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Democracia em Max Weber

Manoel Adam Lacayo Valente

Sumário
1. Introdução. 2. O elitismo plebiscitário. 3.
Max Weber e a política alemã. 4. Conclusão.

1. Introdução
Max Weber (1864-1920) era, estritamente
– nas acepções marxista e não-marxista –,
um burguês, um homem das camadas su-
periores e mercantis da vida urbana (MA-
cRAE, 1985, p. 42). Filho de um deputado
federal do então Partido Nacional-Liberal,
Weber teve sua juventude influenciada pe-
las atividades políticas de seu pai; e muito
provavelmente a sua idéia a respeito da clas-
se política, como a aristocracia responsável
pela condução do destino da nação, tenha
sido forjada a partir de ideais defendidos por
seu pai. John Patrick Diggins (1999, p. 301-
302) comenta a visão aristocrática de Weber
sobre a política com as seguintes palavras:
“O apelo de Weber a tradição aris-
tocrática política. Suas reservas com
relação à ‘honra’, ‘nobreza’ e ‘digni-
dade’ indica sua afinidadeo cm à de-
mocracia, deve-se notar, não revelam
um elitismo arrogante, mas, ao con-
trário, um realismo calculado.”
Mas enfim, em que consistia a visão aris-
Manoel Adam Lacayo Valente é bacharel tocrática de Weber a respeito da democra-
em Direito, com habilitação em Direito Públi-
cia? Weber visualizava a democracia em seu
co, bacharel em Comunicação Social, Mestre
em Sociologia pela Universidade de Brasília, sentido procedimental, ou seja, como siste-
Consultor Legislativo, da área de Direito Ad- ma de escolhas de lideranças políticas pe-
ministrativo, da Consultoria Legislativa da las massas, sem, entretanto, ultrapassar esse
Câmara dos Deputados e Advogado. limite no que diz respeito à participação
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popular na condução política da nação. Dessa forma, Weber “considerava as ins-
Uma vez exercido o direito de voto e sagra- tituições e idéias democráticas pragmatica-
dos os vencedores do pleito eleitoral, a von- mente: não em termos de seu ‘valor intrínse-
tade popular estaria atendida, cabendo aos co’, mas de suas conseqüências para a sele-
seus representantes, de maneira autônoma, ção de líderes políticos eficientes” (GERTH;
a direção governamental do país. MILLS, 1982, p. 53).
As palavras de Raymond Aron (2000, p. Além dessas características, a perspecti-
501) confirmam a concepção weberiana de va weberiana de democracia contemplava
democracia: a valorização do parlamento como o celeiro
“Weber foi um nacional-liberal, natural de lideranças políticas e a necessi-
mas não um liberal no sentido norte- dade da existência de um líder governamen-
americano. Ele não era propriamente tal carismático que, contrapondo-se ao po-
um democrata no sentido francês, in- der da burocracia estatal, controlando-a,
glês ou norte-americano. Punha aci- seria o condutor das aspirações nacionais.
ma de tudo a grandeza da nação e o Aqui surge outra questão intimamente
poder do Estado. Indubitavelmente, ligada à concepção de democracia weberia-
estimava as liberdades a que aspiram na, qual seja como lidar com a expansão do
os liberais do velho continente. Sem domínio da burocracia estatal. Com efeito,
um mínimo de direitos individuais, para Weber a burocracia representava o
escreveu, não poderíamos mais viver. aparato funcional indispensável para o Es-
Não acreditava, porém, na vontade tado fazer funcionar a “máquina” adminis-
geral ou no direito dos povos de dis- trativa. Weber louvava a impessoalidade, o
por de si mesmos, nem na ideologia formalismo, a previsibilidade e a perícia téc-
democrática. Se desejava uma ‘parla- nica da burocracia ao mesmo tempo que
mentarização’ do regime alemão, era expunha seus temores pelo receio da ampli-
para aprimorar a qualidade dos líde- ação desmedida da influência burocrática
res, e não por princípio.” sobre a vida cotidiana das pessoas, bem
Patrícia Castro Mattos (2000, p. 84) dis- como sobre as liberdades públicas e sobre a
corre sobre a visão weberiana de democra- atividade política, o que, em última instân-
cia com as seguintes considerações: cia, significaria o “estrangulamento” da
“É interessante percebermos como democracia.
Weber enxerga a democracia. Para ele, Maria das Graças Rua (1997, p. 178),
a participação popular se resume ao comentando a visão weberiana sobre demo-
sufrágio universal. O processo é de- cracia e burocracia, pondera o seguinte:
mocrático somente na escolha e legiti- “O efetivo dilema a ser enfrentado
mação do governante. Não cabe ao pelas democracias seria: considerado
governante atuar em função da von- o inexorável processo de complexifi-
tade das massas que, segundo ele, são cação e burocratização da sociedade
emocionais e irracionais. O sufrágio moderna e dadas as características de
universal é muito mais uma aclama- cada um dos agentes do jogo político
ção periódica que confirma o carisma e os seus recursos de poder, como im-
do líder escolhido. Em momento al- pedir que a burocracia venha a usur-
gum, identifica a participação das par o poder e como assegurar que per-
massas com a participação no poder. maneça sendo apenas um elo de liga-
A participação das massas é impor- ção entre dominadores e domina-
tante na escolha dos líderes enquanto dos?”
mais um fator de seleção de homens Esse mesmo dilema é formulado pelo
hábeis para conduzir a nação.” próprio Weber (1999, p. 542):

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“Em face da indispensabilidade mental da nação. Os políticos, para Weber,
crescente e da conseqüente firmeza, seriam a expressão da representatividade
cada vez maior, da posição de poder máxima da nação e, portanto, seus condu-
do funcionalismo estatal, que aqui tores autorizados. A burocracia estatal ao
nos interessa, como pode haver algu- contrário, ameaçava, com sua expansão téc-
ma garantia de que existam poderes nica, a “saúde” da democracia e deveria ser
capazes de manter dentro de seus li- controlada, com vigor, por lideranças caris-
mites a prepotência enorme desta ca- máticas.
mada cada vez mais importante, e que Essa mescla de burocracia profissional,
a controlem eficazmente? Como será de um parlamento formado por elites e de
possível uma democracia pelo menos nes- lideranças carismáticas, formava o que o
te sentido limitado?” próprio Weber denominava como “demo-
Em termos sintéticos, pode-se dizer que cracia plebiscitária”, que constituiria “o tipo
a democracia weberiana equivalia a um mais importante de democracia de líderes –
mero procedimento de legitimação de lide- em seu sentido genuíno, é uma espécie de
ranças pelo voto e por aí se limitava sua dominação carismática oculta sob a forma
abrangência. Uma vez eleitos, os líderes de uma legitimidade derivada da vontade
políticos, como possuidores de cheques em dos dominados e que só persiste em virtude
branco, poderiam conduzir, livremente, desta” (WEBER, 2000, v. 1, p. 176).
suas ações, sem quaisquer vinculações com Nesse modelo, idealizado por Weber, a
as aspirações dos seus eleitores. Esse mode- dominação carismática que, em sua confor-
lo de democracia, considerado por estudio- mação original, era legitimada pelo reconhe-
sos da sociologia política (SANTOS, 2002, cimento, puro e simples, das qualidades
p. 42) como sendo de democracia de “baixa extracotidianas dos líderes carismáticos
intensidade”, em muito se aproxima do pa- (profetas, sábios, curandeiros, heróis de
radigma democrático idealizado por Joseph guerra, etc.) pelos carismaticamente domi-
Schumpeter (1961), para quem “a democra- nados passa a ser legitimada pela realiza-
cia é um método político, ou seja, um certo ção de pleitos eleitorais.
tipo de arranjo institucional para se alcan- Dessa maneira, a dominação carismáti-
çarem decisões políticas – legislativas e ad- ca, interpretada em seu sentido original
ministrativas – e, portanto, não pode ser um como autoritária, pode ser reinterpretada
fim em si mesma, não importando as deci- como antiautoritária, pois a potencialidade
sões que produza sob condições históricas da autoridade carismática se reveste da le-
dadas”. Na visão de Schumpeter, não exis- gitimação eleitoral que ratifica o primitivo
te governo pelo povo, o que pode existir é reconhecimento carismático. Nessa situa-
governo para o povo, que é exercido por eli- ção, o senhor legítimo, em virtude do pró-
tes políticas que são as responsáveis pela prio carisma, transforma-se em um líder li-
proposição de alternativas para a nação. vremente eleito (WEBER, 2000, v. 1, p. 175-
176).
2. O elitismo plebiscitário A democracia plebiscitária weberiana se
inspira nessa concepção de denominação
A visão weberiana de democracia cen- carismático-eleitoral. O plebiscito é o instru-
trava o sucesso da condução política da mento de legitimação periódica do líder ca-
nação no desempenho de seus líderes polí- rismático como homem de confiança das
ticos, limitando a participação popular ao massas (WEBER, 2000, v. 1, p. 176).
sufrágio em pleitos eleitorais, o que reflete a O caráter elitista da visão política webe-
postura de Weber contrária à participação riana se revela nessa sua concepção de de-
popular na condução do processo governa- mocracia plebiscitária. Com efeito, para

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Weber, as massas eram irracionais e des- lamento alemão, em contraste com o fortale-
preparadas, sem condições de contribuir cimento do executivo. Essa ação de Bismarck
para a gestão governamental da nação, logo, sufocara “a emergência de novos talentos
“no Estado moderno, a liderança tinha que com vocação de liderança independente,
ser uma prerrogativa da minoria, caracte- legando a condução dos negócios públicos
rística inevitável dos tempos modernos” a burocratas, em grande medida eficien-
(GIDDENS, 1998, p. 33). tes e honestos, mas politicamente míopes”
A democracia plebiscitária de Weber, (KRAMER, 2000, p. 181).
com a figura do líder carismático legitima- Em ensaio sobre Weber, Paulo Kramer
do pelas urnas, foi idealizada como uma (2000, p. 181) resume a decepção do pensa-
contraposição ao paradigma tradicional da dor alemão com os políticos alemães da sua
democracia representativa, que ele entendia época:
como “acéfala”, sem liderança (BOBBIO, “A desilusão de Weber tem por
1987, p. 170). alvo seus companheiros de classe bur-
A liderança carismática, caracterizada guesa que jamais demonstram a cora-
pela paixão, tinha uma significação vital na gem política necessária para fornecer
concepção democrática de Weber, já que, uma alternativa liberal ao regime con-
sem ela, o “Estado ficaria relegado a uma servador dos Junkers. Paralisados pelo
democracia sem liderança, ao governo de que Weber estigmatizava como ‘espí-
políticos profissionais sem vocação” (GID- rito de segurança’, os políticos burgue-
DENS, 1998, p. 51). O elitismo do paradig- ses aparentemente gozavam das be-
ma weberiano refletia a sua crença de que o nesses advindas do surto de desen-
carisma de algumas almas aristocráticas volvimento industrial do final do sé-
sempre fora a força revolucionária e criati- culo passado, escudando-se numa
va da história (BELLAMY, 1994, p. 364). aristocracia agrária decadente contra
a ‘ameaça’ do movimento operário e
3. Max Weber e a política alemã de seu representante político no Par-
lamento, a social-democracia.”
A maior parte das idéias que justificam As palavras do próprio Weber (1993, p.
a concepção weberiana de democracia ple- 38-39), contidas no primeiro capítulo de
biscitária resulta da visão crítica que Weber “Parlamento e Governo na Alemanha Reor-
possuía a respeito da política alemã e que denada”, cujo título é “A Herança de Bis-
consolidara entre 1890 e 1920. Não por aca- marck”, tornam claras algumas das razões
so, mas como resultantes do seu olhar aten- que o levaram ao paradigma da “democra-
to sobre o cenário político da época de Bis- cia plebiscitária”:
marck (1815-1898), Weber produziu escri- “Diante desses pressupostos e
tos que refletem os motivos orientadores pelo ângulo da questão que nos inte-
da sua opção pela democracia plebiscitá- ressa, qual foi a herança política de
ria: “Parlamento e Governo na Alemanha Bismarck? Ele nos legou uma nação
Reordenada” (1918) e “Política como Voca- sem qualquer formação política e mui-
ção” (1919) são trabalhos que documentam to abaixo do nível que já alcançara
esse contexto. vinte anos antes. E, principalmente,
Weber era um descontente com o legado uma nação sem qualquer vontade po-
político da era Bismarck. Com efeito, na sua lítica, acostumada a ver o grande
visão, o “Chanceler de Ferro”, condutor do estadista, lá no alto, a cuidar da polí-
processo de unificação da Alemanha, ulti- tica em seu lugar. E mais, como conse-
mado em 1871, com seu autoritarismo, foi qüência do mau uso do sentimento
responsável pelo enfraquecimento do par- monárquico usado como biombo a ser-

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viço de seus próprios interesses no em- paredes é decisivo ou se ele é simples-
bate partidário, nos deixou uma na- mente um órgão decorativo tolerado a
ção habituada a deixar as coisas acon- contragosto pela burocracia reinan-
tecerem de forma fatalista sob a égide te.”
do ‘regime monárquico’, sem senso Em razão desse contexto, como forma de
crítico em relação aos que se instala- revitalizar o cenário político alemão, Weber
ram no lugar deixado vago por Bis- formula sua concepção de “democracia ple-
marck e que tomaram nas mãos as ré- biscitária”, um regime híbrido, em que o
deas do poder com surpreendente atre- parlamento, como celeiro de líderes e como
vimento. Nesse ponto, consumou-se, instituição que controlaria os excessos da
de longe, o maior dano. Em contrapo- burocracia e do próprio líder carismático do
sição, o grande estadista não nos dei- Executivo, dividiria com o presidente do
xou nenhuma tradição política. Ele Reich a condução política do país.
não atraiu, sequer tolerou, cabeças Nesse modelo, Weber abandona sua an-
pensantes e íntegras. E, para maior tiga tendência pelo parlamentarismo puro,
desgraça da nação, além de nutrir a “tendo em conta que no parlamentarismo
mais completa desconfiança por qual- clássico o líder se tornava prisioneiro de
quer pessoa que, a seu ver, pudesse compromissos partidários e interesses cor-
vir a ser seu sucessor, ele ainda tinha porativos” (KRAMER, 2000, p. 184), passan-
um filho cujas qualidades realmente do a defender a eleição direta do presidente
modestas de estadista ele surpreen- do Reich, que, fortalecido pelo amplo apoio
dentemente superestimava. Em con- “plebiscitário” dos seus eleitores, poderia,
trapartida a essa desconfiança doen- com o vigor do seu carisma, “romper o imo-
tia, podemos citar uma conseqüência bilismo burocrático e as resistências parla-
totalmente negativa de seu tremendo mentares às suas medidas de direção naci-
prestígio: um parlamento completa- onal...” (COHN, 1993, p. 18). Assim, no mo-
mente impotente. Ele mesmo reconhe- delo weberiano, o líder político carismático
ceu esse erro, quando não ocupava deveria ser eleito pelo povo inteiro e não pelo
mais o cargo e sofreu na própria pele Parlamento (MAYER, 1985, p. 75-76).
as conseqüências dessa realidade. Segundo Weber, citado por Mayer (1985,
Essa impotência também trazia con- p. 76):
sigo um parlamento com um nível in- “Somente a eleição por maioria
telectual grandemente reduzido. É popular do Presidente do Reich daria
fato que a lenda moralizante de nos- a oportunidade de seleção da lideran-
sos literatos apolíticos dá uma expli- ça política e poderia conduzir à revi-
cação exatamente oposta para suas talização de partidos políticos que
origens: por ter, e continuar tendo, um superassem o antiquado sistema diri-
baixo nível intelectual é que o parla- gido pelas notabilidades, até aqui pra-
mento, merecidamente, permaneceu ticado. Se esse sistema continuasse,
sem poderes. Contudo, fatos e ponde- uma democracia político-progressis-
rações simples mostram a verdadeira ta não teria vez.”
correlação dos acontecimentos, cris- A visão política de Weber, afora a sua
talina para todo pensador conscien- percepção do avanço da racionalização e
te. Decisivo para o alto ou baixo nível da conseqüente burocratização, tem seu foco
de um parlamento é se, em suas ins- assentado no contexto político concreto da
tâncias, os problemas são meramente Alemanha, durante as eras bismarckiana e
debatidos ou se elas têm poder e deci- pós-Bismarck. Assim, Weber não tinha a
são. Isto é, se o que acontece entre suas pretensão acadêmica de empreender um

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estudo sistemático da democracia; suas in- lítica, para ele, deveria ser conduzida por
cursões nesse campo eram motivadas por uma camada dirigente recrutada segundo
preocupações com relação ao futuro políti- critério plutocrático (WEBER, 1998, p. 66),
co da Alemanha, que enfrentava uma guer- fato que compromete, na essência, o outro
ra externa e profundas reformas internas pilar da democracia, além da liberdade: a
(HELD, 2001, p. 182). igualdade.
A concepção democrática de Weber, tri- Em Weber, “a democracia é um procedi-
butária da sua visão contextual e histórica mento, um meio na luta pelo poder. Valor
da Alemanha do seu tempo, apresentava as seria a liberdade mais do que a igualdade, e
seguintes características: nisso se revela o liberal mais do que o demo-
1. A liderança política era uma prerro- crata” (COHN, 1993, p. 22). Uma frase sua
gativa da minoria [a “classe dirigente” de resume o seu pensamento sobre a democra-
Mosca], a massa da população apenas es- cia: “Em uma democracia, as pessoas esco-
colheria os integrantes do parlamento e o lhem um líder em que confiam; então o líder
líder carismático pelo voto (GIDDENS, 1998, escolhido fala: ‘Agora calem-se e façam o
p. 33). que eu disser’” (GIDDENS, 1998, p. 69, nota
2. A burocracia, indispensável ao funci- 11).
onamento da democracia, deveria ser con- Contudo, o diagnóstico e o modelo we-
trolada pelos líderes políticos, como forma berianos se demonstraram insatisfatórios à
de se evitar uma dominação burocrática luz da realidade política contemporânea.
incontrolada (GIDDENS, 1998, p. 33). Com efeito, a debilidade dos regimes repre-
3. O líder carismático e plebiscitário, que sentativos, no que diz respeito à credibili-
se contrapõe a uma democracia sem lide- dade pública, decorre, em grande parte, do
rança, seria o condutor político da nação desempenho insatisfatório das delegações
(GIDDENS, 1998, p. 51). conferidas pelos cidadãos aos ocupantes de
4. O parlamento, além de funcionar mandatos eletivos (descumprimentos de
como uma escola de líderes, agiria “como programas eleitorais, corrupção, inobser-
salvaguarda contra a aquisição excessi- vância de fidelidade partidária, etc.), con-
va de poder pessoal por um líder plebisci- forme mostram, entre outros, os estudos de
tário”(GIDDENS, 1998, p. 37). Daniel García Delgado (1998) e de Paul Hirst
5. “Conceitos como a ‘vontade do povo’, (1992).
a verdadeira vontade do povo (...) são fic- Na verdade, o “perigo burocrático” vi-
ções” (GIDDENS, 1998, p. 67). sualizado por Weber não atingiu propor-
6. O representante parlamentar é o se- ções reais que viesse a comprometer a go-
nhor de seus eleitores e não o servidor deles vernabilidade estatal, sendo, ao contrário,
(WEBER, 2000, v. 1, p. 194). uma garantia mínima de que o aparato es-
tatal poderia atuar de maneira impessoal,
4. Conclusão técnica e previsível, afastando-se de postu-
ras cartoriais, favorecedoras de interesses
A concepção de democracia plebiscitá- de determinados grupos.
ria de Max Weber refletia, sem dúvida, o seu A confiança de Weber na força de uma
perfil político liberal, mas, também, elitista. liderança carismática, sua percepção de que
Se, por um lado, procurava contrapor-se aos o agir político seria sempre orientado pela
avanços da burocratização, com a conse- devoção aos supremos interesses da nação
qüente perda da liberdade humana, por e sua incredibilidade quanto ao potencial
outro, não reconhecia capacidade política de participação política racional dos cida-
às massas para se autodirigirem, tendo em dãos, bem como a sua aversão à burocracia
conta a sua suposta irracionalidade. A po- estatal profissional, que, em essência, repre-

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