Você está na página 1de 17

CAPÍTULO I: CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

1.1 Sistema de Organizaçao Admnistrativa

Segundo Mello (2000, p.126), a actividade administrativa pode ser


prestada de duas formas: centralizada, onde o serviço é prestado pela
administração directa, e a descentralizada, em que a prestação é deslocada
para outras pessoas Jurídicas.

De acordo com Meirelles (2014, p. 63), a organização do Estado é


matéria constitucional no que à divisão política do território nacional, a
estruturação dos poderes, à forma de Governo, ao modo de investidura dos
governantes, aos direitos e garantias dos governados.

Para Feijo (2013, p. 121), organização administrativa deve pautar-se de


acordo com os elementos de natureza política, económica, jurídica, filosófica e
cultural de uma determinada sociedade. Ou seja, a Administração Pública tem
de actuar segundo a orientação política, contornos jurídicos, interesses
económicos e o estádio de desenvolvimento de um dado país.

A organização administrativa, também, é considerada como primeiro


momento da Administrativa Pública, o seu momento estático e de feição
institucional (permanência, constância, regularidade). É neste domínio, onde se
projectam as normas orgânicas (regulamentos administrativos) que fazem parte
do conteúdo do Direito Administrativo, pois que é através deste tipo de normas
jurídico-administrativas que regula a Organização da Administração Pública,
estabelecendo, com efeito, as entidades públicas que dela fazem parte,
definindo a sua estrutura interna, as atribuições e competências das pessoas
colectivas públicas e dos órgãos, respectivamente (Pereira 2007, p.). Entram
em liça figuras e conceitos:

a) As pessoas colectivas públicas, órgãos administrativos e serviços


públicos (elementos de organização administrativa);

b) Concentração e desconcentração, centralização e descentralização, e


integração e devolução de poderes (sistemas de organização administrativa e;

1
c) Os princípios fundamentais da organização administrativas que,
dependerá em grande medida da consagração constitucional que destes se
fizer no respectivo diploma fundamental, mas têm em comum a adopção dos
princípios da legalidade, da participação dos administrados na preparação e
execução das decisões da Administração Pública, da igualdade dos cidadãos
perante a Administração Pública, da desconcentração e descentralização
administrativa1.

Oliveira (2013, p. 51) compreende a organização administrativa como


um conjunto estruturado de unidades organizatórias, que desempenham, a
título principal, a função administrativa, tem como elementos as pessoas
colectivas de direito público, que se manifestam através de órgãos
administrativos e os serviços públicos, que pertencem a cada ente público e
que actuam na dependência dos respectivos órgãos.

Entretanto, nesta primeira abordagem, daremos destaque de forma


sucinta à organização administrativa dos entes públicos, em especial o Estado
enquanto pessoa colectiva pública que, no seio da comunidade, é
desempenhada sob direcção do PR, enquanto Titular do Poder Executivo, a
actividade administrativa.

A organização administrativa dos entes públicos, especialmente o


Estado enquanto pessoa colectiva pública que, no seio da comunidade, é
desempenhada sob direcção do PR, Titular do Poder Executivo, a actividade
administrativa. Neste quesito, é importante realçar a observância do princípio
da separação de poderes e a gestão participada da administração, bem como
outros: descentralização; desconcentração; da autonomia local; da
colegialidade; da desburocratização e da aproximação dos serviços às
populações etc.

Segundo o disposto no nº 1 do art. 105º da CRA, são órgãos de


soberania do Estado angolano os seguintes: Presidente da República,
Assembleia Nacional e os Tribunais2.

1
NETO, António Pitra. Apontamento sobre Matérias de Direito Administrativo, Luanda:
Mayamba Editora, 2011, p. 25-26. Ver também, arts. 198º e 199º da CRA.
2
A luz do art. 53º da Lei nº 23/92 de 16 de Setembro Lei de Revisão Constitucional, os órgãos
de soberania da Republica de Angola eram: o Presidente da República, Assembleia Nacional,

2
O Estado é a principal entidade pública, com características próprias,
distintas das demais entidades públicas, consideradas, menores, tendo como
órgão superior o Presidente da República enquanto titular do Poder Executivo,
segundo o disposto no art. 108º da CRA, sendo reservadas aos entes menores
do tipo institucional ou associativo a prossecução de fins singulares e que
dependem, em regra, embora de grau diverso o órgão principal do Estado: o
Presidente da República que exerce nos termos da Constituição e da Lei os
poderes de Superintendência e tutela administrativa.

1.1.1 Desconcentração Admnistrativa

De acordo com a Lei nº 17/10 de 29 de julho, a desconcentração é o


processo administrativo através do qual um órgão da administração central do
Estado transfere poderes a outro órgão da administração local do Estado.
Nessa perspectiva, Vaz (2008) fundamenta que a desconcentração é uma
forma de regionalização, com a transferência de atribuições das instâncias
centrais de poder para órgãos regionais, que não dispõem de poder para
decidir sobre prioridades ou sobre o planejamento dos serviços, ou seja, as
decisões continuam centralizadas, mas sendo executadas longe do centro.

É nesta lógica que a organização da Administração Pública angolana


estrutura-se com base nos princípios de descentralização, desconcentração
simplificação e aproximação dos serviços às populações, conforme antevê o
art. 199.º, nº 1 da CRA.

Araujo (2005, p. 2004) refere que na desconcentração ocorre uma


distribuição de competências, sistematizada de tal forma que, as atribuições
são distribuidas internamente entre os entes de uma mesma pessoa jurídica.

Na desconcentração está sempre o vínculo de subordinação e hierarquia.

Para Mello (2004, p.140), o fenómeno de distribuição de plexos de


competências decisória, agrupadas em unidades individualizadas, denomina-
se desconcentração, que se da tanto em razão da matéria, isto é, do assunto,

como em razão do grau, ou seja, nível de responsabilidade decisória conferido

Governo e os Tribunais. Portanto a luz da Constituição vigente foi amputado o número de


órgãos de soberania, ou seja, o governo deixou de o ser.

3
aos distintos escalões que corresponderõo aos diversos patamares de
autoridade.

Blair (2000) define a desconcentraçao como uma forma de


regionalizaçao na qual a instância central de poder transfere parte de suas
atribuições de exucução de actividades para orgaos regionais, que não
dispõem de poder para decidir sobre prioridades ou planeamentos de serviços.
A instância central conserva o poder e a dotação orçamentária para decidir
sobre politicas, prioridades e alocaçao de recursos humanos. Na perspectiva
de Alexandrino e Paulo (2003, p. 18) ocorre a desconcentração quando a
entidade da Admnistração, encarregada de exucutar um ou mais serviços,
distribui competências, no âmbito de sua estrutura, a fim de tornar mais ágil e
eficiente a prestação de serviços. A desconcentração pressupõe,
obrigatoriamente, a existência de uma pessoa jurídica.

Para Cruz (2002, p. 218), a desconcentração consiste na criação de uma


hierarquia de organizações, com bases territoriais próprias, dirigidas pelo poder
central. A desconcentração admnistrativa na visão Helly Lopes Meirelles (2004,
p.714715) signfica repartição de funções entre os varios (despersonalizados)
de uma mesma admnistraçao, sem quebra de hierarquia.

1.1.2 Centralização e descentralizaçao admnistrativa

Neste ponto vamos discorrer sobre esses dois termos amplamente


associados à admnistraçao públicoestatal, com maior ênfase à
descentralizaçao.

Segundo Amaral (1994), a “centralização” e a descentralização têm a ver


com a unicidade ou pluralidade de pessoas colectivas públicas. A
descentralização supõe a existência de, pelo menos, duas pessoas, entre as
quais se repartem as competências.

Alude ainda Amaral (1994), existe centralização no plano político-


administrativo quando os órgãos das autarquias locais são livremente
nomeados e demitidos pelos órgãos do Estado, quando devem obediência ao
Governo ou ao partido único, ou quando se concentrem sujeitos a formas

4
particularmente intensas de tutela administrativa, designadamente a uma
ampla tutela de mérito.

Segundo Orre (2013), para buscar atender as necessidades da


população, a constituição adoptada em 2010, prevê a descentralização do
governo através da implementação das autarquias locais, para que nesse
sentido seja reforçado o papel da governança local, impulsionando a tomada
de decisão por parte da população local, trazendo benefícios específicos para
cada região, suprindo as necessidades dos cidadãos e promovendo mudanças
econômicas e sociais.

Na visão de Medauar (2004, p. 65), descentralização admnistrativa


significa transferência de poderes de decisão em matérias específicas a entes
dotados de personalidade jurídica própria. Tais entes realizam, em nome
próprio, actividades que, em princípio, têm as mesmas características e os
efeitos das actividades admnistrativas estatais. Se nos ativermos à leitura feita
por Medauar, poder-se-á dizer então que descentralização admnistrativa
implica a transferência de actividade decisória e não meramente admnistrativa.

Os princípios presentes na constituição, com pertinência para análise do


processo de descentralização, são o princípio da autonomia local; o princípio
da descentralização administrativa; o princípio da desconcentração
administrativa; o princípio da descentralização e desconcentração financeira; o
princípio do Estado unitário; o princípio do exercício harmonioso do poder e a
promoção e consolidação da unidade nacional; o princípio da eleição por
sufrágio universal, livre, direto, secreto, igual e periódico dos órgãos
representativos do poder local (Poulson, 2009).

Tovavia, a nível político, Poulson (2009) faz referência a Feijó (2001, p.


131), indicando que “as discussões, na comissão constitucional, acentuaram
demasiado o aspeto político, em detrimento do rigor técnico-jurídico”. E mais,
ainda segundo Feijó, na discussão, “da matéria ligada ao poder local em
particular, assistiu-se a um interessante debate sobre a descentralização”. Uns
defendiam uma efetiva autonomia política, administrativa e financeira das
unidades político-administrativas (províncias e Estado) no âmbito de uma real
descentralização e desconcentração do poder, outros defendiam “a autonomia

5
local e a descentralização e a desconcentração administrativas no quadro de
um Estado unitário e da promoção e consolidação da unidade nacional” (Feijó,
2001, p. 131).

Na concepçao de Amaral apud Benvindo (2012, p. 38), a


descentralização implica a acumulação e partilha de poderes do governo
central com o governo local. Amaral reforça que se pode definir a
descentralização em dois planos: No plano jurídico, diz-se que é o sistema em
que a função administrativa está confiada não apenas ao Estado, mas também
a outras pessoas colectivas territoriais, designadamente as autarquias locais.
No plano político-administrativo, diz-se que há descentralização quando os
órgãos das autarquias locais são livremente eleitos pelas respectivas
populações, quando a lei os considera independentes na órbita das suas
atribuições e competências, e quando estiverem sujeitos a formas atenuadas
de tutela administrativas, em regra restritas ao controlo da legalidade.

Importa destacar três formas de descentralização segundo Luciano


Benvindo (2012):

a) Territorial que dá origem à existência de autarquias locais;

b) Associativas que dá origem as associações públicas e;

c) Institucional a que dá autonomia aos institutos públicos e as empresas


públicas. Quanto a descentralização territorial, apesar de estar prevista não
está ainda implementada em Angola as autarquias locais o que nos leva a
reflectir sobre a existência ou não existência de descentralização territorial.

Para Araujo (2005, p. 152153), a descentralização é um sistema tecnico-


admnistrativo, através do qual o desempenho das funções pertinentes à
admnistração se processa através de vários organismos que desfrutam de
largo grau de independência. Nesta conformidade, a admnistração central não
os tem presos aos domínios com organismos subordinados. Apenas os
controla para que permanecem ajustados aos objectivos da admnistração.

A descentralização admnistrativa acrreta a especialização na prestação


de serviço descentralizado, pelo ente que executará as atribuições recebidas

6
do estado, por essa razão, diz se que é um sistema tecnicoadmnistrativo
(Bastos, 1992, p. 17).

O processo descentralizador tem na sua essência a criação de pessoas


colectivas públicas através das quais, para se efectivar o exercício da função
administrativa e prosseguir as atribuições que lhe são atribuídas, concede uma
maior autonomia que possibilite a essas entidades administrativas o concretizar
de tais atribuições. Neste novo formato, a minoria verificada dos poderes de
superintendência e de tutela constitui, à luz do panorama jurídico-formal, uma
efetiva transferência de competências para instituições intraestaduais,
reconhecendo a existência de interesses próprios (Miranda e Medeiros, 2007).

Em suma, podemos infirir no âmbito da centralização e descentralização


que o primeiro referese a um sistema em que todas as atribuições
administrativas de um dado país são por leis conferidas ao Estado, não
existindo, portanto, quaisquer outras pessoas colectivas públicas incumbidas
do Exercício da função administrativa. Ao passo que o segundo pressupõe
transferência de poder decisório para os agentes locais da admnistração.
Significa, portanto, que os orgãos regionais têm autonomia, dentros dos limites
estabelecidos, para formular politicas locais, estabelecer prioridades e planear
o atendimento de demandas.

1.1.2.1- Vantagens da descentralizaçao admnistratica

Ainda no tocante à descentralização admnistrativa, agora na perspectiva


das vantagens que a mesma pode agregar à admnistração públicoestatal,
Guinmarães (2002) destaca a descentralizaçao admnistrativa como condição
essencial para a gestão democrática, sobretudo necessária para a participação
dos cidadãos. Na mesma linha de pensamento, autores como Junqueira,
Inojosa e Komatsu (1997) caracterizam a descentralização admnistrativa como
sendo uma condição necessária, embora não suficiente, para a participação da
população na gestão dos interesses coletivos, e, por outro lado, a participação
é factor de viabilidade da descentralização, quando o deslocamento do poder
de decisão pode ser um meio para democratizar a gestão através da
participação, o que aponta para a redefinição da relação Estada e Sociedade.

7
Afirmam Feijó e Paca (2005) que o sistema descentralizado é de longe o
que melhor satisfaz os imperativos do Estado de direito democrático. A história
recente indica que o poder da iniciativa local será condição sine qua non para
uma democracia satisfatória e estável.

Segundo Falleth e Hovik (2009), a descentralização é, teoricamente,


mais eficaz que um governo centralizado quando as acções tomadas e as
preferências variam de um lugar para o outro e não tem validade fora daquela
localidade, e nessa perspectiva o governo local deve alocar serviços de acordo
com a preferência local.

Para Agrawal e Gupta (2005), a escolha pela descentralização,


geralmente, busca atender objetivos relacionados ao desenvolvimento social,
democratização na participação e gestão de recursos e serviços. A
descentralização permite uma maior eficiência, equidade e capacidade na
resposta dos governos em relação às demandas da população.

No entendimento de Blair (2000), a grande promessa da


descentralização é que através do aumento da participação popular na tomada
de decisão, o governo local vai se tornar mais eficaz no momento de definir as
políticas públicas por estar atendendo a um desejo dos cidadãos locais, e não
há uma política centralizada.

Algumas experiências no processo de descentralização auxiliam a


perceber os benefícios e os cuidados que a implementação dessa alteração na
participação e formulação de políticas públicas pode trazer para o
desenvolvimento de uma sociedade. Segundo Weimer (2012) a
descentralização é considerada o desenvolvimento das autarquias locais, a
qual foram concedidas certa liberdade administrativa e financeira para tomada
de decisão.

Em Moçambique, por exemplo, a descentralização democrática é


considerada o desenvolvimento das autarquias, às quais foi concedida uma
certa autonomia administrativa e fiscal, com a realização de eleições regulares
para a escolha do Presidente do Conselho Municipal e dos membros da
Assembleia Municipal (Weimer, 2012, p. 77).

8
Contudo, há exemplos de casos em que o processo de descentralização
não foi desenvolvido com tanto sucesso. Para Wilfahrt (2018), a
descentralização nos países da África Subsaariana não correspondeu às
expectativas inicias de melhorar o desenvolvimento, a eficiência e a
governança. O estudo associado ao desempenho dos governos locais no
Senegal apontou que mesmo com o processo de descentralização, as elites
locais continuaram a definir a tomada de decisão em relação aos demais
cidadãos.

Logo, conclui Wilfahrt que este exemplo mostra que a descentralização


não pode ser a ausência do estado, deve fazer parte de um conjunto de
iniciativas que possam garantir a participação e a representação de diversas
camadas da população.

Weimer (2012) sublinha que Moçambique não pode ser considerado um


caso de sucesso no processo de descentralização, pois o governo central
aumentou tanto as leis que regulam o governo local que os critérios chaves
para uma descentralização bem sucedida não são alcançados.

Em suma, podemos depreender que no domínio das vantagens da


descentralização admnistrativa sobrassaem os seguintes pontos:

Aumento da eficacia dos serviços públicos prestados às comunidades;


resposta oportuna e profícua às preocupações dirigidas às proprias
admnistrações; processo de partilha de tomada de decisões dentro das
admnistrações, permitindo desta forma concentrar esforços na atuação e
resolução de matérias que demandam maior cuidado por parte da
admnistraçao; contribui para impulsionar o desenvolvimento do país e das
economias locais, fortalecendo também a democracia.

Outrussim, a descentralização permite que a própria comunidade local


possa gerir os recursos e tomar decisão, a partir dos processos de governança
local, para atender as prioridades definidas pela população local.

1.2- Poder local

9
A palavra “poder” comporta em si uma vasta carga semântica, porém
podemos começar por dizer que significa ter possibilidade de ter o direito de
influência ou força; exercer soberania sobre determinadas ações; dispor de
meios que possibilitem a materiazação de uma acção. E “local” por pressupor
um determinado lugar, espaço determinado ou limitado.

Na verdade, a palavra “poder” é polissémica. Todavia, a expressão


“poder” deve significar “a faculdade atribuída pela lei constitucional a
determinadas entidades, criadas ou reconhecidas por lei, de definir e impor aos
outros o respeito da própria conduta ou traçar a conduta alheia”. Relativamente
ao vocábulo “local”, vai ser entendido no sentido da delimitação territorial ou
espacial, onde as entidades autónomas desenvolvem as suas atividades, de
acordo com a divisão administrativa em vigor no país (Feijó, 2012).

De acordo com Poulson apud Faure e Udelsmann Rodrigues (2012, p.


34), poder local pode ser definido em duas vertentes: do ponto de vista teórico,
o poder local é aquele que nasce num local, o poder que emana do povo e não
um poder imposto no local. O Estado não é poder local, é um poder imposto no
local. Do ponto de vista prático: o poder local é a representação do estado no
local (exemplo, as administrações municipais e outros serviços ministeriais).

Ainda na esteira do pensamento de Poulson apud Fauré & Udelsmann


Rodrigues (Op. Cit, p.41), poder local é exercido através de órgãos
descentralizados, de instituições e isto quer dizer que se optou por uma
concepção ampla do poder local para abranger as autarquias locais (órgãos
descentralizados administrativa e territorialmente), o poder tradicional e outras
formas de participação democrática das populações, como as comissões de
bairros.

O poder local visa satisfação dos interesses próprios das populações


respetivas. Significa isto que, o poder local não visa a prossecução do
interesse geral ou nacional que ao Estado compete prosseguir. O poder local
trata, apenas, de interesses ou assuntos próprios das populações respetivas e
não dos interesses nacionais ou da comunidade nacional (Poulson
udelsmann Rodrigues, Op. cit, p. 41).

10
Segundo o antropólogo Samuel Aço (2012), o poder local definese como
aquele poder político originário ou derivado exercido, nos termos da lei, a nível
das comunidades locais através de órgãos descentralizados, de instituições
organizativas tradicionais e de outras formas de participação democrática das
populações visando a satisfação dos interesses próprios, tendo como principais
elementos as autarquias, as autoridades tradicionais e as outras formas de
participação dos cidadãos.

Para Poulson (2009, p. 39), poder local pode ser definido como “o poder
administrativo e tradicional, originário ou derivado exercido nos termos da lei e
da tradição, ao nível das comunidades locais e das circunscrições
administrativas definidas por lei, mediante entidades autónomas que visam a
prossecução de interesses colectivos específicos”.

No que concerne à relação existente entre o poder local público e


autoridades tradicionais, (Poulson apud Feijó, 2012) concluíram que, embora
de maneiras deferentes, é preciso respeitar e fazer o enquadramento legal das
Autoridades Tradicionais, dos líderes comunitários e outras instituições se, de
facto, quisermos a democracia e desenvolvimento local, visto que estas
entidades em alguns lugares são a ligação entre a população e os
representantes do Estado.

Virgílio Pereira (1997, p. 115), ao analisar o conceito de poder local,


ressalta que esta constitui uma das fórmulas institucionais do exercício do
poder de autoridade do Estado nos sistemas democráticos modernos. Esse
modelo resulta de um exercício de desconcentração de competências para as
entidades e entes que, estando mais próximas dos cidadãos, encontra-se em
melhores condições de dar respostas céleres e cabais às suas demandas.

De acordo com Feijó (2013, p. 234), o poder local consiste no poder


político, originário ou derivado, exercido, nos termos da lei, ao nível das
comunidades locais, através de órgãos descentralizados, de instituições
organizatórias tradicionais e de outras formas de organização e participação
democrática das populações, visando a satisfação dos seus interesses próprios

11
Ainda na concepçao de Feijo (Op. cit, p. 235) face às teorias de poder
local, algumas consequências podem ser retiradas:

1. O poder local é originário por nalgumas manifestações, ser anterior ao


Estado ou até mesmo se desenvolver fora dele. Referem-se às instituições
organizatórias do poder tradicional, que é, em Angola, uma manifestação do
poder local;

2. Trata-se apenas do reconhecimento de uma realidade pré e extra-


estatal, sendo certo que apenas após este reconhecimento o poder tradicional
se funcionaliza no plano jurídico-público, ou seja, se ergue como um verdadeiro
poder público;

3. O poder local é derivado porque a outra das suas manifestações,


como as autarquias locais, adquirem o estatuto de poder público através de um
processo de atribuição, ou seja, o poder das autarquias locais, enquanto
manifestação do poder local é atribuído pelo Estado, ao contrário do poder
tradicional, em que o Estado reconhece uma realidade;

4. O poder é exercido através de órgãos descentralizados, de


instituições organizatórias tradicionais e de outras formas de organização e
participação democrática dos cidadãos.

Podemos compreender o fenómeno do poder local como fórmula de


exercício do poder de autoridade do Estado, possibilitando a participação da
população no processo político e na tomada de decisões.

1.2.1- O poder local no texto constitucional

A ideia do poder local não é propriamnte nova, pois que ela ja tinha sido
consagrada nas constituições de 1975 e 1992 definindo-se, ainda que de
maneira pouco clara, os seus órgãos e alguns dos seus princípios. Mas a
Constituição de 2010 inovou dedicandolhe um conteúdo mais amplo e definiu
claramente as condições da sua organização e implementação, ao afirmar que
“a organização democrática do Estado ao nível local estrutura-se com base no
princípio da descentralização político-administrativa que compreende formas
organizativas do poder local” e que estas compreendem as autarquias locais,

12
as instituições do poder tradicional e outras modalidades específicas de
participação dos cidadãos, nos termos da lei” (Artigo 213º da CRA).

Ademais, definiu os seus princípios estruturantes, na medida em que, “a


República de Angola é um Estado unitário que respeita na sua organização os
princípios da autonomia dos órgãos do poder local e da desconcentração e
descentralização administrativa” (Artigo 8º da CRA).

O art. 8º CRA prevê a República de Angola um Estado unitário que


respeita, na sua organização, os princípios da autonomia dos órgãos do poder
local e da desconcentração e descentralização administrativa, nos termos da
Constituição e da lei.

Igualmente, o art. 199º nº1 CRA, consagra que, a Administração Pública


é estruturada com base nos princípios da simplificação administrativa, da
aproximação dos serviços às populações e da desconcentração e da
descentralização administrativas.

(O art. 120º al. d), igualmente da CRA, compete ao PR, enquanto titular
do Poder executivo: dirigir os serviços e a actividade da administração directa
do Estado, civil e militar, superintender a administração indirecta e exercer a
tutela sobre a administração autónoma, resultando daí o princípio da
descentralização administrativa.

Segundo Martins (2016, p. 139 – 140), existe um leque de garantias


constitucionais de protecção do princípio da autonomia local:

(1 - Um núcleo estável e irreversível; conforme o disposto na al. k) art.


236º que estabelece a autonomia local como limite material de revisão
constitucional, ou seja, o estabelecimento das autarquias locais em Angola.

2 - Direito de existência – quer dizer fica vedada a possibilidade de o


legislador eliminar a autonomia das autarquias locais, o que fica em aberto é a
forma de organização e funcionamento: competindo ao Estado criar as
autarquias em harmonia com o princípio da descentralização administrativa,

13
3 - Organização própria e o direito às competências próprias – mediante
órgãos próprios representativos das respectivas populações, (princípio de
eleições democráticas), dispondo de poder regulamentar.

Tal como enfatiza Aço ((2011, p. 30-32)) no plano histórico, o poder local
é explicado pela necessidade dos habitantes de uma determinada parcela do
território se organizarem em função das relações de vizinhança e dos
interesses comuns e próprios. No plano político, poder local significa a
necessidade de auto-organização de determinados povos para o alcance de
seus objetivos. No plano jurídico, o poder local se baseia nos princípios da
autonomia local e descentralização administrativa.

Aço considera que o poder local não é operacionalizado por qualquer


descentralização territorial. É necessário que a descentralização administrativa
seja encarada no plano jurídico e político, isto é, não é pelo facto de, por
exemplo, existirem autarquias locais, no plano jurídico, que se deve aferir a
existência de um verdadeiro poder local. É necessário, ainda, apurar se no
plano político, os órgãos das autarquias locais são livremente eleitos pela
população local.

No entendimento de Teixeira (2011, p. 51), o poder local, sendo na sua


dimensão um poder político, não é, todavia, soberano (não pode ameaçar a
soberania do Estado unitário), devendo conviver com outros poderes, públicos,
tradicionais e privados, assim como outros poderes administrativos do Estado,
especialmente o de controle, nos termos previstos do art. 241º da Constituição.
O Poder Local é uma forma de exercício do poder do Estado que representa
alternativas de inclusão dos cidadãos na arena política.

Ja na perspectiva de Jeremi (2014, p. 181), a estruturação e o


fortalecimento do poder local constituem um dos principais fundamentos para a
efetivação do processo de governação democrática em Angola. O
conhecimento da natureza, perfil, forças e fraquezas das principais instituições
e atores sociais locais, afiguram-se essencial para a operacionalização dos
preceitos da CRA de 2010 que marcou um avanço importante.

14
Amaral (2012, p. 487488) chama atenção para a expressão poder local
que, na sua perspetiva, não deve ser encarada como sinónimo de autarquias
locais. Prossegue ao aludir que pode haver autarquias locais e não haver poder
local, ou seja, pode o conjunto das autarquias locais não constituir um poder
face ao poder do Estado. Se elas não beneficiarem da descentralização
política, isto é, se não forem livremente os membros dos seus órgãos
representativos. Defende Freitas do Amaral que, só há verdadeiro poder local,
quando as autarquias locais são verdadeiramente autónomas e têm um amplo
grau de autonomia administrativa e financeira, ou seja, quando forem
suficientemente largas as suas atribuições e competências, quando forem
dotadas dos meios humanos e técnicos necessários, bem como os recursos
materiais bastantes, para as prosseguir e exercer e, ainda, quando não forem
exageradamente controladas pela tutela administrativa e financeira do poder
local.

1.2.2- Formas de organizaçao do poder local

Como abordamos anteriormente, o poder local é um fenómeno do


âmbito do poder político que tem na sua base o princípio da descentralização
político-administrativa. Aliás, como clarifica o Artigo 213º, n.º 1, do Poder Local:

“A organização democrática do Estado a nível local estrutura-se com


base no princípio da descentralização político-administrativa, que compreende
a existência de formas organizativas do poder local, nos termos da presente
constituição”.

Porém, a Constituição da República de Angola (2010) confere algum


destaque a três princípios estruturantes da organização do poder local, o
princípio da desconcentração administrativa, da descentralização administrativa
e da autonomia local. O primeiro, o princípio da desconcentração administrativa
implica que, por razões de descongestionamento, é permitida a criação de
determinadas entidades para exercer determinadas funções ou poderes (Feijó
e Paca, 2005, p.111), tendo em vista a satisfação de interesses das
populações. Na verdade, esse princípio permite que se transfira determinadas
funções ou poderes de um órgão para outro, a fim de exercer atividades ou
praticar determinados atos, cujas competências pertencem ao primeiro.

15
O segundo, o princípio da descentralização administrativa, define que
não cabe apenas ao Estado central a prossecução dos interesses coletivos da
Nação, admitindo e reconhecendo a existência de entes públicos locais. A
descentralização aqui é um imperativo político e administrativo de governação,
uma vez que um Estado “atolado” de tarefas, que decide do centro para a
periferia administrativa, sem atender às preocupações efetivas dos
administrados de uma parcela do território nacional, dificilmente realizará o
interesse público, prosseguido com eficácia e eficiência.

Terceiro e último, o princípio da autonomia local, consagrado no artigo


214º da Constituição da República de Angola (CRA) que compreende o direito
e a capacidade efetiva das autarquias locais gerirem e regulamentarem, de
maneira independente do Estado, nos termos da Constituição e da lei, sob sua
responsabilidade e no interesse das respetivas populações, os assuntos
públicos locais (Feijó, 2012).

O poder local é exercido pelas autarquias locais, as instituições do poder


tradicional e outras modalidades específicas de participação dos cidadãos. A
principal forma de organização do poder local consiste nas autarquias locais,
eleitas pelas populações respetivas.

16
17

Você também pode gostar