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Função Legislativa (Atos legislativos)

As leis (em sentido formal) são os atos que fazem parte da função legislativa e que a
CRP qualifica como atos legislativos.
Os regulamentos administrativos são os atos regulamentares que fazem parte da função
administrativa e dizem respeito à aplicação dessas normas, e são emanados por órgãos ou
autoridades competentes no exercício da função administrativa.
Hierarquia dos atos normativos:
1. CRP
2. Lei (as leis têm de respeitar a CRP, sob pena de serem inconstitucionais)
3. Escalão infralegal (composto pelos atos administrativos que, se não respeitarem a
Lei, são ilegais, de acordo com o princípio da legalidade da administração – a
administração está subordina à Lei)
Aquilo que vamos estudar é a função legislativa e os atos legislativos (as leis).

Artigo 112.º CRP – Atos normativos


- Nº1: Prevê que os atos legislativos são as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos
regionais.
- Nº2: Têm todos o mesmo valor.
- Nº5: Princípio da tipicidade dos atos legislativos – não podem ser criados outros atos
legislativos para além destes.
Leis: atos legislativos aprovados pela AR.
Decretos-leis: atos legislativos aprovados pelo Governo.
Decretos legislativos regionais: atos legislativos aprovados pelas Assembleias
Legislativas Regionais.

Artigo 161.º CRP – Competência política e legislativa da AR


- C) : Prevê que a AR tem uma competência legislativa genérica (pode fazer leis sobre
todas as matérias), exceto em relação às matérias reservadas ao Governo – artigo 198.º/2
(é apenas uma matéria – a organização e o funcionamento do Governo).
Artigo 198.º CRP – Competência legislativa do Governo
- A) : Prevê que o Governo tem competência legislativa em relação às matérias não
reservadas à AR (as matérias exclusivas da AR são inúmeras) – artigo 161.º (todas as
matérias enunciadas de natureza política) + artigo 164.º (reserva absoluta – as matérias
mais importantes) + artigo 165.º (reserva relativa – matérias importantes, mas sobre as
quais a AR pode autorizar o Governo a legislar)
Artigo 112.º/4 & Artigo 232.º & Artigo 227.º CRP – Competência legislativa das
Assembleias Legislativas Regionais
- Artigo 112º/4: Prevê que as ALR têm competência legislativa em relação às matérias
indicadas nos respetivos estatutos que não estejam reservadas aos órgãos de soberania –
artigo 198.º/2 + artigo 161.º + artigo 164.º + artigo 165.º
- Artigo 232.º/1: Prevê as matérias reservadas às ALR (as matérias da sua exclusiva
competência)
- Artigo 227.º: Prevê os poderes das regiões autónomas em geral, mas depois o artigo
232.º menciona aquilo que é da competência exclusiva das ALR. Da leitura do artigo
227.º confrontado com o artigo 232.º, concluímos que a competência legislativa (de fazer
decretos legislativos regionais) é exclusiva das ALR e não dos Governos Regionais.
- Nota: os Governo Regionais podem fazer regulamentos, mas não legislam.

1. Leis e Decretos-Leis
A AR e o Governo têm uma competência legislativa genérica e produzem,
respetivamente, leis e decretos-leis.
Nos termos do artigo 112.º/2, as leis e os decretos-leis possuem o mesmo valor porque se
encontram no mesmo nível da hierarquia da lei. Portanto, um decreto-lei pode revogar ou
alterar uma lei da AR ou vice-versa, prevalecendo aquele que vier por último.
O Governo tem competência legislativa própria, por direito próprio. Pode legislar de
forma independente da AR e vale a lógica de igual valor.
O Governo tem de responder perante a AR e esta pode fazer cair o Governo (isto porque
a AR, no plano político, domina o Governo), embora sejam os dois órgãos de soberania
com competência legislativa única.
De certa forma, nos Estados sociais atuais, é natural que os executivos tenham
competência legislativa: fazer uma lei, pela AR, é um processo muito mais complexo do
que o de um decreto-lei. No entanto, o processo dos decretos-leis também tem
inconvenientes em relação às leis.
Vantagens:
- Há mais eficácia, rapidez e capacidade de resposta - Muitas vezes, é preciso que o
Governo tenha capacidade de responder aos problemas diários de forma rápida, e o
processo dos decretos-leis é mais fechado, (“de um dia para o outro”, pode-se fazer um
decreto-lei).
Inconvenientes:
- Há menos transparência e democracia – A AR tem uma legitimidade democrática mais
forte do que a do Governo. O processo legislativo parlamentar é transparente, aberto à
sociedade e plural (é mais burocrático, uma vez que participam todas as correntes
políticas com assento parlamentar). A AR prevalece no que diz respeito aos valores
democráticos, embora não tenha uma capacidade de resposta tão boa quanto a do
Governo.
Em todo o caso, a AR continua a ser o órgão legislativo por excelência por representar a
democracia – a AR detém a supremacia legislativa. Esta manifesta-se, sobretudo, no
facto de ter exclusividade quanto às matérias mais importantes (artigo 161.º + artigo 164.º
+ artigo 165.º).
Portanto, a simetria entre Governo e AR é, no fundo, aparente, no sentido em que o
Governo tem muito menos autonomia legislativa em termos de matéria política, social,
económica, etc. O Governo, salvo autorização da AR, só legisla acerca do seu próprio
funcionamento e organização.
Artigo 136.º CRP – Promulgação e veto
- O Presidente da República tem competência para promulgar e mandar publicar as leis e
os decretos-leis – artigo 134.º/b).
- O veto tem que ver com o poder de promulgação do Presidente da República.
- Nº1: O veto presidencial é um veto suspensivo – suspende a entrada em vigor dos
diplomas, devolvendo-os à AR.
- Nº2 e Nº3: Veicula-se que o PR fica obrigado a promulgar o diploma se a AR o
confirmar. A AR pode superar o veto, na maioria dos casos, quando existe uma maioria
absoluta dos Deputados em efetividade de funções. Nas matérias mais sensíveis, é
necessária uma maioria absoluta de 2/3 dos Deputados em efetividade de funções para
superar o veto presidencial.
- Nº4: Veicula-se que, no conflito entre o PR e o Governo, a maior força é dada ao PR.
Ao contrário da AR, que pode superar o veto do PR, o veto dos diplomas do Governo é
definitivo. No entanto, nos casos de maiorias absolutas, e uma vez que a AR passa a estar
“controlada” pelo Governo, a AR confirma aquilo que o Governo deseja – as maiorias
absolutas enfraquecem o poder de veto do PR.
Artigo 137.º CRP – Falta de promulgação ou de assinatura
- A falta de promulgação ou de assinatura determina a inexistência jurídica do ato.
- A lei adquire existência jurídica quando é promulgada. Enquanto não é promulgado, o
ato legislativo é um decreto. Quando é publicado em Diário da República, passa a ser lei
e adquire nome próprio.
Artigo 140.º CRP – Referenda ministerial
- A falta de referenda ministerial leva à inexistência jurídica do ato.

Como se manifesta a supremacia legislativa da AR?


(A) Os decretos-lei feitos pelo uso de autorização legislativa (matérias de reserva
relativa do artigo 165.º), um dos tipos de decretos-leis do Governo – artigo 198.º/1/b)
+ artigo 112.º/2/segunda parte – têm de respeitar as respetivas leis de autorização
legislativa.
(B) Os decretos-lei de desenvolvimento, um dos tipos de decretos-lei do Governo –
artigo 198.º/1/c) + artigo 112.º/2/última parte – desenvolvem as bases gerais de
regimes jurídicos consagrados noutras leis base, leis da AR (como por exemplo, a lei
base para a educação). O facto de estes decretos-lei de desenvolvimento terem de
respeitar as leis base é mais uma prova da superioridade legislativa da AR.
(C) A AR tem competência para requerer fiscalização – artigo 162.º/c) – dos
decretos-leis do Governo, exceto se se tratar da competência exclusiva do Governo
(artigo 198.º/2), para efeitos de cessação de vigência ou alteração, e dos decretos
legislativos regionais previstos no artigo 227.º/1/b). Aqui manifesta-se a supremacia
legislativa da AR face ao Governo e às ALR.
(D) O facto de as ALR só terem competência legislativa em relação às matérias
enunciadas nos estatutos político-administrativos – artigo 112.º/4) – e de ser a AR
quem aprova esses estatutos – artigo 226.º – significa que, na prática, é a AR que
determina aquilo sobre o qual as ALR podem legislar. Manifesta-se, mais uma
vez, a supremacia legislativa da AR face às ALR.
(E) À semelhança daquilo que pode fazer com o Governo, a AR pode autorizar as ALR
a legislar sobre as suas matérias de reserva relativa (artigo 165.º), mas com as
limitações do artigo 227.º/1/b), segundo o artigo 161.º/e). Isto leva-nos a concluir
que nem todas as matérias do artigo 165.º podem ser autorizadas às ALR (Nota:
já o Governo, pode legislar com autorização da AR sobre qualquer uma das alíneas
do artigo 165.º). Manifesta-se, mais uma vez, a supremacia legislativa da AR face às
ALR.

2. Decretos legislativos regionais


Já vimos que a competência legislativa regional está prevista nos artigos 112.º/4, 232.º e
227.º e que esta não inclui uma competência legislativa do Governo Regional. O artigo
227.º prevê os poderes das regiões autónomas em geral, mas depois o artigo 232.º
menciona aquilo que é da competência exclusiva das ALR. Da leitura do artigo 227.º
confrontado com o artigo 232.º, concluímos que a competência legislativa (de fazer
decretos legislativos regionais) é exclusiva das ALR e não dos Governos Regionais. A
competência legislativa é exclusiva das ALR.
E quanto à competência regulamentar? O artigo 232.º/1 diz que é da exclusiva
competência das ALR, entre outras, a matéria do artigo 227.º/1/d)/segunda parte (que
é uma competência regulamentar). (Nota: as alíneas a), b) e c) do artigo 227.º/1 são
competências legislativas). Há, portanto, que analisar o artigo 227.º/1/d):
- artigo 227.º/1/d)/primeira parte – “regulamentar a legislação regional”
- artigo 227.º/1/d)/segunda parte – “regulamentar a legislação emanada pelos órgãos de
soberania”
Assim, a segunda parte (“regulamentar a legislação emanada pelos órgãos de soberania”)
é da exclusiva competência da ALR. Mas a primeira parte (“regulamentar a legislação
regional”) pode ficar a cargo tanto da ALR, como do Governo. Logo, o Governo também
tem competência regulamentar.
A competência legislativa regional é limitada – só podem legislar sobre a matéria que
vier enunciada nos estatutos e que não esteja reservada aos órgãos de soberania – 112.º/4
–, o que é, como já vimos, uma manifestação da supremacia da AR em relação às ALR
(porque é ela quem aprova os estatutos). No entanto, não se pense que esta competência
é assim tão limitada na prática.
Os estatutos das regiões autónomas têm um elenco extensíssimo de matérias sobre as
quais as ALR podem legislar. No artigo 226.º (feitura dos estatutos), é claro que os
projetos dos estatutos são elaborados pelas ALR e enviados para discussão e aprovação
da AR. Se a AR rejeitar ou introduzir novas alterações, remete-os novamente à respetiva
ALR para esta se pronunciar e, só depois, é que a AR aprova. A tendência é a AR aceitar
as propostas das ALR que incluem um elenco praticamente ilimitado, porque os
respetivos partidos da AR não querem arranjar conflito com as secções regionais. Em
todas as revisões constitucionais, a tendência é ampliar a competência legislativa
regional.
Na primeira versão da CRP, os limites da competência legislativa regional eram mais e
mais restritivos. As ALR 1- só poderiam legislar em matérias de interesse específico da
região e 2- não poderiam contrariar as leis gerais da República. Acontecia que se tornava
muito difícil para as ALR, na maior parte das situações, provar que tinham um interesse
específico em legislar sobre uma matéria, já que não havia como determinar o que
significava “interesse específico”. Quanto ao segundo limite, de “leis gerais da
República” passou-se a “princípios fundamentais das leis gerais da República”, mas o
Tribunal Constitucional decidiu, na maior parte dos casos, a favor da República e contra
as ALR – jurisprudência centralista.
Atualmente, os limites das matérias sobre as quais as ALR podem legislar são mais
específicos:
1) têm de constar dos estatutos
2) não podem estar reservadas aos órgãos de soberania
Contudo ainda resistem algumas dúvidas suscitadas por esses limites dos artigos 227.º/1
e 112.º/4:
1) O “âmbito regional” referido é de base material ou territorial? O TC considera que
existem matérias dos estatutos que prevalecem no âmbito nacional.
2) Quais são essas matérias não reservadas aos órgãos de soberania? O TC considera que
existem outras matérias implicitamente reservadas aos órgãos de soberania, para além das
mencionadas nos artigos anteriormente referidos.
Artigo 228.º/2 CRP – Autonomia legislativa
- Na falta de legislação própria, havendo uma lei da AR, é esta que prevalece. Mas se
houver legislação regional própria é ela que prevalece sobre a lei da AR com que entra
em conflito. Ou seja, se houver um decreto legislativo regional sobre uma matéria, é ele
que se aplica na respetiva região autónoma.
- Os decretos legislativos regionais são encarados como uma manifestação da autonomia
política regional.

3. Leis de valor reforçado


O artigo 166º consagra a forma dos atos aprovados pela AR. Assim, é possível opor, desde
logo, as leis constitucionais (provindas das revisões) e as leis ordinárias (nas quais se
incluem as leis orgânicas). Quando uma lei ordinária contraria uma lei constitucional, há
uma inconstitucionalidade. Quando uma lei ordinária contraria uma lei ordinária de valor
reforçado, há uma ilegalidade ou inconstitucionalidade indireta (porque a lei comum viola
a lei de valor reforçado e a CRP) – artigos 280º/2 e 281º.
As leis de valor reforçado estão previstas no artigo 112.º/3 e podem ser de três tipos:
• Leis orgânicas – artigo 166º/2
• Leis aprovadas por uma maioria de 2/3 – artigo 168º/6
• Leis que são “pressuposto normativo de outras leis”

3.1. Leis orgânicas


Características:
• As leis orgânicas carecem de aprovação por maioria absoluta na votação final
global (≥ 116). Nas votações na generalidade e na especialidade é preciso apenas
maioria simples. – artigo 168.º/5
• As leis orgânicas carecem de uma maioria de 2/3 para serem confirmadas pela
AR e se superar o veto. (Nos outros casos, a maioria exigida para superar o veto
é a maioria absoluta.) – artigo 136º/3
• No que diz respeito à fiscalização preventiva, no caso das leis orgânicas, esta
pode ser requerida pelo PR, pelo PM ou por 1/5 dos deputados (Nos outros casos
só pode ser requerida pelo PR ou pelo Representante da República.) – artigo
278.º/4

3.2. Leis aprovadas por maioria de 2/3


As alíneas do artigo 136º/3 distinguem-se por aquelas que dizem respeito a “leis” e
aquelas que dizem respeito a “normas”. Assim a maioria de 2/3 é exigida em todas as
votações quando se refere a “lei” (alíneas a) e c)) e apenas na votação na especialidade
quando se refere a “normas” (alíneas b), d), e) e f)).

3.3. Leis que são pressuposto normativo de outras leis


❖ Leis de autorização legislativa
São leis da reserva relativa da AR, ou seja, a AR pode autorizar o Governo e as ALR a
legislar sobre estas matérias (artigo 165.º/2). A lei de autorização legislativa é um
pressuposto normativo necessário de um decreto feito pelo uso da autorização legislativa
– artigo 198.º/1/b). Estes decretos-lei feitos através da autorização:
• devem respeitar a lei de autorização legislativa (artigo 112.º/2/2.ª parte), esta que
deve definir o objeto, sentido e prazo da autorização;
• podem contrariar uma lei da AR, se assim o desejarem;
• não podem utilizar a autorização mais do que uma vez (ou seja, a matéria pode
ser parcelada e serem feitos vários decretos-lei, mas estes não podem legislar
sobre uma mesma matéria duas vezes) – artigo 165.º/3.
Notas:
• O Governo, para requerer a autorização, apresenta uma proposta lei de autorização
legislativa acompanhada de um esquema do futuro decreto-lei – artigo 141.º/4 do
RAR.
• O Governo até pode respeitar o prazo de aprovação constante da lei da autorização
legislativa, mas se o PR promulga o diploma depois do fim do prazo, este não tem
validade jurídica (o ato só adquire validade jurídica depois da promulgação –
artigo 137.º). Por isso, o Governo deve ter em conta o prazo de 40 dias que o PR
tem para a promulgação (artigo 136.º/4). Se o Governo aprovar no limite do prazo,
convém que peça uma prorrogação do prazo da autorização.
• No caso de o PR vetar um primeiro decreto feito no uso da autorização e
promulgar um segundo depois de reformulado pelo Governo, considera-se que a
autorização não tinha sido utilizada da primeira vez (é a promulgação que confere
existência jurídica ao decreto como lei ou decreto-lei – artigo 137.º).

❖ Leis de bases
As leis de bases apresentam os princípios base sobre os quais trabalham os decretos-lei
de desenvolvimento – artigo 198.º/1/c). Estes decretos-leis de desenvolvimento:
• devem respeitar os princípios contidos nas respetivas leis de bases (artigo
112.º/2/2.ª parte);
• se contrariarem as leis de bases, estamos perante uma ilegalidade (regulada pelo
TC).

❖ Estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas


Os estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas são leis ordinárias de valor
reforçado de alcance geral e:
• são aprovados por maioria simples (a maioria das disposições) – artigo 116.º/3 –,
exceto as disposições mencionadas no artigo 168.º/6/f) (matérias sobre as quais as
RA podem legislar), que exigem uma aprovação por maioria de 2/3;
• devem ser respeitados por todos os outros atos provenientes da AR e do Governo
– artigo 281.º/1/d) – e das ALR – artigo 281.º/1/c) – sob pena de ilegalidade em
ambos os casos.

❖ Leis de enquadramento ou leis quadro


As leis de enquadramento ou leis quadro são leis ordinárias de valor reforçado que
regulam o processo de feitura de outras leis.
Por exemplo, estabelece-se uma relação entre a lei de enquadramento do Orçamento
de Estado e a lei do Orçamento de Estado (esta, apesar de ser uma lei muito
importante, é aprovada por maioria simples – artigo 116.º/3 – porque não está
mencionada nas maiorias qualificadas do artigo 168.º). O artigo 106.º/1 estabelece
que, quando se aprova o O.E., há que respeitar a sua respetiva lei de enquadramento.
Notas:
• Qual é a diferença entre uma lei quadro e uma lei de bases? Uma lei de quadro
diz como é que outra lei vai ser aprovada (indica o procedimento) enquanto
que uma lei de bases estabelece os princípios materiais de um determinado
regime jurídico.
• Por exemplo, a regionalização administrativa encontra-se prevista na CRP
(artigos 255.º e 256.º), mas ainda não existe. O artigo 255.º veicula que é uma
lei da AR que cria as regiões administrativas – funcionando esta como uma lei
quadro – e o artigo 256.º estatui que essa instituição exige ainda novas leis que
instituam em concreto cada uma das regiões – leis reguladas pela lei quadro.

4. Processo legislativo parlamentar (aprovação de leis pela AR)


O processo legislativo parlamentar é composto por várias fases.
4.1. Iniciativa legislativa
O desencadeamento do processo legislativo dá-se com a iniciativa de lei prevista no artigo
167.º da CRP. Quem tem iniciativa (167.º/1)?
• Deputados
• Grupos parlamentares
• Governo
• Assembleias Legislativas Regionais
• Grupos de cidadãos eleitores – inicialmente não tinham iniciativa legislativa;
atualmente, praticamente não têm importância (é exigido um mínimo de 20.000
cidadãos eleitores)
Se a iniciativa for interna, ou seja, vier da AR (deputados e grupos parlamentares),
estamos perante um projeto de lei.
Se a iniciativa for externa (Governo, ALR e grupos de cidadãos), estamos perante uma
proposta de lei.
Limites à iniciativa legislativa:
➢ Dos deputados e grupos parlamentares
- Não têm iniciativa legislativa quanto aos estatutos das regiões autónomas, à
semelhança do Governo; quem a tem são apenas as ALR – artigo 226.º
- Não têm iniciativa legislativa de leis de autorização legislativa; quem a tem é
o Governo.
- Não têm iniciativa legislativa quanto às leis do orçamento (aprovadas pela AR);
quem a tem é apenas o Governo – artigo 161.º/g).
➢ Do Governo
- Não tem iniciativa legislativa quanto aos estatutos das regiões autónomas, à
semelhança da AR; quem a tem são apenas as ALR – artigo 226.º
- Não tem iniciativa legislativa em matéria de revisão constitucional.
➢ Das Assembleias Legislativas Regionais
- Apenas têm iniciativa legislativa naquilo que compete às regiões.
Nota: existe uma cláusula travão no artigo 167.º/2 que prevê que, com exceção do
Governo, nenhuma outra entidade pode apresentar projetos ou propostas que aumentem
as despesas ou diminuam as receitas do Orçamento de Estado. O objetivo é evitar que se
impeça o desenvolvimento da política do Governo.
Nota: Competência vs iniciativa legislativa
É importante distinguirmos competência legislativa, já estudada, de iniciativa legislativa,
agora em análise. Quando nos referimos à competência, está em causa saber se cada um
dos órgãos pode aprovar um certo ato legislativo. Quando nos referimos à iniciativa
legislativa, está em causa saber quem tem poder para apresentar propostas e projetos que
só a AR tem competência para aprovar (falamos apenas do processo legislativo
parlamentar do qual resultam leis da AR).
Em suma, a AR tem competência genérica (exceto a organização e funcionamento do
Governo) e o Governo não tem competência para legislar sobre o que está nos artigos
161.º + 164.º + 165.º, apenas sobre o resto das matérias. Por isso, quando o Governo quer
alterar uma matéria, mas não tem competência para tal, faz uso do seu poder de iniciativa
legislativa e apresenta uma proposta de lei para a AR aprovar.
Quanto à matéria de reserva absoluta da AR (artigo 164.º), o Governo tem iniciativa –
pode apresentar uma proposta de lei – mas não tem competência – não pode
legislar/aprovar. Quanto à matéria de reserva relativa da AR (artigo 165.º), o Governo
tem iniciativa – pode apresentar uma proposta de lei – mas não tem competência – não
pode legislar/aprovar – exceto se pedir autorização à AR para tal. Quanto ao resto das
matérias, o Governo tem competência, por isso, na prática, não utiliza a iniciativa (no
entanto, por vezes, para superar o veto definitivo do PR, o Governo utiliza a iniciativa
para a AR aprovar e, futuramente, conseguir superar o veto do PR, se for o caso).
4.2. Discussão e votação/aprovação
O segundo passo do processo legislativo parlamentar é a discussão e votação – artigo
168.º da CRP. A discussão e votação, por sua vez, conhece 3 fases:
• Votação na generalidade – discutem-se os princípios gerais, os objetivos, etc.
• Votação na especialidade – discutem-se pormenores e aspetos específicos,
norma a norma, lei a lei.
• Aprovação final global – aqui exigem-se a maioria simples do artigo 116.º/3 ou
as maiorias especiais do artigo 168.º/5 e 6.
À aprovação final global, segue-se a redação do diploma e o seu envio para o PR para
promulgação (função prevista no artigo 134.º/b)). O PR pode promulgar ou vetar nos
termos do artigo 136.º.
4.3. Referenda ministerial
Antes da publicação, deve haver referenda ministerial – artigo 140.º da CRP. O ato de
promulgação do PR tem de ser referendado pelo Governo em forma de atestado da
regularidade da promulgação. Esta fase é uma mera formalidade; uma garantia que nada
acrescenta de substancial.
Do ponto de vista histórico, a referenda remonta ao tempo em que, em Inglaterra, o Rei
ainda exercia poderes políticos e não podia ser responsabilizado por eles. Assim, o PM
ou um ministro assinava esse ato e responsabilizava-se por ele. Hoje em dia, a referenda
já não assume este caráter. Para além disso, seria impensável o Governo recusar a
referenda. Tal implicaria a inexistência jurídica do ato de promulgação – artigo 140.º/2 –
e subverteria toda a lógica do processo legislativo. Se o Governo tivesse a possibilidade
efetiva de recusar a referenda, o Governo e o PM teriam, em última análise, todo o poder
nas suas mãos.
4.4. Publicação
A última fase do processo legislativo parlamentar é a publicação – artigo 119.º da CRP.
É neste momento que os diplomas adquirem eficácia jurídica.

5. Apreciação dos decretos-leis pela Assembleia da República


Como já foi mencionado, a competência legislativa do Governo – artigo 198.º - é de 4
tipos:
- legislar sobre todas as matérias não reservadas à AR (competência concorrencial);
- legislar sobre a sua organização e funcionamento (competência exclusiva);
- fazer decretos-leis no uso da autorização legislativa;
- fazer decretos-leis de desenvolvimento de leis de base.
A AR, por sua vez, tem uma competência de fiscalização prevista no artigo 162.º/c).
Ou seja, todos os decretos-leis que o Governo faz, exceto aqueles sobre a sua organização
e funcionamento (competência exclusiva), podem ser apreciados pela AR depois de
publicados. Os dois possíveis efeitos desta apreciação são:
1. fazer cessar a vigência do diploma (a cessação de vigência é feita através de uma
resolução)
2. alterar o diploma (a alteração é feita através de uma lei)
Este processo é regulado pelo artigo 169.º, que estabelece os requisitos de existirem um
mínimo de 10 deputados a requerer a apreciação e que tal ocorra nos 30 dias subsequentes
à publicação do decreto-lei.
Então, quais as vantagens deste processo com estes requisitos (artigos 162.º c) e 169.º)
quando qualquer deputado pode apresentar, a qualquer altura, um projeto-lei para alterar
e revogar diplomas anteriores (leis e decretos-leis têm o mesmo valor, prevalecendo o
posterior)?
• 1ª vantagem: este processo traz um benefício à AR porque o artigo
164.º/4/última parte proíbe que o decreto-lei volte a ser aprovado pelo Governo
na mesma sessão legislativa; o outro processo poder-se-ia prolongar infinitamente
devido à discordância entre a AR e o Governo (a AR faz uma lei que revoga um
decreto-lei do Governo; essa lei é revogada por um outro decreto-lei do Governo;
esse decreto-lei é revogado por uma lei da AR; e a assim sucessivamente).
• 2.ª vantagem: através deste processo, a resolução entra em vigor sem ter
necessidade de ser promulgada – artigo 166.º/6; sem ter que passar pela
promulgação, a AR evita a intervenção do PR e faz cessar com maior eficácia o
decreto-lei do Governo.
• 3.ª vantagem: este processo goza de prioridade nos termos do artigo 169.º/6; por
outro lado, se for um deputado a apresentar um projeto de lei vai “para o fim da
fila”.

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