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Protocolo Ambulância SIV

AFOGAMENTO E
ACIDENTES DE MERGULHO

INTRODUÇÃO

As ocorrências relacionadas com a água ou outros meios líquidos podem ser de diversa natureza, com
os afogamentos e os acidentes relacionados com o mergulho a merecerem uma atenção particular.
Portugal tem uma grande extensão de costa e uma rede hidrográfica importante, com praias
frequentadas anualmente por milhões de banhistas, um número crescente de piscinas (públicas e
particulares) e de instalações recreativas aquáticas (os “aquaparques”). Existe ainda um número considerável
de lagos, poços, tanques, pedreiras alagadas e muitos outros locais onde existe água. Em muitos destes
exemplos, a segurança é deficiente ou mesmo inexistente, potenciando o risco de afogamento.
Relativamente ao mergulho, nos últimos anos tem-se verificado um aumento do interesse por esta
atividade, sendo cada vez mais os mergulhadores recreativos. Embora a maior parte dos mergulhos decorra
sem problemas, ocasionalmente podem verificar-se acidentes ou complicações.
Além da assistência rápida, é necessário que os cuidados pré-hospitalares sejam prestados de forma
correta, permitindo a estabilização do afogado ou da vítima de um acidente de mergulho e a sua preparação
para o transporte para a Unidade de Saúde mais adequada.
As prioridades da abordagem destas situações são:
1) Garantir a segurança da vítima e da equipa durante toda a intervenção.
2) Identificar e corrigir lesões que implicam risco de vida, efetuando manobras de RCP quando indicado.
3) Não agravar as lesões existentes nem provocar novas lesões.
4) Identificar as situações em que o tratamento recompressivo (em câmara hiperbárica) está indicado.

AFOGAMENTO
Em Portugal, o afogamento continua a ser uma causa de mortalidade importante, particularmente no
grupo etário entre 1 e 4 anos, onde é a segunda causa de mortes acidentais (dados de 2010).
Embora termos como afogamento, quase-afogamento, pré-afogamento e vários outros sejam usados
frequentemente, muitas vezes, o contexto em que estas designações são empregues é pouco claro.

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Versão 3.0 ?? / ?? / 2013 DEM
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Importa, portanto, utilizar uma terminologia mais objetiva, com definições claras que eliminem estas
imprecisões. De acordo com as recomendações internacionais (ILCOR Advisory Statement e Organização
Mundial de Saúde), designações como pré-afogamento, afogamento sem aspiração (seco), com aspiração
(molhado/húmido), silencioso, ativo, passivo ou secundário não devem ser utilizados. Estes
termos/expressões devem ser substituídos por afogamento e, relativamente às consequências do
afogamento, devem ser utilizados morte por afogamento, afogamento com sequelas (com morbilidade) e
afogamento sem sequelas (sem morbilidade). Estas designações serão utilizadas neste protocolo.
Por afogamento entende-se a situação em que há compromisso da ventilação devido a
submersão/imersão num meio líquido. Subjacente a esta definição está o facto de existir uma interface líquida
na entrada das vias aéreas que impede a vítima de respirar ar.
Morte por afogamento designa as situações em que é possível estabelecer uma cadeia de causalidade
clara entre o episódio de afogamento e a causa de morte, independentemente do tempo decorrido entre
ambos. As situações em que a vítima de afogamento sobrevive, designam-se por afogamento com sequelas,
se o episódio de afogamento originou sequelas irreversíveis, ou afogamento sem sequelas, se o afogamento
não provocou lesões ou se as lesões sofridas foram reversíveis. Incluem-se no grupo dos sobreviventes de
afogamento todas as vítimas de afogamento que foram reanimadas com sucesso e tiveram alta hospitalar ou
morreram por causas não diretamente relacionadas com o afogamento.
O processo de afogamento tem início quando a vítima é incapaz de respirar ar porque as suas vias
aéreas ficam abaixo da superfície de um líquido. Na grande maioria das vezes, o líquido é água.
Numa fase inicial a vítima prende a respiração, podendo existir laringospasmo secundário à existência
de água a nível da orofaringe ou laringe. Após algum tempo a vítima fica hipóxica, hipercápnica e acidótica,
sendo frequente a ingestão de grandes quantidades de água. Com o agravamento da diminuição da PaO 2, o
laringospasmo desaparece e a vítima “respira” o líquido de forma ativa, encharcando os pulmões com
quantidades variáveis desse líquido. Seguem-se alterações a nível pulmonar, dos fluidos corporais, da tensão
sangue-gases, do equilíbrio ácido-base e das concentrações de electrólitos, dependentes da composição e
volume do líquido aspirado e da duração da submersão/imersão. Alterações do surfactante, hipertensão
pulmonar e o aparecimento de shunts intrapulmonares contribuem para o agravamento da hipoxemia.
Se o processo de afogamento continuar, a paragem circulatória ocorre, resultando em disfunção
multiorgânica e morte, sendo a causa primária a hipóxia tecidular.
Em caso de afogamento num líquido com temperatura abaixo dos 10 oC, mecanismos adicionais podem
ter lugar, nomeadamente os resultantes dos efeitos cardiovasculares induzidos pelas baixas temperaturas,
onde se incluem a hipertensão e taquidisritmias.

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Se a vítima for resgatada pode não ser necessária qualquer intervenção (sobrevivente sem sequelas) ou
pode ser necessário instituir medidas de reanimação que, quando adequadas, podem interromper o processo
de afogamento.
O cérebro e o coração são os órgãos mais sensíveis à falta de oxigénio pelo que, mesmo períodos
curtos de hipóxia, podem causar danos irreversíveis ou conduzir à morte. A causa de morte mais frequente
nos afogados hospitalizados é a encefalopatia anóxica, com ou sem edema cerebral.
A prioridade no afogado é o seu resgate e a instituição precoce das medidas necessárias para corrigir a
hipóxia, a hipercápnia e a acidose, e restaurar o funcionamento normal dos órgãos.

ACIDENTES DE MERGULHO
Por acidentes de mergulho entendem-se as situações associadas ao mergulho (recreativo, desportivo ou
profissional) com aparelho respiratório subaquático autónomo (SCUBA – Self-Contained Underwater
Breathing Apparatus), resultantes das variações de pressão hidrostática experimentadas durante o mergulho
e dos efeitos dessas variações sobre o comportamento dos gases.
As principais complicações do mergulho com aparelho respiratório autónomo são:
1. Barotrauma (dos seios perinasais, dos ouvidos e dos pulmões).
2. Acidente por descompressão (doença por descompressão e embolia gasosa arterial).
3. Edema pulmonar.
4. Efeitos tóxicos associados ao aumento da pressão parcial dos gases.

As manifestações clínicas destas complicações podem surgir durante o mergulho ou nas 24 horas
seguintes.

1. Barotrauma
Esta complicação resulta da variação do volume dos gases existentes em algumas cavidades do corpo
provocada pelas variações de pressão (de acordo com a Lei de Boyle, para a mesma temperatura, o volume
de um gás é inversamente proporcional à pressão). O mergulhador é sujeito a uma pressão hidrostática
proporcional à profundidade a que se encontra (a pressão aumenta cerca de 1 atm por cada 10 metros de
profundidade), o mesmo acontecendo aos gases existentes nas suas cavidades.
Quando a variação de volume dos gases excede a capacidade de adaptação dessas cavidades podem
surgir lesões, particularmente quando a variação de volume é rápida. Estas lesões são mais frequentes a
nível dos ouvidos, seios perinasais e pulmões:

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Barotrauma do ouvido: pode surgir a nível do ouvido externo, médio e interno e, dependendo das
estruturas afetadas, pode manifestar-se por dor, tinnitus (“zumbidos”), náuseas, vómitos, diminuição da
acuidade auditiva e vertigens. O barotrauma do ouvido médio é a complicação mais frequente do mergulho.
Barotrauma perinasal: pode manifestar-se por dor (geralmente na fase descendente do mergulho,
seguida de epistáxis. È a segunda complicação mais frequente do mergulho.
Barotrauma pulmonar: forma mais grave de barotrauma, podendo ser fatal. Surge durante a subida à
superfície, se o mergulhador “prender” a respiração (não respeitando uma das várias regras de segurança do
mergulho). A diminuição da pressão vai provocar o aumento de volume do ar dentro dos pulmões, causando
distensão e lesões do parênquima pulmonar. O barotrauma pulmonar pode originar pneumotórax,
pneumomediastino, enfisema subcutâneo no pescoço e tórax, hemorragias alveolares e embolias gasosas.

2. Acidente por descompressão


Esta complicação surge na sequência da formação de bolhas gasosas, constituídas sobretudo por azoto,
devido à diminuição da pressão a que o mergulhador é sujeito durante o retorno à superfície.
Para que o mergulhador possa respirar dentro de água, o ar tem que ser fornecido com uma pressão
igual àquela a que ele está sujeito e que depende da profundidade do mergulho. Para isso, o aparelho
respiratório autónomo dispõe de um regulador de pressão, responsável pela equalização da pressão do ar
inspirado com a pressão ambiente. Sem o regulador, os músculos respiratórios não teriam a força suficiente
para vencer a pressão resultante do peso da água, tornando a inspiração impossível a poucos metros da
superfície, mesmo que o mergulhador tivesse um tubo que lhe permitisse aspirar ar da superfície.
Assim, durante um mergulho com aparelho respiratório autónomo, a pressão do ar inspirado varia de
forma diretamente proporcional à profundidade, podendo ser atingidos valores várias vezes superiores ao
normal. A pressão aumentada do ar inspirado em conjugação com a duração do mergulho, provoca a
dissolução e progressiva acumulação de grandes quantidades de azoto nos tecidos, uma vez que este gás
não é metabolizado e constitui cerca de 78 % do ar. A quantidade de gás dissolvida nos fluidos corporais é
proporcional à pressão parcial desse gás, de acordo com a Lei de Henry.
De modo a garantir a libertação gradual do azoto dissolvido, o que acontece normalmente a nível
pulmonar, os mergulhadores devem cumprir os denominados “patamares de descompressão” (períodos de
alguns minutos passados a profundidades determinadas), definidos de acordo com a duração do mergulho e
a profundidade atingida, em conformidade com as tabelas de descompressão elaboradas por diversas
entidades (por exemplo, US Navy, Royal Navy, NOAA, PADI, etc.). Se pretenderem mergulhar sem recurso
aos “patamares” de descompressão (mergulho sem descompressão, nonstop ou no-decompression dive), os
mergulhadores devem respeitar os limites de segurança definidos para profundidade máxima, tempo e
intervalo entre mergulhos, recorrendo a tabelas específicas para este fim.

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Se houver uma diminuição demasiado rápida da pressão, a libertação do azoto dissolvido nos tecidos
poderá não ser feita de modo gradual, no local adequado (pulmões), levando à formação de bolhas gasosas
nos tecidos, artérias, veias e vasos linfáticos.
As principais causas para o aparecimento dos Acidentes por Descompressão são o desrespeito pelos
limites para um mergulho seguro (em termos de tempo, profundidade e intervalo entre mergulhos) ou a
incapacidade/impossibilidade para cumprir os “patamares” de descompressão. No entanto, outros fatores
podem predispor à formação de bolhas gasosas (como a idade, o peso, a condição física ou uma
predisposição individual), existindo vários registos de doença descompressiva em mergulhadores que
cumpriram os “patamares” previstos nas tabelas de descompressão. Por este motivo, todos os mergulhos
com aparelho respiratório autónomo representam um risco potencial para o aparecimento desta complicação.
O acidente por descompressão pode manifestar-se de duas formas:
Doença por descompressão: esta forma de acidente por descompressão divide-se em dois tipos (I e II).
A Doença por Descompressão de Tipo I (também designado por “bends”) caracteriza-se por dores
musculares difusas e articulares, particularmente a nível dos cotovelos, ombros, ancas e joelhos. As dores
podem ser severas e, geralmente, surgem até 1 hora após o regresso à superfície, aumentando
gradualmente nas 24 a 36 horas seguintes. A formação de bolhas gasosas a nível da pele e dos vasos
linfáticos traduz-se por um rash cutâneo com aspeto marmóreo característico (“cutis marmorata”) e linfedema.
A Doença por Descompressão de Tipo II (também designado por “chokes”) apresenta maior gravidade
e, além das alterações referidas para o Tipo I, caracteriza-se pela existência de sintomatologia neurológica e
cardiovascular. As alterações neurológicas podem ser diversas, dependendo das regiões do Sistema Nervoso
envolvidas. As lesões medulares são as mais frequentes, manifestando-se por parestesias dos membros.
Outras manifestações incluem paralisia, vertigens, ataxia, disfasia, incontinência de esfíncteres, perturbações
visuais e alterações do estado de consciência. As manifestações cardiovasculares resultam da formação de
êmbolos gasosos a nível da circulação pulmonar (arterial) dando origem a desconforto retroesternal,
hipertensão pulmonar, edema pulmonar, tosse e dispneia (“chokes”).
Embolismo gasoso arterial. A presença de bolhas de gás na circulação venosa é comum após o
regresso do mergulhador à superfície, sendo estas bolhas eliminadas a nível dos capilares pulmonares. No
entanto, após um barotrauma pulmonar ou perante a existência de um shunt intracardíaco direito-esquerdo,
as bolhas de gás podem entrar para a circulação arterial, dando origem a um embolismo gasoso arterial.
As manifestações mais frequentes do embolismo gasoso arterial são sobreponíveis a um AVC
tromboembólico, variando entre défices focais de instalação rápida (com hemiplegia, alterações do estado de
consciência e convulsões) síncope e morte. Outras manifestações resultam da oclusão das artérias
coronárias e incluem disritmias e enfarte do miocárdio.

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3. Edema pulmonar
Esta complicação tem sido observada em mergulhadores jovens, após mergulhos em águas frias ou
temperadas. Não se relaciona com o Barotrauma nem com o Acidente por Descompressão mas a sua
patofisiologia permanece mal esclarecida. Uma explicação possível baseia-se no aumento de fluidos no
espaço intravascular como consequência do aumento da pressão hidrostática, associado a um aumento do
afterload e da pressão capilar pulmonar. Estas alterações hemodinâmicas poderiam conduzir ao edema,
particularmente quando associadas a disfunção ventricular esquerda.
O edema pulmonar do mergulhador caracteriza-se por desconforto torácico, tosse com expectoração
arejada, hemoptises, broncospasmo, ortopneia, fraqueza muscular e tonturas.
Quando as condições que predispõem ao edema são corrigidas, esta situação deve resolver de forma
espontânea. No entanto, outras causas de edema pulmonar devem ser excluídas (por exemplo, embolia
pulmonar, isquemia ou enfarte do miocárdio, disritmias ou hipertensão).

4. Efeitos tóxicos associados ao aumento da pressão parcial dos gases


O aumento da pressão de uma mistura de gases condiciona aumentos proporcionais das pressões
parciais dos gases dessa mistura, como expresso por um dos corolários da Lei de Dalton. Esta Lei estipula
que a pressão de uma mistura de gases é igual à soma das pressões parciais dos gases que compõem a
mistura. Como resultado do aumento da pressão parcial dos gases que se verifica durante o mergulho, alguns
gases podem começar a ter efeitos tóxicos, como resultado do aumento da quantidade de gás dissolvido (Lei
de Henry). É o caso do dióxido de carbono (CO2), do oxigénio e do azoto.
A toxicidade do dióxido de carbono surge quando se verifica um aumento da pressão parcial de CO2
no sangue arterial (hipercapnia), sendo as cefaleias o primeiro sintoma de toxicidade pelo CO2. Outras
manifestações são tonturas, confusão, dispneia e sensação de calor facial. Em casos mais graves pode surgir
depressão respiratória e cardíaca, seguidas de letargia, síncope e convulsões.
A hipercapnia pode surgir nas situações em que há retenção de CO2, associada ou não a um aumento da
produção (por exemplo, por aumento da atividade física). Nas causas de retenção incluem-se as situações
em que o mergulhador hipoventila conscientemente para poupar ar, veste um fato de mergulho que lhe limita
a expansão torácica, apresenta anomalias nas trocas gasosas intrapulmonares ou utiliza um aparelho
respiratório autónomo em circuito fechado ou semifechado com uma anomalia no seu funcionamento. Nos
aparelhos que funcionam em circuito fechado ou semifechado, o ar expirado é reutilizado e são utilizados
filtros que removem o CO2 produzido. Os mergulhadores que utilizam estes aparelhos têm um risco
aumentado de toxicidade pelo CO2, sempre que o processo de remoção deste gás estiver diminuído.
A toxicidade do CO2 desaparece depressa com o retorno à superfície e a remoção da causa da retenção.

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A toxicidade do oxigénio pode surgir após longos períodos de sujeição a pressões parciais de oxigénio
elevadas, particularmente quando são utilizadas misturas gasosas enriquecidas em oxigénio (geralmente
utilizadas por profissionais em mergulhos técnicos). A metabolização do oxigénio dá origem à formação de
radicais livres, normalmente removidos pela acção de várias enzimas. O aumento da pressão parcial do
oxigénio provoca o aumento da produção dos radicais livres, podendo ser ultrapassada a capacidade de
remoção enzimática. A consequente acumulação de radicais livres vai danificar vários sistemas metabólicos
celulares, sendo afetados de forma mais severa os constituintes lipídicos do SNC.
As manifestações incluem náuseas, tonturas, parestesias, alucinações auditivas, perturbações visuais,
mioclonias, irritabilidade, desorientação e convulsões.
Sendo uma situação pouco frequente, o regresso à superfície é o factor mais importante para reduzir as
consequências desta situação. Mesmo perante a suspeita de que um mergulhador possa ter sido vítima desta
situação, a administração de oxigénio (normobárico) deve ser feita sempre que indicado uma vez que a
necessidade de administração de oxigénio se sobrepõe a eventuais preocupações com a sua toxicidade.
A toxicidade do azoto (narcose do azoto) manifesta-se devido à sua acumulação e dissolução nos
constituintes lipídicos do tecido nervoso. O azoto afeta de forma particular as membranas neuronais,
reduzindo a excitabilidade dos neurónios.
As manifestações são similares à intoxicação alcoólica aguda e dependem da profundidade. A cerca de
30 metros pode surgir euforia, fraqueza muscular, descoordenação motora, alterações da memória e da
capacidade de raciocínio. Para profundidades maiores, desorientação e síncope podem ocorrer.
Com o retorno à superfície, as manifestações da narcose do azoto desaparecem.

ATUAÇÃO

A primeira preocupação deve ser a segurança da equipa e das vítimas: actuar de acordo com as
circunstâncias, em coordenação com as autoridades presentes no local.
Um ponto prévio fundamental que vai condicionar a atuação da equipa, depende da localização da
vítima, particularmente se esta ainda se encontra dentro de água ou se já foi resgatada para uma zona
segura. No primeiro caso, a equipa SIV deve informar imediatamente o CODU, solicitando, se necessário, o
envio dos meios de socorro adequados para o resgate da vítima.
Em seguida deverá ser esclarecido em que contexto se verificou a ocorrência, identificando as vítimas de
afogamento ou de acidentes de mergulho (o afogamento pode ocorrer devido a um acidente de mergulho).

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A existência do fato de mergulho e do aparelho respiratório autónomo é quase sempre indicativa da


ocorrência de um acidente de mergulho, complicado ou não de afogamento.
Perante um afogado, avaliar sempre a possibilidade de existência de lesão vértebro-medular e, quando
indicado, tomar as necessárias precauções de imobilização. Essa possibilidade é particularmente elevada
quando o afogamento surge na sequência de um mergulho.
Nos casos de afogamento, não esquecer de avaliar a possível associação com hipotermia.
Com a vítima num local seco e seguro, devem ser tomadas as seguintes medidas:
 Garantir a segurança da equipa e da vítima.
 Efetuar uma avaliação rápida das circunstâncias da ocorrência, procurando identificar fatores
que poderão comprometer a segurança e necessidades especiais.
 Obter uma impressão geral sobre o estado da vítima.
 Perante a suspeita de trauma associado, abordar a vítima de acordo com o Protocolo
Abordagem do Traumatizado.
 Identificar as vítimas em que a hipotermia pode ser um fator a considerar. Nesses casos, logo
que seja possível, iniciar medidas de aquecimento físico. Se exequível, colocar a vítima na
ambulância rapidamente e ligar o aquecimento da célula sanitária.
 Avaliar se a vítima está consciente ou não.
 Se a vítima está consciente, orientada e colaborante, iniciar um inquérito dirigido, recolhendo as
principais queixas e procurando caracterizar a sintomatologia referida. Questionar
especificamente sobre a existência de dispneia, parestesias e dores articulares e esclarecer
outras queixas relevantes. Este inquérito deve ser feito em simultâneo com os procedimentos
descritos em seguida. O doente consciente que responde normalmente, pelo menos naquele
momento, tem a via aérea permeável, está a respirar e tem boa perfusão cerebral.
 Avaliar e garantir a permeabilidade da via aérea.
 Efetuar o VOSP e avaliar a eficácia da respiração, pesquisando sinais de dificuldade respiratória.
 Na vítima em PCR atuar de acordo com o Protocolo PCR adequado.
 Na vítima em paragem respiratória, iniciar ventilação com máscara e insuflador manual
conectado a fonte de Oxigénio. Após 1 minuto de ventilações efetivas, reavaliar e, se a vítima
permanecer em paragem respiratória, efetuar uma tentativa de colocação de máscara laríngea
(ver Procedimento Colocação de Máscara Laríngea). Em caso de insucesso, manter
ventilação com insuflador manual e máscara.
 Iniciar a monitorização da SpO2.

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 Administrar Oxigénio de acordo com a SpO2, procurando que esta se mantenha ≥ 95 %. Na


vítima que não se encontra consciente, orientada e colaborante, administrar imediatamente
oxigénio através de máscara de alta concentração.
 Perante a suspeita de barotrauma pulmonar, pesquisar a existência de pneumotórax. Se
existirem sinais de pneumotórax hipertensivo, proceder de acordo com o Procedimento
Descompressão de Pneumotórax Hipertensivo.
 Identificar e controlar hemorragias externas importantes. Avaliar a possibilidade de hemorragias
internas ou ocultas.
 Avaliar as características da pele, em particular, a temperatura, coloração e sudorese. Avaliar o
tempo de preenchimento capilar.
 Palpar pulso periférico e avaliar frequência e amplitude. Avaliar a TA.
 Monitorizar ECG nas vítimas inconscientes, com qualquer compromisso (real ou potencial) da via
aérea, com sinais de compromisso da função respiratória ou com qualquer alteração da
avaliação do C até ao momento.
 Nas vítimas que apresentem qualquer tipo de compromisso de ABCD (real ou potencial), obter
acesso venoso e iniciar NaCl 0,9 % a 40 gotas/min no adulto e 20 gotas/min na criança.
 Na vítima com sinais indiciadores de choque, nomeadamente hipotensão, palidez, aumento do
tempo de preenchimento capilar e na ausência de dificuldade respiratória evidente, administrar
bólus EV de NaCl 0,9 % 500 ml no adulto e 5 ml/kg na criança (se trauma: 1.000 ml no adulto e
10 ml/Kg na criança).
 Na presença de dificuldade respiratória, validar a administração do bólus.
 Reavaliar ao fim de 5 minutos. Se se mantiver a situação, repetir o bólus de NaCl 0,9 %.
 Pesquisar alterações neurológicas:
o Avaliar o nível de consciência de acordo com a Escala de Coma de Glasgow. Valores ≤ 8
obrigam a assumir que a vítima não pode proteger a via aérea, em caso de vómito.
o Avaliar as pupilas (tamanho e simetria).
o Pesquisar alterações na resposta motora, minimizando movimentos a nível da coluna:
 músculos da face (pedir para fechar os olhos com força; pedir para mostrar os dentes cerrados),
 membros superiores (pedir para apertar a mão do examinador) e
 membros inferiores (pedir para fletir e extender o pé, opondo resistência).
Na vítima não colaborante ou inconsciente, avaliar a resposta motora à estimulação
dolorosa, em simultâneo com a determinação do nível de consciência.
o Pesquisar outras alterações como descontrolo de esfíncteres ou alterações da
sensibilidade.
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 Efetuar a Exposição tendo em atenção a hipotermia e a possibilidade de traumatismos


associados. No caso dos acidentes de mergulho pode ser necessário cortar o fato de mergulho.
Eventualmente, este procedimento poderá ser feito com a vítima já na ambulância.
 Definir prioridades e identificar as situações em que poderá estar indicado o tratamento
recompressivo (câmara hiperbárica): Acidentes por Descompressão. Nestas situações, o
CODU deve ser contactado imediatamente.
 Iniciar preparação da vítima para o transporte.
 Analgesiar de acordo com o Procedimento Analgesia e Sedação.
 Concluir a recolha de informação de acordo com o CHAMU.
 Colocar a vítima na ambulância. Este procedimento poderá ser feito no início da Exposição.
 Efetuar o Exame Secundário de acordo com o Protocolo Abordagem da Vítima.
 Iniciar o transporte da vítima para o Hospital, logo que possível.
 Reavaliar a vítima regularmente, seguindo o esquema ABCDE.

PRECAUÇÕES ESPECIAIS

 No caso da vítima com valor da Escala de Coma de Glasgow ≤ 8 assumir que esta não pode
proteger a via aérea. Neste caso, o doente deverá ser colocado em Posição Lateral de
Segurança (excepto se houver suspeita de trauma associado) ou estar preparado para lateralizar
a vítima, respeitando os princípios de imobilização nos casos apropriados. O aspirador de
secreções deverá estar pronto para se poder aspirar a cavidade oral, sem a cânula rígida, em
caso de vómito.
 Perante uma vítima que apresenta queixas compatíveis com barotrauma do ouvido ou dos seios
perinasais, antecipar a possibilidade de coexistir barotrauma pulmonar.
 Nas vítimas de acidentes de mergulho que apresentem dificuldade respiratória, considerar
sempre a possibilidade de pneumotórax.
 Nunca excluir a possibilidade de acidente por descompressão mesmo que o mergulhador garanta
ter cumprido criteriosamente as tabelas de mergulho, particularmente se a clínica for compatível.
 Ter atenção à possibilidade de um afogamento não ter sido acidental.

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NECESSIDADE DE APOIO MÉDICO

Solicitar apoio para as seguintes situações, caso não haja informação de ativação prévia de VMER/Heli:
 Identificação de lesões que implicam risco de vida.
 Paragem respiratória, FR < 10 ou > 36 /min.
 PCR, FC < 40 ou > 150 /min, TA sistólica < 90 mmHg.
 Nível de consciência de acordo com Escala de Coma de Glasgow ≤ 8 ou deterioração superior a
2 pontos durante o período de observação.
 Identificação de Acidente por Descompressão.
 Coexistência de patologia associada importante.

PASSAGEM DE DADOS

As passagens de dados são obrigatórias devendo sempre incluir:


 Idade e sexo da vítima.
 Tipo de ocorrência.
 Necessidade de terapêutica recompressiva (Acidente por Descompressão).
 Queixas importantes, alterações dos parâmetros vitais e dados relevantes do exame objetivo.
 Lesões identificadas.
 Antecedentes pessoais relevantes.
 Procedimentos realizados, terapêutica administrada e respetiva resposta.
 Evolução da situação.
 Outros dados relevantes.

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TRANSPORTE

O transporte deverá ser o mais rápido possível (em segurança) para a Unidade Hospitalar mais
adequada, de acordo com as indicações do CODU.
Durante o transporte dever-se-á manter o doente em vigilância contínua de consciência e parâmetros
vitais através de monitorização contínua de ritmo cardíaco, FC, TA e SpO2 conforme indicação.
As principais considerações relacionadas com o transporte são:
 Possibilidade de ser necessário transporte para Hospital com câmara hiperbárica.
 Perante a indicação do CODU para Helitransporte, proceder de acordo com o Procedimento
Preparação para Helitransporte.

REGISTOS

Proceder ao registo dos dados relativos à ocorrência, tendo em particular atenção o seguinte:
 Identificação da vítima.
 Tipo de ocorrência.
 Necessidade de terapêutica recompressiva (Acidente por Descompressão).
 Nível de consciência (de acordo com a Escala de Coma de Glasgow), parâmetros vitais e
glicemia capilar.
 Queixas importantes, alterações dos parâmetros vitais e dados relevantes do exame objetivo.
 Lesões identificadas.
 Medidas terapêuticas instituídas.
 Pedidos de apoio médico e resultado desses pedidos.
 Patologia associada prévia relevante e medicação em uso.

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OUTRAS CONSIDERAÇÕES DE INTERESSE

 O afogamento em água requer os procedimentos indicados, não sendo relevante se ele tiver
ocorrido em água doce ou salgada.
 O afogamento noutro tipo de meios, no entanto, poderá obrigar a adoptar algumas medidas
particulares como a lavagem (por exemplo, afogamento numa fossa séptica) ou a colocação de
sonda NG e lavagem gástrica (por exemplo, afogamento numa cuba de vinho).
 A tentativa de remoção de água dos pulmões previamente à realização de manobras de
reanimação não se justifica.
 A colocação de uma sonda para drenagem poderá estar indicada se a vítima apresentar indícios
de ter o estômago dilatado devido à água deglutida.
 Devido às alterações de pressão hidrostática que se verificam durante a submersão, a retirada de
um afogado ou de um mergulhador da água pode ser acompanhada de alguma instabilidade
hemodinâmica.

BIBLIOGRAFIA

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Afogamento e Acidentes de Mergulho 13 / 14


Protocolo Ambulância SIV

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