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Negócios Unilaterais

Introdução

Vigora o princípio de que o negócio unilateral só é reconhecido como fonte de


obrigações nos casos previstos na lei, sendo o contrato, consequentemente, a fonte
normal das obrigações ex negócio.

O art. 457º CC, afirma que “a promessa unilateral de uma prestação só obriga nos
casos previstos na lei”.

Em regra, portanto, fora dos casos em que a obrigação nasce directamente da lei, para
que haja o dever de prestar e o correlativo poder de exigir a prestação é necessário o
acordo (contrato) entre o devedor e o credor. A esta ideia se tem dado o nome de
princípio de contrato, não é razoável (fora dos casos especiais previstos na lei) manter
alguém irrevogavelmente obrigado perante outrem, com base numa simples
declaração unilateral de vontade, visto não haver conveniências práticas do tráfico que
o exijam, nem quaisquer expectativas do beneficiário de graus de tutela,
anteriormente à aceitação quer a lei cumpre salvaguardar.

O negócio jurídico unilateral é na sua estrutura sempre unilateral, isto é, composto por
uma única declaração de vontade ou um conjunto de declarações de vontades, tidas
com o mesmo sentido. Apenas intervêm, um sujeito jurídico, ou podem intervir vários
sujeitos jurídicos cujas declarações são paralelas; são declarações que têm o mesmo
conteúdo e, portanto, há apenas uma parte.

Há dois casos, que não são fontes de obrigações, embora venham previstos nesta
secção: a promessa de cumprimento, e o reconhecimento de dívida (art. 458º CC).

A lei admite que através do acto unilateral se efectue a promessa de uma prestação ou
reconhecimento de uma dívida sem que o devedor indique o fim jurídico que o leva a
obrigar-se, presumindo-se a existência e a validade da relação fundamental. Mas,
trata-se de uma simples presunção cuja prova em contrário, produzirá as
consequências próprias da falta de licitude ou da imortalidade da causa dos negócios

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jurídicos. Trata-se de negócios causais apenas se dando uma inversão no ónus da
prova.

A existência destes negócios serve apenas para dispensar o credor de provar a fonte da
obrigação: presume-se que a fonte existe, até que o devedor prove que não existe.

A promessa de cumprimento e o reconhecimento de dívida têm que constar de


documento escrito, salvo se para a prova da fonte fosse necessário um documento de
força probatória superior.

Mas, existem alguns negócios jurídicos unilaterais que são fontes de obrigações: a
promessa pública, e o concurso público.

A promessa unilateral

Diz-se promessa pública, a declaração feita mediante anúncio divulgado entre os


interessados, na qual o autor se obriga a dar uma recompensa ou gratificação a quem
se encontre em determinada situação ou pratica certo facto (positivo ou negativo) –
art. 459º CC.

O autor do negócio fica obrigado à prestação logo que haja alguém que se encontre na
situação prevista – tenha praticado ou deixar de praticar o facto – mesmo que esse
alguém, credor dele, não saiba que existe a promessa pública.

É uma declaração negocial receptícia, tem como destinatário um sujeito


indeterminado, mas determinável. O art. 460º CC, determina que:

- Se a promessa tiver prazo ela dura enquanto se mantiver o prazo;

- Se não tiver prazo, pode ter um termo imposto pela natureza ou pelos fins da
promessa e também caducará findo esse período.

A promessa pública, como negócio unilateral que é, não se identifica com as ofertas ao
público a que se refere o art. 230º CC. Estas são propostas negociais que, fazendo
parte de um contrato in itinere ou em mera expectativa, só se aperfeiçoam com a
aceitação de outra parte, que completa o ciclo da formação contratual.

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Concurso público

É um negócio unilateral pelo qual alguém promete um prémio a quem realizar certas
provas que se encontram discriminadas no concurso.

O concurso público (art. 463º CC) é um negócio jurídico unilateral feito por anúncio
público; dele deve constar:

- Prazo para apresentação dos concorrentes;

- A prova do concurso;

- O prémio do concurso

Não tem que forçosamente constar do concurso público a designação das pessoas que
vão proceder à selecção dos concorrentes para atribuição do prémio final. Se o
anúncio público não contiver essa indicação, a decisão de concessão do prémio cabe
ao autor do concurso público.

1 - Se alguém por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou


reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de
provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.

2 - A promessa ou reconhecimento deve, porém, constar de documento escrito, se


outras formalidades não forem exigidas para a prova de relação fundamental

A promessa pública sem prazo de validade fixado pelo promitente ou imposto pela
natureza ou fim da promessa mantém-se enquanto não for revogada.

I - Classificação dos Negócios Jurídicos

Breve classificação dos negócios jurídicos

Um dos critérios clássicos é o que atende ao número de pessoas que intervêm nesses
negócios. O negócio diz-se singular, se apenas intervém uma pessoa, se intervierem
mais de que uma pessoa, o negócio diz-se plural.

Na Ordem Jurídica portuguesa, há negócios que são obrigatória e necessariamente


singulares: é o caso do testamento, só uma pessoa pode testar o acto.

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Por outro lado, há negócios que são necessariamente plurais, e nalguns casos, os
negócios além de serem plurais, envolvem contraposição de interesses entre as várias
partes intervenientes. O negócio plural será bilateral ou plurilateral, sendo que o
contrato é a figura paradigmática deste tipo de negócios. Não se deve confundir nunca
parte com pessoas: podem intervir várias pessoas constituindo uma só parte.

O negócio unilateral, pode ser singular ou plural, mas o negócio singular é


necessariamente unilateral.

A doutrina nem sempre está de acordo com isto, sendo que uma das soluções
possíveis envolve o atender-se às declarações emitidas, não apenas ao seu número,
mas à forma como elas se articulam no negócio.

Mais importante ainda é o modo como elas se articulam entre si: casos há em que as
diversas declarações são paralelas e formam um só grupo, havendo igualmente casos
em que o conteúdo de uma declaração é o oposto ao conteúdo da outra, embora
convirjam num certo sentido, tendo em vista um resultado comum unitário.

Se a divergência de vontades interfere com o regime dos efeitos do negócio,


justificando um tratamento distinto entre os seus autores, estamos perante um
negócio bilateral ou plurilateral.

Num contrato de sociedade há posições comuns dos autores do negócio e então este
mantém-se como negócio unilateral. O critério jurídico de distinção entre negócios
unilaterais e bilaterais reside na diferente posição que, perante os interesses que são
regulados pelo negócio, os autores do mesmo ocupam. Se os interesses forem
divergentes, para que haja negócio, as vontades dos diversos intervenientes têm de se
encontrar num ponto comum, sendo este o acordo de vontades ou livre consenso.

Negócios jurídicos unilaterais e contratos ou negócios jurídicos bilaterais

O Código Civil contém uma regulamentação geral do negócio jurídico, abrangendo


assim as duas modalidades. O critério classificativo é o do número e modo de
articulação das declarações integradoras do negócio.

Nos negócios unilaterais, há uma declaração de vontade ou várias declarações, mas


paralelas formando um só grupo.

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Nos contratos ou negócios bilaterais, há duas ou mais declarações de vontade, de
conteúdo oposto, mas convergentes, ajustando-se na sua comum pretensão de reduzir
resultado jurídico unitário, embora com um significado para cada parte.

Acerca dos negócios unilaterais, importa focar as seguintes características:

a) É necessário a anuência do adversário, a eficácia do negócio unilateral não carece de


concordância de outrem;

b) Vigora, quanto aos negócios unilaterais, o princípio da tipicidade ou do “numerus


clausus”;

c) Deve-se fazer a distinção entre negócios unilaterais receptícios (ou recepiendos), a


declaração só é eficaz, se for e quando for dirigida e elevada ao conhecimento de certa
pessoas; e negócios unilaterais não receptícios, basta a emissão da declaração sem ser
necessário comunicá-la a quem quer que seja.

Acerca dos contratos, não são integrados por dois negócios unilaterais, cada uma das
declarações (proposta e aceitação) é emitida em vista do acordo.

A proposta do contrato é irrevogável, depois de chegar ao conhecimento do


destinatário (art. 230º CC), mantendo-se durante os lapsos de tempo referidos no art.
228º CC, sendo o contrato integrado por duas declarações, põe-se o problema de
saber qual o momento da sua perfeição. O problema surge, quanto aos contratos
entre ausentes, e tem interesse para efeitos vários. Várias doutrinas abordam a
questão:

a) Doutrina da aceitação: o contrato está perfeito quando o destinatário da proposta


aceitar a oferta que lhe foi feita;

b) Doutrina da expedição: o contrato está perfeito quando o destinatário expediu, por


qualquer meio a sua aceitação;

c) Doutrina da recepção: o contrato está perfeito quando a resposta contendo a


aceitação chega à esfera de acção do proponente, isto é, quando o proponente passa a
estar em condições de a conhecer;

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d) Doutrina da percepção: o contrato só está perfeito quando o proponente tomou
efectivo da aceitação.

Do art. 224º CC, resulta consagrar o nosso direito a doutrina da recepção, que parece
ser aliás, a preferível “de iure condendo”. Não será todavia necessário que a
declaração chegue ao poder ou à esfera de acção do proponente, se, por qualquer
meio, foi dele conhecida (art. 224º/1).

Consequências da distinção entre negócios bilateral e unilateral

* À própria distinção corresponde a estrutura do negócio, que é diferente consoante


estejamos perante um negócio unilateral ou bilateral.

* Se só há uma parte, o negócio só fica perfeito com a declaração dessa vontade.

* Nos negócios bilaterais a perfeição depende sempre da conjugação de duas vontades


divergentes, não existindo negócios enquanto elas não se ajustarem.

No Código Civil, é igualmente considerado como negócio jurídico bilateral, o acto


constitutivo de uma sociedade. No entanto, há certos contratos que a lei considera
negócios jurídicos, embora sejam de conteúdo determinado, como é o caso do
casamento. Parece então que se pode definir o contrato como negócio jurídico
unilateral ou plurilateral.

Há no entanto uma classificação que é privativa dos contratos, que deve ser referida
pela sua importância:

* Contratos sinalagmáticos ou bilaterais: emergem de obrigações recíprocas para


ambas as partes, sendo deste exemplo o contrato de compra e venda ou contrato de
empreitada;

* Contratos não sinalagmáticos ou unilaterais: as obrigações emergentes vinculam só


uma das partes, sendo deste exemplo o mútuo ou as doações.

Diz-se que o contrato sinalagmático decorre obrigações interdependentes, porque


existem entre as obrigações é causa de outras obrigações. É este vínculo mútuo que se
diz sinalágma, este vínculo existente entre obrigações dos diversos sujeitos, constitui-
se no momento da celebração do negócio, e diz-se sinalágma genérico.

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No entanto, este vínculo pode não ser simultâneo, gerando-se as obrigações em
momentos diferentes para ambas as partes, só com o desenvolvimento da execução
dessas obrigações para uma parte é que surgem as obrigações para actos
administrativos outras partes. Fala-se então em sinalágma sucessivo.

A importância da distinção entre sinalagmáticos e não sinalagmáticos, reside no facto


de os contratos do primeiro tipo terem um regime especial de características próprias:

- Excepção de não cumprimento: segundo esta excepção, a falta de cumprimento de


uma das obrigações, sendo comum o tempo de cumprimento, ou ainda perdendo o
contraente relapso ou benefício do prazo, justifica ainda o não cumprimento pela
parte contrária (art. 428º CC);

- Condição resolutiva tácita: é um instituto que confere a uma das partes a faculdade
de resolver o negócio, com fundamento na falta de cumprimento da outra parte (art.
801º/1 e 808º CC).

Negócios consensuais ou não solenes e negócios formais e solenes

Os negócios formais ou solenes, são aqueles para os quais a lei prescreve a


necessidade da observância de determinada forma, o acatamento de determinado
formalismo ou de determinadas solenidades. Os negócios não solenes (consensuais,
tratando-se de contratos), são os que podem ser celebrados por quaisquer meios
declarativos aptos a exteriorizar a vontade negocial, a lei não impõe uma determinada
roupagem exterior para o negócio.

Quando o negócio é formal, as partes não podem realizar por todo e qualquer
comportamento declarativo; a declaração negocial deve, nos negócios formais, realiza-
se através de certo tipo de comportamento declarativo imposto por lei. Hoje o
formalismo é exigido apenas para certos negócios jurídicos, é uniforme, traduzindo-se
praticamente na exigência de documento escrito, e está assim simplificado,
relativamente aos direitos antigos. O princípio geral do Código Civil em matéria de
formalismo negocial é o princípio da liberdade declarativa ou liberdade de forma ou
consensualidade (art. 219º CC).

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Quando, nos casos excepcionas em que a lei prescrever uma certa forma, esta não for
observada, a declaração negocial é nula.

Negócios reais

São aqueles negócios em que se exige, além das declarações de vontade das partes,
formalizadas ou não, prática anterior ou simultânea de um certo acto material.

Assim, o negócio é real, obrigacional, familiar, sucessório, consoante dele resulte a


constituição, a modificação ou a extinção de uma qualquer relação jurídica real,
obrigacional, familiar ou sucessória. A importância desta classificação resulta da
diversa extensão que o princípio da liberdade contratual (art. 405º CC) reveste em
cada uma das categorias.

Quanto aos negócios familiares pessoais, a liberdade contratual está praticamente


excluída, podendo apenas os interessados celebrar ou deixar de celebrar o negócio,
mas não podendo fixar-lhe livremente o conteúdo, nem podendo celebrar contratos
diferentes dos previstos na lei.

Quanto aos negócios familiares patrimoniais, existe, com alguma largueza, a liberdade
de convenção (art. 1698º CC), sofrendo embora restrições (arts. 1699º 1714º CC).

Quanto aos negócios reais, o princípio da liberdade contratual sofre considerável


limitação derivada do princípio da tipicidade ou do “numerus clausus”, visto que “não
é permitida a constituição, com caracter real, de restrições ao direito de propriedade
ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei” (art. 1306º). Só
podem constituir-se direitos reais típicos, embora essa constituição possa resultar de
um negócio inominado ou atípico.

No domínio dos negócios obrigacionais vigora o princípio da liberdade negocial, quase


inconfinadamente, quanto aos contratos, abrangendo a liberdade de fixação do
conteúdo dos contratos típicos, de celebração de contratos diferentes dos previstos na
lei e de inclusão nestes quaisquer cláusulas (art. 405º CC); quanto aos negócios
unilaterais, vigora porém, a princípio da tipicidade (art. 457º CC).

Negócios patrimoniais e negócios não patrimoniais ou pessoais

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O critério distintivo é, também, o de natureza da relação jurídica a que o negócio se
fere.

Os negócios pessoais são negócios cuja disciplina, quanto a problemas como o da


interpretação do negócio jurídico e o da falta ou dos vícios da vontade, não têm que
atender às expectativas dos declaratários e os interesses gerais da contratação, mas
apenas à vontade real, psicológica do declarante. Esta prevalência da vontade real
sobre a sua manifestação exterior exprime-se, por vezes quanto aos negócios pessoais,
em textos especiais que se afastam da doutrina geral dos negócios jurídicos; na
ausência de textos directos é um princípio, inferido da natureza dos interessados em
jogo, que se impõe ao intérprete. Na disciplina dos negócios patrimoniais, por
exigência da tutela da confiança do declaratário e dos interesses do tráfico, a vontade
manifestada ou declarada triunfa sobre a vontade real, assim se reconhecendo “o
valor social da aparência”.

Negócios recepiendos e não recepiendos

A distinção atende às diferentes modalidades pelas quais o negócio ganha eficácia. Os


negócios não recepiendos, são os negócios em que os efeitos se produzem por meros
efeitos do acto sem ter de o negócio ser levado ao conhecimento de outrem. Os
negócios recepiendos ou dirigidos a outrem, são os negócios cuja eficácia depende da
circunstância de a declaração negocial ser dirigida ou levada ao conhecimento de outra
pessoa (art. 224º/1 CC).

Esta classificação tem por excelência aplicação nos negócios jurídicos unilaterais.
Nestes casos, encontram-se com facilidade exemplos de negócios não recepiendos:

- Repúdio de herança;

- Actos constitutivos de fundação;

- Testamentos;

- Aceitação de herança.

Importa não confundir os negócios unilaterais que são dirigidos a outrem com a
comunicação que tem de ser feita ao destinatário do negócio e com a aceitação por

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parte do mesmo. É que esta comunicação representa a mera condição de eficácia do
negócio.

Negócios entre vivos e negócios “mortis causa”

Os negócios entre vivos, destinam-se a produzir efeitos em vida das partes,


pertencendo a esta categoria quase todos os negócios jurídicos e na sua disciplina tem
grande importância, por força dos interesses gerais do comércio jurídico, a tutela das
expectativas da parte que se encontra em face da declaração negocial.

Os negócios mortis causa, destinam-se a só produzir efeitos depois da morte da


respectiva parte ou de alguma delas. Os negócios desta categoria, são negócios “fora
do comércio jurídico”, no sentido de que, na sua regulamentação, os interesses do
declarante devem prevalecer sobre o interesse na protecção da confiança do
destinatário dos efeitos respectivos. Tal diversidade dos interesses prevalecentes
manifestar-se-á quanto a problemas, como a divergências entre a vontade e a
declaração, os vícios da vontade, a interpretação, etc., negócios “mortis causa” é,
inequivocamente, o testamento.

Negócios onerosos e negócios gratuitos

Esta distinção tem como critério o conteúdo e finalidade do negócio. Os negócios


onerosos ou a título oneroso, pressupõem atribuições patrimoniais de ambas as
partes, existindo, segundo a perspectiva destas, um nexo ou relação de
correspectividade entre as referidas atribuições patrimoniais.

As partes estão de acordo em considerar, as duas atribuições patrimoniais como


correspectivo uma da outra. Neste sentido pode dizer-se que no negócio oneroso as
partes estão de acordo em que a vantagem que cada um visa obter é contrabalançada
por um sacrifício que está numa relação de estrita casualidade com aquela vantagem.
As partes consideram as duas prestações ligadas reciprocamente pelo vínculo da
casualidade jurídica.

Os negócios gratuitos ou a título gratuito, caracterizam-se ao invés, pela intervenção


de uma intenção liberal (“animus domandi, animus beneficiandi”). Uma parte tem a
intenção devidamente manifestada, de efectuar uma atribuição patrimonial a favor de

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outra, sem contrapartida ou correspectivo. A outra parte procede com a consequência
e vontade de receber essa vantagem sem um sacrifício correspondente.

Negócios parciários

São uma subespécie dos negócios onerosos. Caracterizam-se pelo facto de uma pessoa
prometer certa prestação em troca, de uma qualquer participação nos proventos que a
contraparte obtenha por força daquela prestação (ex. art. 1121º CC).

Negócios de mera administração e negócios de disposição

A utilidade da distinção, está relacionada com a restrição por força da lei ou sentença,
dos seus poderes de gestão patrimonial dos administradores de bens alheios, ou de
bens próprios e alheios, ou até nalguns casos (inabilitação), de bens próprios, aos actos
de mera administração ou de ordinário administração.

Os actos de mera administração ou de ordinária administração, são os


correspondentes a uma gestão comedida e limitada, donde estão afastados os actos
arriscados, susceptíveis de proporcionar grandes lucros, mas também de causar
prejuízos elevados. São os actos correspondentes a uma actuação prudente, dirigida a
manter o património e aproveitar as sua virtualidades normais de desenvolvimento,
“mas alheia à tentação dos grandes voos que comportam risco de grandes quedas”.

Ao invés, actos de disposição são os que, dizendo respeito à gestão do património


administrado, afectam a sua substância, alteram a forma ou a composição do capital
administrados, atingem o fundo, a raiz, o casco dos bens. São actos que ultrapassam
aqueles parâmetros de actuação correspondente a uma gestão de prudência e
comedimento sem riscos.

PRINCÍPIOS TRADICIONAIS DOS CONTRATOS

Durante o século XIX, instaurou-se um novo panorama político, econômico e social


com a consolidação dos Estados liberais, fundados na ideologia individualista pregada
na Revolução Francesa e o estabelecimento do capitalismo decorrente da Revolução
Industrial.

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Nesse período, os contratos passaram a ser considerados instrumentos de grande
importância no desenvolvimento da vida econômica da sociedade, já que garantiam a
regulação de interesses individuais com a igualdade das partes contratantes, no
mesmo passo que atendiam à necessidade de ampliação das relações de troca.

Assim, a partir dessa ideologia liberal, formou-se o que hoje se conhece por modelo
clássico de contrato, pautado nas concepções de ampla liberdade para contratar e de
total submissão a seus termos, como se o contrato fizesse lei entre as partes.

Para Humberto Theodoro Júnior, “todo o sistema contratual se inspira no indivíduo e


se limita, subjectiva e objectivamente à esfera pessoal e patrimonial dos
contratantes”.

Assim, considera que os três princípios clássicos da teoria liberal do contrato são:

(i) a liberdade das partes (ou autonomia da vontade),

(ii) a força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda), e

(iii) a relatividade dos efeitos contratuais.

1. PRINCÍPIO DA LIBERDADE DAS PARTES (OU AUTONOMIA DA VONTADE)

O Código Civil francês, que refletiu em seu texto os princípios da Revolução Francesa
(liberdade, fraternidade e igualdade), acabou por trazer à sociedade outros dois
valores importantes, o de propriedade e o de contrato.

À época, o ideal revolucionário burguês de garantir à todos a propriedade era


exteriorizado através do contrato. Assim, toda a base contratual foi concebida tendo
como premissa a plena liberdade de contratar.

O direito de contratar, então, estava sob a égide da autonomia da vontade, sendo as


partes livres para contratar, vedada qualquer interferência estatal sobre o direito
individual das partes contratantes.

Assim, o princípio da liberdade das partes, ou autonomia da vontade, consiste na


máxima da liberdade contratual entre os contratantes, ou seja, o poder que os
contratantes têm de estipular livremente, mediante o acordo de vontades, a
regulamentação de seus interesses.

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Segundo Maria Helena Diniz, o poder de autorregulamentação dos interesses das
partes contratantes, condensado no princípio da autonomia da vontade, envolve
liberdade contratual (Gestaltungfreiheit), que é a de determinação do conteúdo da
avença e a de criação de contratos atípicos, e liberdade de contratar
(Abschlussfreiheit), alusiva à de celebrar ou não o contrato e à de escolher o outro
contratante.

Para Orlando Gomes, o princípio da liberdade de contratar consiste no poder que os


indivíduos têm de declarar sua vontade e suscitar efeitos reconhecidos e tutelados
pela ordem jurídica, sendo as partes capazes de provocar o nascimento de um direito
ou de uma obrigação.

Dessa forma, a liberdade de contratar é o reconhecimento da eficácia jurídica da


vontade dos contratantes, que podem dispor sobre os seus interesses mediante
acordos firmados livremente, desde que observada a ordem jurídica.

Entretanto, apesar de amplo, o reconhecimento da validade e da eficácia do acordo de


vontades pela ordem jurídica não é ilimitado. A liberdade contratual encontra alguns
limites que devem ser respeitados para que o contrato seja considerado válido.

Entre eles está a preservação da ordem pública, uma vez que não se pode admitir que
um contrato cujo objecto seja ilícito seja executado. Os contratos, dessa forma, devem
ser exercidos nos limites da lei e da ordem pública.

Ainda, o contrato deve ser resultado da livre e consciente manifestação de vontade


das partes contratantes, não sendo admitidos aqueles provenientes de erro, dolo,
coação ou outros vícios, podendo ser anulados.

Por fim, o princípio da liberdade das partes encontra limites voltados à defesa da parte
economicamente mais fraca do contrato, objectivando igualar os contratantes no que
diz respeito ao acesso às informações necessárias para a realização do negócio
jurídico.

2. PRINCÍPIO DA FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS (PACTA SUNT SERVANDA)

Decorrência imediata do princípio da liberdade contratual, ou autonomia da vontade,


o princípio da força obrigatória dos contratos traz ao contrato a vinculação das partes,

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ou seja, as partes estão obrigadas ao cumprimento do contrato (pacta sunt servanda -
os pactos devem ser cumpridos).

O contrato, uma vez concluído livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico,


constituindo uma verdadeira norma de direito, autorizando, portanto, o contratante a
pedir a intervenção estatal para assegurar a execução da obrigação porventura não
cumprida segundo a vontade que a constituiu.

Assim, à ideia de autorregulamentação dos interesses das partes contratantes,


baseada no princípio da liberdade contratual, ou autonomia da vontade, sucede a ideia
da necessidade da observância naquilo que foi estipulado contratualmente.

Em outras palavras, o contrato, desde que observados os requisitos legais, torna-se


obrigatório para os contratantes, constituindo lei entre as partes, não se podendo
desvincular se não por outro contrato que rescinda ou altere o anterior.

Dessa forma, a não observância do estabelecido no contrato está sujeita às sanções


cabíveis, no que toca à responsabilidade contratual, já que o contrato vincula e obriga
os contratantes.

Como o contrato obriga as partes, não é admissível que uma delas, unilateralmente,
possa recusar-se a cumprir sua obrigação. Da mesma forma, para por fim às obrigações
que derivam do contrato é necessária a vontade concordante das partes ou a
ocorrência de alguma causa extintiva prevista em lei. De fato, o contrato só se
extingue por mútuo acordo; a resolução unilateral somente é admitida nos casos em
que a lei expressa ou implicitamente o permita e deve se operar mediante denúncia
notificada à outra parte.

No modelo liberal, no século XIX, a obrigatoriedade dos contratos era extremada.


Assim, a realidade após a metade do século XIX mostrava que o princípio da
obrigatoriedade, por estar assentado na liberdade contratual, não mais poderia ser
absoluto, uma vez que não havia idêntica liberdade entre as partes, devido aos
diferentes poderes econômicos que se formavam à época.

Assim, na intenção de fazer valer a igualdade entre as partes, o Estado atenuou o


radicalismo do princípio da obrigatoriedade, admitindo a intervenção estatal, através

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de meios judiciais, no conteúdo do contrato, com o objectivo de adequá-lo à situação
concreta formada após a celebração do contrato.

Uma reestruturação do princípio da obrigatoriedade, tornando-o mais flexível, com a


admissão da interferência do Estado para corrigir os rigores do contrato ante o
desequilíbrio de prestações, fosse pela alteração radical das condições de seu
cumprimento, fosse pela manifestação de vontade não completamente liberta.

3. PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS EFEITOS CONTRATUAIS

O contrato, em regra, por força da obrigatoriedade dos contratos, vincula


exclusivamente as partes contratantes, não aproveitando nem prejudicando terceiros
à relação jurídica. Assim, os direitos e obrigações assumidos em um contrato se
limitam apenas aos contratantes.

Dessa forma, o princípio da relatividade dos efeitos contratuais dispõe que as


estipulações do contrato só têm efeitos entre as partes contratantes, não atingindo
terceiros estranhos ao negócio jurídico.

Dentro dessa perspectiva, terceiro é aquele que não é parte contratante, sendo
totalmente estranho ao contrato ou à relação sobre a qual ele estende seus efeitos.

O acto negocial deriva de acordo de vontades das partes, sendo lógico que apenas as
vincule, não tendo eficácia em relação a terceiros. Assim, ninguém se submeterá a
uma relação contratual, a não ser que a lei o imponha ou a própria pessoa queira.

Assim, o princípio da relatividade dos efeitos contratuais tem algumas exceções, como,
por exemplo, nos casos:

(i) dos herdeiros universais de um contratante que, embora não tenha participado da
celebração do contrato, sofrem seus efeitos (princípio geral do direito ubi commoda ibi
incommoda); porém, a obrigação assumida pelo de cujus não lhes será transmitida
além da herança; e (ii) da estipulação em favor de terceiros, do contrato por terceiro e
do contrato com pessoa a declarar, que podem estender seus efeitos a outras pessoas
alheias à celebração do contrato, constituindo a elas direitos ou deveres (como é o
caso do seguro de vida).

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A concepção de que as estipulações do contrato só têm efeito entre os contratantes é
coerente com o modelo clássico de contrato, uma vez que gera a satisfação de
necessidades exclusivamente individuais das partes.

Entretanto, com a nova perspectiva do direito civil, essa concepção passa a ser
inspirada não mais no individualismo da ideologia liberal, mas no princípio da
socialidade, com objectivo de enfraquecer a ideia do contrato apenas como
instrumento da satisfação dos interesses egoísticos das partes, reconhecendo o valor
social dos contratos.

Dada a função social do contrato, que não se voltará, exclusivamente, à satisfação de


interesses individuais, passa a ser possível se sustentar que terceiros, que não são
propriamente partes do contrato, possam nele influir, em razão de serem directa ou
indirectamente por ele atingidos. A função social, assim, impõe a revisão do princípio
da relatividade dos efeitos do contrato.

Assim, coloca-se como limite da liberdade contratual a função social dos contratos, um
dos princípios modernos, admitindo, portanto, a possibilidade dos efeitos dos
contratos recair também sobre terceiros alheios à relação contratual.

3. PRINCÍPIOS MODERNOS

Se por um lado os princípios tradicionais foram concebidos para garantir ampla e total
liberdade entre os contratantes para disporem de seus interesses individuais como
desejassem, por outro lado, o exercício dessa liberdade, quando em casos extremos,
mostrou que esse modelo, em vez de libertar, poderia acabar escravizando a parte
social ou economicamente mais fraca.

Isso porque, diante do poderio econômico das grandes indústrias que se formavam e
impunham unilateralmente suas condições, enfraquecia-se a isonomia das partes e as
concepções liberais existentes à época.

Dessa forma, o Estado passou a adoptar uma postura mais intervencionista,


participando mais activamente das relações privadas, especificamente em três
aspectos do regime contratual:

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(i) criando, por lei, uma superioridade jurídica que pudesse compensar a inferioridade
econômica ou social da parte mais fraca,

(ii) apoiando grupos de representação, como os sindicatos, e

(iii) adoptando o dirigismo contratual, que consistia numa proibição ou imposição de


alguns conteúdos a determinados contratos, ou condicionando sua validade à
autorização do Poder Público.

Tal intervenção estatal tornou-se necessária como instrumento de equilíbrio social, de


modo a coibir os abusos da parte economicamente mais forte e a sobrepor o interesse
colectivo ao privado.

Assim, a nova postura institucional reflectiu directamente sobre a teoria do contrato.


Apesar de não se abandonar os princípios clássicos decorrentes das ideias liberais,
surgiram daí novos princípios contratuais, que vieram para diminuir a rigidez dos
antigos princípios, enriquecendo o direito contratual com fundamentos éticos e
funcionais.

Soma-se, portanto, aos princípios clássicos, os três princípios modernos:

(i) a boa-fé objectiva,

(ii) o equilíbrio econômico, e

(iii) a função social do contrato.

3.1. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA

O princípio da boa-fé objectiva está ligado não só à interpretação dos contratos (uma
vez que não pode prevalecer o sentido literal da linguagem sobre a intenção da
declaração de vontade dos contratantes), mas também ao interesse social de
segurança das relações jurídicas.

Para que haja segurança jurídica nos contratos, faz-se imprescindível que as partes
celebrem o negócio com lealdade, honestidade, probidade, honradez, confiança
recíproca, ou seja, procedam com boa-fé.

18
A boa-fé dos contratantes deve existir em todas as fases do contrato (pré-negocial, na
formação, na execução e na extinção), devendo as partes esclarecerem os factos e o
conteúdo das cláusulas, objectivando o equilíbrio das prestações, o respeito mútuo e a
cooperação entre os contratantes.

Por sua generalidade e amplitude, a boa-fé é difícil de ser conceituada.

É difícil definir, num só conceito, o que vem a ser o princípio da boa-fé, não só porque
apresenta múltiplos sentidos, ora se relacionando à ideia de justiça que deve imperar
sobre todo o ordenamento jurídico ou sobre determinados ramos, auxiliando a
interpretação ou a integração de suas normas, ora como regra de conduta (boa-fé
objectiva) ou estado de espírito do sujeito (boa-fé subjectiva), mas principalmente
porque em cada um desses sentidos a sua noção deve ser construída a partir de
critérios próprios, que não permitem a sua unificação num único conceito.

Dessa forma, decidiu-se adjectivar o conceito, distinguindo boa-fé subjectiva e


objectiva. A boa-fé subjectiva corresponde à virtude de dizer o que acredita e acreditar
no que diz, ou seja, é o estado interno do sujeito; já a boa-fé objectiva é representada
pela conduta do contratante que demonstre seu respeito à outra parte.

A boa-fé que deve integrar as relações contratuais é a boa-fé objectiva, pois trata-se
de uma norma que requer o comportamento leal e honesto dos contratantes, sendo
incompatível com quaisquer condutas abusivas, tendo por escopo gerar na relação
obrigacional a confiança necessária e o equilíbrio das prestações e da distribuição dos
riscos e encargos, ante a proibição do enriquecimento sem causa.

Assim, se os contratantes não agirem com a boa-fé objectiva em qualquer das fases do
contrato, estarão descumprindo uma obrigação imposta por lei, incorrendo em acto
ilícito, tendo como consequências as mesmas de qualquer ilicitude.

3.2. PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO

À época da ideologia liberal, no século XIX, os contratantes tinham a máxima liberdade


para contratar, tendo o contrato força obrigatória e vinculante para as partes. Nesse
cenário, o Estado não interferia, de modo algum, nas relações contratuais.

19
Com o crescimento da indústria e de seu poderio econômico, passou-se a observar que
o contratante mais forte (aquele detentor de poder econômico ou de mercado, do
monopólio das informações sobre o objecto do contrato) acabava por aproveitar de
sua condição para extrair o máximo de vantagem do contrato, em detrimento da parte
mais fraca.

Assim, desde que respeitasse a lei, os contratantes tinham o direito de buscar a


máxima realização de seu interesse, individualmente, mesmo que aquela relação
contratual trouxesse sérios prejuízos para a parte economicamente menos favorecida.

Entretanto, após a mudança dos tempos e do direito civil de modo geral, a autonomia
privada passou a depender da existência de um equilíbrio entre os contratantes.

O valor de justiça hoje prestigiado pelo direito contratual trouxe ao contrato o


princípio do equilíbrio econômico, que consiste na isonomia entre os contratantes no
que toca às condições para defender seus interesses.

O princípio da autonomia da vontade à existência de equilíbrio entre os contratantes:

A ordem jurídica somente deve reconhecer validade e eficácia à composição dos


interesses pelos próprios titulares, mediante acordo de vontades, se eles possuírem
iguais meios para defendê-los na mesa de negociação. Caso contrário, o mais forte
acabará fazendo prevalecer seus interesses, e não se realizará a articulação de
interesses amparada na autonomia privada.

Dessa forma, para que se alcance o equilíbrio entre as partes, é necessário comparar
os contratantes. Se os contratantes forem economicamente iguais, o equilíbrio se dará
pela isonomia (nesse cenário, nenhum deles poderá titularizar direito contratual que
não seja reconhecido pela ordem jurídica também para o outro). Já entre os
contratantes desiguais, o equilíbrio não se estabelecerá pela isonomia, mas sim
através da lei, que deverá atribuir à parte mais fraca da relação contratual direitos e
prerrogativas negados à outra, com o objectivo de equalizar as condições com que
negociam.

20
Assim, o equilíbrio econômico entre as partes é a ruptura com o modelo
extremamente individualista do século XIX. Cabe aos intérpretes, então, actuarem no
sentido da máxima observância da equidade nos contratos.

Se, num dado momento da história do direito contratual, a justiça foi sinônimo de
liberdade e autonomia, hoje, ela se baseia e se projecta no equilíbrio, de modo a
convocar o intérprete ao incessante compromisso de vigília das relações contratuais.

Dessa forma, para que não haja o esmagamento das partes economicamente mais
fracas, imprescindível que o direito contratual estabeleça o equilíbrio entre as partes,
com o objectivo de atingir o máximo de igualdade de condições para a celebração do
negócio jurídico.

3.3. PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS

A função social do contrato consiste em abordar a liberdade contratual em seus


reflexos sobre a sociedade (terceiros) e não apenas no campo das relações entre as
partes que o estipulam (contratantes)”.

Assim, se distancia daquela noção do individualismo da ideologia liberal do século XIX.


Agora não mais se aborda o contrato como um acordo de vontades que somente
interessa aos contratantes, mas também aos terceiros, à sociedade.

Para tanto, os contratantes, embora sejam livres para ajustar os termos do contrato,
deverão agir sempre dentro dos limites que se fazem necessários para evitar que o seu
negócio prejudique injustamente terceiros alheios ao contrato.

No que tange às funções dos contratos, se classifica em três principais, quais sejam:

(i) a função econômica, uma vez que representa um instrumento de circulação de


riquezas e difusão de bens;

(ii) a função regulatória, pois reúne direitos e obrigações assumidos pelas partes
voluntariamente; e

(iii) a função social, já que o exercício do contrato dirige-se para a satisfação dos
interesses sociais.

21
No modelo clássico de contrato só se admitiam as funções econômica e regulatória,
sendo estranho à época pensar nos reflexos sociais que o negócio contratual pudesse
causar, justamente pelo modelo liberal não aceitar que se operassem os efeitos além
das partes contratantes (princípio da relatividade dos efeitos contratuais).

Já na concepção moderna, a função social mostra-se um elemento indispensável para


a garantia do justo equilíbrio social, que se torna um limite para a liberdade de
contratar (autonomia da vontade).

Dessa forma, assim como ocorre com o princípio da boa-fé objectiva, o ordenamento
jurídico moçambicano impõe aos contratantes a obrigação de agir de acordo com o
princípio da função social dos contratos.

Como qualquer obrigação definida por lei, quando não cumprida, as partes
contratantes incorrerão em acto ilícito, que terá como consequências as mesmas de
qualquer ilicitude.

Os contratos que não regulam interesses sem utilidade social, fúteis ou improdutivos,
não merecem protecção jurídica; merecem-na apenas os que têm função econômica-
social reconhecidamente útil.

A consequência para a inobservância do princípio da função social dos contratos é a


nulidade do negócio jurídico, responsabilizando os contratantes pela indenização dos
prejuízos provocados.

O princípio da função social dos contratos, então, é de suma importância para que os
interesses individuais não ultrapassem os interesses colectivos e sociais, levando para
as relações contratuais mais justiça e igualdade.

CONCLUSÃO

Procurou-se demonstrar, ao longo do trabalho, a variedade de princípios a que o


direito contratual está intimamente ligado e sua importância para as relações
contratuais.

22
No modelo tradicional de contrato, à época da ideologia liberal no século XIX, os
princípios contratuais visavam a individualidade e a autonomia das partes
contratantes, sem qualquer interferência do Estado.

Assim, hoje, sem prejuízo dos princípios clássicos (liberdade das partes ou autonomia
da vontade, força obrigatória dos contratos e relatividade dos efeitos contratuais), as
relações contratuais devem ser regidas pelos princípios da boa-fé objectiva, do
equilíbrio econômico entre os contratantes e da função social do contrato.

Os princípios contratuais, portanto, ao regularem as relações contratuais, embora


confiram a liberdade de contratar, a obrigatoriedade no cumprimento das obrigações
e a relatividade de seus efeitos, limitam os interesses individuais dos contratantes às
noções de boa-fé, de equilíbrio contratual e de função social, imprescindíveis para a
justiça e igualdade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interpretação dos contratos no


novo Código Civil. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, 3: contratos. 5. Ed. São Paulo: Saraiva,
2012.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 3: teoria das obrigações
contratuais e extracontratuais. 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore. Teoria geral dos contratos. São Paulo: Atlas,
2011.

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Teoria geral dos contratos no novo código civil. São Paulo:
Editora Método, 2002.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro:


Forense, 2004.

23
[1] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, 3: contratos. 5. Ed. São Paulo: Saraiva,
2012. P. 37

[2] BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interpretação dos contratos


no novo Código Civil. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P. 45-47

[3] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, 3: contratos. 5. Ed. São Paulo: Saraiva,
2012. P. 34-37

[4] Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito,
possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.

[5] LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore. Teoria geral dos contratos. São Paulo:
Atlas, 2011. P. 75

[6] THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. P. 4

[7] GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2008. P. 6

[8] BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interpretação dos contratos


no novo Código Civil. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P. 45-46

[9] THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. P. 1

[10] LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore. Teoria geral dos contratos. São Paulo:
Atlas, 2011. P. 78

[11] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 3: teoria das
obrigações contratuais e extracontratuais. 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2016. P. 41

[12] GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2008. P. 28

[13] Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio
jurídico:

I - por incapacidade relativa do agente;

II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra
credores.

24
[14] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 3: teoria das
obrigações contratuais e extracontratuais. 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2016. P. 48

[15] LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore. Teoria geral dos contratos. São Paulo:
Atlas, 2011. P. 87

[16] LOUREIRO, Luiz Guilherme. Teoria geral dos contratos no novo código civil. São
Paulo: Editora Método, 2002. P. 45

[17] BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interpretação dos contratos


no novo Código Civil. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P. 52

[18] LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore. Teoria geral dos contratos. São Paulo:
Atlas, 2011. P. 93

[19] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 3: teoria das
obrigações contratuais e extracontratuais. 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2016. P. 50

[20] BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interpretação dos contratos


no novo Código Civil. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P. 56

[21] LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore. Teoria geral dos contratos. São Paulo:
Atlas, 2011. P. 94

[22] BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interpretação dos contratos


no novo Código Civil. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P. 46-47

[23] THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. P. 3

[24] Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes.

[25] Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os
usos do lugar de sua celebração.

[26] Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do


contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

25
[27] BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interpretação dos contratos
no novo Código Civil. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P. 77

[28] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, 3: contratos. 5. Ed. São Paulo: Saraiva,
2012. P. 47

[29] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 3: teoria das
obrigações contratuais e extracontratuais. 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2016. P. 53

[30] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, 3: contratos. 5. Ed. São Paulo: Saraiva,
2012. P. 42

[31] LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore. Teoria geral dos contratos. São Paulo:
Atlas, 2011. P. 115

[32] THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. P. 31

[33] BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interpretação dos contratos


no novo Código Civil. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P. 63

[34] Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função
social do contrato.

[35] GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2008. P. 24

[36] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, 3: contratos. 5. Ed. São Paulo: Saraiva,
2012. P. 51

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