Você está na página 1de 20

PROCESSOS

PSICOLÓGICOS
BÁSICOS
Psicofísica da
sensação e percepção
Bruno Stramandinoli Moreno

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Interpretar psicofísica, detecção e limiar absoluto.


> Descrever a teoria de detecção do sinal.
> Caracterizar percepção subliminar, limiar diferencial e as principais leis da
psicofísica para sensação e percepção.

Introdução
Segundo o filósofo francês Merleau-Ponty (1968), é a experiência perceptiva que
introduz os seres humanos no ambiente onde vivem. Nesse sentido, parece apro-
priado pensar na percepção como um feixe de luz que ilumina e traz à existência
aquilo que pela escuridão se mantinha anônimo. Um elemento importante que
envolve o processo psicológico básico da percepção, e que precisa ser considerado
para sua compreensão, refere-se à dimensão psicofísica em sua constituição.
Nesse contexto, se de um lado há elementos mais qualitativos, contextuais,
políticos e sociais que intervêm no ato humano, de outro há um componente
quantitativo e biofisiológico que, a partir da energia física gerada no ambiente,
interfere na intensidade do que é percebido. Ou seja, no processo sensório-
-perceptivo há a emissão de mensagens eletroquímicas que afetam, via sistema
nervoso, as experiências humanas. Tais experiências têm influência direta em
processos como a sensação e a percepção.
Neste capítulo, você vai estudar os processos da percepção e da sensação sob
o prisma da psicofísica, um ramo da psicologia que envida esforços para entender
a relação que se estabelece entre estímulos físicos (do ambiente) e seu efeito
sobre as sensações e percepções humanas.
2 Psicofísica da sensação e percepção

Psicofísica: a detecção do limiar absoluto


O estudo de processos psicológicos básicos como a sensação e a percepção lida
com a relação estímulo–experiência–resposta. Nesse âmbito, a psicofísica se
concentra especificamente na primeira parte da relação, estímulo–experiência.
Para autores como Schiffman (2005), há um espectro de intensidade sob a qual
a experiência humana é interferida pela estimulação proveniente do ambiente.
Há, dessa forma, uma certa intensidade de estímulos (mínima e máxima) que
mobiliza sensorial e perceptivamente o organismo humano. Trata-se de uma
faixa de detecção por parte do organismo que possibilita que os seres humanos
sejam capazes de captar e identificar um estímulo disponível no ambiente, e,
por conseguinte, os mobiliza a agir (ou a ignorar o estímulo percebido).
Para a psicofísica, um estímulo se torna potencialmente mobilizador
do comportamento humano quando encontra-se dentro de um espectro
sensorial. Esse fenômeno Schiffman (2005) denominou limiar de detecção.
Isso significa que há um limite de estímulos possíveis a serem detectados
pelo aparelho sensorial humano.

O Quadro 1, a seguir, apresenta exemplos específicos desses limiares.


Na verdade, essas cifras podem variar significativamente, mas ajudam
a ilustrar como esse processo de detecção funciona.

Quadro 1. Exemplos de limiares de detecção para diferentes sentidos


humanos

Sentido Limiar de detecção

Visão A chama de uma vela vista a 45 km de distância numa noite


escura e sem névoa.

Audição O tique-taque de um relógio a 6 m de distância num


ambiente silencioso.

Paladar Uma colher de chá de açúcar diluída em 10 litros de água.

Olfato Uma gota de perfume espalhada por todo o volume de um


apartamento de três cômodos.

Tato A asa de uma abelha caindo de uma altura de 1 cm sobre as


costas de uma pessoa

Fonte: Adaptada de Schiffman (2005).


Psicofísica da sensação e percepção 3

Outro ponto a ser destacado é que, no que se refere a um ponto mínimo


e um máximo de detecção (que limita esse espectro sensório-perceptivo),
um estímulo deve ter tanto duração quanto intensidade suficientes para
ativar o aparelho sensorial a ponto de ser detectado, e assim gerar atividade
sensorial (sentido) a ponto de ser percebido (significado).
Assim, para entrar no “radar” sensorial humano, é preciso haver uma
intensidade mínima, denominada limiar absoluto, uma quantidade de in-
tensidade + duração inferior mínima que mobiliza o aparelho sensorial e
mobiliza a ação humana. Qualquer estimulação que esteja abaixo desse limiar
absoluto (em termos de intensidade e de tempo de exposição) é considerada,
em sua magnitude, subliminar. Quando encontra-se acima do limiar absoluto,
denomina-se supraliminar. Obviamente, cada aparelho sensorial humano
(leia-se cada indivíduo) tem escores liminares específicos e próprios.
Não há magnitude fixa ou absoluta dos estímulos detectáveis, e sim
níveis de energia detectados. Lembremos que o estímulo físico é uma onda
de energia propagada no ambiente e que encontra o aparelho sensorial,
estimulando-o. Assim, há níveis detectados e não detectados. Em média,
segundo Schiffman (2005), apenas 50% dos estímulos emitidos no ambiente
são detectados (Figura 1).

Figura 1. Curva hipotética versus curva típica relacionando o percentual de detecção à inten-
sidade do estímulo. O gráfico da esquerda representa uma curva hipotética que considera
100% detectáveis os estímulos possíveis do ambiente. Por sua vez, o gráfico da direita ilustra
um experimento típico de limiar absoluto em que são considerados detectáveis apenas 50%
dos estímulos possíveis no ambiente.
Fonte: Schiffman (2005, p. 18).
4 Psicofísica da sensação e percepção

Métodos psicofísicos
Como qualquer ramo científico, a premissa básica para a produção de
conhecimentos, compreensões e conceituações é a adoção de um método
validador, ou seja, um modo de realizar experimentações precisas que
reproduzam os fenômenos-alvo a ponto de descrever fidedignamente
como e por que ocorrem. Na psicof ísica, alguns modelos experimentais
têm essa pretensão e buscam, sob determinado limite, reproduzir e
descrever os processos da sensação e da percepção, ao definirem o limiar
absoluto.
A seguir são listados e definidos cada um dos principais métodos apli-
cados em experimentos psicofísicos. Nos três métodos a serem descritos,
há uma variação no controle de duas variáveis: intensidade e duração
da exposição do estímulo. Nesse sentido, ainda vale entender que outro
elemento precisa ser considerado: o sujeito (ser humano) do experimento,
ora no controle, ora à mercê do experimentador.

Método dos limites ou variação mínima


Segundo Schiffman (2005), o método dos limites, também conhecido como
método da variação mínima, é considerado o mais simplificado dos mé-
todos clássicos de obtenção do limiar absoluto. Sob este método, um
experimento funciona assim: primeiramente, apresenta-se um estímulo
suficientemente intenso para ser percebido por um observador. Em se-
guida, sua intensidade vai sendo gradativamente reduzida, até o momento
em que o observador acuse não mais detectar o estímulo. Registra-se,
assim, o nível de intensidade em que isso ocorreu. Em seguida, faz-se o
caminho inverso, partindo do zero e gradualmente elevando o nível de
intensidade do mesmo estímulo, até o ponto que passa a ser detectado
pelo observador outra vez. A Figura 2 ilustra a mensuração de um ensaio
realizado sob o método dos limites, em que Y representa yes (sim) e N
representa no (não).
Psicofísica da sensação e percepção 5

Figura 2. Medida de limiar absoluto pelo método dos limites. Para cada série de es-
timulação (A) ascendente e (D) descendente, modifica-se a intensidade do estímulo
até se obter uma reversão. As últimas reversões são usadas para o cálculo do limiar.
Fonte: Costa (2017, p. 24).

Esse procedimento é repetido várias e várias vezes, ascendendo e des-


cendendo os níveis de estímulos. Concomitantemente, os resultados vão
sendo computados, a fim de encontrar uma média numérica com base “nos
níveis de energia em que o estímulo cruza o limite entre sua não detecção
e o estágio inicial de sua percepção” (SCHIFFMAN, 2005, p. 18). Uma medida
estatística que utiliza as respostas apresentadas pelo observador.

Método dos estímulos constantes


Já o método dos estímulos constantes é mais amplo e complexo, uma vez
que requer uma série de ensaios de escolha forçada para determinar o limiar
absoluto. Ao fornecer um número fixo de estímulos de diferentes intensidades,
cria-se um espectro relativamente largo, apresentando-os um a um repetidas
vezes, mas aleatoriamente. A cada apresentação, o observador deve dar
uma resposta ao estímulo: “Sim” (detecção) ou “Não” (ausência de detec-
ção). O que determina o limiar absoluto é a média de intensidade detectada
pelo observador. Como lembram Schiffman (2005) e Costa (2017), em cerca
de metade dos experimentos realizados utiliza-se o limiar absoluto como
6 Psicofísica da sensação e percepção

medida. Justamente por ser mais complexo e detalhado, o limiar absoluto


tende a ser mais preciso, ou pelos com menor variação de valores obtidos. O
gráfico exibido na Figura 3 representa um resultado obtido com a aplicação
do método dos estímulos constantes. Entretanto, como destaca Costa (2017),
mesmo apresentando menos desvantagens em relação a outros métodos,
ainda depende em algum grau das escolhas adotadas pelo observador.

Figura 3. Dados de limiar absoluto elaborados a partir de um experimento sob o método


dos estímulos constantes.
Fonte: Costa (2017, p. 26).

Método do ajuste ou erro médio


No modelo experimental proposto pelo método do ajuste, também conhecido
como erro médio, o estímulo tem sua intensidade controlada pelo observador
(sujeito da experiência), o qual ajusta a intensidade do estímulo a um nível
que minimamente julgue detectável para si próprio. A partir dessa regulagem,
tal nível de intensidade é definido como o limiar. Contudo, mesmo sendo um
método prático, envolve um certo grau de imprecisão, uma vez que depende
da subjetiva definição do observador. Por ser considerado menos preciso,
tem como significativa desvantagem o fornecimento de valores limiares
diversos. Em grande parte, isso é resultado das diferenças existentes entre
os diferentes seres humanos que atuam como observadores.
Psicofísica da sensação e percepção 7

Basicamente, como descreve Costa (2017), ao se ofertar várias repetições


de séries (sejam elas ascendentes e descendentes), obtém-se um valor médio.
Cada série representa o ponto de igualdade subjetiva (PIS). É nesse ponto
que o estímulo mediano torna-se estímulo-padrão (EP). O erro médio (EM) é
calculado, assim, pela diferença entre o PIS e o EP, ou seja, EM = PIS – EP. Nesse
sentido, como aponta Costa (2017, p. 23): “Quanto menor for o erro-padrão,
maior é a sensibilidade do observador na equiparação dos estímulos”.

Teoria de detecção do sinal


Nesta seção, outro conceito é apresentado, a fim de exemplificar o modo
como a psicofísica afetou as construções teóricas nas ciências psicológicas.
Aqui são introduzidas compreensões sobre a teoria de detecção do sinal
(TDS). Sua relevância apresenta-se justamente no que concerne a descrição
de processos ulteriores à emissão do comportamento, ou seja, antes que
um organismo atue no meio, ou responda a algum estímulo a ele ofertado, é
preciso compreender como ele capta e identifica tal estímulo.
Um estímulo detectável, como aponta Schiffman (2005), não necessaria-
mente é um estímulo detectado. Isso significa que certos estímulos se encon-
tram numa “zona cinzenta”, uma faixa de incerteza em termos de capacidade
de detecção. Assim, em determinada faixa de intensidade, certos estímulos
podem variar em termos de resposta de detecção, ou seja, o valor do limiar
pode variar com o tempo. Esse fenômeno confronta a premissa tradicional de
“tudo ou nada” no que se refere ao limiar sensorial. Desse modo, não há um
valor de intensidade de estímulo que seja preciso para distinguir facilmente
estímulos detectáveis de não detectáveis.
Segundo Costa (2017), é com esse processo de discriminabilidade senso-
rial que a TDS busca lidar. Assim, em vez de trabalhar com limiares, a TDS se
alicerça em dois princípios fundamentais: ruído–sinal e a maximização da
resposta do sujeito.

Sinal versus ruído


Nesse âmbito, a premissa básica é que qualquer sinal se encontra-se cir-
cunscrito por um ruído ao fundo. A princípio, todo estímulo, ao ser emitido,
é maculado, ou melhor, contaminado por outros elementos que interferem
em sua clareza e em sua intensidade. Sob essa perspectiva, todo estímulo
(sinal) é detectado juntamente com certo nível de interferência (ruído). Dessa
8 Psicofísica da sensação e percepção

forma, sempre que buscar uma detecção, o observador terá diante de si a


necessidade de considerar algum nível de interferência (estímulo-ruído)
que atenuará o nível de intensidade do estímulo-sinal. O gráfico exibido
na Figura 4 descreve a distribuição do comportamento de resposta num
experimento de detecção do estímulo-sinal.

Figura 4. Detecção de sinal — experimento de distribuição do comportamento de resposta


para detecção de sinal, em que são apresentados dois tipos de estímulo: apenas estímulo-
-ruído e o estímulo-sinal acrescido de estímulo-ruído.
Fonte: Costa (2017, p. 35).

Maximização da resposta do sujeito


O princípio da maximização da resposta do sujeito opera sob a premissa de
que o observador tende a ponderar benefícios e perdas na hora de responder
a um dado estímulo. Em ambos os casos, benefícios e perdas produzem na
mesma proporção respostas tanto corretas quanto equivocadas. Imagine a
seguinte situação esdrúxula: você está passando roupa e ouve um barulho
qualquer. Tem a impressão de ter tocado o telefone, mas ele pode ter tocado
ou não. Por um lado, isso pode lhe suscitar uma sensação de perda, pois
talvez atrapalhe seus planos de finalizar aquela montanha de roupas ainda
por passar. Em outra medida, pode ser benéfico, caso se trate de uma ligação
que você já estava esperando há algum tempo.
Para ilustrar melhor, vejamos um esquema que descreve um experimento
de detecção de sinal. Os resultados apresentados referem-se à relação entre
Psicofísica da sensação e percepção 9

estímulo-resposta de um observador que deve escolher entre duas opções


de resposta: “sim” ou “não”. Numa das opções de estímulo ofertadas ao
observador, apresenta-se um sinal mais um ruído, o que produz duas alter-
nativas de resposta:

„ “Sim, o sinal está presente” — há aqui uma probabilidade maior de


que a resposta seja positiva quando o sinal está presente (acerto).
„ “Não, o sinal está ausente” — aqui a probabilidade de resposta aparece
de modo negativo quando o sinal está presente (omissão).

Numa alternativa de estímulo ofertada, há apenas o ruído. Uma das opções


de resposta gerada é que há um alarme falso (em que a probabilidade de uma
resposta positiva aparece quando o sinal está presente). Enquanto isso, em
outra resposta gerada há uma rejeição correta (uma vez que a probabilidade
de uma resposta negativa se evidencia quando não há nenhum sinal presente).
O que esse experimento exemplifica, como descreve Schiffman (2005), é que a
distribuição de respostas “sim” e “não” reflete o nível de atividade sensorial.
Quando estiver abaixo do critério do observador, ele responderá “não”, mas
se esse nível estiver acima do critério, ele dirá “sim”.
Dependendo das circunstâncias (estímulo-ruído) sob as quais esse estí-
mulo-sinal (o toque do telefone) é detectado, há a mobilização (maximização)
de uma determinada resposta (atender o telefone). Nesse sentido, como
aponta Costa (2017, p. 34), expectativas e “benefícios das respostas são as
situações que mais afetam a situação de decisão”. É o que Schiffman (2005)
denomina efeitos de critério, em que a capacidade de detecção de estímulos,
principalmente aqueles com fraca intensidade, é afetada por dois fatores
(critérios) independentes em certa medida: expectativa e motivação. Isso
implica uma tomada de decisão por parte do observador que é interpelada
por esses dois critérios.

Curvas ROC
Como aponta Schiffman (2005), a TDS apregoa que não se pode estabelecer
(leia-se calcular) um limiar absoluto. Isso não significa que não há qualquer tipo
de medida a ser obtida. Nesse sentido, há na TDS a medida da sensibilidade
do observador frente ao fornecimento de um estímulo e do critério por ele
adotado. Logo, se a relação entre “sins” e “nãos” muda conforme os critérios
variam, faz-se necessário, a fim de se ter uma medida, dimensionar os efeitos
da sensibilidade tanto do observador em detectar o estímulo-sinal quanto
10 Psicofísica da sensação e percepção

da variação de critérios para tomada de decisão. Por princípio, utiliza-se


uma curva de características de operação do receptor (receiver operating
characteristic curve — ROC) para medir e descrever as características de
operação ou de sensibilidade do receptor no que se refere à detecção de um
dado estímulo-sinal. Ou seja, a probabilidade de um estímulo-sinal afeta a
incidência (proporção) de decisões (“sins” e “nãos”).
Dessa interação produz-se uma representação mais ou menos assim:

[...] representa-se no eixo y a proporção de acertos [...] e representa-se no eixo x a


proporção de alarmes falsos [...]. As curvas resultantes [...] ilustram graficamente a
relação entre as proporções de acertos e de alarmes falsos para uma intensidade
constante de estímulo (SCHIFFMAN, 2005, p. 23).

Os gráficos ilustrados na Figura 5 retratam as modificações de critério


independentes das modificações de discriminabilidade, utilizando uma forma
gráfica simples e de rápida compreensão.

Figura 5. Análises gráficas de valores obtidos com a curva ROC. Os gráficos representam
a relação entre número de acertos e número de alarmes falsos. Em ambos, as variações
de vieses de resposta representam um percentual referente à discriminabilidade: máxima
(equilibrado; C = 0), tendenciosamente negativo (C > 0) ou positivamente tendencioso (C < 0).
Fonte: Costa (2017, p. 38-39).

Até aqui tivemos contato com alguns preceitos e conceitos que a psico-
física apresenta a fim de descrever aspectos específicos concernentes aos
fenômenos psicológicos. Na próxima seção, examinaremos as principais
leis, conceitos, premissas e entendimentos que delimitam o modo como a
psicofísica encaminha e procede seus estudos e que balizam a natureza de
suas contribuições.
Psicofísica da sensação e percepção 11

Leis, conceitos e premissas da psicofísica


Até meados do século XVIII, o estudo da mente humana, mais especifica-
mente da consciência, ainda se restringia a interpretações e inferências
filosóficas. Foi apenas a partir do final do século XVIII que emergiu uma
ciência psicológica mais experimental, com a criação do primeiro labo-
ratório de psicologia.
Os primeiros psicofísicos, segundo Costa (2017), o fisiólogo alemão Ernst
Heinrich Weber (1795–1878), o filósofo alemão Gustav Theodor Fechner
(1881–1887) e o físico alemão Hermann von Helmhotz (1821–1894), centravam-
-se em descrever e compreender como operava a “física sensorial”, sob o
ponto de vista de uma experiência subjetiva. Foi a partir de métodos como
os utilizados por esses pesquisadores que se estabeleceram práticas de
pesquisa em que se buscava mapear os fenômenos psicológicos sobre
os aspectos físicos. Em termos mais práticos, passou-se a quantificar e
contabilizar:

[...] regularidades entre os estímulos do mundo real e a experiência perceptual


consciente destes, [...] realizadas de várias formas: (1) entre objetos e representações
deles no nosso cérebro; (2) pela manipulação da parte física e obter registros/
respostas de mudanças na psique (COSTA, 2017, p. 7).

O grande desafio que a psicofísica busca delimitar em seu campo de estudo


diz respeito à relação entre o ambiente (entendido aqui como o mundo físico)
e o sujeito por ele circunscrito (entendido aqui como a experiência perce-
bida). De acordo com Costa (2017), quatro são os aspectos mais estudados no
campo da psicofísica, também conhecidos como problemas fundamentais,
examinados a seguir.

„ Detecção — a capacidade de experimentar minimamente um es-


tímulo. Aqui a pergunta norteadora é: “Qual propriedades deve
possuir um estímulo para que nós possamos ter ciência de sua
existência?”.
„ Identificação — delimitação do escopo e classificação do estímulo
mobilizador, balizada pela seguinte pergunta norteadora: “Como sa-
bemos o que é este estímulo?”.
„ Discriminação — a mínima diferença entre dois estímulos para que
possam ser experienciados como diferentes, em que o questionamento
balizador é: “Como dois ou mais estímulos devem diferir entre si para
que nós possamos distingui-los como diferentes?”.
12 Psicofísica da sensação e percepção

„ Escalonamento — a variação de magnitude percebida em função da


variação da magnitude física, que especialmente se norteia por dois
tipos de questionamento: “Como julgamos a magnitude de um parâ-
metro de um determinado estímulo?” e “Como julgamos o grau de
similaridade ou diferença para estímulos discrimináveis?”.

A interação dos quatro aspectos elencados por Costa (2007) pode ser
visualizada pelo esquema ilustrado na Figura 6. Nele identificamos
elementos objetivos e subjetivos que explicam como procede a sensação de dor.
Para tentar descrever como a dor é sentida e percebida, por exemplo, pode-se
descrevê-la sob a ótica da aplicação de indicadores. Sob essa premissa, existem
indicadores de ordem fisiológica e indicadores de ordem psicofísica. Isso denota
uma condição muito particular a cada ser humano sobre a experiência de dor
que ele vivencia. Ao sentir uma dor, o ser humano, em geral, a experiencia tendo
como parâmetro o contexto que o circunda. Assim, existem elementos que
intensificam mais ou menos o estímulo mobilizador que provoca a sensação
de dor. Isso implica que a dor precisa ser detectada (ter um mínimo de energia
suficientemente mobilizadora), identificada (delimitada dentro de um campo
classificatório que assim a implica), discriminada (diferenciada de sensações
que provoquem outra coisa que não a mesma “dor”) e escalonada (quantificada
em termos de intensidade).

Figura 6. Interação entre os diferentes indicadores da sensação de dor.


Fonte: Silva e Ribeiro-Filho (2001, p. 148).

Nesse sentido, vale ressaltar que problemas de pesquisa como esses


estão relacionados com a natureza dos organismos humanos. Uma vez que
já abordamos questões mais básicas da psicofísica, a seguir trataremos
de três aspectos que ilustram o cerne dessa área de estudos: a percepção
subliminar, o limiar diferencial e a Lei de Fechner.
Psicofísica da sensação e percepção 13

Percepção subliminar
Ao discutirmos a questão do limiar absoluto, tratamos da questão da
detecção de um estímulo suficientemente intenso. Mas e quando os es-
tímulos estão abaixo desse limiar? Aí entra em cena o que Schiffman
(2005) denominou percepção subliminar, que ocorre quando determinado
estímulo está presente em níveis muito fracos de intensidade ou por um
período muito curto de exposição. Não se trata de um aspecto da qualidade
da mensagem, de seu significado (percepção), mas de sua disponibilidade
sensorial.
Um modo interessante de evidenciar a percepção subliminar é uma
técnica denominada priming semântico, em que são alinhados dois estí-
mulos, como duas palavras, a duas imagens, de modo que o significado
de um influencie (pré-ative, ou sensibilize) alguma resposta relativa ao
segundo.

Em 2007, a pesquisadora Monica Borine, da Universidade de São


Paulo, realizou um experimento buscando descrever o efeito da
estimulação subliminar sobre o desencadeamento de reações emocionais.
Foram apresentadas tarefas experimentais a 35 indivíduos entre 23 e 49 anos
(metade homens, metade mulheres), todos saudáveis, sem indicação de uso
de drogas ou álcool e sem tratamento farmacológico.
Como instrumental de pesquisa foram utilizados um programa comercial de
computador (Stim, da Neurosoft Inc.); um computador com visor e dispositivo
com dois botões para indicação do alvo com os dedos da mão; e estímulos
visuais, na forma de fotos agradáveis e desagradáveis. Os sujeitos foram
submetidos a dois experimentos. Num deles, eram expostos a um bloco de
imagens subliminares alinhadas a um comercial, e em outro eram expostos a
mensagens supraliminares. Assim, os sujeito respondiam a um questionário
com cinco perguntas:
1) Como você está se sentindo? (Pergunta efetuada antes da realização das
tarefas no laboratório.)
2) Como você está se sentindo? (Pergunta efetuada depois da realização de
todas as tarefas no laboratório.)
3) Você viu alguma coisa durante a tarefa que realizou? (Tarefa realizada com
a exposição de estímulos subliminares.)
4) Qual tarefa foi mais difícil para você?
5) De qual tarefa você menos gostou?
14 Psicofísica da sensação e percepção

Em sua grande maioria, os sujeitos responderam que estavam bem no


início das tarefas; quando questionados ao final do experimento, disseram
não se sentiam tão bem. Alguns sujeitos reportaram mau humor diretamente
devido às imagens, consideradas pela maioria “ruins e pesadas”. Quando
questionados em relação a terem percebido algo além dos estímulos neu-
tros, na tarefa dos estímulos subliminares a grande maioria dos sujeitos
respondeu dizendo que não viu nada, apenas brilhos, pedaços de figuras
ou algumas cores.
Para a autora da pesquisa, o estudo demonstrou que elementos como emo-
ções, atitudes, objetivos e intenções são mobilizados (ativados) sem a partici-
pação da consciência. Desse modo, com elementos subliminares principalmente
é possível “influenciar o modo de pensar e agir dos indivíduos nas situações
sociais” (BORINE, 2007, documento on-line).

Limiar diferencial
Se de um lado temos um limiar absoluto, em que há um espectro de detec-
ção possível de determinado estímulo, de outro há o que Schiffman (2005)
denomina limiar diferencial. Trata-se de um limiar relacional, em que dois
estímulos são contrapostos de modo a encontrar-se uma diferença signi-
ficativa entre eles. Há um mínimo necessário de energia a ser considerada
para percebê-los distintos entre si. Segundo Costa (2017, p. 22):

Este limiar está relacionado à mínima quantidade de energia necessária para que
haja a experiência consciente de modificação na intensidade do estímulo para
mais ou para menos. Outro termo também utilizado para este limiar é a Diferença
Apenas Perceptível (DAP).

Cada parte do corpo apresenta um determinado limite de percepção tátil,


por exemplo. Ao articular essas diferentes partes, produz-se uma sensibilidade
em função das diferenças de energias necessárias para mobilizar e serem
detectadas para uma resposta (Figura 7).
Psicofísica da sensação e percepção 15

Figura 7. Análises gráficas de valores obtidos com a curva ROC mostram que, comparativa-
mente, diferentes partes do corpo têm maior sensibilidade para certos estímulos do que
para outros, mas isoladamente acabam exigindo mais energia para mobilizar uma detecção.
Fonte: Almeida Junior (2013, p. 39).

Almeida Junior (2013), ao avaliar os aspectos subjetivos relacionados à


percepção de texturas de diferentes materiais, descreveu que cada parte
do corpo trabalha com um limiar de tolerância à percepção tátil, envolvendo
pressão, grau de rugosidade, temperatura e dor. Para o autor, a sensibilidade
está assentada justamente na diferença absoluta (limiar absoluto) entre as
diferentes partes do corpo.

A pele do rosto (lábios, bochecha, nariz e testa) tem um maior limiar absoluto ao
toque, enquanto que na pele dos dedos dos pés é mais baixo. A pele dos dedos da
mão tem o maior limiar diferencial, enquanto que na pele da parte superior dos
braços e das costas é mais baixo. Mesmo nas mãos, nem todas as suas partes são
igualmente sensíveis ao toque. [...] A sensibilidade aumenta da palma da mão para
a ponta dos dedos. A menor distância percebida entre dois pontos estimulados
foram os seguintes: 8 mm na palma, 4 mm na parte média dos dedos e 2 mm na
16 Psicofísica da sensação e percepção

ponta dos dedos. O limiar diferencial mostra uma extensão maior do que o limiar
absoluto em diferentes regiões da pele. O limiar diferencial faz mais sentido em
resposta às mudanças dinâmicas do ambiente e na sutil manipulação de produtos
(ALMEIDA JUNIOR, 2013, p. 39).

Para o autor, o chamado “tato fino” está atrelado na prática ao es-


tabelecimento de limiares diferenciais entre as partes do corpo, o que
estabelecerá maior ou menor sensibilidade e sua influência em respostas
subsequentes, pois, uma vez que são detectadas energias mobilizado-
ras diferentes, uma vasta gama de respostas é, nesta toada, produzida.
Quando esse tato não é mobilizado, outros sentidos sensoriais o são, para
auxiliar na detecção, identificação, discriminação e escalonamento dos
estímulos envolvidos.

Lei de Fechner
Para o filósofo alemão Gustav Theodor Fechner, a experiência mental (no
sentido de sensação) está relacionada quantitativamente ao estímulo físico. É
nesse sentido que, ao relacionar sensação e estímulo físico, Fechner estabe-
leceu uma escala numérica para cada um dos sentidos sensoriais. A chamada
Lei de Fechner considera que a magnitude da sensação está relacionada
logaritmicamente ao estímulo a ela correspondente:

S = k log I

onde S designa a experiência subjetiva, k refere-se a uma constante depen-


dente da dimensão em questão e I é a intensidade do estímulo (COSTA, 2017;
SCHIFFMAN, 2005).
Na Lei Fechner, como destaca Costa (2017, p. 44) os limiares diferenciais
são considerados “incrementos de igual magnitude sensorial para todos os
níveis de intensidade do estímulo”. Fechner partiu da premissa de que todas as
experiências subjetivas em dado sistema sensorial podem ser representadas
em iguais unidades de intensidade, ou seja, o que varia é a quantidade de in-
tensidade, não sua qualidade. Desse modo, as diferenças apenas perceptíveis
(DPAs) podem ser comparadas tomando como base os níveis de intensidade,
para assim medir diferentes experiências subjetivas.
A Figura 8 ilustra como se comporta a relação logarítmica S = k log I.
Nesse caso, o aumento aritmético de um elemento da equação (S) produz
um incremento geométrico em outro (I).
Psicofísica da sensação e percepção 17

Figura 8. Relação logarítmica entre sensação (S) e intensidade de estímulo (I).


Fonte: Schiffman (2005, p. 29).

De modo geral, a atuação do psicólogo demanda o entendimento de


como operam processos e fenômenos complexos. A apropriação de conceitos
psicofísicos proporciona uma maior clareza sobre processos psicológicos
como atenção, sensação, percepção e memória. Os conhecimentos aqui abor-
dados não têm a pretensão de esgotar entendimentos, mas sim de instigar
questionamentos a fim de promover reflexões sobre a pratica profissional
do psicólogo em diferentes contextos.

Referências
ALMEIDA JUNIOR, G. Avaliação dos aspectos subjetivos relacionados aos materiais:
proposição de método e escalas de mensuração aplicadas ao setor moveleiro. 2013.
Dissertação (Mestrado em Design) — Universidade do Estado de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2013.
BORINE, M. S. Consciência, emoção e cognição: o efeito do priming afetivo subliminar
em tarefas de atenção. Ciênc. cogn., v. 11, p. 67-79, jul. 2007.
COSTA, M. F. Manual didático de teoria e prática de psicofísica. São Paulo: USP, 2017.
Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5150752/mod_resource/
content/1/Manual%20Did%C3%A1tico%20de%20Psicof%C3%ADsica.pdf. Acesso em:
13 dez. 2021.
MERLEAU-PONTY, M. Résumés des Cours (Collège de France, 1952-1960). Paris: Gallimard,
1968.
SCHIFFMAN, H. R. Sensação e percepção. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2005.
SILVA, J. A.; RIBEIRO-FILHO, N. P. A dor como um problema psicofísico. Rev Dor, v. 12,
n. 2, p. 138-151, 2011.
18 Psicofísica da sensação e percepção

Leituras recomendadas
AMON, D. et al. Psicologia social e comunicação publicitária: uma análise crítica. Ciências
Sociais Unisinos, v. 46, n. 2, p. 178-186, mai/ago. 2010.
LOPES, C. R. M. Comunicação e percepção no ciberespaço: um estudo sobre a experiência
de imersão em ambientes lúdicos interativos. 2013. Tese (Doutorado em Comunicação
e Semiótica) — Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013.

Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos


testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da
publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas
páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores
declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou
integralidade das informações referidas em tais links.

Você também pode gostar