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TRAUMATISMO

O traumatismo físico representa atualmente a terceira causa de morte nos países industrializados, seguindo-
se às doenças vasculares e às neoplasias. Infelizmente, o trauma atinge o indivíduo em sua fase mais produtiva,
sendo a principal causa de óbito do primeiro ao quadragésimo ano de vida.
Nos EUA., onde 20% dos leitos hospitalares são ocupados por pacientes traumatizados, o trauma consome
direta e indiretamente mais de 100 bilhões de dólares por ano. Os custos do trauma em termos de frustração de
expectativas, dor e sofrimento humano são inestimáveis.
As mortes por trauma apresentam uma distribuição trimodal. O primeiro pico de morte ocorre dentro de
segundos ou minutos após o acidente e os óbitos são secundários a lacerações do encéfalo, tronco cerebral,
medula espinhal alta, coração, aorta ou outros grandes vasos. Os portadores destas lesões morrem na cena do
acidente ou a caminho do hospital. O segundo pico de óbitos ocorre minutos a algumas horas depois do desastre.
Aqui, as mortes são geralmente devidas a hematomas epidurais ou subdurais, hemopneumotórax, ruptura
esplênica ou hepática, fraturas pélvicas ou lesões múltiplas com grande perda sanguínea. Tais pacientes chegam
vivos ao hospital e em sua maioria, são potencialmente salváveis. A qualidade da abordagem e do manejo iniciais
do traumatizado nesta fase influenciam decisivamente sobre o prognóstico do paciente. O terceiro pico de óbitos
ocorre em dias ou semanas após o trauma e são comumente secundários ao desenvolvimento de infecções ou de
falências orgânicas.
É assombroso o fato de que 20 a 30% dos óbitos por trauma podem ser evitados. Na tentativa de se reduzir o
número de mortes evitáveis, os países desenvolvidos tem instituido sistemas de atendimento ao traumatizado,
constando de resgate por pessoal habilitado e o estabelecimento de reanimação das vítimas no próprio local do
acidente, além da regionalização e hierarquização dos recursos hospitalares. Tais expedientes tem reduzido
drasticamente o número de óbitos evitáveis.
Além disso, é essencial o treinamento de médicos para prestar atendimento aos acidentados. Neste sentido, o
Colégio Americano de Cirurgiões criou e desenvolveu o "Advanced Trauma Life Support Program" - Suporte
Avançado à Vida no Trauma (ATLS). O ATLS é um curso de doutrina e treinamento, ministrado aos médicos
devotados ao atendimento de vítimas de acidentes. A sistematização adotada pelo ATLS dá prioridade absoluta
ao reconhecimento e ao tratamento imediato das condições que implicam em risco de vida.

01. AVALIAÇÃO PRIMÁRIA E REESTABELECIMENTO DAS FUNÇÕES VITAIS - ABC DO TRAUMA

Com propósito meramente didático, a avaliação das prioridades e as manobras terapêuticas iniciais são
apresentadas em uma sequência. Entretanto, os procedimentos terapêuticos podem e devem ser executados
simultaneamente. Por exemplo, enquanto se pergunta ao paciente "Que aconteceu?" e se avalia conforme a
resposta dada, o estado de consciência, das vias aéreas e da respiração, pode-se obter informações referentes à
circulação, observando o pulso, a coloração da pele e das mucosas e o enchimento capilar das polpas digitais.
Para facilitar a memorização dos passos a serem adotados na avaliação primária e reanimação, o ATLS usa o

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seguinte método mnemônico:
A - Airway maintenance with cervical spine control (Manutenção da permeabilidade das vias aéreas e
estabilização da coluna cervical)
B - Breathing and ventilation ( Respiração e ventilação)
C - Circulation with hemorrhage control (Circulação com controle da hemorragia)
D - Disability - Neurological status ( Incapacidade - Estado neurológico)
E - Exposure - Completely undress the patient ( Exposição - despir completamente o paciente).

A - MANUTENÇÃO DA PERMEABILIDADE DAS VIAS AÉREAS E CONTROLE DA COLUNA CERVICAL


A permeabilidade das vias aéreas deve ser avaliada e garantida de imediato. Contudo, deve-se considerar todo
politraumatizado, especialmente na vigência de lesões situadas acima das clavículas, como um portador de lesão
de coluna cervical, até prova em contrário. O exame neurológico não exclui o trauma da coluna cervical. Assim
sendo, a cabeça e o pescoço devem ser mantidos em uma posição neutra, isto é, não podem ser estendidos ou
fletidos durante a abordagem das vias aéreas. A movimentação excessiva da coluna cervical pode converter uma
fratura sem repercussão neurológica em uma fratura desalinhada, com dano da medula espinhal e tetraplegia.
A obstrução das vias aéreas superiores decorre, em grande parte dos casos, da presença de corpos estranhos
ou da oclusão da hipofaringe e pela queda da língua. A adoção de uma das medidas descritas abaixo (" Chin Lift"
ou " Jaw Thrust") permite o acesso à cavidade orofaríngea e a desobstrução das vias aéreas. A manobra "Chin
Lift" consiste de: colocação de uma das mãos do examinador sob a mandíbula, a qual é levantada, anteriorizando
o mento. A seguir, o polegar da mesma mão abaixa o lábio inferior, abrindo a boca. O mesmo efeito pode ser
conseguido com a manobra "Jaw Thrust", que consiste da elevação dos ângulos da mandíbula pelas duas mãos
do examinador. Depois de realizada as manobras, introduz-se uma cânula de Guedel e inicia-se a ventilação com
máscara e Ambu.
Tão logo seja possível, realiza-se uma radiografia de perfil da coluna cervical. A radiografia deve permitir a
visualização das sete vértebras cervicais e o espaço intervertebral entre C 7 e T 1. Para tanto, é necessário a
tração dos membros superiores no sentido caudal ou a colocação do paciente na "posição do nadador." É
importante frisar que a radiografia de perfil não exclui por completo a possibilidade de lesão da coluna cervical.
Havendo suspeita de trauma de coluna, a imobilização do pescoço deve ser mantida até que a radiografia em
diversas incidências possam ser realizadas e o parecer de um ortopedista ou de um neurocirurgião esteja
disponível.
Muitos óbitos de traumatizados podem ser evitados pela instituição precoce de assistência respiratória
apropriada. A insuficiência respiratória pode ser aguda, insidiosa, progressiva ou recorrente. Isto requer uma
vigilância contínua sobre a respiração durante todo o atendimento. A prevenção da hipercarbia é vital, sobretudo
nos casos de trauma crânio-encefálico. Podem desenvolver insuficiência respiratória os pacientes inconscientes
por trauma crânio-encefálico, obnubilados pelo uso de drogas ou álcool e os portadores de lesões torácicas como

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pneumotórax hipertensivo, pneumotórax aberto, e tórax instável com contusão pulmonar. Nestes casos, a
intubação endotraqueal, tem por objetivos prover uma via aérea permeável e permitir a instalação de suporte
ventilatório. Traumas de face e do pescoço que comprometem o lume das vias aéreas também representam uma
indicação para intubação endotraqueal.
A decisão de se intubar o paciente na sala de emergência é tomada exclusivamente com bases clínicas. A
agitação do paciente sugere hipóxia. A obnubilação denuncia a hipercarbia. A cianose traduz hipoxemia por
ventilação inadequada. A emissão de sons anormais como ronco e gargarejo pode estar relacionado à obstrução
parcial da faringe e a disfonia resulta da obstrução laríngica. Nos traumatismos da região cervical, a posição da
traquéia deve ser pesquisada pela palpação do pescoço.
O acesso à traquéia pode ser conseguido pela intubação nasotraqueal ou orotraqueal ou pela
cricotireoidostomia. A traqueostomia é contra-indicada nas situações de emergência por ser um procedimento de
execução mais difícil e demorada, podendo em alguns casos, resultar em sangramento profuso.
A intubação orotraqueal não deve ser realizada antes da obtenção da radiografia da coluna cervical. Feito o
exame e não se constatando lesão da coluna cervical, pode-se realizar, com cautela, a intubação orotraqueal. A
cabeça e o pescoço são imobilizados pelas duas mãos de um auxiliar. Caso uma fratura seja visível é preferível a
intubação nasotraqueal.
Quando a necessidade de intubação é imperiosa, não havendo tempo para a realização da radiografia, o
procedimento de escolha é a intubação nasotraqueal. A técnica de intubação às cegas pela narina é relativamente
simples e bem sucedida em 92% dos casos. Tem uma pequena taxa de complicações e é, quase sempre, bem
tolerada. A intubação nasotraqueal pode ser executada sem a extensão do pescoço. A introdução da sonda é
guiada pelos sons da passagem do ar no seu interior. A ocorrência de apéia impede a realização do
procedimento. A suspeita de fratura da base do crânio e da face também contra-indicam o método.
A cricotireidostomia está indicada quando falham as intubações nasotraqueal e orotraqueal ou na vigência de
edema de glote, trauma da faringe e hemorragia profusa da cavidade oral. Com o paciente na posição supina, a
cartilagem tireóide é estabilizada com a mão esquerda do operador. A pele é incisada sobre a membrana
cricotireóidea, no sentido transversal ou longitudinal. A membrana é cuidadosamente incisada e uma pinça
hemostática é introduzida para alargar o orifício. Introduz-se uma cânula de intubação ou de traqueostomia
(calibre 25F para um adulto médio), dotada de "cuff ", e o paciente é ventilado. A cricotireoidostomia não deve
ser utilizada por mais de 72 horas e nem executada em pacientes com menos de 12 anos.
A intubação endotraqueal de um paciente hipoventilado pode demandar várias tentativas. Entre uma e outra
tentativa o paciente deve ser ventilado por alguns minutos. Como regra prática, temos: ao iniciar a intubação, o
médico inspira profundamente; quando sentir necessidade de respirar, a tentativa tem que ser interrompida e o
paciente ventilado.
Depois de intubada a traquéia, instala-se a respiração com pressão positiva, utilizando-se um respirador ciclado
a pressão ou volume. A respiração com pressão positiva pode ser acompanhada de pneumotórax por barotrauma
ou pode converter um pneumotórax sem tensão em pneumotórax hipertensivo.

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B - VENTILAÇÃO E RESPIRAÇÃO
O objetivo primordial da ventilação é garantir uma adequada oxigenação das células. Um catéter nasal ou uma
máscara facial não são suficientes para atender às necessidades de um politraumatizado. A ventilação com Ambu
com um fluxo de 10 a 12 litros/minuto é capaz de atender à demanda inicial do paciente. Caso as necessidades
de ventilação persistam, a ventilação mecânica é a medida seguinte.
A manutenção da permeabilidade das vias aéreas não garante por si só uma ventilação efetiva. Outras
condições são capazes de comprometer a ventilação: pneumotórax hipertensivo, pneumotórax aberto, tórax
instável com contusão pulmonar e hemotórax maciço. Um ritmo respiratório acima de 20 incursões/minuto leva à
suspeita de comprometimento da respiração.
No pneumotórax hipertensivo ocorre escape de ar para dentro da cavidade torácica, resultando em colapso do
pulmão comprometido e desvio do mediastino para o lado oposto, dificultando o retorno venoso e o
funcionamento do pulmão não afetado. O diagnóstico deve ser feito rapidamente e baseia-se nos seguintes
sinais: dificuldade respiratória, desvio da traquéia, distensão das veias do pescoço, hipertimpanismo a percussão
e ausência de murmúrio respiratório do lado comprometido. Tardiamente, aparece cianose. A introdução de uma
agulha no segundo espaço intercostal sobre a linha hemiclavicular confirma o diagnóstico e, ao mesmo tempo,
inicia o tratamento. A agulha deve ser conectada a uma seringa para facilitar a aspiração do ar. A saída de ar
confirma o diagnóstico. Então, a seringa é desconectada, deixando-se a agulha no lugar, enquanto se providencia
o tratamento definitivo. Este consiste da toracostomia com drenagem pleural fechada. O dreno é introduzido no
quinto espaço intercostal (na projeção do mamilo), anteriormente à linha axilar média. A drenagem do
pneumotórax hipertensivo dispensa a realização prévia de radiografias de tórax.
Os ferimentos penetrantes do tórax, em sua maioria, fecham-se espontaneamente. Todavia, os grandes orifícios
permanecem abertos, enseando o equilíbrio de pressão entre a atmosfera e o interior do tórax. Se a abertura tem
um diâmetro igual ou maior que 2/3 do diâmetro da traquéia, o ar tende a passar pela via de menor resistência
(o defeito da parede torácica), comprometendo a ventilação. O tratamento imediato consiste da oclusão do
ferimento por meio de um curativo por suas quatro bordas pode transformar um pneumotórax aberto em
pneumotórax hipertensivo. O curativo deve ser fixado por três de seus lados, deixando-se uma borda livre. Cria-
se um mecanismo valvular: na respiração o curativo e "sugado" e oclui o ferimento, na expiração, a borda livre
permite o escape de ar para fora do tórax. A drenagem pleural fechada é realizada em um ponto da parede
torácica diferente do local de penetração. A sintese do ferimento é executada em seguida. Alguns pacientes com
grande defeitos da parede torácica podem requerer intubação endotraqueal e ventilação com pressão positiva.
Pacientes admitidos com o corpo estranho cravado na parede torácica são submetidos à toracotomia,
procedendo-se, em seguida, a retirada do corpo estranho.
O tórax instável ou flácido está associado a fraturas de múltiplos arcos costais. As fraturas das costelas
isoladamente não causam hipoxia. Ela é resultante da contusão pulmonar subjacente. A dor também contribui
para a insuficiência respiratória. O diagnóstico é firmado observando-se os movimentos paradoxais da parede
torácica durante a inspiração e expiração e palpando-se a crepitação das costelas fraturadas. O objetivo básico da
terapêutica é reexpandir os pulmões e assegurar a ventilação. O tratamento inicial consiste do alívio da dor,
ventilação com oxigênio úmido e judiciosa reposição volêmica. O paciente com tórax flácido é sensível tanto a

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desidratação quanto ao excesso de fluido. A intubação endotraqueal depende do ritmo respiratório e dos níveis
arteriais de oxigênio. A ventilação mecânica é requerida pela maioria dos pacientes, mas alguns casos, sobretudo
os com fraturas de arcos costais posteriores, podem ser tratados sem apoio ventilatório mecânico.
O hemotórax maciço é raro. Ocorre quando um volume maior que 1500 ml de sangue está contido na cavidade
pleural. O diagnóstico é feito na presença de choque hipovolêmico, com macicez à percussão e ausência de
murmúrio respiratório. O tratamento consiste de vigorosa reposição da volemia e drenagem pleural fechada
(quinto espaço intercostal). A auto-transfusão está indicada (veja adiante). Pacientes que continuam sangrando
(mais de 200 ml/hora) devem ser submetidos à toracotomia exploradora.

C - CIRCULAÇÃO COM CONTROLE DA HEMORRAGIA


A insuficiência respiratória e a hipovolemia constituem-se em ameaças mortais ao traumatizado. É fundamental
a rápida avaliação do estudo circulatório. Três parâmetros, que podem ser observados em poucos segundos, são
de grande valia na avaliação do estado circulatório: estado de consciência, coloração da pele e pulso periférico.
Um paciente que é admitido consciente presumivelmente apresenta adequada perfusão do encéfalo. Pacientes
confusos, com a pele fria na face e nas extremidades geralmente apresentam perdas de cerca de 30% da
volemia. Um pulso filiforme e acelerado indica perda sanguínea significativa e a necessidade de rápida reposição
volêmica.
Hemorragias externas precisam ser rapidamente identificadas e controladas. O sangramento é estancado
comprimindo-se diretamente a ferida. O uso de torniquetes deve ser evitado. A aplicação de pinças hemostáticas
no interior da ferida é também contra-indicado nesta fase.
Dois cateteres de grosso calibre são introduzidos em veia periférica para reposição de líquidos. . Evita-se a
punção venosa central nesta fase.
Nas crianças com menos de seis anos, na vigência de hipovolemia, o acesso venoso é difícil e problemático.
Uma alternativa é a infusão intra-óssea. Cristalóides, sangue e derivados e drogas podem ser administrados com
segurança por esta via. O tempo de circulação entre medula óssea e o coração é inferior a 20 segundos. O local
ideal para a canulação intra-óssea é o platô tibial, 3 cm abaixo da tuberosidade tibial. A canulação nunca deve ser
realizada distalmente a uma fratura. Uma agulha de punção medular é introduzida perpendicularmente ao maior
eixo do osso. A aspiração de medula óssea confirma o correto posicionamento da agulha. As complicações do
acesso intra-ósseo são celulite e, muito raramente, osteomielite. Depois de iniciada a reposição volêmica por
esta via, as veias periféricas, antes colabadas, tornam-se visíveis e podem ser puncionadas.
Amostras de sangue venoso são obtidas no momento da punção e remetidas ao Banco de Sangue para
realização de tipagem sanguínea e das provas cruzadas. Dosagens do hematócrito, taxas de hemoglobina e dos
eletrólitos plasmáticos também devem ser realizadas.
A reposição volêmica deve ser iniciada prontamente com a infusão rápida de soluções eletrolíticas,
preferencialmente lactado de Ringer. Um adulto médio deve receber dois litros de solução. A dose inicial para
crianças é de 20ml/kg de peso corporal.
O emprego dos chamados "substitutos do plasma" é controvertido. A solução coloidal de gelatina ("Haemaccel")
é hiperosmolar e de viscosidade próxima à do plasma. Devido ao seu baixo peso molecular (25000 a 50000), as

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moléculas passam do intravascular para o filtrado glomerular e são excretadas na urina, perdurando na circulação
por uma ou duas horas. Para se alcançar a normovolemia, o volume de "Haemaccel"a ser infundido é igual ao
dobro do volume sanguíneo perdido. Tais soluções não atuam sobre a coagulação do sangue, não tem
propriedades antitrombóticas e comprometem a imunidade, pela queda da função da fibronectina. Reações
anafiláticas são descritas em 0,05 a 10% dos casos.
As soluções de dextran de uso clínico são polímeros da sacarose de peso molecular de 40000 e 70000 (Dextran
40 e Dextran 70, respectivamente). O efeito oncótico do Dextran 70 é tão grande quanto o da albumina (1g de
polímero é capaz de reter 20-25 ml de água no espaço intravascular). Permanece na circulação por seis horas. O
Dextran 70 pode aumentar a viscosidade do sangue, bloqueando a microcirculação.
O Dextran 40 é fortemente hiperoncótico em relação ao plasma, o que resulta em aumento do volume
intravascular igual a duas vezes o volume do Dextran 40 administrado. A expansão do volume dá-se às custas de
migração do líquido intersticial para dentro do vaso. Assim, volumes iguais de Dextran 40 e de solução
eletrolíticas devem ser administrados simultaneamente, a fim de se evitar a desidratação e a oligúria. O Dextran
40 melhora o fluxo sangíneo por reduzir a adesividade plaquetária e atividade do fator VIII e por aumentar as
transfusões subsequentes e alterar as dosagens de glicose e uréia. A incidência de reações anafiláticas aos
Dextrans é de 0,07 a 1,1%. Não existem estudos que comprovem a real eficácia dos "substitutos do plasma" e,
portanto, eles não devem ser utilizados rotineiramente.
O volume das soluções salinas a ser administrado deve ser de três a quatro vezes o volume de sangue perdido,
porque os cristalóides passam livremente pela parede capilar e se distribuem entre os compartimentos
intravasculares e instersticial. Em vista disso, tem-se advogado o emprego de albumina humana associada às
soluções salinas, supondo-se que a albumina ficaria retida no intravascular, aumentando sua pressão oncótica.
Tem-se entretanto, demonstrado que: a maior parte da albumina do corpo esta no líquido intersticial; o choque
hipovolêmico e a sépse determinam maior fluxo transcapilar de albumina; 7% da albumina intravascular
abandonam o vaso a cada hora e esta porcentagem é aumentada com a infusão de albumina. Não há portanto,
comprovação de que a administração de albumina aumenta a eficiência do tratamento. A possibilidade de
contaminação e custo elevado contra-indicam o uso rotineiro de albumina.
Estudos recentes demonstram que a infusão de solução de cloreto de sódio a 7,5% aumenta a sobrevida e
melhora o estado metabólico de pacientes e animais de experimentação em choque hipovolêmico. A dose
preconizada é de 4ml/kg de peso corporal.
Hemorragias que resultam em perdas de até 20% de volemia geralmente não requerem transfusão. Perdas
superiores a 20% implicam em transfusão de sangue total. Na impossibilidade de se obter sangue total,
emprega-se plasma e concentrado de hemácias.
O sangue a ser transfundido deve ser, de preferência, submetido a prova cruzada e contraprova. No caso de
hemorragias exsanguinantes, com risco iminente de vida, se o sangue tipo específico não está disponível de
imediato, o sangue O deve ser empregado. A fim de se evitar futuras complicações, principalmente em mulheres
em idade reprodutiva, o sangue Rh negativo é preferível.
Para cada ml de sangue transfundido, devem ser infundidos três ml de solução eletrolítica.
A auto-transfusão vem ganhando crescente popularidade. O sangue contido no interior de uma cavidade (o

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tórax principalmente) é aspirado para o interior de um frasco dotado de filtro e que contenha anticoagulante. O
sangue é retransfundido na veia do paciente. As vantagens da auto-transfusão são: obtenção rápida de sangue;
torna desnecessária a prova cruzada; não há risco de transmissão de doenças; não há risco de hemólise ou de
reações alérgicas; não ocorre hipotermia. Por outro lado, a auto-transfusão tem os seguintes riscos: possibilidade
de embolia gasosa; coagulação intravascular disseminada na vigência de auto-transfusão de grandes volumes;
possibilidade da contaminação por conteúdo intestinal passar desapercebido.

D - INCAPACIDADE: AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA SUMÁRIA


A primeira avaliação neurológica consta da observação do diâmetro e reatividade das pupilas. O nível de
consciência será avaliado pela análise dos seguintes parâmetros:
A - o paciente está alerta;
V - responde a estímulos verbais;
D - responde a estímulos dolorosos
I - não responde a estímulos
Nunca é demais repetir que a hipoxia é a principal causa de alteração do estado de consciência.

E - EXPOSIÇÃO
O paciente deve ser completamente despido. Sempre lembrando de proteger o paciente da hipotermia.

02- AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA


Estabelecidas as medidas de reanimação da função cárdio-pulmonar, começa a avaliação secundária. A
expressão "dedos e sondas por todos os orifícios" define bem a filosofia da avaliação secundária. Cada segmento
do corpo deve ser examinado minuciosamente.
A avaliação secundária é iniciada pelo segmento cefálico. A cabeça é examinada à procura de ferimentos do
couro cabeludo e creptação de fraturas de crânio. O extravasamento de líquido cerebroespinhal pelo nariz ou pela
orelha indica fratura de base do crânio. A presença de rinorragia e de otorragia podem dificultar o diagnóstico.
Nestas circunstâncias, realiza-se o teste do duplo anel ("doble ring test"). Coloca-se uma gota do sangue
extravasado em um pedaço de papel de filtro. Caso exista líquido cerebroespinhal misturado ao sangue, este
permanece no centro e um ou mais anéis claros formam-se ao redor. Hematoma da região periorbital e da região
mastóide (sinal de Battle) também podem estar associados a fraturas da base do crânio. Tais sinais podem
aparecer tardiamente.
Os olhos são reavaliados atentando-se para o diâmetro e reatividade das pupilas, a ocorrência de hemorragias
ou deslocamentos do cristalino ou a presença de trauma penetrante. Caso o paciente use lentes de contato, elas
devem ser removidas. Uma rápida avaliação da acuidade visual pode ser obtida pedindo-se ao paciente para ler
algumas palavras impressas em papel.
Pacientes acidentados usando capacete devem ter a cabeça e o pescoço mantidos em posição neutra, enquanto
o capacete é removido. Esta manobra exige a atuação de duas pessoas. Enquanto uma imobiliza a cabeça e o

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pescoço, a outra retira o capacete, expandindo lateralmente.
O trauma buco-maxilo-facial pode estar associado a lesões da coluna cervical, as quais podem passar
desapercebidas, acarretando graves complicações. O trauma facial que não resulta em obstrução das vias aéreas
pode ser tratado tardiamente.
Ferimentos do pescoço que ultrapassam o platisma requerem abordagem cirúrcica e não devem ser explorados
na sala de emergência.
O tórax deve ser avaliado por palpação, percussão e ausculta. Fraturas, hematomas e equimoses são
pesquisados rotineiramente. Hemotórax e pneumotórax são diagnosticados pela ausculta torácica. O
abaulamento das bulhas cardíacas e o engurgitamento das veias do pescoço estão relacionadas ao
tamponamento cardíaco.
O trauma fechado do abdome representa um grande desafio diagnóstico. O abdome pode ser a sede de lesões
graves que, ás vezes, não se manifestam logo após o acidente. Fraturas de arcos costais inferiores ou dos ossos
da pelve estão frequentemente associados a lesões dos órgãos abdominais. Fraturas pélvicas podem ser
detectadas comprimindo-se com as palmas das duas mãos as espinhas ilíacas ântero-superiores e a sínfise
púbica. O toque retal pode ser útil no diagnóstico destas fraturas. Espículas ósseas podem ser percebidas durante
o toque. Mais importante do que o diagnóstico pré-operatório das vísceras abdominais eventualmente lesadas
pelo traumatismo é a decisão de se explorar ou não a cavidade abdominal. Deve-se suspeitar de hemorragia
intraperitoneal em todo politraumatizado que se apresenta em choque hipovolêmico. Pacientes em estado de
inconsciência são portadores em potencial de trauma das vísceras abdominais e, portanto, devem ser submetidos
ao lavado peritoneal diagnóstico.
As fraturas pélvicas estão comumente associadas com trauma de uretra no homem e da bexiga na mulher. A
lesão uretral é suspeitada pela presença de equimoses na bolsa escrotal ou de sangramento pelo meato. Nestas
circunstâncias esta indicada uma uretrocistografia.
As extremidades são examinadas em busca de contusões ou deformidades. A palpação cuidadosa dos ossos á
procura de creptações que denunciem fraturas.
Os pulsos periféricos devem ser minuciosamente palpados.
O exame neurológico deve constar de avaliação do reflexo pupilar, da atividade motora e da sensibilidade das
extremidades e do nível de consciência. A escala de coma de Glasgow é de aceitação universal para a avaliação
neurológica.
A incidência de paralisia ou de paresia sugere lesão da coluna vertebral e indica imobilização completa do
paciente.
Concluído o exame clínico, são introduzidas sondas nasogástrica e vesical. Os politraumatizados, em sua maioria,
apresentam distensão gástrica e a sonda, ao descomprimir o estômago, evita o vômito e previne a pneumonia
por aspiração. A sondagem está contra-indicada nos casos de suspeita de fratura da base do crânio.
A sondagem vesical permite o controle da diurese, que é um valioso parâmetro para a avaliação da perfusão
tecidual. A presença de hematúria leva à suspeita de lesão das vias urinárias. A sonda vesical não deve ser
introduzida quando houver suspeita de lesão de uretra.
O estudo radiológico é realizado de acordo com as características de cada caso. Três exames são obrigatórios

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na avaliação do politraumatizado: radiografias de perfil de coluna cervical, do tórax e da pelve.

03- REAVALIAÇÃO
Caso a operação não tenha sido indicada, o paciente deve ser mantido sob observação rigorosa. Reavaliações
periódicas são essenciais para se surpreender possíveis complicações ou para se detectar modificações do quadro
clínico, que podem alterar o diagnóstico inicial.
Caso o estado de consciência se deteriore, a ventilação e a oxigenação devem ser reavaliadas. Estando normais
estas duas funções, uma craniotomia pode ser indicada. O parecer de um neurocirurgião é, então, indispensável.
Na falta de um neurocirurgião, deve-se cogitar da transferência do paciente.
O exame por um neurocirurgião é igualmente importante nos pacientes com exame neurológico normal durante
as abordagens anteriores e que passam a apresentar, nesta fase, dilatação unilateral da pupila e hemiparesia
contralateral. Tais sinais sugerem o desenvolvimento de um hematoma epidural agudo.
Hemorragias ocultas podem ter repercussão clínica nesta fase. Os sangramentos intraperitoneais em indivíduos
jovens e atléticos podem resultar tardiamente em taquicardia e hipotensão arterial.
A monitorização contínua do eletrocardiograma deve ser realizada em todo paciente com contusão torácica. A
contusão miocárdica pode resultar em taquicardia inexplicável, extrassístoles, fibrilação atrial e alterações ST.
Bradicardia, condução aberrante e extrassístoles sugerem hipoperfusão ou hiportemia.
O tamponamento cardíaco também pode se manifestar nesta fase. A hipotensão arterial que não responde à
reposição volêmica é sugestiva de tamponamento cardíaco. Taquicardia, "abafamento" das bulhas cardíacas e
veias do pescoço engurgitadas completam o quadro. A introdução de uma agulha no pericárdio alivia
temporariamente o tamponamento cardíaco. O tratamento definitivo consta de toracotomia e reparo das lesões.
Traumatismos das extremidades precisam ser reavaliados periodicamente. Síndromes de compartimento podem
se desenvolver com o passar do tempo.

04- TRANSFERÊNCIA
A maioria dos traumatizados pode ser tratado com os recursos disponíveis em um hospital de médio porte.
Existem, contudo, pacientes que requerem tratamento em centros especializados em trauma. A decisão de
transferir ou não os pacientes depende da gravidade das lesões, dos recursos materiais e humanos do local de
atendimento e da existência de um centro de trauma na região. Para facilitar a tomada de decisão, o Comitê de
Trauma do Colégio Americano de Cirurgiões elaborou uma classificação dos traumatizados, que são divididos em
três categorias.
A categoria I inclui pacientes com lesões múltiplas, fraturas expostas, hemorragias incontroláveis, trauma buco-
maxilo-facial grave, lesões graves da cabeça e pescoço e trato respiratório superior, lesões torácicas graves,
trauma penetrante do abdome, contusão abdominal com hipotensão arterial, trauma neurológico com perda da
consciência por período prolongado, sinais de lateralização, postura anormal e paralisia.
Na categoria II são enquadrados os pacientes com perda temporária da consciência, fraturas expostas ou
fechadas, lesões de tecidos moles sem sangramento ativo, fraturas múltiplas de arcos costais sem tórax instável
e contusão abdominal sem hipotensão arterial.

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A categoria III é composta por pacientes com fraturas não complicadas e lesões moderadas dos tecidos moles,
sem hipotensão, lesões neurológicas ou abdominais e com trauma torácico que não produz insuficiência
respiratória.
Os pacientes incluídos na categoria I devem, após manobras de reanimação inicial, ser transferidos para um
hospital especializado em trauma. A transferência dos pacientes da categoria II depende das condições do local
onde é prestado o primeiro atendimento. Pacientes da categoria III podem ser tratados em qualquer hospital.
A transferência é um ato de responsabilidade médica, sujeita a todos os aspectos éticos e morais a ele
relacionados. O contato telefônico entre o médico que encaminha e o que recebe o paciente é obrigatório. Nesta
oportunidade discute-se o estado do paciente, a conveniência do encaminhamento e a existência de vagas.
Ao encaminhar o paciente devem ser assegurados durante o percurso: manutenção da permeabilidade das vias
aéreas e suporte ventilatório (hiperventilação nos casos de coma por trauma crânio-encefálico), controle do
sangramento externo, reposição volêmica por acesso venoso apropriado, imobilização provisória das fraturas e
sondagens vesical e nasogástrica, quando não forem contra-indicadas.
Todas as informações médicas referentes às condições do paciente na admissão, evolução e condições no
momento da transferência devem ser relatadas e encaminhadas junto com o paciente. O relatório deve conter
ainda a descrição de todas as condutas adotadas até então

05- DOCUMENTAÇÃO
Os dados atinentes ao exame clínico inicial devem ser cuidadosamente registrados. As equipes médicas se
revezam e as informações contidas no prontuário podem ser essenciais para a avaliação tardia do paciente e a
tomada de decisões.
Como o trauma tem implicações médico-legais, as anotações são de grande valia para a resposta às condutas
legais.
Os orifícios de entrada e de saída de projéteis e as lesões externas provocadas por arma branca devem ser
documentadas. Os projéteis devem ser cuidadosamente guardados.

06- BIBLIOGRAFIA
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pp 3-296.
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Medicina de Ribeirão Preto-USP. Ribeirão Preto, 1989, 150p..
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