesma. Às vezes, pode ser difícil a diferenciação entre
tofos e nódulos reumatoides, principalmente porque a forma poliarticular da gota pode simular
a artrite reumatoide. A histopatologia de um tofo mostra um granuloma de corpo estranho
circundando um centro de cristais de urato. O processo inflamatório é do tipo mononuclear,
com células gigantes. A cápsula fibrosa costuma ser bem proeminente.

FIGURA 24.4- Gota tofácea

Eventualmente os tofos se ulceram liberando um material branco e pastoso semelhante


à pasta dental, rico em cristais de urato de sódio, os quais podem ser identificados ao
291

microscópio com luz polarizada. Nesta situação pode ocorrer infecção secundária. Estas
nodulações só desaparecem se a hiperuricemia for tratada. Não existe involução espontânea.
Tanto os fatores sistêmicos (p.ex, hiperuricemia) quanto os locais (principalmente de
trauma crônico) são importantes para a determinação da formação e localização do tofo, mas
estes depósitos podem ser encontrados em órgãos internos, como por exemplo, em miocárdio,
válvula mitral, em sistema de condução cardíaco, tecidos do olho e laringe.
É interessante notar que, à medida que a doença se torna crônica e tofácea, os ataques
articulares agudos são mais raros e mais suaves, podendo vir a desaparecer totalmente.

B C
A
FIGURA 24.5 – (A) Tofo gotoso drenando material semelhante à “pasta de dente” rico em
cristais como os da figura (B)- Cristal de ácido úrico (c)- tofo- aspecto macroscópico

A terapêutica correta consegue alterar a evolução natural da doença, impedindo que


chegue à fase de gota crônica tofácea. Por este motivo, estas fases mais avançadas estão se
tornando cada vez mais raras.

Nefropatia - Pacientes com gota podem manifestar envolvimento renal sob 2 formas: a litíase
urinária e a doença parenquimatosa. Urolitíase ocorre duas vezes mais comumente em
pacientes com gota secundária do que primária. A formação de cálculos é paralela ao grau de
acidez da urina, à concentração de ácido úrico no sangue e, naturalmente, à sua concentração
urinária. Uma excreção de 300 mg/dia de ácido úrico tem uma prevalência de cálculos de 11%;
uma excreção de 1.100 mg/dia de ácido úrico urinário aumenta esta mesma prevalência para
50%. Cálculos de ácido úrico são normalmente radioluscentes, pequenos e arredondados. No
entanto, eles podem servir de núcleo para a deposição de outro tipo de cristal como p. ex, os
contendo cálcio, o que acaba por levar à formação de cálculos radiopacos.
Aumentos bruscos no nível do ácido úrico, como os que são vistos em pacientes com
leucemia e linfomas submetidos à quimioterapia ou radioterapia, pode ocasionar um depósito
maciço deste cristal em túbulos causando oligúria e insuficiência renal. Mais raramente esta
situação é encontrada em pacientes com gota e acentuada produção de purina, após exercício
extenuante em indivíduos sem condicionamento físico e após crises epilépticas. Estas situações
além de aumentarem a produção de ácido úrico estão associadas com acidose, o que reduz a
solubilidade do ácido úrico. O uso do alopurinol e de hidratação adequada pode prevenir isto,
principalmente nos casos previsíveis, como os associados com quimioterapia e radioterapia.
É bom lembrar, também, que contrastes de RX têm um efeito uricosúrico substancial,
podendo precipitar a formação de cálculos. Uma boa hidratação ajuda a prevenir este efeito
indesejável.
Na doença parenquimatosa, ambos os rins são pequenos e igualmente afetados. A
cortical fica reduzida e cicatrizes podem ser visualizadas através da cápsula. Exame histológico
mostra, na doença parenquimatosa, cristais de urato de sódio localizados em interstício de
medula, papilas e pirâmides. Como nos tofos, eles estão circundados por um infiltrado de células
gigantes. Alterações de nefrosclerose e de doença hipertensiva podem ser achadas. Uma
292

manifestação comum desta forma de nefropatia é a proteinúria - a qual aparece em 20 a 40%


dos pacientes com gota. Esta proteinúria é frequentemente discreta e pode ser intermitente.
Na realidade, embora não exista dúvida de que existe doença renal associada com gota,
não está bem evidente até que ponto a hiperuricemia é o elemento responsável pelo dano da
função renal. Aparentemente a hiperuricemia por si causa pouco dano ao rim e o que se vê neste
órgão é resultado de doenças associadas tais como diabetes, hipertensão, aterosclerose e
infeções superimpostas. Em casos de hiperuricemia extrema, como as associadas a defeitos
enzimáticos herdados, parece que o urato por si mesmo pode ser implicado na gênese da
insuficiência renal.
Cristais obtidos de interstício de rim mostram-se (à análise de difração com RX) ser de
sais de urato e não depósitos de ácido úrico. À microscopia simples estes cristais podem ser
confundidos facilmente com cristais de oxalato de cálcio. Estes últimos tendem a ficar mais na
cortical do rim, em contraste com a localização mais medular dos cristais de urato.

DOENÇAS ASSOCIADAS - Existe um grande número de situações associadas com gota. São elas:

Hipertensão - Está presente em torno de um quarto à metade dos pacientes com gota clássica.
A incidência de hipertensão severa ou moderada não parece estar relacionada com o tempo de
duração da gota, mas a incidência de hipertensão moderada é maior nos pacientes com gota de
início na 2ª década. Hipertensão moderada é, também, mais comum nos indivíduos com
obesidade do que nos sem. O uso de diuréticos retentores de ácido úrico para tratamento de
hipertensão pode ser um agravante da hiperuricemia destes indivíduos.

Obesidade- É uma associação reconhecida de longa data. Fica fácil compreender esta associação
quando se reconhece que a uricemia é proporcional à superfície corporal.

Diabetes mellitus - A associação de diabetes com hiperuricemia (2-50%) é bem mais comum do
que com a gota clínica (0.1- 9%).Quando se estuda a população com gota, encontra-se uma
tolerância anormal à glicose em 7-74%. Talvez a obesidade seja um elemento predisponente
comum às duas situações.

Hiperlipidemia - Hipertrigliceridemia é vista em 75-84% dos gotosos. Esta associação parece se


dever mais aos hábitos de vida do indivíduo do que à predisposição genética.

Aterosclerose-Têm sido feitas várias descrições de associação da hiperuricemia com


aterosclerose. Hiperuricemia tem sido considerado um fator de risco para doença coronariana.
Estas afirmações são controversas. Mesmo que se observe que, mais do que a metade das
mortes em pacientes com gota se deve a acidentes vasculares cerebrais ou a infartos, parte disto
parece se dever às correlações já descritas, tais como hipertrigliceridemia, obesidade, diabetes
e hipertensão.

Outras- Necrose óssea, principalmente em cabeça de fêmur, tem sido encontrada com maior
frequência em pacientes com gota. Em alguns casos esta associação tem sido atribuída a um
alcoolismo concomitante, n’outras à anormalidades do metabolismo das lipoproteinas
(hiperlipoproteinemias tipo 2 e 4) causando embolismo gorduroso com necrose óssea.

Associações negativas - Parece existir uma associação negativa entre gota e outras doenças
reumáticas tais como artrite reumatoide, lúpus e amiloidose. Talvez isto possa ser o reflexo da
disparidade quanto ao sexo e idade de população afetada em cada uma dessas doenças.

CLASSIFICAÇÃO DA GOTA - A anormalidade bioquímica mais evidente da gota é, naturalmente,


a hiperuricemia. Um excesso de ácido úrico no sangue pode se dever a duas condições básicas:
293

excesso de produção e diminuição na excreção ou ainda à combinação de destes dois eventos.


O ácido úrico é formado pela oxidação das bases de purina de origem endógena ou exógena.
Quanto à excreção, 2/3 dela é feita pelo rim e, 1/3 pelo intestino aonde o ácido úrico é destruído
por bactérias produtoras de uricase.
Quando a hiperuricemia se deve a um excesso de produção diz-se que existe uma
hiperuricemia metabólica e, quando se deve a uma diminuição de excreção, diz-se que é uma
hiperuricemia renal. Nem sempre esta divisão é bem evidente e, quando os dois mecanismos
estão operando de maneira conjunta, a classificação obedece ao elemento dominante.
A gota pode ser classificada, também, em primária ou secundária. É dita primária,
quando não se identifica o defeito básico que origina a hiperuricemia. Alguns destes casos têm
base genética, outros não. Gota secundária é aquela que aparece como consequência de outra
doença ou do uso de drogas.

A superprodução de ácido úrico - Um indivíduo é considerado superprodutor de ácido úrico


quando excreta mais do que 600 mg/dia de ácido úrico pela urina, após um período de 5 dias de
dieta com restrição de purina. Este tipo de paciente representa 10% a 15% da população total
de gotosos.Para se entender o mecanismo básico responsável pela superprodução de ácido
úrico deve-se ter uma pequena noção do metabolismo das purinas.
Os nucleotídios purínicos (ácido adenílico ou AMP, ácido inosínico ou IMP e ácido
guanílico ou GMP) são produtos finais da biossíntese das purinas. Eles podem ser produzidos de
2 maneiras:

 a partir de bases purínicas (guanina, xantina e adenina);


 através da chamada “síntese de novo” - ou seja - de precursores não purínicos, os quais,
depois de várias etapas, levam à formação do ácido inosínico (IMP), o qual pode se
converter nas outras purinas (AMP e GMP) e, a partir daí formar o ácido úrico. A taxa de
produção de ácido úrico a partir da síntese de novo depende da quantidade disponível
do substrato PRPP (fosforibosilpirofosfato).

FIGURA 24.6- Síntese do ácido úrico

Já vimos que é a concentração do PRPP que comanda a velocidade de produção


do ácido úrico. Quanto maior a concentração deste substrato, maior é a produção do ácido úrico
e vice e versa. A superprodução do ácido úrico pode ocorrer como uma manifestação de erros
inatos do metabolismo que afetem esta concentração de PRPP, tais como:
• superatividade da PRPP sintetase;
• deficiência de hipoxantina-guanina-fosforibosiltransferase;
294

• deficiência de glicose 6 fosfatase.


A maioria dos casos de hiperuricemia secundária por superprodução de ácido úrico se
deve a um aumento de turnover de ácidos nucleicos. Esta situação é vista em doenças
mieloproliferativas e linfoproliferativas, mieloma múltiplo, policitemia, anemia perniciosa,
ane¬mias hemolíticas, mononucleose infecciosa e alguns carcinomas.
Um aumento no turnover de ácidos nucleicos leva a um aumento compensatório da
síntese de novo de purina.
As causas de aumento de ácido úrico sérico por superprodução do mesmo estão
resumidas no quadro 24.2.

QUADRO 24.2- SUPERPRODUÇÃO DE ÁCIDO ÚRICO


DEFEITOS CONGÊNITOS:
 superatividade da PRPP sintetase;
 deficiência da hipoxantinaguanina fosforibosiltransferase;
 deficiência da glicose 6 fosfatase;
AUMENTO DO TURNOVER DE ÁCIDO ÚRICO:
 neoplasias (Ex: leucoses, mieloma múltiplo, linfomas etc.);
 anemias hemolíticas;
 policitemias;
 psoríase etc.

Excreção reduzida - A grande maioria dos pacientes com hiperuricemia ou gota (em torno de
90% mostram uma deficiência na excreção do ácido úrico. A excreção de uratos depende da
filtração glomerular, e de reabsorção e posterior secreção do ácido úrico pelos túbulos. O ácido
úrico é completamente filtrado no glomérulo e reabsorvido em túbulo proximal (reabsorção
pré-secretória). A secreção ocorre em um segmento posterior do túbulo proximal com
consequente reabsorção parcial em porção distal do túbulo proximal (reabsorção pós-
secretória). Alguma reabsorção existe também em ramo ascendente da alça de Henle e tubos
coletores.
Teoricamente uma excreção alterada de ácido úrico pode ocorrer por diminuição na
filtração glomerular, um aumento na reabsorção e por diminuição na secreção tubular.
Diminuição da filtração do ácido úrico é o mecanismo responsável pela hiperuricemia da
insuficiência renal; gota clínica é rara nesta situação. Na doença policística e na nefropatia por
chumbo existe diminuição na secreção do ácido úrico. O uso de diuréticos é uma causa
importante de hiperuricemia secundária de origem renal. A depleção de volume induzida pelo
diurético leva um aumento na reabsorção do ácido úrico pelo túbulo, assim como, à uma
diminuição na sua filtração glomerular. Existe, também, uma diminuição na secreção tubular.
Outras drogas que levam a hiperuricemia por mecanismos renais são: aspirina em dose
baixa, pirazinamida, ácido nicotínico, etambutol e etanol.
Depleção de volume também está implicada na gênese da hiperuricemia em pacientes
com insuficiência suprarrenal e com diabetes insipidus nefrogênica. Outro mecanismo de
retenção renal de ácido úrico é o de inibição competitiva da secreção de ácido úrico por ácidos
orgânicos (que competem com o ácido úrico porque se utilizam do mesmo mecanismo para
secreção). São exemplos deste tipo de situação: cetose alcoólica, cetoacidose diabética, acidose
láctica, jejum prolongado etc. Hiperparatireoidismo, pseudohipoparatireoidismo e
hipotireoidismo causam hiperuricemia de origem renal embora o mecanismo exato não esteja
claro.
Apesar de se conhecerem todas as causas de hipoexcreção renal, acima expostas, na
grande maioria dos pacientes, não se consegue implicar um único mecanismo ou defeito
genético na sua gênese.

Patogênese da artrite gotosa aguda - O que leva um indivíduo a desenvolver artrite gotosa
depois de, em média, 30 anos de hiperuricemia ainda não está bem conhecido. Acredita-se que
295

a hiperuricemia leve ao desenvolvimento de microtofos nas células sinoviais e nos


proteoglicanos da cartilagem de onde são liberados episodicamente por algum fator como, por
exemplo, microtraumas. Outros fatores já citados anteriormente, tais como uma baixa
temperatura no espaço articular e uma reabsorção desigual da água e do urato do líquido
sinovial favorecem a precipitação do cristal.
Quando existe uma quantidade suficiente de cristais no líquido sinovial, a crise aguda de
inflamação aparece, causada pela fagocitose dos cristais pelos PMNs, com liberação de material
quimiotático. Segue-se ativação do sistema calicreína, do sistema complemento e ruptura dos
lisossomos leucocitários pelos cristais. O achado de cristais em articulações as-sintomáticas
sugere que existam outros fatores moduladores do processo inflamatório além da simples
presença de cristais. Os cristais recuperados do líquido sinovial se apresentam recobertos por
imunoglobulinas principalmente IgG e outros materiais. A carga negativa dos cristais favorece
esta ligação. Se os cristais se ligam com Ig através de sua porção Fab, então a porção Fc está
livre para interagir com receptores de neutrófilos. Esta ligação com IgG facilita a fagocitose do
cristal e aumenta a gênese de radicais superóxidos pelos neutrófilos. Os cristais perfuram
facilmente o sistema vacuolar dos neutrófilos e se liberam no líquido sinovial ficando disponíveis
para uma nova fagocitose. Neutropenia diminui a resposta inflamatória aos cristais, mas não a
abole totalmente.
Cristais de monourato de sódio quando incubados com monócitos liberam IL-1, a qual
parece ser a grande citocina do processo de gota. A formação da IL-1, nestes casos, acontece
por ativação dos inflamossomos, que são plataformas proteicas que existem dentro do
citoplasma celular. A Ativação dos inflamossos leva à liberação de caspases que clivam a pró-
interleucina 1 em interleucina 1. Veja esquema da figura 25.6.

FIGURA 24.6. Ativação do inflamossomo pelo cristal de ácido úrico

A incubação de cristais de urato de sódio com apolipoproteina do soro diminui as suas


capacidades flogísticas in vitro. Material ainda não complemente identificado, liberado das
células lisadas durante o processo inflamatório, inibe a ligação dos cristais com as
imunoglobulinas e a capacidade de os neutrófilos gerarem radicais de oxigênio livre. Isso talvez
possa ser implicado na natureza autolimitada da artrite aguda.
Trauma parece justificar alguns aspectos clínicos, tais como a localização preferencial
das crises em 1ª tarsometatarsiana, um local sujeito a estresse durante a caminhada e que
296

suporta muito mais quilos de peso/cm2 do que qualquer outra articulação do corpo. O trauma
ajudaria os microtofos a "desfolhar" alguns cristais para dentro da articulação.
Uma tendência para a precipitação de cristais em temperaturas mais baixas explica o
aparecimento das crises agudas à noite (pelo resfriamento da articulação com o repouso) e a
tendência da doença para afetar as porções mais periféricas tais como juntas dos pés e lóbulos
de orelha. O calor gerado pelo processo inflamatório pode ajudar no aumento de solubilidade
do cristal e na autolimitação do processo. Mudanças bruscas dos níveis séricos de urato
precedem a crise aguda de gota. Isto faz com que elas apareçam precocemente no curso do
tratamento com drogas hipouricemiantes ou mesmo após o uso de outras drogas que modificam
o nível sérico dos uratos tais como: tiazídicos, fursemida e ácido etacrínico.

ACHADOS LABORATORIAIS- Demonstração de cristais de monourato de sódio em líquido


sinovial é considerada mandatória para estabelecimento do diagnóstico definitivo de gota. Estes
cristais são formações em agulha, que ao microscópio com luz polarizada, apresentam
birrefringência negativa (fortemente amarelados). O líquido sinovial mostra entre 2.000 a
75.000 cél/mm3 e contém, predominantemente, neutrófilos. Se a concentração de células e
cristais for muito alta, o aspecto pode ser opaco. Entretanto, deve se ter em mente que gota
pode coexistir com infeção. Na dúvida, é sempre prudente obter esfregaços e culturas do líquido
sinovial. A dosagem de ácido úrico sérico é de valor limitado. Ele pode ser normal durante o
ataque de crise aguda, embora na maioria dos pacientes ele será elevado em algum tempo de
sua vida. Alguns pacientes têm hiperuricemia e não têm gota. A dosagem de 24 h. de ácido úrico
na urina é importante para se avaliar o risco de cálculos renais e para a escolha da terapêutica
hipouricemiante. Outros testes laboratoriais que devem ser feitos são os dirigidos para
eventuais doenças associadas tais como: hipertrigliceridemia, insuficiência renal, e diabetes.
Achados radiológicos não são diagnósticos na fase inicial da doença, demonstrando
apenas aumento de partes moles. Sua maior importância é excluir outras doenças. Na doença
crônica, as erosões ósseas são arredondadas com uma margem esclerótica. Estas erosões
podem ser intra-articulares ou periarticulares e uma fina margem de osso é, frequentemente,
vista nas bordas (bordo over hanging). Os espaços articulares estão, em geral, bem preservados.
Tofos tendem a produzir um edema de partes moles e podem se calcificar.

TRATAMENTO - O tratamento da gota é determinado pelas manifestações clínicas que o


paciente apresenta. Os propósitos da terapêutica são:
• - terminar o ataque de gota aguda;
• - prevenir a recorrência dos ataques;
• -reverter e prevenir complicações da doença, principalmente os tofos e a
doença renal incluindo cálculos.
Naturalmente que, condições associadas como hipertensão, obesidade e diabetes
também devem ser atendidas.

Tratamento da crise aguda - A crise aguda deve ser tratada com agentes anti-nflamatórios tais
como colchicina e AINHs. Tratamento com colchicina é feito com a administração de 0,5 mgde
8/8h. É um tratamento efetivo, desde que instituído precocemente. 75% dos pacientes
melhoram em 12 horas, se o tratamento for iniciado em até 12 horas após o início do ataque
agudo. Se for dado nas primeiras horas, a resposta é ainda melhor. Entretanto, muitos pacientes
são incapazes de toleraromedicamento que pode causar efeitos colaterais gastrintestinais (dor
em cólica, diarréia, náusea e vômito)
AINHs são efetivos no controle da doença ativa. Estas drogas são, em geral, utilizadas
dentro de sua dosagem máxima e somente pelo período em que perduram os sintomas. Para
melhorar a resposta terapêutica, o paciente deve ser instruído a utilizar a droga assim que sinta
os pródromos da doença.
297

Glicocorticoides locais ou sistêmicos estão indicados em casos refratários à terapêutica


convencional. Seu uso, entretanto, costuma levar à dependência e é causa frequente de sérios
efeitos colaterais.

FIGURA 24.7- Achados de imagem em paciente com gota. Erosões com borda
“overhanging”ou borda parcialmente íntegra. Depósito de cálcio sobre os tofos.

Profilaxia do ataque agudo - Uma vez resolvido o episódio agudo, uma série de medidas podem
ser tomadas para prevenir a recorrência do mesmo:
 redução de peso do paciente obeso;
 evitar fatores precipitantes tais como consumo de álcool e dieta rica em purinas;
 uso profilático de colchicina ou AINHs diário;
 uso de medicação hipouricemiante.
298

O uso diário de colchicina é feito na dose de 1 a 2 cp/dia e só previne a ocorrência de


ataques agudos de artrite. Não evita as outras manifestações da gota. Seu uso é particularmente
útil durante o período inicial em que se institui a medicação hipouricemiante.

Tratamento da hiperuricemia - Existe uma grande diversidade de opiniões quanto a questão do


tratamento da hiperuricemia no paciente com gota. Não existem dúvidas de que a medicação
hipouricemiante previne e até reverte a deposição de uratos. A dúvida que existe é, se os
depósitos de urato em articulações, rins e outros tecidos são causa de dano significante se não
forem tratados adequadamente. É controverso o fato de a doença renal ser causada pela
hiperuricemia não controlada. Certos autores sugerem que a hipertensão, doença vascular e
diabetes associadas são os verdadeiros elementos responsáveis por esta lesão. Mesmo no que
concerne à articulação, a situação é debatida. Entre o 1º ataque de gota aguda e o aparecimento
de tofos visíveis decorre, em média, 11,7 anos, segundo HENCH. Por outro lado, existe a idéia
de que, se o cristal chega na articulação para causar a artrite aguda, o faz a partir de microtofos
depositados no tecido sinovial ou na cartilagem. Desta maneira pode-se pensar que, mesmo no
primeiro ataque de gota aguda, já deve existir deposição silente de cristais em vários outros
pontos do organismo.
Parece razoável tratar somente os pacientes que tenham dificuldade no manejo das
crises de gota recorrente, os com tofos visíveis, pacientes com evidência de superprodução de
ácido úrico e com risco de formação de tofos e cálculos e os com cálculos recorrentes (de ácido
úrico e de oxalato de cálcio).Tratar todos os pacientes com agentes hipouricemiantes a partir do
início da doença ainda é considerado inapropriado dados os efeitos colaterais dessas
medicações. Todavia esta é uma afirmação que está tendendo a mudar uma vez que o papel
do ácido úrico como fator de risco para doença cardiovascular está sendo esclarecido.

A meta do tratamento hipouricemiante é manter o acido úrico abaixo de 6 mg/dL em


casos mais brandos e abaixo de 5 mg/dL em casos de gota tofácea.

Quanto mais baixo o ácido úrico sérico mais facilmente os tofos são reabsorvidos.
As drogas uricosúricas agem, em geral, por uma interferência com a reabsorção tubular
do ácido úrico filtrado. As principais drogas são a narcaricina e o probenecide. Estas drogas são
relativamente efetivas e a maioria das falhas resulta da pobre aderência ao tratamento por parte
do paciente, uso concomitante de aspirina e função renal prejudicada. Aspirina, em qualquer
dose, bloqueia o efeito uricosúrico do probenecide e da sulfinpirazolona. Estes dois agentes
começam a perder sua efetividade quando a depuração de creatinina cai abaixo de 80 ml/min e
são totalmente ineficazes abaixo de 30 ml/min.
O início gradual da terapêutica uricosúrica é utilizado na tentativa de se evitar a
formação de cálculos renais. Outras medidas preventivas neste sentido são manter uma
hidratação adequada e a urina alcalinizada através do uso de bicarbonato ou de acetazolamida.
O candidato ideal para o uso de uricosúricos está abaixo dos 60 anos, com função renal normal,
sem história de cálculos renais e com excreção renal de ácido úrico abaixo de 700 mg/dia.
O lesinurade é um novo medicamento uricosurico bastante potente mas ainda não
disponível no Barsil. Outras drogas com efeitos uricosúricos são os inibidores do receptor da
enzima de conversão de angiotensina (losartam) e o fenofibrato (droga usada para tratamento
de dislipidemias). Estas não são usadas primáriamenre para tratar gota, mas podem ser úteis e
auxiliar a diminuir o ácido úrico quando usadas para tratar comorbidades como hipertensão e
hipertrigliceridemia.
A hiperuricemia também pode ser controlada pelo uso de alopurinol que é um inibidor
da síntese de ácido úrico. O alopurinol inibe a enzima xantina oxidase que catalisa a oxidação de
hipoxantina para xantina e de xantina para ácido úrico. O alopurinol tem uma vida média só de
2-3 horas mas é metabolizado para oxipurinol, que também é inibidor da xantina oxidase, o qual,
299

por sua vez, tem meia vida de 18-30 horas. Na maioria dos pacientes 300 mg é uma dose efetiva,
a qual pode ser administrada em uma única dose/dia graças à meia vida prolongada do seu
metabólito. Uma vez que o oxipurinol é excretado pelo rim, a toxicidade da droga aumenta em
pacientes com insuficiência renal, devendo ser reduzida pela metade em pacientes com
disfunção significante deste órgão. Efeitos colaterais do alopurinol incluem: náuseas, necrólise
tóxica da epiderme, alopecia, supressão de medula óssea, hepatite, icterícia e vasculite. A
incidência de efeitos colaterais chega a ser em torno de 20%, mas só 5% dos pacientes chegam
a necessitar que a droga seja suspensa. A síndrome de hipersensibilidade ao alopurinol que é
uma reação imunológica à droga e que se caracteriza por febre, eosinofilia, leucocitose,
alterações em função renal e uma grande variedade de rashes cutâneos (eritema multiforme,
rashes máculo-papulares, epidermólise bolhosa tóxica e rash exfoliativo), leva à morte em 27,5%
dos casos. Pacientes com insuficiência renal ou em uso de diuréticos parecem estar predispostos
à ocorrência destes efeitos colaterais. A introdução gradativa deste medicamento, em doses a
partir de 100mg/dia com aumento subsequente parece ajudar a evitar a hipersensibilidade.
É importante ressaltar algumas interações de drogas envolvendo o alopurinol. Ele
prolonga a meia vida da mercaptopurina e azatioprina e aumenta a toxicidade da ciclofosfamida.
Embora a frequência de efeitos colaterais seja mais ou menos similar para pacientes usando
drogas uricosúricas ou alopurinol, as reações tóxicas à este último costumam ser mais graves.
Por isso quando se torna necessário baixar o nível sérico do ácido úrico deve se dar preferência
aos uricosúricos. Quando o paciente está excretando grandes quantidades de ácido úrico, ou
seja, tem o risco de desenvolver cálculos, então a preferência é dada ao alopurinol. Indicações
para o uso de alopurinol, portanto, incluem: aumento de excreção de ácido úrico urinário;
nefrolitíase por ácido úrico; prejuízo de função renal com clearence abaixo de 80 ml; gota
tofácea; gota não controlada pelo uso de uricosúricos ou intolerância ao uso de uricosúricos.
Alopurinol e drogas uricosúricas podem ser usadas simultaneamente em casos
especiais. Esta combinação não exige alteração na dose de qualquer dos medicamentos e os
efeitos terapêuticos se somam.
Uma vez que a artrite gotosa aguda pode ocorrer toda vez que existem flutuações nos
níveis de ácido úrico, o início da terapêutica hipouricemiante pode precipitar crises de gota
aguda. Por esta razão é prudente começar com colchicina profilática antes do início da
terapêutica hipouricemiante e continuar até que o ácido úrico sérico esteja em níveis normais
e, em pacientes tofáceos, até que aos tofos estejam resolvidos. Existe quem recomende um
período de espera de 15 a 21 dias entre a resolução de uma crise aguda e a instituição do
tratamento hipouricemiante.
Existem outras medicações para tratamento da gota,: a uricase e febuxostate. A
primeira é uma enzima que transforma ácido úrico (que é um composto insolúvel) em alantoína
(que é um composto solúvel) e que existe normalmente em mamíferos menos desenvolvidos
que o homem. O febuxostate é outro inibidor da síntese de ácido úrico (também inibe a xantina
oxidase), já existe para ser utilizado em nosso meio, todavia seu custo ainda é alto.

Medidas dietéticas - Muita atenção tem sido prestada à dieta dos pacientes com gota. Restrição
do uso de álcool é, com certeza, benéfica, uma vez que, na situação aguda, a hiperlactacidemia
aumenta o ácido úrico por interferência com excreção renal. Cronicamente, o álcool leva à um
aumento na produção das purinas. O vinho e a cerveja parecem ter um teor mais alto de purina
que os outros tipos de bebida. Os demais alimentos podem ser classificados em:

 com alto teor em purina: frutos do mar, vísceras de animais (fígado, coração, rins, etc...),
carne de aves como faisão, peru e pombos , extratos de carne, fermento etc...
 com um moderado teor de purina: aspargos, carne de gado, de coelho, galinha e de
porco, caldos de carne, presunto, lentilhas, feijão, ervilhas, espinafre, cogumelos etc...
300

 com teor insignificante de purina: café, sucos, chocolate, chá, margarina e manteiga,
pão, cereais e seus produtos, queijos, ovos, frutas de todos os tipos, leite e seus
produtos, vegetais (exceto os constantes na lista anterior) e castanhas.
Restrição dietética rígida de purinas é importante para os pacientes com gota grave,
tofácea e/ou com insuficiência renal, mas a maioria dos pacientes gotosos não se beneficiam
de muito rigor na dieta. Uma dieta com redução moderada no teor de purina reduz o ácido úrico
sérico em até 1 mg%. A proibição do uso de álcool parece ser uma medida mais razoável, uma
vez que esta precaução poderá diminuir a concentração de ácido úrico sérico em até 3 mg%. Na
prática, no entanto, é algo muito difícil de ser conseguido. É natural que, restrições dietéticas
impostas por doenças associadas tais como diabetes, hipertensão e obesidade, devam obedecer
aos padrões próprios do tratamento destas doenças.

Hiperuricemia assintomática - Existe muita controvérsia quanto ao manejo do paciente com


hiperuricemia assintomática. Sabe-se que estes pacientes têm um risco aumentado para
desenvolver gota e nefrolitíase; existe a sugestão de que desordens associadas com a
hiperuricemia tais como doença coronariana, insuficiência renal crônica ou obesidade possam
ser influenciadas pelo controle do nível sérico dos uratos. O problema é com os efeitos colaterais
dos medicamentos hipouricemiantes.
O risco do desenvolvimento de gota é diretamente proporcional ao grau de elevação do
ácido úrico sérico. Existe, de maneira geral, um intervalo de 20 a 25 anos de hiperuricemia antes
que ocorra o primeiro ataque de gota. Um ataque de gota aguda, embora seja uma situação
bastante dolorosa, não envolve sérios riscos e é facilmente tratável. O risco de nefrolitíase está
mais ligado à excreção urinária de ácido úrico do que à uricemia em si. Calcula-se que 50% dos
pacientes com excreção urinária de ácido úrico maior do que 1.100 mg/dia desenvolverão
cálculos renais. Nestes pacientes preconiza-se o uso de alopurinol para proteção contra a
urolitíase. Nos outros indivíduos assintomáticos, os riscos do tratamento parecem ser maiores
do que os benefícios que ele possa vir a trazer.
Transcrevemos abaixo um quadro com algumas recomendações para o tratamento da
gota, que parece conter os tópicos principais a serem atendidos.

QUADRO 24.3- RECOMENDAÇÕES PARA O TRATAMENTO DA GOTA


SITUAÇÃO TRATAMENTO SUGERIDO
Gota aguda AINH, colchicina
Gota aguda resistente AINH, colchicina e corticosteroides
Profilaxia de gota aguda Colchicina oral, AINH
Hiperuricemia assintomática Sem tratamento
Gota não tofácea Sem tratamento; elimine fatores de risco,
Gota tofácea Alopurinol ou febuxostate, drogas uricosúricas, colchicina oral;
Hiperuricosúria, cálculos Alopurinol ou febuxostate, hidratação. Acetazolamida (para
renais e nefropatia por gota alcalinização da urina)

A respeito de gota e uso de diuréticos - Hiperuricemia é um achado bem comum em pacientes


tratados com diuréticos tiazídicos e diuréticos de alça. Estas drogas diminuem a excreção do
urato por aumentar a sua reabsorção e por diminuir a secreção renal do mesmo. O grau de
retenção dos uratos é dose dependente. Por exemplo, ela não acontece em doses de 12,5 mg
de hidrocloriazida, mas é vista quando a dose usada é de 50 mg/dia. A ocorrência de gota clínica
não é comum, a menos que o pacientes tenha outros fatores de risco para tal. Se o paciente tem
gota e hipertensão (o que é muito comum) é útil tratar a hipertensão com inibidor de receptor
de angiotensina-2 (losartana) ao invés de diuréticos, porque este primeiro tem propriedades
uricosúricas, como já foi comentado.
301

DOENÇA POR DEPÓSITO DE PIROFOSFATO DE CÁLCIO (DDPCA)

Chama-se doença por depósito de pirofosfato de cálcio (DDPCa) a um conjunto de


situações patológicas causadas pela deposição de cristais de pirofosfato de cálcio em
articulações e em tecidos periarticulares. A doença por deposição de pirofosfato de cálcio é
conhecida, erroneamente, por pseudogota ou por condrocalcinose. Pseudogota é apenas uma
de suas formas de apresentação a qual será estudada mais tarde e condrocalcinose refere-se à
tradução anátomo patológica ou radiológica da doença.
Como será visto mais adiante, a doença por depósito de pirofosfato de cálcio é uma
“doença sem personalidade”, mimetizando várias das outras entidades reumáticas, e, exigindo,
por parte do médico, certa perspicácia para não ser confundido no diagnóstico.

PATOGÊNESE - Os cristais de pirofosfato de cálcio depositam-se na cartilagem articular, na


sinóvia, ligamentos periarticulares e tendões. Isto acontece em 10-15% das pessoas entre 65 a
75 anos de idade e em 30 a 60% acima de 85 anos. A deposição deste cristal nem sempre é um
processo sintomático. Alterações bioquímicas e/ou estruturais relacionadas com a idade
favorecem a deposição deste cristal, como por exemplo:
 aumento na produção de pirofosfatos inorgânicos e diminuição dos níveis de
pirofosfatases da cartilagem articular;
 diminuição das glicoproteínas da cartilagem que servem normalmente para inibir e
regular a nucleação dos cristais e, que também impedem que os mesmos provoquem
liberação de enzimas proteolíticas pelos neutrófilos.
Um grupo de indivíduos com doença por depósito de pirofosfato de cálcio têm
anormalidades mecânicas e metabólicas, sugerindo que estes tipos de anormalidades
favorecem a deposição do cristal. Veja-as no quadro 24.4. A deposição deste cristal parece estar
facilitada por anomalias do tecido conjuntivo e pela frouxidão dos ligamentos o que, por sua
vez, favorece o aparecimento de alterações tróficas na cartilagem. Isto é visto comumente em
casos de síndrome de hipermobilidade articular. No caso de hemocromatose e do
hiperparatireoidismo, o mecanismo é multifatorial e a correção destas doenças não influi na
evolução da doença por depósito de pirofosfato de cálcio. Na amiloidose acredita-se que a
síntese de glicosaminoglicanos está aumentada pelas fibrilas de amilóide e é este material
amilóide que concentra cálcio, pirofosfato e análogos.

QUADRO 24.4 - CONDIÇÕES ASSOCIADAS A DDPCa


 Hipotireoidismo  Hemossiderose
 Hiperparatireoidismo  Gota
 Hemocromatose  Hipofosfatasia
 Hipermobilidade articular  Hipomagnesemia
 S.índrome de Bartter  Doença de Wilson
 Ocronose  Amiloidose

Deve-se desconfiar da existência de uma doença subjacente toda vez que a DDPCa
aparecer em um indivíduo com menos que 50 anos. Já no indivíduo mais idoso esta
concomitância é rara e, por isso, não vale a pena ficar procurando uma eventual doença
associada escondida. Existem, também, formas hereditárias da DDPCa, cujo mecanismo
permanece desconhecido. Outra situação que é encontrada comumente com a DDPCa é a
osteoartrite. Se isto é causa, consequencia ou simplesmente coincidência de doenças que
incidem numa mesma faixa etária, é questão de discussão.
O local inicial de depósito do cristal de pirofosfato de Ca é, provavelmente, a cartilagem
articular. Articulações contendo fibrocartilagem são as preferidas. Os ninhos iniciais aparecem
302

em volta da lacuna dos condrócitos. Por um motivo qualquer, o cristal da fibrocartilagem se


desprende e descama para dentro da cavidade articular. Uma vez liberado, este cristal é
recoberto por proteínas, principalmente por IgGs, o que favorece a sua fagocitose por
polimorfos e mononucleares. A fagocitose, por sua vez, acaba em ruptura do sistema vacuolar
da célula com liberação de substâncias inflamatórias que promovem a artrite.
O processo inflamatório se perpetua porque os neutrófilos destruídos no processo de
fagocitose liberam uma glicoproteina que é quimiotática para outros neutrófilos. Cria-se assim
um circulo vicioso de retroalimentação positiva.
Quais seriam os eventos iniciais capazes de promover a injeção de cristais para dentro
da cavidade articular, começando, assim, todo o processo ? Aqui estão alguns deles:
 ruptura mecânica da arquitetura cartilaginosa, em geral secundária a colapso de
trabéculas de osso subcondral. Este mecanismo é válido para casos associados com
alterações neuropáticas;
 liberação dos cristais por digestão enzimática da matriz onde eles estão contidos. Este
mecanismo explica casos associados com gota, artrite séptica e osteoartrite;
 queda do nível sérico de cálcio. Isto levaria a uma dissolução de cristais de pirofosfato
de cálcio, podendo promover a sua liberação do molde cartilaginoso. Este seria o
mecanismo implicado na ocorrência de artrite por depósito de pirofosfato de cálcio em
pacientes em pós-operatório e após situações de estresse;
 em pacientes hipotireoideos é comum o aparecimento de crises de artrite quando se
inicia reposição hormonal. Parece que isto se deve a um amolecimento do molde
cartilaginoso que leva à liberação dos cristais.

CLÍNICA - As formas clínicas da doença por depósito de pirofosfato de cálcio podem ser
classificadas em :
a) pseudo-gota;
b) pseudo-artrite reumatóide;
c) pseudo-osteoartrite com ataques agudos superimpostos;
d) pseudo-osteoartrite sem ataques agudos;
e) formas pseudo-tabéticas;
f) formas assintomáticas.
A forma de pseudo-gota acomete predominantemente homens e os ataques podem se
seguir a situações de estresse agudo como, por exemplo, uma cirurgia, trauma ou doença grave.
Cursa com ataques agudos ou subagudos, autolimitados em 1 a 28 dias, que podem ser tão
intensos quanto os de gota. Entre as crises o paciente é assintomático. Na crise, ou uma única
articulação está afetada (e, na metade dos casos, é o joelho) ou a inflamação pode ser mais
patente numa articulação-mãe, espalhando-se, a partir daí, para as articulações-filhas. Em 10%
dos casos existe envolvimento da primeira carpometacarpiana como na podagra. As crises não
deixam deformidade ou apenas deformidades leves. Pode ocorrer febrícula e aparecer
leucocitose. Muitos pacientes apresentam pequenas crises subclínicas (chamadas de petite)
entre as crises graves, as quais se traduzem por uma mera rigidez transitória e dolorimento
articular. Esta forma de pseudogota pode ter, em torno de 20% dos casos, hiperuricemia. Em
5% dos casos, existe gota verdadeira superimposta, a qual provavelmente é uma doença
subjacente, que está predispondo ao depósito do pirofosfato de cálcio.
Na forma de pseudoartrite reumatoide existe envolvimento de múltiplas articulações
com alguma rigidez matinal. As crises de artrite vão de um até vários meses. Em torno de 10%
destes pacientes têm látex positivo em baixos títulos, o que pode auxiliar a promover confusão
no diagnóstico. Podem existir deformidades as quais, diferentemente da artrite reumatoide
legítima são, em geral, por contraturas em flexão. Os punhos, metacarpofalangianas, cotovelos,
ombros e joelhos estão envolvidos de maneira mais assimétrica do que na AR. É uma forma mais
rara.
303

Na forma de pseudo-osteoartrite o envolvimento é bilateral, simétrico, com


deformidades em varus e contraturas em flexão. O joelho é a articulação mais afetada, seguida
de punhos, e metacarpofalangianas. A diferença entre as formas com ataques agudos
superimpostos ou não, é óbvia.
As formas assintomáticas são diagnosticadas por achados radiológicos de
condrocalcinose. Por último, as formas pseudotabéticas, se caracterizam por uma destruição
importante da articulação e são mais comuns em joelhos. Existem indivíduos com predisposição
familiar para D.D.P.Ca.
Depósitos de pirofosfato de cálcio em coluna vertebral podem se associar a achados
neurológicos. Existe um a síndrome causada pelo depósito destes cristais em volta do processo
odontoide da segunda vértebra cervical associada a dor no pescoço, rigidez da coluna e febre
simulando meningite. A tomografia mostra o depósito de material calcificado em volta do dente,
o que é conhecido como sinal do dente coroado. O ligamento amarelo é outro local de depósito
destes cristais, principalmente na região cervical.

DIAGNÓSTICO - O diagnóstico pode ser feito por análise do líquido sinovial ou por estudos
radiológicos. O líquido sinovial, nestes casos, é do tipo inflamatório com glicose normal. A
presença do cristal na análise ao microscópio com luz polarizada confirma o diagnóstico. Os
cristais de pirofosfato são romboédricos e com birrefringência fracamente positiva. Estes cristais
são encontrados intracelularmente ou formando grumos. A análise radiológica pode ajudar no
diagnóstico com 2 tipos de achados: (a) o de condrocalcinose; (b)-achados semelhantes aos de
osteoartrite ou de destruição pseudo-tabética. A condrocalcinose é visualizada como
calcificações formando linhas delicadas, porém bem definidas, que ficam paralelas à superfície
do osso subcondral quando o depósito acontece em cartilagem hialina. Se o depósito é em
fibrocartilagem o aspecto é mais granular. Os locais onde são encontrados com maior
frequência são: ligamento triangular do punho, meniscos do joelho e sínfise púbica. Portanto,
na suspeita da doença por depósito de pirofosfato de cálcio, o conjunto de radiografias a ser
pedido (e que tem a maior chance de mostrar condrocalcinose) é o de punhos, joelhos e sínfise
púbica.

A B
FIGURA 24.8 - Achados radiológicos de doença por depósito de pirofosfato de cálcio: (A)
condrocalcinose de menisco; (b) osteófitos “ganchosos” nas metacarpofalangianas.

Podem aparecer também calcificações em disco intervertebral, mas estas, por serem
muito tênues, são difíceis de serem demonstradas pelas técnicas radiológicas comuns. Quando
estas calcificações aparecem com muita facilidade, ou seja, são bastante densas, deve-se
levantar a suspeita de ocronose. Calcificações também são vistas em sinóvia, cápsula articular,
304

inserção de tendões e bursas. Se a calcificação acontece em tendões, tende a ser mais linear e
mais extensa do que as causadas por hidroxiapatita.
No segundo grupo de manifestação radiológica estão os achados semelhantes aos de
osteoartrite e de pseudotabes. Os achados semelhantes aos de osteoartrite apenas diferem dos
de osteoartrite primária nos seguintes pontos: (a)- envolvimento de ossos do carpo, cotovelos
e articulações metacarpofalangianas que são locais raramente atingidos pela osteoartrite
primária; (b)- uma ocorrência muito grande de cistos subcondrais, de osteoartrite patelofemoral
e fraturas do osso trabecular. As fraturas são consequências dor enrijecimento da cartilagem
pelo mineral; (c)- aparecimento de uns osteófitos peculiares, em gancho, em os-sos
metacarpianos. Além disto, é comum que os achados sejam graves, chegando a simular os de
juntas neuropáticas (pseudotabes).

TRATAMENTO - Os ataques agudos são tratados com aspiração do líquido sinovial e corticoides
intra-articulares. A simples retirada dos cristais pela aspiração do líquido sinovial é benéfica (por
remoção da glicoproteina liberada pelos neutrófilos que, por ser quimiotática para outros
neutrófilos, faz a amplificação do processo inflamatório). Pode-se utilizar anti-inflamatórios não
hormonais e colchicina, nos mesmos moldes da gota. Pacientes com alterações pseudo-
tabéticas podem se beneficiar de prótese articular.

Leitura complementar 24.1 - Outras artropatias por depósito de cristal

ARTROPATIA POR DEPÓSITO DE HIDROXIAPATITA

Hidroxiapatita de cálcio é o mineral encontrado nos ossos e nos dentes. Este material se
acumula em tecidos danificados (calcificação distrófica) e, em tecidos moles, em situações de
hipercalcemia, hiperparatireoidismo e insuficiência renal, quando o produto cálcio x fósforo está
aumentado (calcificação chamada de metastática). Além disto, este cristal pode se depositar em
tendões e bursas em locais submetidos a estresse mecânico repetitivo. Este cristal é achado em
praticamente todas as articulações afetas por osteoartrite e acredita-se que ele seja oriundo do
osso exposto ou de tecido sinovial metaplásico.
Nas articulações encontramos, basicamente, 2 tipos de comprometimento: um agudo e
outro crônico. O comprometimento do tipo agudo, geralmente acontece em locais já afetados
por osteoartrite, quando este cristal pode se desprender das superfícies ósseas expostas (por
ex: nos nódulos de Heberden que passam a ser nódulos "quentes"). O outro tipo, crônico e
destrutivo, cursa com depósitos maciços em tecidos articulares e periarticulares. É esta
deposição nas estruturas periarticulares que causa uma frouxidão nos elementos de suporte,
permitindo a instabilidade e a deformidade. A forma crônica é particularmente comum em
joelhos e ombros. No ombro pode tomar o aspecto de uma artrite bastante destrutiva associada
à destruição do manguito rodador e que recebe o nome especial de ombro de Milwaukee.
O diagnóstico é sugerido por achados radiológicos de calcificação intra e/ou
periarticular, com ou sem erosões, associados a achados de osteoartrite. Quando acontecem
em tecidos moles, estas calcificações tendem a ser mais densas e mais globulares que as de
pirofosfato de cálcio. O líquido sinovial mostra uma contagem variável de leucócitos (menos do
que 1.000/mm3 nos casos mais indolentes até contagens características de um líquido
inflamatório nos casos mais agudos). Nos casos de artropatia destrutiva o líquido pode ser
hemorrágico.
O diagnóstico definitivo depende da identificação do cristal em líquido sinovial o qual é
visto à microscopia ótica, em grumos fagocitados por células mononucleares Entretanto, a
identificação completa só pode ser feita pela microscopia eletrônica ou através de difração por
305

RX. Quando existem depósitos de hidroxiapatita muito extensos é interessante analisar níveis
de cálcio e fósforo, a procura de um distúrbio metabólico associado.
O tratamento é inespecífico. Os ataques de sinovite aguda tendem a ser autolimitados
e respondem a uso de AINHs e/ou infiltração local de glicocorticoides. Em pacientes com doença
crônica, o tratamento é mais difícil.

ARTROPATIA POR CRISTAIS DE OXALATO DE CÁLCIO

Aumento da produção de ácido oxálico pode ser vistos em oxalose primária que é uma
doença metabólica congênita ou, mais comumente, em casos secundários. São causas de
oxalose secundárias:
• deficiência na excreção:- como é o caso de pacientes com insuficiência renal crônica
recebendo suplementos de ácido ascórbico. Neste caso, o ácido ascórbico se metaboliza em
oxalato o qual é removido de maneira incompleta pela diálise.
• por um aumento na absorção, o que é visto em pacientes com ressecção intestinal ou
em casos de doença inflamatória do intestino,
• dieta muito rica em oxalatos. Alimentos ricos em oxalatos são o ruibarbo e aqueles
contendo ácido ascórbico e etilenoglicol.
Estes cristais se depositam em vários órgãos e tecidos e também nas articulações. Nas
articulações têm sido encontrados na cartilagem, na sinóvia e em tecidos periarticulares, de
onde podem se desprender e causar sinovite aguda. É típica a ocorrência de artrite aguda
simétrica de articulações interfalangianas e metacarpofalangianas com ou sem tenossinovite,
associada a calcificação vascular e a depósitos miliares nos dedos. Outros pacientes podem ter
artrite aguda ou crônica de grandes articulações. Análise do líquido sinovial demonstra um
líquido do tipo não inflamatório com predominância de células do tipo mononuclear ou
polimorfonucleares. O cristal tem um formato bipiramidal e forte birrefringência positiva.
Tratamento é feito com AINHs, colchicina e corticoides intra-articulares.
A deposição em outros tecidos pode ser causa de miocardiopatia, bloqueios cardíacos,
calcificação em pele, calcificação vascular (o que pode resultar em tromboses graves), depósitos
em córnea e retina.

Referências:

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hyperuricaemia and gout. J Hypertens 2001; 19:1855.
306
Artrite Séptica: invasão bacteriana no espaço da articulação

Capitulo 25 - Artrites sépticas

É interessante notar que, apesar de todo o progresso da farmacologia e advento de


antibióticos potentes, as artrites sépticas continuam existindo em grande quantidade nas
últimas décadas. O que se nota, com o passar do tempo, é apenas uma mudança dos agentes
patogênicos envolvidos e do tipo de indivíduos acometidos. O principal problema neste grupo
de doenças é a demora no diagnóstico, o que acaba por reduzir as chances de uma boa
recuperação articular. É necessário que o médico atendente esteja alerta para esta
possibilidade, principalmente ao manejar pacientes imunodeprimidos.
De uma maneira geral, as artrites infecciosas se manifestam como monoartrites
que acometem articulações que sustentam peso (joelho e quadril). Não se pode esquecer
também, que artrites sépticas podem se assentar sobre outra doença reumática, como
p. ex. lúpus ou artrite reumatoide, o que dificulta ainda mais o diagnóstico. Por isso, toda
vez que um indivíduo se apresentar com monoartrite e se o diagnóstico não estiver bem
evidente é prudente puncioná-lo, mesmo que o resultado venha a ser negativo. O líquido
aspirado deve ser mandado para análise, com ênfase na contagem de células, dosagem de
glicose, bacterioscopia e cultura. O uso de lidocaína como anestésico deve ser evitado
nesta situação, visto que este agente é bacteriostático e pode impedir o crescimento
microbiano, impossibilitando a identificação do agente causal.
Quando um paciente tem artrite reumatoide e desenvolve uma artrite séptica super
imposta é comum que a articulação afetada apresente mais inflamação que as demais, em
descompasso com a atividade inflamatória geral. Atualmente com a proposta de tratamento
mais agressivo para AR, com muito mais imunossupressão, estas complicações parecem se
tornar mais comuns. Pacientes com AR nos quais se superpõe artrite séptica são aqueles cuja
AR é mais grave e o índice funcional é pior. Se isto reflete uma predisposição causada pela
doença em si ou pelo tratamento usado nestas condições, é fato desconhecido.
Praticamente qualquer agente infeccioso pode causar artrite séptica. As infecções
bacterianas costumam ser preocupantes, por causa de seu alto poder de destruição. O agente
bacteriano mais comum, em casos de artrite não gonocócica é o Staphylococcus aureus.
Uma bactéria pode chegar a uma articulação de várias maneiras. A via sanguínea é a
mais comum, graças ao fato de a membrana sinovial ser uma estrutura bastante vascularizada
e não possuir uma membrana basal limitante. Uma vez que a infecção é semeada dentro do
espaço articular fechado, senão houver resistência adequada do hospedeiro, acontece a
infecção. Inoculação direta pode acontecer em feridas abertas e infectadas, punções feitas sem
a devida assepsia ou durante injeções intra-articulares de corticoide. Todavia é rara a ocorrência
de artrite séptica como contaminação de uma injeção intra-articular, desde que se respeitem as
regras de assepsia. Estima-se que esta possibilidade está em torno de 1/500 até 1/5.000
injeções. Não se deve esquecer que indivíduos com um foco infeccioso à distância também
estão predispostos a infectar uma articulação que foi previamente injetada com corticoide. Isto
acontece porque as defesas locais ficam prejudicadas e, ao ocorrer bacteremia, o micro-
organismo pode se deter na articulação. Uma terceira possibilidade é a de a bactéria contaminar
a articulação por via contígua, oriunda de um foco de osteomielite. Esta última via é mais comum
em crianças, porque nelas a placa metafisária é perfurada por vasos sanguíneos que fazem uma
ligação entre diáfise e epífise, facilitando assim a disseminação microbiana.
Assim que a bactéria chega na articulação ocorre congestão e infiltração por
polimorfonucleares e as células sinoviais procuram engolfar o micro-organismo. A membrana
sinovial se hipertrofia e o acesso de grande número de células inflamatórias pode levar à
formação de abscessos e coleção sinovial purulenta. Com o decorrer do tempo forma-se tecido
de granulação. O grau destas alterações está na dependência da virulência da bactéria e do
número das mesmas que têm acesso à articulação. Na cartilagem, os primeiros elementos a
sofrer degradação são os glicosaminoglicanos. O colágeno é mais resistente. Em 48 horas, o
307

conteúdo de glicosaminoglicanos fica reduzido em 20-40%; depois de 3 semanas este conteúdo


se reduz ainda mais, em 60 a 70%. Só aí começa a destruição do colágeno. O mecanismo exato
da destruição da cartilagem não está claro. Parece que, além dos efeitos danosos diretos da
bactéria, as enzimas endógenas provenientes de condrócitos também desempenham um papel
significativo. Se o processo não for tratado antes que ocorra perda de colágeno e morte do
condrócito, ocorre dano permanente à cartilagem, levando a osteoartrite secundária.
No estudo das artrites sépticas bacterianas costuma-se fazer a diferenciação das
mesmas em dois grupos: o das artrites gonocócicas e o das não gonocócicas. Cada um destes
grupos tem comportamento e prognóstico diferentes. As artrites não gonocócicas eram,
antigamente, doenças que afetavam as crianças. Hoje em dia, com advento de medidas que
permitem a sobrevida de indivíduos imunodeprimidos, como os diabéticos, os urêmicos, os com
neoplasias etc, tem se notado um aumento progressivo deste tipo de doença em pessoas mais
idosas. Já as artrites gonocócicas são um apanágio de indivíduos em idade de reprodução.

ARTRITE GONOCÓCICA

Esta é, sem dúvida, a forma mais comum de artrite séptica. Como já foi mencionado,
esta é uma doença que afeta predominantemente jovens (< de 40 anos) com uma tendência
para envolver mais as mulheres (4X mais do que em homens) porque nelas o local da infecção
primária passa despercebido não sendo tratado. Em adição à infecção genital, não se deve
esquecer que reto e orofaringe podem servir de focos primários para a disseminação deste
microorganismo e é importante que, em casos suspeitos, seja feita cultura de material destes
locais.
Um aspecto interessante é a tendência que a infecção genital tem para se disseminar,
na mulher, quando adquirida durante o período pós-menstrual ou durante a gravidez. A razão
para isto não é bem conhecida, mas acredita-se que tenha alguma coisa a ver com alterações de
pH das secreções vaginais. No quadro 25.1 encontram-se alguns fatores de risco para
disseminação da infecção gonocócica.

QUADRO 25.1 - FATORES DE RISCO PARA DISSEMINAÇÃO DA INFECÇÃO GONOCÓCICA


 Sexo feminino;
 Infecção adquirida no pós parto, puerpério e durante menstruação;
 Deficiência de complemento;
 Lupus eritematoso sistêmico;
 Homossexualidade;
 Promiscuidade;
 Residência em local urbano;
 Baixo nível educacional e sócio econômico.
 Retardo no diagnóstico da infecção primária

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS - Sintomas gerais tais como febre, mal-estar, calafrios etc podem,
ou não, estar presentes. Classicamente, a artrite por gonococos tem uma fase inicial, na qual ela
se comporta como uma poliartrite migratória, para depois escolher uma articulação e nela se
fixar como uma monoartrite. Nesta fase de monoartrite as articulações preferidas são o joelho
e o punho, embora qualquer articulação (incluindo-se a temporo-mandibular) possa estar
envolvida. Tenossinovite é um achado comum e pode ser o aspecto dominante da clínica,
afetando comumente tendões das mãos, pés e o de Achiles. O líquido sinovial é do tipo séptico
só que, mesmo em circunstâncias ótimas, dá cultura positiva em menos da metade dos casos.
Lesões de pele costumam aparecer em 2/3 dos pacientes e poupam a face. Ordina-
riamente são do tipo máculo-papulares, mas podem tomar aspectos variados tais como bolhas
hemorrágicas, vesiculas, pústulas e áreas necróticas. Podem tomar aspecto de eritema nodoso,
vasculites ou eritema multiforme. Existe um tipo de lesão que é considerada quase
patognomônica da gonococcia generalizada (só a meningococcemia apresenta lesão
308

semelhante). Ela aparece como uma lesão vésico-pustular ou uma pápula hemorrágica sobre
uma base eritematosa. Esta forma de lesão tende a ser dolorida e a se distribuir nas partes distais
das extremidades. Nem sempre o paciente está ciente de sua presença, daí ser necessário um
exame sistemático da pele, uma vez que o seu achado é de grande ajuda para o diagnóstico.
Histologicamente falando, é uma forma de vasculite de pequenos vasos, do tipo
leucocitoclástica, envolvendo pele e subcutâneo. Bacterioscopia do material pode demonstrar
a presença do gonococo embora só muito raramente a cultura do material seja positiva.
Mais raramente um paciente pode ter lesões de pele sem envolvimento articular.
É claro que, se o paciente tem uma gonococcemia disseminada, podem aparecer sinais
de envolvimento de outros órgãos, sendo mais sérios os casos de endocardite, meningite e
miocardite. Envolvimento hepático (peri hepatite) resultante da disseminação pélvica da doença
ou da disseminação hematogênica (síndrome de Fitz-Hugh-Curtis) pode causar a presença de
atrito sobre a projeção do fígado e sinais de hepatite. Os sinais e sintomas mais comuns da
gonococcemia generalizada estão listados no quadro 25.2.

QUADRO 25.2-SINAIS E SINTOMAS INICIAIS DA GONOCOCCIA GENERALIZADA


SINTOMAS INICIAIS
poliartralgia 65%
dermatite 25%
monoartralgia. 25%
febre 31%
SINAIS INICIAIS
tenossinovite 67%
dermatite 67%
febre. 63%
artrite. 42%

Baseados em alguns estudos clínicos tem se descrito duas formas (ou fases)
aparentemente distintas de artrite por gonococos:
1. - uma forma bacterêmica com febre, calafrios, poliartralgias ou poliartrites sem derrame
significativo, tenosinovites e hemocultura positiva;
2. outra forma de artrite séptica com monoartrite, geralmente com derrame avantajado, mas
com hemocultura negativa. Nesta fase a cultura do líquido sinovial pode vir a ser positiva.
Se estas duas formas são doenças diferentes ou fases de uma mesma doença é um
assunto a ser pensado, mas é verdadeira a observação de que nunca se obtém hemocultura e
cultura de líquido sinovial simultaneamente positivas.

DIAGNÓSTICO - O diagnóstico é feito pela clínica e pode ser confirmado pela análise do líquido
sinovial. Este mostra uma contagem celular alta (>100.000 leuc/mm3), com predomínio de
PMNs, glicose baixa e bacterioscopia positiva para diplococos gram negativos.
Como já foi observado anteriormente, o achado de cultura positiva para gonococos no
líquido sinovial é mais difícil. Se o paciente já está recebendo antibióticos e a situação está
parcialmente tratada até a contagem celular pode estar diminuída. Culturas dos locais de porta
de entrada devem ser realizadas (secreção uretral ou vaginal, de faringe ou de reto) além de
hemocultura.
O gonococo exige um meio rico em CO2, em umidade e com pH ótimo. Usa-se, em geral,
meio de Thayer-Martin ou ágar chocolate. Estudos sorológicos não conseguem distinguir uma
infecção recente de uma antiga.
A associação artrite-dermatite em alguém com sintomas genito-urinários exige que se
faça um diagnóstico diferencial da artrite gonocócica com artrite reativa. No quadro 24.3 estão
alguns dos principais aspectos diferenciais entre estas duas entidades.
309

QUADRO 25.3-DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ENTRE ARTRITE REATIVA E ARTRITE


GONOCÓCICA
CLÍNICA ARTRITE GONOCÓCICA ARTRITE REATIVA
sintomas constitucionais (febre, mal estar) em geral, presente. em geral, ausente
espondilite ausente presente
poliartrite migratória presente ausente
tenossinovite presente presente
artrite presente presente
lesão de pele vesico-pustular hiperqueratótica
úlceras de boca ausentes presente

TRATAMENTO - Inclui o uso de antibióticos apropriados, drenagem da articulação e repouso.


A escolha do antibioticorecai sobre ceftriaxone (1g/24h) mais a azitromina (1g oral como dose
única). A azitromicina ajuda a tratar a infecções gonocócicas e eventual associação
com clamydia. Opções alternativas são: cefotaxime ou ceftizoxime mais azitromicina e
doxiciclina.
As lesões cutâneas podem continuar aparecendo até 2 dias depois do início do
tratamento antibiótico, o que não quer dizer que o tratamento esteja inadequado.
Drenagem da articulação é feita através de repetidas punções para diminuir a ação de
enzimas sobre a cartilagem, o que pode causar osteoartrite secundária. A resposta terapêutica
costuma ser rápida e magnífica e o paciente fica assintomático em mais ou menos 2 dias. Às
vezes, já que a cultura do gonococo é difícil, o uso do antibiótico pode ser usado como uma
prova diagnóstica.
Complicações são raras: uma artrite pós-infecciosa, estéril pode aparecer e o trata-
mento de escolha é feito com AINHs. É importante lembrar, que estes pacientes necessitam ser
triados e eventualmente tratados para outras infecções venéreas como por clamídia, sífilis e
SIDA.

ARTRITES SÉPTICAS NÃO-GONOCÓCICAS

A maioria dos pacientes com artrite séptica não gonocócica apresenta-se com sintomas
de início abrupto de edema, eritema e dor em uma articulação. As articulações mais afetadas
são as que sustentam peso, em membros inferiores. Destas, a mais comum é o joelho. Não é
habitual o aparecimento de artrite poliarticular, mas quando esta ocorre sugere uma infecção
estreptocócica. Febre é comum, embora possa ser de pequena monta ou até mesmo ausente.
O diagnóstico é feito pela análise do líquido sinovial e a identificação da bactéria
causadora pode ser feita, seja por cultura, seja por bacterioscopia. Toda vez que existe suspeita
de artrite séptica, mesmo que ela seja mínima, a articulação deve ser puncionada. Não existe
contraindicação para punção de uma articulação, embora se deva evitar punção através de uma
área de pele infectada. O líquido deve ser enviado imediatamente para o laboratório para
cultura ou, se isto não é possível, o material pode ser inoculado em meios de hemocultura. Isto
aumenta a chance de positividade, mas também, de falsos positivos oriundos de micro-
organismos contaminantes de pele. Metade destes pacientes têm hemoculturas positivas.
Outros exames de auxílio são: bacterioscopia, contagem de leucócitos e dosagem de glicose.
Valores de leucócitos acima de 50.000/mm3 com pelo menos 80% de Neutrófilos
polimorfonucleares (PMNs) e uma dosagem de glicose abaixo de 50% do valor da glicose
plasmática são altamente sugestivos de artrite
310

bacteriana. As culturas são positivas em pelo menos 90% dos casos de artrites não gonocócias
enquanto o gram é efetivo em apenas 50 % deles.
As radiografias são de pouco auxílio no diagnóstico inicial de artrite séptica, mas são
úteis para o acompanhamento evolutivo. Em uma semana pode-se visualizar osteoporose. Em
duas semanas, dependendo da virulência da bactéria em questão, pode-se ver diminuição do
espaço interarticular e erosões marginais. Uma osteomielite secundária pode causar periostite
e um aspecto em "comido de traça" a partir de duas semanas. A formação de gás intra-articular
sugere a presença de um organismo anaeróbico ou de Escherichia coli. A cintilografia pode ser
útil no diagnóstico, principalmente quando articulações profundas estão afetadas, as quais não
são acessíveis a um exame físico mais rigoroso, como é o caso do quadril. Existem 2 tipos de
radioisótopos usados para esta forma de cintilografia: o Tecnécio (fosfato de Tc) e Gálio (citrato
de Ga). O Gálio se concentra onde existe exudação de células inflamatórias e proteínas séricas.
Já o tecnécio está mais relacionado com o fluxo sanguíneo. Ambos são positivos em situações
em que existe inflamação, embora exista quem considere que a cintilografia pelo Gálio é mais
específica para os processos inflamatórios do tipo infeccioso. Sua grande colaboração advém do
fato de que não existe artrite séptica com cintilografia negativa. A cintilografia pode ser
particularmente útil nas fases iniciais da doença, quando o RX é negativo. A tomografia também
pode ser de valia na análise de articulações como quadril e articulações do esqueleto axial, e
seus achados são mais precoces dos que os de RX. A ressonância magnética é uma arma bastante
útil na determinação de envolvimento de tecidos moles e serve para demonstrar envolvimento
de articulações de acesso difícil como as sacro-ilíacas, por exemplo.
Dos germes que causam artrite séptica não gonocócica em adultos, os mais comuns são
os gram-positivos, principalmente o Staphylococcus aureus e o pneumococo.
Na criança com menos de dois anos de idade, os germes mais encontradiços são: H.
influenzae, S.Aureus e bacilos gram-negativos aeróbicos. Já, na criança mais velha e nos
adolescentes, o predomínio é de estafilococos e estreptococos hemolíticos.
Como esta é uma doença que tende a incidir em indivíduos imunodeprimidos, o tipo de
doença básica em questão, pode favorecer a ocorrência de infecção por um determinado
microorganismo. Assim, o diagnóstico de fundo pode ajudar a levantar a suspeita a respeito do
possível agente etiológico. A seguir, o quadro 25.4, com os agentes mais comumente
encontrados nas diferentes situações.

QUADRO 25.4 - PRINCIPAIS AGENTES ETIOLÓGICOS DE ARTRITES SÉPTICAS EM


IMUNODEPRIMIDOS
DOENÇA AGENTE PARTICULARIDADES
A.R. S.aureus uma articulação mais inflamada que as
outras
Alcoolismo e cirrose Bacilos gram negativos
S. pneumoniae
Usuários de drogas P. aeruginosa Envolve esternoclaviculares e
S. marcescens sacroilíacas.
Diabetes mellitus Gram positivos e negativos
Mieloma múltiplo S. pneumoniae
Leucemias Gram negativos

O uso de glicocorticoides pode ser considerado como um fator predisponente quando a


dose utilizada é alta. Isto não acontece quando o uso é feito em doses baixas ou mesmo
moderadas. Nesta situação o elemento predisponente é, em geral, a doença que indicou o uso
da droga. Doenças reumáticas tais como AR, gota, doença de depósito por pirofosfato de cálcio
e articulação de Charcot são consideradas entidades responsáveis por uma predisposição local
311

à infecção. Como já foi comentado, o uso de corticoide intrarticular pode servir de porta de
entrada para uma infecção, embora este acontecimento seja bastante raro, desde que a
assepsia seja adequada.
A terapêutica de uma artrite supurativa começa pela escolha do antibiótico mais
adequado para cada situação, o qual deve ser administrado via parenteral para garantir uma
concentração sinovial adequada. A escolha é baseada nos achados de bacterioscopia e mais
tarde confirmada por cultura e antibiograma. Em casos em que isto não é possível, deve-se levar
em conta a probabilidade de um determinado micro-organismo ser o agente causal naquela
dada situação. Não se deve fazer uso de antibióticos intra-articulares uma vez que isto, além
de desnecessário, pode trazer risco de sinovite química. O antibiótico inicial pode ser escolhido
empiricamente de acordo o micro-organismo mais comum no sítio que serve de origem para a
infecção. Esta opção deve ser analisada novamente após obtenção de resultados de cultura e
antibiograma. Estes medicamentos são mantidos por um período mínimo de seis semanas.
Além do uso de antibióticos, deve-se proceder a uma drenagem adequada da arti-
culação, com intuito de diminuir a pressão local e a ação das enzimas sobre a cartilagem. A
drenagem com agulha é tão efetiva quanto drenagem cirúrgica, e pode ser feita até 2 vezes por
dia, em casos em que o material purulento se acumula com muita rapidez. Se não for possível a
drenagem com agulha, como é o caso de articulações que são inacessíveis a esta técnica (quadril,
sacroilíaca e, talvez, o ombro) ou, em casos de um líquido sinovial muito viscoso, que forme
focos septados, ou ainda, em casos de persistência da sinovite por mais do que sete dias, deve-
se proceder à drenagem cirúrgica.
Todos concordam que nos casos de artrite séptica do quadril, a drenagem cirúrgica deve
ser pronta e eficiente. A drenagem com agulha desta articulação é de técnica difícil. Além disso,
existem outros fatores que influem na indicação cirúrgica. São eles:
1. o fato de que a metáfise do fêmur está dentro da articulação (isto acontece em um grau
menor com o ombro também). Na grande maioria dos ossos a inserção da cápsula articular
é junto com a epífise, formando assim uma barreira que impede que o material purulento se
espalhe para o restante do osso. Isto explica porque é raro que apareça osteomielite como
consequência de artrite séptica, a não ser em crianças pequenas, nas quais esta barreira não
funciona, porque nesta idade, existem vasos sanguíneos da metáfise que vão até a epífise.
Depois de um ano de vida, estes vasos metafisários e epifisários se separam e o disco de
cartilagem fica avascular formando um obstáculo mecânico que previne a contaminação.
Esta proteção acaba sendo ineficiente no caso do quadril e do ombro, uma vez que, nestas
articulações, a cápsula articular vai até a metáfise.
2. o suprimento sanguíneo da cabeça femoral chega até ela envolto em um retináculo muito
frágil. Ele é incapaz de proteger os vasos contra acesso direto de bactérias ou mesmo contra
os efeitos restritivos causados pelo aumento de pressão intracapsular.
A infecção em quadril do recém-nascido é particularmente problemática. Quando não
drenada dentro de cinco dias, as complicações são muitas, tais como, deslocamento da cabeça
femoral, osteomielite com perda de mobilidade local e encurtamento do membro.

Artrite séptica de quadril , com exceção das por infecção gonocica, é emergência cirúrgica!

Não é raro o desenvolvimento de uma serosite estéril após o controle da infecção. Isto
pode ser interpretado pelo médico como uma recrudescência do processo infeccioso que muitas
vezes reinstitui a terapêutica antibiótica, o que é inapropriado. A ocorrência dessa sinovite não
guarda associação com o grau de gravidade da infecção nem com o estado prévio da articulação
envolvida.
312

A B
FIGURA 25. 1- (a) Artrite séptica de coxofemoral (anaeróbio); (b) espondilodiscite
por S. aureus

BURSITES SÉPTICAS – As bursas estão sujeitas a infecções, as quais são, em geral, bacterianas.
As bursas olecraniana, pré-patelar e infra-patelar são as mais acometidas por serem superficiais
e se situarem em locais de atrito e sujeitos a traumas. As infecções são adquiridas comumente
por penetração percutânea (e daí, em geral, o agente patogênico pertence a flora normal de
pele) ou por contiguidade, sendo mais comum que aconteça por extensão de um processo de
celulite. Casos secundários a bacteremia são mais raros. Situações que promovam traumatismos
repetitivos sobre a bursa podem ser consideradas como fatores de risco. Um exemplo disto é o
do indivíduo que fica muito sentado e apoia os braços sobre os cotovelos, durante sessões de
hemodiálise - o qual pode adquirir bursite olecraniana infectada, que é conhecido por cotovelo
de diálise. Pacientes com doenças sistêmicas como diabetes, alcoolismo, artrite reumatoide e
gota estão predispostos a este tipo de patologia. O micro-organismo mais comumente
encontrado é o S. Aureus. Outros são o estrepto -hemolítico e o S. epidermidis, e bem
raramente, os gram-negativos e anaeróbios.
O exame físico mostra um processo inflamatório local. Celulite de tecidos próximos é
comum e pode obscurer uma bursite subjacente. O contrário também é verdadeiro. Existem
situações de processo inflamatório de tecidos moles que se fazem acompanhar de aumento de
volume da bursa, sem que a mesma esteja infectada. Trata-se de uma efusão “simpática” .
Nestes casos é importante a análise do líquido. Entretanto é fundamental que o médico tenha
em mente que a análise do líquido infectado de uma bursa nem sempre mostra uma contagem
alta de células como as de uma artrite séptica. É que bursas reagem bem menos intensamente
que a sinovial articular e, portanto, este exame não deve excluir o diagnóstico em casos em que
existe a suspeita clínica. Nem ao menos um aspecto “purulento” pode garantir que se trata de
uma bursite séptica, uma vez que, os cristais de urato, quando abundantes, podem dar este
aspecto. A dosagem de glicose pode auxiliar (é baixa) e existe um acúmulo de ácido láctico. O
exame pelo Gram pode ser negativo em casos de poucas bactérias. O exame que tem mais
chances de dar o diagnóstico é a cultura do material.
Por causa das possíveis relações anatômicas entre as bursas e a articulação subjacente
é importante determinar se existe solução de contiguidade entre elas. Caso exista artrite, o
tratamento deve ser mais prolongado do que em casos de bursite simples. Para este estudo
pode-se utilizar RX com contraste ou com ar. Outras modalidades que podem ser empregadas
são: o ultrassom, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética.
O tratamento é feito com antibióticos, de acordo com a análise do líquido obtido. Em
casos em que isto não é possível, a primeira escolha deve ser dirigida contra S.aureus que é o
agente mais comum. A este tratamento associa-se a aspiração do material da bursa a cada 1-
3dias. A duração do tratamento depende das condições clínicas subjacentes do paciente. Em
geral, em 7 dias o líquido da bursa está esterilizado. É interessante manter o antibiótico até mais
ou menos uns cinco dias após a esterilização. As indicações para tratamento cirúrgico são
313

dificuldades de acesso para aspiração com agulha, necessidade de remover corpo estranho,
doença refratária e recorrente.

INFECÇÕES EM PRÓTESES - Esta é, talvez, a causa mais comum de infecções intra-articulares. A


prevalência de uma infecção em prótese de joelho e quadril está em torno de 1 a 2% mas estas
chances aumentam quando o pacientes tem uma artrite reumatoide de fundo (para 4,4%). Se
a infecção tem início recente (até 3 meses depois da cirurgia) a origem da contaminação é o
procedimento cirúrgico. O micro-organismo mais comum neste contexto é o Staphylococcos
epidermidis. Já, nas infecções mais tardias, a origem mais provável é a de semeadura através de
infecção hematogênica e os micro-organismos esperados são outros, tais como: S aureus,
seguido de estreptococos, bacilos gram-negativos e anaeróbios. Pacientes que têm S aureus
colonizando a região nasal têm maior prevalência de infecções em próteses.
A ocorrência de infecções sobre uma prótese é facilitada pelo fato de que o material
exógeno implantado é coberto por uma capa de fibrinogênio, fibrina ou fibronectina aos quais
a bactéria adere com facilidade. Além disto, uma redução de fluxo sanguíneo local diminui a
defesa por fagócitos, linfócitos e células natural-killer. Quando a bactéria coloniza o implante
(principalmente se for estafilococos) ela elabora um filme que previne a difusão de vários
agentes antimicrobianos e a defesa pelas células fagocíticas. Uma vez acontecida a colonização
do implante ou quando existe osteomielite associada, a única opção de tratamento é a remoção
deste implante. Alguns elementos que favorecem a infecção local são:
(a)- o fato de a articulação que sofre o implante ser muito superficial (como é o caso do cotovelo)
ou necessitar de um tempo cirúrgico muito grande;
(b)- existência de situações subjacentes de imunodepressão como artrite reumatoide e
diabetes;
(c) o uso de cimento do tipo polimetil metacrilato. Este cimento inibe a função leucocitária e do
complemento, libera calor durante a sua polimerização, o que pode matar as células da zona
óssea cortical justaposta criando uma área neo vacularizada a qual serve de ponto de entrada
para micro-organismos circulantes.
Pacientes com infecção de prótese precoce (menos do que 3 meses após a cirurgia)
apresentam febre e podem ter edema local e leucocitose. Já os com infecção tardia apresentam
um quadro mais mascarado, sem febre, sem leucocitose. Podem ter VHS elevado e dor local
progressiva. Do ponto de vista radiológico não é possível separar quadros de infecção daqueles
de soltura da prótese.
O tratamento é feito com antibióticos e desbridamento. Em casos em que a infecção é
detectada muito precocemente, a prótese pode ser mantida, mas é muito mais comum que ela
necessite ser retirada.

TUBERCULOSE

Não é raro que a tuberculose seja causa de infecção músculo esquelética. Esta forma de
envolvimento responde por 1 a 5% de todos os casos de tuberculose. Destes, a metade tem RX
de tórax negativo embora os testes cutâneos costumem ser positivos, a menos que exista
imunodepressão. Acredita-se que a tuberculose articular seja causada por reativação de um foco
latente. A tuberculose pode afetar coluna, ossos longos e articulações, bursas e tendões etc,
mas as duas modalidades principais são o envolvimento da coluna (ou Mal de Pott) e a artrite
tuberculosa periférica.
A tuberculose de coluna afeta indivíduos jovens e ocorre principalmente em coluna
torácica média (maior incidência em T-10). Esta localização está motivada pelo aporte da
infecção de um foco gênito-urinário. As alterações mais precoces são vistas no bordo anterior
da vértebra e no disco, e, à medida que estas progridem, causam estreitamento discal e colapso
anterior do corpo vertebral, promovendo o aparecimento da gibosidade característica dessa
314

doença. Caracteristicamente a infecção se estende ântero-lateralmente formando abscessos


para vertebrais, os quais, por contiguidade, acabam por afetar as costelas.

A B

FIGURA 25.2- Tuberculose óssea; (a) Mal de Pott ; (b) espina ventosa.

Já a artrite tuberculosa periférica é descrita classicamente como acometendo


preferencialmente as articulações sustentadoras de peso como quadril e joelho. Afeta
indivíduos mais idosos do que os com Mal de Pott. Certos autores descreveram um aumento de
incidência de envolvimento do ombro em indivíduos idosos e/ou debilitados. O processo é, em
geral, monoarticular. O líquido sinovial costuma ser amarelo opaco com contas leucocitárias
extremamente variáveis (de 100 a 100.000 /mm3) e um baixo teor de glicose. A pesquisa do
bacilo por bacterioscopia raramente é positiva (20%), mas a cultura do líquido chega a dar uma
positividade em torno de 80%. A biopsia sinovial com análise histopatológica e cultura do tecido
obtido é útil no diagnóstico, sendo positiva em 90% dos casos.
Dentre outras formas mais raras está a osteomielite de ossos longos. Na criança é
frequente o envolvimento dos ossos tubulares da mão ocasionando a dactilite tuberculosa ou
espina ventosa.
O tratamento é feito como para a doença básica. Recomenda-se o uso de pelo menos 2
drogas, como por exemplo: isoniazida e rifampicina, por, no mínimo, 9 meses. Imobilização com
coletes ou gesso (em casos de envolvimento da coluna) é recomendada durante o tratamento.

BRUCELOSE

A brucelose é uma infecção causada por bactérias do gênero Brucella, que são
cocobacilos gram negativos não encapsulados, com capacidade de sobreviver e crescer dentro
de um macrófago normal. A infecção é adquirida através do leite ou pela ingestão de tecidos
animais contaminados (gados bovino, caprino e suíno).
Envolvimento osteo-articular pode ser visto com todas as espécies de brucela,
principalmente com a Brucella melitensis. Este aparece na forma de artrite periférica, sacroiliíte,
envolvimento de coluna, bursites etc.
A forma de envolvimento periférico é a mais comum. Esta pode ser monoarticular ou
poliarticular. O envolvimento monoarticular cursa, em geral, com culturas positivas e tem seu
prognóstico diretamente relacionado com o uso do antibiótico adequado. É um envolvimento
315

tipicamente infeccioso. O envolvimento poliarticular é mais raro e tende a ser do "tipo reativo"
com culturas negativas. Neste caso, o prognóstico independente do uso de antibióticos. Este
padrão poliarticular pode envolver poucas articulações (pauciarticular) ou tomar um aspecto
semelhante ao da artrite reumatoide. A análise do líquido sinovial não consegue fazer uma
distinção entre estes dois tipos de envolvimento. Ambos cursam com um líquido do tipo
inflamatório, com contagens de células que vão de 300 a 49.000/mm3, com predominância para
mononucleares e glicose acima de 40 mg/dl. Uma cultura positiva favorece o diagnóstico de
artrite infecciosa.
A segunda forma, em ordem de frequência é a sacroiliíte, a qual é, em geral, unilateral
e tende a aparecer nas formas crônicas de infecção.A espondilite, que é o tipo de envolvimento
mais raro, tende a afetar indivíduos mais velhos. Envolve, em ordem de frequência, a coluna
lombar, depois a torácica e raramente a cervical. Os achados radiológicos da espondilite são
típicos: erosão na margem ântero-superior do corpo vertebral e estreitamento do espaço discal.
Um aspecto importante para diferenciar brucelose de tuberculose é a tendência para um reparo
precoce, levando à formação de osteófitos em "bico de papagaio". Estas lesões líticas associadas
ao aspecto reparativo blástico é sugestivo de brucelose. Dor persistente agravada pelo repouso
é um sintoma importante. Febre está ausente. Na forma espondilítica as hemoculturas e
evidências sorológicas de infecção podem ser negativas.
No quadro 25.5, um esquema das principais formas de envolvimento osteoarticular da
brucelose.

QUADRO 25.5- ARTRITES DA BRUCELOSE


 Artrite periférica
 Monoarticular (infecciosa)
 Poliarticular (reativa)
 Envolvimento axial
 Sacroiliíte
 Espondilite

De maneira geral, o diagnóstico é feito pelos achados clínicos e epidemiológicos aliados


à cultura positiva e/ou evidência sorológica da infecção. O teste sorológico standard é um teste
de aglutinação que é considerado positivo em títulos maiores que ou iguais a 1/160. O
tratamento é feito com tetraciclina ou seus derivados. Certos autores recomendam rifampicina
associada à trimetoprima para evitar a ocorrência de resistência. Outra droga que pode ser
utilizada é estreptomicina.
Em caso de artrite periférica, a antibioticoterapia deve ser utilizada por 4 semanas; já na
espondilite o tratamento é mais prolongado, por mais ou menos, 6 meses.

HANSENÍASE

Esta é uma doença bastante comum nos países tropicais e subtropicais, causada pelo
Mycobacterium leprae, cujas manifestações clínicas mais proeminentes são cutâneas e
neurológicas. Além disso, a lepra tem frequentemente manifestações articulares, as quais
chegam a afetar 3/4 dos pacientes, embora nem sempre sejam devidamente apreciadas. Muitas
dessas manifestações não podem ser consideradas como um resultado de infecção direta do
micro-organismo na articulação e, sim, de fenômenos imunológicos relacionados.
316

A descrição das manifestações reumáticas possíveis não é uniforme entre os diferentes


autores e abaixo vamos enumerar apenas as principais:
 - artrite do eritema nodoso que acompanha a lepra. Em surtos reacionais é comum a
ocorrência de eritema nodoso que difere, no caso da lepra, por ter uma artrite que envolve
tanto articulações grandes como pequenas, em membro superior e inferior. Em casos do
eritema nodoso de outra etiologia, esta artrite costuma predominar em grandes
articulações de membros inferiores. O líquido sinovial descrito para este tipo de artrite
pode ser, tanto do tipo não inflamatório como do tipo inflamatório, com descrição de casos
nos quais se conseguiu isolamento do bacilo. Responde ao uso de talidomida e AINHs.

 - artrite não relacionada ao eritema nodoso. É uma artrite mais persistente, simétrica e
progressiva, não relacionada às manifestações reacionais. Muitas vezes é causa de confusão
com artrite reumatoide. Não responde ao tratamento com talidomida e tem uma resposta
moderada ao uso de AINHs. O tratamento da doença básica resolve este tipo de sintoma.

 - síndrome das mãos inchadas (suculentas). É um processo inflamatório que não está
confinado só às estruturas de dentro da articulação. Existe uma inflamação granulomatosa
em tecido subcutâneo. A pele fica edemaciada, com edema depressível, que pode ir até a
metade do antebraço. Às vezes os pés também podem ficar inchados. Aparece mais em
surtos reacionais.

 - vasculite. A ocorrência de crioglobulinemia, a qual é do tipo policlonal, é relativamente


comum na lepra, mas os sintomas de vasculite são mais raros. Quando existe clínica esta se
faz com lesões cutâneas necrotizantes, diminuição de complemento, artrite e
glomerulonefrite. Um tipo de vasculite distinta é visto em certos pacientes do México e
América Central com uma carga muito grande de antígeno e sem resistência, que, a medida
que começam a adquirir resistência e formar anticorpos, vão formando complexos imunes
que se depositam nas paredes dos vasos, numa reação de Arthus. É o chamado Fenômeno
de Lúcio. É uma forma grave, associada com uma taxa alta de mortalidade.

 - Articulação de Charcot. É mais uma consequência das lesões neurológicas da doença.


Artropatia de Charcot é uma artropatia destrutiva resultante do uso excessivo da
articulação permitido pela falta de sensibilidade em extremidades. Não aparece só em MH,
mas em qualquer situação em que exista perda de sensibilidade de membros inferiores.

 - FAN e fator reumatoide positivos. É bem sabido que a lepra, principalmente a forma
virchowiana, pode cursar com estes exames positivos. Um estudo, feito no México, mostrou
uma série de 32 pacientes com a forma lepromatosa e encontrou uma taxa de positividade
para o fator reumatoide de 18,7%. FAN positivo tem sido descrito de 0 a 30% dos pacientes.
O padrão de imunofluorescência não é consistente, e, o título costuma ser baixo. Testes
para anti-DNA, anti-histonas, anti-centrômero, anti- SS-A e SS-B, anti-Sm e anti-
ribonucleoproteinas têm sido negativos. Aliás, é bom saber que, existe quem afirme que a
positividade do FAN e do fator reumatoide guarda correlação com as manifestações
reumáticas apresentadas pelo paciente, embora existam também os que façam afirmações
contrárias. A taxa de positividade do FAN parece correlacionar mais com a duração da
doença, idade do paciente e números de surtos reacionais.
317

A B

C D

D
FIGURA 25.3- Mal de Hansen (A) e (B) articulação de Charcot; (C) mão suculenta; (D) e (E)
vasculite. Em (D) observa-se obstrução da artéria fibular.

ARTRITES VIRAIS

Na sua grande maioria as doenças virais causam sintomas articulares de curta duração,
auto limitados e que não deixam sequelas. Queixas reumáticas podem aparecer em quase todas
as formas de infecções virais. Estas artrites virais não têm um padrão típico. No quadro 24.6
318

estão listados os vírus que mais comumente causam sintomas reumáticos e o padrão de
envolvimento articular mais comum em cada uma destas infecções.

QUADRO 25.6- SINTOMAS REUMATOLOGICOS DAS INFECÇÕES VIRAIS


VIRUS MANIFESTAÇÃO REUMATOLÓGICA
Rubéola Artrite simétrica, aditiva, de metacarpofalangianas e interfalangianas
proximais. Dura poucos dias a semanas, mas pode persistir por um tempo
mais longo ou recorrer. Aparece antes, depois ou junto com o exantema.
Parvovirus B19 Artrite poliarticular de início súbito. Em geral é temporária, mas pode durar
anos. 60% dos pacientes são adultos.
Caxumba Envolvimento de grandes articulações; + ou- 2 semanas depois da
parotidite.
Varicela- zoster Igual a caxumba
Hepatite B Artrite simétrica, poliarticular, com rigidez matinal. Ocorre em 20-25% dos
casos. Resolve quando aparece a icterícia. Persiste em pacientes com
infecção crônica. Outros achados: crioglobulinemia, glomerulonefrite,
PAN.
Hepatite C Artralgias e mialgias que evoluem para artrite. Dor disproporcional a
achados de exame físico. Outros achados: crioglobulinemia, púrpura,
vasculites e síndrome seca
Chikungunya Quadro semelhante ao da artrite reuamtoide pdoendo evoluir com
deformidades

As manifestações articulares de uma doença viral podem ser causadas pela infecção viral
da sinóvia, pela formação de complexos imunes ou pela alteração da estrutura self por um virus
que se misture com o DNA do hospedeiro com consequente desenvolvimento de
autoimunidade.
O tratamento é sintomático. Pacientes com hepatite devem evitar os AINH por causa de
sua potencial hepatotoxicidade; a aspirina deve ser evitada na varicela e na caxumba por causa
do risco de Síndrome de Reye.

Leitura complementar 25.1 - Manifestações reumatológicas da SIDA

Desde que a síndrome da imunodeficiência adquirida foi descrita, tem se observado um


número muito grande e muito variado de formas pelas quais esta doença pode se manifestar, a
ponto de todo tipo de especialista se ver à frente de uma nova problemática: a de colocar a SIDA
no diagnóstico diferencial de suas doenças. Com a reumatologia não foi diferente. Acredita-se
que até 72% dos pacientes com SIDA tem alguma queixa músculo-esquelética, em algum tempo
de sua doença.
No quadro 25.7 estão as principais manifestações reumáticas da SIDA.
319

QUADRO 25.7- MANIFESTAÇÕES REUMÁTICAS DA SIDA


1. Síndromes articulares dolorosas
2. Artrites infecciosas
3.Espondiloartrites
Artrite reativa
Artrite psoriásica
Espondiloartrites indiferenciada
4. Artrite associada a SIDA
5. Poliartrite simétrica aguda
6. Necrose avascular
7. Polimiosite
8. S. de Sjögren
9. Manifestações de autoimunidade

SÍNDROMES ARTICULARES E ÓSSEAS DOLOROSAS - Tem-se notado em pacientes com SIDA,


uma síndrome de dor articular ou óssea, de curta duração (menos que 48 h.) mas de grande
intensidade, descrita como muito forte, requerendo tratamento vigoroso. Nenhum destes
pacientes tem artrite. Os locais mais envolvidos são joelhos, ombros, e cotovelos.

ARTRITE DA SIDA - Existe um tipo de envolvimento articular que se acredita seja causado pela
presença direta do vírus na articulação, da mesma maneira que acontece em outras doenças
virais como rubéola e hepatite. Trata-se de uma oligoartrite, bastante dolorosa, mas que
responde ao uso de AINHs e corticoides intra-articulares ou VO (embora exista uma tendência a
se evitar este último pelo risco de imunodepressão). Duram, em média, 1- 6 semanas.
Sinovite é evidente clinicamente e pode ser documentada por biópsia de sinóvia onde
se vê um infiltrado de células mononucleares. O líquido sinovial mostra uma contagem de
células baixa, ou seja, é um líquido sinovial não inflamatório: 50 a 2.600 células /mm, na sua
maioria mononucleares. Glicose sinovial é normal. O vírus tem sido obtido por cultura do líquido
sinovial.

POLIARTRITE SIMÉTRICA AGUDA - Tem se descrito, também, em paciente com SIDA, uma
poliartrite simétrica aguda com envolvimento predominante das mãos, látex (FR) negativo.
Chegam, às vezes, a preencher os critérios para A.R., embora se acredite que não pertençam a
esta doença, sendo uma entidade em separado e relacionada com a SIDA. Aliás, tem se de-
monstrado uma correlação inversa entre AR e a SIDA, visto que pacientes com A.R. têm
hiperfunção das células CD4+.

ARTRITES INFECCIOSAS - Não deixa de ser uma associação óbvia. Existem 2 grupos de micro-
organismos mais e encontrados: os piogênicos (Staphylococcus aureus, Hemophilus, Salmonela
etc.) e os oportunistas; fungos (Criptococos, Sporotrichium Shenkii, micobactérias atípicas etc.)
O primeiro grupo é mais comum em pacientes que, além de SIDA têm o hábito de utilizar drogas
EV, o que serve como porta de entrada. Estes indivíduos mostram uma tendência para fazer
artrite infecciosa em locais pouco comuns, tais como articulação sacrilíaca, esterno-clavicular,
discos vertebrais, etc. Além de artrite infecciosa são descritos casos de osteomielite e bursites
infecciosas. A artrite infecciosa deve entrar no diagnóstico diferencial de hemartrose de
hemofílicos HIV +, com a qual, pode coexistir. Outra complicação infecciosa é a ocorrência de
piomiosites com abscessos únicos ou múltiplos.

ESPONDILOARTRITES - A associação da artrite reativa e da artrite psoriásica com SIDA tem sido
bem descrita.
Artrite reativa- Aparece em um indivíduo jovem, em geral homem, que sofreu uma infecção
intestinal ou venérea e que, depois de algum tempo, por um mecanismo imunológico que
acontece em indivíduos portadores do HLA-B27, desenvolve artrite, uretrite e conjuntivite. A
320

artrite costuma ser oligoarticular, assimétrica, com tendência para envolver membros
inferiores. Pode envolver esqueleto axial, com sacroiliíte e espondilite. O envolvimento de
dedos, é responsável por dactilites ou “dedos em salsicha”. Nesta síndrome não são raras
algumas manifestações mucocutâneas tais como: erupções pápuloescamosas que envolvem
tipicamente sola de mãos e pés e que se denominam queratodermia blenorrágica; a balanite
circinata, que aparece ao redor do meato urinário, além de úlceras de boca e manifestações de
distrofia ungueal. Em que aspectos a artrite reativa do paciente com SIDA é diferente do
paciente sem esta infecção?
 O primeiro elemento que chama a atenção,é uma entesopatia muito mais abundante do
que na forma primária, com tendência para afetar os pés, a ponto de impedir que o indivíduo
deambule ou o faça pisando nas partes externas do pé (Pé da SIDA).
 O segundo aspecto é uma tendência para aparecer dactilites múltiplas (geralmente isto é
escasso na artrite reativa comum).
 O envolvimento de esqueleto axial é mínimo, contrastando com envolvimento articular
periférico exuberante e severo, as quais evoluem com erosões, osteólise e destruição da
articulação.
 As manifestações mucocutâneas são variadas e vão desde nenhuma até formas severas da
queratodermia. Estes pacientes podem, também, apresentar manifestações cutâneas
próprias da SIDA como seborréia , sarcoma de Kaposi etc...
 O tratamento com AINHs costuma dar resposta pobre, e, o uso do corticoide em dose baixa
também. O uso de corticoide em altas doses deve ser evitado por razões óbvias. Mais
importante, o uso de citostáticos do grupo do metotrexate e da azatioprina costuma
apressar a imunodepressão. É interessante notar que a ciclosporina é bem tolerada nestes
pacientes assim como a sulfassalazina.

Artrite psoriásica- A artrite psoriásica pode se apresentar sob várias formas: com envolvimento
de esqueleto axial, como oligoartrite, como poliartrite, com envolvimento de interfalangianas
distais ou mesmo como uma artrite mutilante. A psoríase tende a parecer junto, antes ou, mais
raramente, depois do que a artrite. Esta é mais comum em pacientes que tenham o
envolvimento ungueal da psoríase, a onicodistrofia e unhas em dedal. O mesmo que acontece
no paciente HIV+ com artrite reativa , acontece com a artrite psoriásica. Aparece não só uma
amplificação da doença reumática como das manifestações de pele. Aliás não é incomum que
pacientes aidéticos tenham só a psoríase, sem artrite, fora do controle. Quanto às manifestações
osteoarticulares, vê-se muita entesopatia, artrite mutilante e dactilites múltiplas. Sua ocorrência
também tem um prognóstico negativo .

SÍNDROME DE LINFOCITOSE INFILTRATIVA - Esta é uma das manifestações mais interessantes


associadas à SIDA e faz diagnóstico diferencial com a síndrome de Sjögren. Algumas das
diferenças observadas com a síndrome Sjögren são:
 pode existir envolvimento maciço de parótidas e glândulas lacrimais, mas existe pouca
disfunção orgânica, ou seja, secura de boca e de olhos é rara;
 envolvimento extraglandular que é raro no Sjögren, é bastante comum no paciente com
SIDA. Ex: pneumonite intersticial (com clínica de dispnéia importante), meningite asséptica
e infiltração gástrica lembrando uma linite plástica. O aumento da parótida pode provocar
paralisia do VII nervo craniano;
 a infiltração linfocitária no Sjögren é feita às custas de células CD4+; nos pacientes com SIDA,
às custas de células CD8+;
 nos pacientes com SIDA existem poucos auto-anticorpos quando comparados com o Sjögren
comum, no qual são comuns principalmente anticorpos anti-Ro/SS-A e anti-La/SS-B;
 pacientes com SIDA têm uma incidência maior de HLA DR5 em contraste com HLA-DR2 e 3
de pacientes com a doença comum;
321

 aparece mais em pacientes do sexo masculino do que a doença clássica.

MIOSITE - Entre as doenças musculares associadas à SIDA encontram-se: as polimiosites, as


dermatopolimiosites e a miosite desencadeada pelos medicamentos usados no tratamento da
infecção viral.

VASCULITES- Vasculites sistêmicas têm sido reconhecidas em pacientes com SIDA. Têm sido
descrito casos de PAN, angeíte de hipersensibilidade, angeíte de sistema nervoso central,
granulomatose linfomatoide etc. Acredita-se que as vasculites sejam causadas por: -
 -ataque direto do vaso pelo vírus HIV;
 -depósitos de complexo imune. Seja em resposta ao próprio HIV ou outras infecções, cujo
aparecimento foi por ele propiciado.
Quando o diagnóstico de uma vasculite é feito em um paciente com HIV é fundamental
que seja feito um bom diagnóstico diferencial com infecções que podem simular estes quadros
tais como infecções por herpesvirus, toxoplasmose e por P. carinii.

INDUÇÃO DE AUTO-ANTICORPOS E SÍNDROME LUPUS-LIKE- Já vimos que a disfunção causada


pelo sistema imune em pacientes com SIDA se caracteriza, não só por uma profunda depleção
numérica e disfunção das células CD4, como, também, por uma hiperfunção (desordenada) da
célula B. Esta ação desregulada de célula B é responsável por um grande número de anomalias
sorológicas e formação de auto-anticorpos. A ocorrência de um fator antinuclear positivo pode
auxiliar a criar confusão com diagnóstico de lúpus. Veja bem! Se o paciente com SIDA pode ter
artrite, vasculite, leucopenia, anemia hemolítica, trombocitopenia, glomerulonefrite, e, além
disto apresenta-se com FAN positivo, esta confusão é facilmente compreensível. Para piorar,
isto muitas vezes o paciente de SIDA pode se apresentar com rash malar seborreico, que ajuda
a confundir com o rash em butterfly do lúpus. Um dado, que pode ajudar na diferenciação destas
duas doenças, é que, nestas ocasiões o FAN costuma ser positivo em títulos muito baixos.
Felizmente esta situação não é muito comum. Os fatores antinucleares encontrados em um
paciente com SIDA, assim como os outros auto-anticorpos: anticardiolipina e fator reumatoide,
parecem ser destituídos de atividade, visto que não existe correlação da clínica com a sua
presença. Outro aspecto que não pode ser esquecido é o fato de que pacientes lúpicos, sem HIV,
podem ter um teste falso positivo para SIDA quando testados pelo método ELISA. Nestas
situações o resultado do Western-Blot costuma ser indeterminado, ou falso positivo. Entretanto,
existem algumas evidências de que estas duas doenças são mutuamente exclusivas e a
coexistência de ambas as patologias em um mesmo paciente é altamente improvável.
Para concluir, pode-se notar que, muitas das doenças reumáticas associadas ao HIV,
podem se apresentar de maneira muito parecida com as formas idiopáticas, requerendo por
parte de quem maneja este tipo de paciente, um alto grau de suspeição. Por outro lado, esta
associação pode nos ajudar a compreender muito da patogênese das doenças reumáticas.

Referências:
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leprosy. J Rheumatol 1985; 12: 738-41.
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Siegel LB,et al. Viral infection as cause of arthritis. Am Fam Physician 1996, 54: 2009-15 .
Zimmermann B, et al. Septic Bursitis. Semin Arthritis Rheum 1995, 24:391-410.
322

Capítulo 26- Dor lombar

A grande importância da dor lombar advém da sua alta incidência. Em torno de 80% de
nós experimentará dor nas costas alguma vez na vida. Muitas dessas queixas são autolimitadas,
embora demonstrem um alto índice de recorrência. A gravidade do ataque inicial e a idade do
início dos sintomas são alguns dos elementos que ajudam a predizer quais são os indivíduos
predispostos a ter problemas recidivantes.É exatamente por causa desta sua alta frequência e,
também, por causa de a maioria dos casos de dor lombar piorar com stress mecânico, que este
tipo de sintoma é uma das causas mais comuns de afastamento do trabalho, com consequente
diminuição de produção e aumento de ônus para entidades seguradoras.

REVISÃO DA ANATOMIA E FISIOLOGIA DA COLUNA

A coluna vertebral é anatomicamente e funcionalmente divisível em 2 partes que são:


 um segmento anterior, destinado à sustentação e suporte de pesos, assim como amortecimento
de choques;
 um segmento posterior destinado a servir de guia direcional.
A porção anterior compõe-se de corpos vertebrais cilíndricos (adaptados para suportar
esforço compressivo) separados entre si pelo disco intervertebral. O disco é um sistema
hidráulico completo que absorve choques, permite a compressão transitória e também permite
o movimento de uma vértebra sobre a outra graças ao deslocamento do líquido dentro do seu
continente elástico. As superfícies superiores e inferiores do disco são placas terminais dos
corpos vertebrais e formadas por cartilagem hialina. É sobre elas que se fixa o anel fibroso
circundante. Este anel é uma rede fibroelástica entrelaçada e é ela que contém o núcleo
pulposo. Este, por sua vez, é formado por um gel coloidal, um mucopolissacarídeo que, por
conter uma grande quantidade de líquido (em torno de 80%) funciona como amortecedor.
Lembre-se da lei de Pascal que diz que "qualquer força externa exercida sobre a unidade de um
líquido confinado é transmitida integralmente a cada unidade de área interior do recipiente que
o contém"...

A B
FIGURA 26.1 COLUNA VERTEBRAL - (a) Unidades da coluna; B- dissipação do peso pelo
disco intervertebral
323

Como já foi falado anteriormente, o movimento de uma vértebra sobre a outra é


permitido pela propriedade do líquido de deslocar-se ântero-posteriormente dentro do seu
anel.
A resistência da coluna é aumentada pelos ligamentos vertebrais:- eles correm ao longo
da coluna, no seu sentido longitudinal e restringem o excesso de movimento da unidade,
evitando o deslizamento. O disco fica contido anteriormente pelo ligamento longitudinal
anterior, e, posteriormente pelo ligamento longitudinal posterior. O ligamento longitudinal
posterior percorre toda a coluna e ao nível de L1 começa a se estreitar progressivamente.
Quando alcança o espaço L5-S1 tem a metade de sua largura inicial. Este aspecto é importante
porque, o fato deste ligamento se tornar mais estreito, aumenta a fragilidade da estrutura,
exatamente no ponto em que a coluna suporta maior tensão estática, e, faz quase todo o seu
movimento de flexão.
A unidade posterior é composta pelos arcos vertebrais, processos transversos e
espinhosos, e articulações facetárias. Os processos transversos e espinhosos são pontos de
fixação para músculos. A postura ereta é mantida, em parte, pelo tônus muscular agindo sobre
estas estruturas. As articulações facetárias orientam o sentido de movimento entre duas
vértebras superimpostas. Cada articulação facetária isolada permite um grau restrito de
movimentação, mas em conjunto, a mobilidade é expressiva. Estas articulações são sinoviais e
funcionam por deslizamento. É a direção da faceta em um segmento da coluna que determinará
o sentido do movimento permitido a este segmento. Pode-se dizer que elas funcionam de
maneira semelhante ao movimento de rodas nos trilhos de trem, nos quais é possível uma
movimentação para frente e para trás, mas nunca na lateral. Assim, na região lombar, a
orientação das facetas permite só o movimento de flexão e extensão da coluna. Na região
torácica, as facetas são côncavo-convexas em um plano horizontal, e o movimento permitido é
de flexão lateral e rotação.
A coluna estática, de perfil, tem três curvas fisiológicas básicas: a lordose lombar, a cifose
dorsal e a lordose cervical. Este conjunto repousa sobre o sacro que funciona como uma
plataforma de apoio. O grau de curvatura é em grande parte determinado pela forma dos discos.
É o alinhamento destas três curvas fisiológicas, em posição ereta, que chamamos de postura.
Um adulto ereto tem estas três curvas fisiológicas bem equilibradas.

B
A
FIGURA 26.2 – (A) Curvaturas da coluna vertebral; (b) Posição dos ligamentos anterior e posterior.

Existem alguns fatores que influem nesta postura, como por exemplo:
324

 tendências hereditárias:como por exemplo, uma cifose dorsal pronunciada, coluna


hiperlordótica
 anomalias estruturais:podem ser congênitas ou adquiridas e resultam de patologias neuro-
musculares ou osteo-articulares.
 alterações resultantes do hábito e do treino.
A postura pode ser encarada, também, sob o ponto de vista cultural, ambiental e
psicossomático. Neste último aspecto, podemos dizer que existe uma exteriorização postural
dos nossos sentimentos íntimos. Desta maneira, o indivíduo desanimado e deprimido ficará
mais "abaixado", com os ombros caídos e a parte superior das costas arredondada pelo "peso
do mundo que carrega nas costas". Indivíduos mais baixos, tendem a ficar “esticadinhos” para
parecerem mais altos.

A COLUNA LOMBAR - A coluna lombar é, em geral, composta por 5 vértebras, e, o seu


movimento de flexão - extensão, se faz ao nível dos 5 espaços intervertebrais. O movimento de
extensão da coluna lombar é pequeno. A flexão anterior também. Esta só é possível em um grau
ligeiramente maior que a reversão da lordose lombar. A maior parte do movimento de flexão
(em torno de 3/4 do total) ocorre no último espaço: L5-S1. A porcentagem restante da flexão é
dividida em 20% para L4-L5 e 5 a 10% para L2-L3-L4. Se uma pessoa se inclina para a frente, num
movimento de tocar o chão com os dedos, sem dobrar os joelhos, o grau de flexão requerido é
maior do que o que a coluna lombar pode oferecer. Se só a flexão da coluna lombar foi feita, o
indivíduo não ultrapassa a metade da distância ao solo. A flexão adicional é feita às custas da
articulação coxofemoral.
A inervação da coluna lombar é feita pelo nervo sino vertebral e pelo ramo primário
posterior. O nervo sino vertebral se origina na porção anterior do nervo espinhal, distal ao
gânglio espinhal. Seus ramos inervam o corpo vertebral, as lâminas, o disco, o plexo vertebral
interno, tecidos epidurais e dura mater. O disco intervertebral só é inervado nas camadas
externas do anulo fibroso. O ramo posterior primário origina-se no ramo espinhal e se divide em
dois: o medial (que inerva a articulação da faceta e músculos dorsais) e o lateral. O ramo lateral
dos três segmentos lombares superiores formam nervos cutâneos que inervam a região até o
nível do trocânter maior.
A dura máter, o ligamento amarelo e os ligamentos interespinhosos são insensíveis. O
ânulo do disco quando estimulado causa dor do tipo ciático. As articulações facetárias são
sensíveis e podem ser causa de dor referida nas costas, nádegas e coxas. O espasmo muscular
que acompanha a disfunção da coluna é, por si só, capaz de produzir dor.

ETIOLOGIA DA DOR LOMBAR

Anomalias congênitas - Uma das anomalias congênitas mais comuns é a falha na fusão das
lâminas do arco neural (espina bífida). Pode ser acompanhada de hipertricose ou
hiperpigmentação na área sacral. Esta anomalia NÃO é causa de dor lombar e é tão frequente
que quase pode ser considerada como uma variante anatômica normal. Outras anomalias da
coluna lombar são: tropismo facetário, sacrilização da 5ª vértebra lombar e lumbalização de S1.
Tropismo facetário é a assimetria do alinhamento das articulações facetárias de uma
vértebra. Por exemplo: uma faceta se encontra no plano sagital enquanto outra está no plano
coronal. Embora alguns autores considerem o tropismo facetário como importante clinicamente
por ser causa de um aumento no stress rotatório, para outros é considerado como causa pouco
provável de dor lombar. Hemivértebras favorecem o aparecimento de desalinhamentos.
A lumbalização da primeira vértebra sacral aumenta o braço da alavanca da coluna lombar
e pode aumentar o stress sobre a coluna lombo-sacra. Em contraste, a sacrilização da 5ª
325

vértebra lombar, desde que toda a vértebra fique incorporada ao sacro, dificilmente é causa de
sintoma. Se a sacrilização for unilateral (Síndrome de Bertolotti) existe aumento de stress que
favorece a herniação do disco logo acima da sacrilização unilateral.
Síndrome de Baastrup ocorre quando os processos espinhosos são longos e largos e se
superpõem uns aos outros formando uma neoartrose, com desgaste nos bordos, osteosclerose
e formação de cistos. Isto é causa de dor lombar. Esta condição também tem sido reconhecida
em veterinária, em cavalos que não suportam a colocação de selas!!!
Espondilolise é um defeito provavelmente causado por trauma em um segmento
congenitamente anormal da pars interarticularis em vértebras de região lombar. O defeito é
melhor visualizado em projeções oblíquas do RX ou por tomografia computadorizada. Um
trauma maior sobre o local ou traumas menores repetidos podem promover o deslizamento
anterior do corpo vertebral, pedículos e facetas articulares superiores. À esta alteração dá-se o
nome de espondilolistese. A espondilolistese acontece mais frequentemente em L5-S1 e, ocasio-
nalmente, em L4-L5. Os sintomas são proporcionais ao grau de deslize anterior. O paciente se
queixa de dor lombar que se irradia para as nádegas. Pode existir limitação de movimento e um
grau variável de alterações neurológicas indicativas de radiculopatia pode ser encontrado.

A B

C D
FIGURA 26.3 - (a e b) Espondilolise com listese; (C) e (D) RX mostrando defeitos
congênitos-(C) -Hemivértebra; (D)- malformação de L5.
326

Afecções traumáticas das costas - Trauma é a causa mais frequente de dor lombar aguda. Em
traumas pode ocorrer fratura e deslocamento dos segmentos vertebrais. Testes de mobilidade
e manipulações forçadas devem ser evitadas. O pescoço não deve ser fletido e nem se deve
permitir que o paciente fique sentado até que o diagnóstico tenha sido feito corretamente (com
RX, tomografia etc). Isto tem a finalidade de evitar um aumento do dano, principalmente para a
medula.
Fraturas vertebrais ocorrem em quedas de alturas, violências e acidentes de automóvel.
O colapso vertebral se faz em cunha, aumentando a flexão da coluna. Quando o elemento
precipitante é mínimo, suspeita-se de que a estrutura óssea esteja enfraquecida por um
processo patológico, como p. ex., osteoporose, osteomalácia, mieloma múltiplo,
hiperparatireoidismo e carcinoma metastático. Fraturas de processos transversos associam-se,
quase sempre, com processos traumáticos em músculos paravertebrais, principalmente o psoas.
É frequente a ocorrência de hemorragia retroperitoneal significante (podendo inclusive causar
choque hipovolêmico). O diagnóstico é feito por tomografia computadorizada ou ressonância
magnética.
Lumbago é um termo usado para descrever dor lombar sem relacioná-la claramente a
uma lesão anatômica conhecida. Associa-se comumente a quedas, desacelerações súbitas como
as que se vêem em acidentes automobilísticos, e, também, com o levantamento de objetos
muito pesados. Ocasionalmente esta síndrome tem um caráter mais crônico, sugerindo um
componente de doença discal associado. A sintomatologia apresentada é a de dor lombar aguda
com postura alterada pelo espasmo muscular. A dor se limita à porção lombar baixa, alivia com
o repouso e melhora, com ou sem tratamento, em poucos dias.
A hérnia de disco consiste no extravasamento do material nuclear do disco (núcleo
pulposo) para dentro do anel fibroso. Nos casos mais graves o núcleo pode protruir através do
anel e ficar como um fragmento livre em canal vertebral. A causa é, em geral, traumática, mas,
em muitos casos, não existe uma história de um trauma específico ligado ao seu aparecimento.
Degeneração do ligamento longitudinal posterior e do ânulo fibroso, (que não são raros em
indivíduo de meia idade e no velho), ocorrem de maneira silente. Um espirro, uma tosse ou
qualquer outro movimento trivial pode levar o núcleo a prolapsar, empurrando o ânulo enfra-
quecido posteriormente. O local mais comum é entre L5-S1 e, em ordem decrescente, L4-L5, L4-
L3, L2-L3. O paciente apresenta as seguintes queixas: dor lombar, postura anormal (escoliose
reflexa) e limitação da mobilidade da coluna (principalmente flexão anterior). O envolvimento
nervoso é indicado pela irradiação radicular e por alterações sensoriais (parestesias, hiper ou
hipoestesia) no trajeto envolvido, fasciculações e espasmos musculares e diminuição de reflexos
tendinosos. Anormalidades motoras (fraqueza e atrofia muscular) também podem ocorrer, mas
não são tão proeminentes. Como a hérnia de disco é mais comum entre L5-S1; L4-L5; as raízes
mais frequentemente envolvidas são a primeira sacral e a quinta lombar. (Observe que o disco
prolapsado comprime a raiz que emerge no disco imediatamente abaixo!)
As lesões da 5ª raiz lombar produzem dor na região do quadril, virilha, coxa póstero-lateral
e panturrilha lateral ao maléolo externo, dorso do pé, 2º e 3º dedos. Parestesias podem ser
sentidas em todo o trajeto ou só na sua porção distal. Fraqueza, se presente, envolve o extensor
do hallux e mais raramente o do pé. É difícil para o paciente caminhar sobre os calcanhares.
Reflexos raramente estão alterados.
Na lesão de S1, a dor é sentida no meio da região glútea, posterior da coxa e da perna,
região plantar e do 4º e 5º dedos. Fraqueza, se presente, envolve flexores do pé e dedos. O
paciente tem dificuldade para caminhar na ponta dos pés. O reflexo aquileu está ausente ou
diminuído.
As lesões da 4ª raiz lombar são mais raras. Causam diminuição do reflexo patelar e dor na
parte anterior da coxa e joelho, com perda sensorial correspondente.
No quadro 26.1 foram colocadas as características principais das radiculopatias lombares
mais comuns.
327

QUADRO 26.1 - CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DAS RADICULOPATIAS LOMBARES MAIS COMUNS


RAIZ DOR FRAQUEZA REFLEXOS
L4 porção anterior da coxa,, joelho e perna quadríceps patelar
L5 lateral da perna e topo do pé dorsiflexão do pé nenhum
S1 posterior da perna e sola panturrilha aquileu

A síndrome dolorosa da hérnia de disco é comumente unilateral. Em situações ocasionais,


quando a degeneração do disco é maciça, existe extrusão de fragmentos livres no canal medular
e os sintomas são bilaterais. Mesmo nesta situação, os sintomas são mais severos em um dos
lados. As alterações sensoriais podem se associar à paralisia de esfíncteres.
Existem situações em que o disco se rompe para dentro do corpo da vértebra adjacente
dando origem ao chamado nódulo de Schorml, visto ao RX. Neste caso existe dor lombar sem
sintomas radiculares.

FIGURA 26.4 - Hérnia de Schmorl – desenho esquemático e exames de imagem.

Ao exame físico de um paciente com hérnia de disco vê-se espasmo provocando


aplanamento da lordose lombar e escoliose. O movimento de flexão da coluna está limitado,
mas existe conservação dos movimentos de lateralidade. Este último aspecto serve para fazer
diagnóstico diferencial com as espondiloartropatias, nas quais a mobilidade está prejudicada em
todos os sentidos.
O teste de levantamento da perna estendida (ou teste de LASÈGUE) é feito fletindo-se a
perna do paciente com os joelhos em extensão completa. Durante os primeiros 15-30º de
elevação não existe movimentação de raízes. A partir de 30º o nervo ciático é tracionado. A
maior amplitude de movimento é vista em L5; existe um movimento leve em L4 e quase nenhum
em L3 ou L2. Estes fatores sugerem que um Lasègue positivo (reação com dor ao levantamento
da perna) é útil para indicação da hérnia de disco L5-S1 e L4-L5, mas a sua ausência não significa
que não existam hérnias nos espaços superiores. Quando se suspeita de hérnia de disco em um
328

espaço superior, pode-se pedir ao paciente que proceda à flexão do tronco, estando em pé.
Nesta posição o movimento será maior em L2-L3, menor em L3-L4 e nulo em L4-L5-S1. Na
contramanobra de Lasègue, a flexão do joelho em um paciente com dor ao estender a perna,
causa alívio da mesma. Outro teste que pode ser acrescentado ao Lasègue, é a manobra de
dorsiflexão forçada do pé, na altura do tornozelo, quando for atingida a extensão indolor do
teste do levantamento da perna estendida. A flexão causa dor no trajeto do nervo ciático. Uma
terceira maneira diferente de se executar o Lasègue é fazê-lo com o paciente sentado, com as
pernas pendentes. O paciente senta-se na borda da mesa defronte ao examinador e o teste
consiste em estender a perna do paciente, abaixo do joelho, uma de cada vez. O examinador
deve observar reações de dor. Todo exame físico de um paciente com dor lombar deve incluir o
exame neurológico de mm.ii.

B C
A
D
FIGURA 25.4 – Lasègue (A), contra manobra de Lasègue (B) e suas variantes (C e D)

Quando todos os componentes da síndrome estão presentes, o diagnóstico é fácil, mas


isto nem sempre ocorre. O RX simples, em geral, não demonstra anormalidades, ou quando
muito, um estreitamento do espaço discal. Uma sombra, com densidade gasosa, pode ser vista
no espaço intervertebral (fenômeno de vacuum) visto em geral nos filmes de perfil. Tomografia
computadorizada com ou sem contraste e ressonância magnética podem demonstrar a imagem
do disco protruso. A mielografia é outro recurso utilizado, mas, elas suas complicações
potenciais, este teste vem sendo usado menos frequentemente. Eletromiografia pode ser útil
para demonstrar denervação dos músculos paravertebrais e da perna.

A B
FIGURA 25.5. Doença discal (a) herniação; (b) fenômeno do vacuum

Outras causas de dor lombar com irradiação ciática - Compressão de uma ou mais raízes
nervosas não resulta somente de doença discogênica. Pode resultar de osteófitos que façam,
329

em graus variáveis, estenose do canal intervertebral. Hipertrofia das facetas apofisárias é outra
causa.
A estenose do canal medular pode ser vista na osteoartrite está mais comumente
relacionada à excrescências ósseas (osteófitos) que comprimam as raízes da cauda equina. Além
da osteoartrite, a estenose de canal medular pode ser vista em doença de Paget, anomalias
congênitas de forma e volume do canal. Em estenose do canal vertebral, o paciente se queixa
de dor lombar bilateral, com distribuição ciática, a qual é mais é severa quando o paciente fica
em pé ou caminha e é aliviada pelo repouso (dor do tipo de claudicação). Veja, no quadro 26.2,
alguns dados que separam a dor da estenose do canal daquela causada por doença discal.

QUADRO 26.2 - DOR LOMBAR DE ORIGEM DISCOGÊNICA E DA ESTENOSE VERTEBRAL


DISCOGÊNICA ESTENOSE
Em pé/ caminhar diminui Aumenta
Sentar aumenta diminui
Manobras de Valsalva aumenta não muda
Erguer peso aumenta não muda
Repouso no leito diminui diminui

A síndrome da faceta é causada pela hipertrofia de uma faceta apofisária e produz dor
com irradiação ciática unilateral, embora esta irradiação nunca passe para baixo do joelho.
A aracnoidite adesiva lombar com radiculopatia é uma entidade a ser considerada em
pacientes que já fizeram cirurgia em coluna lombar, mielografias, ou já sofreram infecções ou
hemorragia subaracnoide. Existe dor lombar e radicular com deficiências motores e sensoriais
de leves a moderados.

Dor lombar de origem visceral - Doença pélvica, abdominal e de vísceras torácicas podem dar
dor nas costas. Como via de regra, a doença pélvica causa dor na região sacral; doença
abdominal alta ou torácica baixa causa dor lombar com um "centro" em torno de T8-L2; dor
abdominal baixa causa dor lombar em torno de L2-L4. Caracteristicamente este tipo de dor não
se acompanha de rigidez e não se altera com os movimentos.
Doenças abdominais altas ou torácicas baixas como úlcera péptica e tumores de
estômago causam mais comumente dor epigástrica, mas se a parede posterior do órgão for
envolvida e, particularmente se existe extensão retroperitoneal, a dor pode ser sentida na
"coluna". A dor das costas pode ser central ou mais intensa em um dos lados. Se vier junto com
a dor epigástrica e for muito intensa pode dar a sensação de circundar o corpo. As características
da dor lembram as do órgão primariamente afetado. Por exemplo, no caso do estômago, ela
aparece 2 horas após as refeições, alivia-se com antiácidos, etc... Doenças do pâncreas (úlcera
péptica terebrante, pancreatite, cistos, tumores) podem dar dor nas costas. Esta é mais intensa
à direita se a cabeça do pâncreas estiver envolvida, e, à esquerda se a cauda estiver implicada.
Doenças de estruturas retroperitoneais (linfomas e sarcomas, etc...) podem dar dor
lombar com uma tendência para irradiar para abdome inferior e face anterior da coxa. Aneu-
risma de aorta abdominal causa dor lombar alta ou baixa, dependendo da localização da lesão.
Dor súbita, em paciente recebendo anticoagulante, pode ser causada por hemorragia retroperi-
toneal.
Doença abdominal baixa, como aquelas causadas por doença inflamatória intestinal ou
tumores de cólon promove aparecimento de dor na parte inferior do abdome, púbis e região
lombar média. Lesões em cólon transverso causam dor ao nível de L2-L3, porção central ou à
esquerda. Lesões de sigmoide causam dor na região sacral.
Dor sacral em doença pélvica pode se dever à endometriose ou carcinoma do útero que
invadam ligamento útero sacral. Má posição do útero pode ocasionar tração neste ligamento,
principalmente quando a paciente fica em pé por muito tempo. Envolvimento de plexos
330

nervosos (o que acontece geralmente por infiltração carcinomatosa) também pode dar dor sa-
cral, a qual tende a ser pior à noite. No homem, prostatite crônica e carcinoma de próstata com
metástases são causas de dor sacral ou lombar.

Dor lombar em doenças destrutivas - Tumores metastáticos (mama, pulmão, próstata,


tireoide, rim, aparelho gastrintestinal), mieloma múltiplo e linfomas são os tumores que mais
frequentemente afetam a coluna. O local primário pode não dar sintomas. A dor tende a ser
constante e não alivia com o repouso, podendo ser pior à noite. Alterações radiografias podem
estar ausentes no início da doença, mas quando aparecem, manifestam-se como lesões destruti-
vas em uma ou mais vértebras, sem envolver o disco. A cintilografia óssea pode demonstrar este
tipo de lesão mais precocemente que o RX, embora mieloma, e, às vezes, metástases de tumores
de tireoide não apareçam à cintilografia.
Infecções na coluna vertebral resultam de organismos piogênicos (estafilococos,
coliformes) ou por tuberculose (Mal de Pott), brucelose, ou ainda fungos.
No caso do Mal de Pott existe uma predileção por envolvimento de T10-L1 e acredita-se
que a infecção seja transportada do trato urinário via plexo de Batson. Colapso com cifose é
frequente, podendo resultar em paraplegia. Embora a maioria dos pacientes esteja afebril e não
tenha leucocitose, a V.H.S. costuma estar alta. RX mostra osteoporose e estreitamento discal
com erosão e destruição das vértebras adjacentes. Abscessos paravertebrais podem ser
visualizados.
Blastomicose, criptococose, actinomicose e brucelose são outros organismos capazes de
causar infecção em coluna. A coccidioidomicose causa geralmente múltiplas lesões em vértebras
poupando o disco. A brucelose e a blastomicose afetam principalmente o disco e as vértebras
à ele subjacentes.
Osteomielite piogênica hematogênica tem predileção pela coluna vertebral em adultos
mais velhos, provavelmente por causa do rico suprimento sanguíneo da vértebra do adulto.
Infecções piogênica começam, em geral, no corpo vertebral e se espalham para espaço epidural
com formação de abscessos, fratura e colapso da vértebra envolvida, e comprometimento do
suprimento vascular medular. Os organismos mais frequentemente encontrados são
Staphylococcus aureus e Gram negativos, estes últimos associados às manipulações do trato
urinário. Com frequência estes pacientes são diabéticos. Menção especial deve ser feita a
abscessos epidurais (em geral por estafilococos), os quais necessitam de tratamento cirúrgico
urgente. Causam dor espontânea agravada pela palpação e percussão. O paciente está febril,
com queixas de dor radicular e, se não for atendido rapidamente, pode evoluir para paraplegia.
É encontrado em pacientes que usam drogas ou em pacientes com SIDA.
Pacientes com doença metabólica (hiperparatireoidismo, osteoporose e osteomalácia)
podem ter importante perda de substância óssea sem sintomas. Muitos, entretanto, se queixam
de uma dor surda, lombar ou torácica. A dor aparece mais comumente após trauma muitas
vezes trivial, que leva a colapso vertebral.
Pacientes com suspeita de doença neoplásica, infecciosa ou metabólica devem ter RX,
cintilografia, tomografia computadorizada ou ressonância magnética, assim como os exames de
laboratório dirigidos para a doença em questão.

Artrites como causa de dor lombar - Osteoartrite é o tipo mais comum de envolvimento
artrítico da coluna lombar, com dor do tipo mecânico e limitação da mobilidade. A severidade
dos achados radiológicos não guarda relação com a clínica que o paciente apresenta. Assim, um
paciente com muitas alterações radiológicas pode ser assintomático e outro, com alterações
radiológicas mínimas, pode ter muita dor. Osteoartrite da coluna pode ocasionar dor por
compressão radicular. A espondilite anquilosante é causa de dor lombar do tipo inflamatório em
indivíduos jovens. Tem início insidioso e rigidez matinal associada. Manifestações articulares
periféricas estão presentes. Com o tempo aparece limitação de mobilidade importante.
331

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL E DE IMAGEM NA DOR LOMBAR

LABORATÓRIO - Alguns testes como hemograma, VHS, cálcio, fósforo, fosfatase ácida e alcalina,
eletroforese de proteínas e parcial de urina ajudam a apontar doenças específicas que possam
ser causa da dor lombar. A solicitação destes exames deve ser orientada pelos dados obtidos
pela anamnese e exame físico.
RX SIMPLES - As chances de se descobrir a causa da dor lombar em um RX simples é baixa e a
irradiação a que o paciente é submetido para a obtenção deste exame é relativamente alta
(cerca de 15 vezes a de um RX de tórax). Existem estudos em que se demonstra que o custo e
riscos do RX simples em bases rotineiras NÃO justifica o pouco benefício que se obtém dele. No
entanto, ele pode ter valor quando existe a suspeita clínica de doenças tais como tumores,
infecções, espondilolistese, etc... Em doença discal, o que pode ser encontrado é gás
intranuclear resultante de fissuras no anel fibroso e núcleo pulposo (fenômeno de vacuum).
Quando ocorre falha estrutural, aparece estreitamento do espaço discal e esclerose reativa do
corpo vertebral. Como resultado de elevação periosteal e outros elementos irritantes formam-
se osteófitos.
Para se compreender bem o papel do RX nas doenças degenerativas deve-se conhecer
o conceito de segmento motor criado por SCHMORL e JUNGHANS para designar o conjunto de
junta apofisária e disco, incluindo todos os tecidos de suporte. Este conceito é importante para
se entender que, alterações que frequentemente começam no disco (levando à rigidez do
segmento e perda de altura do espaço discal) acabam subsequentemente por produzir um stress
anormal nas juntas apofisárias, levando-as a desenvolver osteoartrite. Demonstração
radiológica de juntas apofisárias não é fácil porque geralmente só um dos seus planos é tan-
gencial ao feixe de RX. Osteófitos desta articulação não só diminuem a sua mobilidade, mas,
também podem crescer para dentro do canal medular, estenosando-o e comprimindo o seu
conteúdo.
É comum o achado de degeneração discal ao RX em pacientes sem sintomatologia, assim
como, em um paciente com sintomatologia discal e alterações ao RX, este último nem sempre
é um bom guia para a localização topográfica do problema. Preste atenção dobrada nisto!!!

O achado de degeneração discal ao RX não implica que o disco é a causa da dor lombar.

Outros elementos que podem ser vistos ao RX são os defeitos congênitos, a espondilolise
e a espondilolistese. O defeito radiológico na pars interarticularis é evidente na projeção lateral
e, a separação com ou sem deslocamento, pode se tornar mais evidente quando o RX é feito
com o tronco em flexão. Nas projeções oblíquas tem se descrito, classicamente, a espondilolise
como um "colar no cachorrinho de Scotty". O cachorrinho de Scotty é formado por processo
transverso (cabeça), processo articular superior (orelhas), processo articular inferior (perna da
frente), processo espinho e lâmina (corpo). Na espondilolistese o cachorrinho de Scotty aparece
decapitado. O grau de gravidade da espondilolistese é medida pelo grau de deslocamento, para
frente, em relação ao sacro. Num RX lateral, o sacro é arbitrariamente dividido em 4/4. Graus
de 1 a 4 são usados para representar a posição da vértebra deslocada em relação à esta divisão.
Para diagnóstico de estenose medular são necessários exames mais sofisticados que um
RX simples, mas pode-se suspeitar desta síndrome quando o canal medular da região lombar
mede menos que 15 mm.
Outro achado possível no RX simples é o de lesões metastáticas. As lesões metastáticas
de câncer de mama podem ser osteolíticas ou osteoblásticas; as de pulmão, tireoide e rim e as
lesões de mieloma múltiplo costumam ser puramente osteolíticas. Carcinoma de próstata
332

produz mais comumente lesões osteoblásticas. Quando uma lesão tumoral se torna visível ao
RX, 25 a 30% do conteúdo ósseo foi substituído por tecido tumoral. Isto deixa bem evidente que,
estes pacientes podem ter dor nas costas, muito antes do aparecimento radiológico das lesões.
Achados radiológicos na espondilite e nas doenças metabólicas serão discutidos juntos
com os textos referentes a estas patologias
Não se recomenda a realização de RX de coluna lombar em todo paciente com dor
lombar. Existe um grande número de pacientes que se apresenta com lombalgia e não se
consegue identificar a estrutura anatômica lesada. Aliás isto acontece na maioria das vezes.
Veja bem... de todas as dores nas costas, em 85% dos casos não se consegue fazer um
diagnóstico etiopatológico definido. Hérnias de disco causam de 4 -5% dos problemas, estenoses
de canal medular respondem por outro tanto; dor visceral irradiada é responsável por cerca de
1% dos casos. A grande maioria das dores nas costas é considerada idiopática, na qual fatores
individuais e ambientais se mesclam em diferentes proporções. E eles não são poucos. Segundo,
Leboeuf e cols existem pelo menos 55 fatores próprios do indivíduo e, pelo menos outros 24
relacionados a trabalho que estão implicados em dor nas costas.
Já sabemos que exames de imagem dificilmente solucionam o diagnóstico de dor nas
costas quando a clínica não aponta para uma determinada etiopatogenia. Entretanto, não se
deve esquecer que eles carregam um potencial de iatrogênese importante. Como já foi
assinalado, um grande número de pessoas assintomáticas possuem sinais radiológicos de hérnia
de disco e de estenose de canal ao RX. Se isto é achado em alguém com sintomas, tende-se a
rotular o paciente como portador de uma patologia mais séria. Assim, excesso de investigação
sempre acarreta no risco de excesso de tratamento...Os exames de imagens devem ser
reservados para pacientes com lombalgia idiopatica que, após 6 semanas de tratamento
permanecem sintomáticos. Entretanto apesar de cientes do problema acima, muitos médicos
ainda solicitam exames radiológicos. Segundo Espeland e cols, 25 a 50% dos RX solicitados na
América, Grã Bretanha e Noruega são totalmente desnecessários e 35% dos internistas na
Alemanha solicitam RX de coluna lombar rotineiramente em casos de lombalgia. Parte desta
“conduta paradoxal” advém do medo – por parte do médico- de deixar passar um diagnóstico
mais grave; outra parte vem de pressão do próprio paciente neste sentido. Este mesmo autor,
ao estudar a avaliação de necessidade de RX do ponto de vista do paciente, notou, ao entrevistar
99 pacientes, que 72% deles consideravam este exame muito importante, principalmente se o
paciente era do sexo masculino, se eram pacientes referidos inapropriadamente a um
especialista ou se percebiam os seus sintomas álgicos como inalterados ou apresentando piora.
Quando os pacientes foram interrogados sobre o porquê desta importância, as razões
apresentadas foram: (a) - necessidade de suporte emocional (ou seja, de quem acredite que ele
tem razão para ter dor); (b)- preocupação com o diagnóstico (principalmente naqueles com
história familiar de câncer, doença reumática ou trauma); (c)- necessidade de “colocar um nome
na doença”; (d)- ansiedade; (e)- acreditar que o RX é mais importante do que o exame físico-
principalmente quando o paciente escutou opiniões diferentes de mais de um médico; (f)-
alguém lhe disse que era importante e (g)- acreditar que o resultado do RX vai trazer mudanças
de ordem prática como mudança no tratamento ou aposentadoria.
No sentido de facilitar este tipo de decisão pelo médico, a Agency for Health
Policy and Research divulgou os chamados sinais de alerta ou “red flags” mostrando em que
situações, o RX de coluna deve ser solicitado já na primeira consulta . Estas situações estão
resumidas no quadro 26.3.

CINTILOGRAFIA ÓSSEA - Serve para definir a origem da dor nas costas em certas situações tais
como, tumores e infecções.

DISCOGRAFIA- Consiste na injeção de contraste radiológico hidrossolúvel no disco


intervertebral. Em discos normais é difícil injetar mais do que 1 ml de contraste no núcleo; existe
re¬sistência à injeção (não dor). Em um disco com alterações degenerativas é fácil de injetar e,
durante a injeção, pode ocorrer reprodução da dor.
333

QUADRO 26.3 -“RED FLAGS” OU SINAIS DE ALERTA PARA SOLICITAÇÃO DE


RADIOGRAFIAS DE COLUNA LOMBAR

 SUSPEITA DE FRATURA
História de trauma maior;
História de trauma menor em idosos ou c/osteoporose.
 SUSPEITA DE TUMOR OU INFECÇÃO
Aparecimento da dor em pessoas com mais do que 50anos;
História pregressa de câncer;
Dor noturna;
Sintomas constitucionais como febre, perda de peso etc...
Infecções bacterianas recentes ou uso de drogas EV;
Imunossupressão.
 PACIENTES COM SINTOMAS DE SÍNDROME DA CAUDA EQUINA
Anestesia em sela;
Disfunção de esfíncter;
Deficit neurológico de membros inferiores.

DISCOGRAFIA - Consiste na injeção de contraste radiológico hidrossolúvel no disco


intervertebral. Em discos normais é difícil injetar mais do que 1 ml de contraste no núcleo; existe
resistência à injeção (não dor). Em um disco com alterações degenerativas é fácil de injetar e,
durante a injeção, pode ocorrer reprodução da dor. O aspecto radiológico de degeneração
consiste na difusão do contraste através do disco com ocasional extravasamento do material
pelo espaço epidural.

TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA - Detecta a herniação discal em 95% dos casos. Serve


também para detecção de estenose do canal, compressão radicular por osteófito, etc. Este teste,
entretanto, não demonstra degeneração, nem lesões intradurais, a menos que exista contraste
intratecal. Falso positivo, resultante de degeneração discal assintomática pode dificultar a
interpretação destes testes. Assim, o achado de lesão discal na tomografia, não garante que esta
é a causa dos sintomas do paciente.

RESSONÂNCIA MAGNÉTICA - Este teste tem uma série de vantagens quando comparado com
outras técnicas de radiologia. Ele mostra o comprimento todo do canal medular e pode separar
as imagens ósseas das produzidas por tecidos moles sem necessidade de contraste. Não deve
ser utilizado em pessoas com marca-passos nem com clipes em vasos ou abdominais. Clipes
tendem a migrar e marca-passos podem ficar desregularizados. Da mesma maneira que
acontece com a tomografia, achados de lesão discal na ressonância magnética só têm valor
quando correlacionam com a clínica.

MANEJO DO PACIENTE COM DOR LOMBAR

Não existe dúvida alguma que, em dor lombar, o aspecto preventivo é muito importante.
Existiriam menos queixas de dor lombar se a maioria das pessoas mantivesse os músculos do
tronco em boa forma, o que pode ser feito através da natação, andando de bicicleta,
caminhando ou correndo. Um programa de redução de peso e exercícios regulares para forta-
lecer a musculatura abdominal e para-espinhal é o suficiente para os que têm sintomas discretos
ou simplesmente, um desconforto na região lombar. O horário ideal para os exercícios é pela
manhã, quando as costas estão mais rígidas pela inatividade da noite.
Colchões apropriados e cadeiras com suporte adequado ajudam a manter a postura
correta. Viagens longas de carro ou avião, que não permitem mudanças frequentes de posição,
trazem problemas para o disco e para a estrutura ligamentar. Levantamento de pesos com o
334

tronco em flexão deve ser evitado. Atividades extenuantes, sem condicionamento prévio e sem
aquecimento, também são causa de problema para o disco e ligamentos.
Lesão ligamentar e muscular ou prolapsos discais pequenos são, em geral, autolimitados,
respondendo a medidas simples em pouco tempo.
O repouso já foi muito valorizado no tratamento da lombalgia. Todavia repouso completo
prolongado deve ser evitado, para não se permitir que ocorra o descondicionamento dos
músculos das costas e para não criar problemas de ordem psicológica, que dão ao paciente a
sensação de que está inválido. Coletes também não devem ser usados de maneira constante
para não causar descondicionamento muscular.
A terapia física (como termoterapia e/ou massagens) tem valor como relaxante muscular
e analgésico. Além disso, pelo fato de incluir o ato físico de contacto direto com o paciente, tem
um efeito psicológico bastante positivo.
As manipulações são bastante comuns em nosso meio (“colocação da coluna no lugar...”)
e consistem na realização de alguns movimentos bruscos que frequentemente trazem alívio
imediato da dor. Só que esta melhora é bastante efêmera.
Analgésicos (puros ou anti-inflamatórios) podem ser utilizados liberalmente nos primeiros
dias. Pode-se associar o uso de relaxantes musculares. Após o período agudo permite-se que o
paciente assuma gradualmente as suas atividades. Aí, a educação postural e exercícios para
aumentar a força e tonicidade dos músculos abdominais e para espinhais são desejáveis. Os
exercícios físicos além de melhorarem a força muscular, melhoram a nutrição das cartilagens
articulares, inclusive as dos discos intervertebrais: melhoram a oxigenação dos músculos, assim
como as funções respiratórias e cardiovasculares. Os exercícios aeróbicos parecem aumentar
também o nível sérico das endorfinas, aumentando a capacidade de tolerância à dor.
Cerca de 50% dos pacientes com hérnia de disco melhoram em uma semana, 80% em
duas semanas, 90% em 2 meses, a despeito do tratamento utilizado. Dos restantes, um pequeno
número pode ser considerado como candidato ao tratamento cirúrgico.
O tratamento cirúrgico mais comumente utilizado é a hemilaminectomia com retirada do
disco envolvido; artrodese é feita se existe instabilidade, em geral, em casos em que existe uma
anomalia congênita como, por exemplo, espondilolistese. Este tipo de cirurgia só deve ser
indicado quando se têm objetivos claramente definidos, ou seja, um reconhecimento completo
do problema subjacente. Indicações absolutas são: protrusão maciça central posterior causando
síndrome de compressão da cauda equina (com paralisia de esfíncter de bexiga e reto), e
ocorrência de danos neurológicos progressivos a despeito de tratamento conservador. As
indicações relativas de cirurgia são mais difíceis de definir. Nela estão: a dor tipo ciático
persistente (a despeito de tratamento conservador adequado) e os ataques recorrentes, muito
frequentes, que interfiram com a vida normal do paciente.Dor lombar isolada, sem evidência de
compressão de raiz nervosa, é insuficiente para indicar discectomia.
Quemonucleólise é um tratamento alternativo à cirurgia, que consiste na injeção de
papaína dentro do núcleo pulposo do disco herniado. Outras técnicas utilizadas são as de
infiltração com corticoides intratecal e epidural ou ainda infiltração intradiscal e do manguito da
raiz nervosa, com resultados variáveis.

Leitura complementar 26.1- A questão da dor lombar e do


afastamento do trabalho.

A dor lombar crônica parece gerar-se dentro de um modelo bio-psico-social,


onde o sintoma doloroso agudo inicial é amplificado por atitudes e crenças do seu portador,
estresse psicológico, comportamentos patológicos e percepção do meio como hostil, tornando-
se duradouro.
335

Baseado nesta forma de percepção existe a proposta de observação das chamadas


“yellow flags” como sinais de alerta para cronificação da dor lombar as quais se encontram no
quadro 26.4.

QUADRO 26.4- “YELLOW FLAGS” OU SINAIS DE ALERTA PARA CRONIFICAÇÃO


DA DOR LOMBAR.
 Atitude negativa – “dor nas costas é algo muito sério”;
 Comportamento que demonstre medo e diminuição de níveis de atividade;
 Expectativa que tratamento passivo e não ativo resolve o problema;
 Tendência para depressão e isolamento;
 Problemas sociais e financeiros.

Um portador de dor lombar crônica é um grande problema do ponto de vista laborativo


uma vez que o retorno ao trabalho acontece em apenas 50% dos indivíduos que ficam afastados
por 6 meses. O retorno após 1 ano de afastamento é praticamente nulo .
Desta maneira é importante que o clínico que atende a estes pacientes permaneça
alerta para situações nas quais o retorno ao trabalho é mais lento, porque tais casos serão os
mais difíceis de resolver. É aqui que entra o problema de pacientes que recebem um rótulo
errado de lesão discal ou estenose de canal medular que, sendo investigados em excesso,
também são tratados em excesso e, considerando-se muito doentes, estes pacientes demoram
em retornar ao trabalho... Muitos médicos, nesta situação, apenas reforçam o “comportamento
doentio”.
Para que se possa ficar alerta aos casos que tendem a não evoluir bem, é importante
saber que, na história natural de um paciente com dor lombar existem três fases distintas: (a)-
uma fase aguda, auto-limitada na maioria das vezes e que perdura até 4 semanas após o início ;
(b) uma fase subaguda - que vai de 4 semanas até 12 semanas após o inicio e (c) uma fase
crônica – que se inicia 3 meses após o início dos sintomas.
Pacientes que adentram na fase subaguda devem receber um tratamento agressivo,
com uma abordagem multidisciplinar envolvendo fisioterapeutas, especialistas em reabilitação
para o trabalho, psicólogos e psiquiatras, tendo sempre em mente que é necessário estabelecer
metas realísticas para a terapêutica proposta e que elas devem incluir alivio da dor e redução
da incapacidade. Só assim o médico consegue minimizar a incapacidade por dor lombar crônica.

Referências:

Deyo R, et al. Low back pain. N England J Med 2001;344: 363-70.


Deyo, RA, etal. Descriptive epidemiology of low back pain and its related medical care in the United States. Spine
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Frank JW, et al. Disability resulting from occupational low back pain. Spine 1996; 21: 2918-29.
Jensen S. Back pain-clinical assessment. Aust Fam Physician. 2004 ; 33(6):393-5, 397-401.
Kirkaldy-Willis K. Low Back Pain, Clinical Symposia, CIBA, 1980,32: 6.
Leboeuf-Y de C. et al. Why has the search for causes of low back pain largely been nonconclusive? Spine 1997;22:677-
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Lipson S. Low Back Pain, In KELLEY’s Textbook of Rheumatology, W.B. Saunder, Co. 1995,p.454
Quinet RJ, et al. Diagnosis and Treatment of Backache, In Seminars in Arthritis & Rheum, 1979, 8:261-87
336

Capítulo 27- Dor cervical e cervicobraquialgia

Quando um paciente se apresenta com dor no pescoço, pode existir um problema


diagnóstico. Isto acontece porque a dor em região cervical pode ter origem nos tecidos do
próprio local ou pode ser uma dor referida, originária de outras regiões. Dor no pescoço ocorre,
na prática geral, um pouco menos comum que a dor lombar, mas, dificilmente, causa tanta
incapacidade para o trabalho como esta. Como já foi dito, dores cervicais podem se dever à
irradiação de uma afecção de estruturas internas, como por exemplo; coração e artérias coro-
narianas, ápice de pulmão (tumor de Pancoast), diafragma, vesícula biliar, pâncreas, hérnias de
hiato e úlceras gástricas. O mais comum é que, no entanto, elas se devam ao envolvimento das
estruturas músculo esqueléticas da região. Antes de estudar as causas músculo esqueléticas de
dor cervical vamos rever a anatomia e fisiologia da região.

ANATOMIA FUNCIONAL DA COLUNA CERVICAL

A coluna cervical é um conjunto de unidades funcionais superpostas. No caso da coluna


cervical existem basicamente dois segmentos funcionalmente distintos: (1)- crânio-1ª vértebra
e C1-C2 (ou atlas-áxis); (2)- o restante da coluna que é formado por unidades similares entre si
e que têm uma porção anterior responsável pela sustentação do peso e absorção de choques e
uma posterior deslizante. Vamos começar o estudo por esta segunda parte que já nos é par-
cialmente conhecida, vistas as suas semelhanças com a coluna lombar.
A porção anterior é formada pelos corpos vertebrais separadas pelo disco - o qual tem um
conteúdo fluido e cujas propriedades hidráulicas permitem a compressão transitória e os
movimentos da unidade funcional. Tudo o que foi falado para coluna lombar, é valido aqui.
Vamos enfatizar apenas as diferenças mais óbvias entre estes dois segmentos:
 - os placas vertebrais da coluna lombar são planas e paralelas e o núcleo pulposo está no
centro do disco. Na coluna cervical as placas são côncavo-convexas e o núcleo pulposo está na
porção anterior do disco.
 - na coluna lombar o disco é discretamente mais alto na porção anterior que na posterior de
tal forma que as margens inferior e superior são quase paralelas. Já na coluna cervical, a altura
anterior é quase duas vezes a posterior, de tal forma que o perfil do disco é o de uma cunha.
Isto aumenta a curvatura (lordose) da coluna cervical.
 - o anel fibroso na região lombar tem uma espessura simétrica ao redor da periferia do disco.
Na coluna cervical a porção anterior é mais espessa e mais larga do que o restante.
Além destas diferenças que dizem respeito ao disco existem outras como, por exemplo:
 - na coluna cervical existem duas "articulações" adicionais, localizadas ao longo da margem
lateral posterior da placa vertebral terminal. Estas articulações são conhecidas como ar-
ticulações intervertebrais ou de Von Luschka. Embora chamadas de articulações, elas são apenas
projeções ósseas que se articulam entre si e, portanto, falsas articulações ou pseudo-artroses.

 - o ligamento longitudinal posterior que é incompleto na região lombar, é espesso e largo na


região cervical formando um poderoso reforço.
A porção posterior é formada pelos arcos vertebrais, processos transversos, espinhosos e
articulações facetárias. Estas últimas estão direcionadas de tal maneira que guiam o movimento
entre duas vértebras subjacentes. As facetas são semelhantes no formato e plano de direção
desde C3 até C7, permitindo movimentos similares entre essas vértebras.
Vamos analisar agora a anatomia funcional da primeira porção da coluna. Entre o crânio
e atlas a movimentação é principalmente de flexão e extensão da cabeça (em torno de 35º).
Todos os outros movimentos entre crânio e atlas estão impedidos pelas facetas articulares e,
337

quando o pescoço faz a rotação lateral, occipital e atlas se comportam como uma peça única.
Entre C1 e C2 ocorre a maior movimentação de toda a coluna, sendo possível uma rotação de
90º. (50% da rotação total do pescoço acontece entre C1 e C2 antes que seja notada rotação de
C2-C7). Entre atlas e áxis é possível alguma flexão e extensão. Como a faceta inferior de C1 é
plana e a superior de C2 é convexa, flexão e extensão acontecem neste nível, de maneira
semelhante ao movimento de uma gangorra.
A coluna cervical como um todo tem uma curva lordótica com convexidade anterior de
C1 a C7. Acima de C1 há uma angulação aguda que permite que a cabeça fique no plano
horizontal.
Os movimentos do pescoço adaptam-no à sua função de sustentar a cabeça e permitir o
funcionamento dos órgãos do sentido nela contidos. A sua mobilidade total é uma somatória de
todos os movimentos segmentares, sendo que a maior parte dela acontece entre o crânio e C3.
Abaixo de C2 a movimentação depende da elasticidade dos ligamentos e do grau de
compressibilidade dos discos. C7 tem o comportamento de uma vértebra torácica. Os
movimentos ântero-posteriores puros são possíveis na coluna cervical; já a flexão lateral e
rotação nunca ocorrem de maneira isolada abaixo de C2.

FIGURA 27.1- Anatomia vertebral - coluna cervical.

O ponto de maior flexão e extensão corresponde à região de C4 a C6 (o local máximo é


C4-C5). Como este é, também, o ponto de maior curvatura da coluna quando estática, a tensão
é muito grande aqui. Não é de se admirar que, neste local, ocorram desgastes e rompimentos
com maior frequência.
É importante saber que durante a flexão e extensão da coluna muda a abertura do forame
intervertebral. Com a flexão ele se abre e com a extensão ele se fecha. Os movimentos de flexão
lateral e rotação do pescoço também influem no seu tamanho; eles se fecham para o lado que
a cabeça se inclina lateralmente e para o qual ela se vira. Em uma coluna normal este
estreitamento não é suficiente para comprimir qualquer dos tecidos contidos nos foramens, mas
isto passa a ser importante em uma coluna anormal.
O canal cervical também se alonga com a flexão anterior e se encurta com a extensão. Na
rotação da cabeça, o canal cervical se estreita e este estreitamento é causado pela dura mater
que, inserida no crânio, gira em torno da coluna e se fecha no seu centro como se fosse o dia-
fragma de uma máquina fotográfica.
Os ligamentos do pescoço são resistentes e ajudam a manter o suporte muscular, porém,
devem ser suficientemente frouxos para permitir uma boa amplitude de movimentos. Os
ligamentos que unem atlas e áxis são largos e densos, protegendo a entrada da medula no
forame magno. A estabilidade atlas-áxis depende quase que inteiramente desta estrutura
ligamentar; o atlas se move ao redor do processo odontoide do áxis ao qual está firmemente
preso pelo ligamento transverso ou cruzado. Este ligamento pode se romper em situações de
traumatismo ou em casos de artrite reumatoide avançada. No restante da coluna, os ligamentos
longitudinais anteriores e posteriores reforçam o anel fibroso do disco.
338

Quanto à musculatura do pescoço, a massa principal do grupo dos extensores se localiza


em área atlanto-axial, o que indica que esse é o ponto principal de tensão. A maioria dos flexores
se localiza na 4ª cervical que é, por isso, o ponto de maior tensão flexora.

ETIOLOGIA

DOENÇAS QUE CAUSAM DOR PREDOMINANTE NO PESCOÇO

Tensão muscular - A dor é causada pela contração excessiva ou constante da musculatura


paravertebral. É comum em pacientes tensos e ansiosos, em indivíduos que trabalham num
mesmo projeto por horas a fio, ou que tenham passado dirigindo automóvel por um longo
período ou, ainda, que dormiram sentados em uma cadeira. Outro fator agravante é o costume
que muitos têm de dormir de bruços, hiperextendendo a cabeça se usarem travesseiro. Mais
raramente é precipitada por hiperextensão da cabeça durante trabalhos executados acima do
nível da cabeça, como por exemplo, pintar o forro de uma casa.
Nestes casos é frequente o achado de um ponto de hiperestesia local na base do oc-
cipício (ponto de inserção muscular), assim como de pontos dolorosos sobre o trapézio. Os
possíveis mecanismos da dor já foram discutidos anteriormente.

Espondiloartrose - É uma a situação bastante comum. As alterações degenerativas são vistas


nas juntas apofisárias, mais frequentemente em nível de C1 a C3. Osteoartrite sintomática é um
diagnóstico clínico. O achado de limitação de amplitude de movimento se deve, provavelmente,
ao espessamento da cápsula articular. É importante frisar que existe pouca correlação entre o
grau de dor do pescoço e o grau de alterações artríticas encontradas ao RX. Quando existe
intensa erosão da cartilagem das articulações do pescoço pode existir crepitação. Todavia, a
crepitação não está relacionada à dor.

Torcicolo (ou “pescoço duro”) - É uma escoliose da coluna cervical associada à dor e
incapacidade. Na criança, o torcicolo pode ser causado por trauma, infecções de garganta,
faringe ou adenite cervical. No adulto, pode ser causado por infecções virais, uso de drogas,
distensão muscular, problemas psicológicos, ou por uma subluxação traumática apofisária
unilateral. O torcicolo psicogênico é um espasmo habitual, um "tique" psiconeurótico, que
expressa um conflito emocional. A etiologia emocional é sugerida por achados bizarros à história
e ao exame físico com queixas desproporcionais aos achados de exame físico.
A subluxação ou pinçamento unilateral de uma faceta acontece quando, em posição de
flexão, extensão ou rotação completa, as articulações, que já estão quase subluxadas, se
excedem nos limites do movimento normal.

Neuralgia occipital - Causa dor e parestesia na base do crânio e algumas vezes em todo o couro
cabeludo. Deve-se à irritação do nervo occipital, em geral resultante de trauma ou de doença
degenerativa da articulação atlanto-axial. A dor pode ser desencadeada por distensão muscular
causada por tarefas realizadas com os braços hiperextendidos acima da cabeça e pela palpação
local.
O tratamento é feito com infiltrações nos pontos dolorosos, instruções para dormir em
posição apropriada e exercícios para fortalecimento dos músculos eretores da espinha.

Bursite interespinhosa cervico-torácica - É causa de dor na linha média da região cervical


posterior e inferior. Resulta da formação de uma bursa entre os processos espinhosos posterior
de C7-T1. O paciente, geralmente, é portador de cifose torácica acentuada e se queixa de uma
dor que piora quando senta ou repousa e que melhora com exercícios. O exame físico mostra
dor localizada e, às vezes, pode se palpar um aumento de volume. A mobilidade da coluna é
339

normal. Tratamento é feito com infiltração local, com correção da posição de dormir e evitando
posições que promovam a hiperextensão da coluna.

A B
FIGURA 27.2- Cervicalgia (A)- neuralgia occipital; (B) bursite de C7.

Artrites - As que envolvem região cervical são: artrite reumatoide (principalmente atlas-axis),
artrite reumatoide juvenil e as espondiloartropatias soronegativas.

Outras doenças mais raras - Outras doenças encontradas neste local são neoplasias (primárias
ou metastáticas), doença de Paget, osteomielite (tuberculose, estafilococos), meningite etc...

DOENÇAS QUE CAUSAM DOR NO PESCOÇO E NO OMBRO COM OU SEM IRRADIAÇÃO PARA O
BRAÇO

Doença discal - A dor de origem discal é geralmente radicular e varia de uma sensação profunda
e penosa até uma dor aguda superimposta. A irritação da raiz sensitiva produz uma dor do tipo
choque elétrico ou fulgurante ou, ainda, parestesias que são sentidas mais nas extremidades. A
irritação da raiz motora causa uma dor descrita como mais proximal, em ombro e axila
semelhante a uma sensação desagradável, vaga e profunda. Para que elemento irritante cause
dor a um nervo é necessário que exerça pressão variável sobre o mesmo. Portanto, se a pressão
é constante não haverá dor, ou se esta existir, não persistirá. (Este é um conceito sobre dor que
fornece um princípio útil para se usar no tratamento).
Quando o disco se degenera, os corpos vertebrais se aproximam promovendo, também,
a aproximação das articulações de Von Luschka. Em consequência da irritação e fricção cons-
tante, elas se convertem em local de formação de osteófitos, os quais podem invadir o canal
medular, estreitando-o. A aproximação das unidades anteriores acarreta, inevitavelmente, na
aproximação das articulações posteriores, com pressão e lesão da cartilagem articular e
desenvolvimento de alterações osteoartríticas neste local.
Espondilose é um termo reservado para descrever alterações degenerativas de uma
articulação vertebral resultante de degeneração discal. Osteófitos aparecem predominante-
mente nos ápices das concavidades das curvas fisiológicas da coluna, ou seja, em C4-5, C5-6; T8
e L3-4. Osteófitos anteriores ocorrem mais frequentemente na coluna torácica, ao passo que,
osteófitos posteriores são mais comuns na coluna cervical e lombar. Esta distribuição se explica
com o conceito de que a pressão é sempre maior no lado côncavo da curva.
A habilidade de um paciente descrever sua dor pode auxiliar o médico na localização do
problema, como já foi visto anteriormente. Além de dor o paciente pode apresentar queixas de
parestesias, limitação da mobilidade do pescoço, fraqueza, cefaléia, pseudo-angina pectoris e
dos distúrbios simpáticos como borramento visual, lacrimejamento de um ou ambos os olhos,
alterações de equilíbrio. Distúrbios da marcha, alterações auditivas com ou sem tinitus podem
340

resultar de insuficiência das artérias vertebrais que podem ser comprimidas pelas estruturas
cervicais. Disfagia pode resultar de osteófitos que crescem anteriormente e comprimem o
esôfago, de anormalidades em C7 e de alterações simpáticas. Até sintomas bizarros que podem
passar como "funcionais ou psiconeuróticos" como falta de ar (C3 a C5 inervam musculatura
respiratória), palpitações e taquicardia associadas com hiperextensão do pescoço (C4 inerva
diafragma e pericárdio), síncopes, perda abrupta do sentido de propriocepção (insuficiência da
circulação posterior) etc, são encontrados. Na figura 27.3 B alguns dos principais dermátomos
inervados por ramos cervicais.
O exame do paciente deve incluir pesquisa da mobilidade da coluna cervical. A manobra de
Spurling, (compressão do topo da cabeça em pacientes sentados em uma superfície dura) leva
ao fechamento dos forames, com reprodução dos sintomas. Quando a manobra de Spurling é
positiva, a suspensão do paciente pela cabeça alivia os sintomas. Deve-se, também, proceder ao
exame neurológico completo, incluindo exame dos pares cranianos assim como exame
minucioso de partes moles do pescoço, à procura de adenopatias que possam apontar para uma
doença sistêmica.

A semiologia armada conta com RX, tomografia computadorizada, ressonância magnética


e eletromiografia. Não é demais enfatizar que o achado de alterações radiológicas do tipo
degenerativo na coluna não implica que ela seja a causa dos sintomas.

B C
FIGURA 27.3 (a) Manobra de Spurling; (b) Dermátomos inervados por ramos cervicais; (c)
Espondilose ao RX.

No tratamento inclui-se o uso de analgésicos e anti-inflamatórios, repouso, educação da


postura (principalmente correção da posição ao dormir) e fisioterapia. Existe quem indique
tração cervical em pacientes com manobra de Spurling positiva, mas o seu uso é discutido. O
uso de um colar cervical é benéfico nas crises dolorosas, mas o seu uso deve ser por um período
limitado, para impedir que venha a ser causa de fraqueza por desuso da musculatura.

Subluxação da coluna cervical e síndrome do chicote - O termo "chicote" é controverso e esta


síndrome não goza de unanimidade de compreensão, nem de aceitação. Ela é empregada para
descrever a sequência de eventos que acontece quando alguém sofre uma colisão por detrás. O
impacto move abruptamente a porção inferior do corpo para diante, mas a cabeça permanece
momentaneamente no seu lugar. Esta, porém, sendo pesada e suportada por um uma haste
341

flexível e delgada, se arqueia para trás, através de um movimento de extensão. O movimento


para trás é rápido e pega o reflexo muscular de proteção desprevenido. Excedendo-se a
influência limitante dos ligamentos, que deviam estar protegidos pela musculatura, ocorre
hiperextensão em vários graus. Ao continuar a fase extensora, os músculos flexores se
contraem, e provocam um movimento de reação, que também é compressivo. Isto não pode
resultar numa flexão legítima do pescoço uma vez que a linha de tração dos músculos flexores
em um pescoço hiperextendido tem um ângulo de ação diferente sobre o eixo da coluna. O
resultado é uma ação que sendo muito mais compressiva do que flexora. Em resumo, ocorre
uma hiperextensão seguida de hiperflexão compressiva.
Quando o paciente é submetido a um processo de desaceleração brusca, os movimentos
ocorrem em ordem inversa. Existe, primeiro, uma hiperflexão brusca seguida de extensão. Tanto
a hiperflexão como a hiperextensão provocam entorse e subluxação. Os sintomas variam desde
dor local a sinais de compressão radicular ou de lesão de medula espinhal.

Síndrome do desfiladeiro - É uma síndrome resultante da compressão de estruturas


neurovasculares da extremidade superior (plexo braquial e vasos subclávios e axilares). Os
sintomas estão na dependência da estrutura comprimida e do grau desta compressão. Esta
síndrome será discutida com maiores detalhes durante o estudo das síndromes
compartimentais.

Distrofia simpático-reflexa - Esta é uma doença que prima pelas numerosas denominações:
causalgia, atrofia de SUDECK ou de SUDECK-LERICH, síndrome ombro-mão, distrofia simpático-
reflexa e, a mais moderna, síndrome de dor regional complexa (CRPS). Esta última é a mais
usada.
É uma síndrome dolorosa de extremidades (mais comumente, de membro superior) as-
sociada a disfunção do sistema nervoso simpático. É relativamente comum e está associada a
doenças traumáticas locais (p. ex.: fratura de Colles, lesão de nervos periféricos), doenças
músculo esqueléticas (p. ex.: espondilose cervical), doenças viscerais (p.ex: doença coronariana
isquêmica, varicela, carcinomas), desordens do SNC ou da medula (p.ex: hemiplegias), choques
elétricos, mergulhos, estresse emocional e uso de certas drogas (antituberculosos e
anticonvulsivantes). A denominação de CRPS tipo 1 é reservada para as situações em que esta
síndrome aparece depois de um evento clínico e não tem uma lesão nervosa definida; já a CRPS
tipo 2 é reservada para aqueles com lesão nervosa definida (em geral, secundária a traumas ou
cirurgias).
Afeta ambos os sexos, aparece mais comumente após os 50 anos e não tem preferência
pelo lado dominante do corpo. Estes pacientes têm tendência para apresentarem
hipertrigliceridemia e distonias neurovegetativas.
Ombro e mão são os locais mais afetados. Clinicamente o paciente se apresenta com
dor, rigidez, alterações vasomotoras, hiperestesia, anodinia e impotência funcional. Anodinia é
a sensação de dor ao simples toque da pele. No caso da síndrome envolvendo ombro e mão tem
se observado 3 estágios bem distintos da doença:
(1)- fase aguda: nela existe aumento de fluxo sanguíneo com aumento de temperatura da pele
e intolerância ao calor. Unhas e pelos crescem de maneira acelerada. O membro fica
edemaciado, avermelhado e impotente. Dura, em geral de 3 a 6 meses.
(2)-fase distrófica: resolução do edema. Ao contrário da fase anterior, a dor piora com frio. Existe
uma diminuição do fluxo sanguíneo e da temperatura. A pele fica pálida e cianótica; o cresci-
mento das unhas e dos pelos diminui. Estruturas cutâneas e subcutâneas atrofiam. Ao RX
observa-se uma osteoporose salpicada e desmineralização epifisária periarticular. Comumente
o paciente exibe alterações emocionais associadas com a proteção da parte afetada.
(3)-fase atrófica: as alterações de sensibilidade e vasomotoras desaparecem e as alterações
tróficas ficam mais evidentes e, em geral, são irreversíveis.
342

Nem sempre os três estágios são bem distintos. A duração é variável, podendo se arrastar
por anos.
O diagnóstico é feito pela clínica, achados radiológicos típicos (de osteoporose no local
envolvido) e cintilografia (que mostra acúmulo de substâncias radioativas no membro afetado).
O tratamento inclui uma grande variedade de possibilidades terapêuticas; nenhuma delas é
realmente efetiva. Utilizam-se bloqueios simpáticos únicos ou em série, simpatectomia, uso de
 bloqueadores e/ou corticoides em altas doses por um curto período de tempo. Outras drogas
que podem ser utilizadas são os bisfosfonatos e a calcitonina, gabapentina, pregabalina,
clonidina, antidepressivos além de terapia física. Mobilização precoce em pacientes com I.A.M.
ou A.V.C. é a melhor medida preventiva em indivíduos com tendência para desenvolver esta
síndrome. Em pacientes com fratura de Colles, o uso de vitamina C parece ajudar a evitar o
aparecimento desta entidade.

FIGURA 27.4- Edema de mão unilateral e difuso- em síndrome de dor regional complexa.

DOENÇAS QUE CAUSAM DOR PREDOMINANTE NO OMBRO

Periartrite do ombro - Sob este nome genérico existe um grande número de patologias: a
bursite subacromial, tendinites, capsulite adesiva, ruptura do manguito rodador do ombro etc...
Estas patologias são frequentemente denominadas de ombro doloroso.
Antes de estudarmos as patologias do ombro, convém rever alguns aspectos relevantes da
anatomia dessa região.
A articulação glenoumeral é uma articulação sinovial com marcada discrepância entre a
área de superfície da curvatura da cavidade glenoide e a face da cabeça do úmero. Em outras
palavras, é uma articulação "rasa"; só uma pequena porção da cabeça do úmero está em contato
com a cavidade glenoide. A cápsula articular tem paredes finas e é bastante frouxa; o seu
retesamento com o braço pendente previne o seu deslocamento para baixo e, a sua frouxidão
permite o movimento de deslize da articulação escapulo umeral. O tendão da cabeça longa do
músculo bíceps adentra na cápsula, mas não penetra na cavidade sinovial, ou seja, é
intracapsular e extra sinovial.
Chama-se manguito rodador do ombro ou bainha músculo tendínea ao conjunto dos
músculos supra-espinhoso, infra-espinhoso, redondo menor e subescapular. (A ação rotatória
destes músculos se faz em torno de um ponto situado no centro da cabeça do úmero. Não é a
rotação de sua diáfise!). Há uma abertura na porção anterior deste manguito rodador entre o
supra-espinhoso e o subescapular através do qual passa o bíceps, sua bainha e uma invaginação
da cápsula sinovial. Esta abertura é reforçada pelo ligamento córaco-umeral e o ligamento
transverso do úmero. No tendão do manguito rodador do ombro existe uma zona crítica, que é
o ponto de maior força de extensão, na qual ocorrem lacerações com facilidade.
343

FIGURA 27.5 Anatomia do ombro

As tendinites afetam principalmente os tendões dos músculos supra-espinhoso, infra-


espinhoso e bíceps. Tendões são estruturas dotadas de uma vascularização pobre quando
comparada com a de outros tecidos. Por isso, o seu poder de regeneração é baixo e estão
frequentemente sujeitos a inflamação crônica. Além disso, este tipo de tecido tem uma grande
avidez por sais de cálcio, principalmente cristais de hidroxiapatita, o que favorece a sua
deposição.
A tendinite do músculo supra-espinhoso afeta geralmente pessoas acima dos 45 anos e
tipicamente aparece ou piora com a realização de certas tarefas repetitivas, ou com suporte de
peso, principalmente se realizadas acima do nível do ombro. A dor se localiza sobre a região do
deltoide e não costuma irradiar. É pior à noite e ao realizar movimentos (principalmente com
abdução). Pode ocorrer deposição de cálcio (tendinite calcificada) que é visível ao RX , mas isto
nem sempre pode ser implicado como elemento causal na dor do paciente. No entanto, na situa-
ção em que ocorre ruptura com deposição de cálcio na bursa subacromial, a dor pode ser
intensa. Ao exame físico encontra-se sensibilidade sobre o local de inserção do supra-espinhoso
e sinal do arco positivo. O sinal do arco é dito positivo quando, ao se fazer abdução e elevação
do braço o paciente se queixa de dor entre 45-60 graus.
A tendinite do músculo infra-espinhoso causa dor localizada mais abaixo no deltoide que
se acentua com a rotação externa. Ao exame físico encontra-se sensibilidade sobre a palpação
da inserção do infra-espinhoso. Também pode calcificar (o que é um sinal de que existe um
processo degenerativo) e isto aparece ao RX.
A tendinite do músculo bíceps é também bastante comum e se desencadeia, ou piora,
com exercícios repetidos de levantamento de peso. A dor se localiza na parte da frente da
cabeça do úmero e aparece à elevação para frente, rotação e abdução. Pode se irradiar para
baixo, sobre o músculo bíceps; para cima até a inserção do deltoide e até a porção lateral do
pescoço. É uma dor que também piora à noite. Este tendão não costuma se calcificar. Ao exame
físico encontra - se dor no ponto de inserção do tendão da cabeça longa do músculo bíceps e a
manobra de Yergason é positiva. A manobra de Yergason é pesquisada pedindo-se ao paciente
para fletir o cotovelo e fazer uma supinação forçada do antebraço contra resistência. Em casos
positivos causa dor sobre o tendão do bíceps.
Ruptura do tendão do músculo bíceps causa um aumento de volume (pela massa
muscular que se enrola) no 1/3 inferior do braço (sinal de Popeye) e fraqueza na flexão do
cotovelo.
Síndrome do manguito rodador ou "impingement syndrome" nada mais é do que uma
tendinite conjunta do supra espinhoso e da porção superior do tendão do bíceps causada por
traumatismos repetidos ocasionados por movimentos para frente e de elevação do braço. Este
tipo de movimento provoca uma espécie de esmagamento destes tendões entre a cabeça do
úmero e o acrômio ou ligamento coraco-acromial. Neste ponto podem ocorrer alterações
isquêmicas e ruptura por degeneração dos tendões. Esta síndrome pode ser dividida em
344

estágios: 1) de edema e hemorragia dentro do tendão; 2) de tendinite e fibrose e 3) de rupturas


tendinosas e alterações ósseas subjacentes.

B
A
Figura 27.6 (A) Sinal do arco; (B) manobra de Yergason

A bursite subacromial de maneira geral acompanha a tendinite do músculo supraespinhoso,


mas pode aparecer isoladamente em casos de uma doença reumática básica como, por
exemplo, artrite reumatoide. A bursa subacromial está ligada a bursa subdeltoide a qual
também se afeta em doenças da primeira.
Ao exame físico o paciente apresenta sinal do arco positivo, dor difusa à palpação sem
uma localização tão precisa como no caso da tendinite do supra-espinhoso isolada e dor à com-
pressão da cabeça do úmero contra o acrômio.
RX pode demonstrar depósito de cálcio, mas isto não é obrigatório.
A ruptura do manguito rodador do ombro é relativamente frequente após os 50 anos de
idade e em indivíduos com atividades manuais pesadas ou que caiam com o braço estendido.
Pode ser completa ou incompleta. Existe dor espontânea ou ao movimento na porção lateral da
cabeça do úmero e sensibilidade à palpação local. Quando o paciente tenta fazer abdução ou
rotação externa pode sentir um estalo. Em geral, o paciente é incapaz de exercer a abdução
ativa do braço. Casos de ruptura incompleta podem ser difíceis de separar da tendinite do supra-
espinhoso. O diagnóstico é feito por artrografia do ombro que mostra escape de contraste. O
RX simples pode ajudar a levantar este tipo de suspeita quando mostra uma diminuição da
distância acrômio umeral menor que 5 mm. Pacientes com ruptura têm uma alta frequência de
alterações degenerativas na articulação gleno-umeral, formação de cistos e "erosões" do
tubérculo maior. Todavia, o melhor exame é o ultrassom do ombro.
Capsulite adesiva ou ombro congelado é uma situação de etiologia imprecisa que afeta
mais mulheres acima dos 50 anos. O paciente se queixa de dor, inicialmente unilateral, e de
perda progressiva de mobilidade. Esta afecção pode seguir-se a qualquer outra patologia do
ombro e ocorre em uma frequência mais alta em pacientes diabéticos. Outros fatores associados
seriam uma maior incidência de HLA B-27 e aumento de níveis séricos de Ig A. A mobilidade
pode ficar seriamente restringida. Existe sensibilidade sobre a musculatura dos tendões dos
músculos rodadores do ombro.
O tratamento destas patologias é feito com anti-inflamatórios e analgésicos, infiltrações
locais com corticoide + anestésicos e fisioterapia. Injeções locais de corticoide, se usadas com
muita frequência, podem causar ruptura do tendão.
. Pacientes com ruptura de manguito rodador podem se beneficiar de um curto período de
repouso (uso de tipóia) seguido de fisioterapia para prevenir o aparecimento de ombro
congelado. Em casos selecionados de ruptura do manguito e síndrome de "impingement"
medidas cirúrgicas podem ser úteis.
345

A B
FIGURA 27.7- (A) Sinal de Popeye ( ruptura do tendão do bíceps) ; (B)- Calcificação na
projeção do supra espinhoso

Artrite glenoumeral - É causada por qualquer das doenças reumáticas que afetem ombro como,
por exemplo: AR, EA, artrite séptica etc...

Tumores do ombro.

Dor visceral referida - São vistas em casos de infarto do miocárdio, aneurisma de aorta,
colescistites e outras situações que façam irritação do músculo diafragma.

QUADRO 27.1- CAUSAS DE DOR CERVICAL E CERVICOBRAQUIALGIA


Dor cervical predominante
Tensão muscular
Bursite de C7
Neuralgia occipital
Torcicolor
Artrose/artrite
Dor predominante no ombro
Tendinite do supra espinhoso
Tendidite do bíceps
Bursite subacromial
Capsulite adesiva
Artrite do ombro
Dor irradiada de vísceras
Tumores
Cervicobraquialgia
Hérnia de disco
Estenose de canal medular
Síndrome do chicote/subluxação
Dor regional complexa
Síndrome do desfiladeiro

Referências

Anderson BC. Office Orthopedics for Primary Care: Diagnosis, 3rd, WB Saunders, Philadelphia 2005.
Johnson TR. The shoulder. In: Essentials of Musculoskeletal Care, Snider RK. (Ed), American Academy of Orthopaedic
Surgeons, Rosemont 1997.
346

Capítulo 28 – Reumatismo de partes moles

Existe um grupo de patologias reumáticas em que o distúrbio músculo esquelético se


restringe aos tecidos moles. Sua importância advém do fato de que são situações bastante
comuns e diagnosticáveis mediante uma anamnese e exame físico bem feitos. Ao examinar o
paciente, é necessário que o médico tenha conhecimento deste grupo de doenças e execute
algumas manobras especiais, senão a causa da sintomatologia pode não ser identificada. Estas
condições incluem: bursites, fasciítes, tendinites, desarranjo estrutural do aparelho músculo
esquelético, síndromes compartimentais etc... Elas podem resultar de um uso inapropriado da
musculatura como p. ex.: uma atividade prolongada - para a qual não se está preparado,
posições inapropriadas para descanso etc.As dores causadas por envolvimentos de tecidos
moles costumam ter algumas características em comum. São elas:
 - dor noturna pior que a diurna;
 - dor que inicialmente melhora com a atividade, mas que piora a medida que esta se
prolonga;
 - achados laboratoriais e radiológicos negativos.
Vamos estudá-las dividindo-as de acordo com a sua localização.

MEMBRO SUPERIOR

Dedo em gatilho - É uma tumefação fusiforme do tendão flexor superficial quando este passa
sobre a cabeça de um metacarpiano. Em geral esta tumefação se acompanha de uma constrição
na bainha tendinosa que resulta em bloqueio do dedo em flexão (como em posição de "apertar
o gatilho"). Não é raro que, para que o paciente possa estender o dedo, ele precise do auxílio da
outra mão, o que geralmente acarreta um estalido com dor. A etiologia é variada. É mais comum
em pacientes diabéticos e nos que executam tarefas repetitivas com as mãos fechadas como
por ex.: jogar cartas, leitura prolongada com virada rápida de páginas, cavalgar segurando as
rédeas etc... Além disso, pode estar associada com outras patologias como AR, osteoartrite,
ocronose e contratura de Dupuytren. O tratamento é feito com restrição das atividades
repetitivas, fisioterapia e infiltração local com corticoide e anestésicos. Em casos rebeldes pode-
se indicar cirurgia.

FIGURA 28.1- Dedo em gatilho.

Contratura de Dupuytren - A contratura de Dupuytren é uma lesão nodular, fibrosante na fáscia


palmar, que forma faixas fibrosas principalmente na região do 4º e 5º dedo, os quais podem se
tornar fixos em flexão. Os tendões flexores não estão afetados. É um situação indolor. Afeta
homens mais comumente que mulheres, numa proporção de 10/1. Aparece mais comumente
em pessoas com diabetes e parece ter um componente genético. Em certos casos acomete
também a fáscia plantar. O tratamento é feito com estiramento passivo dos dedos acometidos
evitando-se crispar as mãos. Em casos discretos pode-se usar uma luva com acolchoamentos
347

durante tarefas que exijam flexão com aplicação de força. Cirurgia pode ser feita nos casos
avançados com comprometimento funcional importante, mas, infelizmente, a taxa de
recorrência é alta. Existe uma associação interessante da contratura de Dupuytren com
pequenas “almofadinhas” de tecido adiposo sobre as interfalangianas proximais (Garrod’s
pads), as quais têm etiologia desconhecida. A contratura de Dupuytren pode ser vista, também
em membros inferiores.

Tenossinovite de “De Quervain” - É uma tenossinovite estenosante do abdutor longo e/ou do


extensor curto do polegar. O processo inflamatório torna estes tendões espessados e, por isto,
eles ficam presos ao atravessar uma bainha fibrosa ao nível do processo estiloide do rádio.
Esta situação é causada por tarefas repetitivas nas quais estes tendões são usados em
excesso ou por um trauma direto. O paciente se queixa de dor ao mobilizar o polegar ou o
punho. A palpação da tabaqueira anatômica pode mostrar uma tumefação quando comparada
com o lado oposto e é comum dor à palpação do processo estiloide do rádio. Existe uma
manobra especial para diagnóstico desta patologia, que é a manobra de Finkelstein. Esta
consiste em dobrar o polegar afetado sobre a palma da mão. A seguir o examinador gira o punho
do paciente no sentido ulnar, estirando assim os tendões afetados e provocando o
aparecimento de dor. O diagnóstico é feito pelo achado da tríade de dor à palpação sobre o
processo estiloide do rádio, aumento de volume local e sinal de Finkelstein positivo.
O tratamento é feito com proteção do punho com talas, orientação para se evitar
movimentos repetitivos como torcer roupa, escrever rápido e tricotar etc. Usam-se infiltrações
locais com corticoide e anestésicos; em casos rebeldes está indicada a liberação cirúrgica.

A B
Figura 28.2- (A)- Contratura de Dupuytren; (B)- tenossinovite de De Quervain

Cotovelo de tenista - Este termo serve para designar dor e hipersensibilidade na região do
epicôndilo lateral do cotovelo. O paciente apresenta queixas de dor quando segura objetos ou
faz o movimento de supinação do braço. Não é raro que se queixe que derruba facilmente
objetos mais pesados porque a "mão está mais fraca" Ao exame físico vê-se dor à palpação do
epicôndilo lateral e diminuição da força do aperto de mão. É uma doença ocupacional
envolvendo carpinteiros, jardineiros, dentistas etc... Não é raro que estes mesmos pacientes
apresentem, também, tendinites do ombro e lombalgia de origem miofascial. Esta afecção tem
este nome por ser comum em jogadores de tênis novatos que seguram a raquete com muita
força nas cortadas realizadas com o braço dominante (novatos dão cortadas da maneira errada,
com o cotovelo apontado para a rede. Bons jogadores não têm este problema...)
O tratamento é feito com reconhecimento e afastamento dos fatores agravantes, uso
de ataduras de apoio durante as tarefas que exijam esforço. Anti-inflamatórios não hormonais
e analgésicos resolvem muito pouco, mas infiltração local com corticoide resolve a maioria dos
348

casos. Exercícios de alongamento e fortalecimento dos músculos do antebraço são


recomendados.

Cotovelo de golfista - É um acometimento semelhante ao do cotovelo de tenista do ponto de


vista clínico, fisiopatológico e de tratamento. A diferença consiste na localização do processo
que está no epicôndilo medial e pelo fato de que é bem menos comum.

Bursite olecraniana – A inflamação da bursa olecraniana que ocupa a face posterior do cotovelo.
Pode ser causada por gota, artrite reumatoide, sepsis ou traumatismos. Bursite traumática pode
resultar de pressão no local, quando o cotovelo é firmado contra uma área dura. (É chamado
vulgarmente de cotovelo de "fofoqueira" que finca o cotovelo nas bordas da janela para
conversar com as vizinhas...) Nos casos suspeitos de bursite por cristal ou por infecção deve-se
proceder à punção e análise do líquido sinovial. O tratamento está na dependência da causa. Em
processos traumáticos o paciente deve ser informado de que os cotovelos devem ser mantidos
fora dos braços de cadeiras e poltronas. Pode-se considerar o uso de protetores de borracha.
Infiltração local com corticoides pode ser necessária (mas deve-se garantir antes, de que não se
trata de um processo séptico). Em casos selecionados pode se proceder à excisão cirúrgica da
bursa.

Periartrite do ombro – Este grupo de doenças encontra-se descrito junto com ombro doloroso,
constante no capítulo de cervicobraquialgia (capítulo 27).

(A) (B)
FIGURA 28.3 – (A) Epicondilites lateral e medial do cotovelo. (B) -Bursite olecraniana

TÓRAX

Síndrome de Tietze - É uma doença de etiologia desconhecida que promove um aumento de


volume, doloroso na junção costocondral. Este aumento de volume costuma tomar uma forma
alongada e consistência que varia de firme à óssea. Histologicamente existe um aumento
de vascularização e de proliferação da cartilagem. Na maioria dos casos a lesão é única e se
localiza mais comumente na 2ª junção costo-condral. Exames radiológicos são negativos e o seu
valor consiste principalmente na exclusão de outras patologias. O tratamento consiste no uso
de calor local, anti-inflamatórios não hormonais e injeções locais de corticoide.

MEMBROS INFERIORES

Bursite trocantérica - A bursa trocantérica profunda situa-se entre o tendão do músculo glúteo
maior e a proeminência póstero-lateral do trocânter maior. Existe também uma bursa mais
superficial situada diretamente sobre o trocânter maior. Ambas podem se inflamar, provocando
349

dor que é caracteristicamente pior à noite, que se acentua com exercício e quando o paciente
cruza as pernas. Por causa da dor local, o paciente se queixa de que não consegue se deitar
sobre o lado afetado. Esta situação, em geral, se sobrepõe a outras patologias de região lombar
e membro inferior que causem distensão da musculatura regional ou provoquem micro traumas
na região. O diagnóstico é feito pelo achado de dor local à palpação. A flexão e extensão do
quadril estão livres de dor, mas esta aparece ao se fazer a rotação externa combinada com
abdução. O tratamento consiste na infiltração local com corticoides, evitar a pressão sobre o
local e a realização de exercício para alongamento da musculatura dos glúteos (Ex: encostar o
joelho no peito).

Bursites peripatelares - Existe um grande número de bursas na região do joelho; as bursas


mediais e laterais não se comunicam com a cavidade articular. As bursites peri-patelares são
mais comuns no sexo feminino e o pé plano é considerado uma causa predisponente para
bursites mediais. As bursas supra-patelares e posteriores estão em comunicação com a cavidade
sinovial do joelho e quando estão inflamadas é porque existe artrite desta articulação, sendo AR
a mais comum.
A bursite pré-patelar pode ser um problema crônico secundário a determinadas profissões
que obrigam o indivíduo a exercer atividades apoiados sobre os joelhos como lavadeiras, lavoura
etc. (daí ser chamada de joelho de freira ou de lavadeira). A inspeção revela, de imediato, edema
da bursa pré-patelar. Eventualmente pode ser causada por infecção e na suspeita desta, deve-
se proceder à punção e análise do líquido sinovial. A bursite anserina (ou da pata de ganso) causa
dor na região medial do joelho. Quase sempre é bilateral e pode se acompanhar de paniculite
nas mulheres obesas pós- menopausa. Como em todas as bursites, a dor costuma ser pior à
noite. As provas de atividade inflamatória e o RX são normais, a menos que exista doença
associada. O tratamento se resume na aspiração com finalidade de reduzir a pressão local e
infiltração com corticoide e anestésicos para as bursites assépticas e antibióticos para as
infecciosas.

A B C
FIGURA 28.4 (A) Buriste trocantérica; (B) bursite pré patelar; (C) bursite anserina.

Fasciíte plantar - É uma das causas mais comuns de dor no pé. A fáscia profunda (aponeurose
plantar) consiste em um tecido espesso, branco perolado, com fibras longitudinais intimamente
ligadas à pele. A porção central é mais espessa e se prende ao processo medial da tuberosidade
do calcâneo; distalmente se divide em 5 faixas: uma para cada dedo do pé. O sintoma é de dor
na região do pé, pior ao iniciar a deambulação. Ao exame físico existe dor localizada, o que é a
chave para o diagnóstico. O examinador promove dorsiflexão dos pododáctilos com uma mão,
mantendo a fáscia tensa e, ao mesmo tempo, com o indicador palpa ao longo do comprimento
desta, delimitando os pontos dolorosos.
A agressão à fáscia costuma acontecer após saltos, períodos prolongados em pé, em
pacientes com pé plano ou obesos. É comum em bailarinos e ginastas de exercícios aeróbicos.
Na metade dos casos existe esporão do calcâneo associado (nada mais é que uma ossificação
350

da fáscia no seu ponto de inserção no calcâneo). Podem existir situações em que há uma doença
reumática subjacente como A.R., espondilite, gota etc... O tratamento inclui o uso de sapatos
apropriados com suporte para o arco plantar e palmilhas; infiltração local com corticoides e
anestésicos.

Bursite retrocalcânea - A bursa retrocalcânea está entre o calcâneo e o tendão de Achilles.


Quando inflamada é difícil separar de tendinite do tendão de Achilles.

Hallux valgus- È uma deformidade bastante comum no pé. Sua característica é desvio medial da
cabeça do primeiro metatarsiano e desvio lateral do hallux. Por causa desta alteração, o
segundo pododáctilo é forçado dorsalmente podendo se tornar um dedo em martelo. Esta
condição é encontrada em povos civilizados que usam sapatos com bicos afilados. É mais comum
em mulheres. A bursa sobre a proeminência óssea medial pode se infectar secundariamente ou
se inflamar por compressão causada por sapatos mal ajustados. O tratamento consiste no uso
de sapatos adequados, órteses e, eventualmente, quando os sintomas são muitos, há indicação
cirúrgica.

Dedo em martelo - É uma desordem adquirida que resulta, em geral, da pressão de sapatos
rígidos ou de um hallux valgus já existente. Mais raramente é congênita. Consiste na fixação em
flexão plantar da interfalangiana proximal geralmente acompanhada de dorsiflexão da
metatarsofalangiana e da interfalangiana distal. A deformidade é, em geral, bilateral, e o dedo
mais envolvido é o segundo.

A B C
FIGURA 28.4 – (A) Esporão de calcâneo e calcificação da inserção do tendão de Acchilles; (B)- Hállux
valgus; (C) Hállux valgus e dedo em martelo.

NEUROPATIAS POR COMPRESSÃO

Também chamadas de síndromes compartimentais, nada mais são do que neuropatias


resultantes da compressão crônica de um nervo, quando ele passa por um espaço estreito.
Algumas destas síndromes são até bem comuns e são as que passaremos a estudar.

Síndrome do desfiladeiro torácico - É causada pela compressão do feixe vásculo-nervoso


destinado ao membro superior quando este atravessa o canal cérvico-axial. Existem três pontos
onde a compressão pode ocorrer:
 no espaço triangular entre os músculos escalênicos (quando é também chamada de
síndrome do escaleno);
351

 no espaço costo-clavicular (também chamada de síndrome clavículo- costal);


 sob o músculo peitoral menor (ou síndrome do pequeno peitoral ou de hiperabdução).
Os sintomas são os causados pela compressão do feixe vásculo-nervoso, tais como,
parestesias, dor, sensação de edema. Podem existir queixas ocasionais de frialdade no membro,
congestão (os anéis ficam apertados de manhã), distensão venosa, fraqueza e dor em toda a
cintura escapular e na parede torácica.

FIGURA 28.5 – Pontos de compressão na Síndrome do desfiladeiro.

A causa mais comum da síndrome do desfiladeiro é a flacidez da musculatura associada a


envelhecimento, obesidade, mamas e braços volumosos (ombros caídos). Anomalias
anatômicas também podem causá-la, tais como: costela cervical, megapófise de C7, hipertrofia
do escaleno anterior e aneurismas da artéria subclávia. Deve-se ter em mente que o achado de
costelas cervicais é comum o que não implica em que esta é a causa do problema. O mais comum
é que só existam alterações posturais, sem anomalias anatômicas.
A síndrome do desfiladeiro pode coexistir com a síndrome do túnel carpiano na chamada
síndrome "double crushed". Aliás, este termo pode ser utilizado toda vez que um feixe nervoso
ficar comprimido em mais de um local, o que não é raro em pacientes com osteoartrite. É
importante fazer o diagnóstico dos vários pontos de compressão uma vez que eles influem na
decisão terapêutica.
Na abordagem do paciente com síndrome do desfiladeiro é necessário investigar a
existência de causas ocupacionais e de outros problemas agravantes. Pintores, soldadores,
mecânicos de automóveis, barbeiros, que frequentemente trabalham com as mãos acima dos
ombros podem desenvolver a síndrome de hiperabdução. Mau posicionamento ao dormir, com
os braços em hiper abudção pode causar ou agravar a compressão neurovascular. Um tônus
muscular pobre, resultante de vida sedentária, que leve os braços a caírem para a frente é outro
elemento agravante ou causal.
Para determinar se existe ou não esta compressão, deve-se proceder à manobra de
Adson. Nesta manobra, o paciente fica sentado, com os braços ao longo do corpo. O pulso é
palpado no punho e o espaço supraclavicular é auscultado à procura de sopros. Após isso o
paciente executa a manobra de Valsalva com o pescoço totalmente estendido, levanta o braço
e vira o queixo para o lado a ser examinado. A finalidade desta manobra é tensionar o músculo
escaleno anterior. A seguir o pulso radial é novamente palpado e a fossa supraclavicular é
auscultada. Considera-se um resultado positivo quando existe diminuição ou desaparecimento
do pulso radial, ou quando se tem o achado de um sopro sistólico na fossa supraclavicular, ou,
ainda, existe a referência do paciente de que as parestesias pioram. Esta manobra mostra a
compressão existente entre os músculos escalenos.
352

Em casos de suspeita de síndrome costo-condral, pode-se verificar se o pulso do paciente


desaparece quando ele adota posição militar, com os ombros para trás (manobra da mochila).
Quando o processo está no ponto do peitoral menor, o pulso desaparece ou diminui quando o
paciente toma posição de “mãos ao alto”, com os braços elevados.
Exames complementares devem incluir RX de tórax e coluna cervical e eletromiografia. O
tratamento consiste na remoção dos fatores agravantes evitando-se a hiperabdução;
fisioterapia para fortalecer a musculatura elevadora do ombro e raramente, tratamento
cirúrgico, nos casos mais severos (isto é menos que 5% !!).

A
B
FIGURA 28.6 Manobras para síndrome do desfiladeiro (A)-Adson (B) mãos ao alto.

Síndrome do túnel carpiano - Ocorre quando existe compressão do nervo mediano ao nível do
punho. Os achados mais comuns são parestesias (formigamento com queimação) matinais na
distribuição do nervo mediano. O paciente acorda e eleva ou sacode a mão, na tentativa de
recuperar a sensibilidade. Os sintomas podem ser apenas sensoriais ou podem incluir
incoordenação motora. O comprometimento motor costuma trazer maiores dificuldades para
execução dos movimentos mais delicados, como os de pinça, e os usados para escrever ou
segurar objetos pequenos. Os sintomas costumam ser piores pela manhã ou após movimentos
em que se faça uso repetitivo dos punhos, como p. ex., dirigir, tricotar ou andar de bicicleta por
um tempo prolongado. O mais comum é que o paciente se queixe de parestesias nos três dedos
médios da mão (na realidade no 2º, 3º e metade interna do 4º dedo). Atrofia tenar é um achado
mais tardio Algumas vezes os sintomas podem ser referidos no antebraço e até no braço, devido
à possibilidade de existência de algumas fibras recorrentes do nervo mediano, que após passar
pelo túnel do carpo, voltam em direção ao antebraço.

A B
FIGURA 28.7 - Síndrome do túnel do carpo - (A)- distribuição das parestesias (B) atrofia tenar em
caso avançado.

Esta condição pode ser uni ou bilateral. A bilateralidade é mais frequente, embora nem
sempre o paciente se queixe disto, podendo ser um achado de eletromiografia. Quando
353

unilateral existe uma tendência para se localizar no lado dominante. No quadro 28.1, as causas
mais comuns de síndrome do túnel carpiano.

QUADRO 28.1- CAUSAS DE SÍNDROME DO TÚNEL DO CARPO


ARTRITES DO PUNHO artrite reumatoide, artrite psoriásica ou qualquer outra artropatia que afete
os tendões flexores dos dedos ou a articulação do punho;
GRAVIDEZ pela retenção de líquidos;
ACOMPANHANDO OMBRO DOLOROSO pelo edema gerado pela pendência do membro;
IDIOPÁTICA mais comum em mulheres de meia idade;
USO DE DROGAS RETENTORAS DE LÍQUIDO Ex: AINHs;
HEMODIÁLISE no lado da fístula A-V por edema; por amiloidose associada -2 microglobulina;
FRATURA DE COLLES
OCUPACIONAIS uso de máquinas vibratórias (causam angioedema vibratório);
OUTRAS CAUSAS hipotireoidismo, acromegalia, mielomatose, amiloidose.

Algumas manobras ajudam a fazer o diagnóstico, embora não sejam muito sensíveis As
mais usadas são a manobra de Tinel e a manobra de Phalen. O teste de Tinel consiste na
ocorrência de formigamento sem dor, após o examinador dar pancadinhas na superfície flexora
do punho. A manobra de Phalen consiste em pedir ao paciente que encoste o dorso das mãos
com a ponta dos dedos apontadas para baixo e o punho flexionado ao máximo, por 60 segundos.
Um teste positivo consiste no aparecimento de parestesias ao longo do trajeto do mediano. A
eletromiografia é um teste bem mais sensível e infiltrações locais podem ser usadas como teste
terapêutico. O ultrassom com medida da área do nervo mediano é um exame rápido e fácil de
ser realizado.
O tratamento se resume em medidas conservadoras como uso de talas nos punhos,
abstinência de atividades agravantes, uso de AINHs e diuréticos e infiltração local com
corticoides e anestésicos. Em casos de falência do tratamento clínico ou em casos mais severos,
com atrofia da musculatura da região tenar, está indicado o tratamento cirúrgico.

Meralgia parestésica - Consiste na síndrome resultante da compressão do nervo cutâneo


femoral lateral, ao nível de um canal que vai desde a espinha ilíaca ântero-superior, quando ele
passa por baixo do ligamento inguinal, até sua saída por uma perfuração no músculo sartório. O
paciente apresenta queixas de hipoestesia ou parestesias em uma área oval na face ântero-
lateral da coxa. O pinçamento resulta de traumatismos, da inclinação pélvica resultante de um
membro mais curto, de ficar sentado muito tempo com as pernas cruzadas ou por aumento da
circunferência abdominal por gordura e gravidez. Outras causas de constrição são: espartilhos,
cintos comuns e cintos de segurança. O diagnóstico é feito pela clínica mais o achado de um
ponto de sensibilidade 10 cm abaixo da espinha ilíaca ântero-superior. O tratamento consiste
na eliminação da causa e na infiltração local com corticoides e anestésicos.

Síndrome do túnel do tarso - Resulta do encarceramento do nervo tibial posterior quando este
passa pelo retináculo flexor na face medial do tornozelo. Sob este mesmo retináculo, além do
nervo tibial posterior, estão os tendões dos flexores longos dos dedos e do flexor longo do
hallux, vasos e os nervos plantares medial e lateral. A queixa do paciente é de dor em
queimação, parestesias e formigamento da superfície plantar e da porção distal dos pés,
principalmente no dorso do 2, 3 e 4pododáctilos e ocasionalmente no calcanhar. Mais
raramente a dor pode se irradiar para a panturrilha. Esta compressão pode ser causada por
traumatismos, A.R. ou outras patologias inflamatórias, tumores, fratura ou luxação do calcâneo,
talus ou maléolo medial. O teste de Tinel, no qual o nervo é percutido com o martelo, reproduz
as queixas do paciente. Confirmação diagnóstica é obtida pela eletromiografia. O tratamento
354

consta na infiltração local com corticoides e anestésicos e, em casos rebeldes, liberação


cirúrgica.

Neurinoma interdigital plantar ou neurinoma de Morton - É uma neuropatia de compressão


que pode ou não estar associada com a formação de um neurinoma que se desenvolve entre o
3 e 4 dedos dos pés. Ela se desenvolve na anastomose dos nervos plantares medial e lateral.O
paciente desenvolve hiperestesia destes dedos e sensação de dolorimento e queimação nas
pontas dos pés, que se agrava ao andar sobre superfícies duras ou com sapatos apertados ou de
saltos altos. Ao exame físico o paciente tem dor à palpação entre e não sobre a cabeça do 3
 e 4 metatarsianos . A compressão da porção anterior do pé reproduz os sintomas. Esta
síndrome resulta do pinçamento do nervo entre as cabeças dos metatarsianos, pinçamento este
causado por mobilidade excessiva do quarto metatarsiano ou por compressão do nervo quando
ele se angula sobre o ligamento transverso do tarso. É a compressão crônica que causa a
formação do neurinoma. Tratamento inclui o uso de palmilha com uma barra metatarsiana e
infiltração local com corticoide. Em casos resistentes a cirurgia pode ser necessária

A B C
FIGURA 28.8 (A) Meralgia parestésica; (B) Síndrome do túnel do tarso; ( C) Neurinoma de Morton.

Leitura complementar 28.1 - Lesões por esforço repetitivo

A execução de tarefas repetitivas que provocam microtraumas podem


ser causa de queixas referentes ao aparelho músculo esquelético. Isto é muito comum em certos
tipos de profissão e chega a responder, nos EUA, por 50% das doenças ocupacionais. Entre nós
não existem estudos estatísticos que possam dimensionar a sua incidência, mas com certeza
respondem por um número razoável de casos de diminuição de produtividade, Ora, leve-se em
conta que muitos destes indivíduos são treinados e aperfeiçoados para a execução de tarefas
delicadas e sofisticadas, como é o caso, por exemplo, de músicos... Esta afecção poderia ser a
causa de enormes prejuízos
Quando forças são aplicadas de maneira repetitiva por um longo período em um mesmo
grupo de músculos, estes microtraumas cumulativos podem causar fadiga muscular localizada,
pequenas rupturas de fibras e tendões, desordens de ligamentos, doença articular degenerativa,
bursites, síndromes compartimentais e a síndrome de vibração braço-mão. A síndrome do túnel
do carpo é, talvez, o exemplo mais ilustrativo desta situação. A pressão dentro do túnel do carpo
aumenta de 3 para 30mm. Hg quando o pulso está em flexão ou extensão máxima ou quando
são aplicadas forças nos tendões flexores. Um aumento de pressão por muito tempo dentro
do túnel do carpo prejudica o fluxo sanguíneo do nervo e o danifica.
Chama-se síndrome de vibração braço-mão àquela que acomete indivíduos que usam
instrumentos vibratórios por longo período. Consta de fenômeno de Raynaud e parestesias e se
deve a lesão perineural e de vasos do local.
355

QUADRO 28.2 - LER - FATORES DE RISCO


 Repetição
 Alto grau de força
 Vibração
 Pressão direta
 Postura articular inadequada
 Postura inalterada por tempo prolongada

Os elementos considerados como fatores de risco para lesão por esforço


repetitivo (LER) estão no quadro 28.2. Se existe mais do que um fator de risco presente, a chance
de que o paciente adquira uma LER aumenta. No quadro 28.3 você vai encontrar a associação
de patologias músculo esqueléticas com certas profissões.

QUADRO 28.3- LER - ASSOCIAÇÃO COM PROFISSÕES


Tenossinovites digitadores, caixas, músicos, empacotadores, polidores, esmerilhadores
Tendinites do punho reporter/editores, açougueiro, montadores de pequenas peças;
De Quervain Costureiros, cortadores, empacotadores, montadores (indústria de eletrônicos)
Dedo em gatilho Etiquetadores
Epicondilite músicos, trabalhadores de construção, açougueiros
Tunel carpiano açougueiros, britadores, decoradores de bolos, carteiros , montadores
S. do nervo ulnar cortadores de vidro, operadores de telefone
Tendinite do ombro açougueiros, montadores (que trabalham usando os braços acima dos ombros),
perfuradores
S. da vibração braço-mão lenhadores, britadores, etc...

Tem sido questionado o papel do estresse emocional gerado pela execução de


uma tarefa repetitiva por um período prolongado de tempo, no aparecimento do LER. Todavia,
este não parece ser um elemento de grande influência. Já, outros fatores como: grande número
de horas na mesma tarefa sem intervalos de repouso e pressão para terminar o trabalho dentro
de certo período de tempo parecem influir no aparecimento desta síndrome.
No diagnóstico é importante estabelecer uma relação temporal entre os sintomas e a
execução de determinadas tarefas. Para diagnosticar o tipo anatômico da lesão (articulação,
tendão ou nervo periférico) o clínico terá que associar as queixas do paciente com achados de
exame físico, de imagem e eletromiográficos.
A chave do sucesso do tratamento está na identificação precoce da situação com
instituição do tratamento. Melhor ainda do que isto é a sua prevenção através de adaptação de
instrumentos e do local de trabalho, quando isto é possível. Tarefas de alto risco devem ser
executadas de maneira rotativa ou com uso de equipamento de proteção.
O tratamento da doença já estabelecida é feito com repouso do local afetado que deve
ser por, pelo menos, duas semanas. Após isto o paciente pode retornar ao trabalho, mas com
algumas restrições. Pode se utilizar os AINHs e as infiltrações locais. Entretanto estas últimas
têm que ser usadas com cuidado (não mais do que três vezes num mesmo local) para prevenir
risco de ruptura de tendões. Em casos selecionados de túnel do carpo pode-se indicar cirurgia.

Referências:

Bonde JP et al. Understanding work related musculoskeletal pain: does repetitive work cause stress symptoms. Occup Environ
Med 2005; 62:41-8.
Rempel DM, et al. Work-related cumulative trauma disorders of the upper extremity. JAMA 1992; 267:838-42.
356

Capítulo 29 - Fibromialgia

Fibromialgia é a causa mais comum de dor músculo-esquelética generalizada. Sua


etiologia é desconhecida, mas, com certeza, não é um processo inflamatório. Por causa do
desconhecimento dos fatores causais, do fato de os exames laboratoriais e radiológicos estarem
normais e de o paciente parecer bem, alguns autores têm questionado uma origem orgânica
para esta entidade atribuindo-a a natureza psicogênica ou psicossomática.
A fibromialgia é considerada como uma síndrome de amplificação da dor. Esta definição
tem servido de base para vários estudos de sua patogênese; no entanto, muito pouco tem sido
conseguido em termos de esclarecimento da natureza dos sintomas, até o momento.
Acontece mais comumente em mulheres e a maioria dos pacientes está entre 35 e 50
anos. Seu aparecimento é frequentemente precedido por história de infecção, ou de alguma
trauma ou, ainda, de algum evento estressante.

CLÍNICA

A queixa mais comum no paciente com fibromialgia é a de: “dói tudo!”. Todavia, no início
ela pode começar por alguma área anatômica mais localizada criando diferentes formas de
apresentação. Estas estão resumidas abaixo:

Apresentação articular - Estes pacientes se apresentam com dor articular primária e podem
mesmo ter artralgias ao exame físico. Comumente têm sensação subjetiva de edema, principal-
mente em mãos, joelhos, com piora pela manhã. Edema de joelhos é frequentemente referido
como restrito à face medial da articulação, infrapatelar ou peripatelar. Quando o paciente refere
ter edema, o médico suspeita freqüentemente de doença inflamatória, criando confusão dia-
gnóstica. A maioria destes pacientes tem também, dor lombar. Ao exame físico são encontrados
pontos gatilhos e nunca se vê sinovite verdadeira.

Apresentação em esqueleto axial - O paciente apresenta-se com dor em região lombar e


pescoço. Este é um modo relativamente comum de apresentação. A dor no pescoço é referida
na região escapular e de trapézios, muitas vezes irradiando-se para os braços, onde o paciente
tem amortecimentos. A dor lombar é comumente referida nas nádegas, grande trocanter e pode
se irradiar para as pernas. A confusão é com doença discal. RX é de pouca ajuda e é normal. Ao
se tomar uma história mais cuidadosa nota-se a natureza "disseminada" da doença, assim como
presença dos pontos gatilhos.

Apresentação miálgica - Um grupo menor de pacientes se apresenta com dor muscular, tanto
em musculatura proximal como distal de extremidades superiores e inferiores. O diagnóstico
diferencial aqui é com polimiosite e polimialgia reumática. Estudos eletromiográficos e enzimas
musculares são normais. À interrogação aparecem dores em outras áreas músculo-esqueléticas.

Apresentação com dores generalizadas - É o grupo mais comum e também o de diagnóstico


mais fácil. A queixa aqui é "dói tudo..." Mesmo neste tipo de pacientes um grupo muscular pode
dar a sintomatologia predominante.

Apresentação neurovascular - As manifestações são de amortecimentos, frialdade, parestesias,


pele arroxeada com padrão reticular, edema difuso de extremidades. A síndrome de Raynaud
parece ser mais comum nestes pacientes do que na população em geral.
357

Em todas as formas de apresentação os sintomas podem ser desencadeados ou agravados


por trauma físico ou emocional, infecções (principalmente as virais), retirada de corticoide e
hipotireoidismo. As dores pioram com exercícios físicos e com o frio. Além dos sintomas
articulares, pode-se encontrar síndrome do intestino irritável, cefaléia tensional, sintomas de
síndrome seca, tonturas, sensação de desmaio, queixas de retenção hídrica e de aparecimento
de hematomas cutâneos, dismenorréia, dores em região de mandíbula e história de muitos
fenômenos alérgicos. Fadiga e distúrbios do sono são comumente descritos. A fadiga está
presente durante todo o dia, sendo especialmente proeminente a tardezinha e de noite, quando
estes pacientes estão tão exaustos que não conseguem se concentrar em atividades cognitivas
simples. A maioria dos pacientes não tem dificuldade para conciliar o sono. Na verdade, eles
dormem cedo, exaustos. Entretanto, acordam várias vezes à noite e amanhecem cansados,
apesar de ficarem de 8 a 10 horas na cama. Distúrbios do humor como ansiedade e depressão
são comuns. Cerca de 1/3 dos pacientes com fibromialgia têm o diagnostico de depressão maior
associada embora esta não seja considerada como causa dos sintomas apresentados.

EXAME FÍSICO

É notória a ausência de sinovite e/ou outros sinais indicativos de doença inflamatória. A


principal característica é a presença de áreas de hipersensibilidade (tender points), identificadas
à palpação. Vários mapas têm sido usados para descrever a localização destes pontos. Na
listagem do quadro 29.1, está o mapa de 18 pontos escolhido aqui, por ser o mais utilizado e de
identificação mais rápida. Todavia estes pontos não tem sido valorizados por todos os autores,
já que muitos paciente stêm um quadro clássico sem os mesmos.

QUADRO 29.1- PONTOS SENSÍVEIS DA FIBROMIALGIA (TENDER POINTS ) - MAPA DE 18 PONTOS

- inserção do músculo occipital;


- trapézio: metade do bordo superior deste
músculo;
- abaixo do músculo esternoclidomastoideo;
- costo condral: lateral à 2ª junção, em sua
superfície anterior.
- acima da espinha escapular, próximo ao bordo
medial.
- cotovelo lateral: ponto do cotovelo de tenista
- lombar baixa: ligamento interespinhoso L4-S1
- glúteo médio: região superior e lateral das
nádegas
- medial do joelho: sobre o ligamento, na linha
articular.

Uma questão que se impõe é a sobre o grau de pressão a ser aplicado quando se
pesquisam os pontos sensíveis. Sugere-se que a força de aplicação seja em torno de 4 Kg, ou
seja, o suficiente para deixar branca a metade do leito ungueal de quem aplica o teste. O número
de pontos sensíveis presentes costuma ser maior nas mulheres, naqueles que têm depressão e
naqueles que têm distúrbios do sono e não se correlaciona com o grau de dor generalizada. A
quantidade de pontos sensíveis que um paciente com fibromialgia apresenta já foi considerado
importante para se fazer diagnóstico dessa doença. Todavia, observou-se que certo número de
pacientes não possui ou possui apenas poucos pontos sensíveis, o que gerou certa
“desvalorização” desse achado.
358

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico é essencialmente clínico e baseia nos critérios classificatórios do ACR de


2010 nos quais são avaliados: (A) o número de áreas que um paciente tem dor (IDG ou índice de
dor generalizada) e (B) uma escala de gravidade de sintomas gerais ou EGS. Assim: para
diagnóstico de Fibromialgia um paciente deve ter IDG≥7 e EGS≥5 ou IDG entre 3-6 e EGS≥9.

IDG ou índice de dor generalizada: Assinalar as áreas onde o paciente sentiu dor na última semana. O
resultado será a soma do número de áreas. Cada local vale um ponto.
Mandíbula E Braço D Quadril E Perna E Abdome
Mandíbula D Braço E Quadril D Perna D Dorso
Ombro D Antebraço D Coxa E Cervical
Ombro E Antebraço E Coxa D Tórax

EGS – escala de gravidade de sintomas


Intensidade dos sintomas Fadiga
0=ausente; 1= leve; 2 moderado; 3 intenso Sono não reparador
Distúrbios cognitivos
Quantidade de sintomas somáticos: cefaleia; dor abdominal; depressão - sentidos na
última semana: (0= nenhum; 1=1 sintoma; 2=2 sintomas; 3= 3 ou + sintomas )
Total =

O fato de o paciente se queixar de dor generalizada deve trazer ao médico a preocupação


em afastar outras doenças que possam ser causa destes sintomas. Assim, entram no diagnóstico
diferencial da fibromialgia, as patologias do quadro 29.2.

QUADRO 29.2 - DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DA SÍNDROME FIBROMIÁLGICA.


DOENÇAS REUMÁTICAS DOENÇAS NÃO REUMÁTICAS
 Artrite reumatoide precoce  Hipotireoidismo
 Lúpus sistêmico precoce  Hiperparatireoidismo
 Espondiloartrites precoce  Neoplasias com metástases
 Polimialgia reumática  Mieloma múltiplo
 Bursites/tendinites  Síndrome da fadiga crônica
 Síndrome de Sjögren  Miopatias metabólicas
 Osteoporose (microfraturas)  Doença de Parkinson precoce
 Osteomalácia  Brucelose crônica
 Hepatite C
 Síndrome da apneia do sono

Na realidade, a fibromialgia pode coexistir com outras doenças sendo conhecida neste
caso como fibromialgia secundária. Nesta situação, os exames laboratoriais podem apontar para
a doença associada. A síndrome da fadiga crônica se assemelha, em muito, a fibromialgia. Estes
pacientes, caracteristicamente, têm uma infecção viral aguda seguida de debilidade e fadiga
após exercícios. Cursa com mialgias, distúrbios do sono, febrícula, adenopatias e faringite.
Embora se aceite que a síndrome da fadiga crônica tem uma etiologia viral, isto nunca ficou
provado.
PATOGÊNESE

Até o momento não existe uma explicação satisfatória para a etiologia da fibromialgia.
Alguns pontos conhecidos são:
359

Predisposição genética- Parentes de primeiro grau de pacientes com fibromialgia têm 8,5 vezes
mais chances de ter esta doença. Genes candidatos a explicar esta predisposição são o de
transportador da serotonina, genes da catecolamina metiltransferase (associados com dor e
com depressão) etc.

Alterações no processamento da dor - A fibromialgia é considerada uma síndrome de


amplificação da dor. Estímulos nocivos de pouca intensidade, que passariam despercebidos em
pessoas normais, são notados e interpretados como dor. Nota-se também que o paciente com
fibromialgia tem uma hipersensibilidade a vários outros estímulos: ao frio (incluindo Raynaud),
a barulhos, a cheiros etc. Os pontos sensíveis achados no exame físico refletem, naturalmente,
esta percepção alterada da dor. Estudos com níveis séricos dosando endorfina B não
demonstram alterações, mas a substância P tem sido encontrada em níveis aumentados no
sistema nervoso central. Outros pontos de alteração encontrados são os no processamento
aferente e no controle inibitório descendente da dor levando a hiperalgesia e alodínia. Estudos
com ressonância magnética funcional mostram que pacientes com fibromialgia têm estimulação
de regiões do cérebro associadas com resposta a estímulos dolorosos que são ativadas por
estímulos considerados inócuos. Como a interpretação da dor sofre influência de estímulos
cognitivos e afetivos acredita-se que eles possam modular parcialmente este aumento de
percepção da dor.

Alterações do sono-Já há algum tempo vem se descrevendo anormalidade no sono destes


pacientes e tem se tentado implicá-la na etiologia da fibromialgia. Estudos
eletroencefalográficos mostram que estes pacientes exibem uma intrusão de ondas  em 60 a
80% da fase do sono não REM. (O normal é que isto ocorra em até 20%). Entretanto este padrão
encefalográfico não acontece só em pacientes com fibromialgia, sendo visto também em
pacientes com artrite reumatoide ou outras condições de dor crônica. Existe a possibilidade de
que o distúrbio do sono esteja relacionado com a deficiência de algum neurotransmissor, pro-
vavelmente serotonina. Entretanto a administração de triptofano não melhorou os sintomas e
nem alterou o padrão eletroencefalográfico durante o sono. Resumindo, embora a alteração do
sono seja um fato constatado, não se sabe se ele é causa ou efeito dos sintomas. Alguns
pacientes com fibromialgia sofrem de apnéia durante o sono, principalmente se forem homens.
Outro dado de interesse é o de que a diminuição do sono REM parece estar associada
com diminuição da memória em voluntários saudáveis. Esta queixa também é frequente nos
pacientes fibromiálgicos.

Alteração em músculos e tecidos periféricos- Existe alguma evidência de que ocorrem


anormalidades em tecido periférico como o aparecimento de dermatografismo e livedo
reticularis. Biópsias musculares são normais à microscopia ótica ou revelam alterações
sugestivas de desuso. Estudos metabólicos demonstram que o músculo tem um metabolismo
alterado, assim como, existem alterações do fluxo sanguíneo muscular em exercício,
principalmente nos locais de dor. Novamente, aqui, fica a pergunta, se isto é causa ou
consequência da doença. Mais recentemente, têm sido descritas algumas alterações de
estrutura de fibras reticulares, as quais foram vistas em volta das fibras musculares, produzindo
constrições a intervalos variáveis. Estas alterações foram detectadas à microscopia eletrônica e
sugerem que a contração de certas fibras musculares, pode distorcer a estrutura de fibras
vizinhas, causando um comprometimento de sua microcirculação, hipóxia e dor.

Alterações neuro-endócrinas - Distúrbios nos níveis de hormônio do crescimento e de IGF-1


(insulin like qrowth factor I) têm sido verificados nestes pacientes além de alterações na
secreção do cortisol.
360

A grande verdade é que nenhum mecanismo isolado explica a fibromialgia. A única


possibilidade de se dar unidade a estes achados patofisiológicos seria através de uma alteração
no metabolismo neuro-químico.

TRATAMENTO

O fundamental no tratamento da fibromialgia é a educação. Estes pacientes


frequentemente já consultaram vários médicos, já se submeteram a uma série de exames caros
e invasivos e receberam poucas respostas para as suas perguntas, o que gera um alto grau de
frustração. Muitos já ouviram "está tudo em sua cabeça..." ou "aprenda a viver com isso..." A
muitos se fala que os sintomas estão relacionados com ansiedade e estresse de tal maneira que
eles se sentem culpados por não conseguirem controlar as suas emoções. Por outro lado, muitos
destes pacientes tendem a exagerar os seus sintomas procurando, com isto, provar que o que
dizem é verdade. Obviamente o efeito produzido é exatamente o oposto.
Educar um paciente quer dizer discutir realisticamente e completamente o diagnóstico
e o prognóstico. Deve-se explicar ao paciente que a fibromialgia é uma doença comum. Pode
ser útil compará-la a outras síndromes dolorosas, como enxaqueca, que também é comum, e
não tem um mecanismo patofisiológico bem explicado. Deve-se esclarecer que o diagnóstico é
clínico e que não existem alterações laboratoriais. Além disso, é importante esclarecer que esta
doença não altera a sobrevida e nem é deformante, mas que o tratamento é importante no
sentido de melhorar a qualidade de vida.
Pacientes com fibromialgia necessitam, em geral, uma abordagem multidisciplinar na qual
se incluem, além dos médicos, psicólogos, fisioterapeutas etc.
Tricíclicos são medicamentos com efeito benéfico em fibromialgia. Amitriptilina e
ciclobenzaprina têm sido utilizados. A amitriptilina tem demonstrado aumentar a duração do
sono não REM e tem efeitos analgésicos (por potencializar opióides endógenos). Tem também
um efeito relaxante muscular por reduzir a atividade de neurônio motor. Embora o efeito anti-
depressivo da droga possa ajudar na melhora de um paciente com dor crônica, pacientes sem
evidência de depressão respondem a este tratamento. As doses utilizadas são relativamente
baixas (25 a 50mg/dia) quando comparadas com as doses antidepressivas (75 a 300 mg/dia).
Outros medicamentos usados são: fluoxetina, duloxetina, milnacipran, gabapentina e
pregabalina.
Anti-inflamatórios não hormonais e corticoides têm sido utilizados, porém, não são
efetivos. Paracetamol e tramadol têm sido usados no controle da dor. Outras modalidades de
tratamento utilizadas são acunpuntura, tratamento com laser, estimulação nervosa trans-
cutânea e infiltração dos pontos sensíveis. Estas formas de tratamento, embora consideradas
efetivas em pacientes isolados, não foram submetidos a estudos controlados, além de atuarem
por curto período de tempo. Exercícios aeróbicos, introduzidos gradualmente melhoram o
condicionamento físico e diminuem a hipersensibilidade à dor. Alguns pacientes se beneficiam
de técnicas de relaxamento como yoga e Tai chi.
Pacientes com apneia durante o sono devem ser tratados com cirurgia ou com pressão
positiva contínua.
Remissão completa ocorre em cerca de ¼ dos pacientes. Recidivas são frequentes.
Apesar de sua natureza aparentemente benigna esta doença causa, naqueles que a portam e
nos seus familiares, uma diminuição importante da qualidade de vida. Estes indivíduos
trabalham e produzem menos, e têm tendência ao retraimento físico e psíquico.

A RESPEITO DE SÍNDROME FIBROMIÁLGICA SECUNDÁRIA

O desenvolvimento de fibromialgia em pacientes com AR, LES, espondilite anquilosante


e osteoartrite tem sido bem documentada. São os casos de síndrome fibromiálgica secundária.
É importante saber desta associação para que os sintomas de cada doença sejam
361

adequadamente separados e não se interprete a fibromialgia secundária como um surto da


doença básica, o que com certeza acabará levando a tratamentos inadequados.

Leitura complementar 29.1 - Dor miofascial

O termo dor miofascial é usado para designar pontos altamente dolorosos à pressão em músculo
ou em fáscia que, quando estimulados, dão origem à dor referida. O paciente pode apresentar
queixas de dificuldade de movimentos gerada pela dor. É uma entidade clínica muito comum,
às vezes designada erroneamente como espasmo muscular.
Diferentemente da fibromialgia, a dor miofascial afeta só uma região do organismo e,
no local de maior sensibilidade pode-se palpar um nódulo endurecido. Como a pressão do
nódulo desencadeia a dor referida, este é chamado de ponto gatilho. Pontos gatilhos parecem
resultar de traumas locais (às vezes, microtraumas repetitivos) ou de descondicionamento
muscular por uma vida sedentária.

FIGURA 29.2- Pontos de dor miofascial (pontos gatilhos) e suas irradiações

O tratamento pode ser feito com infiltrações locais com anestésicos (não é necessário
usar corticoide).
No quadro abaixo, as principais diferenças entre fibromialgia e dor miofascial.

QUADRO 29.3- ALGUMAS DIFERENÇAS ENTRE DOR MIOFASCIAL E FIBROMIALGIA


DOR MIOFASCIAL FIBROMIALGIA
Queixa de dor Regional Difusa
Exame físico Pontos gatilhos (trigger points) Pontos sensíveis (tender points)
Curso Auto-limitado Crônico
Fadiga Ausente Proeminente

Referências

Arnold LM, Hudson JI, Hess EV et al. Family study of fibromyalgia. Arthritis Rheum 2004; 50:944-52.
Gracely RH, et al. Functional magnetic resonance imaging evidence of augmented pain processing in fibromyalgia. Arthritis Rheum
2002; 46:1333-43
McCall-Hosenfeld JS, et al. Growth hormone and insulin-like growth factor-1 concentrations in women with fibromyalgia. J
Rheumatol 2003; 30:809-14.
McLean SA, et al. Momentary relationship between cortisol secretion and symptoms in patients with fibromyalgia. Arthritis Rheum
2005; 52:3660-9.
362

Capitulo 30- Osteoartrite

Osteoartrite (OA, também chamada de osteoartrose ou doença articular degenerativa)


é a doença reumática mais comum, que se caracteriza pela perda progressiva da cartilagem
articular e alterações reativas às margens das articulações e do osso subcondral. Como já foi dito
anteriormente, esta doença é bastante comum, senão universal, lentamente progressiva,
afetando indivíduos a partir da meia idade e atingindo principalmente articulações que
suportam peso. Clinicamente caracteriza-se por dor, deformidade, limitação do movimento e
progressão lenta para a perda de função articular. A osteoartrite é considerada comumente
como uma consequência inevitável do envelhecimento, uma manifestação do desgaste ou
resultado de uma mecânica articular anormal. Embora estes conceitos sejam bem difundidos,
nem sempre eles correspondem à realidade, quando examinados à luz dos novos conceitos
etiopatogenéticos.
Os nomes mais comumente empregados para designar esta doença são osteoartrite,
osteoartrose, doença degenerativa articular e artrite hipertrófica. Nenhum destes é
completamente satisfatório. O termo osteoartrose implica, pelo sufixo "ose", em aumento,
excesso de produção. Isto é adequado uma vez que os elementos dentro e em volta da
articulação estão hipertrofiados. No entanto, implica, também, em que a doença não é
primariamente inflamatória, o que não é correto. É sabido existir sempre pelo menos um
componente inflamatório. Doença articular degenerativa, também não é um termo muito
aceitável, uma vez que implica na descrição de um processo puramente catabólico, o que não é
também não é verdade. Existem, nesta doença, processos de reparação bastante ativos. A
terminologia artrite hipertrófica encontra-se, atualmente, em desuso. Osteoartrite parece ser
não exatamente um bom termo, mas talvez o menos ruim deles e será por isso o adotado aqui.
A osteoartrite é dita primária quando sua etiologia ou é desconhecida ou tem um
mecanismo genético. Osteoartrite secundária é usado para designar todas as situações em que
um fator inicial pode ser identificado, como por exemplo, uma doença inflamatória como a
artrite reumatoide.

EPIDEMIOLOGIA

A osteoartrite é a doença com maior morbidade da espécie humana. Aparece em 35%


dos joelhos a partir dos 30 anos de idade e torna-se universal a partir dos 50 anos, embora nem
todos tenham sintomas desse envolvimento. Pelo menos 85% das pessoas acima de 70-79 anos
de idade têm diagnóstico radiológico de osteoartrite. A osteoartrite é mais comum em mulheres
acima dos 50 anos. O papel do estrógeno fica bem nítido quando se nota que mulheres na
menopausa que fazem reposição hormonal têm menos osteoartrite do que as que não fazem.

PATOFISIOLOGIA

É importante reconhecer que, o aspecto final do processo de osteoartrite que afeta uma
articulação não depende do processo que desencadeia o evento. Por outro lado, uma vez
iniciada a doença, ela pode evoluir até destruição da articulação, pode parar em qualquer ponto
do processo evolutivo ou mesmo, em situações raras, pode reverter.
O achado inicial mais evidente é na cartilagem articular embora, com odecorrer dot
empoe sta doença possa ser considerada como uma doença da articulação toda. A matriz
demonstra perda em conteúdo de proteoglicano, os quais têm sua capacidade de agregação
alterada e um aumento no teor de água. As cadeias de sulfato de condroitina estão encurtadas
e a composição dos glicosaminoglicanos é anormal. O condrócito, que normalmente é uma
célula amitótica, divide-se para formar clones celulares. Estas células aumentam a sua produção
de colágeno tipo II e de proteoglicanos, numa tentativa de reparar o processo destrutivo da
363

matriz. O turnover de DNA-RNA e a síntese enzimática estão aumentados. Quando a capacidade


de síntese da matriz é menor do que a destruição predomina o processo catabólico e a superfície
da cartilagem perde a sua textura lisa, torna-se fibrilar desenvolvendo fendas e erosões. Estas
fendas são vistas, primeiro tangencialmente à superfície, depois, verticalmente à mesma,
estendendo-se até o osso subcondral.
As superfícies articulares perdem a sua congruência. Enquanto isso acontece na
cartilagem, o osso subcondral sofre alterações proliferativas. Essas ocorrem, por primeiro, na
margem das articulações e no assoalho das lesões cartilaginosas. Esta proliferação aparenta ser
uma tentativa de aumentar a superfície de suporte de peso, mas acaba por comprometer a
elasticidade e aumentar a rigidez do osso, o qual se torna mais sensível ao desenvolvimento de
microfraturas. As microfraturas curam com formação de calos e mais microfraturas. Surgem os
osteófitos, luxações e instabilidade articular.
Proliferação sinovial e sinovite ativa aparecem. As células da sinóvia perto da periferia
tornam-se metaplásicas e produzem osteófitos (um misto de osso coberto com cartilagem
hialina). Todos os elementos da articulação sofrem hipertrofia: cápsula, ligamentos, tendões e
músculos. O líquido sinovial é empurrado pelas fendas da cartilagem até o osso subcondral nos
pontos de microfraturas e, a medula reage à sua presença, levando à formação de pseudocistos.
Não sabemos qual evento é o elemento primário, que inicia o processo. Segundo alguns
autores este evento primário está em osso subcondral. Exercícios repetitivos praticados em
excesso levariam à sobrecarga do osso subcondral permitindo a ocorrência de microfraturas, as
quais curariam com formação de calo, o qual, por sua vez, tornaria o osso mais inelástico e
esclerótico. Este osso não absorve bem impactos e a transmissão destes leva ao aumento da
pressão venosa intra óssea, um dos elementos responsáveis pela dor da osteoartrite. A lesão
da cartilagem articular seria secundária a esta perda da capacidade de absorção de choques pelo
osso subcondral. Segundo outros pesquisadores, no entanto, o evento primário localiza-se na
cartilagem. Alterações na matriz da mesma iniciariam o processo por desencadear uma
mudança no micro-ambiente do condrócito. A perda de proteoglicanos e o aumento do teor de
água levariam à perda de elasticidade com maior rigidez do tecido, aumentando a sua
susceptibilidade ao estresse mecânico. Segue-se sofrimento do condrócito e alterações de
permeabilidade em cartilagem, prejuízo de sua nutrição, e lubrificação, desenvolvimento de
fibrilas, fissuras, etc. Esta segunda teoria não ex-plica qual seria a natureza do processo que
começaria as alterações bioquímicas na cartilagem.
Independentemente do ponto de início do processo, sabe-se atualmente que existe uma
sequência de eventos bioquímicos ocorrendo na cartilagem, eventos estes passíveis de
manipulação farmacológica e que abrem novos horizontes do ponto de vista terapêutico.
O condrócito não só é a fonte dos principais componentes da matriz (colágeno e
proteoglicanos), como é, também, capaz de produzir enzimas que a degradam. Isto acontece
normalmente durante o turnover fisiológico da cartilagem e, de uma maneira acentuada no
processo osteoartrítico. Entre estas enzimas são muito importantes as metaloproteases neutras
(colagenases, gelatinases, proteoglicanases neutras ou estromelisina e proteoglicanase ácida)
que, em presença de ativadores plasmáticos, degradam a matriz cartilaginosa e permitem que
catabólitos sejam liberados em líquido sinovial provocando um processo inflamatório. O
processo inflamatório, por sua vez, gera a produção de enzimas proteolíticas, que se difundem,
de volta, na cartilagem aumentando a destruição.
Paralelamente a isto, o condrócito aumenta a síntese de novas moléculas para recompor
a matriz. Nas fases iniciais ele obtém sucesso, mas quando o processo catabólico se acentua, o
condrócito se esgota e o osteoartrite sobrevém.
Os processos tanto catabólico como anabólico são influenciados por citocinas (IL-1, fator
tumoral de necrose, IL-6) as quais são elaboradas principalmente por sinoviócitos, macrófagos
e outras células inflamatórias e até pelo próprio condrócito. A IL-1 aumenta a atividade da
fosfolipase A2, promovendo um aumento de prostaglandinas. Isto promove um aumento do
AMP cíclico, o qual ocasiona uma maior expressão dos genes produtores de enzimas
364

proteolíticas. O aumento das metaloproteases acelera a destruição da cartilagem, criando um


círculo vicioso. Além disso, a IL-1 suprime a síntese de colágeno típico de cartilagem hialina e
aumenta a produção do colágeno característico do fibroblasto. Também suprime a síntese dos
agregados de proteoglicanos por impedir a síntese da proteína central. Em suma, a IL-1 não só
aumenta a degradação como, também, impede o reparo do tecido. As quantidades de
interleucina 1 necessárias para a indução do processo variam em ordem crescente de liberação
de PGE2, degradação de proteoglicano para defeito na síntese do proteoglicano. O papel da
interleucina 6 não está bem definido. O efeito do TNF-α é de certa forma uma cópia dos efeitos
da interleucina 1. Obviamente existe, por outro lado mediadores envolvidos numa tentativa de
reparo da cartilagem eles não só tentam aumentar a síntese da matriz como impedir a sua
degradação. Estas citocinas anabólicas são: IGF (fator de crescimento insulina-like),TGFβ
(transforming growth factor), fator de crescimento do fibroblasto (FGF) e fator de crescimento
derivado das plaquetas.
Além do acima exposto, sabe-se que os fatores abaixo listados influem no
desenvolvimento da osteoartrite.

FATORES ENDÓCRINOS - Quase todos os hormônios agem direta ou indiretamente em células


do tecido conjuntivo: fibroblastos, osteoblastos e condrócitos. O condrócito maduro, amitótico
é regulado por hormônio de crescimento, via somatomedina sintetizada pelo fígado.
A insulina aumenta a síntese de proteoglicanos. Pacientes diabéticos têm uma maior
incidência de osteoartrite - a qual é mais severa do que em não diabéticos. Hipotireoidismo e
mixedema cursam com aumento de incidência de osteoartrite quando comparados com
população controle normal e pelo menos um quarto deles têm doença de depósito de
pirofosfato de cálcio com osteoartrite secundária. Receptores de estrógenos têm sido vistos em
condrócitos. A reposição hormonal retarda o aparecimento de osteoartrite em mulheres.

FATORES GENÉTICOS - Dos componentes genéticos estudados, mutações no gene para o Col-2
A1 (da cadeia alfa-1 do colágeno tipo 2) em algumas famílias está associado ao aparecimento
de osteoartrite primária. Pelo estudo de gêmeos monozigóticos, sabe-se que outros genes com
certeza estão envolvidos, mas estes ainda não estão corretamente identificados
Os nódulos de Heberden (osteoartrite das interfalangianas distais) são transmitidos via
autossômica recessiva no homem e dominante na mulher. A osteoartrite primária do quadril é
mais frequentemente bilateral do que seria esperado se ocorresse ao acaso e, também, mais
comum em parentes de pacientes com OA primária do quadril do que em controles.
Além disto, existem algumas desordens metabólicas, geneticamente determinadas, que
favorecem a ocorrência de artrose secundária, tais como: alcaptonúria, doença de Wilson,
hemocromatose etc...

FATORES ÉTNICOS E CONSTITUCIONAIS - Chineses e japoneses parecem estar protegidos


contra a osteoartrite primária de alguma maneira, embora a ocorrência de osteoartrite
secundária do quadril (por doença congênita do mesmo) seja comum entre os japoneses.

FATORES MECÂNICOS - Os fatores mecânicos são talvez os mais óbvios. Em caso de


deformidades articulares, congênitas ou adquiridas, existe geralmente uma diminuição da área
de contato articular. Isto é causa de aumento de resistência mecânica por unidade de área da
cartilagem. Em casos de perturbação da dinâmica articular como, por exemplo, em lesões de
ligamentos ou meniscectomia, o elemento prejudicial parece ser a mudança de direção do
estresse mecânico ou transferência de carga para partes da cartilagem despreparadas do ponto
de vista mecânico. O uso repetitivo e exagerado de uma articulação também pa-rece estar
relacionado com a ocorrência de osteoartrite. Esta doença é mais comum em indivíduos que
trabalham em tarefas pesadas e em articulações que estão submetidas ao excesso de uso: Ex.:
joelhos de jogadores de futebol, dedos de mão do lado dominante quando comparadas com o
365

outro lado etc. O aumento no peso corporal também está associado a um aumento no
aparecimento da osteoartrite de articulações, principalmente joelhos. A associação com
osteoartrite de quadril não é muito evidente.

IDADE - O aumento da osteartrite com a idade é lento e em proporções aritméticas até os 50


anos. A partir daí, torna-se rápido, em proporções geométricas. Com a idade, a qualidade da
cartilagem formada é alterada: ela influi para que os glicosaminoglicanos fiquem mais curtos e
mudem a sua constituição. Com isto, ela perde a capacidade de reter água, o que muda as suas
propriedades elásticas, tornando-a mais vulnerável a pequenos traumatismos.

FATORES NUTRICIONAIS - Níveis elevados de vitamina D e de vitamina C na dieta estão


associados com menor risco de progressão da osteoartrite.

CLÍNICA

Os sinais e sintomas são geralmente localizados. Tipicamente afeta uma única ou poucas
juntas. Dor, no início da doença, acontece após o uso e é aliviada pelo repouso. Com o evoluir
ela aparece com um uso mínimo e até mesmo sem ele. É descrita como uma dor surda e
profunda sobre a articulação afetada. Como a cartilagem é uma estrutura desprovida de raízes
nervosas, a dor provavelmente se origina em outras estruturas articulares e periarticulares. Em
alguns pacientes, pode se dever ao estiramento de terminações nervosas existentes no
periósteo que cobre os osteófitos. Em outros, parece se dever a fraturas de estresse que
ocorrem na região subcondral ou hipertensão intramedular causada por trabéculas hipertróficas
subcondrais que alteram o fluxo sanguíneo. Espasmo muscular e instabilidade articular
causando estiramento da cápsula articular são outras causas de dor.
Rigidez na junta envolvida, de manhã ou após períodos de imobilidade, também é
comum, mas, geralmente, é de curta duração (menos do que 20 minutos).
Sinovite é outro achado que pode ser causa de dor. Pode se dever à fagocitose de
fragmentos de cartilagem e de osso oriundos da superfície óssea ou da liberação de
macromoléculas da cartilagem (glicosaminoglicanos, proteoglicanos). Outra causa para si-novite
é a concomitância de artrite por cristal, em geral, por pirofosfato de cálcio ou hidroxiapatita.
Perda de mobilidade aparece à medida que os tecidos da articulação reagem se
hipertrofiando.Perda de congruência da cartilagem leva à instabilidade articular.
O exame físico revela sensibilidade local, aumento de partes moles ou hipertrofia óssea.
Crepitação (ou sensação de atrito de osso contra osso) é um achado característico.
Pode ou não existir derrame articular, e, quando este está presente é, em geral, de pequeno
volume.
A palpação pode demonstrar aumento de temperatura local. Desuso por dor pode ser
causa de atrofia muscular periarticular. Em casos avançados, deformidades grosseiras,
hipertrofia óssea, subluxação e perda da mobilidade articular podem dominar o quadro.

QUADRO 30.1 - SINAIS E SINTOMAS NA OSTEOARTRITE


 Dor do tipo mecânico;
 Rigidez matinal de curta duração;
 Crepitação;
 Aumento do tamanho do osso ao nível articular (pelos osteófitos);
 Componentes inflamatórios (aumento de temperatura, edema) mínimos ;
 Líquido sinovial do tipo não inflamatório;
 Atividade inflamatória sérica normal (VHS e proteína C reativa).

A impressão mais comum que se tem é a de que a osteoartrite seja uma doença de
evolução progressiva e inexorável, mas, existem casos documentados nos quais a doença se
366

estabiliza ou até mesmo regride. As articulações mais comumente envolvidas são as que
suportam peso, ou aquelas repetitivamente utilizadas tais como, mãos (interfalangianas
proximais e distais), 1ª metacarpo-falangiana, coluna, quadris, joelhos e 1ª tarsometatarsiana.

ENVOLVIMENTO DA MÃO - Nódulos de Heberden são proeminências ósseas nas


interfalangianas distais e são a forma mais comum de osteoartrite idiopática. Nódulos de
Bouchard são exatamente as mesmas proeminências, mas em interfalangianas proximais.
Estes nódulos se desenvolvem de maneira gradual, com pouco desconforto. Entretanto
eles podem se apresentar agudamente inflamados, com dor importante, vermelhidão e edema.
São os chamados nódulos quentes. Cistos gelatinosos dorsais, contendo ácido hialurônico
podem se desenvolver na inserção do tendão extensor dos dedos na base da falange distal,
precedendo o aparecimento dos nódulos. Desvios laterais e em flexão das falanges não são
raros. Esta forma de apresentação é mais comuns em mulheres e o seu desenvolvimento tem
uma forte tendência hereditária. Sua presença está ligada ao HLA A1-B8. A base do polegar é
outro local comumente envolvido na osteoartrite e o crescimento de osteófitos confere um
aspecto "quadrado" à mão. A artrose desta articulação é muitas vezes chamada de rizartrose.

A B

C D

E F
FIGURA 30-1 Osteoartrite de mãos.(A), (B) e (C)- nódulos de Henerden e Bouchard. (D)
Cisto sobre nódulo de Heberden (E)- Hot nodes (F) – Rizoartrose (quadratura da mão).
367

QUADRIL - Defeitos congênitos tais como displasia acetabular, Doença de Legg-Calvé-Perthes,


displasia epifisária múltipla, etc.) podem ser implicados em casos de artrose do quadril. Cerca
de 20% dos pacientes terão envolvimento bilateral. A obesidade parece estar relacionada com
a ocorrência de osteoartrite bilateral do quadril, mas não com casos de envolvimento unilateral.
Dor da articulação do quadril pode ser referida em região inguinal, nádegas ou porção
proximal da coxa ou, mais raramente, até em joelho. Perda da rotação interna ocorre
precocemente seguida por perda da extensão, adução e flexão por fibrose capsular ou por
crescimento de osteófitos. Pode-se encontrar encurtamento do membro.

JOELHOS - Pode envolver o compartimento medial, o lateral e o patelo-femoral. Afetando o


compartimento medial pode levar ao aparecimento de deformidade em varus; o lateral, em
valgo.
Dor à compressão da patela contra o fêmur durante a contração do quadríceps pode
indicar osteoartrite do compartimento patelofemoral. Condromalácia da patela é uma
síndrome que afeta jovens e adolescentes, causando dor nos joelhos ao subir ladeiras ou
escadas. É, em geral, bilateral. Caracteriza-se por amolecimento e fibrilação da cartilagem do
aspecto posterior da patela. Mais comum em mulheres pode ser causada por uma variedade de
fatores tais como: patela alta, trauma, ângulo do quadríceps anormal etc. Na maioria dos casos
a condromalácia da patela não é um precursor de osteoartrite. O tratamento é feito com AINHs
e fisioterapia sendo que, em alguns casos é necessária a correção cirúrgica do alinhamento
patelar.

COLUNA - Na coluna pode afetar juntas apofisárias, disco intervertebral e ligamentos


paraespinais. Espondilose é termo usado para processo degenerativo em disco intervertebral.
O termo osteoartrite da coluna é reservado para quando o processo é de articulações
interapofisárias (que são as verdadeiras articulações sinoviais). Sintomas de envolvimento da
coluna são; dor, rigidez e compressão de raízes nervosas causando dor radicular e fraqueza
motora.
DISH (diffuse idiopatic skeletal hyperostosis) ou doença de Forestier é uma síndrome
frequentemente classificada como variante de osteoartrite na coluna, embora as juntas
interapofisárias não sejam envolvidas.

FIGURA 30.3 – DISH- Osteofitose ( pelo menos 4 espaços) com manutenção da altura do
disco.
368

Existe uma ossificação dos ligamentos, principalmente do ligamento espinal anterior, dando
uma aparência de "vela derretida" na porção anterior dos corpos vertebrais. O local mais
envolvido é a coluna torácica baixa. Para que se possa fazer o diagnóstico de DISH é necessário
o envolvimento de 4 ou mais vértebras. Os espaços discais estão bem preservados. Esta
síndrome afeta mais homens e incide em indivíduos de meia idade e velhos. Os pacientes são
comumente assintomáticos e o diagnóstico acaba sendo um achado radiológico. Esta tendência
para ossificação pode ser observada em locais extra espinais, como por exemplo, em ligamentos
ilio-lombares e sacro-tuberoso e inserção de ligamentos em processo olecraniano, calcâneo,
trocanter etc. Parece ser mais uma causa de confusão com osteoartrite do que uma variante
verdadeira, uma vez que não existe degeneração em cartilagem.

PÉS - Osteoartrite da 1ª tarsometatarsiana é bem frequente (joanete) e pode ser agravada pelo
uso de sapatos apertados. É comum a formação de uma bursa adventícia no lado medial da
articulação, a qual pode inflamar e causar dor.

OSTEOARTRITE GENERALIZADA - Caracteriza-se pelo envolvimento de três ou mais articulações


ou grupos de articulação (envolvimento de juntas interfalangianas proximal e distal são
contadas em grupo). Os sintomas são episódicos, com surtos de inflamação acentuada.

OSTEOARTRITE EROSIVA - Nesta forma as interfalangianas proximais e distais de mãos e pés


estão envolvidas de maneira proeminente. É uma forma mais destrutiva do que a osteoartrite
clássica e é característica a evidência radiográfica de colapso do osso subcondral. Ancilose óssea
pode ocorrer. Nestes casos, a sinovial tem um infiltrado mononuclear muito mais extenso do
que em outras formas de osteoartrite.

EXAMES DE IMAGEM

RADIOLOGIA CONVENCIONAL- A osteoartrite representa a resposta a um estresse anormal, e


em geral, este está localizado em um dos segmentos da articulação. Assim, no quadril, o aspecto
lateral da articulação é o mais envolvido enquanto que em joelho é o compartimento femoro-
tibial medial, o mais afetado.
Na osteoartrite, as capas cartilaginosas dos ossos se perdem, o que se traduz radiologicamente
por diminuição do espaço interarticular. As superfícies ósseas que se opõem têm suas trabéculas
espessadas com aparecimento de eburnificação (o que dá um aspecto de esclerose ao RX). Em
adição a isto, formam-se cistos ou múltiplas imagens radioluscentes de tamanho variável, em
ambos os lados da articulação. Estes cistos parecem ser formados por intrusão de líquido sinovial
através da cartilagem ou talvez por injúria em osso subcondral. Outro achado adicional é o
aparecimento de osteófitos. Os osteófitos se formam em osso endocondral e sua formação é,
portanto, dependente da presença de cartilagem. Por isso, nota-se que eles aparecem, não no
local onde se perdeu a superfície cartilaginosa, mas nos pontos não estressados, onde a
cartilagem ainda é aparente. Eles crescem como lábios que se estendem das bordas da
articulação. Portanto, os quadtro achados clássicos da imagem na osteoartrtie são: diminuição
do espaço interarticular, osteofitose, esclerose marginale cistos ósseos ( chamados de geodos).
Quando se analisa um RX de coluna é importante fazer a separação entre osteófito e
sindesmófito Lembre-se que sindesmófitos são encontrados em espondiloartrites e são
formados pelas calcificação dos ligamentos. Portanto os sindesmófitos são mais aplanados que
os osteófitos.
369

FIGURA 30.4- Achados de imagem (RX) em osteoartrite ( diminuição do espaço interarticular,


osteofitose, esclerose marginal.

USO DA CINTILOGRAFIA - O uso da cintilografia (Tc99) não parece ser muito útil para o
diagnóstico de osteoartrite. O que ela mostra são articulações inflamadas, independentemente
de sua etiologia. Além disto, como este método não mostra a anatomia da articulação, não serve
como acompanhamento evolutivo do processo. Serve para diagnosticar o envolvimento de
certas articulações antes do que elas apresentem clínica.

TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA - O uso da tomografia, de articulações periféricas oferece


poucas vantagens em relação à radiografia simples, no diagnóstico da osteoartrite. Entretanto,
em casos de articulações axiais oferece uma visualização mais acurada.
370

RESSONÂNCIA MAGNÉTICA - A ressonância magnética oferece vantagens de uma imagem de


vários planos, com um bom contraste de tecidos moles. Entretanto tende a subestimar a
extensão do envolvimento da cartilagem. Além disto, é um teste dispendioso.

ULTRASSOM - Embora este teste possa visualizar a cartilagem articular e fornecer dados
quanto à sua integridade, nem todas as superfícies podem ser exploradas.

ARTROSCOPIA - É sem dúvida o teste mais sensível para medir anormalidades da cartilagem. O
problema é que, muitas vezes um líquido sinovial opaco pode obscurecer a visão. Além disto, é
uma técnica invasiva que, embora bem tolerada, sempre enfrenta certo grau de resistência pelo
paciente.

MANEJO DO PACIENTE

MEDIDAS CONSERVADORAS

Manejo da dor - A dor da osteoartrite é gradativa. Inicialmente aparece aos esforços e mais
tarde, até mesmo em repouso. Geralmente existem períodos de dor e de remissão.
O padrão da dor é quem dita o tratamento. Se o suporte de peso ocasiona os sintomas, deve-se
modificar os hábitos do paciente, de maneira que, o suporte de peso seja reduzido. Pode-se
procurar produzir um balanceamento entre atividades e repouso que possa ser aceitável ao
paciente. Uma dona de casa, por exemplo, pode ser encorajada a manter suas atividades desde
que repouse por alguns períodos durante o dia. Excessos tais como sacolas pesadas ao se fazer
compras e viagens, devem ser evitados. Redução de peso de pacientes obesos também é
desejável, embora esta seja uma meta difícil de ser atingida.
Frequentemente é necessário adaptar o ambiente em que o paciente vive para um novo
estilo de vida. Assim, o colchão deve ser firme: não se deve permitir que o paciente coloque
travesseiros ou almofadas sob os joelhos para descanso, o que piora a fraqueza do quadríceps
e favorece contraturas em flexão. As cadeiras e toaletes devem ter seus assentos mais altos do
que as habituais (em média 12 cm) e com braços para facilitar o ato de se sentar e se levantar.
Quando existe dor em joelho ou quadril, o uso de bengalas pode ser útil no alívio da dor. Em
casos de envolvimento unilateral, a bengala deve ser usada no lado contralateral ao envolvido.
A altura da mesma deve ir até o nível do trocanter maior; deve ser larga e dotada de pontas de
borracha não deslizáveis. A parte mais difícil no uso da bengala é a aceitação por parte do
paciente. Usar bengalas pode ter sido elegante e até um sinal de distinção no passado. Hoje em
dia, no entanto, traduz incapacidade. Se existe envolvimento bilateral, o uso de duas bengalas
ou de muletas ou mesmo de um "andador" (apoio com rodas) pode ser benéfico.
Exercícios - Repouso e proteção da articulação devem ser completados com exercícios, com
objetivo de manter a mobilidade e evitar a fraqueza e a instabilidade articular.
Muitos dos pacientes com osteoartrite, pela sua idade avançada, aprendem devagar e
esquecem fácil, por isso os exercícios devem ser simples, de fácil execução. Devem ser feitos por
10 minutos, duas vezes por dia. Os primeiros exercícios para osteoartrite de joelho são
isométricos envolvendo o quadríceps e os músculos glúteos. Contrai-se o músculo e pede-se
para o paciente mantê-lo contraído enquanto conta até cinco. Repetir o exercício 10 vezes. O
segundo exercício é o do levantamento da perna estendida, com o joelho em extensão, até mais
ou menos 45º, também feito 10 vezes envolvendo, alternadamente, ambos os lados. O
quadríceps mantém-se contraído. Se o paciente faz estes exercícios de maneira satisfatória,
então recebe uma tarefa adicional. Para o joelho, um exercício adicional de fortalecimento
muscular, deve ser feito com o paciente sentado à beira do leito com os joelhos fletidos. Cada
joelho é então estendido completamente, de maneira alternada. Pode se adaptar um pequeno
peso no tornozelo, o qual é aumentado gradativamente-.
371

Para casos de osteoartrite do quadril, o paciente deve treinar a rotação, adução e


extensão. Em posição supina e com as pernas estendidas e abduzidas ele roda o quadril virando
os pés para um lado e para o outro. Depois ele deita sobre o lado menos envolvido e abduz o
quadril o mais que pode, retornando à posição inicial lentamente. Os exercícios devem ser feitos
10 vezes para cada lado. Finalmente, deitado em posição de pronação ele estende cada quadril,
o mais possível, por pelo menos 10 vezes.
Exercícios adicionais incluem uso de bicicleta estacionária e exercícios sob a água, os
quais podem ser úteis em casos selecionados, principalmente em casos de osteoartrite do
quadril.

Uso do calor e do frio- Aplicações de calor ou de compressas frias têm por finalidade trazer
analgesia e relaxamento muscular. A termoterapia superficial pode ser aplicada através de
compressas quentes, um banho bem quente, uso de luz ultravioleta ou do forno de Bier. No caso
das mãos, pode ser feita a simples imersão em água quente por 10 minutos, 2 vezes por dia. Já
as aplicações de calor profundo podem ser feitas através de ultrassom, ondas curtas e
microondas. Compressas frias são aplicadas por 10-15 minutos, através de uma bolsa de gelo e
tem efeito principalmente analgésico. Tanto as aplicações de calor como de frio podem ser feitas
antes dos exercícios, facilitando a sua realização.

Em caso da osteoartrite de 1ª carpometacarpiana a dor pode ser aliviada por


imobilização do dedo com uma tala a ser usada por 4-6 semanas. Nos pés, a presença de calos
abaixo das cabeças dos metatarsianos sugere um suporte anormal de peso e pode ser
interessante corrigir o uso de sapatos com uma palmilha com barra anterior. Medidas desiguais
de comprimento de perna devem ser corrigidas com um salto.

TERAPÊUTICA MEDICAMENTOSA

Analgésicos e anti-inflamatórios não hormonais são utilizados amplamente para alívio


de dor e do processo inflamatório que acompanha os casos de osteoartrite. A preferência para
o tratamento inicial deve recair sempre para os analgésicos puros como o paracetamol porque
este é um medicamento com menos efeitos colaterais e menos interações medicamentosas.
Não se pode esquecer que pacientes com osteoartrite são idosos, com outras co-morbidades e
que, geralmente, fazem uso de polifarmácia. Quanto mais simples o medicamento usado para a
osteoartrite, melhor para o paciente.
O uso dos AINHs é motivado pelas propriedades analgésicas destas drogas, e, em casos
de poucas articulações envolvidas, pode ser indicado seu uso tópico. Outros agentes
farmacológicos potencialmente utilizáveis em osteoartrite são: cloroquina, as tetraciclinas, a
diacereína e hialuronato intra-articular.
A cloroquina tem um efeito inibidor de interleucina -1 além de, por estabilizar as
membranas e aumentar o pH intralisossômico, diminuir a liberação e ação das metaloproteases.
Os estudos nos quais ela foi usada para osteoartrite são os de envolvimento de mão. As
tetracilinas, particularmente a doxiciclina, são antinflamatórios por inibir a colagenase e a
gelatinase. A diacereína é um derivado antraquinônico que age como inibidor da interleucina-1.
Como efeito colateral, pode causar diarréia e cólicas abdominais. O uso de hialuronato intra-
articular parece ser benéfico nos pacientes com mais de 60 anos e que têm uma artrose
avançada e não querem ou não podem se submeter a próteses. Têm o inconveniente de exigir
injeções intra-articulares que podem causar efeitos irritativos locais embora isto seja
relativamente raro. Outros medicamentos, ainda, incluem a glicosamina e o sulfato de
condroitina. Parece existir alguma evidência de que a glicosamina melhora a dor e função destes
pacientes e de que diminui a taxa de progressão radiológica da doença.
372

INDICAÇÕES CIRÚRGICAS
Troca de uma articulação (colocação de próteses) é reservada par casos com
osteoartrite avançada, nos quais a terapêutica conservadora é ineficaz.
Indicações para prótese total de joelho ou quadril são as seguintes:
• - dor que interfere com o sono;
• - maiores dificuldades ou incapacidade em exercer atividades diárias;
• - uma redução não aceitável da capacidade de andar, usar escadas ou trabalhar.
Antes da intervenção cirúrgica, o paciente deve estar bem informado acerca da
necessidade de fisioterapia pré e pós-operatória, assim como acerca da dor pós-operatória (que
leva de 6 a 8 semanas para desaparecer no quadril e, 10 a 12 semanas para desaparecer em caso
de joelho).O uso de próteses com superfície porosa que permitam o crescimento do osso, de
maneira a fazer uma fixação biológica, tem diminuído os casos de falha da prótese por
afrouxamento da mesma. Artroplastia pode aliviar a dor e melhorar a mobilidade. Osteotomia
é um tratamento cirúrgico mais conservador destinado a eliminar uma sobrecarga anormal de
peso através da correção do alinhamento da articulação. Em pacientes com osteoartrite do
quadril ou do joelho pode trazer alívio da dor. O seu grande benefício é visto em casos não muito
avançados. Remoção artroscópica de fragmentos soltos pode aliviar a dor e prevenir o
"travamento" da articulação. Lavagem da articulação com solução de ringer lactato com a
finalidade de eliminar restos de cartilagem, fibrina, etc, pode trazer alívio por alguns meses em
pacientes refratários a outro tipo de tratamento. Condroplastia (ou artroplastia por abrasão) é
um tratamento que tem ganhado popularidade, embora não existam estudos controlados para
provar a sua eficácia. Consiste na remoção da cartilagem que recobre o osso na expectativa que
se forme uma nova cartilagem. Infelizmente, o tecido fibrocartilaginoso que se forma é um
tecido de qualidade inferior ao da cartilagem hialina que normalmente existe, principalmente
em suas capacidade de suportar forças compressivas e outras formas de stress.
Transplante de condrócito autólogo tem sido feito em casos de osteoartrite de joelho
com bons resultados.

OUTRAS MODALIDADES DE TRATAMENTO


Outra droga que pode ser usada é a capsaicina (pomada feita a base de pimenta) , que
é aplicada localmente e que age como analgésica por depletar a substância P.
Sinovectomia química pode ser feita com uso de Yttrium-90 ou ácido ósmico.
Nos casos de osteoartrite patelo-femoral lateral e dor na porção anterior do joelho
pode-se fazer a fixação medial da patela feita externamente com adesivos.

Referências:
Gelber AC. Osteoarthritis . In Imbodem J, Helmann DB, Stone JH (eds). Current rheumatology : diagnosis and treatment. Mac Graw
Hill, New York, 2004. p.309-13.
Zhang Y, et al. Replacement therapy and worsening of radiographic osteoarthritis; the Framingham Study. Arthritis & Rheum
1999;42:397-405.
373

Capítulo 31- Doenças do metabolismo ósseo

Uma doença óssea metabólica pode ser definida como uma desordem esquelética na qual
o processo patológico é generalizado. Osteopenia é um termo genérico sob o qual se englobam
todas as doenças associadas à perda de osso mineralizado, sem definir o processo responsável
pelo fato. Três formas diferentes de doença óssea metabólica se apresentam como osteopenia:
a osteoporose, a osteomalácia ( ou raquitismo na criança) , a osteíte fibrosa.
Diz se que existe osteoporose quando existe diminuição global da massa óssea. Neste
caso, o osso existente está adequadamente mineralizado. Osteomalácia é uma osteopenia
resultante da mineralização inadequada do osso. Osteíte fibrosa, que é a doença óssea encon-
trada no hiperparatireoidismo, se caracteriza por um aumento na reabsorção osteoclástica do
osso com proliferação de tecido fibroso. A osteoporose é, sem dúvida, a mais comum das três.

DINÂMICA DO REMODELAMENTO ÓSSEO

O esqueleto não tem somente a função de suporte. Além de ser responsável pela
sustentação estrutural, ele é um importante reservatório de cálcio e bicarbonato e pode ser
chamado a suprir a falta destes elementos em estados de deficiência. Caso esta demanda supere
a capacidade de reserva do osso, a perda exagerada destes componentes pode resultar em
prejuízo da sua estrutura.
Grosseiramente falando, o osso está composto de uma porção externa densa, a cortical,
a qual delimita as cavidades medulares, e pelo osso trabecular, o qual se acomoda dentro do
espaço medular junto com tecido hematopoiético e células de gordura.
O osso cortical é relativamente denso e compreende 85% da massa óssea total; os outros
15 % ficam por conta do osso trabecular. A proporção entre estes dois tipos de ossos varia
conforme a localização do osso. Assim, os ossos do esqueleto apendicular contém alta pro-
porção de osso cortical; já os do esqueleto axial, são ricos em osso trabecular.
A superfície cortical externa está envolta pelo periósteo, um tecido conjuntivo com
potencial osteogênico. A cavidade medular está revestida pelo endósteo (incluindo os canais
que penetram no córtex). O endósteo está em contacto direto com a superfície óssea sendo
frequentemente difícil fazer a sua separação da matriz óssea não mineralizada.
O osso mineralizado está composto por pequenas unidades chamadas de unidades
estruturais ósseas, que representam o produto final de uma área de remodelamento. Entre duas
unidades fica a linha cimentante.

A construção de cada unidade estrutural de remodelamento depende do esforço


coordenado de osteoclasto e osteoblasto operando em uma sequência específica.
O ciclo do remodelamento ósseo cursa com a ativação dos osteocitos. Estas células
passam a um ativador de receptor chamado de RANK-L, também conhecido como fator de
diferenciação do osteoclasto ou ODF. (O= osteoclast; D= differentiating; F= factor). A sigla RANK-
L significa ativador de receptor do ligante do NFB. O RANK-L (ou ODF) interage com o seu
receptor no osteoclasto e desta interação resulta ativação, migração e fusão destas células que
começam o processo de reabsorção (1). A deficiência de estrógenos aumenta a reabsorção óssea
por aumentar o RANK-L .
Um osteoclasto ativo pode se ligar a outra proteína conhecida como osteoprotegerina
(OPG) que serve para inibir a osteoclastogênese . Resumindo pode-se dizer que o osteoclasto
tem um fator inibidor (a OPG) e um ativador (o RANK-L ou ODF),ambos oriundos do osteoblasto.
374

Os osteoclastos são células multinucleadas que se originam da linha monocitária.É


formado pela fusão de vários macrófagos. Têm citoplasma acidófilo (rico em fosfatase ácida) e
possuem uma borda franjada (ou em escova), a qual entra em contacto com superfície do osso.
Neste local forma-se uma verdadeira câmara onde são secretados enzimas e ácidos que digerem
o osso.

A
FIGURA 31.1 - (A) – Controle do osteoclasto pelo osteoblasto (B)- reabsorção óssea pelo
osteoclasto.

Uma vez ativados, os osteoclastos iniciam a fase reabsortiva do remodelamento criando


concavidades rasas chamadas de lacunas de HAWSHIP. No final da fase reabsortiva (que leva de
30 a 40 dias) a população de osteoclasto dentro das lacunas de reabsorção diminui e começam
a aparecer os osteoblastos, que, depois de um processo de maturação, começam a depositar
matriz óssea.
Os osteoblastos são células mononucleares, provavelmente originárias de fibroblastos,
com um citoplasmo basófilo, rico em fosfatase alcalina. São eles que depositam a matriz óssea
ou osteoide, que é um misto de colágeno tipo 1, glicosaminoglicans e outras proteínas não
colágenas como, por exemplo, a osteocalcina (também chamada de proteína óssea GLA).
O componente colágeno forma 95% da matriz. Depois de certo tempo começa a ocorrer
a mineralização da matriz, gradativamente, formando um front que avança com velocidade
variável. Alguns osteoblastos ficam presos na matriz, durante este processo, formando os
osteócitos. Pode-se notar que, o remodelamento ósseo obedece a três fases: a reabsortiva (cujo
principal ator é o osteoclasto) a de reversão e a de formação óssea (feita pelo osteoblasto).
Fatores que atuam na reversão não são bem conhecidos, mas uma proteína, a osteopontina,
parece ser um elemento chave.
Em certas situações, a formação óssea ocorre "de novo", ou seja, sem obedecer ao padrão
de reabsorção e formação, produzindo um tipo diferente de osso (woven bone) visto em certas
situações como calo ósseo, osteogênese fetal, Paget e osteodistrofia renal.
A reabsorção óssea está normalmente em equilíbrio com a formação e existem muitos
elementos que regulam este remodelamento. São alguns deles:
a) -múltiplos fatores de crescimento sistêmicos ou locais, tais como ILGF, fatores de
crescimento ósseo e IL-1 (esta última estimulando a reabsorção óssea);
b) - forças mecânicas de estresse: estimulam a formação óssea;
c) -íons Ca++ e fosfatos
d) -calcitonina e PTH;
375

e) - vitamina D: regula absorção intestinal de cálcio e tem um papel no processo de


mineralização da matriz osteoide.
O esqueleto está em constante processo de remodelamento ósseo. Calcula-se que 10%
da massa óssea é remodelada por ano.

FIGURA 31.2- Dinâmica do remodelamento ósseo

É claro que, na criança e no jovem existe um predomínio na formação de massa óssea


permitindo um crescimento da massa total. Esta massa óssea total atinge um máximo 10 anos
após a parada do crescimento linear. A partir daí passa a declinar gradativamente atingindo
metade do seu valor máximo aos 80 anos.
O pico da densidade óssea ocorre, portanto, em torno dos 30 anos e é maior no homem
do que na mulher. Além disso, a mulher apresenta uma perda adicional nos 10 anos que se
seguem a menopausa. A perda óssea é maior em osso esponjoso do que em osso cortical.
Acredita-se que uma mulher perde até 35% do seu osso cortical e até 50% do seu osso esponjoso
com a idade. A perda no homem é de 2/3 desses valores.

FIGURA 31.3 - Gráfico da massa óssea de acordo com idade.


376

Os ossos constituídos principalmente por osso esponjoso (p. ex: vértebras) são os que se
tornam mais frágeis e, portanto, fraturam com maior facilidade.
São muitos os fatores que influem na perda de massa óssea. Entre eles sabe-se que, na
menopausa, existe um aumento da reabsorção osteoclástica ocasionada pela diminuição dos
níveis de estrógenos e que, com a idade, existe hipofunção do osteoblasto.
Nos capítulos que se seguem, serão estudadas, individualmente, cada uma das
osteopenias e, também, a osteodistrofia renal, que é a doença óssea que aparece nos indivíduos
com insuficiência renal e que se constitui num processo misto de diferentes formas de
osteopenia.

MARCADORES BIOLÓGICOS DO REMODELAMENTO ÓSSEO

Existem certos métodos bioquímicos que ajudam a avaliar como está acontecendo o
remodelamento ósseo. Estes métodos podem ser divididos em dois grupos principais: os que
avaliam a formação do osso (ou seja, atividade osteoblástica) e os que avaliam a reabsorção do
mesmo (atividade osteoclástica). Estes métodos vêm sendo desenvolvidos com intuito de
permitir um estudo mais adequado do que está acontecendo em pacientes predispostos a
osteoporose antes mesmo que a mesma se estabeleça clinicamente.
Os principais marcadores biológicos de turnover ósseo estão no quadro 31.1

QUADRO 31.1- MARCADORES DO REMODELAMENTO ÓSSEO


ATIVIDADE OSTEOBLÁSTICA ATIVIDADE OSTEOCLÁSTICA
 Osteocalcina  Fosfatase ácida tartarato resistente
 Fosfatase alcalina  Piridinolinas urinárias
 Peptídeos do pró-colágeno I  Cálcio urinário

A seguir vamos estudar os principais:


a) fosfatase alcalina: é feita a dosagem sérica. Não é encontrada só em tecido ósseo, mas
também, no fígado, placenta, intestino, eritrócitos e rim. Assim muitas desordens que não são
do metabolismo ósseo podem alterar a sua medida. Para evitar esta confusão é possível dosar
a isoenzima originária de cada lugar, mas a técnica é muito difícil e, por isso, a sua realização
fica muito dispendiosa. No osso, a célula responsável pela sua produção é o osteoblasto. São
exemplos destas situações: doença de Paget, osteomalácia, hiperparatireoidismo, doenças
neoplásicas no osso com atividade osteoblástica. Veja bem que, lesões neoplásicas osteolíticas
puras como as do mieloma múltiplo, não cursam com aumento da fosfatase alcalina.
A fosfatase alcalina normal de uma criança ou de um adolescente é maior do que a de
um adulto, porque nestas fases da vida existe aumento da massa óssea.

b) osteocalcina (BGP ou proteina óssea Gla): é uma vitamina óssea não colágena cuja síntese é
dependente de vitamina K. Representa 1-2% das proteínas totais do osso. Sua síntese é feita
pelo osteoblasto e está aumentada quando tem estímulo pelo hormônio do crescimento,
vitamina D e fluor. O PTH inibe a sua síntese. Os níveis séricos da osteocalcina variam com a
hora do dia; sua secreção tem uma variação nictemeral sendo maior as 5:30 da manhã e
diminuindo no decorrer do dia. Está aumentada na mulher pós-menopausa como uma
expressão do aumento do turnover ósseo. Aumenta também em lesões óssea blásticas, doença
de Paget etc. Como é metabolizada e excretada pelo rim encontra-se aumentada em casos de
insuficiência renal.
A despeito de sua síntese depender de vitamina K não existem relatos de alterações de
alterações do metabolismo mineral em pacientes fazendo uso de anticoagulantes orais.
377

c) peptideo do procolágeno I : São moléculas produzidas durante a síntese intracelular do


colágeno. Está aumentada tanto em situações de aumento de formação de osso como em
situações de destruição do mesmo. É um teste menos sensível.
d) hidroxiprolina urinária: é uma técnica tradicional. A hidroxiprolina é um constituinte da
molécula de colágeno que forma a matriz do osso. Ela pode ser medida tanto no soro como na
urina, mas a taxa no soro é muito baixa o dificulta a técnica de medição. Na urina é feita a
dosagem de 24 h e o paciente deve evitar a ingestão de produtos que contenham gelatina para
que o resultado não seja falsamente elevado. Todas as situações de alteração do metabolismo
do colágeno sejam elas por aumento de formação como por aumento de destruição causam
uma excreção elevada de hidroxiprolina. Assim, níveis altos de hidroxiprolina urinária são
encontrados em Paget, hiperparatireoidismo, hipertireoidismo, osteoporose e lesões malignas
sejam elas osteolíticas ou osteoblásticas.
e) fosfatase ácida tartarato resistente: é uma enzima lisossômica encontrada em osso, próstata,
eritrócitos e baço. Está aumentada em situações de aumento em reabsorção óssea, ou seja, é
um marcador de atividade osteoclástica.
f) piridolinas urinárias: são fragmentos de hidroxilisina liberados quando o osso é destruído.
Pode-se perceber, portanto que é um marcador de reabsorção óssea. São medidas em coleta de
urina de 12 ou 24h. A técnica de medição é dispendiosa e lenta.

OSTEOPOROSE

A osteoporose, como se pode depreender do que foi discutido em


remodelamento da massa óssea, é, na realidade, uma doença involucional, uma vez que perda
óssea é um fenômeno universal a todos os seres humanos. De acordo com a definição da World
Health Organization, o diagnóstico da osteoporose se baseia na presença de uma densidade
óssea de 2,5 desvios padrões abaixo do valor máximo esperado, ou seja, do valor que o
indivíduo deveria ter quando jovem e saudável. Como a massa óssea diminui com a idade (de
acordo com o que já foi discutido na dinâmica do remodelamento da massa óssea) quase todas
as pessoas que venham a viver tempo suficiente virão a ter osteoporose.
Com o aumento progressivo de sobrevida da população, a osteoporose e as fraturas vêm
se tornando um problema preocupante. Nos EUA, a taxa de fraturas atribuídas à osteoporose é
de 1,3 milhões/ano, sendo a metade delas em vértebra e o restante em quadril e punho.
Imagine o custo disto para o sistema de saúde! Infelizmente, em nosso meio não dispomos de
dados estatísticos que nos permitam conhecer qual é a situação deste problema entre nós. Além
dos problemas econômicos advindos do tratamento, existe uma série de outros problemas, mais
importantes frente ao paciente individualmente falando. São exemplos deste segundo aspecto:
dor, incapacidade, riscos da hospitalização e da cirurgia corretiva (principalmente em casos de
fraturas de quadril, que têm uma mortalidade de 12 a 20%), além de uma diminuição de
qualidade de vida dos indivíduos afetados.
Esta doença se manifesta mais comumente na mulher, por causa dos efeitos da
menopausa. Calcula-se que 50% das mulheres acima de 65 anos de idade tenham uma massa
óssea abaixo do limiar de fratura.

FATORES DE RISCO - Já vimos que, o elemento mais importante para a determinação da


ocorrência ou não da osteoporose, é a reserva de massa óssea. Abaixo estão listados os
fatores que influem na quantidade desta reserva:

Influência étnica e hereditariedade- A osteoporose é mais rara em indivíduos de raça negra e


mais comum nos orientais. Na população branca a incidência de enfermidade sintomática é
menor nas pessoas da Europa meridional e de bacia mediterrânea e Europa setentrional. Estas
378

diferenças são mais o reflexo de diferenças de massa óssea do que de velocidade de destruição.
Esta última costuma ser praticamente constante em todos os grupos raciais. Estima-se (a partir
de estudos com gêmeos) que a hereditariedade é responsável por 70-80% da variação
interindividual no pico de massa óssea em ambos os sexos. Isto fica bem claro a quando se nota
a ocorrência familiar de fraturas de colo de fêmur. Todavia os genes que determinam a massa
óssea, a geometria do osso e a sua resistência ainda não foram identificados.
Nutrição - Um suprimento adequado de cálcio é tão importante para manter uma massa óssea
máxima como para alcançá-la. O organismo regula a concentração sérica de cálcio com bastante
precisão. O cálcio extracelular ionizado representa 1% da reserva. Esta é a fração
metabolicamente ativa, tendo uma importância crítica em vários processos metabólicos vitais
tais como reações enzimáticas, comunicação intercelular, transmissão neuronal e neuro-
muscular, contrações musculares, coagulação, etc. O sistema endócrino PTH-vitamina D asse-
gura a concentração desta forma de cálcio dentro de limites estreitos. Se a ingesta de cálcio é
pobre, o organismo usa de suas reservas ósseas acionando a produção do PTH e aumenta a
absorção deste íon através de um aumento na produção de vitamina D ativa (1,25 (OH)2 vit.D3).
A absorção do cálcio depende, na parte proximal do intestino, de vitamina D e na parte mais
distal do mesmo, do gradiente de concentração do cálcio. Nossa principal fonte de cálcio é o
leite. Um copo de leite desnatado proporciona de 250 a 300 mg do elemento. Para um adulto
jovem, o aporte recomendado é de 750 a 1.000 mg/dia. Nas gestantes e mulheres com mais do
que 50 anos o suprimento recomendado é de 1.500 mg/dia. As necessidades do idoso
aumentam porque a absorção de cálcio dependente de vitamina D torna-se menos eficaz com a
idade.
Outro componente importante da dieta é a vitamina D, que é transformada em um
hormônio ativo a 1,25(OH)2 D3. Cerca de metade das nossas necessidades de vit.D provém da
dieta e o restante, de uma reação endógena estimulada pelos raios ultravioletas na pele. A
adição de um grupo OH em C25 ocorre no fígado e a de outro OH em C1 é feita pelo rim de tal
maneira que a disfunção destes dois órgãos pode prejudicar a formação adequada do hormônio
ativo. Tem-se descrito uma diminuição dos níveis séricos de vitamina D ativa em indivíduos
velhos. A razão para isto é especulada e algumas delas seriam: diminuição da ingesta (dieta
inadequada), diminuição de exposição à luz solar e metabolismo renal deficiente. O suprimento
alimentar diário recomendado de vitamina D é de 400 U.I. para adultos jovens. Para idosos são
recomendados 800 U.I./dia. Quantidades maiores podem provocar hipercalcemia.
Desnutrição proteica é outro elemento encontrado em pacientes para osteoporose, as
vezes, associado com alcoolismo. Um excesso de álcool é, por si só, um fator prejudicial. Ele
atua inibindo a ação do osteoblasto. Por outro lado, um excesso de proteínas também parece
trazer um balanço negativo de cálcio. Isto parece depender do fato de que a dieta hiperproteica
causa acidose, que seria tamponada com material retirado do osso. Além disso, a acidose tem
também um efeito estimulatório sobre o osteoclasto.
Bebidas contendo cola são ricas em fosfatos que se ligam ao cálcio e impedem a sua
absorção. Dietas ricas em sódio aumentam a excreção urinária do cálcio.

Atividade física - A atividade diária de suporte do peso do próprio corpo é essencial para a saúde
do esqueleto. É, talvez, o principal fator exógeno que altera o desenvolvimento e
remodelamento ósseo. Assim, a massa óssea acaba sendo diretamente proporcional à massa de
musculatura esquelética. Uma pessoa sedentária, portanto, tem um risco muito maior de se
tornar osteoporótica que outra que pratique exercícios que envolvam o suporte do próprio
peso. Parece que o aumento da carga mecânica, por algum mecanismo ainda desconhecido,
estimula os osteoblastos a depositar mais osso durante o processo de remodelamento do que a
quantia que foi reabsorvida pelos osteoclastos. Uma situação bem ilustrativa disto é a
ocorrência de osteoporose em astronautas pela redução do campo gravitacional , apesar dos
379

mesmos terem uma atividade física intensa. Imobilização (por paralisia ou uso de gessos),
repouso prolongado no leito são causas de perda de massa óssea.

Fatores hormonais- A osteoporose tem sido ligada já desde há longo tempo com a menopausa.
A fase de perda óssea rápida pós-menopausa é revertida pelo uso de estrógenos. Receptores
para estrógeno foram identificados em células ósseas. A dinâmica do metabolismo dos
estrógenos tem recebido uma atenção considerável ultimamente. No fígado humano o estradiol
é oxidado, via citocromo microssomial P 450, para a forma de estrona. A estrona pode seguir
duas vias metabólicas: na primeira, ela é hidroxilada irreversivelmente em C2 e perde a sua
atividade biológica. Na segunda ela é hidroxilada em posição C16 e cria metabólitos ativos.
Qualquer perturbação no sistema enzimático P450 que aumente a produção de hidroxilação em
C2, causa declínio nos efeitos biológicos dos estrógenos, e, vice e versa. Fatores que diminuam
a hidroxilação em C2 levam à maior formação de metabólitos ativos. Dietas ricas em gordura
estão associadas com uma diminuição na hidroxilação em C2 e aumento da hidroxilação em C16
. O fumo estimula a hidroxilação em C e diminui a bioviabilidade dos estrógenos. Calcula-se
2
que o uso de 10 a 15 cigarros por dia, por pelo menos 5 anos, está associado à uma perda óssea
mais rápida e à diminuição de 1,75 anos na idade média da menopausa. O uso crônico de
fenobarbital é outro elemento que aumenta a degradação hepática dos estrógenos.

Outros fatores- A ingesta de café parece estar associada com maior perda de massa óssea. A
cafeína tem efeitos hipercalciúricos. Já a ocorrência de múltiplas gestações e aleitamento parece
exercer um efeito protetor. A obesidade também é considerada um fator de proteção.

CLASSIFICAÇÃO

A osteoporose tem sido classicamente dividida em osteoporose primária, quando os


pacientes apresentam osteoporose isolada e osteoporose secundária, naqueles com uma
patologia associada. Embora esta classificação tenha sofrido muitas críticas, uma vez que, nas
duas situações, parecem operar os mesmos elementos patogenéticos, ela é bastante didática,
daí o fato de ser incluída aqui.

QUADRO 31.2- CLASSIFICAÇÃO DAS OSTEOPOROSES


OSTEOPOROSE involucional: tipo 1 ou pós menopausa;
PRIMÁRIA tipo 2 ou senil;
idiopática: juvenil;
adulto;
OSTEOPOROSE SECUNDÁRIA doenças endócrinas;
imobilização;
uso de drogas;
alcoolismo;
osteogênese imperfeita;
das atletas femininas de elite;
da gravidez;
da doença hepática crônica;
associada a doenças neoplásicas.
380

Osteoporose involucional - É o tipo mais comum de osteoporose; aparece em 95% de todos os


pacientes. Ocorre mais em mulheres brancas e idosas. Subdivide-se em osteoporose senil e
pós- menopausa.
A forma tipo 1 ou pós menopausa, também chamada de osteoporose acelerada, aparece
em 5 a 10% de toda a população feminina dentro dos 20 anos que se seguem à menopausa. Ela
resulta, na realidade, da somatória de dois efeitos, o da perda de osso relacionada com a idade
associada ao efeito da perda acelerada pela pós-menopausa, provavelmente devida à
deficiência de estrógenos. Estas mulheres perdem mais osso trabecular do que cortical e com
frequência desenvolvem fraturas do corpo vertebral. Ocasionalmente esta mesma entidade
aparece no homem como será discutido mais adiante.
A forma senil ou tipo 2, ocorre em indivíduos mais velhos (em torno dos 75 anos) e se
manifesta por fraturas vertebrais e de quadris. O remodelamento ósseo está diminuído,
principalmente no que se refere a taxas de formação óssea. Esta forma de osteoporose
representa um exagero das alterações normalmente vistas com a idade. Existe uma diminuição
na longevidade do osteoblasto, além de um prejuízo em seu recrutamento e função. No velho,
encontra-se um aumento das células de gordura da medula, as quais se formam às custas da
célula progenitora do osteoblasto. Além disso, a síntese de osteocalcina estimulada pelo PTH
está diminuida. (Osteocalcina é a principal proteína não colágena da matriz óssea). Um fator que
contribui para a osteoporose senil é a diminuição da atividade da 1  hidroxilase renal (respon-
sável pela formação de vit.D ativa) em resposta ao PTH. Esta forma de osteoporose afeta metade
da população feminina idosa e 1/4 da masculina idosa. A perda óssea é proporcional, tanto em
osso trabecular como cortical.
No quadro 31.3, as principais diferenças entre a menopausa tipo 1 e 2.

QUADRO 31.3 - PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS OSTEOPOROSES INVOLUCIONAIS


TIPO 1 TIPO 2
Epônimo pós menopausa senil
Incidência entre sexos 6M/1H 2M/1H
Idade 55 a 75 anos > 70 anos
Osso envolvido Trabecular cortical/trabecular
Fraturas vértebra , rádio e quadril vértebra e quadril
Patogênese atividade  de osteoclasto atividade osteoblástica 
PTH diminuído aumentado
Vit. D ativada Diminuída diminuída
Absorção de cálcio Diminuída diminuída
Cálcio urinário Aumentado diminuído

Osteoporose idiopática - As formas idiopáticas juvenil e do adulto são relativamente raras. A


doença é muito agressiva e associada com um maior turnover ósseo. Crianças com esta doença
desenvolvem fraturas em metáfises (principalmente porção distal da tíbia). Ainda que a re-
missão ocorra de maneira espontânea, as pessoas afetadas podem permanecer com
incapacidade residual importante (por causa das fraturas) e dificilmente atingem, em idade
adulta, uma massa óssea normal. O diagnóstico diferencial deve ser feito principalmente com
osteogênese imperfeita além do que, qualquer criança que se apresente com esta forma de
doença, deve ser examinada em detalhes. Linfomas e leucemias podem se apresentar como
osteopenia de início agudo.

Osteoporose de origem endócrina - Certos distúrbios endócrinos podem provocar osteoporose


e devem ser procurados em toda pessoa jovem ou de meia idade que apresente osteopenia.
Numerosos hormônios afetam a remodelação óssea e, consequentemente, a massa esquelética.
O hipogonadismo produz perda óssea tanto no homem como na mulher. Alguns estados
381

hipogonadais que provocam perda óssea são: castração, pan-hipopituitarismo, agenesia


ovariana (Turner), síndrome de Klinenfelter. O hipertireoidismo, seja ele devido à hiperatividade
glandular ou ao tratamento substitutivo excessivo, aumenta o remodelamento ósseo. A
destruição ultrapassa a formação e acaba por determinar uma diminuição líquida da massa
óssea. Às vezes, a clínica do hipertireoidismo em si, pode ser suave e passar despercebida ao
exame. Os corticoides já têm sido associados à osteoporose desde longa data. A situação é
comum em pacientes em tratamento prolongado (por, pelo menos, 3 meses), particularmente
em pacientes pós-menopausa. Esta forma de osteoporose afeta predominantemente osso
trabecular, particularmente vértebras e costelas e tende a economizar o osso cortical. Para
maiores detalhes, leia, neste mesmo capítulo, o tópico de osteoporose pelo uso de
glicocorticoides.
Outra forma de osteoporose associada à doença endócrina é a da diabetes mellitus.
Nestes pacientes, apesar de não existirem anomalias no metabolismo do cálcio, a massa óssea
inicial é menor do que a de indivíduos não diabéticos.

Osteoporose pela imobilização - Osteoporose ocorre comumente em indivíduos que ficam


imobilizados ou submetidos às condições de diminuição das forças de gravidades (astronautas).
As situações clínicas nas quais este tipo de osteoporose é mais encontrado são imobilização por
fraturas, AVCs, poliomielites e doenças medulares com plegias. Este tipo de osteoporose pode
ser generalizado ou envolver apenas segmentos do esqueleto. As maiores alterações são vistas
em ossos que suportam peso. Nesta situação o que ocorre é, tanto um aumento da reabsorção
óssea quanto de formação, mas com predomínio da reabsorção, o que acaba por promover um
balanço negativo de cálcio. O osso trabecular é o mais afetado.
Os mecanismos responsáveis por esta forma de osteoporose são inteiramente
desconhecidos. Acredita-se que a função da célula óssea seja afetada diretamente pela falta do
suporte de peso. A perda de massa muscular que acontece nesta situação pode ser outro fator
que influi na perda óssea. Um indivíduo imobilizado pode perder até 40% de sua massa óssea
total em 6 meses. Esta osteoporose é reversível, pelo menos parcialmente, com a mobilização
do paciente.

Osteoporose induzida por drogas - A heparina estimula os efeitos do PTH e acelera a reabsorção
osteoclástica do osso. Isto é dificilmente causa de osteoporose nos pacientes tratados com
heparina para doença tromboembólica, uma vez que o seu uso é por tempo limitado. Também
já foi assinalado que o metotrexate (que tem efeitos calciúricos) pode promover osteopenia.
Outras drogas implicadas são: o glicocorticoide, os anticonvulsivantes, tetraciclina e a
isoniazida. Os anticonvulsivantes ativam o sistema de citocromo P450, o qual está envolvido no
metabolismo da vitamina D, causando deficiência da mesma. Já o uso de diuréticos tiazídicos
tem sido considerado benéfico, uma vez que estes compostos diminuem a calciúria. Existe a
observação de que, indivíduos idosos, em uso de tiazídicos para tratamento de hipertensão
arterial, têm incidência de fraturas de quadril 1/3 menor do que indivíduos que não o utilizavam.

Osteoporose pelo alcoolismo - São múltiplos os fatores que ocasionam a ocorrência de osteopo-
rose no alcoólatra. O álcool está frequentemente associado com doença hepática crônica, a qual
prejudica o metabolismo de vitamina D. Além disso, é causa de doença pancreática, que, por
promover má absorção, acaba por prejudicar a absorção de cálcio. Tem se observado, também,
que a ingestão aguda de álcool tem um efeito hipocalcêmico em animais, embora no homem o
significado deste achado seja desconhecido. Some-se a tudo isso o fato de que o álcool tem um
efeito tóxico direto no osteoblasto, prejudicando sua função. Outros fatores sugeridos como
coadjuvantes seriam um aumento nos níveis de cortisol após a ingesta do álcool, um
metabolismo prejudicado deste hormônio pelo fígado e deficiência de testosterona levando à
um hipogonadismo.
382

Osteoporose da osteogênese imperfeita - Osteogênese imperfeita é o nome dado para um


grupo de doenças geneticamente determinadas nas quais existe um defeito na formação do
colágeno tipo 1, uma das maiores proteínas estruturais do osso. Estas mutações podem causar
tanto anomalias quantitativas na produção deste tipo de colágeno, quanto anomalias na
estrutura molecular prejudicando a sua estabilidade. As anomalias na formação do colágeno
não só perturbam a integridade da matriz óssea como afetam, também, o remodelamento,
principalmente a formação óssea. Mulheres com osteogênese imperfeita têm uma
predisposição particular para osteoporose.
As fraturas aparecem em um pico bimodal de frequência: um deles logo antes da
puberdade e outro, na menopausa. O período puberal leva a melhoria dos sintomas e
diminuição na taxa de fraturas. Como estes pacientes nunca chegam a ter uma massa óssea
normal, eles se tornam mais susceptíveis às perdas da pós-menopausa. Osteogênese imperfeita
deve ser suspeitada em pessoas com história de fraturas patológicas, pele delgada, frouxidão de
ligamentos, escleras azuladas e surdez.

Osteoporose das corredoras de maratona e das atletas de elite - Embora esteja bem claro de
que exercício em pequenas quantias é benéfico para a manutenção da massa óssea, paradoxal-
mente, o exercício físico em alta escala está associado com indução de amenorreia ou de ciclos
anovulatórios e, consequentemente, com a ocorrência de osteoporose. O mecanismo não é
claro. Parece que os exercícios (e também as dietas) muito rigorosos estão associados com um
prejuízo no padrão de liberação dos hormônios indutores de formação de gonadotrofinas pelo
hipotálamo. A diminuição de amplitude e de frequência de liberação destes hormônios acaba
por ocasionar a cessação dos ciclos menstruais e diminuição dos níveis de estradiol circulantes.
As alterações osteoporóticas que aparecem nestas mulheres estão relacionadas com a duração
da amenorreia. Um estudo feito por RIGGS et al. mostrou que a densidade óssea de um grupo
de atletas amenorreicas, com idade média de 25 anos, era equivalente ao de não atletas com
51 anos. Calcula-se que 3 a 10% das mulheres que correm maratonas e que 30 a 50% das atletas
de elite estão em amenorreia.
Pacientes com anorexia nervosa e com hiperprolactinemia, situações estas associadas a
anovulação, sofrem de alterações semelhantes na massa óssea.

Osteoporose da gravidez - Um pequeno número de pacientes tem sido descrito com uma forma
de osteoporose durante a gravidez. Este tipo de osteopenia tende a ser transitório e limitado ao
período de gravidez, não recorrendo necessariamente em outras gestações.

Osteoporose da doença hepática crônica - Doença hepática crônica pode estar associada à
osteoporose e a causa disto é multifatorial. O metabolismo de vit.D está prejudicado nestes
pacientes (prejuízo da 25 hidroxilação). Além disto, se houver obstrução biliar, a absorção da
vitamina D que é lipossolúvel, não é feita adequadamente. Outros fatores que podem se associar
são a insuficiência pancreática (outra causa para má absorção) e o alcoolismo.

Osteoporose das doenças neoplásicas - A osteopenia é relativamente comum nos tumores da


medula óssea. O mieloma múltiplo, o mais comum dos tumores ósseos primitivos do adulto,
pode se acompanhar de osteoporose intensa, tanto axial quanto periférica. As células mieloma-
tosas produzem um fator circulante que ativa os osteoclastos e estimula a reabsorção óssea.
Deve-se suspeitar de mieloma em todo paciente com mais de 50 anos e que tenha osteoporose
sintomática. As leucoses também podem se associar a osteoporose.

QUADRO CLÍNICO

Os principais componentes do quadro clínico são:


383

Dor - É uma das queixas mais características, principalmente em coluna vertebral. A dor pode,
ou não, estar associada com as alterações radiológicas da doença. Quando existem fraturas
compressivas (totais ou parciais) a origem da dor é óbvia, mas nem sempre isto acontece.
Acredita-se que nesta outra situação a dor se deva a microfraturas de osso trabecular. Espasmo
muscular é um fator contribuinte para a dor nas costas. A dor não é comum em outros locais,
embora a osteoporose seja um processo generalizado.
O curso evolutivo do processo doloroso é variável. Em alguns pacientes após um ataque
agudo de poucas semanas podem existir longos períodos de alívio. A dor por si só pode ser causa
de imobilização, o que agrava a osteoporose.

Fraturas - Ocorrem com trauma mínimo. As fraturas vertebrais são comumente compressivas e
aparecem inicialmente em região média do tórax. Causam dor de início brusco que se intensifica
quando o paciente está em pé, tosse, espirra ou defeca e que se alivia com o repouso. A
mobilidade da coluna está muito limitada.
Fraturas da porção proximal do fêmur são mais sérias e suas complicações diminuem não
só a qualidade, mas também o tempo de vida do paciente. Acontecem quando o paciente cai
para trás e são mais comuns nos pacientes que têm uma coxa mais comprida. Fraturas de
extremidade distal do antebraço são mais raras e acontecem quando o paciente cai para frente,
com a mão estendida.
Existe a observação de que se o paciente sofre uma fratura ele tem um risco maior de
desenvolver novas fraturas. Este risco é tanto maior quanto mais precocemente as primeiras
fraturas aparecerem. Embora uma baixa massa óssea pareça ser a explicação mais óbvia para
esta “repetição” de fraturas, existem outros fatores que influem como: imobilização (causando
mais osteoporose) e alteração na distribuição de peso, promovidas pelas possíveis
deformidades.
Vale a pena prestar atenção no fato de que existem fatores hereditários na
determinação de uma maior ou menor massa óssea em determinados locais. Desta maneira a
história familiar de fratura pode ser considerada como um fator de risco para a mesma. Uma
história materna de fratura do quadril aumenta em duas vezes o risco de fratura osteoporótica.

Deformidades - Fraturas da coluna vertebral seguem uma sequência específica de eventos que
acaba por levar a deformidades características. As fraturas compressivas ocorrem inicialmente
em região torácica média levando a um aumento da cifose e dando ao paciente o aspecto de
"corcunda". Isto é associado à perda de altura.
À medida que o processo progride e aparecem mais fraturas, o abdome fica
proeminente. Se existirem fraturas em vértebras lombares inferiores, a caixa torácica pode vir a
se apoiar nos ossos da pelve.

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL

Pacientes com osteoporose primária não têm alterações nos níveis séricos de cálcio e
fósforo ( e nisto contrasta com osteomalácia e osteíte fibrosa). A dosagem de cálcio urinário e
da proteína óssea Gla (osteocalcina) no soro serve para separar uma osteoporose de alto
turnover, daquela de uma de baixo turnover, mas, no entanto, não se chegou a um acordo
quanto à utilidade prática deste teste.
Em casos suspeitos de osteoporose secundária os exames solicitados são os dirigidos para
diagnóstico da doença básica.

ESTUDOS RADIOLÓGICOS

O diagnóstico radiológico de osteoporose baseia-se em: alteração da luscência do osso,


alterações no padrão trabecular e alteração na forma (esta última principalmente em corpo
384

vertebral). Para que ocorram alterações na luscência do osso aproximadamente 30% do tecido
ósseo deve ter sido perdido. A variabilidade de fatores técnicos e o conteúdo de tecidos moles
sobre a região podem tornar difícil a valorização deste dado. Em casos severos, alterações
típicas em vértebras mostram uma luscência maior no centro da vértebra quando comparada
com as placas subcondrais das margens, as quais ficam mais densas.
As alterações vistas em osso trabecular se devem ao fato de que o processo reabsortivo
é maior em trabéculas do osso horizontal do que vertical. A acentuação relativa destas
trabéculas verticais dá ao osso uma aparência estriada que, em vértebras, simula hemangioma.
Esta discrepância de reabsorção está relacionada aos efeitos biomecânicos e bioelétricos do
suporte de peso. (Isto não acontece na osteomalácia, servindo como um elemento de
diferenciação).
As alterações de forma de corpo vertebral devem ser distinguidas das variações normais
do contorno vertebral assim como de exames tecnicamente impróprios.

A B

C D
FIGURA 31.4 - (A), (C) e (D) - Fratura vertebral ; (B)- nódulo de Schmorl

Outros achados que sugerem osteoporose são: vértebra em cunha (com redução de altura
no bordo anterior, mas não no posterior), vértebra bicôncava ou "vértebra de peixe" (com
385

redução de altura na porção central produzindo uma concavidade exagerada) e fraturas com-
pressivas.
As vértebras de peixe resultam da pressão dos discos intervertebrais superior e inferior
sobre uma estrutura óssea enfraquecida. Numa situação mais avançada, o núcleo pulposo pode
até penetrar no interior da vértebra formando os nódulos de Schmorl.
As fraturas vertebrais por compressão podem ser classificadas em 3 tipos:
 por compressão central, bicôncava,
 compressão cuneiforme anterior (frequente na forma pós menopausa) em níveis dorsal médio
e lombar superior),
 por compressão transversal simétrica, produzindo um aspecto em "bolacha". Esta última,
quando aparece sem outros sinais de osteoporose, deve levantar suspeita para uma patologia
distinta, como por exemplo, doença metastática. Fratura isolada acima de T4 é outro aspecto
chamativo para doença maligna.

TÉCNICAS DE MEDIÇÃO DE MASSA ÓSSEA

Como o RX é um método relativamente grosseiro para a avaliação de alterações mais


sutis na massa óssea, desenvolveram-se técnicas não invasivas mais sensíveis destinadas a
avaliar a quantidade de osso em uma localização determinada. Estes métodos não têm
condições de avaliar a taxa do remodelamento ósseo. Em 1994, a Wordl Heath Organization
(WHO) criou critérios para diagnóstico de uma massa óssea normal, para osteopenia e para
osteoporose. Estes critérios estão baseados no escore T que é um escore referente à massa
óssea normal de um adulto jovem normal. Chama-se Z escore, o escore de comparação da massa
óssea do paciente em relação ao de outro adulto com a mesma idade. Se alterado, deve levantar
a possibilidade de osteoporose secundária. A medida de massa óssea está indicada em todo
indivíduo acima de 65 anos ou antes disto se houverem fatores de risco. Atualmente os métodos
destinados a avaliação do conteúdo mineral ósseo são:

Densitometria por rx de energia dupla (DEXA) - É o método mais utilizado atualmente, como
rotina, para a medição de massa óssea. Este exame pode ser repetido com frequência
permitindo um acompanhamento do paciente, uma vez que tem alta sensibilidade. A irradiação
recebida é mínima. Mede a massa óssea em coluna lombar e fêmur.

QUADRO 31.4 - CRITÉRIOS DA WHO PARA DIAGNÓSTICO DE OSTEOPOROSE


Massa óssea normal Massa óssea não está mais baixa do que um desvio padrão em
relação ao pico de massa óssea de adultos normais. ( T-escore>-1);
Osteopenia Massa óssea entre 1 e 2,5 desvios padrões abaixo do pico de massa
óssea de um adulto jovem . ( T-escore entre -1 e -2,5);
Osteoporose Massa óssea abaixo de 2,5 desvios padrões em relação ao pico de
massa óssea de um jovem adulto normal. ( T-escore<2,5);
Osteoporose grave Idem a osteoporose + fratura por trauma de baixo impacto.

Densitometria por ultrassom - Esta técnica baseia-se na atenuação que um feixe de ultrassom
sofre ao atravessar uma estrutura óssea e, na mudança de sua velocidade de transmissão
através desta estrutura. Na prática, analisa-se a densidade do calcâneo.
O ultrassom quantitativo além de ser uma técnica de baixo custo, mostra bem quando
existe osteoporose, e a resposta a tratamento. Entretanto a sua correlação com a quantidade
de massa óssea é modesta. Isto acontece porque esta técnica mede algo a mais como a
elasticidade e geometria das trabéculas que, aliás, também são elementos importantes na
determinação do risco de fratura.
386

Tomografia computadorizada quantitativa (QTC) - Neste teste obtém-se uma visão seccionada
da coluna vertebral que permite a medição do osso trabecular. O grande problema com este
tipo de teste é que o resultado pode ser obscurecido pela presença de tecido subcutâneo e de
gordura intramedular, esta última muito comum na população idosa. A exposição à radiação é
relativamente alta e a aceitação pelo paciente não é muito boa pelo desconforto gerado durante
a realização do exame.

Biópsia óssea transilíaca - A biópsia transilíaca é praticada com agulha de 5 a 8 mm de diâmetro,


utilizando-se apenas de anestesia local. Pode-se usar uma marcação dinâmica, feita com tetraci-
clina, administrada por via oral, com marcador fluorescente. O osso fixa a tetraciclina e a
deposita na zona de mineralização. Para estudo da biópsia, a tetraciclina é administrada por 3
dias em dois períodos com intervalo de 2 semanas. A retirada do material deve ser realizada
alguns dias depois da última dose. O intervalo entre as duas faixas que fixam a tetraciclina
mostra a velocidade com que vem ocorrendo o processo de mineralização (ou seja, a quantia de
osso que se mineralizou nas 2 semanas de intervalo de uso da droga).Técnicas que permitem o
estudo do osso não descalcificado vêm sendo utilizadas, para uma melhor análise da situação.
Esta técnica permite a constatação de que, por exemplo, a osteoporose pós menopausa não é
um processo homogêneo, e sim um espectro de várias cinéticas esqueléticas, podendo a ve-
locidade do remodelamento ósseo estar aumentada, normal ou reduzida, o que não
surpreende, dados os múltiplos fatores que influem no processo. A biópsia óssea é particular-
mente útil em pacientes osteopênicos nos quais se deseja diferenciar a osteoporose da
osteomalácia ou osteíte fibrosa.

TRATAMENTO

A meta do tratamento da osteoporose é evitar fraturas. Não resta dúvida que, em oste-
oporose, o melhor tratamento é o preventivo. Os fatores a serem atendidos são basicamente os
pertencentes a 2 grupos:- manutenção da massa óssea; correção das causas de queda ou de
outros elementos predisponentes a fraturas.
Para se manter uma massa óssea adequada são necessários: alcançar a densidade óssea
máxima geneticamente possível antes da maturidade. É feito com suprimento de cálcio e
atividade física adequados e redução dos fatores de risco tal como fumo e álcool. Deve-se
prosseguir durante a idade adulta com estes hábitos benéficos para manter a massa óssea
obtida , e , aumentar a ingesta de cálcio com o passar dos anos.
Os múltiplos fatores que influem na construção e manutenção da massa óssea são os que
determinam, em última instância, qual o paciente com risco de desenvolver osteoporose. O
protótipo da pessoa com maiores probabilidades de ter osteoporose tipo 1 é a mulher branca,
de pequena estatura, sedentária, fumante, nulípara, na pós-menopausa e com história de
deficiência de cálcio na dieta durante toda a vida.

Reposição de cálcio e vitamina D - Aumentar o conteúdo de cálcio da dieta aumenta o supri-


mento do mineral necessário para a formação óssea e, isto suprime a ação do PTH e aumenta
a ação da calcitonina. Sabendo-se isto, é de se esperar que, ocorra uma redução da reabsorção
óssea. Na prática, entretanto, não se sabe se isto funciona.
A maioria dos autores recomenda a reposição de cálcio porque, embora não se prove
que tenha benefícios diretos sobre a densidade da massa óssea. Parece razoável que se
recomende que alguém mantenha a sua necessidade mínima básica do produto. As
necessidades de uma mulher em pré-menopausa é de 1,0g /dia de cálcio e da pós-menopausa
de 1.5g/ dia (equivalente a seis copos de leite/dia).
Naqueles que não conseguem manter uma dieta adequada é feita uma suplementação,
geralmente com carbonato de cálcio que é forma mais barata de administração. Tem os seus
inconvenientes: causa constipação e flatulência, pode promover anemia por deficiência de ferro
387

e não é bem absorvido em pacientes que também fazem uso de inibidores de receptor H2 de
histamina ou de bomba de proton. Para estes últimos o melhor é utilizar o citrato ou o lactato
de cálcio. O uso do citrato de cálcio é também a forma recomendada para os que têm problemas
com cálculos urinários. A formação de cálculos, hipercalciúria e hipercalcemia são raros na
osteoporose tipo 1 sintomática. No entanto, todos os pacientes que recebem suplemento de
cálcio devem ser aconselhados a manter um volume urinário alto. É interessante notar que a
reposição de cálcio é mais efetiva se for feita à noite porque isto impede o aumento noturno do
PTH.
Os suplementos de vitamina D são essenciais em pessoas com deficiências da vitamina.
Além disso, a sua reposição ajuda a normalizar a absorção de cálcio que está prejudicada na
osteoporose tipo 2. O uso rotineiro não deve ultrapassar 800 U.I.diárias. O calcitriol (1-25 di-
hidroxivitamina D) tem sido proposto recentemente, para o tratamento da osteoporose, na
dose de 0,25 g duas vezes ao dia. Seu efeito parece ser benéfico naquelas pessoas com doença
moderada. Como o seu uso pode causar hipercalcemia e hipercalciúria a prescrição deste tipo
de medicamento deve ser acompanhada periodicamente pela dosagem de cálcio, fósforo e
fosfatase alcalina no soro.

Bisfosfonatos - Os bisfosfonatos são análogos do pirofosfato, um regulador natural da


mineralização óssea (tanto da precipitação como da dissolução). Diferenças estruturais, no
entanto, os tornam resistente à clivagem pelas pirofosfatases. Os bisfosfonatos agem inibindo
a reabsorção óssea por terem uma ação direta sobre os osteoclastos. Impedem a adesão destas
células ao osso subjacente, o que é um pré-requisito para absorção óssea porque, é neste espaço
formado entre o osteoclasto e o osso, que esta célula bombeia íons H+ e enzimas que dissolvem
a matriz mineralizada. Além disso, os bisfosfonatos inibem a secreção ácida e enzimática destas
células. Outro mecanismo proposto pelo qual os alguns bisfosfonatos inibiriam a reabsorção
óssea é a indução de apoptose dos osteoclastos. Ainda outro efeito constatado é a inibição de
mineralização do osso, por seus efeitos na precipitação de hidroxiapatita. Assim sendo, o uso
dos bisfosfonatos beneficiaria o paciente por interferir no remodelamento permitindo uma
maior diminuição na reabsorção óssea do que na sua formação. Um aspecto negativo desta
situação é a de que, com o tempo, esta droga permitiria um acúmulo de osso velho que, além
de mais frágil, cicatrizaria suas microfraturas com dificuldades. Existem fraturas atípicas, por
insuficiência, que são atribuídas ao seu uso. Por isso existe quem apregoe que seu uso devem
ser feito por 5 anos e, após isso, se a situação clínica do paciente permitir, sejam feitas “férias”
do seu uso.
Os bisfosfonatos indicados para uso em osteoporose são o etidronato (o mais velho deles
e pouco usado hoje em dia), o pamidronato, o ácido zolendrônico, o alendronato e o
risendronato. Os dois últimos são os mais usados. A dose indicada do alendronato é de 10mg
alendronato/dia ou 70mg/semana. Risendronato é usado na dose de 5 mg/dia ou 35
mg/semana.
Como os bisfosfonatos são muito mal absorvidos devem ser ingeridos somente com água,
em jejum, que deverá ser mantido pelos próximos 30 minutos. Porque são irritantes para o
esôfago aconselha-se que o indivíduo após a sua ingestão permaneça em pé e use um copo de
água bem grande para ingerir o comprimido. Os bisfosfonatos orais não devem ser administrado
para pessoas com úlcera péptica. De maneira geral, bisfosfonatos não devem ser usados em
pessoas com clearence de creatinina abaixo de 30 ml/min. Outro cuidado a ser tomado é com
higiene oral e com manipulações dentárias. Existe um aumento de necrose asséptica de
mandíbula neste contexto.
Uma questão ainda sem resposta é a de que os bisfosfonatos podem se acumular no
esqueleto de tal maneira que a sua segurança a longo prazo é um fato a ser esclarecido.
388

Calcitonina - O uso da calcitonina está indicado em casos de perda óssea rápida. Isto pode ser
sugerido pelo início agudo de sintomas, pelo aumento no cálcio urinário e excreção de hi-
droxiprolina. A calcitonina age principalmente nos osteoclastos, os quais têm receptores para
este hormônio, diminuindo a reabsorção óssea. Seus efeitos são rápidos. Em 10 minutos verifica-
se que, in vitro, os osteoclastos perdem a sua borda serrilhada, a qual é um sinal de ativação. As
dificuldades da administração da calcitonina são: o seu alto custo e a necessidade de aplicação
parenteral (subcutânea ou intramuscular). O uso intranasal (sob forma de spray) vem sendo
utilizado cada vez mais frequentemente. As doses preconizadas são de 50 a 100 U/dia.
Embora seu uso seja aparentemente benéfico, a maioria dos estudos tem um pequeno
tempo de observação (até 18 meses). Questiona-se este benefício em longo prazo. Existem
dados que mostram que, após 30 meses de uso, a calcitonina não difere, em nada, do uso de
cálcio isolado. Esta terapêutica é bem tolerada, sem efeitos colaterais a longo termo. Náuseas
transitórias e sensação de "flush" facial têm sido descritos após as injeções e são mais comuns
em mulheres que em homens.
Um aspecto interessante (e oportuno) é o efeito analgésico deste tipo de medicamento,
o qual parece ser independente de sua ação sobre o osso. Por isto este medicamento é uma
ótima escolha em casos de osteoporose com fraturas muito dolorosas.

Estrógenos e moduladores seletivos de receptor estrogênico - Estrógenos são altamente


efetivos na prevenção de perda de massa óssea na mulher menopausada. Têm também vários
efeitos extra esqueléticos: melhoram os calorões e a sensação de secura vaginal. Quando usados
devem estar associados à progesterona para evitar estimulação do endométrio, a menos que a
mulher tenha sofrido histerectomia. Todavia seu uso está associado a aumento no número de
câncer de mama e, também, parece favorecer os eventos coronarianos como infarto de
miocárdio. Isto reduziu as suas indicações. Atualmente é recomendado mais para o tratamento
de calorões do que da menopausa, sendo usado por períodos curtos, logo após a menopausa,
na dose mais baixa possível. O uso dos estrógenos foi substituído pelo uso dos SERMs
(S=Selective; E=estrogens, R=receptors, M=modulators) como o raloxifeno. Estudos têm
demonstrado que este medicamento é eficaz no aumento da densidade óssea em quadril e
coluna embora não se tenha conseguido provar que o mesmo diminua a taxa de fraturas de
quadril. Efeitos colaterais associados ao raloxifeno são: calorões, cãibras, edema e aumento de
eventos tromboembólicos.

Teriparatide - Teriparatide ou PTH é usado para tratamento da osteoporose feminina e


masculina e se aproveita da capacidade de o PTH aumentar a massa óssea quando usado de
maneira intermitente e em dose baixa. Se usado em doses altas é catabólico para o osso. Devido
ao seu alto custo é reservado para situações de osteoporose grave, principalmente se
acompanhada de fraturas, ou, em situações nas quais os outros medicamentos não
funcionaram. Não deve ser usado por mais do que dois anos. Está contraindicado em crianças,
pessoas com metástases ósseas, doença de Paget ou que tenham aumento não explicado de
fosfatase alcalina.

Denosumabe - É um biológico que inibe o RANK –L que é um ativador do osteoclasto. Seu uso é
endovenoso e semestral.

Outros tratamentos incluem uso de ranelato de estrôncio, uso de hormônio do


crescimento e de IGF-1 e estatinas. Alguns destes ainda em estudo.

Outras medidas - Os exercícios devem ser encorajados neste grupo de pacientes principalmente
os com suporte do peso e exercidos contra resistência. Dificilmente eles são capazes de
aumentar a massa óssea após os 35 anos, mas, no entanto, são fundamentais para a
manutenção da já existente. São aconselhados os exercícios aeróbicos e a bicicleta ergométrica
389

com resistência crescente. Caminhar é menos eficiente que atividades com resistência, mas com
certeza é mais efetivo que o sedentarismo. Hidroginástica e natação são relativamente
ineficazes para prevenir a perda óssea, mas são úteis para fortalecimento da musculatura e,
portanto, reduzem risco de quedas e fraturas.
Nunca é demais enfatizar os cuidados preventivos em relação às quedas. Pessoas idosas
têm os reflexos mais lentos além de, frequentemente, se usarem medicamentos com ação
sedativa e/ou hipotensora, os quais podem causar tonturas. Sempre é bom recomendar o uso
de uma barra de apoio no box do banheiro, evitar tapetes soltos, brinquedos espalhados e
assoalhos muito lisos. Uma lâmpada de cabeceira sempre acesa à noite evita batidas e quedas
durante as idas noturnas ao banheiro. O uso de calções acolchoados reduz o número de fraturas
de quadril.

ACERCA DO FRAX ...

O FRAX (WHO Fracture Risk Assessment Tool) é um instrumento existente on line,


(https://www.shef.ac.uk/FRAX/tool.aspx?country=55) que serve pra medir o risco de fratura
nos próximos 10 anos que uma pessoa tem. Ele mede o riscode fratura de quadril e o risco de
uma ratura maior. Leva em conta vários fatores que interferem com quantidade e qualidade
óssea ( ex fumo,idade, usode corticodie, índice de massa corporal etc...) e deve ser aplicado
para uma população delimitada geograficamente. Ou seja, nós aqui, devemos usar o FRAX
BRASIL . Este instrumento é muito útil para ajudar em decisões terapêuticas.

OSTEOPOROSE PELOS GLICOCORTICOIDES

A osteoporose relacionada ao uso dos glicocorticoides é de grande interesse ao


reumatologista, hajam vistas o grande número de indicações desta forma de terapia nesta
especialidade. Além disto, pacientes com doenças reumatológicas já têm uma certa tendência
para desenvolver osteoporose seja pelo processo inflamatório articular, seja pela imobilização
resultante das incapacidades geradas pela doença de fundo.
Tentativas de minimizar este efeito colateral têm sido feitas. O uso em dias alternados,
que em muito minimiza os outros efeitos indesejáveis desta droga, não tem efeito sobre
osteoporose. O mesmo acontece com uso de terapia de pulso.
Tem sido proposto que um derivado de prednisona, o deflazacorte, teria um efeito
catabólico menor do que os outros glicocorticoides, incluindo-se nisto uma menor perda óssea.
Entretanto os estudos feitos com esta droga são de curta duração e nem sempre têm uma
equivalência adequada de doses, o que confunde o resultado. Existe até quem proponha que
não exista tal vantagem. Em suma, o que se pode dizer do deflazacorte é que, até o momento,
não existem evidências conclusivas de que seu uso seja vantajoso para massa óssea
A perda óssea induzida pelo corticoide é, aparentemente, maior nos 6 primeiros meses
de terapêutica; segue-se, a isto, um plateau. Perdas ósseas significantes ocorrem em doses de
7,5 mg/dia/prednisona ou maiores. Doses menores só causam osteoporose em homens e
mulheres pós-menopausa, mas têm sido descritos casos associados com corticoide spray usados
no tratamento de pacientes asmáticos. A densidade óssea também sofre influencia da dose
cumulativa total do glicocorticoide e de outros fatores como hábito de fumar e tomar muito
café, sedentarismo, da presença ou não de flúor na água, obesidade e estado hormonal do
paciente.
A patogênese é multifatorial. Resumidamente os principais fatores são:
a) efeito na secreção dos hormônios sexuais. Glicocorticoides inibem a liberação de gonadotrofinas
hipotalâmicos e a produção de estrógenos induzida pelo FSH.
390

b) efeito na absorção intestinal de cálcio. Os corticoides diminuem a absorção de cálcio no


intestino delgado por mecanismos desconhecidos. Em cólons, eles aumentam absorção.
c) efeito no metabolismo da vitamina D. Tem se sugerido que os corticoides aumentam a quebra
do 1,25(OH)2 em nível de receptor de mucosa, embora existam autores que acreditem que o
corticoide não modifique o metabolismo da vit. D.
d) efeitos sobre a excreção renal de cálcio e fósforo. Promovem hipercalciúria que se acentua pela
alta ingesta de sódio e diminui pelo uso de tiazídicos. Existe uma ação direta dos glicocorticoides
em túbulos renais. A combinação de absorção diminuída e perda aumentada de cálcio acabam
por levar ao hiperparatireoidismo secundário. Fosfatúria tem sido atribuída a este hiperparati-
reoidismo.
e) efeitos diretos sobre o osso. Os osteoblastos têm receptores para corticoides e, ao se ligar com
estes, exercem um efeito inibidor sobre a replicação e diferenciação da célula em questão. Além
disto, tem sido verificada que a função desta célula está alterada e que a mesma secreta fabrica
menos colágenos e menos proteínas não colágenas como a osteocalcina.
f) efeito sobre o PTH. Existe um aumento do número de receptores do PTH em osteoblastos.
g) outros efeitos: diminuição da massa muscular (lembre-se que a massa muscular é diretamente
proporcional à massa óssea); diminuição do fator de crescimento insulina-like 1 (que é um fator
de crescimento ósseo), inibição de prostaglandinas (principalmente a PGE2, que é inibidora da
função osteoclástica) etc.
Em vista de tudo o que foi exposto, existem algumas recomendações a serem feitas com
referência a pacientes em uso crônico desta droga. São elas:
 usar a dose efetiva mais baixa possível do corticoide;
 usar corticoide de vida média curta;
 sempre que possível, utilizar-se de corticoides tópicos;
 manter atividade física, o mais possível;
 em mulheres pós menopausa ou nas com amenorreia induzida pelo corticoide, considerar
reposição de estrógenos;
 manter um bom estado nutricional e restringir a ingesta de sódio;
 manter o nível de vitamina D dentro do normal com reposição da mesma;
 se hipercalciúria estiver presente, usar um diurético tiazídico ou outro economizador de cálcio;
 seguir a densitometria óssea periodicamente;
 se o paciente desenvolver perda óssea importante, considerar tratamento com bisfosfonatos ou
SERMs.

OSTEOPOROSE MASCULINA

Enquanto a osteoporose na mulher tem sido objeto de cuidadosa atenção por parte dos
clínicos e pesquisadores, a osteoporose masculina tem sido relegada a um segundo plano, só
passando a receber alguma forma de atenção nos últimos anos. Embora a taxa de fraturas na
mulher seja mais alta do que a do homem, isto não significa que osteoporose masculina não seja
causa importante de morbidade e mortalidade masculinas.
Algumas diferenças na fisiopatologia da osteoporose do homem e da mulher procuram
explicar as diferentes taxas de fraturas entre os sexos. São elas:
1- os homens têm ossos maiores porque crescem mais do que as mulheres;
2- os homens perdem menos osso durante o processo de envelhecimento;
3- os homens não têm um equivalente distinto à menopausa feminina;
4-os homens caem menos que as mulheres;
5- os homens vivem menos que as mulheres e por isso não têm tempo de sofrer fraturas.
Os ossos masculinos são maiores que os femininos porque os homens têm um período
de crescimento pré-puberal pelo menos dois anos mais longo do que os das mulheres e o seu
391

estirão de crescimento durante o período puberal é maior. Assim sendo, o diâmetro do osso
masculino é maior do que o do feminino A taxa de fratura é inversamente proporcional ao
diâmetro de um osso tubular. Quando a densitometria é feita pelo DEXA ou por emissão de
fotons duplos, a densidade óssea masculina também aparece como sendo maior do que a
feminina. Entretanto este é um achado falso porque estes testes não corrigem o seu valor final
para a profundidade do osso e, este sendo maior é, também, mais profundo.
Quanto à quantidade de perda óssea perdida durante o envelhecimento, vê-se que, o
homem realmente perde menos osso cortical do que a mulher. Isto acontece porque a mulher
tem uma maior reabsorção endocortical e o homem tem uma maior aposição óssea
subperiosteal durante o processo de remodelamento. No que concerne ao osso trabecular a
diferença é principalmente qualitativa. Na mulher a estrutura trabecular se rompe pela criação
de grandes lacunas de reabsorção osteoclástica. No homem existe um afilamento da estrutura
trabecular sem perda da continuidade das mesmas. A perda da estrutura tridimensional das
trabéculas favorece a ocorrência de fraturas por achatamento como as vistas nas vértebras.
Embora os homens não tenham um equivalente distinto à menopausa feminina com a
sua perda óssea acelerada, eles sofrem alterações importantes no nível dos hormônios
relacionados com a idade. Calcula-se que cerca da metade dos homens acima dos 50 anos
tenham níveis baixos de testosterona. Isto se deve à diminuição de função das células de Leydig
e também, à diminuição de produção do LH pela hipófise. Assim sendo, os hormônios sexuais
podem estar relacionados, no homem, com o que seria considerado “perda óssea relacionada à
idade”.
A maneira pela qual a diminuição dos níveis de andrógenos se relaciona com a
diminuição de massa óssea não está esclarecida. Acredita-se que a testosterona se transforme,
parcialmente, em estrógenos e estes possam intermediar sua ação em massa óssea. Outra
explicação é a de que a falta de testosterona perturbe o funcionamento do eixo GH-ILGF-1. O
ILGF-1 (ou fator de crescimento semelhante à insulina –1) é um fator de crescimento elaborado
em resposta a vários estímulos, principalmente o GH (hormônio do crescimento). No osso, este
ILGF-1 teria a ação de aumentar a replicação dos osteoblastos e aumentar a transcrição genética
dos genes produtores de colágeno. Indivíduos com níveis baixos de testosterona têm declínio
de ambos os hormônios e a resposta de GH aos exercícios está diminuída.A concentração de
estrógenos no homem está associada com uma maior densidade óssea e a sua redução em
homens idosos pode ser causa de perda de massa óssea. O estrógeno parece comandar a
reabsorção óssea que aparece com a idade enquanto tanto a testosterona quanto o estrógeno
são importantes na obtenção do pico de massa óssea no sexo masculino.
A maioria dos pacientes masculinos com osteoporose tem uma causa identificável para
a sua doença. Veja na tabela 31.5 as causa mais comuns de osteoporose no homem.

QUADRO 31.5- CAUSAS COMUNS DE OSTEOPOROSE MASCULINA


1.HIPOGONADISMO Hipogonadismo hipogonadotrófico idiopático
Klinefelter
Hemocromatose
Hiperprolactinemia
Alcoolismo
Orquiectomia
2. USO de ALCOOL e FUMO
3.GASTRECTOMIA
4 USO DE CORTICOIDES
5.TUMORES
5.IDIOPÁTICA
6.SENIL
7. TUMORES Mieloma e linfomas
392

O tratamento é feito com reposição hormonal (intramuscular, oral ou transdérmica) nos


casos em que existe hipogonadismo. A reposição de testosterona deve se acompanhar de uma
atenção cuidadosa de função hepática e de tamanho de próstata. Existe, nestes pacientes, um
risco aumentado de processos colestáticos, neoplasias de fígado e próstata. Nas outras
situações podem ser utilizados reposição de cálcio e vitamina D, bisfosfonatos, denosumabe e
teriparatide.

OSTEOMALÁCIA

Osteomalácia é a forma de osteopenia que se caracteriza pela falta de mineralização da


matriz osteoide, causada por redução dos níveis sanguíneos de cálcio e fósforo. O termo
osteomalácia é reservado para quando esta patologia ocorre em um esqueleto que já completou
o seu crescimento. Na criança, utiliza-se mais comumente o termo raquitismo.
Esta falta de mineralização é vista em uma série de doenças com prejuízo no
metabolismo da vitamina D (deficiência nutricional, exposição solar inadequada, desordens
adquiridas ou herdadas do metabolismo da vitamina D, e defeitos nos receptores de vitamina
D), acidoses crônicas, defeitos tubulares renais que façam acidose ou hipofosfatemia,
intoxicação por alumínio e administração crônica de anticonvulsivantes. Nos casos de desordens
tubulares, a osteomalácia não responde ao uso de vitamina D e é chamada, neste caso, de
raquitismo resistente à vitamina D.

PATOGÊNESE - Para que ocorra a mineralização é necessário que existam cálcio e fosfato em
níveis séricos suficientes. Outras condições fundamentais são: funções de metabolismo e
transporte dos osteoblastos e dos condrócitos intactas; matriz colágena adequada; ocorrência
de fosforilação ou outras modificações nos componentes da matriz e um nível baixo de
inibidores da mineralização tais como pirofosfatos e agregados de proteoglicanos. No início da
osteomalácia, o osteoblasto produz uma quantidade normal de matriz osteoide, mas se esta não
se calcifica, a produção de osteoide também diminui. Os ossos tornam se incapazes de suportar
o stress mecânico habitual e tendem a se curvar (osteoamalácia= osso mole).
Embora se tenha certeza de que a vitamina D é essencial para que ocorra a mineralização,
não se sabe exatamente como é que isto ocorre. Pacientes com osteomalácia, aos quais se
administra parenteralmente quantidades suficientes de cálcio e fósforo, têm uma mineralização
irregular, não homogênea diferente da que ocorre com o fornecimento de vitamina D. Isto
sugere que esta vitamina, não só tem um papel no fornecimento dos íons necessários, mas,
também, no processo de mineralização em si. Esta vitamina também parece ser necessária para
a diferenciação dos osteoclastos a partir da célula tronco. Vitaminas D2 e D3 são ingeridas com
os alimentos. A vitamina D3 pode ser sintetizada na pele, a partir de 7 dihidrocolesterol, o qual
é ativado pela luz ultravioleta. Estes compostos não são hormonalmente ativos, mas a conversão
hepática destes para 25 OH colecalciferol (25OH vit. D), produz um metabólito capaz de au-
mentar a absorção intestinal de cálcio. No rim, esta 25 OH vit.D é transformada em 1,25 (OH)2
vit.D ou calcitriol, que é a forma mais ativa da vitamina. Níveis altos de PTH promovem a
formação de 1,25 (OH)2 vit. D.
Insuficiência dos metabólitos ativos de vit.D levam a um nível sérico de cálcio baixo, o que
estimula a formação de PTH, que, por sua vez, tenta aumentar o nível retirando cálcio do osso.
Este aumento de PTH sérico acaba por promover um aumento de excreção renal de fosfatos, o
que, por seu turno, promove hipofosfatemia. Quando a concentração de fosfatos cai abaixo de
um nível crítico a mineralização fica inibida.
A depleção de fosfatos é, por si, só outra causa de osteomalácia e isto é visto em pacientes
que consomem grandes quantidades de antiácidos não absorvíveis ou em pacientes com perda
de fosfatos pela urina (em geral por defeitos de reabsorção tubular). Nestes pacientes não
393

existe um hiperparatireoidismo secundário Osteomalácia também é vista em pacientes com


insuficiência renal, associada ao acúmulo de alumínio em osso.

FIGURA 31.5 - Metabolismo da vitamina D.

ETIOLOGIA- Como já foi visto anteriormente existem duas causas principais para a osteomalácia.
São elas: (A)- falta de vitamina D; (B)- níveis baixos de fosfato. As causas de ambas as situações
estão reunidas, de maneira sumária, abaixo:

Desnutrição- Alguns dos alimentos mais ricos em vit. D estão listados abaixo, no quadro 31.6.

QUADRO 31.6- CONTEÚDO DE VITAMINA D EM ALIMENTOS


Alimento teor em UI/100g
Gema do ovo 25 *
Manteiga 25
Fígado 0-67
Camarão 150
Salmão enlatado 220-440
Sardinhas enlatadas 1150-1570
Leite enriquecido 100
Cavala fresca (peixe) 1100
* teor / gema de ovo

Má absorção - A vitamina D é lipossolúvel sendo pouco absorvida em situações que cursam com
esteatorréia, como p.ex., insuficiência pancreática, doença hepática colestática, pós-
gastrectomia, doenças da parede intestinal como doença celíaca, enterite regional e síndrome
do intestino curto.

Síntese endógena inadequada - Resulta da exposição solar inadequada (o que é comum em


pessoas idosas e em locais com inverno muito prolongado), doença hepática (deficiência na
hidroxilação em C25 ), doença renal (falta da 25(OH)D 1  hidroxilase) ou, ainda, deficiência
congênita desta última enzima no chamado raquitismo dependente de vitamina D tipo 1.
394

Consumo aumentado - É vista em pacientes em uso de anticonvulsivantes, os quais aceleram as


enzimas microssomiais, o que acaba por promover um metabolismo acentuado da vit. D.

Deficiência nos receptores de vitamina d dependentes de mutação genética - É o chamado


raquitismo dependente de vitamina D tipo 2.

Desordens tubulares com deficiência de fosfato: Existe uma grande variedade de desordens
tubulares do túbulo renal proximal. É o chamado raquitismo resistente à vitamina D. Pode estar
ligado ao cromossoma X.

Associada a tumores - Tumores mesenquimais, fibromas, câncer de próstata etc. causam


osteomalácia associada à hipofosfatemia que, por sua vez, é causada por um clearence
aumentado de fosfatos pelo rim, determinado por fatores tumorais.

Hiposfofosfatasia - A deficiência de fosfatase alcalina está associada à osteomalácia e ocorre


em 4 formas: uma, precocemente fatal, a da 1ª infância, a da criança e a do adulto.

As principais causas de osteomalácia estão resumidas no quadro 31.7.

QUADRO 31.7 - PRINCIPAIS CAUSAS DE OSTEOMALÁCIA


ETIOLOGIA CAUSAS

Deficiência de vitamina D Ingesta inadequada (desnutrição);


Má absorção;
Síntese endógena inadequada;
Consumo excessivo;
Defeito nos receptores de vitamina D.
Deficiência de fosfatos Defeitos tubulares renais;
Tumores Ex; próstata, fibromas, tumores mesenquimais etc.
Hipofosfatasia Deficiências congênitas:- fatal precoce;
da primeira infância;
do adolescente
do adulto.

QUADRO CLÍNICO

As manifestações clínicas do raquitismo resultam em deformidades esqueléticas,


susceptibilidade a fraturas, fraqueza, hipotonia, e distúrbios do crescimento. Em casos de
raquitismo com deficiência de vitamina D, a hipocalcemia pode ser suficiente para provocar
sintomas de tetania. As anomalias esqueléticas mais frequentes são o achatamento dos ossos
parietais com proeminência das bossas frontais, a proeminência das junções costocondrais (o
que é conhecido como rosário raquítico) e a identação das costelas inferiores no ponto de
fixação do músculo diafragma (sulco de Harrison). Se o paciente não é tratado, ocorrem
deformidades progressivas da pélvis e ossos longos com arqueamento destes últimos. Fraturas
são frequentes. A erupção dentária está atrasada e são comuns defeitos na formação do
esmalte.
No adulto, os achados são mais discretos. Quando estes existem são, principalmente, de
dor muscular e fraqueza podendo simular uma desordem muscular primária. Estes sintomas
podem ser suficientes para manter o paciente confinado à cadeira de rodas. Um estudo
395

interessante feito na Suíça mostrou que, mulheres de um asilo e com sintomas de deficiência de
vitamina D, tinham, muitas vezes o diagnóstico de dores de origem psicossomática. Estas
desapareceram com a reposição da vitamina.

DIAGNÓSTICO

Exames laboratoriais- Em pacientes com deficiência de vitamina D os níveis de cálcio estão


baixos ou normais; os de fosfatos estão diminuídos. Estes pacientes, por terem um hiper-
paratireoidismo secundário, podem ter, também, uma discreta acidose. Os pacientes com
desordens da absorção tubular de fosfatos têm um nível de cálcio normal e o de fosfatos baixos.
Além disso, podem ter outros achados associados à doença básica tais como aminoacidúria,
glicosúria, e hipouricemia.

Aspectos radiológicos - Os aspectos radiológicos mais característicos são vistos ao nível da placa
epifisária. Esta placa aumenta em espessura, fica abaulada e mal definida em sua borda
metafisária (devido à deficiência de mineralização do local). O osso trabecular é anormal
aparecendo "borrado", semelhante ao aspecto de vidro moído. As diáfises estão finas e
arqueadas. Um aspecto bastante típico é o aparecimento das chamadas zonas radioluscentes
de Looser, que ocorrem frequentemente nos locais de penetração de uma artéria no osso, e
resultam do stress mecânico proveniente da pulsação destes vasos.
Pacientes com desordens tubulares que causam hipofosfatemia podem apresentar um
aumento ao invés de diminuição na densidade óssea.

Biópsia - A biópsia óssea (usando técnicas quantitativas de histomorfometria óssea), é o único


método definitivo para o diagnóstico de osteomalácia. Seu principal valor está em fazer o
diagnóstico diferencial com osteoporose. Nesta doença, osso mostra um aumento do material
osteoide e diminuição de calcificação no front de mineralização (este último aspecto detectado
pelo uso da tetraciclina).

TRATAMENTO

Em pacientes com deficiência de vitamina D a reposição desta vitamina é feita,


inicialmente, em uma dose mais alta (2.000 a 4.000 U.I./dia de vitamina D2) seguida de um
tratamento de manutenção de 200 a 400 U.I./dia. A melhora clínica é rápida (em algumas
semanas) e a cura radiológica começa em semanas e se completa em meses. Aqueles pacientes
que se apresentam com tetania podem necessitar de uma suplementação de cálcio.
Indivíduos com deficiência de vitamina D por má absorção devem receber doses mais
altas (50 a 100.000 UI/dia), ou mesmo, podem requerer o uso parenteral da medicação. Aqueles
em uso de anticonvulsivantes precisam receber suplemento desta vitamina durante o uso da
droga e as doses recomendadas são de 4 a 40.000 UI/dia.
Em casos de insuficiência renal, a escolha repousa sobre o uso do calcitriol (1,25 (OH)2
vit.D), na dose inicial de 0,25 microg/dia com aumento gradativo, conforme a necessidade, até
1,0 microg/dia. Todavia a reposição de vitamina D nestes indivíduos só deve ser feita quando o
PTH estiver acima de 300 pg/mL para não precipitar doença óssea renal adinâmica.
Os com deficiência de fosfato devem receber uma associação de fosfatos orais (1,0 a
3,6g/dia) e calcitriol (0,5 a 2,0 microg/dia).
396

OSTEÍTE FIBROSA

Osteíte fibrosa é um diagnóstico histológico baseado no achado de aumento de número


de osteoclastos e de sítios de reabsorção, com reparo às custas, mais de fibroblastos do que
osteoblastos. O osso é, portanto, substituído por tecido fibroso. Esta condição é causada pelo
hiperparatireoidismo tanto primário como secundário.
As principais causas de hiperparatireoidismo estão listadas no quadro 38.3.

QUADRO 31.8- CAUSAS DE OSTEÍTE FIBROSA


Hiperparatireoidismo primário adenomas funcionais
Hiperparatireoidismo secundário Má absorção de vitamina D
insuficiência renal
tumores de pulmão, rim e trato urogenital.

Os sintomas mais encontrados são os de dor óssea e muscular, dor articular, fraqueza,
fraturas, rigidez matinal e sinovites induzidas por depósito de pirofosfato de cálcio. Sintomas
de hipercalcemia (náuseas, vômitos, poliúria, alterações mentais, cólica renal, etc.) estão
presentes dependendo da causa.

A B

C D
FIGURA 31.6. Hiperparatireodismo. (A) Aspecto do crânio em sal e pimenta. (b) Coluna em
rugger jersey, (c) Condrocalcinose; (d) Tumor ósseo marrom.
397

Alterações laboratoriais do hiperparatireoidismo primá¬rio são: hipercalcemia,


hipofosfatemia, acidose metabólica e aumento dos níveis séricos do PTH determinados por
radioimu¬noensaio.
Achados do hiperparatireoidismo secundário depen¬dem da etiologia da doença básica.
Radiologicamente, encontra-se reabsorção óssea subpe¬rióstea. São comuns achados de
reabsorção dos tufos das falanges terminais dos ex¬tremos distais das clavículas, sínfise e
sacroilíacas. A perda de densidade dos ossos do crânio dá um aspecto de "sal e pimenta". Lesões
solitárias de tamanho va¬riável e chamadas de tumores ósseos marrons podem ser
demonstráveis em qualquer osso e curam com o tratamento da doença básica. Paradoxalmente
existe um aumento de densidade em alguns os¬sos. Na coluna, o aparecimento de faixas com
densidade aumentada alternadas com faixas de baixa densidade, é chamado de coluna em
rugger jersey. Condrocalcinose pode ser achada por doença por depósito de pirofosfato
associada.
O tratamento está voltado para a doença básica.

OSTEODISTROFIA RENAL

As desordens do metabolismo mineral e ósseo em pacientes com insuficiência renal


crônica recebe o nome coletivo de osteodistrofia renal. Essa entidade compreende desordens
do metabolismo do cálcio, fosforo, PTH e vitamina D e anormalidades no turnover ósseo,
mineralização, crescimento e resistência óssea além de calcificação vascular e de tecidos moles.
A osteodistrofia renal, quando analisada por biopsia óssea demonstra ter componentes
de fibrose cística, doença óssea adinâmica e osteomalácia. A doença óssea adinâmica
caracteriza-se por uma taxa baixa de remodelamento ósseo e é o componente mais comum da
osteodistrofia renal. Ela é marcada por uma baixa atividade tanto de osteoblastos como
osteoclastos e seu aparecimento é influenciado por supressão excessiva do PTH (induzida pela
reposição de vitamina D e pelo uso de ligantes de fosforo contendo cálcio) e pela resistência do
osso à atuação do PTH. Por isso a reposição de vitamina D num paciente com insuficiência renal
deve ser cuidadosa e só quando o PTH estiver muito alto.
Pacientes com osteodistrofia renal podem sofrer fraturas e se queixar de dor óssea.
Aqueles com hipercacelmia podem sofrer calcificação vascular e consequente isquemia.

Leitura complementar 31.1 – Doença de Paget

Doença de Paget é uma desordem de origem desconhecida e que afeta o remodelamento


ósseo. O osso produzido tem uma arquitetura desorganizada, espessa, fraca e freqüentemente
hipervascular. É causada por osteoclastos anormais que aceleram o remodelamento ósseo.
Causa dor óssea, deformidades, fraturas e lesões neurológicas que resultam da compressão de
tecidos do sistema nervoso pelo osso anormal.

EPIDEMIOLOGIA

É difícil saber a prevalência exata desta doença uma vez que muitos pacientes são
assintomáticos e não recebem o diagnóstico. Calcula-se que aconteça em 5% das pessoas acima
dos 55 anos (estes dados são da Inglaterra onde a doença parece ser um pouco mais comum).
A prevalência aumenta com a idade. É rara em pessoas de cor negra e de raça asiática.
398

CLÍNICA

Esta enfermidade afeta mais os ossos do esqueleto axial. Os locais preferidos são pelve,
coluna e fêmur. Envolvimentos da tíbia e do crânio também são comuns. Muitas vezes a doença
é assintomática e seu diagnóstico é feito por achados radiológicos em estudos feitos por outros
motivos.
Pacientes com doença sintomática queixam-se de dor, deformidades e alterações
neurológicas. A dor tem várias origens. Pode resultar da hipervascularização local (podendo
estar associada à sensação de calor local), distorção do periósteo pelo osso espessado e fraturas.
Dor nas costas é uma queixa frequente. É causada por aumento de volume das vértebras, perda
da lordose lombar fisiológica, alterações de marcha pela doença em outros locais e por
compressões radiculares. As deformidades são assimétricas. Ossos longos como fêmur e tíbia
ficam curvados causando desalinhamentos nas pernas. Ossos da mandíbula ou da região frontal
também se tornam maiores. A lesão neurológica mais comum é a surdez neurossensorial
causada por compressão do 8º par craniano ou por disfunção coclear secundária a alterações
pagéticas no osso temporal. Envolvimento da base craniana pode causar hidrocefalia ou
compressão na região do tronco encefálico.
Fraturas podem complicar com sangramento excessivo porque o osso é hipervascular. A
hipervascularidade pode ser causa de síndromes hiperdinâmicas e de roubo vascular.
Degeneração neoplásica é outra complicação encontrada; é rara aparecendo em menos de 1%
dos casos.

DIAGNÓSTICO

É feito pelos aspectos radiológicos que são típicos. Encontra-se uma mistura de áreas
líticas e esclerose. Áreas líticas em aspecto de chama de vela em ossos longos são características.
O osso fica espessado e aumenta de volume. Radiografias auxiliam, também, na detecção de
fraturas.

FIGURA 31.7. Doença de Paget. Achados radiológicos característicos ( lesões blásticas e


líticas)

Cintilografia óssea é útil para a determinação de todos os locais envolvidos, mas não é útil
para o diagnóstico da doença.
Do ponto de vista bioquímico encontra-se um aumento da fosfatase alcalina a qual deve
ser acompanhada para análise da efetividade do tratamento. Medidas de reabsorção óssea
399

como hidroxiprolina urinária e de peptídeos do colágeno (N-telopepetídeos e C-telopepetídeos)


estão aumentados.
Testes como dosagem de PTH, cálcio e fósforo são normais. Achados de cálcio sérico
elevado devem levantar a suspeita de neoplasia.

TRATAMENTO

Tratamento é feito com bisfosfonatos: alendronato, risendronato, tiludronato e


pamidronato (em doses mais altas do que as usadas para tratamento da osteoporose). Este
tratamento normaliza a fosfatase alcalina em 2/3 dos casos, o que acontece em torno de 6
meses de tratamento.

Referências:

Canalis E, et al. Glucocorticoid-induced osteoporosis: pathophysiology and therapy. Osteoporos Int 2007; 18:1319-28.
de Torrente de la Jará G,et al. Female asylum seekers with musculoskeletal pain: the importance of diagnosis and treatment of
hypovitaminosis D. BMC Fam Pract. 2006 Jan 23; 7: 4.
Fuller K, et al. TRANCE is necessary and sufficient for osteoblast-mediated activation of bone resorption in osteoclasts. J Exp Med
1998; 188: 997-1001
Imboden JB. Medications. In Imbodem J, Hellmann DB, Stone JH (eds). In Current Rheumatology diagnosis and treatment, New York,
2004, pp.423-51.
Lukert BP, Raisz LG. Glucocorticoid induced osteoporosis. Rheum Dis Clin North Am, 1994, 20 :629-50.
Lukert BP. Osteoporosis - a review and update. Arch. Phys. Med Rehabil 1982, 63: 480-7.
McClun MR, et al. Denosumab in postmenopausal women with low bone mineral density. N Engl J Med 2006; 354:821-31.
Moe S, et al. Definition, evaluation, and classification of renal osteodystrophy: a position statement from Kidney Disease: Improving
Global Outcomes (KDIGO). Kidney Int 2006; 69:1945-53
Simonet WS, et al. Osteoprotegerin: a novel secreted protein involved in the regulation of bone density. Cell 1997; 89:309-19
400

Capítulo 32 - Febre reumática


Moléstia reumática (MR), febre reumática (FR) ou o vulgarmente chamado de
"reumatismo no sangue" é uma doença inflamatória que ocorre como uma sequela tardia, não
supurativa, de uma infecção de orofaringe pelo estreptococo -hemolítico do grupo A. Em sua
forma aguda suas manifestações clínicas mais comuns são: poliartrite, febre, cardite e mais
raramente: coreia de Sydenhan, nódulos subcutâneos e eritema marginatum. Nenhum dos seus
sintomas isolado, nem teste laboratorial, é patognomônico da MR, embora várias combinações
deem o diagnóstico. Apesar do nome da doença enfatizar os achados reumatológicos, a grande
importância desta patologia advém do seu envolvimento cardíaco, principalmente da doença
cardíaca crônica que resulta em fibrose e deformidade das válvulas a qual é potencialmente
fatal. Dizem por ai que esta é uma doença que “ lambe as articulações e morde o coração”...

EPIDEMIOLOGIA

Está comprovada associação entre infecções de vias aéreas superiores por estreptococo
β-hemolítico do grupo A e a Moléstia Reumática. A faringite e a infecção cutânea (impetigo) são
as formas mais comuns de infecção causada pelo estreptococo A em seres humanos. A infecção
da faringe está implicada com a ocorrência da MR; a infecção de faringe e de pele, com a
glomerulonefrite pós-estreptocócica.
Embora prevalência de portadores de estreptococos em orofaringe não seja muito diferente
em população de países economicamente desenvolvidos e de países em desenvolvimento, a
febre reumática incide muito mais nestes últimos. Fatores tais como más condições de higiene
e alimentação, moradias nas quais vários indivíduos vivem muito próximos uns dos outros
(permitindo uma transmissão interpessoal do micro-organismo) são decisivos na interação
hóspede-parasita. Essas condições, além de facilitar a exposição do indivíduo ao micro-
organismo em questão, permitem que ocorra uma maior sensibilização do hóspede aos
produtos do estreptococo A, fatores estes que parecem guardar relação indireta com a
ocorrência de Moléstia Reumática. Existem, também, vários componentes genéticos que
favorecem o aparecimento da doença em determinadas populações.
Acredita-se que só 3% dos pacientes com infecções estreptocócicas graves e que 0,1%
dos com infecção suave desenvolvem MR.
A MR não tem predisposição racial ou étnica. Embora não incida preferente em nenhum
dos dois sexos, existem certas manifestações que, inexplicavelmente, tendem a ocorrer mais em
um sexo do que em outro. Assim, a coreia aparece igualmente em meninos e meninas pré-
puberais mas esta manifestações está ausente no adulto do sexo masculino e exagerada durante
a gravidez. Outro exemplo disto é a ocorrência mais frequente de estenose mitral na mulher e
lesões aórticas no homem.

CLÍNICA

Como já foi dito anteriormente, a febre reumática cursa sempre com uma infecção
estreptocócica antecedente embora 1/3 dos pacientes não se apercebam disto. Entre o início
dos sintomas da faringite e os da febre reumática existe sempre um período de latência de, em
média, 3 semanas (raramente mais do que 5 semanas ou menos do que uma). Este período
latente não encurta com os ataques reumáticos recorrentes e neste lapso de tempo não existem
evidências clínicas ou laboratoriais de inflamação ativa. O paciente típico é criança ou adulto
jovem (entre 5 a 15 anos) sendo raro que tenha menos do que 2 anos de idade. É, também,
difícil que um paciente venha a ter um surto após os 15 anos a menos que já tenha tido outros
surtos anteriores. As chamadas manifestações maiores da MR são : artrite, cardite, nódulos
subcutâneos, eritema marginatum e coreia.
401

A artrite é o sintoma mais comum. Aparece em cerca de 3/4 dos pacientes. Sua
frequência aumenta com a idade, sendo, muitas vezes, a única manifestação em adultos.
Envolve grandes articulações sendo os joelhos e os tornozelos as mais comprometidas e os
quadris as menos afetadas. Envolvimento de pequenas articulações também é menos comum ;
o da coluna, mais raro ainda. No ataque clássico, várias articulações são afetadas em uma rápida
sucessão de envolvimentos - cada uma por um pequeno período de tempo - resultando numa
poliartrite migratória. Cada articulação fica afetada por mais ou menos uma semana até que os
sintomas comecem a diminuir espontaneamente, e o ciclo de envolvimento de todas as
articulações autolimita-se, em geral, em 2 a 3 semanas, no máximo 6 semanas. A artrite
acompanha-se frequentemente de febre. A lesão articular da MR não cursa com dano articular
permanente, com exceção do chamado reumatismo de Jaccoud. Esta condição é secundária a
uma fibrose periarticular e não a uma sinovite verdadeira e causa deformidade nas articulações
metacarpofalangianas. Para que a artrite seja aceita como um dos critérios diagnóstico da MR
deve envolver pelo menos duas articulações. Às vezes, o paciente apresenta formas atípicas de
envolvimento articular, poliartralgias migratórias ou não, que podem passar despercebidas;
nem sempre não são devidamente valorizadas sendo interpretadas pela população como
"dores de crescimento".
A cardite é mais comum em crianças (75-90%) e rara em adultos (15%).É
caracteristicamente uma pancardite, ou seja, envolve todas as camadas do coração (endo, mio
e pericárdio). Na sua forma mais severa pode levar à morte por insuficiência cardíaca, mas, na
maioria das vezes, é menos intensa e o aspecto dominante do quadro clínico é a ocorrência de
fibrose valvular. A despeito de suas consequências, que são bastante graves, a cardite reumática
aguda nem sempre causa sintomas. Assim sendo, não é raro que seja diagnosticada através de
achados de exame físico ou muitos anos depois, quando o paciente vem a desenvolver sintomas
e sinais de um envolvimento crônico do coração, sem se lembrar de ter tido um ataque
reumático prévio. Quando a cardite se manifesta existe, geralmente, uma taquicardia
desproporcional à febre, ritmo de galope ou os sons cardíacos podem assumir um timbre
especial, semelhante ao do coração fetal, em "tic-tac" (ritmo embriocárdico). Ocasionalmente
aparecem arritmias, bloqueios, extrassístoles, atrito pericárdico e alterações
eletrocardiográficas. Aumento do intervalo PR ocorre com igual frequência na poliartrite com
ou sem cardite. Um diagnóstico definitivo de cardite é feito quando existe um ou mais dos
seguintes itens: (A)- aparecimento (ou alteração de caráter) de um sopro orgânico; (B)-aumento
do tamanho do coração; (C)-sinais de insuficiência cardíaca congestiva; (D)-pericardite
diagnosticada pela presença de atrito pericárdico ou por derrame demonstrado à
ecocardiografia. Cardite reumática significante quase sempre está associada à presença de
sopros. O sopro mais comum é o sopro de regurgitação mitral (sistólico mitral) causada por
inflamação e edema de válvula. Outro sopro característico de cardite aguda é o sopro de Carey
Coombs: - que é um sopro mesodiastólico mitral de baixa frequência. Sopros diastólicos aórticos
são menos frequentes na forma aguda da doença.
Os nódulos reumáticos não são patognomônicos da doença porque podem ocorrer em
outras patologias (Ex. AR, LES). Estão associados com cardite grave e raramente aparecem como
manifestação isolada da doença. São redondos, firmes, indolores, móveis, de 0,5 a 2,0 cm.
Localizam-se em proeminências ósseas e sobre tendões, principalmente em superfícies
extensoras das mãos e pés. Podem aparecer, também, sobre corpos vertebrais, punhos, joelhos
e couro cabeludo. Têm tendência para serem menores, mais discretos e menos persistentes do
que os nódulos de artrite reumatoide. Desaparecem em 1 a 2 semanas. O aparecimento de
nódulos é raro em pacientes de clima mais quente; não são vistos em adultos.
Eritema marginatum é a manifestação menos comum da moléstia reumática. Como a
coreia não está relacionado à lesões histológicas típicas, e, embora apareça precocemente no
curso clínico da doença pode persistir por um período longo, mesmo quando outras
manifestações e sinais clínicos da inflamação ativa já desapareceram, não sofrendo influência
de medicação anti-inflamatória. São lesões em anel, róseo-brilhantes que vão se disseminando
402

serpiginosamente pela pele, sem prurido e sem dor. Não apresenta áreas de induração, nem de
elevação, desaparecendo completamente à digito compressão. Têm caráter evanescente.
Localizam-se mais em tronco e partes proximais das extremidades, poupando face. Raramente
se estendem além dos cotovelos e joelhos. Os pacientes que apresentam o eritema marginatum
costimam ter cardite associada. Este tipo de lesão de pele não é exclusivo da MR; aparece
também em casos de septicemia, glomerulonefrites e reações alérgicas a drogas.
Já a coreia de Sydenham, também chamada de coreia minor, ou, popularmente, de
Dança de São Vito é uma desordem do sistema nervoso central caracterizada por movimentos
irregulares, sem propósito, abruptos e acompanhados de fraqueza e instabilidade emocional.
É uma manifestação tardia da MR e, geralmente, quando ela aparece, as outras manifestações
de caráter agudo já desapareceram. Se o paciente tem só a coreia, sem os outros sintomas, diz-
se que o paciente tem uma coreia pura. Como já comentado antes, a coreia na infância afeta
crianças de ambos os sexos; após a adolescência parece ser apanágio do sexo feminino.
Sua frequência tem declinado nos últimos anos quando comparada com a artrite e cardite e a
razão para isto é desconhecida. Os movimentos da coreia são abruptos e erráticos
desaparecendo durante o sono. Estes movimentos involuntários afetam todos os músculos do
corp, mas em mãos, pés e face estes se tornam mais aparentes. A expressão facial muda
constantemente; a língua quando protusa lembra um "saco de vermes" indo para dentro e para
fora, contribuindo para a fala coreiforme típica, em stacatto e explosiva. A escrita fica
prejudicada e torna-se impossível de ser lida. O paciente é incapaz de manter contração tetânica
o que é demonstrado pedindo-se para o paciente prender as mãos do examinador. Isto
promove o aparecimento de contrações espasmódicas repetitivas e pronação exagerada, o que
tem sido descrito como Sinal da Ordenha. Ocasionalmente, a coreia afeta só a metade do corpo.
A fraqueza ocasiona perda da capacidade de segurar objeto e causa quedas frequentes; quando
exagerada pode lembrar quadros de paralisia. Labilidade emocional e alterações de
personalidade prenunciam o início da coreia. Não são raros surtos de raiva, crises de choro,
comportamento inapropriado com hipertividade e falta de cooperação. Ao exame físico,
além dos sinais que já foram mencionados, pode-se ver um reflexo patelar do tipo pendular.
Quando o paciente tenta erguer os braços sobre a cabeça ocorre pronação dos mesmos
(Sinal do Pronador).O EEG mostra ondas anormais, lentas. A crise da coreia pode durar de 1
semana a 2 anos mas, em média, desaparece em torno de 15 semanas. Dificilmente a coreia é
vista junto com a artrite e geralmente coexiste com casos prévios e/ou concomitantes de
cardite. As provas de atividade inflamatória e mesmo os títulos de anticorpos anti-
estreptocóciccos estão normais. Isto se explica pelo longo período de latência desta
manifestação, que pode ser de até 6 meses após a ocorrência da estreptococcia.
São manifestações menos comuns (a)- febre: a temperatura está aumentada (38.5 a
40º C) em quase todos os surtos reumáticos; (b)- dor abdominal: ocorre no início ou um pouco
antes do surto. Lembra a dor associada a outras condições em que há inflamação mesentérica
microvascular aguda, tais como sepsis, choque anafilático, reações transfusionais etc; (c)
epistaxes: no passado epistaxes eram registradas com grande frequência em pacientes com
cardite. No entanto, os relatos atuais referem um declínio muito significativo em sua incidência;
(d) pneumonite reumática: pode aparecer junto com casos de cardite grave e deve ser
diferenciada das manifestações de insuficiência cardíaca esquerda.

ACHADOS LABORATORIAIS

O diagnóstico da febre reumática não pode ser estabelecido por testes laboratoriais,
mas estes podem ser úteis de duas maneiras: (A)-demonstração de que houve uma infecção
estreptocócica prévia; (B)- documentação da presença ou persistência de um processo
inflamatório. Na demonstração de uma infecção estreptocócica prévia, as culturas de
orofaringe são normalmente negativas.
403

Os anticorpos anti-estreptocócicos são mais úteis porque normalmente atingem um


pico na época de início da MR e além disso indicam os casos de infecção verdadeira, não estando
ele-vados nos portadores. Os testes utilizados são: antiestreptolisina O (ASO), anti-DNAse B,
anti-hialuronidase, anti-NADase e anti-estreptoquinase. Após uma infecção estreptocócica a
resposta imune atinge um pico máximo em 3 a 5 semanas, o que coincide com a fase de
aparecimento da moléstia reumática. Os títulos caem rapidamente nos próximos meses e após
o 6º mês declinam mais vagarosamente. Os títulos de anti-DNAse B permanecem elevados por
mais tempo e, junto com a ASO, são os anticorpos recomendados para se fazer o diagnóstico
com maior precisão. Diz-se que uma ASO está aumentada quando está acima de 250 U. Todd. É
importante frisar que, os anticorpos antiestreptocócicos suportam, mas não fazem o diagnóstico
de MR. Não é possível fazer o diagnóstico de M.R. só com base neste teste de laboratório. Por
outro lado, o médico deve relutar em fazer diagnóstico de MR na ausência de evidência
sorológica de infecção estreptocócica recente, salvo, naturalmente, os casos de coreia.
Os reagentes de fase aguda (provas de atividade inflamatória) mais utilizados são: VHS,
PCR, mucoproteínas etc. Eles têm sido usados não só para a comprovação de atividade
inflamatória alta, mas também para o acompanhamento da efetividade terapêutica na
supressão do processo inflamatório.
Anemia pode ser encontrada e é do tipo normocrômica e normocítica (anemia de
doença crônica). O eletrocardiograma não mostra nenhum padrão característico de M.R. e um
diagnóstico de cardite nunca pode ser feito baseado só em alterações eletrocardiográficas.
Achados de um intervalo PR prolongado aparece em até um quarto dos casos de MR, mas não
é específico e nem serve para diagnóstico de dano cardíaco significante. Outros exames que
podem ajudar no diagnóstico de cardite são RX de tórax, e ecocardiografia. A análise do líquido
sinovial mostra um líquido do tipo inflamatório não séptico.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico da febre reumática nem sempre é bem claro e, por isso, o médico muitas
vezes se depara com um problema, uma vez que é importante o reconhecimento do primeiro
surto para que se possa prescrever a profilaxia secundária subsequente. Talvez seja esta a causa
de um excesso deste diagnóstico, muito comum em nosso meio. Uma situação muito
encontrada é a administração prematura de corticoides e anti-inflamatórios antes mesmo de
que os sinais e sintomas tenham se tornados inequívocos. Como ainda não dispomos de um
agente curativo, não adianta ter pressa em suprimir as manifestações da doença antes do seu
diagnóstico de certeza. Baixo, os critérios usados para o diagnóstico de FR.

QUADRO 32.1 - CRITERIOS DE JONES REVISADOS EM 2015 PELA AMERICAN


HEART ASSOCIATION

Critérios maiores ; Artrite, Cardite, Envolvimento de Sistema nervosa central (coreia),


nódulo e eritema marginatum.

Critérios menores - Artralgia, febre, aumento de reagentes de fase aguda (VHS ou


PCR) e aumento do intervalo PR no ECG
Para diagnóstico: dois critérios maiores ou um maior e dois menores n em apceitne que tenha
evidencia de infecção estreptocócica.
Se o paciente já teve FR – bastam dois maiores ou um maior e dois menores ou três menores

São exceções para uso dos critérios e, nas quais pode ser feito o diagnóstico
presuntivo de FR as seguintes situações : (A) - paciente com coreia como manifestação
única. Esses pacientes devem ter ecocardiograma feito para verificar possível presença de
404

cardite. (B)- cardite indolente após infecção estreptococica; (c) febre reumática recorrente:
neste caso pode ser difícil fazer diagnóstico de cardite aguda num coração já doente.

CURSO E PROGNÓSTICO

O curso clínico da febre reumática é variável, mas, em geral, existe uma sequência
característica das manifestações maiores bem como uma duração previsível. A maioria dos
surtos começa com sintomas articulares. A cardite, quando ocorre, acontece na fase inicial do
surto, dentro das primeiras semanas. A última manifestação a aparecer é a coreia, estando os
nódulos subcutâneos em uma faixa intermediária. A média de duração de um surto
normalmente não ultrapassa três meses, mas quando uma cardite grave está presente, a
atividade reumática pode persistir por 6 meses ou mais. Em surtos subsequentes, o padrão da
M.R. tende a se repetir. Assim, se o paciente teve cardite no primeiro surto, com certeza, terá
cardite nos próximos.
A idade de início da doença e gravidade da cardite influencia na sua cronicidade.
Crianças com menos do que 3 anos de idade que desenvolvem MR geralmente têm cardite.

PATOGÊNESE

Sabe-se que a MR está intimamente relacionada com a infecção estreptocócica. Sabe-


se, também, que ela se deve a uma resposta imunológica a este organismo e não à sua presença
direta nos tecidos.
O mecanismo pelo qual o estreptococo do grupo A inicia a doença permanece
indefinido. O que tem sido encontrado é uma reatividade cruzada entre tecidos do hospedeiro
e componentes do estreptococo (lesão imune por mimetismo molecular). Além do mimetismo
molecular, outros mecanismos de dano imunológico têm sido propostos. Estes seriam o de
depósito de complexo imune e dano mediado por imunidade celular. A formação de complexos
imunes seria importante para certas manifestações tais como febre e artrite. Diminuição de
complemento tem sido detectada em pacientes com M.R. sugerindo seu consumo por
complexos imunes. Já um aumento de resposta imunológica mediada por células a antígenos
estreptocócicos é encontrada até 2 anos após o ataque agudo.
Outro aspecto notório é de que, na verdade, bem poucos dos que têm faringite por
estreptococo desenvolvem M.R., parecendo existir certa predisposição genética para tal. Tanto
os genes associados com MHC como aqueles não relacionados parecem estar implicados
Todavia esta é uma relação que permanece por ser determinada.

TRATAMENTO

Uma vez estabelecido o diagnóstico, o tratamento é iniciado visando erradicação do


estreptococo em orofaringe. O esquema terapêutico utilizado é dose única de penicilina
benzatina, IM, de 600.000 U para crianças abaixo de 30 Kg e de 1.200.000 U para adultos ou
crianças acima de 30 Kg.
Para tratamento do componente inflamatório são utilizados os anti-inflamatórios e o
corticoide. O uso de corticoide é apregoado, embora sem evidências convincentes de que
funcione, em pacientes com cardite de moderada a grave.
O tratamento da coreia requer atenção especial porque os anti-inflamatórios não
suprimem a atividade coreiforme. Sedação e repouso físico fazem parte importante do
tratamento. Drogas úteis são: fenobarbital, diazepam e clorpromazina. Haloperidol tem sido
405

recomendado, mas o seu uso deve ser cauteloso em crianças por causa de seus efeitos
colaterais.
Após o surto inicial o paciente deve ser mantido em profilaxia secundária. Profilaxia
secundária é um termo utilizado para descrever a proteção contra recorrências reumáticas por
profilaxia anti-estreptocócica contínua. A forma mais eficaz e preconizada pela American Heart
Association é o uso de injeções intramusculares de penicilina benzatina (de acordo com o peso)
a cada 3 semanas. Profilaxia oral tem sido recomendada com pen-V oral ou sulfadiazina. Em
pacientes alérgicos à penicilina a droga de eleição é a eritromicina.
Quanto mais novo é o paciente, maiores são as chances de recidiva. Depois da
puberdade, a frequência de recidiva diminui com a idade. A maioria das recidivas ocorrem
dentro de 5 anos a partir do ataque inicial e são mais comuns em pacientes com cardite. Diante
destes fatos, a OMS recomenda que, todo paciente com M.R. sem cardite deve receber
tratamento profilático por pelo menos 5 anos após o ataque inicial e no mínimo até que
complete 21 anos.
Já nos pacientes com doença cardíaca a profilaxia deve se estender até, pelo menos os
40 anos de idade. Naqueles com cardiopatia reumática crônica tem se apregoado o seu uso por
períodos bem mais prolongados, até durante a vida toda. Não se deve esquecer que pacientes
que foram submetidos à cirurgia de troca de válvula continuam expostos a recidivas da doença
e devem continuar recebendo profilaxia secundária.

Referências

Casey, JR et al. Higher dosages of azithromycin are more effective in treatment of group A streptococcal
tonsillopharyngitis. Clin Infect Dis 2005; 40:1748-55.

Gewitz MH, et al. Revision of the Jones Criteria for the diagnosis of acute rheumatic fever in the era of Doppler
echocardiography: A scientific statement from the American Heart Association. Circulation 2015; 131:1806 -18.

Paradise JL et al. Efficacy of tonsillectomy for recurrent throat infection in severely affected children. Results of
parallel randomized and nonrandomized clinical trials. N Engl J Med 1984; 310:674-83
406

Capítulo 33- Artrite idiopática juvenil

A classificação das artrites crônicas na criança é causa de grande confusão. Em parte


esta confusão é devida à denominação anterior que esta entidade tinha: artrite reumatoide
juvenil. Este nome lembrava a artrite reumatoide do adulto embora nem sempre houvessem
similaridades clínicas. Além disto, está claro que a AIJ não é uma doença única, mas várias,
enfeixadas sob uma única denominação. Os diferentes componentes se mostram ao
analisarmos os seus subtipos. Por definição, a artrite idiopática juvenil aparece no indivíduo
antes dos 16 anos e tem uma evolução mínima de 6 meses. Para que seu diagnóstico seja feito
devem ser afastadas todas as outras causas de dor articular na criança.

Os diferentes subtipos da AIJ encontram-se no quadro 32.1. O subtipo a que um paciente


pertence é determinado pelo curso da doença nos primeiros 6 meses.

QUADRO 33.1- CLASSIFICAÇÃO DA ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL


Artrite sistêmica ( Doença de Still)
Poliartrite  Fator reumatoide positivo
 Fator reumatoide negativo
Oligoartrite  Persistente
 Estendida
Artrite relacionada à entesite
Artrite psoriásica
Outras Artrite que não se encaixam em nenhum dos itens anteriores ou que se
encaixam em mais do que um dos itens anteriores.

QUADRO CLÍNICO

FORMA SISTÊMICA - Esta forma era denominada de doença de Still e este nome continua sendo
usado comumente na prática. Nestes casos, nem sempre existe artrite na forma inicial da
doença, o que complica o diagnóstico. Tipicamente o paciente apresenta febre alta (diária,
vespertina ou com dois picos no dia). Durante os picos febris, a criança parece gravemente
enferma. Supreendentemente, assim que a temperatura baixa, ela se comporta como se não
estivesse doente. A febre desta doença é intermitente e se faz acompanhar de um rash
cutâneo. O rash é formado por pequenas máculas de 2 a 5 mm de diâmetro, rosa-salmão e é
visto mais comumente em tronco, porção proximal das extremidades e em áreas submetidas à
pressão. As máculas são rodeadas por um pequeno halo de palidez. Quando a lesão é muito
grande, também existe uma área de palidez central. Este rash tem um aspecto evanescente e
migratório; lembra urticária, mas não é pruriginoso. Seu aparecimento pode ser precipitado por
estresse e por banhos quentes. Embora seja uma manifestação típica da forma de início
sistêmica, esta lesão de pele pode ser vista, com menor frequência, nos casos de início
poliarticular. É a combinação de febre com o rash que permite o diagnóstico nos casos em que
não aparece a artrite. A forma de início sistêmico pode se acompanhar de hepato-
esplenomegalia, linfadenomegalia, pericardite e outras serosites. Não é raro que muitas vezes,
esta forma de doença se apresente como uma febre de origem desconhecida. Esta forma pode
ter um curso monocíclico, policíclico ou permanente. Nesta última situação podem aparecer
deformidades articulares importantes.
407

FORMA POLIARTICULAR - A AIJ é considerada como poliarticular quando, em seu início, afeta
mais do que 4 articulações. Embora possa ter um início agudo, esta forma tem, mais
comumente, um curso indolente, envolvendo grandes articulações como os joelhos, punhos,
cotovelos e tornozelos, e também, as pequenas articulações das mãos. Crianças não costumam
se queixar de dor sobre as articulações afetadas. É mais comum que se note dificuldades na
marcha, irritabilidade e posturas de defesa. O envolvimento da mão guarda semelhança com o
envolvimento da artrite reumatoide do adulto, embora, em crianças, seja mais comum o
envolvimento das interfalangianas distais e o desvio seja mais radial do que ulnar. Envolvimento
da coluna cervical é habitual com perda da mobilidade neste local. O envolvimento da têmporo-
mandibular é outro achado bem comum e ocasiona uma limitação na abertura da boca e
micrognatia.

A B
FIGURA 33.1- AIJ poliarticular (A) deformidades de mãos; (B) Osteoartrite secundária de
quadril.

Manifestações sistêmicas são raras. Destas, as mais comuns são as hepato-esplenomegalias e


aumento discreto de temperatura. Esta forma poliarticular pode ser dividida em dois subtipos,
um com fator reumatoide positivo e outro com fator reumatoide negativo. A forma de fator
reumatoide positiva tende a afetar meninas mais velhas e tem pior prognóstico do que a
forma fator reumatoide negativa.

QUADRO 33.2 - PRINCIPAIS DIFERENÇAS DAS FORMAS POLIARTICULARES DA A.IJ.


IDADE DE PREDOMÍNIO RISCOS PROGNÓSTICO
INÍCIO SEXUAL
F.R. positivo mais velhos feminino destruição articular,nódulos, erosões pobre
FR negativo mais jovens feminino pode vir a se tornar FR + melhor

FORMA OLIGOARTICULAR - Diz-se que uma criança com AIJ tem a forma oligoarticular quando
quatro ou menos articulações estão envolvidas. É a forma mais frequente sendo observada em
aproximadamente 40-50% dos casos. Nestes casos, os joelhos, os tornozelos e os punhos são os
locais preferidos, e a artrite tende a ser assimétrica. A coluna cervical e as pequenas articulações
das mãos são pouco afetadas. Não existem manifestações sistêmicas, exceto, a uveíte crônica
não granulomatosa. A uveíte tende a aparecer em meninas que têm início da doença antes dos
quatro anos de idade e que tem FAN positivo. Seu início é insidioso, assintomático podendo ser
causa de perda importante da acuidade visual, antes que o médico ou os pais da criança se
408

apercebam do fato. É fundamental que o reumatologista encaminhe este grupo de pacientes


para exames periódicos com o oftalmologista, mesmo que não existam queixas. A uveíte pode
ser bilateral em até 2/3 dos casos. Em casos de envolvimento unilateral, o segundo olho tende
a ser afetado dentro de 1 ano. Inicialmente existe um acúmulo de células e de material proteico
na câmara anterior do olho, e precipitados queráticos puntiformes na superfície posterior da
córnea. A formação de sinéquias pode promover irregularidade pupilar e prejuízo na reação
pupilar à luz. Queratopatia em banda aparece como uma sequela tardia. Catarata e glaucoma
são outras complicações temidas. Existe uma observação curiosa de que a incidência de uveíte
é inversamente proporcional à ocorrência de artrite de quadril.
A forma oligorticular pode persistir como oligoarticular ou evoluir para poliarticular,
quando é chamada de oligoarticular estendida.

FORMA DE ARTRITE ASSOCIADA À ENTESITE - Afeta crianças do sexo masculino e com mais de
8 anos. Caracteriza-se por artrite periférica e múltiplas entesopatias tendo forte associação com
HLA-B27. Como se vê é uma espondiloartrite juvenil. Como na doença de adulto pode cursar
com uveite anterior do tipo agudo a qual é sintomática. Cursa com olho vermelho e dor local.

FORMA DE ARTRITE PSORIÁSICA - Quando associada a psoríase.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico da AIJ pode ser difícil, uma vez que as suas formas de
apresentação são proteiformes e não existem achados laboratoriais específicos. Os achados
clínicos são fundamentais não só para o diagnóstico da doença, como dos seus subtipos.
Desta maneira é fundamental afastar outras doenças que podem simular a AIJ. Veja no
quadro 33.3 as principais.

QUADRO 33.3- DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DA AIJ


1. DOENÇAS INFECCIOSAS 2. D. HEMATOLÓGICAS e NEOPLÁSICAS
 artrite séptica  leucemias e linfomas
 osteomielite  neuroblastoma
 artrite viral  tumores ósseos
 anemia falciforme,talassemia
 hemofilia
3. D. NÃO INFLAMATÓRIAS DO ESQUELETO 4. DOENÇAS REUMÁTICAS
 reumatismo psicogênico  lúpus eritematoso sistêmico
 trauma  febre reumática
 epifisiolíse  dermatomiosite
 osteocondrites  vasculites
 Leg-Calvé-Perthes  esclerodermia
 Raquitismo  doença mista do tecido conjuntivo.

As provas laboratoriais são de pouca valia para o diagnóstico em si, embora testes como
o FAN e o fator reumatoide possam ajudar a indentificar determinados subgrupos. O FAN é
positivo em cerca de 40% das crianças com AIJ em geral. Nas meninas com iridocilite crônica e
com doença de início pauciarticular, esta positividade chega a 65-85%, e nisto está seu grande
valor, ou seja, em ajudar a predizer quais são as crianças com maior risco de desenvolver esta
complicação. A maioria destes anticorpos parece ser dirigida contra antígenos histonas tipo H1-
H3. É o anticorpo contra histona H3 que correlaciona de perto com a ocorrência de
iridociclite.(2)
Já o fator reumatoide (IgM), é positivo em menos do que 4 % das crianças, quando a
doença se inicia. Como já foi visto anteriormente, ele tende a estar presente em meninas mais
409

velhas, com doença articular grave e nódulos reumatoides. Esta taxa de positividade tende a
aumentar com a duração da doença. Os anticorpos anti-CCP tendem a serem negativos na AIJ,
exceto na forma poliarticular e fator reumatoide positiva, onde aparecem em baixa
porcentagem
As provas de atividade inflamatória refletem a intensidade do processo, em questão.
Outros achados são os de anemia de doença crônica, leucocitose e aumento do número de
plaquetas, os quais são mais comuns no tipo poliarticular e no sistêmico. Nos casos de início
sistêmico, a leucocitose pode ser bastante proeminente chegando a contagens de 30 a 50.000
leucócitos/mm3, com predomínio de polimorfonucleares, criando grandes confusões de
diagnóstico diferencial com doenças infecciosas.
O líquido sinovial é tipicamente um líquido inflamatório não infeccioso.

TRATAMENTO

O tratamento da AIJ visa controlar as manifestações clínicas da doença e prevenir


deformidades. Nisto se inclui não só o tratamento farmacológico, como a terapia física e
ocupacional e, eventualmente intervenções ortopédicas corretivas. O tratamento farmacológico
da artrite reumatoide juvenil repousa nas seguintes classes de medicamentos: os anti-
inflamatórios não hormonais, corticosteroides e drogas modificadoras de doença.

ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO HORMONAIS- Podem ser usados são: tolmectin (25mg/ kg/dia,
divididos em 4 doses), naproxeno (15 mg /kg/dia, divididos em duas doses), ibuprofeno (35
mg/kg/dia, divididos em 4 vezes por dia), indometacina (2-4 mg/kg/dia, divididos em 3 doses);
piroxican (0,3 mg/kg/dia, dose única diária)
.
GLICOCORTICOIDES- São úteis no tratamento de formas mais resistentes e, são usados em geral,
em combinação com drogas remissivas com anti-inflamatórios não hormonais. Prednisona é a
droga mais utilizada, em doses que variam de 0.1 a 1 mg/kg/dia dependendo da gravidade das
manifestações. Assim que seja possível esta droga deve ser diminuída ou retirada.
Crianças podem desenvolver aspectos cushingoides (obesidade centrípeta, acne, hirsutismo,
estrias etc.) com doses baixas. Isto cria problemas de sentimentos de inferioridade e depressão
por causa de distorção da imagem corporal, principalmente nos adolescentes. Um problema
mais sério ainda é o retardo do crescimento; uma dose de 5mg/dia de prednisona é suficiente
para produzir este efeito colateral. Quando o uso do corticoide é inevitável deve-se dar
preferência à terapêutica em dias alternados. O uso concomitante de hormônio do crescimento
parece contrabalançar o retardo do crescimento induzido por esta droga. Formas terapêuticas
em pulso podem ser utilizadas e a dose é, nestes casos, de 10-30mg/ pulso de
metilprednisolona. O uso criterioso de corticoide intra-articular pode ser útil em casos de poucas
articulações afetadas.
O tratamento de uveíte também requer glicocorticoides, além de midriáticos. Este tipo
de atendimento deve ser feito com acompanhamento do oftalmologista.

DROGAS MODIFICADORAS DE DOENÇA- Podem ser usados os sulfassalazina, antimaláricos,


ciclosporina, azatioprina, metotrexate e biológicos como anti TNF, anti IL-6 e rituximabe.
Metotrexate e anti TNF são os mais utilizados. Devem ser tomados os mesmos cuidados já
descritos no tratamento de adultos.

TERAPIA FÍSICA E OCUPACIONAL - A terapia física e ocupacional ocupa um papel importante


na preservação da função articular e na prevenção de contraturas. Durante períodos de
inflamação aguda, a terapia física pode oferecer exercícios passivos após aplicação de calor.
Assim que possível, um treinamento mais ativo deve ser instituído, visando a prevenção de
410

atrofia muscular e consequentes contraturas. Dentro do possível, a criança deve ser


estimulada a brincar e a participar de seus deveres escolares. Algumas atividades que exigem
muito peso sobre as articulações devem ser evitadas, como, por exemplo, jogar basquete ou
certas formas de ginástica. Andar de triciclo e a natação são recomendáveis.
É comum, na criança com AIJ, uma discrepância de crescimento de membros e de dedos,
os quais podem ser minimizados com palmilhas ou alterando a altura da sola do sapato. Isto
acontece pelo fechamento precoce das epífises em locais com hiperemia provocada pelo
processo inflamatório. Órteses que ajudem a corrigir as posições de punho, cotovelos e joelhos
podem ser usados para prevenir contraturas em flexão. Atenção especial deve ser dada à coluna
cervical, em casos de subluxação. Nestes casos, o uso de um colar rígido é mandatório quando
o paciente anda de automóvel.

TRATAMENTO ORTOPÉDICO - Cirurgias de colocação de próteses só devem ser feitas após a


parada do crescimento ósseo. Crianças com micrognatia podem se submeter a tratamento
ortodôntico cosmético.

Leitura complementar 33.1 - Doença de Still do adulto.

Doença de Still do adulto nada mais é do que a Doença de Still que incide em pessoas
com mais do que 16 anos de idade. É uma patologia relativamente rara, mas que vem sendo
reconhecida com mais frequência ultimamente. O seu diagnóstico é baseado em achados
clínicos uma vez que esta patologia não apresenta nenhum marcador sorológico. O laboratório
apenas mostra leucocitose com neutrofilia o que é bastante inespecífico. FAN e FR são
negativos. Por causa desta natureza pouco específica do quadro clínico e de achados
laboratoriais o diagnóstico pode ser difícil. Não é raro que estes pacientes se apresentem como
febre de origem desconhecida. As manifestações mais comuns são as de febre, artralgias e
artrite (em geral em joelhos, punhos e tornozelos), rash típico (rosa salmão) serosites, alterações
de provas de função hepática, dor abdominal, paralisias de nervos cranianos e coagulopatias.
Um achado interessante é o de que estes pacientes apresentam ferritina em níveis bastante
elevados (mais do que quatro vezes o normal) .
O prognóstico destes pacientes é geralmente bom. Embora muitos tenham dor e
disfunção física estes achados costumam ser de intensidade inferior ao de outras patologias
reumáticas.

Leitura complementar 33.2- Colagenoses na infância

LUPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO

A incidência do lúpus na criança está estimada em 0,6 casos em 100.000. É raro que esta
doença tenha inicio antes dos 4 anos. A partir dos 9 anos, ela se torna progressivamente mais
comum é comum que a sua incidência esteja associada à uma história familiar de doenças dos
tecido conjuntivo, à deficiência de IgA e de complemento, principalmente da fração C2.
É comum que a doença se apresente, na maioria das crianças, com sinais constitucionais
como febre, mal estar e perda de peso. A gama de outras manifestações é muito grande e está
resumida no quadro 34.1.
A maneira pela qual a doença se apresenta tende a se repetir nos surtos sucessivos, e,
quando uma doença renal séria irá se estabelecer, ela tende a aparecer nos dois primeiros anos
de doença.
411

QUADRO 33.4- MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DO LÚPUS NA INFÂNCIA


PELE Eritema Malar............................................................ 55%
Alopécia.......................................................................... 20%
Fotossensibilidade..................................................... 15%
Raynaud.................................................................... 25%
RIM (85-100%) Hipertensão............................................................... 30%
Insuficiência Renal...................................................... 20%
APARELHO MÚSCULO ESQUELÉTICO Artrite........................................................................ 75%
Miosite..................................................................... 20%
SISTEMA CARDIOPULMONAR Pericardite................................................................. 45%
Pleurite...................................................................... 35%
APARELHO GASTRINTESTINAL Ulcerações Orais Ou Em Nasofaringe......................... 05%
Trombose Mesentérica............................................... 10%
Hepatoesplenomegalia............................................. 45%
SISTEMA NERVOSO Central...................................................................... 30%
Periférico................................................................... 30%
(*)-Cassidy J, Systemic Lupus Erythematosus, Juvenile Dermatomiositis, Scleroderma and Vasculitis. In Kelley WN, Ruddy S, Harris Jr
ED, Sledge CB (eds) Textbook of Rheumatology.

Os critérios diagnósticos, achados de laboratório e de anatomia patológica são os


mesmos da doença do adulto. O tratamento depende das manifestações que a criança
apresenta e os medicamentos são os mesmos já descritos , para indivíduos adultos, regulando-
se as dosagens de acordo com o tamanho da criança. O uso do glicocorticoide é preferido, em
crianças, ao uso de imunossupressores. No entanto, estes últimos podem se tornar necessários
nos casos mais graves.

FIGURA 33.2 Lesões de lúpus agudo.

Esta doença na criança, assim como a do adulto, se caracteriza por períodos de remissão
e de exacerbação. A gravidade da mesma é altamente variável dependendo do tipo de
manifestação clínica predominante. Apesar desta variabilidade, estima-se que, de uma maneira
geral, que 85% das crianças sobrevivem 10 anos. Lesões renais sérias são mais comuns em
crianças do que em adultos.

DERMATOMIOSITE JUVENIL

É uma doença relativamente rara, aparecendo em cerca de 0.3-0,4 pacientes novos por
100.000. A idade de maior incidência está em torno de 4 a 10 anos, sendo ligeiramente mais
comum em meninas do que em meninos. As manifestações clínicas mais importantes estão
listadas no quadro 34.2.
412

QUADRO 34.2 - MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA DERMATOMIOSITE JUVENIL


APARELHO LOCOMOTOR (100%) Fraqueza Proximal 95%
Envolvimento dos Músculos da Faringe 30%
Artrite 30%
PELE Heliótropo. 30%
Rash Malar. 40%
Pápulas de Gottron 80%
Calcinose 40%
Raynaud 15%
APARELHO GASTRINTESTINAL Faringite 40%
Disfagia 15%
Hemorragia 5%
APARELHO RESPIRATÓRIO Doença Restritiva 80%
(*)-Cassidy J, Systemic Lupus Erythematosus, Juvenile Dermatomiositis, Scleroderma and Vasculitis. In Kelley WN, Ruddy S, Harris Jr
ED, Sledge CB (eds) Textbook of Rheumatology.

Da tabela acima, pode se depreender que algumas manifestações, tais como calcinose
e hemorragia gastrintestinal são mais comuns na criança do que no adulto.
O laboratório demonstra alteração de enzimas musculares, as quais são acompanhadas
durante o tratamento. Provas de atividade inflamatória estão elevadas durante as fases agudas.
Anticorpos anti PM-1 tem sido demonstrados em uma minoria de crianças (5). Hematúria
microcópica pode representar uma glomerulonefrite.

B C

A D
FIGURA 34.2- Dermatomiosite juvenil: (A) Deficit de crescimento. Atrofia muscular; (B)
Heliótropo; (C) e (D) Gotron.

O tratamento é feitode maneira semelhante ao do adulto. A maioria das crianças


(cerca de 80%) tem um curso unifásico que dura, em média, 2 anos. O restante 20% continua
413

a ter remissões e exacerbações. Um pequeno número delas pode vir a desenvolver


características típicas de esclerodermia.
Da mesma maneira que no adulto, a dermatite segue um curso independente da miosite
e o achado de um rash cutâneo, em criança, costuma ter prognóstico ruim.
O grande risco de morte está nos dois primeiros anos da doença. As principais causas de êxito
são o envolvimento do aparelho gastrintestinal ou pulmonar. A vasculite de aparelho
gastrointestinal não costuma responder bem ao corticoide. Calcinose e atrofia muscular podem
persistir apesar da regressão dos achados da fase aguda.

ESCLERODERMIA DA CRIANÇA

Apesar de ser de incidência rara na criança, a esclerodermia pode aparecer nesta faixa
etária tanto na forma de doença difusa, limitada (ou forma CREST) ou localizada (só de pele).
Tem um pico de incidência na faixa etária pré-adolescente, sendo mais comum em mulheres. As
manifestações clínicas mais comuns na criança, estão no quadro 34.3. Achados laboratoriais e
anátomo-patológicos são transponíveis da doença do adulto. O tratamento, da mesma maneira,
é feito dependendo da manifestação em questão.

A B
FIGURA 34.3 - Esclerodermia juvenil. (A)- Calcinose; (B)-Fascies com perda de
expressão.

QUADRO 34.3 - MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA ESCLERODERMIA NA CRIANÇA


PELE (100%) Raynaud 75%
ulcerações. 30%
telangiestasias 30%
alterações de pigmentação 20%
calcinose 20%
APARELHO GASTRINTESTINAL motilidade anormal do esofago 75%
disfagia 20%
divertículos de boca larga no colon 20%
PULMONARES difusão anormal 75%
capacidade vital reduzida. 70%
dispnéia 20%
APARELHO LOCOMOTOR contraturas musculares 75%
reabsorção de dígitos 60%
CORAÇÃO anormalidades eletrocardiográficas 30%
insuficiência cardíaca. 15%
(*)-Cassidy J, Systemic Lupus Erythematosus, Juvenile Dermatomiositis, Scleroderma and Vasculitis. In Kelley WN, Ruddy S, Harris Jr
ED, Sledge CB (eds) Textbook of Rheumatology.
414

VASCULITES NECROTIZANTES

Das vasculites necrotizantes que incidem na criança, a púrpura de Henoch-Schölein é


talvez a mais importante, sendo mais comum em crianças do que em adultos. O pico de
incidência é em torno de 6 anos. Meninos são afetados mais do que as meninas numa proporção
de 2:1. Aparece tipicamente após uma infecção de trato respiratório superior, frequentemente
na primavera.
As manifestações clínicas dependem do grau de vasculite, sendo a púrpura o primeiro
sinal a aparecer. As lesões cutâneas predominam em membros inferiores, surgem em surtos, e,
às vezes, mostram hemorragia central. Edema subcutâneo em mãos, pés, rosto e períneo,
aparece em cerca de ¼ das crianças., sendo mais proeminente em crianças abaixo de 2 anos.
Sintomas gastrointestinais aparecem em mais do que 85% das crianças, e incluem dor em cólica,
melena, náuseas e vômitos e hematêmese. Intussuscepção, hemorragia e perfurações são mais
comuns em crianças acima dos 4 anos.
Outros achados são os de artrite e glomerulonefrite. Este último aparece em cerca de
metade das crianças, mas só 5 % progride para insuficiência renal.
O diagnóstico está baseado no achado de artrite, dor abdominal e hematúria na
presença de púrpura não trombocitopenica.
O tratamento com glicocorticoides só parece ser útil em casos de sangramento
gastrintestional. O corticoide não parece mudar o curso da doença ou evitar o dano renal. Em
casos de lesão renal importante considera-se o uso de citostáticos.
A maioria dos casos é auto limitado, embora cerca de um terço das crianças têm um
segundo ou terceiro episódio de exacerbação. Estas exacerbações são mais comuns em crianças
mais velhas.

Referências:

Dewint P, et al. Effect of age on prevalence of anticitrullinated protein/peptide antibodies in polyarticular juvenile
idiopathic arthritis. Rheumatology 2006; 45: 204-8.4
Melo-Gomes JA. Problems related to systemic glucocorticoid theraphy in children. J Rheumatol 1993; 20:S-35-9.
Southwod TR et al. Antinuclear antibodies and juvenile chronic arthritis (JCA): search for espefic autoantibody
associated with JCA. Ann Rheum Dis 1991; 50:595-8.
Taranta A. JRA and red herrings. Hosp Pract 1988, 23:129-32.
415

Capitulo 34- Manifestações oftalmológicas das doenças reumáticas

À medida que se toma contato com as doenças reumáticas nota-se que um grande
número delas se faz acompanhar de manifestações oculares. Esta associação é de certa forma
intrigante, uma vez que em muitas destas situações, não se encontra uma explicação satisfatória
para esta interrelação. Analogias entre os tecidos articulares e os tecidos oculares têm sido
procuradas e, ninguém pode negar que existe certa semelhança entre uma membrana sinovial,
altamente vascularizada, cercando uma cartilagem totalmente avascular, com a coroide e retina,
que são tecidos bem vascularizados, cercando o cristalino e o humor vítreo, que são avasculares.
Tanto o líquido sinovial quanto o humor vítreo contém ácido hialurônico. O paciente raramente
associa seus problemas oculares aos reumáticos, sendo necessário que o médico, que está
ciente desta possibilidade, as procure para que possa existir uma detecção precoce e uma
orientação adequada quanto à terapêutica.
A ideia aqui é listar as patologias reumáticas mais corriqueiras com os respectivos
envolvimentos oculares. Entretanto, antes de entrar no assunto em questão, vamos rever
rapidamente alguns conceitos básicos de anatomia da região, para melhor entender o que
acontece.
O olho está formado por três túnicas concêntricas: a esclera, a coroide e a
retina. A esclera é a camada mais externa, fibrosa responsável pelo arcabouço do olho. Confere
a coloração esbranquiçada e define a sua forma globosa. Na porção central da esclera existe
uma abertura à qual se ajusta a córnea, que é uma calota transparente e de curvatura um pouco
mais acentuada que a do restante do olho. Posteriormente, a esclera tem mais um orifício que
dá passagem ao nervo ótico. A túnica média é a úvea, que por sua vez se compõe de coroide,
corpo ciliar e íris. Tem este nome (úvea, do grego = uva) pela sua semelhança com um grão de
uva rosa descascado, graças ao seu rico conteúdo de vasos. Numa estrutura relativamente
avascular, como é o olho, é esta estrutura que se responsabiliza pelo fornecimento de
nutrientes. Além disto, ela é responsável pelo controle do tamanho pupilar (por contração ou
relaxamento da íris) e pela acomodação do cristalino (pelo ligamento suspensor da lente que se
inserem nos processos ciliares). A coroide é pigmentada para impedir a reflexão interna da luz.
A retina é a túnica nervosa do olho, onde acontece a percepção das imagens. Na sua parte mais
anterior ela se torna mais delgada e cega. A zona limítrofe entre porção cega ou visual é
chamada de ora serrata.

FIGURA 34.1 - Desenho esquemático da anatomia do olho.


416

O olho possuí, também, 3 câmaras:


 uma cavidade posterior e grande, o vítreo, limitado pelo cristalino e zônula anteriormente e pela
retina posteriormente;
 uma pequena câmara posterior situada entre a parte posterior da iris e o cristalino e a zônula;
 uma câmara anterior limitada pela córnea e superfície anterior da íris.
A pupila serve de canal para o humor aquoso, o qual é gerado pelo corpo ciliar, passa
para a câmara anterior e sai pelo canal de Schlemn. Normalmente existe uma barreira entre
sangue/humor aquoso que impõe restrições à transferência de substâncias e células. A retina
está mais protegida ainda desta transferência, porque tem, também, uma impermeabilidade
relativa, criada por junções estreitas entre células endoteliais e epiteliais da coroide subjacente.
Ora, entre os elementos que sofrem dificuldade de transferência com esta barreira incluem-se
antígenos e mediadores imunológicos... É interessante notar que, se bem que seja difícil para
um antígeno chegar ao vítreo, quando, porventura ele chega lá, tende a permanecer por mais
tempo. Isto acontece porque eles formam complexos com ácido hialurônico que é abundante
neste local. Esta formação aumenta o tempo de estímulo para resposta imune, num verdadeiro
efeito de depósito. A barreira sangue/humor aquoso tende a se alterar na vigência de processos
inflamatórios.Embora antígenos sejam processados extra-ocularmente, as células imunes
ativadas retornam ao olho e produzem anticorpos em resposta a antígenos intra-oculares. Isto
ocorre principalmente na úvea. Certos autores demonstraram que, a introdução de um antígeno
ao qual um animal esteja sensibilizado, resulta em inflamação ocular, sugerindo que linfócitos
da memória persistam em trato uveal. Em outras palavras, a úvea se comporta quase como se
fosse um linfonodo.
As doenças que envolvem a porção posterior do olho se apresentam, em geral com olho
branco e quieto. Nem por isso são menos importantes. Ao contrário, costumam gerar um dano
importante à acuidade visual. Já as que envolvem porção anterior do olho, causam mais
sintomas e o olho costuma demonstrar externamente sinais deste envolvimento, com exceção
da uveite da AIJ.
A terminologia utilizada para definir inflamação ocular pode ser complicada e por isso
iremos rever, também, alguns destes conceitos básicos.
Conjuntivite é o termo utilizado para a inflamação da membrana superficial que recobre
as pálpebras e a porção branca do olho. Inflamação de tecidos mais profundos pode levar à
episclerite e/ou esclerite. Na episclerite a inflamação se limita ao tecido conjuntivo frouxo que
fica entre a conjuntiva e a esclera. Na esclerite, que é um processo mais profundo, toda a túnica
da esclera está inflamada. No quadro 34.1 da outra folha, encontram-se as características
clínicas que permitem a diferenciação entre uma esclerite e uma episclerite.
Envolvimento inflamatório da córnea é conhecido como ceratite.
Quando o processo envolve a úvea temos uma terminologia um pouco mais complicada.
Já vimos que a úvea é formada por íris, corpo ciliar e coroide. Assim, inflamação de uma única
estrutura da úvea pode ser referida, mais especificamente como irite, coroidite ou ciclite.
Quando se utiliza o termo uveíte, não se descreve qual destas estruturas está envolvida, sendo
este termo, portanto, mais genérico. Uveíte anterior pode ser ciclite, irite ou iridociclite.
Obviamente, uveíte posterior é a mesma coisa que coroidite... Localize-se no quadro 34.2.

QUADRO 34.2- CLASSIFICAÇÃO DAS UVEÍTES


1. Quanto à localização anterior irite
iridociclite
posterior coroidite
corioretinite
pan uveíte
2. Quanto à anatomia patológica granulomatosa
não granulomatosa
417

QUADRO 34.1- DIFERENCIAÇÃO ENTRE EPISCLERITE E ESCLERITE


EPISCLERITE ESCLERITE
Definição Inflamação do tecido subconjuntival Inflamação da esclera
Curso Mais ou menos agudo; resolve em 3 Agudo ou progressivo; pode resolver
semanas em poucas semanas ou durar de 1 a 2
anos
Sintomas Leve desconforto; não afeta a visão Pode cursar com dor severa e mal
estar; a visão pode estar afetada.
Sinais Plexos vasculares da episclera e da Plexos vasculares profundos estão
conjuntiva estão afetados; nódulos afetados; os superficiais também
são superficiais e móveis; córnea não podem estar; os nódulos são profundos
está afetada. Colírios com e fixos na esclera. A córnea pode estar
vasoconstritor (fenilefrina-10%) afetada (escleroceratite).
tornam o olho mais branco.
Hiperemia Leve Intensa
Inflamação nodular Nódulo móvel Nódulo imóvel
Prognóstico Sem problemas residuais Pode resultar em afilamento da esclera
a qual pode perfurar.
Associação c/doença 1/3 dos casos ¾ dos casos
sistêmica
Gravidade Benigna Grave

Em geral, a uveíte anterior é do tipo não granulomatoso e é a que se encontra nas


doenças reumáticas. A localização precisa do processo inflamatório é muito importante não só
porque as diferentes entidades reumáticas envolvem preferentemente determinadas
estruturas, mas também, porque a gravidade do envolvimento ocular depende da estrutura
afetada em questão.
A predileção das doenças reumáticas pela área anterior da úvea parece se dever ao fato
de que os vasos locais têm uma junção mais frouxa, permitindo uma passagem mais fácil de
eventuais estímulos imunológicos.
A seguir, será dada atenção ao envolvimento ocular visto em cada uma das principais
enfermidades reumáticas.

ARTRITE REUMATOIDE - As afecções oculares mais encontradiças nesta doença são a


queratoconjuntivite seca, a episclerite e a esclerite. Ceratites são mais raras. Além disso, existem
doenças oculares associadas ao uso de certos medicamentos usados para o tratamento desta
doença, principalmente a cloroquina e o corticoide.
A episclerite e a esclerite são achados mais comuns em pacientes com A.R. de longa
duração. São mais comuns em pacientes seropositivos e com doença erosiva. O tratamento
da episclerite é muitas vezes expectante devido à natureza autolimitada da doença. Pode-se
usar corticoide tópico para apressar a resolução do quadro. Já a esclerite é bem mais séria, e
pode complicar com uveíte, queratite e formação de cataratas. É uma lesão dolorosa que gera
um processo eritematoso generalizado, de uma cor mais clara que a da episclerite. A ocorrência
da esclerite significa que a doença básica do indivíduo (no caso AR) está fora de controle e
merece maior atenção. Tem se notado que a ocorrência de esclerite se associa com
aparecimento de manifestações extra-articulares da artrite reumatoide, principalmente com
vasculites e que pacientes com esta manifestação têm tido um prognóstico pior, inclusive com
uma sobrevida menor, do que os sem esclerite.
A esclerite é comumente uma doença difusa, mas pode tomar um aspecto nodular com
ou sem inflamação. Para esta última situação reserva-se o termo de escleromalácia perfurante
sendo encontrada nos casos de artrite reumatoide de maior tempo de evolução. Apesar do
418

nome impressionante traz poucos sintomas e raramente é causa de perfuração ocular, embora
isto seja possível.
Pacientes com AR podem ainda ter a ceratites. A ceratite ulcerativa periférica aparece
como uma ulcera rasa no bordo da córnea. Esta é uma manifestação grave.

A B

C D

E F
FIGURA 34.2- (A) Esclerite nodular; (C)- Esclerite necrotizante; (B) e (D) Escleromalácia; (E)-
ceratite ulcerativa perifética (PUK)
Fotos-Gentileza Dr Marcelo Gehlen

O tratamento tanto das esclerites como das ceratites requer uso de corticoide tópico
associado à terapêutica anti-inflamatória sistêmica (AINH ou corticoide). Em casos mais graves
tem se utilizado de citostáticos incluindo metotrexate, azatioprina e até ciclofosfamida ou
imunobiológicos. É importante lembrar que o seu achado significa descontrole da doença básica
e, que, o seu achado é indicação para alteração no tratamento da artrite reumatoide em si. Nas
formas necrotizantes pode ser necessária a realização de enxertos e nelas o corticoide deve ser
419

utilizado com muito cuidado, uma vez que tem efeitos adversos sobre o processo de
cicatrização.
Os achados de queratoconjuntivite seca são descritos sob o título de Síndrome de
Sjögren. A síndrome de Sjögren da artrite reumatoide difere da Síndrome de Sjögren primária
por ter um curso mais brando e um aparecimento mais tardio.

SÍNDROME DE SJÖGREN - A queratoconjuntivite seca também é chamada de Síndrome de


Sjögren ou síndrome sicca e é o resultado da diminuição na elaboração da lágrima causada por
alterações tróficas e cirróticas na glândula lacrimal.
A película lacrimal, que cobre permanentemente a córnea, é constituída por três camadas,
que são: (A)- a camada externa:- formada principalmente por gordura (fosfolípides fabricados
pelas glândulas sebáceas da pálpebra); (B)- a camada média/interna:- aquosa e rica em lisozima,
elaborada pelas glândulas lacrimais associada a camada mucoide, formada pelas células
caliciformes da conjuntiva.
Na queratoconjuntivite seca ocorre uma infiltração linfocitária das glândulas lacrimais,
tanto da principal como das acessórias, com dano às suas estruturas e prejuízo de suas
capacidades funcionais, impedindo que se forme a camada média da película lacrimal. A lágrima
que se forma é viscosa, com pouca lisozima e permite que córnea e conjuntiva se tornem
queratinizadas (ou seja, que tomem um aspecto semelhante à pele). À medida que a doença
progride o excesso de muco se acumula, e, por estar "ressecado", não se espalha
adequadamente pela córnea, formando resíduos filamentares, aos quais aderem restos
celulares resultantes da descamação.
O paciente se queixa de prurido, sensação de queimação nos olhos e fotofobia. As
complicações mais frequentes são ulceração de córnea, perfuração e formação de cicatrizes.
Quando existe suspeita desta enfermidade pode-se proceder ao teste de Schirmer. Este
teste, facilmente executado pelo clínico, consta na inserção de uma fita de papel de filtro de 5x
35mm num dos sacos conjuntivais por 5 minutos. Passado este tempo mede-se a porção que
ficou úmida (normal =10 a 15 mm.). Valores abaixo de 5 mm são sugestivos de produção lacrimal
deficiente. O exame com lâmpada de fenda mostra que a película lacrimal é mais delgada e mais
viscosa que o habitual, contendo restos celulares e filamentos de muco. Mostra, também, que
o epitélio corneano contém pequenas opacidades mal definidas e depressões, dando à
superfície, um aspecto irregular. Instilação de corante rosa bengala a 1% ajuda a demonstrar
estas irregularidades, as quais são mais acentuadas no nível da fissura interpalpebral.
Na síndrome de Sjögren existe uma
associação com secura de outras mucosas
(principalmente com a de orofaringe,
ocasionando xerostomia) e disfunção de
outras glândulas exócrinas. Um terço dos
pacientes com artrite reumatoide tem
síndrome de Sjögren e esta síndrome pode
ser encontrada em outras colagenoses
como LES, esclerodermia, etc. ou mesmo
isoladamente, na síndrome de Sjögren
primária.
O tratamento consiste no uso de
colírios com lágrimas artificiais e de
ciclosporina. Lentes de contato hidrofílicas
FIGURA 34.3 – Olho seco : teste de Shirmer. ajudam a manter a umidade do local.
Tarsorrafia e fechamento do ducto lacrimal podem ser feitos, numa tentativas de
prevenir a perda de lágrimas. O uso do rituximabe parece ajudar a doença.
420

ARTRITE IDIOPÁTICA DA INFÂNCIA (AIJ) - A artrite idiopática da infância é diferente da do


adulto em muitos aspectos. Difere também no tipo de manifestação ocular associada. Na artrite
reumatoide do adulto não se vê uveíte a menos que esta apareça como uma complicação da
esclerite. Já, na AIJ, esta é a lesão mais frequente. Outros achados da AIJ são a queratopatia em
banda e a formação de catarata (estas em geral como sequelas de uveíte crônica).
A uveíte ocorre principalmente na forma da doença que afeta meninas com padrão
oligoarticular e, principalmente, se a AIJ começou antes dos 4 anos de idade e tem FAN positivo.
É interessante notar a correlação inversa entre o número de articulações envolvidas e a
ocorrência da uveíte. Além disto, a uveíte tende a ter um prognóstico pior quando esta aparece
antes dos sintomas articulares.
A ocorrência de anticorpos antinucleares circulantes na maioria destes pacientes é
suficiente para se suspeitar de sua importância na patogênese do processo. Encontrou-se
presença de FAN em humor aquoso de um paciente que tinha este anticorpo negativo no soro.
Níveis de IgM, IgA e IgE também estão aumentados no humor aquoso. O FAN circulante no
soro costuma ser dirigido contra histonas, e é principalmente aquele contra H3, que correlaciona
mais de perto com as manifestações oculares. O mecanismo de dano imunológico proposto para
a ação deste anticorpo no olho seria o de mimetismo molecular.
A uveíte da AIJ apresenta-se mais comumente de forma crônica podendo ser totalmente
assintomática, sem dor e sem vermelhidão, promovendo perda importante de visão, o que nem
sempre é verbalizado por crianças de baixa idade. Isto dificulta a sua detecção precoce e diminui
as chances de um tratamento mais prematuro, capaz de evitar as consequências desta doença
a longo prazo. Nas crianças portadoras de AIJ com uveíte, os dados que mais chamativos para a
sua presença, são diminuição da percepção visual e anisocoria (pelas sinéquias da íris com
estruturas adjacentes). Tais dados podem ser perfeitamente detectados pelo clínico. A
confirmação do diagnóstico só pode ser feita com um exame oftalmológico mais completo.

Como a uveíte da AIJ pode ser assintomática, toda criança com este diagnóstico deve ser
avaliada periodicamente por um oftalmologista.

A uveíte tende a aparecer de diferentes maneiras na dependência da forma de início


da doença e da idade da criança acometida. Por isso, existem algumas regrinhas que podem
ajudar o clínico a aconselhar o acompanhamento oftalmológico nestes pacientes. Elas estão
resumidas no quadro 34.3.

QUADRO 34.3 - FREQUÊNCIA DE AVALIAÇÃO OFTALMOLÓGICA EM CRIANÇAS COM AIJ


Tipo de inicio Idade de inicio
<7 anos ≥7 anos
Oligoarticular FAN positivo Cada 3-4 meses Cada 6 meses
Oligoarticular FAN negativo Cada 6 meses
Poliarticular FAN positivo Cada 3-4 meses Cada 6 meses
Poliarticular FAN negativo Cada 6 meses
Sistêmica Cada 12 meses
Anonymous. Guidelines for ophthalmologic examinations in children with juvenile rheumatoid arthritis. Pediatrics 1993; 92:295–6

A atividade da uveíte e da artrite não tem curso paralelo sugerindo que, embora ambas
tenham um mesmo fator causal, têm mecanismos diferentes de início e recorrência de sintomas.
A AIJ tende a desaparecer no indivíduo adulto; a uveíte tende a persistir.
A queratopatia em banda é um achado altamente sugestivo de sequela da iridociclite
da ARJ embora não seja específico. Decorre da deposição de cálcio na cápsula de Bowman.
Forma uma opacidade totalmente avascular, que se inicia nas posições de 3 e de 9 horas,
paralimbal e depois, pode se estender através da córnea em forma de faixa, na posição da fissura
421

interpalpebral. A associação entre a queratopatia em banda e a iridoclicite é altamente


presuntiva, uma vez que esta pode aparecer semanas depois da remissão da iridoclicite e,
também, progredir na ausência de iridociclite ativa. Por outro lado, um paciente pode ter anos
de iridociclite ativa sem ter queratopatia em banda. Acredita-se que alterações locais na
homeostase do cálcio e o pH promovam a precipitação do cálcio. O metabolismo sistêmico do
cálcio e fósforo é normal nestas pessoas.
A catarata ocorre como complicação, em quase metade dos pacientes com uveíte
crônica. Além disto, estes pacientes frequentemente necessitam de terapêutica com glico-
corticoide, o que favorece a sua formação. Não é raro que estas crianças tenham que ser
submetidas a tratamento cirúrgico para a sua correção. Glaucoma é outra complicação temida.
Aparece pelo uso do corticoide e como consequências das distorções anatômicas provocadas
pelo processo inflamatório. Edema Macular cistoide é uma complicação que afeta, em muito, a
capacidade visual.
Crianças com forma entesitica da AIJ comportam-se como tendo uveite das
espondiloartrites. (Veja mais adiante).

A B

D
C
FIGURA 34.4. (A)- Uveite- exame com lâmpada de fenda mostrando PKs; (B) irregularidade
da íris por sinéquias (C) ceratopatia em faixa ; (E)- edema macular cistoide ao exame por OCT
(tomografia de coerência ótica).

LUPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO - A retinopatia é vista em 8-24% dos pacientes agudamente


doentes. Sua ocorrência está associada à presença dos anticorpos antifosfolípides que, acredita-
se, reajam de maneira cruzada com fosfolípides da membrana de células endotelias. Sendo uma
manifestação de doença bastante ativa, raramente é vista em pacientes ambulatoriais.
Os achados fundoscópicos são de exsudatos algodonosos, os quais não são uma
exclusividade do lúpus, podendo aparecer em outras doenças do tecido conjuntivo. Seu aspecto
é o de manchas cinza-azuladas, fofinhas, mais perto das arteríolas do que de vênulas. Estes
exsudatos resultam de uma isquemia focal, ou seja, de um microinfarte da retina. O termo corpo
citoide, muito frequentemente utilizado nos livros de reumatologia, nada mais é do que o
422

aspecto anátomo-patológico destes exsudatos. Preste atenção!! O termo exsudato algodonoso


é usado para oftalmoscopia; corpo citoide é um termo de anatomia patológica.
Um aspecto particular da retinopatia lúpica é a de que as veias não estão envolvidas (só
o componente arterial) e de que não existem alterações inflamatórias na câmara anterior do
olho ou vítreo.
Outros achados de retina podem ser os de hemorragias, estreitamento arteriolar,
alterações de cruzamento arteriovenoso, microaneurismas etc. Muitos deles refletem uma
retinopatia hipertensiva secundária a envolvimento renal do LES. Além disto, embolias oriundas
de vegetações cardíacas (endocardite de Liebmann-Sacks) podem ser causa de oclusão e infarto
de vasos oculares.

A
B
Figura 34.5 - Vasculite retinina por LES - (A) achados de fundoscopia; (B) achados de
exame por angiofluoresceina.

Síndrome de Sjögren secundária é outro achado do lúpus. Sua ocorrência é mais comum
nos indivíduos que têm artropatia do tipo deformante (forma de reumatismo de Jaccoud).
Conjuntivites e episclerites aparecem em 15% dos pacientes.

ESCLERODERMIA, POLIMIOSITE E DERMATOMIOSITE - Na esclerodermia, os achados estão


relacionados com diminuição da fenda palpebral pelo envolvimento de pele e com a associação
com Síndrome de Sjögren. Esta última é mais comum na forma limitada da doença. Além disto,
a retinopatia hipertensiva é achada em pacientes com crise renal.
Na polimiosite e na dermatomiosite encontram-se conjuntivites, episclerites, uveítes
anteriores, retinopatias por vasculite e o heliótropo. O heliótropo é uma lesão palpebral, em
forma de uma mancha eritemato-violácea, patognomônica da doença. Fraqueza de musculatura
extraocular não é típica da polidermatomiosite e o seu achado deve levantar suspeita de
miastenia gravis.

Figura 34.6- Heliótropos. Achados em dermatomiosite.


423

SÍNDROME DOS ANTICORPOS ANTIFOSFOLÍPIDES - Do ponto de vista ocular são encontradas


basicamente dois tipos de sintomas na síndrome do anticorpo antifosfolípide: a retinopatia
veno-oclusiva e os sintomas neuro-oftalmológicos. O envolvimento da câmara anterior do olho
pelos anticorpos antifosfolípides é incomum e tem sido descrita como um envolvimento leve,
com conjuntivite, teleangiectasias, microaneurismas, episclerites, ceratites e olho seco. A uveite
também tem sido descrita em casos isolados, assim como raros casos de esclerite. Entretanto a
grande marca registrada desta doença são os fenômenos oclusivos de retina os quais podem
levar a serias consequências.
E interessante notar que muitos dos pacientes que se apresentam ao oftalmologista com
alterações secundárias a síndrome do antifosfolípide têm, também, outros sintomas associados
sendo a cefaleia, deterioração da memória e diplopia os mais encontrados. Desta maneira o
oftalmologista eu atende a estes pacientes deve estar atento a este tipo de queixas, que podem
fornecer uma pista para o diagnóstico.

Figura 34.7 - Achados angiográficos em SAF

OUTRAS VASCULITES - Envolvimento ocular pode ser visto em pacientes com poliarterite
nodosa, granulomatose com poliangetie e arterite temporal e síndrome de Behçet.
A PAN pode envolver praticamente qualquer tecido ocular. Conjuntivite, episclerite
nodular, escleroqueratite necrotizante, uveítes, retinopatia (por hipertensão e por vasculite de
vasos retinianos), oclusão da artéria central da retina têm sido descritos. Além disto, tem se
notado a associação de PAN com síndrome de Cogan: queratite intersticial não luética associada
à lesão do 8 nervo craniano ocasionando surdez e vertigens.
Na granulomatose com poliangeite, o processo inflamatório de vias aéreas superiores
pode se estender para tecidos oculares ocasionando proptose, edema de pálpebra, queratite
por exposição, perda visual, perda da mobilidade do globo ocular, atrofia de nervo óptico etc.
Além disso vêem-se: obstrução do ducto naso-lacrimal, episclerites, esclerites, uveítes,
retinopatia (hipertensiva ou não), oclusão da artéria central da retina etc.
Na doença de Behçet, o envolvimento ocular aparece mais comumente na forma de
uma uveite bilateral que envolve tanto a porção anterior quanto posterior da úvea. O
envolvimento da parte anterior pode levar à formação de hipópio, que nada mais é do que um
acúmulo de células inflamatórias na câmara anterior.
424

A B

C D

E F
FIGURA 34.8 – (A)- Behçet- hipópio ou pus na câmara anterior secundário a uveite anterior; (B) -
Sequela de uveite em Behçet com irregularidade pupilar por sinéquias (C) – Behçet: exame com
angiofluoresceina mostrando vascultie; de olho; (D) Granulomatose com poliangeite- vasculite ao
exame com angiofluoresceína; (E)- Granulomatose com poliangeite – Vasculite de fundo (F) –
Granulomatose com poliangeite – esclerite.

Na arterite temporal, existe lesão ocular em 50% dos pacientes e esta manifestação está
entre as complicações mais sérias desta doença. Não é raro que o paciente se apresente ao
oftalmologista com perda súbita de visão, sem ter tido nenhum sinal premonitário.
Frequentemente os dois olhos estão envolvidos. O envolvimento do segundo olho ocorre de um
dia até algumas semanas depois do envolvimento do primeiro, por vasculite de artéria oftálmica
425

ou da central da retina ou, ainda, de artérias ciliares. O achado mais comum é o de uma neurite
ótica isquêmica mostrando um disco óptico pálido e elevado; pequenas hemorragias podem ser
vistas. Se a isquemia acontece mais posteriormente (neurite isquêmica retrobulbar) o fundo de
olho pode ser normal. Se existe oclusão da artéria central da retina, o que é mais raro, o achado
é de infarto da retina.A arterite temporal pode ter sinais exclusivamente oculares, sem sintomas
sistemicos, o que tem sido chamado por alguns, de arterite temporal oculta.

ESPONDILOARTRITES - A uveíte não granulomatosa anterior aparece em até 50% dos pacientes
com espondilite anquilosante, dependendo de como o estudo desta situação é feito e qual a
população estudada. O envolvimento ocular não está relacionado à gravidade da doença
articular e é mais frequente em pacientes com envolvimento articular periférico. A associação
da uveíte com HLA-B27 é considerada como uma forma frustra desta doença, mesmo em casos
em que a patologia articular não seja aparente.
A maioria das uveítes dos pacientes com EA é aguda, cursando com fotofobia, dor e
vermelhidão local. Pode regredir sem sequelas ou levar à formação de sinéquias e cataratas.
Tende a ser recorrente.
Na artrite reativa, além da ocorrência de uveíte, pode aparecer a conjuntivite que faz parte
da tríade clássica. É possível que a conjuntivite seja discreta e passe despercebida. A secreção é
estéril. A uveíte da artrite reativa é vista nos indivíduos com sacroiliíte, que são os com maiores
chances de portarem o HLA -B27.

FIGURA 34.9 – Uveite anterior (A) PKs à lâmpada de fenda; (B)- irregularidade pupilar.

DROGAS ANTI-REUMÁTICAS E DOENÇA OCULAR - Além das doenças reumáticas, por si só,
serem consideradas um fator de risco para o envolvimento ocular, muitas das drogas usadas
pelo reumatologista podem trazer dano ao olho.

Alterações secundárias ao uso de glicocorticoides- As principais alterações visuais induzidas


pelos corticoides são o glaucoma e a catarata. O primeiro está mais associado com uso local da
droga e o segundo com o uso sistêmico.
A catarata que aparece secundáriamente ao uso de esteroides é uma catarata
subcapsular posterior que aparece em cerca de 10% dos usuários crônicos. Existe quem acredite
que deva existir uma susceptibilidade individual e/ou geneticamente determinada para o seu
aparecimento.O mecanismo pelo qual o corticoide gera o aparecimento da catarata não está
bem elucidado. Algumas teorias existentes a respeito deste assunto são :
a) distúrbios metabólicos- sobre a atuação de enzimas (como a glicose 6 dehidrogenase) ou
sobre o maquinário produtor de DNA e RNA;
b) falha na regulação osmótica- esta teoria é sugerida pela observação de fendas intercelulares,
formação de vacúolos em aparecimento de células edemaciadas em cristalino de usuários de
426

corticoide. Esta falha poderia surgir de um mau funcionamento da bomba de Na,K -ATPase ou
alterações de permeabilidade de membrana;
c) adição não enzimática de pequenas moléculas às proteínas locais formando adutos proteicos;
d) efeitos do corticoide mediados por receptores ;
e) comportamento celular anômalo levando ao acúmulo de células epiteliais indiferenciadas no
polo posterior da lente. Normalmente estas células são encontradas na porção anterior.
A ocorrência de cataratas em usuários de corticoide é uma dos poucos efeitos colaterais
que não desaparece quando a droga é usada em dias alternados.
O tratamento mais efetivo ainda é a remoção cirúrgica da lente opacificada, embora
alguns autores tenham demonstrado, em animais, que o uso de antioxidantes diminui a
incidência e gravidade das cataratas induzidas pelos glicocorticoides.
Já o glaucoma tem sido associado com uso local do corticoide (colírios e infiltrações) e,
a capacidade de alguém desenvolver ou não esta complicação parece ser transmitida como
traço recessivo autossômico. Certos corticoides tópicos como fluorometalona têm sido
associados com taxas menores de indução de glaucoma. O mecanismo pelo qual o corticoide
induz o glaucoma não está bem esclarecido. Sabe-se, no entanto, que ele está associado a uma
maior produção de proteínas locais induzidas pelo corticoide, proteínas estas que influem no
tamanho dos poros dos vasos do canal de Schlemm (e, consequentemente, no seu grau de
permeabilidade) diminuindo a reabsorção do humor aquoso. Uma destas proteínas foi
identificada como ZO-1, responsável por aumento da resistência para celular.

Alterações secundárias ao uso de antimaláricos - Os antimaláricos são usados no tratamento


da artrite reumatoide, no LES, na síndrome do anticorpo antifosfolípide e, mais recentemente,
na osteoartrite. Os mais utilizados são a cloroquina e a hidroxicloroquina sendo esta última
considerada mais segura do ponto de vista de efeitos colaterais. As lesões oculares esperadas
em um paciente utilizando-se de antimaláricos são os depósitos corneanos e a maculopatia.. Os
depósitos corneanos são a lesão oftalmológica mais comum e estão intimamente relacionados
com a dose utilizada. São lesões benignas e não guardam relação com ocorrência ou não de
retinopatia. A retinopatia ou maculopatia é um problema mais sério e pode acarretar perda
visual por diminuição do campo visual e/ou da acuidade visual. Pode levar, também, à
diminuição da visão colorida e à formação de escotomas centrais, paracentrais e periféricos, os
quais são mais facilmente detectados com um objeto vermelho. Classicamente leva a alterações
de pigmentação conhecidas como "em olho de búfalo" porque se apresentam como um anel de
despigmentação cercado por outro de aumento na pigmentação. Entretanto é sempre bom
lembrar que, nem todas as alterações de pigmentação de retina- vistas em pacientes usando
cloroquina, podem ser atribuídas a este medicamento.
Não existe um consenso quanto aos testes que devem ser utilizados no screening da
retinopatia por antimaláricos. Os testes propostos são: análise de campo visual, fundoscopia,
eletroculograma e eletro retinografia, OCT, angiofluoresceina. A grande dificuldade ao
interpretar estes testes está na falta de especificidade de todos eles. A ideia atual é a de que se
faça uma vez ao início do tratamento e depois de 5 anos de uso; a partir dai anualmente. Isso
vale para indivíduos jovens e sem outras comorbidades. Entretanto pacientes com maior risco
de lesão ocular (idosos e nefropatas, por ex.) devem ter uma checagem mais frequente.
427

A B
FIGURA 34.10- (A) Catarata por glicocorticoide (capsular posterior); (B) Retinopatia em
olho de búfalo À angiofluoresceina ( efeito colateral de antimalárico).

Alterações secundárias ao uso de bisfosfonatos- Os bisfosfonatos formam um grupo de


medicamentos utilizados para tratamento de osteoporose. O uso deste medicamento tem
desencadeado conjuntivite, esclerite, episclerite e queixas de borramento visual, dor ocular e
fotofobia.
Por último, no quadro 34.4, um resumo das principais alterações oftalmológicas
esperadas em cada uma das doenças reumáticas.

QUADRO 34.4 - MANIFESTAÇÕES OCULARES DAS DOENÇAS REUMÁTICAS


DOENÇA REUMÁTICA ENVOLVIMENTO OCULAR ESPERADO
Artrite reumatoide Ceratoconjuntivite seca, esclerite, episclerite, ceratite, ceratite
ulcerativa, coroidite, vasculite retiniana, nódulos na episclera,
descolamento de retina e edema macular.
Artrite idiopática da infância (ou ARJ) Uveite, ceratopatia em ban. da
Síndrome de Sjögren Ceratoconjuntivite seca.
Espondilite anquilosante Uveite.
Artrite reativa Conjuntivite, uveite, ceratite.
Artrite psoriásica Uveite, conjuntivite, ceratite.
Lupus eritematoso Ceratoconjuntivite seca, conjuntivite, uveite, episclerite, esclerite,
ceratite, hemorragia retiniana, vasculite retiniana, retinopatia
proliferativa, neurite ótica, neuropatia isquêmica, anormalidades
óculo-motoras, anormalidades pupilares, oftalmoplegia internuclear,
alucinações visuais.
Arterite de células gigantes Neuropatia isquêmica.
Sarcoidose Uveite, nódulos conjuntivais, , paralisia de nervos cranianos, aumento
de volume de glândula lacrimal, neuropatia ótica.
Granulomatose com poliangeite Proptose, exoftalmia, celulite orbitária, uveíte, úlceras corneanas,
neuropatia ótica.
Behçet Uveite
Síndrome do anticorpo antifosfolipide Retinopatia veno-oclusiva, neuropatia ótica isquêmica
Poliarterite nodosa Episclerite, esclerite , neuropatia ótica
Dermatomiosite Edema de pálpebra e conjuntival, retinopatia e uveite.

Referências:
Anonymous. Guidelines for ophthalmologic examinations in children with juvenile rheumatoid arthritis. Pediatrics 1993; 92:295–6
Black RL et al. Posterior capsular cataracts induced by corticosteroid in patients with rheumatoid arthritis. JAMA 1960;174:150-5.
Rosenberg, AM. Uveitis associated with juvenile rheumatoid arthritis. Semin Arthritis Rheum 1987; 16:158-73.
Underwood JL et al. Glucocorticoids regulate transendotelial fuid flow resistance and formations of intercellular junctions. Am J
Physiol Cell Physiol 1999, 227: C-330-42.
428

Capítulo 35 - Manifestações cutâneas das doenças reumáticas

Como já ficou óbvio do estudo anteriormente feito, muitas das doenças reumáticas não
envolvem somente o sistema músculo esquelético. São doenças sistêmicas com envolvimento
de vários órgãos e aparelhos. Lesões de pele são bastante comuns e, por serem de fácil acesso
ao exame, o seu achado é valioso e ajuda no diagnóstico. Basta saber quais as patologias que
têm manifestações de pele e o que esperar de cada uma delas.

ARTRITE REUMATOIDE - O nódulo reumatoide é achado em até 20% dos casos e aparece
geralmente em doenças seropositivas (e mais graves). São nódulos subcutâneos que,
comumente, se situam nos locais de trauma ou de pressão. Têm tamanhos variáveis e são de
consistência elástica. As vasculites também aparecem nos pacientes com A.R. e podem afetar
tanto artérias como veias de diferentes tamanhos. O envolvimento arterial pode se manifestar
sob vários aspectos: gangrena digital, úlceras cutâneas, infartos em pregas ungueais, etc... O
envolvimento venoso pode se apresentar como púrpura palpável (venulite necrotizante
cutânea), as quais são mais comuns em extremidades inferiores ou regiões pendentes do corpo.
As vasculites são um achado de doença severa, nodular e erosiva.
Outros achados são: Raynaud, pioderma gangrenoso e eritema palmar.

A B
FIGURA 35.1 Nódulos reumatoide (A) em cotovelo; (B ) sobre tendão de Acchilles

ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL - As lesões de pele são vistas na forma sistêmica e as vezes na
forma poliarticular desta doença. Nunca são encontradas na forma oligoarticular. É um rash
discreto, eritematoso (rosa salmão), visto no tronco, extremidades proximais ou áreas de
pressão. É, caracteristicamente, evanescente, acompanhando os períodos de febre. Têm
tendência para migrar. Cada mácula é circundada por um halo de palidez e as lesões pequenas
têm no centro uma área mais clara. Às vezes, lembra urticária, mas nunca é pruriginoso.

LUPUS ERITEMATOSO SISTEMICO - Algum tipo de manifestação cutânea ocorre em 85% dos
pacientes no lúpus, em algum tempo de sua doença. A lesão mais característica é o eritema em
asa de borboleta (butterfly rash). Esta é uma lesão ligeiramente eritematosa, localizada nas
regiões malares e no dorso do nariz. O rash é notado frequentemente após exposição ao sol,
embora este fato não seja obrigatório. Pode ter aspecto evanescente, acentuando-se com o uso
do álcool e com nervosismo. Cura sem cicatriz.
429

A segunda lesão mais característica é um rash eritemato-papular que lembra alergia por
droga e que ocorre após exposição ao sol. São lesões pruriginosas e que aparecem em qualquer
parte do corpo, mas são mais comuns em pele da região acima da cintura.
Lúpus eritematoso discoide (ou LED) é outro tipo de lesão cutânea encontrada no lúpus.
Aqui deve se ter um pouco de cuidado com o termo lúpus discoide uma vez que este serve,
também, para designar a doença de pele isolada. Dos pacientes que aparecem só com a doença
de pele, 10% desenvolverão lúpus sistêmico, o que em geral acontece dentro dos 2 primeiros
anos da doença (se bem que existam casos extremos de sistematização até 25 anos após o
aparecimento do lúpus discoide). O restante permanece só com a doença de pele, isolada, como
num espectro mais benigno da doença.
A lesão discoide típica começa por uma ou mais pápulas bem definidas, em áreas
malares, em borboleta ou em couro cabeludo, orelhas e região superior dos braços e peito. Aos
poucos ela aumenta, tomando um aspecto maduro que consta de pápulas bem definidas e
placas em tom eritematoso brilhante, edema e elevação da área central. As vezes, a área central
fica atrófica e deprimida, ao passo que os bordos ficam vermelhos e brilhantes. Os limites da
lesão são irregulares, mas bem definidos. A medida que a fase aguda subside formam-se
descamações foliculares, com acúmulo de queratina nos folículos formando ver-dadeiras rolhas.
A cura se processa com cicatrização deixando a pele atrófica e branca circundada por bordos
hiperpigmentados. O aspecto final pode ser bem desfigurante. A evolução da lesão discoide
segue, portanto, 3 estágios: eritema, hiperqueratose, atrofia. Pode ocorrer o desenvolvimento
de carcinoma epidermoide sobre cicatrizes de lesões discoides .
Quando um paciente recebe o diagnóstico de lúpus discoide o médico sempre se
pergunta se o seu paciente permanecerá tendo uma doença puramente de pele ou irá desen-
volver a forma sistêmica. Embora não existam regras bem definidas para esta separação alguns
dados podem ser de valia:
1. Se o sexo do paciente é masculino as chances de sistematização são menores. A relação de
incidência mulher/ homem para o LED é de 2:1 enquanto que no LES é de 9:1.
2. Quando o paciente tende a ter só o LED, as lesões de pele são uniformes do tipo placas com
atrofia, formação de cicatriz e alterações na pigmentação, não existindo associação com outro
tipo de lesão. Se o paciente tem lúpus sistêmico, as lesões são variáveis: em 15% dos casos existe
placas tipo discoide, mas, além delas existe eritema difuso, lesões palmares, eritema
periungueal ou telangiectasias, vasculites e ulceras de boca.
3. Nos pacientes com lúpus discoide puro o "lupus band test", ou seja, a pesquisa de
imunoglobulinas na junção dermo epidérmica feita por imunofluorescência de tecidos obtidos
para biópsia, é negativa em pele que não apresenta lesão macroscópica (90% dos casos). Já nos
pacientes com lúpus sistêmico existe este depósito mesmo em pele considerada sadia ( em 60%
dos casos) .
4. O F.A.N. nos pacientes com lúpus discoide é negativo ou positivo em baixos títulos. Nos
pacientes com doença sistêmica é positivo, geralmente em altos títulos.
5. A pesquisa de anticorpos anti DNA em pacientes com doença discoide só é positiva muito
raramente e, neste caso trata-se do anti DNA de cadeia simples. O achado de anti DNA de cadeia
dupla aponta para o di-agnóstico de doença sistêmica.
6.Sintomas sistêmicos são raros em lúpus discoide puro e bem comuns no sistêmico.
Existe uma forma intermediária de lúpus que fica entre o discoide puro e o sistêmico que
se chama de lúpus eritematoso cutâneo subagudo (LECS) com lesões de pele extensas
simétricas. Estes pacientes têm dores articulares, febre, mialgias, mas não chegam a preencher
os critérios para um lúpus sistêmico. Manifestações mais graves como lesões de sistema nervoso
central e nefropatia raramente ocorrem. Sua ocorrência está relacionada com a presença do
HLA DR3 e a presença dos anticorpos anti Ro e anti La. Existem duas lesões de pele típicas do
LECS: uma psoriasiforme e outra anular. Ambas ocorrem mais em áreas expostas a sol.
430

A B

C D

E F

G H
FIGURA 35.2 – LÚPUS. (A) e (B)- Rash em butterfly; (C) e (D)- Lúpus cutâneo subagudo; (E)
e (F)- Lúpus discoide (G) Alopecia por LED; (H) Vasculite.
431

A B

C D
FIGURA 35.3- LÚPUS ERITEMATOSO: (A) Rash inespecífico; (B)-Livedo reticularis; (C) lupus
bolhoso; (C) urticaria vasculite

Outros achados dermatológicos no lúpus são: livedo reticularis, lesões vasculíticas, alo-
pécia (em placas ou difusa), úlceras em mucosas (mais comuns em palato mole e duro, podendo
aparecer também em septo nasal, assintomáticas), fotossensibilidade, Raynaud, episódios de
urticária e edema angioneurótico. Para ajudar a fixar, veja o quadro 35.1.

QUADRO 35.1- LES- LESÕES DE PELE


LUPUS DISCOIDE

LUPUS CUTÂNEO SUBAGUDO

LUPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO com lesões discoides


com rash em borboleta
com erupção eritemato-papular
outras: úlceras de boca e nasais,
vasculites periungueais etc.

DERMATOMIOSITE- O grau de envolvimento de pele é variável e não guarda relação com a


severidade do envolvimento muscular. Existem vários tipos de lesões, mas duas delas são as
mais características: o heliótropo uma lesão edematosa, vermelho violáceo periorbitária e as
pápulas de Gottron, que são pápulas achatadas na pele que recobre as articulações
interfalangianas.
Outro achado é a ocorrência de lesões avermelhadas em bochechas, dorso do nariz (lembra
o rash em butterfly do lúpus) e face anterior do tórax, superfície extensora dos coto-velos e
joelhos. As lesões não tratadas são vermelho brilhante, ao passo que, a medida que o processo
432

inflamatório cede, passam a ter uma coloração mais violácea com alguma descama-ção.
Algumas vezes o rash é pruriginoso.
Outros achados são hiperemia de pregas ungueais, fotossensibilidade, alterações de
pigmentação e calcinose, esta última bem mais frequente na criança.

A
B

C D
Figura 35.4 – DERMATOMIOSITE: (A) Heliotropo; (b) Gotron; (c) e (d) Calcinose.

ESCLERODERMIA- Os achados cutâneos mais comuns em um paciente com esclerodermia são:


esclerose de pele, telangiectasias, Raynaud e calcinose.
A esclerose pode aparecer de forma isolada, sem a doença sistêmica constituindo-se em
uma doença só de pele, ou pode aparecer fazendo parte da doença clássica que passa a chamar-
se de esclerose sistêmica progressiva para enfatizar a sua natureza multissistêmica.
A esclerose de pele se faz em 3 estágios: precoce ou edematoso, o clássico e o tardio.
• Na fase precoce, o que se vê é que a pele, em geral de mãos e pés se torna "suculenta".
Os anexos são normais. O aumento de tensão de pele não é depressível, ou seja, não faz cacifo.

• Na fase clássica, a pele que era mais "fofa" substitui-se por um infiltrado duro e aderente
a planos profundos, que impede a livre movimentação de articulações e tendões. A pele fica
seca e friável. Ocorre perda de sulcos, atrofia de anexos e diminuição da sudorese. É comum
encontrar-se áreas de hiperpigmentação (só em pele, nunca em mucosas) e de
hipopigmentação. A face toma um aspecto característico, inexpressivo, com diminuição da rima
bucal e proeminência dos dentes. Se esta fase se manifesta só em tegumento da região dos
dedos diz-se que o paciente tem esclerodactilia.
433

• Na fase tardia, que aparece de 3 a 15 anos após a clássica, o que se vê é uma involução
do processo . A pele fica mais macia e pregueável.
Na doença sistêmica estas alterações são frequentemente generalizadas, mas se não o
forem existe sempre uma tendência para que as mãos e face estejam envolvidas.
Existe uma variante da forma sistêmica da doença que se chama esclerodermia limitada ou
CREST (C= calcinose, R= Raynaud, E=esofago, S=sclerodactyly, T= teleangiectasia). Estes
pacientes apresentam caracteristicamente o anticorpo anticentrômero. Neles o fenômeno de
Raynaud precede o aparecimento de lesões de pele por muito tempo.
É uma forma da doença de evolução mais arrastada, que tende a apresentar como
manifestações sistêmicas a hipertensão pulmonar primária e a se associar com S. de Sjögren e
com cirrose biliar primária.
Existem casos descritos de pacientes com esta forma que acabaram por desenvolver a
forma sistêmica completa com o decorrer dos anos.

A B

C D
FIGURA 35.5- ESCLERODERMIA - (a) Esclerodactilia; (B) Afilamento das polpas digitais por Raynaud; (C)
Esclerodactilia ealteraçãode pigmentação; (D) esclerodactilia e perda de digitos por Raynaud.
434

A B

C D

E
F

G H
Figura 35.6 – ESCLERODERMIA – (A) Úlcera digital; (B), (C) e (D)- Telangiectasias; (E) e (F)
Calcinose ; (G)- Fascies esclerodermico com rágades periorais; (H)- cicatriz estelar.
435

Na doença isolada de pele a forma mais encontradiça é a morfea que consiste em placas
isoladas, de cor marfim com um bordo mais violáceo. Pode aparecer formando pequenos pontos
(morfea guttata) ou em placas maiores (morfea em placas). Estas formas dificilmente têm
repercussões maiores a menos que envolvam a face (pelas consequências cosméticas) ou que
tomam um aspecto generalizado. Outra forma de esclerodemia só de pele é a esclerodermia
linear, a qual é mais comum em crianças. Forma-se uma faixa de esclerose que envolve uma ou
mais extremidades ou região frontoparietal (esta última recebe o nome de esclerodermia em
golpe de sabre e pode se associar com hemiatrofia de face). Esta banda pode comprimir feixe
vásculo nervoso do local e causar diminuição do trofismo da região afetada.Outros achados são:
telengiectasias (de pele e mucosas), calcinose e alterações de pigmentação e o Raynaud. Para
não criar confusão, guarde bem o esquema 42.2, com as formas mais comuns da esclerodermia.

Quadro 35.2 - ESCLERODERMIA - LESÕES DE PELE


ESCLEROSE SISTÊMICA Forma limitada
Forma difusa
ESCLERODERMIA LOCALIZADA Moféia Morfea guttata
Morfea em placas
Linear

A B

D
C
FIGURA 35.7- ESCLERODERMIA LOCALIZADA: (A) Linear; (B) Golpe de sabre; (C) e (D)
morfea em placas.

MOLÉSTIA REUMÁTICA - A lesão mais encontrada é o eritema marginatum que se constitui em


um dos critérios maiores de Jones para o diagnóstico. Tem a aparência de anéis eritematosos e
serpiginosos com um centro pálido. Localizam-se principalmente no tronco. Estas lesões se
436

acentuam com aplicação de calor e desaparecem com a compressão. Não causam prurido. São
evanescentes e mais comuns em pacientes com cardite. Não respondem ao tratamento da
doença.
Na moléstia reumática pode se encontrar, ainda, nódulos subcutâneos do tamanho de uma
ervilha, não dolorosos e situados sobre proeminências ósseas. A pele não adere ao nódulo.

FIGURA 35.8- Eritema Marginatum

ESPONDILOARTRITES: Duas das espondiloartrites têm, comumente, lesões de pele: a artrite


reativa e a artrite psoriásica. A espondiloartrite de doenças inflamatórias do intestino também
podem se fazer acompanhar de lesões de pele. Nos caso associados com retocolite ulcerativa
pode-se encontar o pioderma gangrenoso e, nos associados à Doença de Crohn, o eritema
nodoso. Só que nestes casos, a associação depende muito mais da presença da doença básica,
do intestino, em questão. Em outras palavras, é independente do fato de existir, ou não,
envolvimento articular.
As lesões cutâneo-mucosas da artrite reativa aparecem em 50 a 80% dos pacientes e
podem ser;- queratodermia blenorrágica, balanite circinata, úlceras orais e alterações
ungueais.A queratodermia blenorrágica é uma erupção que acomete frequentemente a palma
da mão e a sola dos pés. Começa como uma vesícula em base eritematosa que evolui para uma
pústula (estéril) e mais tarde para uma escama hiperqueratótica. Do ponto de vista anátomo-
patológico e mesmo macroscópico é bem semelhante à lesão de psoríase pustular. A balanite
circinata é formada por vesículas que se rompem dando origem a úlceras serpiginosas e rasas,
não dolorosas ao redor do meato urinário. Se o homem for circuncidado, a aparência é de placas
com descamação seca semelhantes às do queratoderma. A balanite isolada pode ser
considerada como uma forma frustra de artrite reativa. As alterações ungueais transformam as
unhas em espessadas e com a coloração amarelada ou branca, com descolamento do leito
ungueal (lembra micose). Às vezes pode existir inflamação nas estruturas periungueais. As
úlceras orais tendem a aparecer precocemente e são de natureza transitória. Começam como
vesículas que progridem para úlceras rasas e que podem confluir. São indolores podendo passar
despercebidas ao paciente.
437

A B

C D

E F

G H
FIGURA 35.9: (A) Ceratoderma blenorrágico ( Artrite reativa); (B) Psoriase guttata; (C) e (D)
Alterações ungueais-psoriase; (E)- Psoriase eritrodermica; (F) e (G) Eritema nodoso (Chron);(H)
Pioderma gangrenoso (retocolite ulcerativa);

Na artrite psoriásica aparece, naturalmente, a psoríase de pele, que são lesões em forma
de pápulas e placas eritematosas e com escamas prateadas. As lesões são bem delimitadas e a
remoção das escamas pode levar a um sangramento puntiforme que reflete ruptura do topo do
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vaso sanguíneo da superfície das papilas dérmicas. A psoríase pode envolver qualquer
região do corpo, mas o faz mais comumente em cotovelos, joelhos, região lombo sacra e
genitália. Em couro cabeludo as escamas podem simular caspas. Existem casos descritos de
artrite psoriásica em que a única lesão de pele demonstrável estava em cicatriz umbilical. O grau
de extensão da lesão é variável podendo aparecer de maneira salpicada (psoríase guttata) ou
generalizada, em uma forma eritrodérmica. As lesões tendem a se reproduzir em pontos de
trauma (e isto se chama de reação de Koebner). As unhas estão comumente envolvidas e
mostram alterações tipo acúmulo da material queratótico ou unhas em dedal (com muitas
depressões puntiformes). Só 5% dos pacientes com psoríase de pele têm doença articular,
existindo uma maior incidência naqueles com alterações ungueais (existem alterações ungueais
em 85% dos pacientes com psoríase de pele e artrite, mas só em 30% dos com psoríase de pele
pura).

Referências:
Dubois et al, Lupus Erythematosus, Lea & Febinger 1987, pp.312.
Soter,N. Cutaneous Manifestations of Rheumatic Disease, In KELLEY et al., Textbook of Rheumatology, W.B, Saunders,
Co, 1985, pp.534
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