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Quanto à bibliografia, indico o II volume das Lições do Prof.

Alexandrino, mais
concretamente quanto ao ponto sobre o Governo (p. 161-175) e sobre os
Tribunais (p. 177-179).

Quanto a pontos essenciais:

A respeito do Governo, são estes:


-> A tripla natureza do Governo (quanto às funções que exerce), como órgão
político, legislativo e administrativo (a qual decorre desde logo da sua definição no
artigo 182.º e se plasma nas suas competências previstas nos artigos 197.º, 198.º e
199.º);
-> A complexidade do Governo -isto é a sua natureza de órgão que se desdobra
noutros órgãos: v. artigos 183.º e 184.º). A complexidade do Governo projeta-se na
previsão de diferentes competências para diferentes órgãos que compõem o Governo
(artigos 200.º e 201.º);
- Os princípios de organização do Governo: princípio da colegialidade (todas as
decisões políticas mais importantes competem ao Conselho de Ministros, como é o
caso da definição das linhas gerais da política governamental, da aprovação das
propostas de lei ou da aprovação dos decretos-lei [art.200º, nº 1, al. a), c), d)], na
mesma linha, as competências constitucionais conferidas ao Governo nos artigos 197º
a 199º devem nomeadamente ser exercidas pelo o órgão colegial [tendo exceções],
embora a mesma regra já não seja aplicável às competências atribuídas por lei.);
princípio da solidariedade (dele decorrem a vinculação dos membros do Governo ao
programa de Governo e às deliberações tomadas em Conselho de Ministros [art. 189º],
mas também a verificação de que, no nosso sistema, a responsabilidade política do
Governo perante o Parlamento é solidária [artigos 191º, nº 1 e 2, 194º, nº1],
significando que os membros do Governo não são individualmente responsáveis
perante a Assembleia da República, não podendo por isso ser aprovada uma moção de
censura ao Ministro; princípio de preeminência do Primeiro-Ministro (justificativo do
princípio de unidade política governamental, numa formulação alternativa, assinala a
posição de primazia funcional e, eventualmente até, hierárquica do Primeiro-Ministro no
interior do Governo [de verdadeiro primus super partes], na medida em que, entre
outros fatores, a Constituição lhe confere não só uma função presidencial, mas também
funções específicas de gestação do Governo, de direção política, de chefia
administrativa, de representação governamental e de controlo, especificadas numa
multiplicidade de competências constitucionais próprias [artigos 142º, alínea b), 185º,
187º, nº 2, 191º, 192º, nº 1, 201º, nº1 e 3, 278º, nº 4, 281º, nº2, alínea c)]. De todas
estas funções, a mais antiga [retornando a 1855] e mais importante de todas é a função
de direção política [art. 201º, nº 1, alínea a)], partilhada no seio do Governo com o
Conselho de Ministros, e que o Primeiro-Ministro exerce a título de Chefe do Governo,
uma vez que a função do Governo é complexa e variada; e princípio da repartição de
competências (significa que os Ministros, ainda que não possuam um poder de
definição política, os mesmos dispõe de um domínio material incluído no âmbito da
atividade geral do Governo, na medida em que lhes compete executar a política
definida para os seus ministérios [art. 201º, nº 2, alínea a)];
- Os estatutos especiais do Governo: a Constituição refere-se expressamente aos
Governos de gestão (artigo 186.º, n.º 5), mas cumpre atender também aos Governos
demissionários e aos Governos em funções com a Assembleia dissolvida (quanto
a estes últimos, os Profs. Jorge Miranda e José Alexandrino defendem a aplicação
analógica do artigo 234.º, n.º 2).

Não iria insistir na aula nas matérias relativas à composição, formação e cessação de
funções, uma vez que já as tratámos no primeiro semestre, embora aconselhe a leitura
das páginas 166 a 172 das Lições do Prof. Alexandrino para efeitos de sedimentação.

A respeito dos Tribunais, o essencial:


- Ter presente o disposto no artigo 202.º, central quanto à caracterização dos Tribunais;
- Ter presente que o princípio da independência dos tribunais (de que decorrem a
independência, inamovibilidade, imparcialidade e irresponsabilidade dos juízes) é um
corolário essencial do princípio do Estado de Direito e, em particular, do princípio da
separação de poderes.
Poderão desde já ler as páginas dedicadas ao Tribunal Constitucional (179-181),
embora regressemos a essa matéria a respeito da fiscalização da constitucionalidade
das leis.

Como terão verificado, a matéria desta lição é essencialmente descritiva e de fácil


apreensão e sistematização pela leitura das páginas indicadas.
De ter em conta que, para efeitos práticos, serão muito relevantes para a disciplina de
Direito Constitucional II as normas de competência legislativa do Governo (artigo 198.º)
às quais regressaremos em termos exaustivos.
É correspondentemente importante o disposto no artigo 200.º, n.º 1, alíneas c) e d), que
define a competência do Conselho de Ministros para aprovar propostas de lei e
decretos-leis. Iremos ver adiante o que é uma proposta de lei e o que é um decreto-lei,
não se preocupem. Apenas retenham para já que o Governo enquanto órgão legislativo
e de iniciativa legislativa age em Conselho de Ministros.
São ainda importantes em termos práticos as questões relativas aos estatutos
especiais de Governo, que irão ser objeto de casos práticos.

Quanto a pontos essenciais:

- Pela noção clássica de funções do Estado, essas definem-se como atividades típicas
e permanentes dos órgãos do Estado em ordem à prossecução dos respetivos fins.

- De acordo com a classificação genericamente adotada pela Escola de Lisboa, as


funções do Estado são: a função política (que se desdobra em função legislativa e em
função governativa), a função administrativa e a função judicial.

- O quadro classificatório de funções do Estado consta da página 139 e, como aí


podem verificar, as funções distinguem-se entre si por critérios materiais, formais e
orgânicos.

- Os critérios materiais, tal como enunciados nesse quadro, podem também dizer-se
finalísticos: estão em causa os fins. Em termos simples, pode dizer-se que a função
político-legislativa define os interesses e necessidades a prosseguir e a função
administrativa satisfaz em permanência essas necessidades. Já a função judicial,
prossegue um e um só interesse: a paz jurídica pela decisão de questões jurídicas
(resolvendo litígios e decidindo questões de constitucionalidade e de legalidade);

- Nos critérios formais, atentem no contraponto iniciativa e parcialidade da função


administrativa / passividade e imparcialidade da função judicial. Classicamente, entre
os critérios formais não se refere o facto de cada função prosseguir procedimentos
típicos com marcas específicas, mas tal deve ser acrescentado. O procedimento
legislativo típico (colegial e deliberativo), distingue-se do procedimento administrativo
típico (que irão estudar em Direito Administrativo) e do processo judicial (que irão
estudar em Direito Processual Civil, em Contencioso Administrativo, etc.);

- Nos critérios orgânicos, podemos simplificar dizendo que:


. Na função político-legislativa, não há hierarquia, mas apenas relações de
responsabilidade no quadro do sistema de governo;
. Na função administrativa, há hierarquia descendente (com uma estrutura em que os
superiores, que no Estado correspondem aos "Ministros da pasta", têm poder de
direção sobre a sua cadeia hierárquica);
. Na função judicial, há hierarquia ascendente (a única compatível com a
independência dos juízes), traduzida na interposição de recursos de tribunais inferiores
para tribunais superiores.

- Ainda a respeito de critérios orgânicos, atente-se que a função judicial é um exclusivo


dos Tribunais (artigo 202.º). Já no que diz respeito às outras funções, pode não haver
uma correspondência exata órgão/função (o Governo é simultaneamente órgão
legislativo e administrativo);

- As funções distinguem-se ainda quanto aos atos típicos que exercem, enumerados na
página 140. De notar que esta enumeração do Prof. Jorge Miranda corresponde ao
esquema clássico de divisão de funções e pode merecer adaptações. Por exemplo,
afirma-se que a função legislativa se traduz na prática de "atos de conteúdo normativo -
Leis". Veremos à frente que as leis podem não ser atos normativos.;

- A respeito da separação de poderes, falámos já em "reservas de função",


correspondentes a âmbitos essenciais que não podem ser ocupados por órgãos de
outras funções (por exemplo, reserva de jurisdição não pode ser ocupada por órgãos
legislativos ou administrativos; reserva de administração não pode ser ocupada por
órgãos legislativos, etc.).

- Ora, para a definição em concreto de uma reserva de função é importante ter


presente a tripla caracterização de cada função: há uma reserva de função quando um
determinado poder é o único adequado em termos materiais, formais (designadamente
quanto ao procedimento típico) e orgânicos para a prosseguir. Está aqui em causa o
que antes designámos como "dimensão positiva" da separação de poderes.

Esta última questão vai ser objeto de casos práticos. A formulação em abstrato é mais
difícil do que a sua aplicação prática, pelo que estejam descansados!

INTRODUÇÃO
- Entre os atos do Estado, interessam-nos os atos jurídico-constitucionais, isto é, atos
regulados pelo direito constitucional a título principal (v. Jorge Miranda, p. 151)
- Um exemplo muito ilustrativo (em abstrato e em concreto…) de ato jurídico-
constitucional é a declaração do estado de emergência. É este exemplo que vamos
usar aqui (não porque a suspensão de direitos fundamentais faça parte do programa,
mas porque é um exemplo muito vivo e impressivo para compreender este ponto).
- São também atos jurídico-constitucionais os atos legislativos (leis da AR, decretos-leis
do Governo, decretos legislativos regionais do Governo), aqueles que sobretudo nos
vão ocupar no programa de Direito Constitucional II.

Importa ter presente em geral que:


- A regulação jurídico-constitucional de um ato traduz-se na determinação de requisitos
que se dirigem aos seus elementos.
- O incumprimento desses requisitos gera vícios e desvalores.

Para que isto se torne compreensível, temos de ver cada um destes aspetos
individualizadamente: os elementos, os requisitos, os vícios e os desvalores.

ELEMENTOS
- Um ato jurídico-constitucional desdobra-se em elementos (aquelas componentes ou
partes que formam a sua realidade, digamos assim).
- Os elementos são subjetivos, objetivos e formais (v. esquema).
- Quanto aos elementos:

1. São elementos subjetivos:


1.1. O órgão que pratica o ato
1.2. A vontade do titular desse órgão.

2. São elementos objetivos:


2.1. O objeto imediato, i.e., o conteúdo dispositivo do ato;
2.2. O objeto mediato, i.e., o âmbito ou setor da realidade sobre a qual o ato incide.

3. São elementos formais


3.1. A forma que o ato reveste;
3.2. As formalidades, i.e., os trâmites que integram o procedimento de produção do
ato.

- Vejamos cada um destes elementos no exemplo da declaração do estado de


emergência (Decreto do PR n.º 14-A/2020:
https://dre.pt/web/guest/home/-/dre/130399862/details/maximized):

1.1. Presidente da República (órgão);


1.2. Vontade não coagida de Marcelo Rebelo de Sousa;

2.1. Definição dos direitos que ficam suspensos e termos da suspensão (vejam o ponto
4.º, em especial do Decreto) (objeto imediato);
2.2. Todo o território nacional (objeto mediato);

3.1. Decreto (forma);


3.2. Audição do Governo, autorização da Assembleia da República, etc. (formalidades).

REQUISITOS

- Relativamente a cada um dos elementos de um ato, o direito constitucional


estabelece requisitos. Os requisitos são, pois, exigências dirigidas a cada elemento.

- Vejamos o que os requisitos exigem, exemplificando com a declaração de estado de


emergência:
1. Requisitos quanto aos elementos subjetivos:

1.1. Quanto ao órgão, o requisito é a competência do órgão que pratica o ato.


(No exemplo da declaração do estado de emergência, a competência do PR é definida
pelo artigo 134.º, alínea d), pelo que o requisito é cumprido).

1.2. Quanto à vontade, o requisito é a funcionalização ao interesse público, quer em


geral, quer aos fins exigidos para cada ato em especial
(No exemplo da declaração do estado de emergência, o fim terá de ser a defesa
nacional, o restabelecimento da ordem constitucional democrática ou a tomada de
medidas imprescindíveis a enfrentar uma situação de calamidade pública (é o que se
infere do artigo 19.º, n.º 2)).

2. Requisitos quanto aos elementos objetivos:

2.1. Quanto ao objeto imediato ou conteúdo dispositivo, o requisito é que ele seja
conforme com as normas constitucionais materiais ou de fundo (quer princípios gerais
concretizadores do Estado de Direito, quer direitos fundamentais, quer normas
específicas que regulam o ato).
(No exemplo da declaração do estado de emergência, tem de ser respeitado o princípio
da proporcionalidade (artigo 19.º, n.º 4) e não podem ser afetados os direitos previstos
no artigo 19.º, n.º 6.).

2.2. Quanto ao objeto mediato, o requisito é a possibilidade, jurídica e fáctica.


(O estado de emergência não pode ser declarado pelo PR português para outro
território que não o nacional e ainda menos pode ser declarado no território da lua).

3. Requisitos quanto aos elementos formais:

3.1. Quanto à forma, exige-se que a forma do ato coincida com a forma
constitucionalmente prescrita (registem já, quanto à forma dos atos da AR, o artigo
166.º da Constituição, cujo esquecimento é muito frequente…).
(No exemplo da declaração do estado de emergência, é efetivamente exigida a forma
de decreto, usada pelo PR. O artigo 11.º da Lei n.º 44/86 estabelece expressamente
nesse sentido, mas esta exigência decorre desde logo do artigo 119.º, n.º 1, alínea d),
da Constituição e corresponde à tradição constitucional quanto à forma dos atos do
Chefe de Estado).

3.2. Quanto às formalidades, exige-se que os trâmites seguidos coincidam com os


juridicamente exigidos.
(No exemplo da declaração do estado de emergência, coincidem, dado o disposto no
artigo 138.º. Notem que o PR esta semana também ouviu o Conselho de Estado. Pode
fazê-lo à luz do artigo 145.º, alínea e) mas não se trata de formalidade obrigatória).

ELEMENTOS REQUISITOS VÍCIOS

SUBJETIVOS ÓRGÃO Competência Inconstitucionalidade orgânica


VONTADE NÃO COAGIDA DOS TITULARES Funcionalizada ao interesse público
Inconstitucionalidade
orgânica

OBJETIVOS

OBJETO IMEDIATO
(conteúdo dispositivo do ato) Inteligibilidade

Conformidade com normas constitucionais de fundo


(incluídas normas sobre fim do ato).
Inconstitucionalidade material
OBJETO MEDIATO
(âmbito / setor da realidade sobre que incide o conteúdo dispositivo do ato)
Possibilidade

FORMAIS
FORMA
(modo de exteriorização do ato) Forma prescrita
Inconstitucionalidade formal

FORMALIDADES
(trâmites do procedimento de produção do ato) Formalidades prescritas

DESVALOR

A ausência de elementos do ato gera inexistência jurídica. São casos de inexistência:

- Prática por ente que não seja órgão


- Ausência de vontade livre dos titulares
- Objeto ininteligível
- Objeto impossível
- Ausência total de forma
- Preterição de formalidades constitutivas da vontade de órgão.

A ausência de elementos pode designar-se também como preterição de “requisitos de


qualificação”.

A preterição de outros requisitos (e consequente inconstitucionalidade) determina invalidade,


sendo os requisitos por regra de validade.

Com ressalvas:
Preterição de formalidades com expressa cominação de inexistência (promulgação /
referenda): inexistência.
Preterição de formalidades não essenciais: requisitos de regularidade
Preterição de formalidades que relevem da publicidade do ato: requisitos de eficácia

Hoje prosseguimos com a matéria relativa aos atos jurídico-constitucionais.

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A bibliografia é a mesma que foi indicada anteriormente (Jorge Miranda, Curso de


Direito Constitucional, II, p. 150-159 (pontos 55 e 56)), mas apenas quando sejam para
aí expressamente remetidos

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Já nos debruçamos sobre os elementos e correspondentes requisitos (subjetivos,


objetivos e formais) dos atos jurídico-constitucionais.
Hoje tratamos dos vícios e dos desvalores.
Por fim, dedicamos atenção aos pressupostos.

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O que está em causa nos vícios e desvalores é a reação da ordem jurídica ao


incumprimento de requisitos.
Ou seja, um ato padece de um vício se incumpre uma exigência quanto aos seus
elementos subjetivos, objetivos ou formais.
E ao vício corresponderá um determinado desvalor.

Comecemos pelos vícios.


Esses podem ser três: a inconstitucionalidade orgânica, a inconstitucionalidade material
e a inconstitucionalidade formal.

Como podem ver no esquema, a identificação do vício é fácil se soubermos qual o


requisito do ato que está em causa (v. esquema). Assim:

1. Se o requisito for subjetivo (incidente sobre um elemento subjetivo), o vício é a


inconstitucionalidade orgânica (o caso mais comum é a falta de competência para a
prática do ato).

2. Se o requisito for objetivo (incidente sobre um elemento objetivo), o vício é a


inconstitucionalidade material (violação de norma constitucional de fundo).

3. Se o requisito for formal (relativo à forma ou formalidades), o vício é a


inconstitucionalidade formal (adoção de outra forma que não a prescrita; incumprimento
de alguma formalidade).

Em suma, os vícios são a inconstitucionalidade material, orgânica ou formal.


Se houver um vício, haverá uma consequência negativa que atinge o ato e que se diz
valor negativo ou desvalor.
Os desvalores podem ser a inexistência jurídica, a invalidade ou a irregularidade.

- Na inexistência jurídica, o ato corresponde a uma mera aparência que não produz
quaisquer efeitos desde o momento da sua prática;
- Na invalidade, o ato pode ser não aplicado pelos tribunais ou assim declarado pelo
Tribunal Constitucional com força obrigatória geral (veremos isto a respeito da
fiscalização da constitucionalidade);
- A irregularidade não prejudica a produção de efeitos.

O que cumpre saber é em que casos se verifica inexistência jurídica, invalidade ou


irregularidade.
Vimos atrás que, para determinarmos o vício, temos de saber se o requisito é dirigido
aos elementos subjetivos, objetivos ou formais.
Já para determinarmos o desvalor, temos de verificar a natureza do requisito, isto é, se
se trata de requisito de qualificação, de validade ou de regularidade (v. definição na p.
154-155 do Prof. Jorge Miranda)

Assim:
- Requisitos de qualificação: a sua falta gera inexistência jurídica;
- Requisitos de validade: a sua falta gera invalidade;
- Requisito de regularidade: a sua falta gera mera irregularidade.

A identificação prática da natureza do requisito é mais simples do que parece.

Vejamos:

Os requisitos de qualificação são requisitos orgânicos e formais cujo incumprimento


prejudica que se possa considerar formada a vontade do Estado.
É o que sucede se o ato for praticado por ente que não seja órgão do Estado.
Ou, quanto aos requisitos formais, se forem incumpridas formalidades cuja falta
prejudique que se possa considerar formada a vontade do Estado (por exemplo, falta
de quórum ou falta de maioria de aprovação num órgão colegial).

Notem bem: a inexistência jurídica é excecional.


A preterição da generalidade dos requisitos orgânicos e formais não gera inexistência
(ou, de outro modo, a generalidade dos requisitos orgânicos e formais não são
requisitos de qualificação). Só gera inexistência se essa preterição determinar que não
se possa considerar formada a vontade do Estado!

Outro ponto importante: há casos de inexistência por expressa cominação da


Constituição (falta de promulgação ou assinatura do PR nos termos do artigo 137.º;
falta de referenda ministerial nos termos do artigo 140.º) que acrescem aos casos de
inexistência “por natureza” (isto é, por incumprimento de requisitos de qualificação)

Os requisitos de regularidade correspondem a formalidades de escassa relevância não


estabelecidas pela Constituição (mas pelo regimento da AR, por exemplo) ou, se
estabelecidas pela Constituição, formalidades cujo incumprimento se pode considerar
suprido em concreto.
Os requisitos de validade correspondem a todos os outros.

Cruzando:
Os requisitos objetivos ou materiais são sempre de validade.
A generalidade dos requisitos orgânicos (p. ex. competência do orgânico) e formais são
também de validade.
Os requisitos orgânicos e formais podem ser de qualificação se o seu incumprimento
implicar que não se possa considerar formada a vontade (qualquer vontade, de
qualquer órgão!) do Estado;
Os requisitos formais podem ser de regularidade se corresponderem a formalidades
não estabelecidas pela Constituição ou cuja falta seja suprível.

Por fim, falemos nos pressupostos.


Os pressupostos são aquelas circunstâncias de facto e de Direito que a Constituição
define como tendo de se verificar para um ato poder ser praticado.
Assim, no caso da declaração do estado de emergência, o artigo 19.º, n.º 2 define-os
em termos alternativos (uma dessas circunstâncias tem de se verificar para o ato poder
ser praticado).
A falta dos pressupostos corresponde a uma inconstitucionalidade material.
O desvalor que atinge o ato a que faltem os pressupostos é a invalidade.

O Prof. Jorge Miranda define pressupostos como “condições prévias e exteriores ao


ato” e nelas insere a competência. Não o acompanho aqui. Como vimos, a
competência deve ser entendida como um requisito dirigido ao elemento subjetivo do
ato “órgão”.

Hoje entramos no capítulo dedicado a “Atos legislativos em especial” (V).


Mais precisamente, vamos tratar dos dois primeiros pontos da “Teoria dos atos
legislativos”, incidentes sobre:
- Síntese histórica
- Forma de lei e conteúdo da lei

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Quanto à bibliografia, remeto-vos o meu texto “As Duas Subtrações” .


Devem ler ainda José Melo Alexandrino, II, p. 195-202 (o tratamento aqui é muito claro,
sem prejuízo de as posições do Autor não coincidirem com as minhas, como se verá de
seguida).

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Em matéria de teoria dos atos legislativos, o que está em causa em primeiro lugar é a
resposta à pergunta “o que é a lei?”.

Há, à partida, duas alternativas:

Primeira: Definição da lei pelo seu conteúdo e pela sua forma


(neste caso, para ser “lei”, um ato do Estado tem de ter o conteúdo próprio de uma lei –
isto é, ser geral e abstrata – e revestir forma de lei, ou seja, tem de ser
simultaneamente lei em sentido material e lei em sentido formal).

Segunda: Definição da lei apenas pela sua forma


(neste caso, para ser “lei”, um ato do Estado tem apenas de ter a forma própria de uma
lei, não sendo pois a “lei” necessariamente geral e abstrata).

Iremos ver à frente que há uma terceira alternativa (com que me identifico) em que a lei
é definida pela sua forma, sem prejuízo de haver limites quanto ao conteúdo que possa
ter (e que interferem, não com a definição de lei, mas com a sua validade).
Mas, para já, tenham presentes as duas alternativas acima enunciadas.

Estas duas alternativas correspondem a dois momentos históricos diferentes de


evolução do conceito de lei (sem prejuízo de esta sequência histórica ser tendencial).

Assim:

Num primeiro momento (momento liberal), a “lei” é-o simultaneamente em sentido


formal e material.
É importante notar que, no momento liberal, o conceito de lei corresponde a um eixo da
separação de poderes: “legislar” é emitir atos com forma de lei (leis em sentido formal)
que são também gerais e abstratos (leis em sentido material). Deste modo, fora da
generalidade e abstração, há administração (ou jurisdição, neste último caso se o que
estiver em causa for prosseguir a paz jurídica pela resolução de um litígio).
De notar ainda que, no momento liberal, a forma de lei é necessariamente a forma
parlamentar (não há formas de lei no plural, mas uma forma de lei no singular). Mas
este último ponto não vai ser tão importante para hoje.

Num segundo momento (momento pós-liberal), o quadro liberal entra em crise,


verificando-se a dissolução do conceito liberal ou iluminista de lei.
Neste segundo momento, o legislador é pressionado a descer do geral e abstrato ao
individual e/ou concreto, emitindo “leis-medida” (= atos do Estado com forma de lei,
mas sem conteúdo geral e abstrato).
O legislador é assim pressionado em virtude de o Estado se converter em Estado
social e, nesse contexto, a democracia e a socialidade exigirem que o mesmo chame a
si a tomada de “medidas” que atendam ao concreto (v. DS, p. 105-107).
No contexto pós-liberal, adotou-se tendencialmente um conceito formalista de lei,
defendendo-se que a “lei” se define apenas pela forma e não pelo conteúdo (ou seja, a
“lei” passa a ser compreendida como o sendo apenas em sentido formal e não
material).
Esta posição é designada como “formalista” (entre nós, Profs. Gomes Canotilho, Melo
Alexandrino, etc.)

Deve aceitar-se a posição “formalista” face à Constituição portuguesa vigente?


Vamos ver que não é tão simples, sem que isso signifique adotar uma posição contrária
“substancialista”.

Mas para já, é preciso ter em conta o seguinte: o problema do conceito de lei não se
resolve tendo em conta o que é prescrito em preceitos constitucionais que obedecem a
finalidades específicas e devem ser interpretados à luz das mesmas (DS, 108-112).
O problema só pode ser encarado à luz das exigências decorrentes dos princípios
fundamentais da Constituição, nomeadamente o princípio do Estado de Direito, o
princípio democrático e o princípio do Estado social.

Vejamos:

- A definição liberal de lei (simultaneamente em sentido formal e material) respeita as


exigências do princípio do Estado de Direito e do princípio democrático. Na verdade:
. Se a lei o é em sentido formal corresponde à vontade democrática do Parlamento
(pelo que é expressão do princípio democrático).
. Se o é também em sentido material corresponde a garantia de racionalidade da ação
do Estado e de separação de poderes (pelo que é expressão do princípio do Estado de
Direito).

- Uma definição pós-liberal de lei (apenas em sentido formal):


. Corresponde às exigências do princípio democrático (a lei é ainda vontade
democrática) e do princípio do Estado social (podem ser tomadas sob a forma de lei
medidas concretas que se revelem eficientes na prossecução do bem estar).
. Mas não corresponde às exigências do princípio do Estado de Direito: a “lei” já não é
uma garantia de racionalidade e separação de poderes, mas apenas uma expressão
de vontade e de eficiência.

Se não quisermos ignorar pura e simplesmente as exigências do Estado de Direito, não


podemos aderir a um formalismo que abra a forma de lei a todo e qualquer conteúdo
(ou que a abra a todo e qualquer conteúdo sempre).

Assim, determinar se uma lei pode ser individual e/ou concreta é um problema a
resolver no quadro de uma colisão de princípios.

Remeto-vos aqui para As Duas Subtrações, p. 113 segs.


Resumindo o que aí está:
- Devem ser subtraídos à forma de lei todos aqueles conteúdos individuais e/ou
concretos em que não se revele imprescindível que o legislador intervenha face ao
princípio democrático e ao princípio do Estado de Direito (primeira subtração);
- Devem ainda ser subtraídos à lei todos aqueles conteúdos individuais e/ou concretos
a respeito dos quais deve ser a Administração a decidir em razão da sua configuração
organizatória e procedimental (segunda subtração).
A respeito da segunda subtração, recordem-se do que foi dito anteriormente sobre a
dimensão positiva da separação de poderes enquanto função/competência/legitimação.

Notem bem que a questão aqui já não é de “definição” da lei (como o era no contexto
liberal) mas de “validade” da lei (de cumprimento de um requisito de validade da lei, de
uma exigência dirigida ao conteúdo do ato legislativo).
Em sede estrita de definição, a lei define-se agora pela forma (nisso, os “formalistas”
têm razão). De facto, sabemos que há casos em que a lei pode descer ao individual
e/ou concreto e isso é suficiente para desmentir uma definição substancialista de lei.

O que está em causa nas “duas subtrações” não é propriamente regressar à tese
substancialista ou afastar a tese formalista sobre o conceito de lei, ou seja, não é dizer
que a lei não se define pela forma.
Admitindo-se que a lei se define pela forma, o que está em causa é dizer que a lei não
pode descer validamente ao individual e/ou concreto (isto é, pode ser inválida) se isso
importar uma violação do princípio do Estado de Direito (aqui ponderado ou sopesado
com as exigências do princípio democrático e/ou princípio do Estado Social).
A fórmula para identificar se há violação do princípio do Estado de Direito equivale,
precisamente, às “duas subtrações”.

O Prof. Melo Alexandrino identifica-me como “substancialista” (p. 198), o que não é
absolutamente rigoroso (pois dizer que a lei pode ser inválida por ser individual e
concreta não significa dizer que a lei se define pela generalidade e abstração.
Na verdade, a minha posição acaba por não ser muito diferente da do mesmo Autor.
O mesmo diz que o facto de a lei se definir pela forma (como efetivamente se define)
não prejudica que haja limites ao poder de intervenção da lei. Assim na razão em que o
legislador esteja vinculado aos princípios fundamentais da Constituição, cujas
correspondentes exigências são “condições de validade” da lei.
Assim, se há algo que diferencia a minha posição da do Prof. Alexandrino esse algo
traduz-se em dizer que esses princípios fundamentais (mais precisamente, o princípio
do Estado de Direito) exigem que a lei seja lei geral e abstrata por via de regra, sob
pena de invalidade.
A lei individual e/ou concreta só será válida se às exigências do princípio do Estado de
Direito se sobrepuserem em concreto exigências do princípio democrático e do
princípio da socialidade.

Pela aplicação das duas subtrações, as respostas sobre se a lei individual e concreta é
válida são diferentes em cada caso.
Neste contexto, será inválida lei que prevê as vagas no ensino superior para o ano
letivo seguinte (sobretudo em razão da segunda subtração).
Mas poderá não ser inválida lei que prevê medidas excecionais para combater a
epidemia de COVID 19. Apesar de se tratar de um conteúdo concreto, o princípio
democrático e o princípio do Estado social poderão justificar a intervenção do
legislador.

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