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A reprodução assistida, também chamada de procriação medicamente assistida (PMA),

corresponde ao conjunto de técnicas e procedimentos que têm como objetivo concretizar o sonho
da parentalidade a pessoas que não o podem realizar de forma natural, por infertilidade,
transmissão de doenças genéticas ou infeciosas ou por impossibilidade biológica. Por lei, as pessoas
que podem beneficiar de tratamentos de PMA são os casais heterossexuais, casais homossexuais
femininos e todas as mulheres, independentemente do estado civil, da orientação sexual e do
diagnóstico de infertilidade. A evolução científica neste campo médico é admirável, tendo originado
técnicas conhecidas como a inseminação artificial, a fecundação in vitro e, ainda, a gestação de
substituição. Apesar de se tratar de um procedimento cujo único objetivo é proporcionar a
felicidade de ter um filho aos beneficiários e, portanto, benévolo, a legislação e as opiniões sobre
certos aspetos do processo estão longe de ser claros e consensuais, pondo em causa a moralidade
da reprodução assistida e, consequentemente, a sua efetiva realização. Perante estas questões,
acredito que várias delas nos fazem admitir a reprodução assistida como imoral e, portanto, inviável.

Em vários casos de PMA, pode haver a necessidade de recorrer a gâmetas de terceiros, ou seja, à
doação de gâmetas. A doação de gâmetas é anónima e voluntária, sendo descrita como uma ação
benévola, solidária, altruísta e sem fins lucrativos, tal como a doação de sangue. No entanto, a
legislação tem definida uma compensação financeira para os dadores de gâmetas que visa
compensar as deslocações e o tempo gasto no processo, podendo o valor ser superior a 800€ para
as mulheres e a 40€ para os homens, por cada dádiva. Ora, é uma contradição oferecer uma
recompensa monetária a alguém por algo que não tem fins lucrativos. Já no caso da doação de
sangue, com potencial para ajudar e salvar vidas de múltiplas pessoas, os dadores não recebem
qualquer tipo de compensação, quer económica quer material, logo não há razão justificável para tal
se aplicar aos dadores de gâmetas. Como a doação de gâmetas é uma parte crucial de vários casos
de PMA, a sua compensação financeira torna a reprodução assistida uma ação imoral e inviável. Por
outro lado, defensores da ética utilitarista de Stuart Mill argumentam que independentemente da
compensação financeira, a doação de gâmetas é uma ação benévola que tem o intuito de
proporcionar a alegria da parentalidade a pessoas incapacitadas de o fazer naturalmente. Desta
forma, é alcançada uma maior felicidade pelo maior número de pessoas, os beneficiários por
concretizarem o seu sonho e o dador por ter feito esse sonho possível, tornando a doação de
gâmetas e todas as técnicas de PMA que a envolvem moralmente corretas e viáveis. Porém, segunda
a ética deontológica de Kant, a doação de gâmetas pode não ser altruísta e, consequentemente,
imoral. A compensação financeira constitui uma forte intenção secundária para se realizar a doação
de gâmetas, fazendo com que esta ação ocorra contra o dever, a boa vontade e o imperativo
categórico, anulando o pressuposto altruísmo do processo e tornando imoral e inviável todas as
técnicas de PMA que o envolvam.

Tal como todos os avanços e técnicas científicas, a reprodução assistida pode ser prejudicial
quando utilizada com intenções maliciosas. Apesar de todo o processo até ao nascimento da criança
ser supervisionado por leis restritas, códigos, contratos e sigilos, não há nada a regular o que
acontece com a criança após o parto. As técnicas de PMA apresentam uma probabilidade muito
maior de fecundação e formação de um embrião do que uma tentativa de gravidez por meio natural
e por isso, seria extremamente fácil para uma mulher, que não precisa de qualquer diagnóstico para
iniciar processos de reprodução assistida, obter uma criança para a usar conforme a sua vontade
possivelmente maliciosa e colocar a sua saúde e segurança em risco. Visto que esta criança foi
gerada por reprodução assistida, podemos responsabilizar o processo pela falta de segurança e do
perigo que a criança incorre e considerá-lo imoral e inviável.

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