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Faculdade de Medicina da Universidade do Porto  Imunologia I

Autoria: Gustavo Costa; Bernardo Sousa Pinto

Sistema complemento
O sistema complemento é o maior efector do ramo humoral do sistema imune. Em 1980, Jules Bodet
percebeu que no sangue existiam duas substâncias com actividade bacteriolítica: anticorpos específicos
antibacterianos e um conjunto complexo de proteínas termo-lábeis, as quais, sabe-se actualmente,
pertencem ao sistema complemento.

Funções do sistema complemento

As actividades biológicas do sistema complemento afectam tanto o ramo da imunidade inata como da
adquirida. Após activação inicial, os diversos componentes do sistema complemento interactuam entre
si, através de uma cascata altamente regulada, levando a cabo determinadas funções:

 Lise de células, bactérias e vírus.


 Opsonização (este processo promove a fagocitose de antigénios particulados)
 Ligação a receptores específicos expressos nas células do sistema imunitário, com subsequente
indução da libertação de mediadores inflamatórios e moléculas imunorreguladoras.
 Imunne clearance: Este processo que consiste na remoção da circulação de complexos imunes,
e subsequente deposição destes complexos no baço e no fígado.

Componentes do sistema complemento

As proteínas e glicoproteínas que compõem o sistema complemento são sintetizadas, na sua maioria,
nos hepatócitos, embora também haja síntese destes componentes nos monócitos circulantes,
macrófagos tecidulares e células epiteliais do tracto gastrointestinal e genito-urinário. A maior parte
destes componentes circula na forma de pro-enzimas (zimogénios). Ou seja, estes componentes
circulam funcionalmente inactivos, sendo que, para serem activados, deverão sofrer clivagem
proteolítica.

Os componentes do sistema complemento são designados por números e letras (C1-C9) ou por
designações simples. Na maioria dos casos, o fragmento mais pequeno resultante de uma clivagem
proteolítica é designado por “a”, enquanto o fragmento maior é designado por “b” (a título de exemplo,
a clivagem de C3 origina C3a e C3b, sendo que o fragmento C3a apresenta menores dimensões). Note-
se que o C2 constitui uma excepção, na medida em que o fragmento C2a é maior que o fragmento C2b.

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Os fragmentos maiores têm tendência a aglomerar-se perto do local de activação, enquanto os


fragmentos mais pequenos têm tendência a difundirem-se e a iniciar respostas inflamatórias, ligando-se
a determinados receptores. Para além disso, estes componentes podem interactuar entre si, formando
complexos com actividade enzimática (e.g. C4b2a, C3bBb).

Activação do complemento

As etapas iniciais de activação do complemento culminam com a formação do factor C5b, que pode ser
gerado por intermédio de três vias: via clássica, via alternativa e via das lecitinas. Todas estas vias
conduzem, subsequentemente, à formação do complexo de ataque à membrana.

Via clássica

A via clássica inicia-se com a


formação de complexos solúveis
antigénio-anticorpo ou com a
ligação de anticorpos a alvos como
as paredes bacterianas. De facto, a
IgM e determinadas classes de IgG
(IgG1, IgG2 e IgG3) são capazes de
activar a via clássica do
complemento, embora a IgM active
o sistema de complemento de
forma mais potente (é necessária
apenas uma molécula de IgM contra
1000 moléculas de IgG para que
ocorra activação desta via).

A formação do complexo imune


induz alterações conformacionais na
porção Fc da IgM, expondo o local
de ligação do componente C1. Por
seu turno, o complexo C1 inclui numa molécula C1q, duas moléculas C1r e duas C1s, sendo este
complexo estabilizado pelo cálcio. De referir que cada um dos monómeros C1r e C1s possui um domínio
catalítico e outro de interacção, o qual lhes permite interagir entre si e com o C1q.

A ligação do C1q ao Fc induz uma alteração conformacional em C1r, o qual é convertido numa protease.
Por sua vez, o C1r cliva o C1s, convertendo-a, igualmente, numa enzima activa. Por sua vez, C1s é
responsável pela clivagem de C4 e C2, formando C4a, C4b, C2a e C2b. Subsequentemente, os
componentes C4b e C2a juntam-se, formando o complexo C4b2a, também designado por C3 convertase
– como o seu nome indica, este complexo converte o C3 na sua forma activa. Por oposição, os
fragmentos pequenos C2b e C4a difundem-se na circulação, sendo que o C4a é uma anafilotoxina, ou
seja, um mediador da inflamação.

Uma única molécula de C3 convertase pode gerar mais de 200 moléculas de C3b, de tal modo que a
acção desta enzima é essencial para amplificar a activação do sistema de complemento. Algum do C3b
junta-se ao C4b2a previamente formado, originando o complexo C4b2a3b. Este complexo é também
designado por C5 convertase, na medida em que cliva o componente C5 em C5a (que difunde para a
circulação) e C5b (que se liga ao C6 e inicia a formação do complexo de ataque à membrana). De referir
que, parte do C3b formado difunde-se para a circulação, funcionando como uma opsonina.

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Via alternativa

Embora esta via também culmine com a formação de C5b, a sua iniciação é independente de complexos
imunes. De facto, na maioria dos casos, esta via é activada por constituintes da superfície de células
estranhas ao organismo, tais como constituintes das paredes bacterianas.

Nesta via, o C3 é sujeito a uma lenta e espontânea hidrólise, formando Ca e C3b. Por sua vez, o C3b é
capaz de se ligar a antigénios estranhos ou às células do self. Contudo, a presença de elevados níveis de
ácido siálico presentes na maioria das células do self inactiva rapidamente o C3b ligado a estas últimas,
de tal modo que não se estabelecem reacções contra as células do self.

O C3b ligado à superfície das células exógenas é capaz de se ligar ao factor B, que serve de substrato
uma proteína chamada factor D. Assim, o factor D cliva o C3b-factorB, libertando o pequeno fragmento
Ba e originando C3bBb (constituído pelo C3b associado com a porção maior do factor B). O C3bBb tem
função de C3 convertase, sendo estabilizado pela properdina, que aumenta a sua semivida.

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Dado actuar como C3 convertase, o C3bBb consegue gerar ainda mais C3a e C3b – este passo é auto-
catalisado e permite uma grande amplificação. De facto, o C3b formado neste último passo, pode-se
juntar à C3 convertase, originando o complexo C3bBb3b, que exibe função de C5 convertase.

Via das lecitinas

Esta via, tal como a alternativa, não depende da formação de complexos auto-imunes. De facto, a sua
activação depende da ligação da lecitina a resíduos de manose constituintes de glicoproteínas ou
hidratos de carbono localizados na superfície de micoorganismos.

Esta lecitina pode se encontrar sob a forma de MBL (manose-binding lecitin), uma proteína de fase
aguda, produzida em resposta à inflamação. Após a MBL se ligar à superfície dos microorganismos,
ocorre recrutamento das proteases MASP-1 e MASP-2, cujas funções se assemelham às da C1r e C1s. De
facto, a MASP-1 e 2 são capazes de clivar a C4 e C2, originado C3 convertase e, posteriormente, C5
convertase. Mais uma vez, este processo culmina na formação de C5b, o qual é necessário para a síntese
do complexo de ataque à membrana.

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Formação do complexo ataque à membrana

Como referido anteriormente, o fragmento C5b pode ser formado a partir de três vias distintas. De
qualquer forma, qualquer que tenha sido a via seguida, o C5b liga-se à membrana celular.
Subsequentemente, o fragmento C6 liga-se ao C5b, impedindo que este seja degradado (note-se que o
C5b apresenta um reduzido tempo de semi-vida). Gera-se, assim, o complexo C5b6.

Até este ponto, todas as reacções descritas envolvendo o sistema de complemento ocorriam ao nível da
superfície hidrofílica das membranas ou do fluido plasmático. Contudo, quando o C5b6 se liga ao C7,
forma-se um complexo que sofre uma alteração estrutural, passando a expor as suas regiões
hidrofóbicas.

Se esta reacção ocorrer na membrana de uma célula-alvo, a exposição dos locais hidrofóbicos permite
que o complexo C5b67 seja inserido na bicamada fosfolipídica. Por oposição, se esta reacção ocorrer
num complexo imune (ou em outra superfície activadora não-celular), os locais hidrofóbicos expostos
são incapazes de ancorar o complexo C5b67 – subsequentemente, este complexo é libertado, inserindo-
se na membrana das células mais próximas e mediando a lise destas (lise “innocent-bystander”).

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Normalmente, as proteínas reguladoras previnem a ocorrência deste fenómeno, todavia, em alguns


estados patológicos, ocorre lesão celular e tecidular secundária a este fenómeno de lise “innocent-
bystander”.

A ligação do C8 ao C5b67 membranar induz uma alteração conformacional no C8, de tal modo que este
fragmento também sofre uma alteração estrutural anfifílica, passando a expor a sua região hidrofóbica,
que interage com a membrana plasmática. Subsequentemente, o complexo C5b678 formado cria um
pequeno poro (com um diâmetro de 10Å), o qual pode induzir lise dos eritrócitos, mas não das células
nucleadas.

Assim, a formação do complexo de ataque da membrana requer uma etapa adicional, a qual consiste na
ligação e polimerização de C9 ao complexo C5b678. O C9 é uma molécula similar a uma perforina, sendo
que entre 10-17 moléculas de C9 são capazes de se ligar a um único complexo C5b678.

Durante a sua polimerização, as moléculas C9 sofrem mais uma transição hidrofílica-anfifílica, de tal
modo que estas também passam a ser capazes de se inserir na membrana. Gera-se, assim, um
complexo de ataque à membrana (MAC) completo, o qual apresenta uma forma tubular e um poro
funcional de 70-100Å. Em termos estruturais, o MAC é constituído por um complexo C5b678, rodeado
por um complexo de vários C9. Uma vez que os iões e pequenas moléculas são capazes de se difundir
livremente pelo canal central do MAC, a célula deixa de ser capaz de manter a sua estabilidade osmótica
e, por conseguinte, morre.

Regulação do sistema complemento

Vários elementos do sistema de complemento são capazes de atacar células do hospedeiro, bem como
antigénios estranhos e microorganismos, de tal modo que são necessários mecanismos reguladores que
consigam restringir a actividade do sistema de complemento aos seus alvos desejados.

Um dos mecanismos reguladores comuns a todas as vias do complemento prende-se com o facto de
todos os componentes deste sistema sofrerem rápida e espontânea inactivação, caso não reajam e
sejam estabilizados por outros componentes.

Para além disso, existem várias proteínas reguladoras capazes de inactivar vários componentes do
complemento. A título de exemplo, o inibidor da glicoproteína C1 (C1Inh) é capaz de formar um
complexo com o C1r2s2, promovendo a sua dissociação do C1q e, por conseguinte, prevenindo ulterior
activação do C4 e C2.

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As reacções catalisadas pelas convertase do C3 constituem a principal etapa de amplificação do


processo de activação do sistema de complemento, na medida em que permitem gerar centenas de
moléculas C3b. Ora, o C3b gerado por essas enzimas é capaz de se lesar as células saudáveis mais
próximas, quer opsonizando-as, quer induzindo a formação do MAC. Contudo, estes fenómenos
deletérios são minimizados pelo facto de o C3b sofrer hidrólise espontânea a partir do momento em
que se afasta 40nm das convertases C4b2a ou C3bBb.

Para além disso, a destruição tecidular mediada pelo C3b é limitada por parte de um conjunto de
proteínas que regulam a actividade da C3 convertase. Essas proteínas reguladoras contêm sequências
aminoacídicas repetitivas designadas por pequenas repetições de consenso (SCR), sendo codificadas a
partir do gene RCA sito no cromossoma 1.

Na via clássica e das lecitinas, três proteínas RCA estruturalmente distintas actuam de modo similar para
prevenir a formação da convertase C3. Essas proteínas reguladoras incluem a proteína de ligação ao
C4b (C4bBP), o CR1 (receptor do complemento tipo 1) e a MCP. Cada uma dessas proteínas liga-se ao
C4b prevenindo a sua ligação ao C2a. Após ter ocorrido ligação do C4bBP, CR1 ou MCP ao C4b, este
factor sofre uma clivagem, a qual é operada pelo factor I – gera-se, assim, o fragmento membranar C4d
e o fragmento solúvel C4c.

Uma sequência reguladora similar actua num sentido de prevenir a formação da convertase do C3 da via
alternativa (C3bBb). Neste caso, o CR1, o MCP ou o factor H ligam-se ao C3b, impedindo a sua
associação com o factor B. Após ter ocorrido ligação do CR1, MCP, ou factor H ao C3b, o factor I cliva o
C3b em dois fragmentos – o fragmento membranar iC3b e o fragmento solúvel C3f. A ulterior clivagem
do iC3b pelo factor I gera C3c (um factor solúvel) e C3dg (um factor membranar).

Várias proteínas RCA também actuam na convertase C3, causando a sua dissociação. Entre essas
proteínas, destaque para a C4bBP, CR1 e para o factor H. Para além disso, o factor DAF (CD55), que se
encontra ancorado covalentemente a um glicofosfolipídeo membranar, também é capaz de dissociar a
convertase C3.

Cada uma dessas proteínas RCA acelera a dissociação da convertase C3, por indução da libertação do
seu componente com actividade catalítica (nomeadamente o C2a ou o Bb). Após ter ocorrido
dissociação da convertase do C3, o factor I cliva o componente C4b ou C3b (que permanece ligado à
membrana), inactivando irreversivelmente a convertase C3.

As proteínas reguladoras também actuam ao nível do MAC. De facto, várias proteínas plasmáticas são
capazes de se ligar ao C5b67, impedindo que este complexo se insira na membrana das células mais
próximas. Para além disso, a proteína S (presente no plasma) é capaz de se ligar ao C5b67, induzindo
uma transição hidrofílica deste componente e, por conseguinte, impedindo a sua inserção na membrana
das células mais próximas.

A lise mediada pelo complemento é mais eficaz caso as células-alvo do sistema complemento
pertençam a uma espécie diferente. Este fenómeno depende de duas proteínas membranares que
bloqueiam a formação do MAC – estas duas proteínas, que se encontram presentes na membrana de
vários tipos celulares, designam-se por HRF (homologous restriction factor) e MIRL (CD59 - membrane
inhibitor of reactive lysis). Tanto o HRF como o MIRL protegem as células do self da lise não-específica
mediada pelo sistema de complemento – de facto, estes dois factores são capazes de se ligar ao C8,
prevenindo a formação do complexo poli-C9 e, por conseguinte, a sua inserção na membrana
plasmática. Todavia, como anteriormente referido, o MIRL e o HRF apresentam restrição homóloga, ou
seja, apenas inibem elementos do complemento da mesma espécie.

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Consequências biológicas da activação do sistema complemento

O sistema de complemento actua como um importante mediador da resposta humoral, amplificando-a


e convertendo-a num mecanismo de defesa eficaz de destruição dos microorganismos patogénicos.
Enquanto o MAC medeia a lise celular, outros componentes do sistema de complemento participam na
resposta inflamatória, opsonização de antigénios, neutralização vírica e remoção dos complexos imunes.

Muitas das actividades biológicas do sistema de complemento dependem da ligação de fragmentos do


complemento a receptores expressos por várias células. Para além disso, alguns receptores do
complemento desempenham um importante papel na regulação da actividade deste sistema, na medida

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em que se ligam aos componentes activos do sistema de complemento e os degradam em produtos


inactivos.

Acções do MAC

O MAC é capaz de lisar bactérias gram-negativas, parasitas, vírus, eritrócitos e células nucleadas. Uma
vez que as vias alternativas e da lecitina normalmente ocorrem sem que se verifique uma interacção
antigénio-anticorpo prévia, estas vias actuam como importantes defesas imunes inatas contra
microorganismos patogénicos. Por outro lado, a necessidade de uma reacção antigénio-anticorpo inicial
para que ocorra activação da via clássica complementa as defesas inatas não-específicas com um
mecanismo de defesa mais específicos.

A acção do sistema de complemento é deveras importante na defesa contra vírus, sendo crucial para a
contenção de uma infecção viral aguda, bem como para a protecção contra as reinfecções. De facto, a
maior parte (se não todos) os vírus com invólucro são susceptíveis à lise mediada pelo complemento.

O sistema de complemento é ainda relativamente eficaz contra a maioria das bactérias gram-negativas.
Todavia, algumas bactérias gram-negativas e a maior parte das bactérias gram-positivas dispõem de
mecanismos que lhes permitem evitar os danos mediados pelo sistema de complemento. A título de
exemplo, as estirpes bacterianas com expressão lipopolissacarídeos mais longos e em maior quantidade
manifestam maior resistência à acção do MAC (que deixa de ser tão facilmente inserido na membrana
bacteriana).

As bactérias gram-positivas são, normalmente, resistentes à lise mediada pelo sistema de complemento,
pois a espessa camada de peptidoglicano expressa na sua parede celular impede a inserção do MAC na
membrana interna. Para além disso, algumas bactérias gram-positivas expressam elastase, sendo que
esta enzima inactiva o C3a e o C5a, impedindo que esses produtos induzam uma resposta inflamatória.

Para além desses mecanismos de evasão, vários microorganismos contêm proteínas capazes de
interromper as cascatas do sistema de complemento à sua superfície, mimetizando o efeito das
proteínas C4bBP, CR1 e DAF.

A lise das células nucleadas requer a formação de múltiplos MAC (por oposição, a lise de células
anucleadas requer a presença de um único MAC). De facto, algumas células nucleadas, tais como a
maioria das células tumorais, são capazes de endocitar o MAC e de restabelecer os danos membranares
causados por este complexo. Desta forma, as células conseguem restaurar a sua estabilidade osmótica e
sobreviver – isso explica porque é que a lise mediada pelo sistema de complemento é pouco eficaz
contra células tumorais.

Inflamação

Vários peptídeos gerados aquando da formação do MAC desempenham um importante papel no


desenvolvimento de uma resposta inflamatória eficaz. De facto, os peptídeos C3a, C4a e C5a
(conhecidos colectivamente como anafilatoxinas) ligam-se a receptores dos mastócitos e basófilos
sanguíneos, induzindo desgranulação com subsequente libertação de histamina e outros mediadores
activos. Para além disso, as anafilatoxinas induzem contracção do músculo liso e aumento da
permeabilidade vascular. Dessa forma, a activação do sistema complemento resulta no influxo de
anticorpos e células fagocíticas para o local de contacto com o antigénio.

As actividades destas anafilatoxinas são reguladas pela carboxipeptidase N, uma protease sérica que
remove um resíduo terminal de arginina destes peptídeos. Assim, a carboxipeptidase N actua no C3a e

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no C4a, gerando peptídeos completamente inactivos; e actua no C5a, gerando um metabolito com
menor actividade.

O C3a, o C5a e o C5b67 são ainda capazes de promover a adesão neutrofílica e monocitária ao endotélio
vascular, bem como o processo de diapedese. Para além disso estes factores, sobretudo o C5a,
apresentam importantes propriedades quimiotáticas.

Opsonização

O C3b constitui a principal opsonina do sistema de complemento, embora o C4b e o iC3b também
apresentem acção opsonizante. Assim, a amplificação que ocorre na sequência da activação de C3 leva a
que os complexos imunes e os antigénios particulados passem a ser cobertos por C3b.

As células fagocíticas (tal como outras células) expressam receptores do complemento (CR1, CR3 e CR4),
os quais são capazes de se ligar ao C3b, C4b ou iC3b. Assim, um antigénio opsonizado com C3b passa a
ser capaz de se ligar a células que expressem o receptor CR1 – caso essa célula seja um fagócito, ocorre
indução da fagocitose.

Para além disso, sabe-se que a activação das células fagocíticas por parte de vários agentes (tais como a
anafilatoxina C5a) resulta num aumento substancial do número de CR1 expressos nos fagócitos, o que
facilita a fagocitose dos antigénios envoltos por C3b.

Neutralização de infecções virais

Para a maior parte dos vírus, a ligação de anticorpos plasmáticos às subunidades repetidas das proteínas
estruturais virais cria complexos imunes particulados, os quais permitem a activação do sistema de
complemento pela via clássica. Para além disso, alguns vírus (tais como o retrovírus, o vírus de Epstein-
Barr, o vírus da doença de Newcastle, e o vírus da rubéola) são capazes de activar a via alternativa, a via
das lecitinas ou, mesmo, a via clássica na ausência de anticorpos.

O sistema complemento medeia a neutralização viral através de vários mecanismos. A neutralização é,


em parte, conseguida através da formação de agregados virais de maiores dimensões, uma vez que
esses agregados reduzem o número total de partículas víricas infecciosas. De facto, a ligação do sistema
complemento à superfície das partículas víricas cria um espesso invólucro proteico que bloqueia a
adesão vírica às células do hospedeiro.

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Para além disso, a formação destes depósitos também facilitam a ligação das partículas virais aos
receptores de complemento CR1, promovendo a sua fagocitose e destruição intracelular. Por fim, como
já foi referido, o complemento é eficaz a lisar a maior parte dos vírus com invólucro.

Remoção dos complexos imunes de circulação

O sistema complemento é essencial para remover os


complexos imunes de circulação. Pensa-se que os défices
do sistema complemento interfiram com a solubilização e
eliminação dos complexos imunes. Como resultado, esses
complexos acumulam-se, induzindo danos tecidulares
pelo próprio sistema de complemento. A lúpus
eritematosa sistémica constitui um exemplo deste
paradoxo – nos pacientes com lúpus, ocorre produção de
grandes quantidades de complexos imunes, bem como
importantes fenómenos de lise mediada pelo sistema de
complemento (o que resulta em danos tecidulares).
Todavia, paradoxalmente, os défices do sistema de
complemento (nomeadamente, de C1, C2, C4 e CR1)
predispõem os indivíduos para o desenvolvimento de
lúpus.

Em termos moleculares, sabe-se que o C3b ligado aos


complexos imunes passa a ser capaz de se ligar ao CR1
expresso nos eritrócitos. Deste modo, os eritrócitos
transportam os complexos imunes envolvidos pelo C3b,
transportando-os para o fígado e baço. Nesses órgãos, os
complexos imunes são separados dos eritrócitos, sofrendo
ulterior fagocitose, o que previne a sua deposição
tecidular. Ora, nos pacientes com lúpus, os défices de C1,
C2 e C4 levam a que menos C3b seja capaz de se ligar aos
complexos imunes. Consequentemente, ocorre
acumulação destes complexos e subsequente lesão
tecidular.

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