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Ano Letivo 2021/2022

Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Primeira turma

Docentes: Vera Lúcia Raposo; Marta Costa Santos


Discente: Catarina Maciel

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Nota:

- Sempre que durante o material de estudo se encontrar uma pequena nota a dizer
“Exercícios”/ “Casos práticos” é porque no material fornecido pelas docentes se
encontram exercícios relativos à matéria em questão.

PRIMEIRA PARTE- ESTRUTURAS INSTITUCIONAIS


Direito organizatório: regras e princípios que regulam aspetos dos órgãos
constitucionais, especialmente os de soberania (formação, competências,
procedimentos).

- Existe Direito organizatório formalmente constitucional (aquele que está na Constituição)


e materialmente constitucional (leis eleitorais, regimento da Assembleia da República,
etc.).

- Quanto ao conceito de poderes, na nossa Constituição apenas está inserido o conceito


de órgãos de soberania (Presidente da República, Assembleia da República, Governo e
Tribunais- não confundir com os órgãos de poder político, como, por exemplo, as regiões
autónomas e as autarquias) e não de poderes do Estado (grupos de órgãos aos quais a
Constituição atribui poderes para certas funções).

REGRAS E PRINCÍPIOS DO DIREITO CONSTITUCIONAL ORGANIZATÓRIO:

Competência: poder de atuação que cabe aos órgãos e agentes constitucionais para
realizarem as tarefas que lhes cabem, por força da Constituição ou da lei (tarefas + meios
de atuação).

1. Competências legais e competências constitucionais:


• Competências legais: são competências atribuídas por lei, mas que têm
fundamento constitucional expresso (cfr. artigos 197.º, al. j, 161.º, al. o, e 223.º, n.º 3).
• Competências constitucionais: são competências atribuídas direta e
expressamente pela Constituição a um dado órgão (cfr. artigos 133.º, 161.º, 197.º).
• Vale nesta matéria o princípio da indisponibilidade de competências, que deriva
do princípio da tipicidade constitucional de competências.

Nota: Princípios orientadores:

→ Princípio da indisponibilidade das competências: não pode haver transferência de


competências de um para o outro, a não ser que seja a lei ou a CRP que o façam
com fundamento constitucional.
→ Princípio da tipicidade das competências: cada órgão só tem as competências que
a lei ou a CRP lhe atribui.
→ Princípio da conformidade funcional: as competências que estão definidas têm em
conta a estrutura de cada órgão e aquela que será atribuída a cada um tem em
conta o melhor órgão de competência de cada um.

2. Competências (constitucionais) exclusivas, competências concorrentes e


competências-quadro:

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• Competências exclusivas: são competências atribuídas a um só órgão.


• Competência concorrente: são competências atribuídas, a título igual, a vários
órgãos.
• Competências-quadro: são competências atribuídas quanto à definição de bases
ou princípios a um órgão e quanto à densificação particularizante a outro.

3. Competências constitucionais expressas, competências constitucionais (escritas)


implícitas, e competências não escritas:

• Competências constitucionais escritas: são competências dos órgãos de soberania


expressamente mencionadas nos enunciados linguísticos das normas
constitucionais.
• Competências constitucionais (escritas) implícitas: são competências que não têm
reprodução escrita imediata na Constituição, mas que se podem ainda considerar
como implicitamente derivadas das normas constitucionais escritas.
• Competências não escritas: competências que não têm qualquer suporte, mesmo
implícito, no texto constitucional. As competências não escritas são incompatíveis
com a força normativa da Constituição. Esta tolera, no entanto, as competências
implícitas complementares de competências explícitas.

Nota: O modelo norte-americano é diferente: poderes decorrentes ou emergentes


(resulting power- derivam da leitura conjunta dos poderes especificamente referidos na
constituição), poderes implícitos (implied powers- não expressamente referidos na
Constituição, mas adequados à prossecução dos fins e tarefas que a Constituição atribui
ao órgão) e poderes inerentes ou essenciais (iherent ou essential power- indispensáveis ao
exercício das funções políticas de soberania)- nenhum destes conceitos se pode admitir
entre nós, a não ser nos casos em que a própria CRP admita o legislador a alargar o leque
de competências).

Porém, as regras de interpretação sistemática e teleológica permitem alicerçar dois


tipos de competências complementares implícitas: as que aprofundam competências
previstas na CRP (ex.: quem tem competência para tomar uma decisão tem competência
para tomar uma decisão tem competência para elaborar os estudos nos quais tal decisão
se há-de fundar) e as que visam preencher lacunas constitucionais patentes.

• Correlação entre as competências do Estado e as da União Europeia:

Princípio da atribuição (artigo 5, nº2 TUE): explica-nos como se faz esta correlação e
demonstra que o grupo de Estados Soberanos tem interesses comuns que, para os
alcançar, é preferível que o façam de forma conjunta. Exemplo: União Europeia em que
o Estado se tornava numa federação caso abdicasse das suas soberanias em prol dos
interesses comuns.

- As instituições competentes conferem poderes de soberania individuais à União


(poder de atribuição). Apesar desta transferência de poderes, a maioria dos direitos
soberanos permanece com os EM (soberania residual), como masters dos tratados.

Mesmo ao abrigo do Tratado de Lisboa, a União não tem competência para decidir
sobre as suas próprias competências, apenas os Estados Membros têm.
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→ Os estados-membros são livres para: alargar as competências da UE, ou usar um


actus contrarius para as retirar da UE.

Para além disso, é importante referir que a repartição de competências entre a União
e os Estados-Membros só pode ser alterada por decisão comum dos Estados-Membros
mediante revisão do Tratado (artigo 48.º TUE).

4. O princípio da separação e da interdependência entre os poderes (artigo 111.º, da


CRP):

Vale uma teoria constitucionalmente adequada das funções do Estado, pautada por
diversas notas caracterizadoras:

→ Separação de funções e a atribuição das mesmas a diferentes titulares/órgãos,


também separados entre si. A um órgão deve ser atribuída principal ou
prevalentemente uma determinada função.
→ De acordo com um modelo de adequação funcional, o órgão ou órgãos de
soberania são constitucionalmente idóneos e adequados ao exercício das funções
atribuídas (cada órgão desempenhas as funções que consegue desempenhar da
forma mais adequada que os demais órgãos). Recorde-se que um modelo de
justeza funcional pressupõe que a cada órgão de soberania, dotado de
determinadas características, seja atribuída a função que ele pode desempenhar
de uma forma mais adequada.
→ Separação pessoal de poderes: a Constituição prevê a figura das
incompatibilidade (cfr. os artigos 154.º, n.º 1, 216.º, n.ºs 3 e 4) – uma mesma pessoa
não deve exercer várias funções em simultâneo.
→ Sistema de freios e contrapesos: está consagrado entre nós um sistema de
corresponsabilidades e interdependências, traduzida, por ex., na intervenção de
vários poderes no exercício da mesma função (por ex., na função legislativa,
intervêm o PR, através da promulgação, e o Governo, através da referenda
ministerial – art. 140.º CRP), ou no facto de a manutenção ou nomeação dos titulares
de certos órgãos depender da vontade de outros (por ex., a nomeação e
permanência do Governo depende da AR e do PR).
→ Teoria do núcleo essencial: apesar de não existir uma separação absoluta de
funções, o princípio da separação de poderes reclama que haja correspondência
entre uma certa função e um certo órgão, admitindo exceções desde que estas
não impliquem um sacrifício do núcleo essencial de outras funções.

AS FORMAS DE GOVERNO:

São três as principais formas de governo:

A. Parlamentar;

B. Presidencial;

C. Semipresidencial.

Para os identificar utilizam-se 2 critérios: (1) O critério da relação de confiança e o


(2) critério presidencial/ do papel do presidente da república no funcionamento das

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instituições- a partir destes é possível traçar uma linha distintiva entre as três formas de
governo mencionadas.

Nota: Distinção de forma de governo e sistema político (é facilmente confundível, mas é


diferente):

→ Forma de Governo: exprime o modo como, à luz da Constituição, se relacionam os


diversos órgãos constitucionais de soberania que exercem o poder político- no caso
português, Assembleia da República, Governo e Presidente da República (artigo
110.º CRP).

Por exemplo, saber se o Presidente pode dissolver o Parlamento, se o executivo


responde perante o Presidente/ ou perante o Parlamento, se o Presidente é eleito pelos
cidadãos, quem chefia o executivo, etc.

→ Sistema político: exprime o modo como se desenvolvem as práticas políticas e se


movimentam os atores constitucionalmente relevantes num determinado
ordenamento jurídico-constitucional/ modo como o sistema funciona na realidade/
funcionamento prático do sistema.

a) Itália- uma forma de governo parlamentar e um sistema político parlamentarista, visto


que o parlamento é o ator central da vida política italiana.

b) França- uma forma de governo semipresidencialista ou até hiperpresidencialista, visto


que o Presidente da República é o polo central da vida política francesa.

c) Inglaterra- uma forma de governo parlamentar coexiste com um sistema político


governamentalista, já que quem domina a política inglesa é o cabinet (gabinete) ou
executivo.

A. FORMA DE GOVERNO PARLAMENTAR:

É aquela que reúne cumulativamente duas características:

(1) Critério da relação da confiança: o governo/executivo é politicamente


responsável perante o Parlamento, isto é, a subsistência do executivo depende da
confiança política do Parlamento;

(2) Critério presidencial: o Chefe de Estado não goza de legitimidade democrática


direta nem exerce poderes políticos próprios (em Portugal isto não acontece, por isso, não
é uma forma de governo parlamentar- é eleito democraticamente de forma direta e tem
vários poderes políticos).

✓ Dois atores políticos centrais: Parlamento/Governo.

Caraterísticas desta forma de governo:

• Responsabilidade política do Governo perante o Parlamento: significa isto a


manutenção de um dado executivo em funções depende da preservação de uma
relação de confiança para com o Parlamento. Essa relação de confiança deixa de
existir quando o Parlamento aprova uma moção de censura (artigo 194.º) ou não

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aprova uma moção de confiança apresentada pelo Governo. Em ambos os casos,


conduzindo ambas as situações à demissão do gabinete.

• Dissolução do parlamento pelo chefe de estado, sob proposta do gabinete. Note-


se que o chefe de estado – seja ele o Presidente da República (forma de governo
republicano-parlamentar), seja o Rei/Rainha (forma de governo monárquico-
parlamentar) – não tem poder para, autonomamente, determinar a dissolução do
parlamento, apenas o podendo fazer mediante iniciativa do gabinete.

• Eleição do Presidente da República pelo Parlamento (caso se trate de forma de


governo republicano-parlamentar) – não goza de legitimidade democrática direta.
O presidente da república é uma figura quase “decorativa”, que não assume
relevantes funções de direção política, mas é irresponsável perante o parlamento,
ou seja, não responde perante este. Portanto, o chefe de Estado não é chefe de
governo.

• O gabinete é um órgão colegial, autónomo e independente.

• Instituto da referenda ministerial. A referenda ministerial é um instituto pelo qual o


executivo/governo se responsabiliza pelos atos praticados pelo chefe de Estado
(geralmente pelos atos mais importantes) (v. o artigo 140.º da CRP) e, se ele não o
fizer, os atos do chefe de Estado são considerados inválidos, não produzindo os seus
efeitos. Recorde-se que, na forma de governo parlamentar, o chefe de Estado é
uma figura quase “decorativa”, não eleita diretamente pelo povo, pelo que os
poderes que a Constituição lhe atribui não são verdadeiros poderes – são meros
poderes formais ou fictícios – e daí a necessidade de corresponsabilizar o Governo
pela sua prática.

→ Na forma de governo parlamentar quem “manda” não é o Parlamento.

Esta forma de Governo tolera tanto executivos fortes com Parlamentos fracos, como
Parlamentos fortes e executivos fracos.

- No primeiro caso, em que o partido governo goza de maioria absoluta no Parlamento,


fala-se de um sistema parlamentar de gabinete (por exemplo, Reino Unido).

- No segundo caso, em que o executivo tende a não ter maioria absoluta no Parlamento-
sendo, por conseguinte, um governo minoritário ou de coligação- a doutrina fala de um
sistema parlamentar de assembleia (por exemplo, Itália).

B. FORMA DE GOVERNO PRESIDENCIAL:

É aquela que reúne duas caraterísticas:

(1) Critério da relação da confiança: O executivo não responde politicamente perante o


Parlamento, ou seja, a sua subsistência não depende de uma relação de confiança com
o Parlamento.

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(2) Critério presidencial: o Chefe de Estado (Presidente da República) goza de legitimidade


democrática direta e tem poderes políticos significativos.

✓ Dois atores políticos centrais: Congresso (Parlamento)/ Presidente da República.

Caraterísticas desta forma de governo:

• Legitimidade democrática direta do Chefe de Estado (Presidente da República): O


chefe de estado é eleito pelo povo diretamente ou quase diretamente, como
acontece no caso norte-americano- o Presidente ser eleito pelo Colégio Eleitoral
(“grandes eleitores”) (não lhe é retirada a legitimidade democrática direta).

• Presidente da república é simultaneamente chefe de estado e chefe de governo,


de onde decorre a ausência de um “gabinete” enquanto órgão colegial.

• Relevância do poder judicial, muito por força do mecanismo da judicial review.

• Separação rígida de poderes (moderada por checks and balances):


→ Não existe uma relação de confiança entre o Presidente e o Congresso (eleito
diretamente e constituído por duas câmaras: o Senado e a Câmara dos
Representantes).
→ O mesmo é dizer que o Presidente não pode dissolver o Congresso, e que o
Congresso não pode demitir o Presidente.
→ Isto é assim porque, gozando o Presidente de legitimidade democrática direta, é
natural que nenhum outro órgão o possa destituir. Ele só responde perante o povo.

Esta separação rígida de poderes é moderada por um modelo de checks and


balances, isto é, por alguns mecanismos de contrapeso entre executivo e parlamento:

(1) O Congresso pode destituir o Presidente através da figura do impeachment (é


um processo político-criminal instaurado por denúncia no Congresso para apurar a
responsabilidade do PR, por grave delito ou má conduta no exercício de suas funções);

(2) a nomeação dos Secretários de Estado carece do assentimento do Senado,

(3) os tratados internacionais concluídos pelo Presidente dependem da autorização


do Senado por maioria de 2/3.

(4) o Presidente tem poder de veto suspensivo sobre as leis aprovadas pelo
Congresso, veto esse superável (daí dizer-se suspensivo) por uma maioria de 2/3 (two thirds
rule) em cada uma das câmaras.

C. FORMA DE GOVERNO SEMIPRESIDENCIAL:

É aquela que reúne duas características:

(1) Critério da relação da confiança: o governo é politicamente responsável perante o


Parlamento, estando a sua subsistência dependente de uma relação de confiança para
com este.

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(2) Critério presidencial: Presidente da República goza de legitimidade democrática direta


e dispõe de poderes políticos próprios que lhe permitem agir de forma independente
relativamente ao Governo.

✓ Três atores políticos centrais: Parlamento/Governo/Presidente da República.

Caraterísticas desta forma de governo:

• Legitimidade democrática direta do Presidente da República- Presidente da


República e Parlamento eleitos por sufrágio direto- artigo 121.º da CRP.

• Dupla responsabilidade do governo (gabinete), isto é, o Governo responde tanto


perante o parlamento, como perante o Presidente da República (Artigo 195.º, nº1,
alíneas e) e f)- “1. Implicam a demissão do Governo: e) a não aprovação de uma
moção de confiança; f) A aprovação de uma moção de censura por maioria
absoluta dos Deputados em efetividade de funções”).
- Situação distinta: imaginemos que o Presidente da República decide que as
medidas propostas pelo Governo não são acertadas. Ele não o pode demitir por
não concordar politicamente com as medidas porque, de acordo com o artigo
182.º da CRP, é ao governo que cabe conduzir os destinos políticos do país,
contudo, a Assembleia da República pode fazê-lo- no entanto, só o pode
efetivamente fazer se estiver a ser posto em causa o normal funcionamento das
instituições políticas do país (Artigo 195.º da CRP) (responsabilidade difusa ou
imperfeita).

• Dissolução do Parlamento por decisão autónoma e de iniciativa do presidente da


república (ao contrário, portanto, do que sucede com a forma de governo
parlamentar, em que a decisão de dissolução é de iniciativa do gabinete, e da
forma presidencial, em que os poderes executivo e legislativo estão separados e
irresponsáveis um em relação ao outro).

• Governo como órgão constitucional autónomo.

• Presidente da República com poderes de direção política próprios (poderes


politicamente significativos ou relevantes): poderes executivos propriamente ditos,
nomeação do primeiro-ministro, nomeação de altas figuras do Estado, poder de
promulgar e de recusar a promulgação das leis, ratificação e por vezes negociação
de convenções internacionais, convocação do referendo, mensagens para o
Parlamento, poder de dissolução do Parlamento.
→ ex.: Em França, quem preside ao Conselho de Ministros é o Presidente da
República e não o Primeiro-Ministro.
→ Já à luz da CRP, o Presidente só preside ao Conselho de Ministros quando o
PM lho solicitar (artigo 133.º, al. i).

Trata-se de uma forma de governo particularmente procurada por Estados recém-


introduzidos na democracia (por ex., Timor-Leste, Eslovénia, Lituânia, Eslováquia, São Tomé
e Príncipe, Guiné-Bissau, Namíbia, Moçambique, etc), porque afasta aqueles que são os
maiores riscos das demais formas de governo:

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• Afasta o risco da ingovernabilidade, em que pode degenerar a forma de governo


parlamentar;
• Afasta o risco da concentração de poderes no Presidente e de bloqueio, em que
pode degenerar a forma de governo presidencial.

❖ As origens históricas do semipresidencialismo remontam à República de


Weimar (1919). Porém, a designação “semipresidencial” nasceu em França, por
DUVERGER, depois da revisão constitucional de 1962 (da Constituição francesa de
1958, que instituiu a V República).
Na versão originária da Constituição de 1958, vigorava em França uma forma
de governo parlamentar, com um Presidente da República moderador,
independente relativamente à luta entre os partidos políticos. Na prática, porém, a
influência e o carisma do General De Gaulle faziam com que fosse o Presidente da
República a governar.
No sentido de adequar a Constituição à realidade constitucional, os
franceses reviram a Constituição, introduzindo a eleição direta, pelo povo, do
Presidente da República.

❖ Segundo alguma doutrina (Cristina Queirós, Reis Novais, Jorge Miranda,


Marcelo Rebelo de Sousa), é esta a forma de governo portuguesa.

Ou seja, o semipresidencialismo é uma forma de governo muito ampla e versátil, que


admite diversas modalidades ou combinações:

→ temos semipresidencialismo com presidentes da república meramente


decorativos (por ex., na Irlanda ou na Islândia),
→ com presidentes poderosos ou dominantes/ hiperpresidencialismo ou quase-
presidencialismo (caso francês)
→ e com presidentes árbitros (caso português).

Assim, para maior parte da doutrina, em Portugal existe um semipresidencialismo.


No entanto, o Dr. Gomes Canotilho e o Dr. Vital Moreira defendem que não é bem assim
porque a forma de governo portuguesa, na sua base, não é presidencial, mas sim
parlamentar (porque temos mais traços parlamentares do que presidenciais) - assim, a
posição do curso admite que a forma de governo portuguesa não é semipresidencial mas
sim mista parlamentar-presidencial ou uma forma de governo parlamentar, mas com uma
componente presidencial.

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Síntese das formas de governo:

D. O CASO PORTUGUÊS: FORMA DE GOVERNO MISTA PARLAMENTAR- PRESIDENCIAL:

1. Justificação da designação:

A forma de governo portuguesa é mista parlamentar-presidencial/parlamentar


com uma componente presidencial. Esta é a fórmula preferida por GOMES
CANOTILHO/VITAL MOREIRA (posição do curso), que, ao contrário de outra doutrina
portuguesa, afasta a designação “semipresidencial”.

A recusa da nomenclatura semipresidencial tem por base duas ordens de razões:

• A forma de governo portuguesa distingue-se da francesa, visto que, entre nós, o


Presidente da República não chefia do executivo, ou seja, não se verifica a tal
bicefalia do executivo.
• A forma de governo portuguesa tem uma estrutura ou base parlamentar,
embora imperfeita. Ou seja, o eixo determinante em tempos de estabilidade
política é o eixo parlamento-governo, ocupando o presidente um papel
recatado. Designá-la “semipresidencial” seria acentuar a componente
presidencial em detrimento da parlamentar, o que não tem correspondência na
Constituição.

2. Origens e influências:

A forma de governo adotada pela Constituição de 1976 evidencia a influência de:

❖ Traços decorrentes da história constitucional portuguesa (memória interna):


recuperar a centralidade do parlamento e dos partidos políticos ofuscada durante
o Estado Novo, restabelecer a eleição direta do Presidente da República vigente
na versão originária da Constituição de 1933, mas eliminada com a revisão
constitucional de 1959, após a quase vitória de Humberto Delgado em 1958.

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❖ Traços resultantes de experiências constitucionais estrangeiras (matéria externa):


parlamentarismo racionalizado à alemã, segundo o esquema da Constituição de
Weimar (1919), e o semipresidencialismo à francesa.

A forma de governo portuguesa tem 3 influências: parlamentar, presidencial e monarquias


dualistas:

3. Caraterísticas provenientes do regime parlamentar:

• Governo como órgão constitucional autónomo: Governo é órgão constitucional de


soberania (cfr. Artigo 182.º) dotado de autonomia política relativamente ao
Presidente da República.
- O Presidente da República pode controlar a ação política do Governo, mas não
o pode obrigar a atuar de certa maneira.

• Responsabilidade política do governo perante o parlamento (cfr. artigos 190.º e


191.º): Significa que o Governo só se mantém em funções enquanto mantiver uma
relação de confiança com o Parlamento.
- Essa relação de confiança deixa de existir quando o parlamento aprova uma
moção de censura (art. 194.º) ou não aprova uma moção de confiança
apresentada pelo governo. Em ambos os casos, o Governo é forçado a demitir-se
(art. 195.º, n.º 1, als. e) e f) CRP).

• Instituto da referenda ministerial (artigo 140.º CRP): O governo compromete-se


politicamente com alguns dos atos do Presidente da República, realidade que
exprime uma função mediadora.

4. Caraterísticas provenientes do regime presidencial:

• Legitimidade democrática direta do Presidente da República (eleito diretamente,


através de sufrágio popular) - artigo 121.º.
• Veto político do Presidente da República (artigo 136.º CRP).
• Presidente da República com poderes de intervenção política (artigos 120.º e 133.º
a 138.º CRP).

Poderes de intervenção política do Presidente da República- exerce poderes de


intervenção política. Este dispõe de uma série de poderes que lhe permitem intervir e
condicionar as decisões políticas do Estado e que o torna, um polo de poder político
autónomo:

→ Veto político e promulgação das leis e decretos-leis (art. 136.º);


→ Dissolver a Assembleia da República e demitir o Governo (art. 133.º, als. e e g);
→ Nomear o Primeiro-Ministro (art. 187.º);
→ Dirigir mensagens à AR (art. 133.º, al. d);
→ Direito a ser informado, pelo Governo, sobre a condução da política do país (art.
201.º, n.º 1, al.c);
→ Requerer ao TC a fiscalização abstrata preventiva e sucessiva da
constitucionalidade e a fiscalização da inconstitucionalidade por omissão (arts.
278.º, n.º 1, 281.º, n.º 2 e 283.º);
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→ Convocar o referendo (artigo 115.º/1);


→ No entanto, à luz da CRP, quem governa, isto é, quem conduz a política geral
do Estado, é o governo.
o O Presidente da República não chefe do executivo, ao contrário do que
sucede em França (cfr. artigo 182.º, 188.º).

• O Presidente da República português assume uma intervenção moderadora ou


arbitral, independente relativamente aos partidos (é uma espécie de “quarto
poder” de que fala Benjamin Constant, ou de “poder neutro”, como prefere Carl
Schmitt).
• Tendencial “despartidarização” da eleição presidencial: PR não é candidato
partidário (art. 124.º, n.º 1) e os candidatos a presidente tendem a suspender o
exercício de funções partidárias.

5. Influência do dualismo monárquico:

As monarquias dualistas (ou regime orleanista) pressupõem um acordo ou


compromisso entre legitimidade monárquica e democrática: a Constituição é feita por
acordo entre o monarca e os representantes do povo. Por isso, a repartição do poder é
mais equilibrada e há uma espécie de dualismo ou de responsabilidade dual do executivo
(este responde não só perante o parlamento, mas também perante o rei).

• Dupla responsabilidade do Governo (artigos 190.º). Governo é responsável perante


a Assembleia da República e perante o Presidente:
o Mas, a responsabilidade política do Governo perante o Presidente da
República é uma responsabilidade difusa ou imperfeita: é que o Presidente
da República não pode demitir o Governo por razões de discordância
política, mas apenas quando esteja em causa o “regular funcionamento das
instituições democráticas” (cfr. Artigos 133.º, al. g) e 195.º, nº2).
• Direito de dissolução da AR pelo presidente da república (artigo 133.º, al. e):
o Trata-se de um poder que se aproxima da chamada dissolution royale,
existente nas monarquias dualistas, e que se afasta do poder de dissolução
da dissolution ministérielle (típico dos regimes parlamentares), pois não está
dependente da iniciativa do gabinete.
o Este poder de dissolução não é, porém, exatamente idêntico à dissolution
royale (aqui o poder de dissolução podia ser exercido discricionariamente
pelo Chefe de Estado), pois ao contrário do que sucede nesta, o poder do
presidente da república não é totalmente discricionário (artigos 133.º, al. e, e
172.º).
o Entre nós, a dissolução do Parlamento pelo Presidente já ocorreu por três
vezes: em 1983, por Ramalho Eanes, em 1987, por Mário Soares, e em 2004,
por Jorge Sampaio.

Interdependência Institucional:

• Entre presidente e assembleia da república: poder de veto (artigo 136.º), direito de


dissolução (artigo 133.º, al. e), e o facto de o PR escolher o primeiro-ministro tendo
em conta os resultados eleitorais (artigo 187.º), fórmula que exprime a necessidade
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de o primeiro-ministro dever ser escolhido de acordo com o partido ou partidos


capazes de obter confiança da AR.
• Entre o presidente da república e o governo: poder de demissão do governo (artigo
133.º, al. g, 195.º, n.º 2), quando tal se torne necessário para garantir o “regular
funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado”. Fala-
se aqui de uma interdependência institucional entre PR e PM com autonomia
governamental, para realçar a circunstância de o governo definir uma política
governamental autónoma, não dependente do PR.
• Entre a assembleia da república e o governo: responsabilidade política do governo
perante a AR, traduzida na possibilidade de esta retirar ao Governo a confiança
política da qual ele necessita para governar. Ex: apresentação de moções de
censura ou rejeição de votos de confiança conducentes à demissão do executivo.
• A interdependência institucional entre o Governo e a assembleia da república
revela-se também na colaboração legislativa entre o Governo e o Parlamento, não
obstante a manutenção da função legislativa como uma função privilegiada do
parlamento para certos assuntos (arts. 164.º e 165.º).

- Exercícios.

SEGUNDA PARTE- FONTES DE DIREITO


FONTES NORMATIVAS

Nota: no âmbito desta matéria, há uma parte que poderá ser avaliada em exame
final e que não se encontra neste material de estudo- A relação entre a Constituição da
República Portuguesa e o Direito Europeu.

I. Os atos normativos constitucionalmente relevantes:

• Leis;
• Decretos-leis;
• Decretos legislativos regionais;
• Regulamentos administrativos;
• Regimentos das Assembleias (artigo 175.º/a);
• Resoluções da Assembleia da República (artigo 166.º, nº5);
• Convenções Internacionais;
• Deliberações de organizações internacionais de que Portugal faça parte (artigo 8.º,
nº3);
• Convenções coletivas de trabalho;
 Decreto Presidencial de declaração do estado de sítio ou do estado de
emergência (artigo 38.º e 161.º, alínea 1)).

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❖ PRINCÍPIOS GERAIS EM MATÉRIA DE IDENTIFICAÇÃO DAS FONTES NORMATIVAS:

I. PRINCÍPIO DA TIPICIDADE DOS ATOS LEGISLATIVOS (artigo 112.º, n.º 1 CRP): só são
atos legislativos - isto é, só têm força ou valor de lei - os atos que a Constituição
determina, ou seja, as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais.
o Os decretos legislativos regionais são atos legislativos emanados pelas
assembleias legislativas das regiões autónomas e não pelos governos
regionais (artigos 227.º e 232.º). Estes gozam apenas de poder regulamentar*,
e não de poder legislativo.

*O regulamento é uma norma emanada pela administração no exercício da função


administrativa (regra geral com caráter executivo e/ou complementar da lei). Não são
manifestação da função legislativa, antes se revelam expressões normativas da função
administrativa (ex: 199, al. c).

❖ A doutrina fala em atos com força afim à força de lei, tais como o decreto
presidencial de declaração de Estado de sítio ou certas resoluções da Assembleia
da República.

O conceito de força de lei está associado a três ideias fundamentais:

a) No nosso sistema de fontes de direito, os atos com valor de lei ocupam uma posição
hierárquica imediatamente inferior à Constituição;
b) possuem força ativa, isto é, poder de inovação jurídica dentro do ordenamento
jurídico ou poder de dispor originariamente sobre todas as matérias ou situações
jurídicas;
c) força jurídica passiva, o que significa que não podem ser revogadas nem
derrogadas por normas hierarquicamente inferiores.

NORMAS INTERNACIONAIS E A IMPORTÂNCIA DO IUS COGENS

Não há hoje um vértice com uma norma superior, uma vez que no escalão superior
situam-se vários ordenamentos superiores:

- Ordenamento constitucional;

- Ordenamento internacional; Coordenação oferece várias dificuldades

- Ordenamento comunitário.

❖ Normas de direito internacional e normas constitucionais: deve considerar-se existir


uma superioridade hierárquico-normativa das normas constitucionais sobre as
normas internacionais (princípio da natureza infraconstitucional dos preceitos de
direito internacional).
❖ Normas de direito interno de valor legislativo e normas de direito internacional: a
generalidade da doutrina tem-se inclinado no sentido de interpretar o artigo 8.º da
CRP a favor da prevalência do direito internacional
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❖ As normas de direito internacional têm, em regra, valor infraconstitucional (lei que


não está incluída na Constituição) e supralegal (posição superior à de uma lei).

Hoje, este esquema deve ser temperado pela radicação de um ius cogens
internacional (o qual consagra um conjunto de exigências essenciais no que toca à pessoa
humana e à sua dignidade) cuja observância se impõe como dever imperativo aos
Estados, adquirindo, por isso, um valor supraconstitucional e impondo-se ao próprio poder
constituinte originário (v. art. 8.º/1/2 CRP).

• Hierarquia e valor do direito comunitário: o princípio da integração (art. 7.º/6) e o


princípio da capacidade funcional da Comunidade apontam para a preferência
de aplicação do direito europeu em relação ao direito interno dos estados-
membros.
o Os preceitos primários e secundários do direito comunitário têm aplicação
imediata e preferente relativamente às normas contrárias do direito interno.
o Os limites desta aplicação preferente resultarão de normas constitucionais
relacionadas com os direitos fundamentais dos cidadãos portugueses e com
dimensões inelimináveis da estatalidade republicana portuguesa.

• Relativamente ao direito internacional geral ou comum (= o direito formado pela


normas de direito consuetudinário e princípios gerais de direito comuns às “nações
civilizadas”) – art. 8.º/1 CRP – de um modo gera interpretada como pretendendo
significar que o direito internacional faz parte do direito interno.

• Relativamente ao direito internacional particular (= direito convencional constante


de tratados ou acordos em que participe o Estado Português): art. 8.º/2 CRP – tese
da receção automática, condicionada apenas ao facto de a eficácia interna
depender da sua publicação oficial.

Fontes de direito comunitário: tratados institutivos da União e atos normativos-


regulamentos e diretivas:

→ Regulamentos comunitários: têm natureza normativa e são a fonte primária do


direito comunitário. Têm aplicabilidade direta em cada um dos Estados-membros,
são auto-aplicativos, pois operam diretamente no ordenamento português sem
necessidade de qualquer ato externo de execução.

→ Diretivas comunitárias: são atos normativos que vinculam os Estados-membros a


uma obrigação de resultado, deixando discricionariedade de valoração aos
Estados quanto à forma e meio de alcançar os resultados.

Os juízes portugueses conhecem e julgam inaplicáveis as normas comunitárias


desconformes com as normas e princípios constitucionais, mas também devem valorar a
compatibilidade entre as leis comunitárias e as leis portuguesas, fazendo prevalecer as
primeiras sobre as segundas (arts. 70.º, n.º 1, al. c) e 71.º/2 LTC).

❖ PRINCÍPIOS GERAIS EM MATÉRIA DE ARTICULAÇÃO ENTRE AS FONTES NORMATIVAS:

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I. PRINCÍPIO DA HIERARQUIA: os atos normativos estabelecem entre si relações de


paridade e de supra-infra ordenação. Em que termos?

1) Princípio da tendencial paridade ou igualdade entre as leis e os decretos-leis (artigo


112, nº2): significa que leis e decretos-leis estão, em princípio, no mesmo plano
hierárquico e que podem, por isso, revogar-se, alterar-se, interpretar-se e suspender-
se reciprocamente.

No entanto, verificam-se duas exceções:

2) Princípio da superioridade das leis de bases e das leis de autorização (artigo 112,
nº2, in fine): as leis de base gozam de superioridade sobre os decretos-leis de
desenvolvimento (elas apenas dão os traços gerais, e, só depois, o Governo vai
desenvolvê-los) e as leis de autorização gozam de superioridade sobre os decretos-
leis autorizados.
3) Princípio da superioridade ou preeminência dos atos legislativos relativamente aos
atos regulamentares (artigo 112.º, nº 6 e 7): proibição de regulamentos
administrativos que contrariem, alterem ou revoguem o disposto na lei. Os
regulamentos administrativos são normas jurídicas emitidas pela administração
pública no exercício da função administrativa- se a administração só pode atuar se
existir uma lei que a autorize a atuar (princípio da precedência de lei), as leis vão-
se sobrepor aos regulamentos.
a. Por exemplo, posturas municipais, portarias ministeriais, decretos
regulamentares. Os decretos regulamentares são os regulamentos
administrativos aprovados pelo Governo (artigo 112.º, nº6), assinados pelo
primeiro-ministro (artigo 201.º/3) e sujeitos a promulgação pelo Presidente da
República (artigo 134.º, b).

II. PRINCÍPIO DA COMPETÊNCIA: cada órgão só pode exercer as competências


normativas que a Constituição lhe incumbe:

• Competência legislativa reservada/ exclusiva da Assembleia da República (artigos


164.º e 165.º);
• Competência legislativa reservada/ excluída do Governo (artigo 198.º, n.º 2);
• Competência legislativa concorrente/ paralela/ partilhada (residual): matérias em
que a competência para legislar pertence, a título igual, à Assembleia da República
e ao Governo. Apuram-se residualmente.

- Caso prático.

2. Categorias de leis previstas na CRP:

✓ Leis constitucionais ou leis de revisão constitucional (artigos 161.º, al. a) e 166.º/1


CRP): assumem a forma de leis constitucionais aquelas leis que aprovem alterações
à Constituição e só essas (o que está na Constituição são as normas constitucionais,
as que proveem de revisões constitucionais são as leis constitucionais);
✓ Leis orgânicas (arts. 112.º/3, 166.º/2 CRP);
✓ Leis de bases;
✓ Leis de autorização legislativa;

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✓ Leis estatutárias;
✓ Leis de enquadramento (por ex., lei-quadro do Orçamento, lei-quadro das
reprivatizações, lei-quadro das entidades administrativas independentes).

3. As leis reforçadas ou leis com valor reforçado (artigo 112.º, nº3) (foram introduzidas na
Constituição pela revisão constitucional de 1989): atos legislativos que, nos termos da
Constituição, devam ser respeitados por outras leis, assegurando o sistema de fiscalização
da legalidade essa exigência de respeito.

Têm valor reforçado, além das leis orgânicas (1), as leis que carecem de aprovação
por maioria de dois terços (2), bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam
pressuposto normativo necessário de outras leis (3) ou que por outras devam ser
respeitadas (4).

Vários critérios na delimitação material deste tipo de leis.

→ Critério da forma e procedimento específicos:


o Traduz a ideia de que uma lei tem o carácter de lei reforçada porque como
tal é considerada na constituição, beneficiando de forma e procedimentos
especiais também constitucionalmente previstos.
o É o caso das leis orgânicas (art. 112.º/3) – são reforçadas não porque
constituam parâmetros materiais para outras leis, mas porque o seu carácter
reforçado serve para salientar a “reserva total” de competência da AR e a
forma e o procedimento específicos do exercício desta competência
(enumeração das leis orgânicas expressamente feita pelo art. 166.º/2).

→ Critério da maioria reforçada de aprovação- leis que carecem de aprovação por


maioria de dois terços:
o Estas leis são dotadas de uma especial “resistência à revogação”, ou seja, só
poderão ser aprovadas e alteradas caso haja um consenso alargado no
parlamento, o que revela o relevo político-constitucional destas leis.

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o O único caso de lei que carece de ser aprovada por maioria de 2/3 e que
não é lei orgânica é a prevista na alínea o) do artigo 164.º (restrições dos
direitos dos militares).

→ Critério da parametricidade específica - Leis que, por força da CRP, sejam


pressuposto normativo necessário de outras leis: Ocorre quando uma dada
categoria de atos legislativos é pressuposto e parâmetro (prevalece) de outra.

- Leis de autorização são pressuposto e parâmetro dos decretos-leis autorizados


(112.º/2; 165.º, 2, 198.º, 1, b e 227.º/1/b);

- Leis de bases são pressuposto e parâmetro dos decretos-leis de desenvolvimento


(112.º/2; 198.º, 1, c) e 227.º/1/c);

- Lei de enquadramento orçamental é pressuposto e parâmetro da Lei Anual do


Orçamento do Estado (106.º/1; 164.º/ r); 227.º/1/r) e 232.º/1);

- Lei-Quadro das Reprivatizações é pressuposto e parâmetro dos decretos-leis que


operem a reprivatização de determinadas empresas;

- Lei-Quadro das entidades administrativas independentes é pressuposto e parâmetro


dos decretos-leis que criam cada uma das entidades administrativas independentes
(ex. ERSE, Anacom, Entidade reguladora da comunicação, Autoridade da
Concorrência);

Uma lei é reforçada relativamente a outra quando apresenta um conteúdo de


natureza paramétrica que deve servir de pressuposto material à disciplina normativa
estabelecida por estes outros atos legislativos.

→ Critério da parametricidade geral:


o 112.º, 3, in fine: leis que devem ser respeitadas por outras leis (ex.: os outros
atos têm de ser respeitadas pelas leis continentais).
o É o critério mais vago, utilizado para salientar a exigência de conformidade
ou de compatibilidade apontada por outras leis relativamente a um conjunto
indeterminado de outros atos legislativos como a lei das grandes opções dos
planos de desenvolvimento económico e social – art. 106/2; a lei-quadro das
privatizações – 296.º.

→ Critério da parametricidade aferido por um processo judicial de fiscalização (artigos


280.º/2/a e 281.º/1/b):
o É um critério extensivo a todas as leis reforçadas, uma vez que todas
beneficiam de um processo de fiscalização judicial tendente a assegurar o
valor paramétrico ou competencial das leis reforçadas e a possibilitar a
desaplicação ou eliminação de outras leis em desconformidade com elas.

Este critério não nos permite caracterizar estas leis ou individualizá-las face a outras.

4. O procedimento legislativo parlamentar comum- Conjunto de atos dirigidos à produção


de uma lei do parlamento. O procedimento legislativo parlamentar está disciplinado na
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Constituição e no Regimento da Assembleia da República (art. 175.º/a CRP e 118.º e ss


RAR).

1.ª fase – Iniciativa (artigo 167.º);

2.ª fase – Instrução (artigos 167.º/8 e 178.º);

3.ª fase – Deliberativa ou Constitutiva (artigo 168.º);

4.ª fase – Controlo (artigos 136.º e 140.º);

5.ª fase – Integrativa de eficácia (artigo 119.º/1/c);

Desrespeito pelas regras procedimentais: vício procedimental/inconstitucionalidade


formal.

→ 1ª fase: Iniciativa (artigo 167.º). Poder de desencadear/ abrir o procedimento


legislativo:

Quem tem iniciativa de lei?

• Deputados e grupos parlamentares (artigo 156.º, b) e 180.º, nº2, alín. g)); Projetos de lei
• Governo, pelo Conselho de Ministros e nunca pelos Ministros (artigo 200.º,
nº1, alin. c));
• Grupos de cidadãos eleitores 8v. Lei da Iniciativa legislativa dos cidadãos- Propostas de
lei nº 17/2003 de 4 de julho)- mínimo de 20.000 cidadãos; lei
• Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, nos assuntos respeitantes
às regiões (artigo 227.º, nº1, alín. f));

O Presidente da República não goza de poder de iniciativa legislativa, com uma


exceção única que respeita à lei de autorização do estado de sítio ou do Estado de
emergência (artigo 161.º, alín. f)).

Distinguem-se em função de quem tem competência para a sua emissão:

Projetos de lei: cabem aos deputados e aos grupos parlamentares;

Propostas de lei: iniciativas legislativas do Governo, das Assembleias Legislativas


Regionais e dos cidadãos.

Mas têm igual valor!!

→ Em regra, a iniciativa de lei é genérica ou concorrencial, isto é, os órgãos que gozam


de iniciativa de lei podem apresentar propostas e projetos de lei sobre qualquer
matéria.

Contudo, existem áreas de iniciativa legislativa reservada, quer porque isso resulta
expressamente da Constituição, quer porque isso decorre implicitamente da natureza
especial de certas leis.

É o caso das:
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• Leis dos Planos e do Orçamento, que incumbe ao Governo (artigo 161.º/g);


• Leis de autorização legislativa (artigo 188.º/1 do Regimento) e de autorização de
empréstimos (artigo 161.º, al. g), que são reserva de iniciativa legislativa do Governo;
• A iniciativa de lei de revisão constitucional pertence, em exclusivo, aos deputados
(artigo 285.º/1);
• Os projetos de estatutos político-administrativos e as leis relativas à eleição dos
deputados das Assembleias Legislativas Regionais, cuja elaboração é da
competência destas (artigo 226.º, n.º 1).

→ 2.ª fase – Instrução (artigos 167.º/8 e 178.º):


• A fase instrutória tem por finalidade recolher e elaborar os dados e elementos
que permitam analisar a oportunidade do procedimento legislativo bem como
o respetivo conteúdo.
• Este trabalho incumbe às comissões permanentes especializadas - apreciam o
projeto ou proposta de lei apresentados, procedem à audição de certos órgãos,
elaboram parecer fundamentado (no prazo de 30 dias), e apresentam, se assim
o entenderem, textos de substituição.

Por ex. Comissão de assuntos constitucionais e direitos, liberdades e garantias;


comissão do Orçamento, finanças e modernização administrativa; comissão de saúde.

→ 3.ª fase – Constitutiva ou deliberativa (artigo 168.º)- fase em que se procede à


discussão e votação dos projetos e propostas de lei (com os respetivos textos de
substituição).

Discussão e Votação:

• Discussão e votação na generalidade em Plenário (artigo 168.º/1 da CRP e 147.º/1


RAR)- incide sobre a oportunidade e sentido global do projeto ou proposta de lei;

• Discussão e votação na especialidade, normalmente em comissões parlamentares


especializadas (artigo 168.º/3): incide sobre as soluções concretas a aprovar no
texto da norma;

• Votação final global em Plenário (artigo 168.º/2): traduz-se num juízo definitivo e final
sobre o projeto ou proposta de lei submetidos a discussão e votação.
o Aprovação por maioria relativa/simples (artigo 116.º/3);

• Na fase deliberativa, observa-se a regra geral em matéria de aprovação de


deliberações de órgãos colegiais, que é a aprovação por maioria simples ou
relativa (artigo 116.º/3):

- Uma proposta/projeto de lei é aprovada, portanto, quando obtém mais votos a favor do
que contra, não se contando as abstenções. Existem diversas exceções a esta regra geral.

- Redação: Geralmente levada acabo pelas comissões especializadas.

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• O desrespeito pelas regras constitucionais em matéria de discussões e votações dá


origem a um vício procedimental, gerador de inconstitucionalidade formal.

→ 4.ª fase – Controlo: Depois de aprovados pela AR, os projetos ou propostas de lei
assumem a forma de “Decretos da Assembleia da República” e são enviados ao
Presidente da República para promulgação. Uma vez recebido o decreto, o
Presidente da República pode (artigo 136.º):

1. Exercer o veto político;

2. Promulgar o decreto;

3. Requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstrata preventiva da


constitucionalidade do decreto (artigo 278.º/1);

① veto político, que é um veto por motivos de oportunidade e não por razões de
constitucionalidade, ou seja, é um juízo negativo por parte do Presidente relativamente ao
mérito e oportunidade política do diploma (artigo 136.º/1).

• É um veto suspensivo, ou seja, que é suscetível de superação pela Assembleia da


República, através da confirmação do decreto por maioria absoluta dos deputados
em efetividade de funções– art. 136.º, n.º 2 CRP.
• Se o decreto vetado for objeto de confirmação pela Assembleia da República, o
Presidente da República fica obrigado a promulgá-lo no prazo de oito dias. Este é
um dos casos de promulgação obrigatória previstos na Constituição.
• A faculdade de superação do veto político do Presidente através de confirmação
vale exclusivamente para as leis da Assembleia da República, e não se estende aos
decretos-leis do Governo. Para estes, o veto político presidencial é definitivo (artigo
136.º/4).

② requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade do diploma ao Tribunal


Constitucional (artigo 278.º, n.º 1),

③ promulgar: a promulgação é o ato político pelo qual o Presidente da República atesta


que um determinado decreto da AR vale como lei. Também estão sujeitos a promulgação
pelo Presidente os
decretos-leis e decretos
regulamentares (artigo
134.º/b). A falta de
promulgação implica a
inexistência jurídica do ato
(artigo 137.º).

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→ Referenda ministerial (artigo 140.º):


• A referenda ministerial é uma figura típica da forma de governo parlamentar,
através da qual o executivo/governo certifica e se coresponsabiliza pelos atos do
Presidente da República.
• Que atos do Presidente estão sujeitos a referenda? Por ex. a promulgação de leis,
decretos-leis e decretos regulamentares, a dissolução das Assembleias Legislativas
das regiões, a declaração do Estado de sítio ou de emergência, a nomeação do
Procurador-Geral da República ou do Presidente do Tribunal Contas (artigo 140.º).
• A falta de referenda ministerial implica a inexistência do ato (artigo 140.º/2).

- Caso prático.

→ 5.ª fase – Fase integrativa de eficácia:

Os atos integrativos de eficácia, ao contrário dos precedentes, não condicionam a


validade do ato legislativo, mas apenas a sua eficácia, isto é, a suscetibilidade de
produção de efeitos jurídicos (= a sua obrigatoriedade e oponibilidade em relação a
terceiros).

o A eficácia dos atos legislativos está dependente da sua publicação em Diário da


República (artigo 119.º/1/c).
o A publicação é o ato mediante o qual os atos normativos são levados ao
conhecimento dos destinatários.

LEIS ESTATUTÁRIAS (ARTIGO 226.º CRP)


• Leis da Assembleia da República;
• Leis com valor reforçado (critério da parametricidade geral);
• Procedimento legislativo:

1. Momento impulsivo: iniciativa de lei reservada às Assembleias Legislativas das Regiões


autónomas (art. 226.º/1);

2. Momento deliberativo (aprovação) é da competência da Assembleia da República


(artigo 226.º/1), que detém um poder substantivo limitado pelo princípio da autonomia
regional (artigo 6.º/2);

- As leis estatutárias são leis ordinárias que aprovam os estatutos político-administrativos de


cada uma das regiões autónomas:

→ Definem as suas atribuições, a organização e competência dos seus órgãos, bem


como a regulação dos seus poderes.
→ Não se trata de leis regionais, muito embora seja da exclusiva competência da ALR
a apresentação, à AR, de um projeto de estatuto político administrativo- artigo
226.º, nº2.

1. Impulso do procedimento legislativo relativo aos estatutos das RA cabe às ALR,

2. Momento deliberativo é da competência da AR.


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• As leis estatutárias são leis da República e não leis das regiões autónomas, cujo
procedimento elaboração tem algumas especificidades:
o Iniciativa de lei está reservada às Assembleias Legislativas das regiões
autónomas (artigo 226.º/1), ou seja, só estas podem apresentar, na
Assembleia da República, um projeto de estatuto político-administrativo.
o Momento deliberativo é da competência da Assembleia da República, ou
seja, é esta que aprova o projeto de Estatuto político-administrativo de cada
região.

• O curso considera que o poder de aprovação da Assembleia da República é um


poder substantivo, mas limitado pelo princípio da autonomia regional. O que é que
isto significa?

Significa, em primeiro lugar, que a Assembleia da República não se limita a aprovar


ou a rejeitar o projeto de Estatuto. Pode, por ex., introduzir-lhe alterações. Caso isso
aconteça, o projeto é remetido à Assembleia Legislativa da região que o elaborou para
apreciação e emissão de parecer e depois é novamente remetido à Assembleia da
República para votação final (artigo 226.º/2 e 3 CRP e artigo 167.º do Regimento da AR).

- A intervenção modificativa/conformadora da Assembleia da República está, no


entanto, limitada pelo princípio da autonomia regional (artigo 6.º). Por um lado, a
Assembleia da República não pode introduzir/aprovar alterações que correspondam a
soluções manifestamente rejeitadas pela assembleia legislativa da região. Por outro, a
Assembleia da República não pode rejeitar em bloco o projeto de Estatuto.

• A aprovação dos Estatutos político-administrativos das regiões é uma matéria


altamente sensível, pois relaciona-se intimamente com o problema da soberania,
da igualdade e da forma do Estado. Basta recordar, por ex., os problemas em que
esteve envolta a aprovação do Estatuto Político-administrativo dos Açores, em
2008, que motivou um pedido de fiscalização abstrata preventiva por parte de
Cavaco Silva (ac. 403/2009) e, depois, o exercício do veto político.

• Trata-se de leis reforçadas, por força do critério da parametricidade geral, já que a


elas devem respeito as leis da República, os decretos legislativos regionais e os
decretos regulamentares regionais (artigos 280.º, n.º 2 e 281.º, n.º 1, al. c).

• Os estatutos político-administrativos não podem incidir sobre quaisquer matérias.


Não podem incidir, desde logo, sobre matérias reservadas a órgãos de soberania.
A lei estatutária só tem valor reforçado relativamente a matérias sobre as quais os
estatutos podem dispor.

• Por ex.: o regime dos símbolos nacionais é uma matéria de competência exclusiva
da AR (artigo 164.º/s). Se o estatuto político-administrativo de uma região autónoma
dispuser sobre os símbolos nacionais nessa região, tal norma não tem valor
reforçado porque o estatuto não pode versar sobre essa matéria.

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LEIS ORGÂNICAS

- Introduzidas na Constituição pela revisão constitucional de 1989 e alargadas pela revisão


constitucional de 1997

• Leis com valor reforçado (critério da forma e procedimento específicos);


• Princípio da tipicidade (artigo 166.º, nº2);
• Sujeitas a reserva total de normação (a única exceção a esta regra consta do artigo
164.º, al. d), in fine, na parte em que aí se referem as “bases gerais da organização,
do funcionamento, do reequipamento e da disciplina das Forças Armadas”);
• Dimensões orgânico-procedimentais específicas.

• São leis orgânicas aquelas às quais a Constituição confere a natureza de leis


reforçadas (artigo 112.º, n.º 3).

• Obedecem ao princípio da tipicidade, o que significa que só são leis orgânicas


aquelas que a constituição considerar como tais – art. 166.º, n.º 2. Onde elas existam
ou devam existir, porém, vale o princípio da exclusividade ratione materiae, de
onde se retira uma reserva total de leis orgânicas quanto às matérias que lhe
pertence regular.

• As leis orgânicas apresentam especificidade quanto às matérias e quanto ao


procedimento.

• Matéria:
o nos termos do artigo 166.º, n.º 2, reserva-se para as leis orgânicas certas
matérias de reserva absoluta da AR (artigo 164.º), tais como o regime eleitoral
dos órgãos de soberania (al. a), o regime dos referendos (al. b), a
organização e funcionamento do Tribunal Constitucional (al. c), organização
da defesa nacional (al. d), a disciplina das situações de emergência
nacional – o estado de sítio e o estado de emergência (al. e), a aquisição,
perda e reaquisição da cidadania portuguesa (al. f), o regime das eleições
dos deputados às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas (al. j), as
eleições dos titulares do poder local (al. l), o regime do sistema de
informações da República (al. q) e do segredo de Estado (al. q), o regime
das finanças das regiões autónomas (al. t), e ainda a criação das regiões
administrativas (artigo 225.º).

• Procedimento:
→ Votação na especialidade da maior parte das leis orgânicas é feita em plenário e
não em comissão. Fala-se, a propósito, de uma reserva de plenário (artigo 168.º, n.º
4);
→ Aprovação por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções (artigo
168.º, n.º 5);
→ Confirmação, após eventual veto presidencial, por uma maioria de 2/3 dos
deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em
efetividade de funções (artigo 136.º, n.º 3);
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→ Está previsto um pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade pelo PR,


pelo PM, e por 1/5 dos deputados em efetividade de funções (artigo 278.º, n.º 4).

• Tendo em atenção as especificidades do regime a que se acham sujeitas, o


objetivo que está subjacente à categoria das leis orgânicas parece ser o de garantir
um consenso alargado para a sua aprovação, subtraindo certas matérias às
maiorias parlamentares de cada momento e facilitando o controlo prévio da
constitucionalidade.

• Dimensões orgânico-procedimentais específicas das leis orgânicas:

As leis orgânicas têm:

→ Uma forma especial, que é a forma de lei orgânica (artigo 166.º/2). No topo do
diploma deve ler-se “Lei Orgânica n.º X” e a falta desta formalidade gera um vício
formal e tem como consequência a inconstitucionalidade formal da lei.

→ Um procedimento de elaboração específico relativamente ao procedimento


legislativo parlamentar comum. Essas especificidades são quatro:

a) Obrigatoriedade de a votação na especialidade ser feita, para a grande maioria das


leis orgânicas, em plenário (artigo 168.º/4). Fala-se, a este propósito, de uma reserva de
plenário:

- Trata-se de uma especificidade porque, no quadro do procedimento legislativo


comum, a votação na especialidade é feita - normalmente - em comissões
parlamentares especializadas (artigo 168.º/3);

- A reserva de plenário não vale para todas as leis orgânicas, mas apenas para
aquelas elencadas no artigo 168.º/4.

b) Exigência de aprovação, na votação final global, por maioria absoluta dos deputados
em efetividade de funções (artigo 168.º/5).

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• Aprovação por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções significa


aprovação por metade mais um do número de deputados em efetividade de
funções, que são 230 (artigo 148.º).
• Trata-se de uma especificidade porque, no quadro do procedimento legislativo
comum, a aprovação, na votação final global, basta-se com uma maioria
simples/relativa dos deputados presentes (artigo 116.º/3).

c) Exigência de maioria de dois terços dos deputados presentes (desde que superior à
maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções) para a superação do veto
político do Presidente da República através de confirmação (art. 136.º/3);

• Confirmação por maioria de 2/3 dos deputados presentes desde que superior à
maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções.
• Trata-se de uma especificidade porque, no quadro do procedimento legislativo
comum, a superação do veto político do Presidente, através de confirmação,
basta-se com uma maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções
(artigo 136.º/2).
• Ou seja, nas leis orgânicas, a discordância política do presidente só muito
dificilmente poderá ser superada.

d) Alargamento da legitimidade processual ativa em sede de fiscalização abstrata


preventiva (artigo 278.º/4):

• A fiscalização abstrata preventiva é aquela que tem lugar antes da promulgação


do diploma.
• Normalmente, apenas o Presidente da República pode requerer ao Tribunal
Constitucional a fiscalização abstrata preventiva de leis do Parlamento (artigo
278.º/1). Contudo, tratando-se de uma lei orgânica, têm legitimidade para requerer
essa fiscalização, não só o Presidente, como também o Primeiro-ministro e um quinto
dos deputados à Assembleia da República (artigo 278.º/1 e 4).
• As leis orgânicas versam sobre matérias da máxima importância; e o alargamento
da legitimidade processual ativa garante que o diploma não entra em vigor se
houver dúvidas, mesmo que mínimas e não partilhadas, sobre a sua
constitucionalidade.

→ As leis orgânicas obedecem a uma reserva total de normação:

- O que é que isso significa? Significa que, quando uma matéria deva ser disciplinada
através de uma lei orgânica, esta lei deve esgotar todo o regime jurídico dessa matéria.
Daqui decorre que, ao contrário das leis de enquadramento, das leis de autorização ou
das leis de bases, as leis orgânicas não são desenvolvidas nem complementadas por
outros atos legislativos.

- Nas leis orgânicas, a extensão da competência exclusiva da Assembleia da República


estende-se a todo o regime jurídico de uma matéria.

✓ Exceções à reserva total de normação: A única exceção a esta reserva total de


normação das leis orgânicas consta do artigo 164.º, d), in fine (bases gerais da
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reorganização, do funcionamento, do reequipamento e da disciplina das forças


armadas). Ou seja, este é o único caso em que uma lei orgânica não tem de
disciplinar uma matéria na sua totalidade, podendo limitar-se às “bases”.

- Casos práticos.

LEIS DE AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA:


• Destinatários da autorização: Governo (art. 198.º, n.º 1, b) e Assembleias Legislativas
das Regiões Autónomas (art. 227.º, n.º 1, b);
• Limites das autorizações legislativas: materiais e temporais (artigo 165.º, n.º 2)
• Leis com valor reforçado (critério da parametricidade específica) – artigo 112.º, n.ºs
2, in fine e 3. Concretamente, as leis de autorização legislativa são pressuposto e
parâmetro de validade dos decretos-leis autorizados do governo e dos decretos
legislativos regionais autorizados das assembleias legislativas regionais.
Pressuposto e parâmetro Decreto-lei autorizado
Lei de autorização
(artigo 198.º, 1, b))

• São leis pelas quais a Assembleia da República habilita o governo ou as Assembleias


Legislativas das Regiões autónomas a legislar sobre matérias da sua reserva relativa
de competência legislativa.

• Destinatários das leis de autorização legislativa:


o Governo (artigo 198.º/1/b), que usa a autorização emanando um decreto-lei
autorizado;
o Desde a revisão constitucional de 1989, também as Assembleias legislativas
das regiões, mas estas apenas em algumas e não em todas as matérias de
reserva relativa (artigo 227.º/1/b). As Assembleias legislativas das regiões
usam a autorização emanando um decreto legislativo regional autorizado.

• Natureza jurídica da lei de autorização:


o A lei de autorização apenas remove um obstáculo ao exercício do poder
legislativo do governo. Por outras palavras, ao autorizar o governo, a
Assembleia da República não abdica nem transfere o seu poder legislativo
sobre as matérias objeto de autorização.
o O Governo recebe uma habilitação (um poder) para legislar, mas não um
dever de legislar.

• A lei de autorização não pode incidir sobre:

i) matérias de reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República


(artigo 164.º);

ii) matérias de competência concorrente ou paralela.

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Exemplo: Lei nº 9/ 2017

- MATÉRIA: não indica expressamente as alíneas do 165.º da CRP, na qual aquela


autorização se integra. Trata de questões relativas a direitos, liberdades e garantias e de
matéria fiscal, pelo que deve considerar-se abrangida pelas alíneas b) e i) do n.º 1, do
artigo 165.º da CRP. A referência expressa à matéria autorizada nem sempre existe.

- no seu artigo 2.º, indica expressamente o SENTIDO - a adesão ao serviço público de


notificações eletrónica é “voluntária”

- e a EXTENSÃO da autorização - indica o universo das pessoas abrangidas pelo regime


jurídico:

“No uso da autorização legislativa (…) pode o Governo: a) Estabelecer os termos, os meios
e as condições em que as pessoas singulares e coletivas, públicas e privadas, nacionais e
estrangeiras, podem fidelizar um endereço eletrónico, que constitui a sua morada única
digital; b) Prever que a fidelização do endereço eletrónico, para efeitos de criação da
morada única digital, bem como a adesão ao serviço público de notificações eletrónicas,
são voluntárias para todas as pessoas singulares e coletivas, públicas e privadas, nacionais
e estrangeiras (…)”.

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• O prazo da autorização inicia-se com a publicação da lei de autorização legislativa


no Diário da República.

• Momento relevante para o controlo do cumprimento dos limites temporais. Ou seja,


qual é o momento determinante para saber se o governo utilizou a autorização
concedida no tempo devido? Será o da data de publicação em DR?
o Aprovação em Conselho de Ministros
▪ Para o Tribunal Constitucional e alguma doutrina (ex. Manuel Afonso
Vaz, António Vitorino), o momento determinante é a data da
aprovação do diploma em Conselho de Ministros (paralelo com a
aprovação parlamentar) –V. Acórdão n.º 150/92.
o Receção do diploma pelo Presidente da República para efeitos de
promulgação (posição do curso).

O momento relevante não deve ser a data da aprovação em Conselho de Ministros


porque:

i) a aprovação em Conselho de Ministros não é condição suficiente de


existência/perfeição do decreto-lei;

ii) a data da aprovação em Conselho de Ministros não é publicamente controlável,


havendo o risco de o governo antedatar os diplomas.

Sobre o tema, v., entre outros, o acórdão n.º 150/92.

• As autorizações legislativas têm um prazo de duração, que deve ser expressamente


indicado no articulado no diploma e que pode ser prorrogado, devendo a

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prorrogação ser aprovada também por lei (artigo 165.º/1 da CRP e artigo 187.º/3 do
Regimento da AR).

• Cessação da autorização:
o Decurso dos limites temporais fixados na lei de autorização;
o Utilização da autorização (princípio da irrepetibilidade) – artigo 165.º, n.º 3 -
A utilização só faz cessar a autorização porque vale o princípio da
irrepetibilidade, ou seja, o Governo só pode utilizar a lei de autorização uma
vez; mas admite-se a execução parcelar da autorização, ou seja, admite-se
que o governo faça vários decretos-leis autorizados simultâneos ou sucessivos
mas com diferente conteúdo, ao abrigo de uma mesma lei de autorização
(têm de versar sobre segmentos distintos da lei de autorização).
o Revogação da autorização (tácita ou expressa);
o Caducidade (artigo 165.º, n.º 4);

Princípio da irrepetibilidade- artigo 165.º, nº3


▪ O Governo não pode utilizar a autorização mais do que uma vez, estando-lhe
igualmente vedada a revogação, alteração ou substituição;

▪ Mas o Governo pode editar outro decreto-lei, observados que sejam os limites da
autorização, quando o primeiro não chegar a entrar em vigor no ordenamento
jurídico (ex: por motivo de veto político, ou porque foi considerado inconstitucional
em sede de fiscalização preventiva).

▪ Admite-se que o governo faça vários decretos-leis autorizados simultâneos ou


sucessivos mas com diferente conteúdo (incidindo sobre segmentos distintos da lei
de autorização), ao abrigo de uma mesma lei de autorização – execução
parcelada:
o O Governo pode escolher a utilização parcelar da autorização – fazendo
então aprovar mais do que um decreto-lei sob a mesma lei de autorização
legislativa –mas essa utilização parcelar não admite que possam existir
sobreposições, ou seja, o Governo não pode num segunda ou terceira
utilização da autorização legislativa introduzir modificações expressas ou
tácitas no regime jurídico dos decretos-leis autorizados já aprovados ao
abrigo dessa autorização legislativa.

• Revogação da autorização:
o Expressa: pressupõe a emanação, pela Assembleia da República, de um ato
de conteúdo oposto à autorização – uma espécie de lei de desautorização.
o Tácita: ocorre quando, durante o período de vigência da autorização, a
Assembleia da República decide emanar uma lei a regular a matéria que
havia sido delegada ao governo.

A revogação da autorização não está expressamente prevista na Constituição.


Admite-se, porém, que ela possa ocorrer em função da natureza jurídica da autorização.
Como vimos, ao emanar a lei de autorização, a Assembleia da República não está a
abdicar nem a transferir o seu poder legislativo, pelo que mantém, na plenitude, o poder
de legislar sobre as matérias autorizadas.

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• Caducidade da autorização (artigo 165.º/4):

- A autorização caduca com a demissão do governo, o termo da legislatura ou a


dissolução da Assembleia da República. A caducidade justifica-se porque as leis de
autorização pressupõem uma relação fiduciária ou de confiança entre uma certa
Assembleia da República e um certo governo.

→ As autorizações legislativas fiscais incluídas no Orçamento do Estado gozam de um


regime especial pois só caducam no termo do ano económico a que respeitam
(artigo 165.º/5). Considera-se que estas autorizações são solidárias com o
Orçamento a que se reportam. Vigoram para além da demissão do Governo, pois
destinam-se à execução do orçamento anual do Estado, independentemente do
Governo que o elaborou (princípio da continuidade do Estado) e não podem ter
uma duração superior ou inferior a um ano.

- Casos práticos.

LEIS DE BASES:

Lei de bases Decreto-lei de desenvolvimento (artigo 198.º, 1, c))

Pressuposto e parâmetro

Leis de base: São leis que definem as opções político-


legislativas fundamentais num dado setor normativo e que devem ser desenvolvidas/
complementares pelo Governo, através de um:

→ Decreto-lei de desenvolvimento (artigo 198.º/ 1/ c)),


→ Ou, desde a revisão constitucional de 2004, também pelas assembleias legislativas
das regiões, através de um decreto legislativo regional de desenvolvimento (artigo
227.º/ 1/ c)).

Leis de autorização:

Leis de base: 1. Apenas habilitam o governo a promover


essa intervenção. Não produzem efeitos
1. Intervêm e alteram diretamente o externos, ou seja, não é possível invocar
ordenamento jurídico quaisquer efeitos jurídicos decorrentes de
uma lei de autorização legislativa, uma vez
2. Não vale o princípio da
que os mesmos se esgotam na relação
irrepetibilidade - o governo pode
jurídica que se estabelece entre a Assembleia
emanar vários decretos-leis de
da República e o Governo. Logo, as leis de
desenvolvimento ao abrigo da mesma
autorização legislativa apenas produzem
lei de bases
efeitos jurídicos para o respetivo destinatário,
3. Podem incidir tanto sobre matéria de que é o Governo.
competência reservada à Assembleia
2. Princípio da irrepetibilidade
da República (absoluta e relativa),
como sobre matéria de competência 3. Só podem incidir sobre matéria de reserva
concorrente ou paralela. relativa de competência legislativa da AR.
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Leis de base: leis de valor São pressuposto e parâmetro de validade dos


reforçado por força do critério da decretos-leis de desenvolvimento e dos decretos
parametricidade específica legislativos regionais de desenvolvimento.
(artigo 112.º/3)

Problema: qual é o sentido da primariedade material (= a extensão da prevalência) das


leis de bases sobre os decretos-leis de desenvolvimento- artigo 112.º, 2?

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Teses:

1. Tese da limitação do valor paramétrico e superioridade hierárquica das leis de


bases às matérias de reserva absoluta ou relativa da AR:

Esta tese está ligada a dois postulados:

• Quando as leis de bases incidam sobre matéria não reservada, nada impede que
possam ser alteradas por decreto-lei, ao abrigo do artigo 198.º, nº1, al. a). De outro
modo, estar-se-ia a admitir uma restrição dos poderes legislativos do Governo pela
AR, já que bastaria a esta última ocupar os espaços de competência concorrente
com leis de bases. É esta a solução que se chega mediante recurso ao princípio da
tipicidade constitucional de competências.
• Quando a matéria não esteja reservada à AR, o Governo pode legislar livremente,
independentemente de haver, ou não, leis de bases prévias. Significa que o
Governo não está sujeito à eventual inércia da AR na fixação das bases gerais de
uma dada matéria.

2. Tese da superioridade geral das leis de bases perante os decretos-leis:

Esta tese alicerça-se fundamentalmente em argumentos de natureza lógica e formal:

• Formal porque se enfatiza a circunstância de o artigo 112.º, n.º 2 não distinguir entre
as leis de bases em matéria reservada e as leis de bases em matéria de
competência concorrente, o que parece indiciar que a parametricidade das leis
de bases não varia em função deste critério.
• Lógico porque admitindo-se uma supremacia meramente parcial das leis de bases,
gorar-se-ia o sentido útil do artigo 112.º, n.º 2 e o princípio da superioridade
paramétrica da lei de bases nele consagrado. Com efeito, no domínio das matérias
reservadas à AR, a superioridade da lei de bases sempre resultaria do princípio da
reserva de competência, revelando-se desnecessária a consagração dessa
superioridade num preceito ad hoc. Para conservar o seu sentido útil, o artigo 112.º,
n.º 2 tem de poder abarcar todas as leis de bases, seja em matéria de competência
reservada ou não.

Argumentos:

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Para a tese da limitação do valor paramétrico, há que distinguir duas situações:

→ A situação em que o Governo emana um decreto-lei de desenvolvimento, isto é,


emana um decreto-lei ao abrigo da sua competência legislativa derivada (artigo
198.º/1/c), e esse decreto-lei viola uma lei de bases já existente = o decreto-lei de
desenvolvimento é ilegal por violação de lei com valor reforçado.

→ A situação em que o Governo emana um decreto-lei simples, isto é, um decreto-lei


ao abrigo da sua competência legislativa originária (artigo 198.º/1/a), e esse
decreto-lei contraria a lei de bases = não há qualquer vício, nem ilegalidade nem
inconstitucionalidade.

• Caso o Governo, na sequência da aprovação pela Assembleia da República de


uma lei de bases sobre uma matéria da competência legislativa concorrente,
aprovar um decreto-lei de desenvolvimento – ou seja, que aprove um decreto-lei
ao abrigo da alínea c) do artigo 198.º da CRP – que contrarie o disposto na lei de
bases – ilegalidade por violação de lei com valor reforçado.

• É que embora aquela lei de bases não esteja a coberto da reserva de competência
legislativa da Assembleia da República, se o Governo entender exercer apenas a
competência legislativa de desenvolvimento, coloca-se voluntariamente sob o
critério da parametricidade específica das leis de bases, devendo o decreto-lei lei
de desenvolvimento conformar-se com os limites impostos pelo ato legislativo do
parlamento, mesmo que não estivesse obrigado a fazê-lo.

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• Trata-se de um caso de “autolimitação do respetivo poder de conformação


legislativa” por parte do Governo.

Posição do Tribunal Constitucional (ac. 142/85 e 334/91)

- O Tribunal Constitucional inclina-se para a tese da limitação do valor paramétrico da lei


de bases, embora com uma especificidade.

- Casos práticos

LEIS DE ENQUADRAMENTO:
➢ Não se limitam a fixar as bases de um regime jurídico, antes visam regular
efetivamente o sector a que se referem, estabelecendo um regime jurídico global
de regras e princípios.
➢ Ou seja, trata-se de leis que estabelecem os parâmetros jurídico-materiais
estruturantes de um determinado sector da vida económica, social ou cultural.

Exemplos:

– lei-quadro do orçamento do Estado,

– lei-quadro das reprivatizações,

– lei-quadro da criação, modificação e extinção das autarquias locais,

– lei-quadro da criação das regiões administrativas,

– lei-quadro da adaptação do sistema fiscal às especificidades regionais,

– lei das finanças regionais,

– lei das finanças locais.

PODER LEGISLATIVO DO GOVERNO (ARTIGO 198.º)

• Autónomo: o Governo pode legislar, num vasto conjunto de matérias, sem a


autorização da Assembleia da República.
• Normal: o Governo tem poder legislativo mesmo fora de situações de urgência (ao
contrário do que acontece, por exemplo, em Espanha ou em Itália).

O Governo assume, então, três tipos de competência legislativa distintos:

• Competência legislativa originária ou independente (artigo 198.º, nº1, al. a)):

- Em matérias não reservadas à AR, existe uma concorrência legislativa entre o Governo e
a AR, podendo os decretos-leis alterar, suspender, interpretar e revogar as leis da AR e vice-
versa. Note-se, no entanto, que como veremos infra, a AR pode fazer cessar os diplomas
legislativos do Governo através do instituto da apreciação parlamentar (artigo 169.º).

• Competência legislativa derivada ou dependente:

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– O Governo é competente para emanar decretos-leis autorizados, ou seja, editados ao


abrigo de uma lei de autorização legislativa (artigo 165.º), em matérias de reserva relativa
de competência da AR (artigo 198.º, n.º 1, al. b); e para emanar decretos-leis de
desenvolvimento nos termos das respetivas leis de bases (artigo 198.º, n.º 1, al.c).

• Competência legislativa exclusiva (artigo 198.º, n.º 2):

– O Governo é exclusivamente competente no que concerne as matérias relativas à sua


organização e funcionamento. Uma tal reserva não se estende nem à organização dos
serviços administrativos e ao regime da função pública, nem à distribuição de
competências entre os vários órgãos do Governo. Esta reserva de competência legislativa
do Governo justifica-se em nome de um princípio de auto-organização dos órgãos de
soberania, o qual encontra igualmente expressão no artigo 175.º, desta feita para a AR.

– Os decretos-leis que o Governo emane ao abrigo desta reserva não estão sujeitos a
apreciação parlamentar, nos termos do artigo 169.º, nem podem por outro modo ser
alterados ou revogados pela AR.

As principais fases do procedimento legislativo governamental incluem:

1. a iniciativa, que pode partir de qualquer membro do Governo, sendo depois dirigida ao
Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros;

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2. a instrução, que envolve a obtenção de pareceres facultativos ou obrigatórios, sendo


obrigatórios nos casos de transposição de atos da União Europeia (parecer obrigatório do
Ministro dos Negócios Estrangeiros), de atos legislativos que envolvam um aumento de
despesa (parecer obrigatório do Ministro das Finanças) ou de atos legislativos que
envolvam um aumento de encargos administrativos (parecer obrigatório da Ministra da
Presidência e da Modernização Administrativa);

3. a circulação legislativa (os projetos vão a análise e comentário de todos os gabinetes


ministeriais);

4. a discussão e aprovação em reunião de Conselho de Ministros;

5. os decretos que se destinem a ser promulgados como decretos-lei são enviados ao


Presidente da República para promulgação;

6. referenda ministerial do ato de promulgação do decreto-lei ex vi o disposto nos artigos


140.º/1 e 134.º/b) da CRP;

7. publicação em DR - artigo 119.º/1c) da CRP.

- Caso prático.

Apreciação parlamentar dos decretos-leis- artigo 169.º:

• Mecanismo constitucional de controlo através do qual a Assembleia da República


pode fiscalizar o mérito dos decretos-leis do governo, com exceção dos decretos-
leis emanados ao abrigo da sua competência legislativa exclusiva (artigo 198.º/2).

• Também estão sujeitos a apreciação parlamentar pela Assembleia da República


alguns decretos legislativos regionais, concretamente os decretos legislativos
regionais autorizados (artigo 227.º/4).

• A apreciação parlamentar é uma manifestação da superioridade ou do primado


do poder legislativo da Assembleia da República.
– Ou seja, o Governo dispõe de amplo poder legislativo, valendo um princípio de
tendencial paridade entre leis e decretos-leis, mas o órgão legislativo por
excelência é o parlamento.

A apreciação parlamentar permite à Assembleia da República controlar o poder


legislativo do governo sem ter de exercer, ela mesma, o seu poder legislativo.

→ A apreciação parlamentar é um mecanismo constitucional específico de controlo


através do qual a AR pode fiscalizar o mérito político dos diplomas legislativos do
Governo, alterando-os, suspendendo-os ou fazendo cessar a sua vigência.

→ Não estão sujeitos a apreciação parlamentar os decretos-leis do Governo em


matéria da sua competência legislativa exclusiva (artigo 169.º, n.º 1).

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→ Só os deputados podem chamar os decretos-leis à apreciação da AR (conjunto de


10 deputados) e não também os grupos parlamentares, e devem fazê-lo no prazo
de 30 dias após a publicação.

• A sujeição de um decreto-lei a apreciação parlamentar pode ter um de dois


desideratos: a alteração ou a cessação da respetiva vigência.

– No primeiro caso, abre-se um procedimento legislativo específico, que se inicia com uma
proposta de alteração ao decreto-lei em apreciação;

– A cessação da vigência traduz-se na revogação do decreto-lei. Esta revogação assume


a forma de resolução (artigo 169.º, n.º 4) e deve ser publicada em Diário da República;
produz, via de regra, efeitos ex nunc, embora a AR possa, através de lei autónoma,
neutralizar retroativamente os efeitos de um decreto-lei recusado (v. ac. 461/87), e tem
efeitos repristinatórios, ou seja, repõe em vigor a lei revogada pelo decreto-lei que agora
se aprecia.

• Nos n.º 2 e 3, prevê-se a figura da suspensão da vigência de um decreto-lei. Tal


suspensão está sujeita a pelo menos dois requisitos:

(1) ter sido o decreto-lei em causa emanado ao abrigo de uma lei de autorização
legislativa;

(2) terem sido apresentadas propostas de alteração ao mesmo.

A suspensão manter-se-á até à publicação da lei que o vier a alterar ou até à


rejeição de todas as propostas de alteração, verificando-se porém a caducidade da
suspensão se, decorridas dez sessões plenárias, a AR não se tiver pronunciado sobre as
propostas de alteração.

- Casos práticos.

- Matéria dos Regulamentos não foi abordada na aula prática.

TERCEIRA PARTE- JUSTIÇA CONSTITUCIONAL

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MODELOS DE JUSTIÇA CONSTITUCIONAL

A) Controlo político

B) Controlo judicial:

→ Controlo difuso ou norte-americano


→ Controlo concentrado ou austríaco

Genericamente, o instituto da fiscalização da constitucionalidade visa:

✓ Proteger a criação de normas inconstitucionais- controlo preventivo da


constitucionalidade;
✓ Reprimir as violações da Constituição- fiscalização da inconstitucionalidade por
ação;
✓ Alertar para o não cumprimento da Constituição por omissão de medidas
legislativas necessárias- fiscalização da inconstitucionalidade por omissão.

Do ponto de vista organizatório ou da organização da justiça:

MODELO UNITÁRIO:

(1) assenta na ideia de que a jurisdição constitucional – e a atividade de fiscalização da


constitucionalidade das normas – não se distingue das demais formas de jurisdição,

(2) pelo que se afigura desnecessário a criação de uma jurisdição constitucional especifica
e organizatoriamente autónoma.

(3) Assim sendo, a atividade de fiscalização é levada a cabo por todos os tribunais no
julgamento das questões que lhes sejam submetidas. Por ex., Estados-Unidos e Brasil.

MODELO DE SEPARAÇÃO:

(1) assenta ou releva a especificidade da atividade de fiscalização da


constitucionalidade,

(2) daí derivando a atribuição dessa tarefa a um tribunal ou conjunto de tribunais


específico e distinto dos demais. Por ex., Portugal e Alemanha.

Do ponto de vista dos sujeitos do controlo (quem controla?):

CONTROLO POLÍTICO:

 É o modelo característico do État legal francês, assente na supremacia da vontade


geral e no apagamento da Constituição.

 Carateriza-se pelo facto de o controlo da constitucionalidade das normas ser feito


por órgãos políticos, como, por ex., os Parlamentos. A predominância do controlo
político em França justifica que só em 2008 o legislador constituinte tenha vindo,
através de revisão constitucional, admitir que à fiscalização preventiva da
constitucionalidade se juntasse também um processo de fiscalização concreta. A

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ausência de controlo jurisdicional das leis é ainda patente no modelo inglês, por
força do princípio da soberania parlamentar.

CONTROLO DIFUSO OU AMERICANO:

 A tarefa de fiscalização da constitucionalidade das normas está a cargo de todos


os tribunais e de todos os juízes, daí designar-se difuso. As suas origens datam do
caso Marbury v. Madison, de 1803, e das consequências que o juiz Marshall decidiu
retirar da supremacia da Constituição.

CONTROLO CONCENTRADO OU AUSTRÍACO:

 A faculdade para apreciar, em termos definitivos, a constitucionalidade das normas


pertence a um único órgão. Este órgão pode ser um Tribunal Constitucional
especificamente criado para o efeito, ou um tribunal superior. Designa-se
igualmente modelo austríaco pelo contributo de Hans Kelsen, jurista austríaco que
entendia a fiscalização da constitucionalidade como uma tarefa autónoma,
distinta das demais, de “legislação negativa”.

Do ponto de vista do modo de controlo (como se controla?):

CONTROLO POR VIA DE INCIDENTE OU POR VIA DE EXCEÇÃO:

Uma exceção ou incidente processual é uma questão (material ou processual) enxertada


num processo judicial que tem por objeto principal outra questão. Fala-se num controlo
por via de exceção quando:

(1) a inconstitucionalidade de uma norma só pode ser invocada no decurso de uma ação
submetida à apreciação dos tribunais,

(2) sob a forma de exceção, isto é, como questão paralela à questão principal.

 O controlo incidental é um controlo concreto, porque pretende apurar se as normas


jurídicas aplicáveis no decurso de um processo judicial são ou não inconstitucionais.
 O controlo por via de incidente não se identifica com o controlo difuso ou
americano, muito embora, as mais das vezes, existam em simultâneo.

Por ex., existem modelos, como o nosso, em que existe um controlo por via de
incidente e um controlo apenas parcialmente difuso; e modelos, como, por ex., o alemão,
em que existe controlo incidental, sendo certo que logo que as partes levantem ou
suscitem o incidente de inconstitucionalidade, o tribunal a quo deve, sem proferir qualquer
decisão, suspender a instância e enviar a questão para o Tribunal Constitucional.

CONTROLO POR VIA PRINCIPAL:

Num controlo deste tipo, a questão da constitucionalidade das normas é suscitada, a título
principal (isto é, não como questão paralela, mas como objecto principal e autónomo de
um processo), junto de um Tribunal. O controlo por via principal é, portanto, um controlo
abstrato, em que a impugnação da constitucionalidade de uma norma é feita
independentemente de qualquer litígio em concreto, isto é, independentemente da sua
aplicação num caso concreto.

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Do ponto de vista do tempo do controlo (quando se controla?):

CONTROLO PREVENTIVO:

É um controlo que incide sobre normas ou atos imperfeitos, isto é, num momento em que
ainda não está concluído o seu processo de formação. Trata-se necessariamente de um
controlo abstrato, visto que se insere no próprio processo de produção legislativa, portanto,
antes da respetiva entrada em vigor e aplicação.

CONTROLO SUCESSIVO:

É um controlo que incide sobre normas perfeitas e eficazes, cujo processo de formação
constitucionalmente previsto já se encontra concluído.

OS EFEITOS DO CONTROLO

➢ Efeitos gerais: quando a decisão do tribunal sobre a constitucionalidade da norma


ou ato em causa produz efeitos erga omnes, leia-se, para fora do processo em
questão, sendo a norma retirada do ordenamento jurídico a que pertence.

➢ Efeitos particulares: quando a decisão do tribunal sobre a constitucionalidade da


norma ou atos produz efeitos inter partes, restritos ao próprio processo: a norma é
desaplicada ao caso concreto, mas continua em vigor no ordenamento jurídico a
que pertence.

O SISTEMA PORTUGUÊS VIGENTE

Sistema pré-constitucional de controlo:

- A fiscalização judicial da constitucionalidade foi introduzida entre nós pela Constituição


de 1911.

- Aí se instituiu um sistema de controlo judicial difuso incidental e concreto, que é, portanto,


o sistema tradicional português.

- Um tal sistema permaneceu exclusivo com a Constituição de 1933, até à revisão


constitucional de 1971, data em que foi introduzido o sistema de fiscalização abstrata
concentrada.

✓ Sistema misto complexo:

Quais as suas caraterísticas?

→ Sistema de controlo integralmente judicial


→ Controlo difuso, concreto e incidental
→ Controlo abstrato de normas sucessivo (artigos 281.º e 282.º) e preventivo (artigos
278.º e 279.º)
→ Controlo da constitucionalidade por ação (artigos 277.º e ss.) e o omissão (artigo
283º)

❖ Sistema de controlo integralmente judicial:

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– Não há controlo político da constitucionalidade das normas, pelo que até o processo
dotado de maior densidade política – que vem a ser a fiscalização abstrata preventiva da
constitucionalidade – pressupõe a emanação de uma decisão judicial.

– A fiscalização da constitucionalidade é uma tarefa exclusivamente jurisdicional.

❖ Controlo difuso, concreto e incidental:

– Trata-se de um controlo difuso, já que, nos termos do artigo 204.º, todos os tribunais têm
competência para fiscalizar a constitucionalidade das normas. Todos os juízes devem
examinar a constitucionalidade das normas que aplicam (“direito de exame”) e desaplicá-
las ao caso concreto, caso concluam no sentido de uma desconformidade com a
Constituição – aproxima-se da judicial review norte-americana.

– Concreto e incidental, já que a questão de constitucionalidade é suscitada, pelas partes,


pelo MP ou ex officio pelo juiz, como uma questão paralela enxertada num processo
judicial cujo objeto é outro.

No entanto, o modelo português apresenta duas especificidades de relevo:

(I) Não se consagra o modelo puro de judicial review, já que entre nós também existe um
controlo concentrado, o que significa que a decisão final ou definitiva sobre a
constitucionalidade das normas não pertence aos tribunais em geral, mas a um tribunal
em particular – no nosso caso, o TC;

(I) Não se consagrar um sistema puro de mero incidente, uma vez que os tribunais têm
acesso direto à Constituição:

– uma vez suscitado o incidente de inconstitucionalidade eles não se limitam a


suspender a instância e a enviar a questão ao TC, antes se pronunciam sobre a própria
questão de constitucionalidade, julgando, ou não julgando, a norma inconstitucional.
Logo, o nosso modelo não se identifica totalmente com o modelo austríaco.

Modelo de fiscalização concreta português:

- Concentrado no topo: cabendo a uma jurisdição especializada, o TC atua como última


instância de recurso.

- Difuso na base: já que a tarefa de exame da constitucionalidade das normas é


competência oficiosa de todos os tribunais.

❖ Controlo abstrato de normas sucessivo (artigos 281.º e 282.º) e preventivo (artigos


278.º e 279.º)

- Também vale entre nós um controlo abstrato e concentrado de normas, em que um


tribunal específico- o TC- declara ou pronuncia-se, com força obrigatória geral e sem ter

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subjacente um qualquer caso concreto, sobre a conformidade de certas normas com o


parâmetro jurídico-constitucional.

❖ Controlo da constitucionalidade por ação (artigos 277.º e ss.) e omissão (artigo


283.º)

– O nosso modelo de fiscalização da constitucionalidade ocupa-se tanto da


inconstitucionalidade por ação= das atuações dos poderes públicos contrárias à
Constituição

– como da inconstitucionalidade por omissão= traduzida numa inércia legislativa quanto


ao cumprimento da Constituição.

FISCALIZAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE

A) Objeto de controlo;

B) Parâmetro de controlo:

 Bloco de constitucionalidade (artigo 277.º, nº1 CRP);


 Bloco do direito internacional e do direito europeu (artigo 70.º, nº1, al. i) LTC)
 Bloco de normas interpostas ou pressupostas (artigos 280.º, nº2, al. a), b) e c), e 281.º,
nº1, al. b), c) e d) CRP)

C) Os efeitos do controlo: nulidade ipso jure e inexistência (artigos 137.º, 140.º, nº2, 172,º,
nº2 CRP)

OBJETO DE CONTROLO: O QUE SE CONTROLA?

O objeto de controlo não são apenas os chamados atos normativos primários (as leis
ou os tratados internacionais), mas também os normativos secundários e terciários
(regulamentos, despachos normativos).

Não são apenas as normas, mas todas as normas “independentemente da sua natureza,
da sua forma, da sua fonte e da sua hierarquia”.

 Se o objeto do controlo são as normas, é preciso detetar um conceito de norma


adequado à tarefa de fiscalização da constitucionalidade, isto é, que valha
especificamente para esta tarefa.
 Para o efeito, a doutrina avança uma série de critérios de descoberta não
cumulativos, ou seja, um conjunto de cânones que, quando preenchidos, indiciam
a presença de uma norma para efeitos de controlo da constitucionalidade. Que
critérios são esses?

I. Normatividade

 Estão sujeitos a controlo os atos de criação normativa, isto é, os atos inovadores do


ordenamento jurídico e que não se limitam a aplicar outras normas.
 Exclusão dos atos públicos puramente aplicativos: atos administrativos e decisões
jurisdicionais.

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 Sublinhe-se, no entanto, que não estão excluídas do objeto de controlo as


chamadas leis-medida ou leis individuais, como esclareceu o TC nos acórdãos n.ºs
80/86, 157/88 e 153/93.

II. Imediação

 São atos normativos para efeitos de controlo aqueles que violem diretamente a
Constituição.

II. Heteronomia normativa

 São atos normativos para efeitos de controlo aqueles que estabelecem um padrão
de comportamento não dependente da vontade dos destinatários.

IV. Reconhecimento normativo jurídico-político

 O controlo incide sobre normas jurídicas de direito público, o que significa que, regra
geral, as normas jurídicas de direito privado estão excluídas do objeto de controlo
(v.g., regulamentos de federações desportivas).
 No entanto, são atos normativos para efeitos de controlo os atos normativos
privados com efeitos ultra vires:

– isto é, aqueles que por força da Constituição e da lei, se impõem a terceiros que não
participaram na sua formação ou constituição. Por ex., as convenções coletivas de
trabalho.

Esses são os critérios que auxiliam o Tribunal Constitucional na determinação das


normas jurídicas que devem ser submetidas a fiscalização bem como daquelas que
devem ser excluídas desse controlo.

 Sujeitos ao controlo do TC estão as normas jurídicas (não necessariamente gerais e


abstratas) públicas, isto é, emitidas ao abrigo da competência estadual, e que são
suscetíveis de conformar ou de inovar o ordenamento jurídico.
 Significa isto que estão em princípio excluídas do controlo do Tribunal Constitucional:
o os atos públicos meramente aplicativos do direito- tais como atos
administrativos ou decisões dos tribunais;
o bem como as normas de direito privado (com exceção das convenções
coletivas de trabalho, relativamente às quais a dúvida se mantém).

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CATÁLOGO DE ATOS NORMATIVOS SUJEITOS A CONTROLO:

I. AS LEIS DE REVISÃO CONSTITUCIONAL: Constituindo o poder de revisão um poder


subordinado à Constituição, há que concluir que a constitucionalidade das normas de
revisão constitucional está dependente de um conjunto de requisitos formais, materiais e
procedimentais constitucionalmente impostos.

II. INSTRUMENTOS DE DIREITO INTERNACIONAL (convenções internacionais bilaterais e


multilaterais) E NORMAS EMITIDAS POR ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS DE QUE PORTUGAL
FAÇA PARTE (Direito na UE):

O direito internacional convencional está subordinado à Constituição- artigos 278.º, nº1 e


280, nº3- e não está prevista nenhuma exceção para o direito da UE (artigo 8.º, nº3 e 4).

III. ATOS LEGISLATIVOS:

São os atos normativos primários, a saber, as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos


regionais (artigo 112.º, n.º 1). Sujeitos a todos os processos de fiscalização da
constitucionalidade admitidos pela Constituição.

IV. AS RESOLUÇÕES NORMATIVAS DA AR E DAS ASSEMBLEIAS LEGISLATIVAS REGIONAIS


(artigo 119.º, nº1, al. e)):

Quando não assumem a forma de ato legislativo, muitos atos normativos das
Assembleias assumem a forma de resolução:

→ aprovação de tratados e acordos internacionais (artigo 161.º, al. i), a proposta de


referendo (artigo 161.º, al. j),
→ cessação de vigência e alteração dos decretos-leis e decretos legislativos regionais
(artigo 162.º, al.c).

- Note-se que também existem resoluções que não têm caráter normativo: estas estão,
nessa medida, excluídas do controlo da constitucionalidade- por ex.: a designação de
membros de órgãos constitucionais (artigo 163.º, al. h)).

V. REGIMENTOS DAS ASSEMBLEIAS (artigo 119.º, nº1, al. f) e 175.º, al. a)):

Rege o funcionamento interno das Assembleias. Vale como ato normativo para
efeitos de controlo- Ac. nº 63/91.

VI. ATOS NORMATIVOS DA ADMINISTRAÇÃO:

Normas jurídicas que órgãos administrativos emanam no exercício da função


administrativa, independentemente do tipo de pessoa coletiva de direito público em
causa (administração indireta, administração independente, administração autónoma) e
qualquer que seja a sua forma ou designação:

✓ v.g., postura, regulamento, decreto regulamentar, despacho normativo;

e às normas produzidas por entidades privadas no exercício de funções públicas

✓ v.g, regulamentos emitidos por concessionários de obras públicas ou de serviços


públicos – Ac. n.º 730/95.

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O TC não controla a conformidade dos regulamentos administrativos com o princípio


da legalidade da administração (artigo 266.º, n.º 2), por se tratar de uma questão de pura
legalidade (v. os Acórdãos n.ºs 113/88 e 169/88).

VII. ATOS NORMATIVOS DO PR:

Apesar de regra geral o PR não dispor de competência normativa, existe uma


exceção – o decreto de declaração de estado-sítio ou estado-de-emergência – o qual
pode ser controlados nos termos gerais (artigos 179.º, n.º 3, al. f), seja por violação dos
requisitos materiais a que deve obedecer, seja por ultrapassar os termos da autorização
da AR, constantes da respetiva lei (artigo 135.º, al.c).

VIII. CONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO:

As convenções coletivas de trabalho são um conjunto de normas escritas sobre


condições de trabalho criadas por acordo concluído entre, por um lado, um ou vários
empregadores e/ou uma ou várias organizações de trabalhadores (os sindicatos), por
outro, e que produzem efeitos para sujeitos não intervenientes no acordo.

Nessa medida, configuram-se como atos normativos para efeitos de controlo


(Gomes Canotilho). No entanto, há uma extensa divergência sobre a matéria patente em
inúmeros acórdãos do Tribunal Constitucional (cfr. os Acórdãos n.ºs 172/93, 214/94, 224/05).
A posição maioritária vai, no entanto, no sentido da respetiva exclusão.

IX. ASSENTOS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES:

Foram considerados inconstitucionais pelo Acórdão n.º 743/96, e,


consequentemente, retirados do ordenamento jurídico através do DL n.º 329-A/95, de 12
de fevereiro, em razão de violação do princípio da separação de poderes. Valiam como
normas jurídicas, para o futuro.

X. ESTATUTOS DE ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS E DE ALGUMAS ASSOCIAÇÕES PRIVADAS, como


os partidos políticos.

XI. CLÁUSULAS COMPROMISSÓRIAS OU COMPROMISSOS ARBITRAIS: cláusula inserida num


contrato, pela qual as partes se obrigam a submeter à decisão de um tribunal arbitral as
questões emergentes do mesmo contrato, na medida em que os tribunais arbitrais
exercem poderes públicos ou em delegação dos poderes públicos (Ac. nº 150/86).

CATÁLOGO DE ATOS JURÍDICOS NÃO SUJEITOS A CONTROLO DE CONSTITUCIONALIDADE

I. ATOS ADMINISTRATIVOS:

Nos termos do artigo 148.º CPA, os atos administrativos são decisões dos órgãos da
administração, emanadas ao abrigo de normas de direito público, e que visam a
produção de efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.

- Uma vez que tais atos não violam, à partida, diretamente a Constituição – não gozam de
imediação – estão excluídos da fiscalização.

→ Há ordenamentos jurídicos que admitem as chamadas ações constitucionais de


defesa, como a Verfassungsbeschwerde alemã, ou o recurso de amparo espanhol

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Ano Letivo 2021/2022
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e mexicano, isto é, a possibilidade de os particulares cujos direitos fundamentais


hajam sido violados por atos administrativos ou decisões judiciais recorrerem
diretamente para o TC.

- Contudo, um ato administrativo pode afrontar diretamente a Constituição, agredindo os


direitos fundamentais, independentemente ou mesmo sem violar a lei ao abrigo da qual
foi emanado.

Neste caso, ele pode ser impugnado junto dos tribunais administrativos com
fundamento na sua ilegalidade, e consequentemente anulado ou declarado nulo, mas da
decisão do tribunal que aprecie a questão não poderá haver recurso para oTribunal
Constitucional.

Só aprecia a conformidade de normas jurídicas com a Constituição e não a conformidade


de atos ou decisões judiciais como aquela.

II. DECISÕES JUDICIAIS:

 Concebem-se decisões judiciais inconstitucionais, isto é, decisões emanadas por


tribunais e que violam a Constituição.
 Não cabe recurso para o TC de decisões jurisprudenciais inconstitucionais, pois não
há entre nós nenhuma ação constitucional de defesa, ou o também designado
recurso de amparo (ou queixa constitucional).
 Fiscalizar a constitucionalidade de normas aplicadas pelos tribunais não se
confunde com a fiscalização da constitucionalidade das próprias decisões dos
tribunais: o controlo da constitucionalidade é um controlo normativo incidente
sobre normas e não sobre decisões aplicadoras das mesmas.

- Por exemplo, o Tribunal Constitucional não pode controlar a constitucionalidade de uma


sentença, por falta de fundamentação, em violação do artigo 205.º, n.º 1.

- Ou seja, o TC não pode apurar se a decisão jurisdicional proferida num dado processo
cumpre os requisitos constitucionais impostos pelo artigo 205.º.

– Objeto de controlo, neste caso, poderá apenas ser a norma do Código de


Processo Civil ou do Código de Processo Penal que preveem expressamente que as
sentenças devem ser fundamentadas.

III. ATOS DE NATUREZA POLÍTICA:

Ex: a promulgação, o veto, a referenda, o decreto presidencial de demissão do


governo, o decreto de demissão dos órgãos de governo regional com fundamento em
atos contra a constituição.

IV. NORMAS E ATOS DE NATUREZA PRIVADA:

É certo que as normas e os atos de entidades privadas (ex.: os regulamentos internos


de empresas podem conter cláusulas inconstitucionais, como, por ex., obrigação de
revelação de dados pessoais, o despedimento de um trabalhador sem justa causa)
podem violar diretamente a Constituição e os imperativos dela constantes. Os meios de
defesa e proteção destas situações são os meios judiciais comuns de impugnação de atos
ilícitos.
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- Casos práticos.

O PARÂMETRO DE CONTROLO

 Uma norma diz-se inconstitucional quando viola o parâmetro normativo-


constitucional.

- Necessário saber qual o padrão ou a medida do controlo da constitucionalidade. O que


integra o bloco de constitucionalidade?

1. As normas de referência do controlo são apenas as normas e princípios constitucionais


escritos ou a ordem constitucional global, isto é, os princípios e normas não escritos que,
não tendo materialização expressa no texto constitucional, são reclamados pelo
constitucionalismo global?

Gomes Canotilho, sem restringir o parâmetro de controlo às normas e princípios


escritos, não admite uma extensão ad infinitum desse mesmo parâmetro. Vale por dizer
que se integram nesse padrão princípios e valores não escritos que ainda possam
reconduzir-se a densificações, desenvolvimentos ou especificações de princípios
constitucionais escritos.

Ex.: apesar de só estar previsto em três casos específicos, o princípio da proteção da


confiança é um parâmetro de apreciação de toda e qualquer norma jurídica.

 Fazem parte do parâmetro constitucional as normas constitucionais consagradoras


de direitos fundamentais, bem como outras normas consagradoras de direitos só
materialmente fundamentais.

A PARAMETRICIDADE DAS NORMAS INTERPOSTAS E PRESSUPOSTAS:

As normas interpostas são normas reclamadas ou pressupostas pela Constituição


como específicas condições de validade de outros atos normativos.

Por ex., a leis de autorização são parâmetro normativo-material dos decretos-leis


autorizados, assim como as leis de base são normas de referência dos decretos-leis de
desenvolvimento (artigo 112.º, n.º 2 e 3).

 Existem situações em que a Constituição é tão-só parâmetro de controlo indireto,


por entre ela e a norma em causa existir uma norma interposta que serve como
parâmetro direto de controlo.

 DIREITO EUROPEU ORIGINÁRIO (tratados institutivos) E DERIVADO (diretivas,


regulamentos, decisões) e a CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM

OS VÍCIOS DE INCONSTITUCIONALIDADE

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Uma norma é inconstitucional sempre que viole algum dos aspetos


constitucionalmente vinculados, seja o conteúdo (que deve ser conforme à Constituição),
regras sobre a competência, sobre a forma ou sobre o procedimento. Destacam-se quatro
tipos de vícios:
→ Vícios formais
São vícios do ato na sua Afetam o conteúdo do ato.
→ Vícios materiais
globalidade, isto é, são Respeitam a determinados
→ Vícios orgânicos ou
vícios que afetam o ato preceitos e não se estendem a
de competência
na sua totalidade. todo o diploma. São vícios das
→ Vícios procedimentais
normas constantes do ato.

➢ Vícios formais: ocorre quando a forma constitucionalmente prescrita para a


emanação de determinado ato não foi cumprida- gera inconstitucionalidade
formal.

➢ Vícios materiais: ocorre quando o conteúdo de certas disposições ou preceitos viola


os princípios e normas da Constituição- gera inconstitucionalidade material.

➢ Vícios orgânicos ou de competência: têm lugar quando o órgão que emanou o ato
não era constitucionalmente competente para tal- gera inconstitucionalidade
orgânica.

➢ Vícios procedimentais: normalmente englobados na categoria dos vícios formais,


ocorrem quando a tramitação constitucionalmente prevista para a emanação de
um determinado ato não é cumprida. Por ex., no Acórdão n.º403/89, o Tribunal
Constitucional declarou a inconstitucionalidade da lei de bases do património
cultural, com fundamento na violação do dever de audição dos órgãos das regiões
autónomas prescrito no artigo 229.º da CRP- gera inconstitucionalidade formal.

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PROCESSO DE FISCALIZAÇÃO PREVENTIVA DA INCONSITUCIONALIDADE

• PRECEITOS PERTINENTES: artigos 278.º, 279.º CRP e artigos 51.º e 57.º a 61.º da LTC.

• NOTAS GERAIS:

1. Processo de controlo da constitucionalidade que incide sobre certas normas jurídicas


antes de se encontrar concluída a sua formação.

2. O controlo prévio de constitucionalidade incide sobre atos pré-normativos ou normas


imperfeitas cuja existência jurídica pode ficar comprometida em caso de pronúncia do TC
no sentido da sua inconstitucionalidade.

3. Constitui uma opção típica de sistemas de governo semipresidencialistas. É uma


manifestação da influência da Constituição francesa de 1958.

4. A fiscalização preventiva é um instituto que valoriza o protagonismo moderador ou


arbitral do PR: este pode usar este processo para obstar à existência jurídica de atos
normativos ou dissipar dúvidas publicamente expressas sobre a sua perfeição jurídica.

5. A fiscalização preventiva pode ser usada como arma política para questionar políticas
e não tanto para sindicar inconstitucionalidades. É o principal instrumento que o PR tem à
sua disposição para condicionar a atuação de um governo suportado por uma maioria
parlamentar (por exemplo, entre 1987 e 1995, durante o período de coabitação entre
Cavaco Silva e Mário Soares, foram 37 os pedidos de fiscalização preventiva efetuados
pelo PR).

No processo de fiscalização abstrata preventiva, efetua-se um controlo:

I. Concentrado: competência para fiscalizar pertence a um único órgão- o Tribunal


Constitucional (artigo 278.º/1 CRP e 51.º, nº1 LTC), funcionando em plenário (13 juízes).

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Trata-se de um processo urgente, uma vez que o TC dispõe de um prazo de 25 dias


para proferir uma decisão (artigo 278.º, nº8), mas existe a possibilidade de o PR encurtar
este prazo, por motivos de urgência (artigo 60.º LTC). Em caso de pluralidade de pedidos,
o prazo conta-se em relação ao último.

II. Preventivo: incide sobre normas imperfeitas, isto é, sobre normas cujo
procedimento de formação constitucionalmente previsto ainda não se encontra
concluído, o que significa que o controlo tem lugar depois da aprovação do diploma pelo
órgão competente, mas antes da respetiva promulgação ou assinatura.

III. Controlo abstrato e por via principal: questão de constitucionalidade é a questão


principal do processo, o que significa que o controlo de constitucionalidade ocorre sem
ter por base um litígio em concreto/ a constitucionalidade das normas não é apreciada
em função de um qualquer caso concreto. Aliás, ao contrário da sucessiva, a fiscalização
preventiva é necessariamente abstrata, visto que, se a norma ainda não entrou em vigor,
ainda não pôde ser aplicada num caso concreto.

REQUISITOS PROCESSUAIS:

Consistem nas condições fácticas e jurídicas que devem encontrar-se reunidas para
que o TC se possa pronunciar sobre o fundo da causa respeitante a um pedido de
fiscalização da constitucionalidade:

• Requisitos subjetivos (1);


• Requisitos objetivos (2);
• Requisitos temporais (3).

→ Requisitos Subjetivos (1):

- Quem tem competência fiscalizar a constitucionalidade no âmbito deste processo?

• É o Tribunal Constitucional quem tem competência para fiscalizar preventivamente a


constitucionalidade das normas, nos termos dos artigos 223.º, n.º 2, al. f e 278.º da CRP.
Trata-se, portanto, de uma competência exclusiva deste tribunal, entenda-se, que ele não
partilha com os demais.

– Quais os órgãos ou entidades com legitimidade ativa para desencadear o processo de


fiscalização, leia-se, com a competência para requerer a fiscalização preventiva?

• São apenas dois os órgãos que gozam de competência para requerer a fiscalização, à
luz do disposto no artigo 278.º, n.ºs 1 e 2:

– Presidente da República

– Representantes da República nas Regiões Autónomas

– Primeiro-Ministro ou de 1/5 dos deputados da Assembleia da República (n.º4).

→ Presidente da República:
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– O PR dispõe de competência genérica para requerer ao TC o controlo preventivo da


constitucionalidade de diplomas que lhe sejam submetidos para ratificação (tratados),
assinatura (acordos) ou promulgação (atos legislativos dos órgãos de soberania).

– A decisão de requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade é um ato livre,


excetuando o caso da proposta de referendo nacional, cuja fiscalização é obrigatória -
artigo 115.º, n.º 8 e 223.º/2/f CRP.

– Contudo, o PR não pode usar o veto político para controlar preventivamente normas que
considere inconstitucionais:

• o TC é o órgão competente para administrar a justiça em matérias de natureza


jurídico-constitucional (artigo 221.º CRP);

• um veto fundado em razões de inconstitucionalidade seria um ato viciado de


desvio de poder, já que está a ser utilizado com um fim diverso do seu telos constitucional.
Trata-se, no entanto, de um vício desprovido de sanção, já que os atos políticos, como a
promulgação, não são sindicáveis pela justiça constitucional.

→ Representantes da República nas Regiões Autónomas (que, desde a revisão


constitucional de 2004, substituíram os Ministros da República). Trata-se de um órgão
constitucional autónomo, que representa o interesse do Estado/ República nas
Regiões Autónomas (art. 231.º, nº4 e 233.º CRP):
o Podem requerer ao TC a fiscalização preventiva de diplomas que lhes
tenham sido enviados para assinatura na qualidade de decretos legislativos
regionais- artigo 278.º, nº2.

• Artigo 278.º, n.º 4: a par destes dois órgãos, destaca-se ainda, desde a revisão
constitucional de 1989, a competência do Primeiro-Ministro ou de 1/5 dos
deputados da Assembleia da República para requerer a fiscalização da
constitucionalidade de normas constantes de decretos que devam ser publicados
como lei orgânica (leis de carácter estruturante).

• O artigo 52.º, n.º 1 da LTC determina a não admissão do pedido quando a este
faltarem os pressupostos subjetivos,
como a legitimidade do
requerente.

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→ Requisitos Objetivos (2):

- Os requisitos objetivos têm que ver com o âmbito da fiscalização. O objeto da fiscalização
preventiva é mais restrito do que o da fiscalização sucessiva:

(I) ela limita-se à fiscalização da constitucionalidade pois não há fiscalização preventiva


da legalidade, o que significa que a fiscalização preventiva é restrita às relações de
desvalor mais gravosas.

(I) o objeto de controlo não são todas as normas jurídicas, mas apenas as normas
constantes dos atos normativos mais importantes do ordenamento jurídico, a saber (artigo
278.º, n.ºs 1 e 2):

• Tratados internacionais submetidos ao PR para ratificação;

• Acordos internacionais submetidos ao PR para assinatura;

• Leis e decretos-leis enviados para o PR para promulgação;

• Decretos legislativos regionais enviados para os RR para assinatura;

• Propostas de referendo a nível nacional (artigo 115.º, n.º 8) regional e local (desde a
revisão constitucional de 1989).

→ Apesar de se centrar nas normas de maior relevância ou importância para o


ordenamento jurídico, estão fora do processo de fiscalização preventiva as leis de
revisão.

→ Do requerimento devem constar as normas cuja constitucionalidade os órgãos com


legitimidade ativa querem ver apreciada- princípio do pedido e da
individualização.

→ A indicação de certas normas ou princípios como violados não impede o TC de se


pronunciar pela inconstitucionalidade das normas cuja apreciação foi requerida
com fundamento noutros princípio ou normas constitucionais.

→ Requisitos Temporais (III):

– Prazo para a apresentação do requerimento de fiscalização preventiva:

• Artigo 278.º, n.º 3 - 8 dias contados a partir:

– da data da receção do diploma pelo Presidente e pelos Representantes da República;

– ou da data em que o Primeiro-ministro e os deputados sejam informados da aprovação


de lei orgânica (art. 278.º, n.ºs 3, 5 e 6 da Constituição).

• Este prazo tem carácter substantivo, o que significa que se conta continuamente.

- Promulgação vedada ou temporalmente condicionada:

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• O artigo 278.º, n.º 7 contém aquilo que para alguma doutrina se designa
“promulgação vedada”.

– Em regra, o PR pode promulgar imediatamente os diplomas sujeitos a promulgação


(artigo 136.º, n.º 1). Uma vez promulgado, o diploma deixa de poder ser sujeito a
fiscalização abstrata preventiva.

– Contudo, tratando-se de leis orgânicas, dá-se uma espécie de “congelamento” do


poder de promulgação do PR, que não poderá promulgar o diploma antes de decorridos
oito dias contados desde a data da receção (nem antes de o TC se ter pronunciado sobre
a respetiva constitucionalidade).

• Qual a razão de ser deste regime?

① Acautelar o respeito pela decisão do TC sempre que o PM ou os deputados tenham


exercido a faculdade de requerer a fiscalização preventiva que o n.º 4 do artigo 278.º lhes
confere.

② Salvaguardar a integridade dos poderes confiados ao PM e a 1/5 dos deputados da


AR para a promoção do controlo preventivo de pré-atos legais com valor qualificado (leis
orgânicas) = no que concerne as leis orgânicas, a apresentação de um pedido de
fiscalização congela o poder de promulgação até à data da pronúncia do TC.

• Questiona-se se esta é uma garantia válida mesmo quando seja o PR a requerer a


fiscalização preventiva de normas, ou se este pode, a todo o tempo, desistir do
pedido?

– Pode desistir - artigo 53.º da LTC, cuja epígrafe é “desistência do pedido.”

- Prazo de que o TC dispõe para se pronunciar sobre as normas impugnadas no


requerimento:

• Artigo 278.º, n.º 8 - o TC deve pronunciar-se no prazo de 25 dias, o qual pode ser
encurtado pelo PR por motivo de urgência.
• Em caso de pluralidade de pedidos (por ex., requerimento apresentado pelo PR e
pelo PM relativamente a uma mesma lei orgânica), o prazo conta-se em relação
ao último.

• Não são claras as consequências que advêm de uma pronúncia extemporânea do


TC. No entender de Gomes Canotilho/Vital Moreira, de duas uma: (1) ou o diploma
já foi promulgado, assinado ou ratificado, e então a decisão do TC é ineficaz; (2) ou
tal decisão ainda não sucedeu, e então o PR ou o RR devem proceder de acordo
com ele.

- Se o PR decidir requerer a apreciação da constitucionalidade ao TC ainda poderá vetar


politicamente o diploma, caso aquele se pronuncie no sentido da não
inconstitucionalidade do mesmo.

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Ano Letivo 2021/2022
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

– É possível requerer a fiscalização da constitucionalidade de normas que tenham sido


originariamente vetadas por motivos políticos e depois confirmadas pela AR, nos termos
do artigo 136.º, n.º 2?

• Gomes Canotilho (2010) considera que não:

– o n.º 3 é taxativo ao dispor que a apreciação da constitucionalidade deve ser requerida


no prazo de 8 dias a contar da data da receção (original) do diploma

– e a decisão do TC correria o risco de ser tomada como uma desautorização política


qualificada da AR.

OS EFEITOS DA PRONÚNCIA NA FISCALIZAÇÃO PREVENTIVA

A decisão do TC em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade pode ser de:

• Pronúncia
• não pronúncia no sentido da inconstitucionalidade.

✓ A decisão de não pronúncia não faz caso julgado material quanto à questão
suscitada:
→ A pronúncia não produz efeitos ultra vires, nem vinculam ou precludem outros
processos de fiscalização sucessiva da constitucionalidade que no futuro possam
ter por objeto a norma já formada.
→ Mas faz caso julgado formal: tal significa que a questão de inconstitucionalidade
fica definitivamente decidida no sentido constante da sentença.

✓ À decisão de não pronúncia no sentido da inconstitucionalidade:

- Segue-se, no caso das leis e dos decretos-leis, a promulgação pelo PR ou o exercício do


veto político, no prazo de 20 ou 40 dias, consoante se trate de diploma da AR ou do
Governo (artigo 136.º, n.ºs 1 e 4);

- ou, no caso dos decretos-legislativos regionais, a assinatura pelo Representante da


República ou o exercício do veto político, no prazo de 15 dias (artigo 233.º, n.º 1 CRP).

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Ano Letivo 2021/2022
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✓ À decisão de pronúncia no sentido da inconstitucionalidade correspondem sempre


os seguintes efeitos:
→ Veto por inconstitucionalidade do diploma do PR ou dos Representantes da
República (art. 279.º/1). Este veto não se confunde com o veto político (artigo 136.º).
Trata-se de um veto:
• Obrigatório (“deve”): havendo decisão de pronúncia, o PR (e os RR) está obrigado
a vetar o diploma em causa;
• Expresso: significa que o veto deve ser um ato explícito, não podendo traduzir-se
apenas na não promulgação do diploma;
• Suspensivo e relativo OU definitivo e absoluto (dependendo do ato em causa) – Se
a decisão de pronúncia recair sobre um acordo internacional, o PR profere uma
decisão de não-assinatura (art. 134.º, al. b), da CRP); se recair sobre um tratado
internacional, o PR profere uma decisão de não-ratificação do tratado (cfr. o artigo
135.º, al. b), da CRP).

- Se a decisão de pronúncia recair sobre um acordo internacional, o PR profere uma


decisão de não-assinatura (art. 134.º, al. b), da CRP); se recair sobre um tratado
internacional, o PR profere uma decisão de não-ratificação do tratado (cfr. o artigo 135.º,
al. b), da CRP).

→ Devolução do diploma ao órgão que aprovou o ato (reenvio) – artigo 279.º, n.º 1:
• Governo (caso a decisão de pronúncia tenha recaído sobre decretos-leis, acordos
internacionais aprovados pelo Governo),
• Assembleia da República (caso a decisão de pronúncia tenha recaído sobre leis,
tratados internacionais, acordos internacionais aprovados pela AR)
• ou Assembleia Legislativas Regionais (caso a decisão de pronúncia tenha recaído
sobre decretos legislativos regionais).

Havendo veto por inconstitucionalidade as alternativas à disposição do órgão que


aprovou o ato variam consoante o ato em causa:

I. Tratando-se lei da Assembleia da República

II. Tratando-se de tratados ou acordos internacionais

III. Tratando-se de decretos legislativos regionais

I. Tratando-se lei da Assembleia da República (“diploma enviado ao PR para ser


promulgado como lei”), esta tem as seguintes alternativas:

1. a possibilidade de desistência do diploma - a desistência não inibe o órgão autor


da norma de aprovar um novo diploma sobre a mesma matéria.

2. e a possibilidade de expurgo das normas manchadas com a inconstitucionalidade


- consiste na eliminação das normas julgadas inconstitucionais nos termos da pronúncia do
TC.

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Ano Letivo 2021/2022
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• A Constituição parece distinguir expurgo e reformulação, a julgar pela redação dos


n.ºs 2 e 3 do artigo 279.º (“se o diploma vier a ser reformulado”), e no mesmo sentido
milita o artigo 162.º do Regimento da AR.
• O artigo 279.º, n.º 2 confirma que PR e RR não podem promulgar nem assinar o
diploma sem que este tenha sido previamente depurado das suas
inconstitucionalidades.

3. Reformulação do diploma vetado: implica alterações substanciais da norma ou


normas implicadas na pronúncia, com alteração do pensamento legislativo, de tal forma
é possível sustentar a existência de um novo diploma, distinto do vetado (Gomes
Canotilho/Vital Moreira, 2010). Assim sendo, justifica-se que o PR possa, uma vez recebido
o novo diploma, requerer novo controlo preventivo da constitucionalidade (artigo 279.º,
n.º 3).

- Já o expurgo (com ou sem ablação de texto) implica a eliminação das


inconstitucionalidades do diploma, que, note-se, ainda é o mesmo diploma, razão pela
qual está precludida nova intervenção preventiva do TC.

4. Confirmação: podem ainda, nos termos do artigo 279.º, n.º 2, confirmá-lo mediante
maioria qualificada de 2/3 dos deputados presentes, desde que superior à maioria
absoluta dos deputados em efetividade de funções.

• Se houver confirmação de um diploma objeto de veto por inconstitucionalidade, o


Presidente da República não está obrigado a promulgá-lo. A doutrina fala aqui em
“promulgação discricionária”. Isto é diferente do que se passa quando há confirmação de
diplomas objeto de veto político pelo PR, pois, nestes casos, fala-se em “promulgação
obrigatória”.

Artigo 136.º/ 2 CRP Artigo 279.º/ 1 e 2 CRP


Veto político Veto por inconstitucionalidade
Confirmação pela AR Confirmação pela AR
Promulgação obrigatória Promulgação discricionária

II. Tratando-se de tratados ou acordos internacionais:

• Não poderá haver expurgação nem reformulação porque estão em causa atos
bilaterais cuja conclusão não dependeu exclusivamente da vontade dos órgãos
nacionais;
• É possível a superação da decisão de não-ratificação dos tratados internacionais
através da confirmação da AR por maioria de 2/3 dos deputados presentes desde
que superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, nos
termos do artigo 279.º/4 da CRP;
• E a superação da decisão de não-assinatura de acordos internacionais aprovados
pela AR, apesar de isso não constar expressamente do artigo 279.º, n.º 4 (neste
sentido, Carlos Blanco de Morais, Cardoso da Costa, Gomes Canotilho, Manuel
Afonso Vaz; contra: Jorge Miranda).

III. Tratando-se de decretos legislativos regionais, é possível às Assembleias Legislativas das


Regiões Autónomas:

→ Desistência;
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→ Expurgação;
→ Reformulação;
→ Confirmação???
o A favor da confirmação de decretos legislativos regionais pelas Assembleias
legislativas regionais manifestaram-se o TC – no acórdão n.º 151/93 – a dupla
JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS E BACELAR GOUVEIA
o Já o curso defendem que não é possível a confirmação de decretos
legislativos regionais vetados por inconstitucionalidade, porque a
confirmação de decretos legislativos regionais tem subjacente um conflito
entre um órgão de soberania – o TC – e um órgão político/constitucional não
soberano – a ALR, pelo que não é admissível que, através da confirmação, a
vontade da segunda possa sobrepor-se ao juízo do primeiro.

Em suma:

– É seguro que o Governo não pode efetuar qualquer confirmação,

– E que a AR está habilitada a fazê-lo.

– Controversa continua a ser a situação das Assembleias Legislativas Regionais, quando o


RR vete diplomas que houvessem de ser publicados como decretos legislativos regionais –
o Ac. n.º 151/93, onde a maioria do coletivo de juízes (muito embora com votos de
vencido) se pronunciou no sentido de que a faculdade de confirmação também valeria
para as ALR.

EFEITOS RELATIVAMENTE AO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

– Mesmo em caso de superação do veto de inconstitucionalidade, a pronúncia do TC não


deixa de produzir importantes efeitos:

I. Estabelece-se uma presunção de inconstitucionalidade relativamente às normas ou


diploma em causa;

I. Aquela pronúncia gera o dever, para o Ministério Público, de recorrer quando os tribunais
apliquem a norma sobre a qual ela incidiu, ao abrigo do disposto no artigo 280.º, n.º 5.

- Casos práticos.

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PROCESSO DE FISCALIZAÇÃO ABSTRATA SUCESSIVA

• PRECEITOS PERTINENTES: artigos 281.º e 282.º CRP, e 51.º e ss. e 62.º a 66.º da LTC.
• NOTAS GERAIS:
o O controlo exercido em sede de fiscalização abstrata sucessiva é um
controlo sucessivo, por via principal, abstrato e concentrado.
o Trata-se de um controlo sucessivo porque incide sobre normas perfeitas, isto
é, normas cujo processo de formação já foi concluído, e que, portanto, já
foram objeto de publicação (mesmo que ainda não tenham entrado em
vigor).
o Não é exigível que as normas já tenham entrado em vigor (ex: estar em
período de vacatio legis).

→ REQUISITOS (PROCESSUAIS) OBJETIVOS- Artigo 208.º, nº1:

– Prendem-se com os atos ou categorias de atos sujeitas a fiscalização abstrata da


constitucionalidade.

– Este processo estende-se a todos os atos normativos:


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• Todos os atos que revistam a forma de ato legislativo, mesmo que não sejam
estatuições gerais e abstratas (por ex., uma lei-medida),
• e ainda todos atos normativos em sentido material, entenda-se, que contenham
disposições gerais e abstratas, independentemente da forma que revistam (por ex.,
regulamentos administrativos, despachos normativos, posturas, etc).
• de fora ficam inequivocamente os atos administrativos.

- O controlo abstrato é ainda um controlo da legalidade de certas normas:

✓ De normas que violem leis de valor reforçado (artigo 281.º, n.º 1, al. b),
✓ de diplomas regionais (decretos legislativos regionais ou decretos regulamentares
regionais) que ofendam o estatuto político-administrativo da Região Autónoma em
causa (artigo 281.º, n.º 1, al. c),
✓ de normas de diplomas emanados pelos órgãos de soberania que violem os direitos
das regiões consagrados no seu estatuto (artigo 281.º, n.º1, al. d), sejam eles atos
legislativos ou atos regulamentares.

- 51, nº1 LTC- do requerimento dirigido ao TC solicitando a declaração de


inconstitucionalidade de certas normas deve constar:

1) a identificação da entidade requerente,

2) a indicação das normas cuja apreciação se requer,

3) a indicação das normas e princípios constitucionais violados.

→ REQUISITOS (PROCESSUAIS) SUBJETIVOS:

– Quem tem competência para apreciar, por via de ação e de forma abstrata, a
inconstitucionalidade de normas jurídicas?

Reserva de competência do Tribunal Constitucional - artigos 223.º, n.º 1 e 281.º, n.ºs 1 e 2.

Não há prazo para o Tribunal Constitucional decidir, não obstante o disposto no artigo 65.º,
n.º 4, da LTC, que permite que, a pedido do requerente, o Tribunal Constitucional atribua
“prioridade” à resolução de um determinado processo.

– Quais as entidades com competência para requerer a declaração de


inconstitucionalidade de uma norma ou normas? N.º 2 do artigo 281.º.

• Têm, assim, legitimidade processual ativa um leque bastante restrito de entidades:

– O Presidente da República;

– O Presidente da Assembleia da República;

– O Primeiro-Ministro;

– O Provedor de Justiça: Trata-se de um órgão por excelência vocacionado para a defesa


dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos;

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Ano Letivo 2021/2022
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– O Procurador-Geral da República;

– Um décimo dos deputados à Assembleia Geral da República [assegurar a tutela dos


direitos dos representantes das forças políticas minoritárias (princípio da proteção das
minorias e do direito de oposição)].

– Os Representantes da República, as ALR, os presidentes das ALR, os presidentes dos


Governos regionais e um décimo dos deputados à respetiva Assembleia Legislativa,
quando o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar em violação dos
direitos das regiões autónomas ou o pedido de declaração de ilegalidade se fundar em
violação do respetivo estatuto.

• Aquelas entidades podem requerer a fiscalização abstrata sucessiva, por iniciativa


própria, mas também precedendo de petição de cidadãos, grupos de cidadãos
ou organizações (artigo 52.º, n.º 1, CRP) a uma dessas entidades, designadamente
ao Provedor de Justiça.
• Não se permite, entre nós, aos cidadãos eventualmente afetados por uma norma
a impugnação direta da sua constitucionalidade ou legalidade (ação direta de
constitucionalidade ou ilegalidade).
• Regra geral, a fiscalização abstrata não é oficiosa,:
o isto é, não parte da iniciativa do próprio TC, carecendo de um requerimento
de declaração de inconstitucionalidade das entidades com legitimidade
processual ativa.
o o Tribunal só pode declarar a inconstitucionalidade de normas cuja
apreciação lhe tenha sido requerida.
• O pedido deve requerer a declaração de inconstitucionalidade, não podendo
limitar-se a suscitar dúvidas de inconstitucionalidade e solicitar a apreciação do
problema ao TC.
o Exceção à regra da oficiosidade - artigo 281.º, n.º 3 - “repetição do julgado”
– art. 82.º da LTC.

→ REQUISITOS (PROCESSUAIS) TEMPORAIS:

O pedido de fiscalização abstrata sucessiva não tem prazo, podendo ser requerida
a todo o tempo - as normas declaradas inconstitucionais (com força obrigatória geral) são
nulas, e o vício de nulidade não é sanável com o decurso do tempo.

CARACTERÍSTICAS DO PROCESSO:

→ Semelhantes ao processo de fiscalização abstrata preventiva, já que as disposições


que o regem são as mesmas (artigo 51.º, n.ºs 1 e 5 LTC):
o vigora o princípio do pedido – o TC está condicionado, nos seus poderes de
cognição, pelo pedido incorporado no requerimento, mas nada o impede
de declarar a inconstitucionalidade com fundamento na violação de
normas e princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi
invocada.

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o o requerimento dos órgãos com legitimidade processual ativa deve


“especificar” as normas cuja apreciação se requer.

Andamento do processo- artigos 51.º, nºs 1 e 5; 54.º e 63.º LTC:

1. Requerimento;

2. Resposta do autor da norma (audição do autor da norma, no prazo de 30 dias- artigo


54.º LTC),

3. O Presidente do Tribunal prepara um memorando a cujas perguntas o Tribunal deve


responder (nº1, art. 63.º LTC).

4. Decorridos pelo menos 15 dias desde a data de receção deste memorando pelos
demais juízes, tem lugar um debate onde é fixada a orientação do tribunal sobre a questão
(artigo 63.º, nº2 LTC).

5. O processo é distribuído a um relator designado por sorteio ou, se o tribunal assim o


entender, pelo presidente (artigo 63.º, nº2 LTC).

EFEITOS DA DECISÃO:

As decisões do TC em sede de fiscalização abstrata sucessiva pode ser decisões


processuais ou decisões de mérito:

• As decisões processuais podem ser interlocutórias, instrutórias, preclusivas do


conhecimento do pedido ou de aperfeiçoamento.
• As decisões de mérito podem ser de dois tipos:
I. decisões/sentenças de rejeição da inconstitucionalidade ou sentenças
negativas,
II. decisões/sentenças declarativas da inconstitucionalidade ou de
provimento.

I. Decisões de rejeição da inconstitucionalidade ou decisões negativas:

→ Quanto ao conteúdo: o TC julga improcedente o pedido do requerente:


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• porque discorda da causa de pedir, isto é, não reconhece a violação das normas
e princípios constitucionais invocados,
• Ou porque considera que a norma sindicada pode ainda ser estimada como válida
através de uma interpretação conforme com a Constituição.

→ Quanto aos efeitos: uma decisão de rejeição não beneficia da força obrigatória
geral e do efeito do caso julgado material. Uma tal sentença não tem efeito
preclusivo - não impede que o mesmo ou outro requerente venha de novo solicitar
ao TC a apreciação da constitucionalidade da norma anteriormente não
declarada inconstitucional.

– No entanto, a norma não declarada inconstitucional beneficia de uma presunção de


não inconstitucionalidade, ainda que esta possa ser ilidida no futuro.

II. Decisões declarativas de inconstitucionalidade ou decisões de provimento/


acolhimento:

• Uma sentença de provimento ou declarativa da inconstitucionalidade é uma


sentença que a pretensão contida no pedido, declarando uma norma
inconstitucional.
• O regime geral dos efeitos das decisões declarativas de inconstitucionalidade
(artigos 282.º CRP e 66.º LTC).
• Uma sentença declarativa de inconstitucionalidade produz, desde logo, três efeitos
principais:

a) Força de caso julgado formal e material

b) Força obrigatória geral (artigo 282.º, n.º 1 CRP)

c) Efeito retroativo (artigo 282.º, n.º 1 CRP)

d) Efeito repristinatório (artigo 282.º, n.º 1, in fine).

a) Força de caso julgado formal e material:

→ Caso julgado formal: dá-se quando as sentenças dos tribunais se tornam


insuscetíveis de recurso ordinário no processo.

→ Caso julgado material: impõe que os efeitos da decisão jurisdicional proferidos sobre
o fundo da relação controvertida se tornem vinculativos dentro e fora do processo.

Uma decisão positiva de inconstitucionalidade faz caso julgado formal e material:


deixa de poder ser discutida no processo, uma vez que a decisão do TC não é recorrível
para qualquer outro órgão, e deixa de poder ser discutida no futuro, num outro processo,
porque a decisão do TC vale para todos.

b) Força obrigatória geral (artigo 282.º, nº1 CRP):

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→ Vinculação geral: vinculação de todos os órgãos constitucionais, de todos os


tribunais e de todas as autoridades administrativas pelas sentenças do TC
declarativas de inconstitucionalidade ou ilegalidade- eficácia erga omnes.

→ “Força de lei”: as sentenças têm valor normativo para as pessoas individuais e


coletivas afetadas pela mesma decisão, e não apenas para os poderes públicos.

Não se pretende equipararas sentenças declarativas a atos formalmente legislativos


ou criadores de normas jurídicas, mas apenas realçar a produção, por tais sentenças, de
alguns dos efeitos ligados aos atos legislativos. Por ex., as decisões do TC com força
obrigatória geral devem ser publicadas em jornal oficial – art.119.º, n.º 1, al. g da CRP.

✓ Vinculação do legislador:

Na sequência da decisão de provimento, o que é que o legislador não pode fazer?

• Proibição de reprodução, através de lei, da norma declarada inconstitucional, o


que significa que fica precludida a aprovação de um ato normativo em tudo
idêntico ou parcialmente idêntico a outro declarado inconstitucional.
o A proibição abrange os casos de recuperação do conteúdo da lei
declarada inconstitucional ou ilegal embora com uma nova formulação.
o Autores como Rui Medeiros e Blanco Morais defendem que uma proibição
absoluta de reedição redundaria numa restrição intolerável à liberdade de
conformação do legislador e ao princípio democrático. Admite-se, portanto,
verificadas certas alterações circunstanciais (por ex., alteração da
composição do Tribunal, mudanças normativas, axiológicas, económicas), o
legislador possa reeditar a norma declarada inconstitucional.

✓ Vinculação do tribunal constitucional:


• O Tribunal Constitucional está obrigado a aplicar o conteúdo das suas decisões de
inconstitucionalidade, proferidas com força obrigatória geral, aos processos
pendentes nos quais a norma declarada inconstitucional tenha sido sindicada em
fiscalização concreta.
• Tendo o TC proferido uma sentença de provimento, a norma declarada
inconstitucional é retirada do ordenamento jurídico, pelo que não pode o mesmo
tribunal, nos processos pendentes, julgar conforme à constituição uma norma já
eliminada.

✓ Vinculação dos demais tribunais e dos operadores administrativos:


• A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral aplica-se aos
processos pendentes em juízo,
• Todos os tribunais instados a aplicar uma norma previamente declarada
inconstitucional estão obrigados a desaplicá-la por inconstitucionalidade. Caso tal
dever não seja cumprido, impõe-se a interposição obrigatória de recurso, pelo MP,
para o Tribunal Constitucional (artigo 72.º, n.º 3 LTC n.º 5 do art. 280.º CRP).
• Já a Administração está vinculada a não praticar atos administrativos com base em
norma declarada inconstitucional, sob pena de nulidade ou anulabilidade dos
mesmos.
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c) Efeito retroativo (artigo 282.º, nº1 CRP)- efeitos ex tunc:

• Uma norma declarada inconstitucional é uma norma inválida, maxime, uma norma
nula, o que significa que a declaração de inconstitucionalidade da norma anda
associada à declaração de nulidade.
• Ora, a nulidade é um tipo de invalidade que, a nível constitucional, está associada:

1. à eliminação/expulsão da norma inconstitucional do ordenamento jurídico.

2. à eliminação/invalidação dos efeitos produzidos por ela e dos atos jurídicos


praticados ao seu abrigo ab initio ou efeitos ex tunc (para o passado).

• A sentença do TC tem carácter declarativo e não constitutivo: o mesmo é dizer que


o TC vem apenas declarar uma realidade já existente, a saber, a invalidade da
norma em crise em razão da sua desconformidade com o parâmetro normativo-
constitucional. Tudo se passa como se a norma nunca tivesse existido no
ordenamento jurídico.

- Por ex: se a lei X, produzida no ano de 1995, entrou em


distonia com um parâmetro constitucional editado com a
revisão constitucional de 1997, tendo sido impugnada a
declara supervenientemente inconstitucional em 2004, a
eliminação retroativa dos efeitos da referida lei restringe-
se ao período situado entre os anos 1997 e 2004.
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Inconstitucionalidade superveniente:

• A declaração de inconstitucionalidade acarreta apenas a eliminação dos efeitos


produzidos pela norma a partir do momento em que se tornou inconstitucional.
• Os efeitos produzidos entre a data da sua entrada em vigor e a data da alteração
do parâmetro de controlo subsistem no ordenamento jurídico.
• Alguma doutrina fala a este propósito de um regime misto, situado entre a eficácia
ex tunc e ex nunc.

NOTA: os efeitos temporais associados à inconstitucionalidade superveniente não são uma


exceção à regra dos efeitos retroativos, mas traduz apenas o funcionamento rigoroso do
efeito retroativo.

• Gomes Canotilho/Vital Moreira (2011) invocam que, para além das sentenças
judiciais transitadas em julgado, a declaração de inconstitucionalidade não afeta
quaisquer outras situações ou soluções juridicamente consolidadas, inclusivamente
o caso decidido administrativo, solução sufragada pelo TC nos Acs. n.º 786/96 e
187/03; os contratos já executados.

• O caso decidido administrativo* constituiria uma solução consolidada pelo facto


de o ato que lhe deu origem se ter tornado inimpugnável em virtude de ter
transcorrido o prazo legal para ser sindicado judicialmente.

• No entanto, mesmo que se considere que a parte final do n.º 3 não abrange o caso
decidido administrativo, sempre se poderá sustentar a não afetação das decisões
administrativas irrecorríveis ao abrigo do n.º 4 do artigo 282.º.

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*Trata-se de atos administrativos que por não terem sido impugnados/contestados nos
tribunais administrativos, se tornaram definitivos e que não podem ser, por isso, revogados.
Ex: com base na lei X, a administração licenciou a construção de um hotel em Coimbra;
tal ato de licenciamento, que é um ato administrativo, não foi impugnado nos tribunais e
tornou-se, por isso, definitivo, isto é, insuscetível de ser alterado.

A exceção à exceção ou a exceção ao princípio da intangibilidade do caso julgado:

• Artigo 282.º, n.º 3 - na parte em que este admite que a declaração de


inconstitucionalidade (e os efeitos invalidatórios produzidos pela mesma) se estenda
aos casos julgados verificados que estejam três requisitos cumulativos:

1. decisão do TC nesse sentido

2. a norma declarada inconstitucional respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de


mera ordenação social (direito sancionatório)

3. a norma declarada inconstitucional for de conteúdo menos favorável ao arguido (v. os


Acs. n.º 152/04 e 564/04), por outras palavras, da não aplicação da norma declarada
inconstitucional nas decisões transitadas em julgado resultar uma situação mais favorável
ao arguido.

A possibilidade de o TC rever as sentenças condenatórias emanadas ao abrigo da lei


declarada inconstitucional, não é automática, pelo que deve ser expressamente decidida
pelo TC. O regime funda-se no princípio do tratamento mais favorável do arguido, que já
resulta do artigo 29.º da CRP (ex.: Acórdão nº 232/2004, de 25 de maio).

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d) Efeito repristinatório (artigo 282.º, nº1, in fine)

• A declaração de inconstitucionalidade tem efeitos repristinatórios porque ela


determina a entrada em vigor de normas revogadas pela norma declarada
inconstitucional ou ilegal.

• Trata-se de um efeito automático, que permite o preenchimento das lacunas


geradas pela eliminação da norma inconstitucional.

• Situações em que não há repristinação:


o Quando a norma declarada inconstitucional não tenha revogado qualquer
norma;
o Quando a norma revogada (norma a repristinar) seja ela mesma
inconstitucional;
o Em caso de inconstitucionalidade superveniente (posição do curso e
argumentos).

Exceções:

– Quando a norma declarada inconstitucional não tiver revogado qualquer norma ou


quando esta houver caducado;

– Quando a norma anterior é também ela inconstitucional, hipótese que levanta o


problema de saber se o TC pode conhecer desta inconstitucionalidade e declará-la (v.
Ac. n.º 452/95):

• Em sentido desfavorável quanto a esta possibilidade, invoca-se o princípio da


congruência ou da limitação do TC ao pedido - artigo 51.º, n.º 5 LTC, e ainda a
circunstância de tal apreciação poder prolongar-se ad infinitum, até à descoberta
de uma norma anterior não inconstitucional (posição de Maria Benedita Urbano e
do curso).
• Em sentido favorável, suscita-se o carácter consequencial da apreciação da
inconstitucionalidade das normas repristinadas ou a tese da impugnação implícita,
que assenta na ideia de que o princípio do pedido, em sede de fiscalização
abstrata sucessiva, abrange a norma impugnada e, implicitamente, a norma por
esta revogada (Blanco de Morais: 2011, 371).

- Quando se trate de inconstitucionalidade superveniente. Doutrina dividida:


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→ A tese desfavorável à repristinação automática (defendida pela generalidade da


doutrina - Gomes Canotilho, Jorge Miranda, Marcelo Rebelo de Sousa, Nunes de
Almeida) em caso de inconstitucionalidade superveniente defende que o vazio
jurídico gerado pela declaração de inconstitucionalidade vai ter de ser preenchido
de outra forma. Funda-se, essencialmente, em três argumentos:

1. na ausência de previsão constitucional expressa nesse sentido, já que a repristinação é


um efeito previsto no artigo 282.º, n.º 1 e não no n.º 2;

2. se, no momento em que entrou em vigor a norma declarada inconstitucional era válida,
então também foi válido o ato de revogação das normas anteriormente vigentes;

3. desigualdade gerada entre as pessoas no momento anterior e posterior à


superveniência do parâmetro.

→ A tese favorável à repristinação (defendida por Carlos Blanco Morais) argumenta


que o artigo 282.º, n.º 1 introduz um regime geral em matéria de efeitos da
declaração da inconstitucionalidade, nada obstando a que os efeitos nela
previstos se apliquem também a regime especiais, como o da inconstitucionalidade
superveniente, porque a especialidade relevante contida no n.º 2 (...) reporta-se
apenas aos efeitos temporais da eficácia sancionatória da sentença e não a
qualquer outro efeito.

- Casos práticos.

Limitação dos efeitos de declaração de inconstitucionalidade/ efeitos mais restritos:

• Artigo 282.º, n.º 4 - a doutrina concorda que este preceito permite ao TC manipular
a amplitude dos efeitos das sentenças declarativas de inconstitucionalidade.

I. Que efeitos geralmente ligados à declaração de nulidade podem ser manipulados pela
sentença do TC?

II. Que condições ou pressupostos objetivos devem verificar-se para que o TC possa exercer
os poderes que se lhe são facultados no n.º 4?

I. Os efeitos de alcance mais restrito, a fixar pelo TC, podem respeitar:

1. Aos efeitos retroativos (eficácia ex tunc),

2. Os efeitos repristinatórios,

3. Nulidade parcial em vez de nulidade total (apenas algumas normas são


inconstitucionais).

✓ Efeitos retroativos (eficácia ex tunc):


• A sentença declarativa de inconstitucionalidade pode, ao abrigo do n.º 4, obstar a
que o efeito de invalidação projetado pela declaração destrua as consequências
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e os efeitos jurídicos que a mesma tenha produzido no passado, nessa medida


contrariando o disposto no n.º 1.

- a declaração de inconstitucionalidade não produz efeitos ex tunc, mas tão-só ex nunc,


ou seja, limita-se a eliminar ou expulsar a norma do ordenamento jurídico impedindo-a de
vigorar para o futuro.

- A decisão do TC começa a produzir efeitos a partir da publicação da mesma em DR (v.,


por ex., o Ac. n.º 254/90). Esta é uma solução necessária, por ex., em situações com reflexos
financeiros ou onde a eficácia ex tunc implicaria uma extensa e complexa atividade
burocrática (v. os acórdãos n.ºs 267/88, 254/90, 1203/96, 254/00).

• Paralelamente a esta possibilidade, o Tribunal pode ainda limitar o alcance


temporal do efeito invalidatório promovido pela declaração.

– É admissível que aquele Tribunal, não deixando de destruir os efeitos passados produzidos
pela norma declarada inconstitucional, determine que tal destruição opere até certa data
ou até à ocorrência de um dado evento.

– Por ex., os contratos celebrados no momento imediatamente anterior a uma


determinada data podem ficar salvaguardados, enquanto outros celebrados em data
imediatamente posterior serão declarados nulos.

– A restrição temporal dos efeitos da declaração tem necessariamente um limite absoluto:


a publicação oficial da decisão. Vale por dizer que em caso algum poderá a norma
continuar a produzir efeitos após a publicação da sentença que a haja declarado
inconstitucional. O Tribunal Constitucional já decidiu em sentido diferente.

✓ Efeitos repristinatórios:
• O Tribunal pode ainda determinar a não entrada em vigor da norma revogada pela
norma agora declarada inconstitucional.
• Esta restrição pode fundar-se em vários motivos:

1. a norma a repristinar pode ser tão ou mais inconstitucional que a norma declarada
inconstitucional,

2. pode ter caducado ou esgotado o seu objeto (por ex., tratado internacional, leis-
medidas, leis de amnistia)

3. ou pode, simplesmente, não se afigurar como uma solução razoável, por impor
sacrifícios ou onerações excessivas aos destinatários.

• A doutrina (Gomes Canotilho, Vital Moreira, Blanco de Morais) admite a


repristinação parcial- o TC determina que as normas a repristinar não vigoram na
totalidade, mas apenas em parte, situação que se justifica quando as objeções
contra a repristinação respeitarem apenas a uma parte das normas revogadas pela
norma declarada inconstitucional.

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• Admite-se, também, uma repristinação per saltum, quando haja limitação temporal
dos efeitos de sentença de provimento.

- Por exemplo, o TC determina que a sentença de provimento só produzirá efeitos ex nunc,


mas admite repristinação, sendo certo que, neste caso, as normas repristinadas só
retomem vigência após o início retardado dos efeitos da declaração de
inconstitucionalidade (ou ilegalidade).

• Entre nós, a generalidade da doutrina (Gomes Canotilho, Jorge Miranda, Blanco de


Morais, Marcelo Rebelo de Sousa) defende que o Tribunal Constitucional não pode,
através do artigo 282.º/4, permitir que a norma declarada inconstitucional continue
a produzir efeitos no futuro ou pelo menos depois da publicação em DR da decisão
declarativa da inconstitucionalidade (artigo 119.º/1/g CRP).

Uma vez proferida e publicada a decisão declarativa, a norma declarada inconstitucional


tem de ser expulsa do ordenamento jurídico, deixando de produzir efeitos jurídicos (ex
nunc).

• Este entendimento foi claramente ultrapassado pelo Tribunal, no acórdão n.º


353/2012, em que se apreciou a constitucionalidade de normas do OE 2012.

– Neste acórdão, o Tribunal decidiu, em julho de 2012, com fundamento em interesse


público de excecional relevo (execução orçamental, constrangimentos internacionais),
que as normas declaradas inconstitucionais continuariam a produzir efeitos até janeiro de
2013, ou seja, muito tempo depois da publicação em DR da decisão declarativa da
inconstitucionalidade.

Que condições ou pressupostos objetivos devem verificar-se para que o TC possa exercer
os poderes que se lhe são facultados no nº4?

A restrição dos efeitos da sentença declarativa, a operar casuisticamente pelo TC,


deve fundar-se em razões ligadas à segurança jurídica, em razões de equidade ou em
interesse público de excecional relevo:

a) Segurança jurídica: o TC pode restringir os efeitos da declaração de


inconstitucionalidade quando da operatividade plena dos mesmos resultasse uma
destabilização suficientemente grave das expectativas jurídicas dos indivíduos na
estabilidade e previsibilidade do ordenamento e na manutenção das consequências
jurídicas ligadas aos seus atos e aos atos do poder público. A segurança jurídica tem
constituído o pressuposto mais convocado pelo Tribunal Constitucional para restringir os
efeitos absolutos das suas declarações de inconstitucionalidade (v. Acs. n.ºs 308/93, 394/93
e 61/2004).

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b) Equidade: é um modo de resolução de conflitos que consiste na postergação da


solução formalmente prevista em nome de razões ou intenções de justiça material.
Objetivo: evitar injustiças graves (v. acórdão n.º 308/93).

c) Interesse público de excecional relevo: o legislador constituinte impõe um ónus


acrescido de fundamentação. Invocar razões de interesse público de excecional relevo
passa, naturalmente, por invocar a chamada “razão de Estado”, isto é, invocar as
necessidades fundamentais de uma comunidade política traduzidas em outros bens ou
valores constitucionais para justificar uma limitação dos efeitos da declaração de
inconstitucionalidade. Esses interesses ou necessidades podem ser, por ex., o equilíbrio
orçamental, a sustentabilidade financeira do Estado, a viabilidade do serviço público,
entre outros (v., por ex., Ac. n.ºs 671/99; 34/2006).

Figura da inconstitucionalidade parcial:

• Não está vedada uma declaração de inconstitucionalidade parcial, ou seja, a


regra geral é a de que a declaração de inconstitucionalidade de uma das normas
de um diploma não se comunica às demais – incomunicação da nulidade.

• No entanto, há que contar ainda com outros critérios: o critério da dependência,


que determina que, mesmo que o vício de inconstitucionalidade só se estenda a
uma ou algumas normas do diploma, há lugar a inconstitucionalidade total se, na
ausência da norma declarada inconstitucional, as demais deixem de fazer sentido.

• A fiscalização abstrata sucessiva da inconstitucionalidade incide sobre normas e


não sobre atos normativos in toto, pelo que nada parece controverter a sua
admissibilidade entre nós.

• O Tribunal tem vindo a distinguir entre inconstitucionalidade parcial horizontal ou


quantitativa- declara-se inconstitucional uma parte do texto da norma; e
inconstitucionalidade parcial vertical ou qualitativa- que ocorre quando um mesmo
preceito admite diversas interpretações, e o Tribunal declara a
inconstitucionalidade de apenas uma delas.

Ex.: norma cuja constitucionalidade foi apreciada no acórdão nº 480/13:

I- O presidente da câmara municipal e o presidente de junta de freguesia só podem ser


eleitos para três mandatos consecutivos.

• Deste preceito é possível extrair duas “normas” ou interpretações distintas:

1. uma no sentido de que um cidadão não pode ser eleito mais de três vezes consecutivas
presidente da mesma câmara municipal;

2. outra no sentido um cidadão não pode ser eleito mais de três vezes consecutivas
presidente de qualquer câmara municipal;

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- Teremos inconstitucionalidade parcial na eventualidade de o TC apenas declarar a


inconstitucionalidade da segunda “norma” mencionada, assim permitindo a subsistência
da primeira.

Inconstitucionalidade parcial vertical ou qualitativa.

- Caso prático.

FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE

(Artigos 280.º da CRP e 69.º a 85.º da LTC)

→ Controlo difuso: todos os tribunais têm o poder-dever de fiscalizar a


constitucionalidade das normas que aplicam, isto é, têm acesso directo à
Constituição (artigo 204.º CRP).

→ Controlo por via incidental:


o a questão de inconstitucionalidade surge como uma excepção processual
levantada ex officio pelo juiz ou pelas partes;
o os cidadãos não podem dirigir-se ao tribunal e impugnar directamente a
constitucionalidade de uma norma: a questão da constitucionalidade de
uma norma pode apenas surgir a título de incidente, no decurso do
julgamento de uma questão principal.

→ Controlo concreto:
o quer a decisão do juiz a quo, quer, eventualmente, a que o TC venha a
proferir em sede de recurso de constitucionalidade, que julguem a norma
inconstitucional ou não inconstitucional apenas produz efeitos no caso
concreto, levando à sua desaplicação ou aplicação no processo- base.
o Os efeitos produzidos não extravasam o processo no qual o incidente de
inconstitucionalidade foi suscitado.

→ Controlo difuso: todo e qualquer tribunal deve conhecer da inconstitucionalidade


das normas a aplicar à questão principal, não se encontrando sujeito à invocação
da questão pelas partes- artigo 204.º da CRP.

RECURSOS DE CONSTITUCIONALIDADE (Tribunal Constitucional ou tribunal ad quem)

 Decisão positiva de inconstitucionalidade;


 Decisão negativa de inconstitucionalidade.

Suscitação/ arguição do incidente de inconstitucionalidade

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Tribunais ordinários (tribunal a quo)- questão principal

Exemplos:

 A: marinheiro, é acusado da prática do crime de deserção, previsto no artigo 132.º


do Código Penal da Marinha, e na fase de julgamento, suscita a
inconstitucionalidade desse preceito. A questão principal do processo é a de saber
se A, marinheiro, praticou o crime de deserção, ou não: concretamente, se, no dia
X, saiu do navio Z e não voltou. O incidente de inconstitucionalidade pretende
determinar se a norma a aplicar ao caso, o artigo 132.º, está em conformidade com
o parâmetro normativo-constitucional.
 B: estudante do ensino superior, apresenta um requerimento à Administração da
Universidade de Coimbra no sentido da obtenção de uma bolsa, requerimento esse
que é indeferido. Se a questão foi discutida em juízo, a questão de fundo ou de
mérito é a de saber se o ato administrativo de indeferimento da bolsa é válido, ao
passo que a questão de constitucionalidade eventualmente suscitada passará por
saber se a norma ao abrigo da qual aquele ato foi praticado é, ou não,
inconstitucional.

FASES DO PROCESSO DE FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSITITUCIONALIDADE

 O processo de fiscalização concreta subdivide-se em duas fases:


1. Fase necessária, que decorre nos tribunais ordinários,
2. Fase eventual, ainda que por vezes obrigatória, que tem lugar no TC quando haja
lugar a recurso de constitucionalidade.

- FASE NECESSÁRIA DO PROCESSO DE FISCALIZAÇÃO CONCRETA:

Qualquer processo de fiscalização concreta da constitucionalidade pressupõe que:

1) no decurso de um processo,

2) as partes, o juiz ou o Ministério Público

3) suscitem perante um tribunal

4) uma questão de inconstitucionalidade 5) relevante para a decisão da questão de


fundo.

 REQUISITOS TEMPORAIS: a questão de inconstitucionalidade deve ser suscitada


durante o processo.

 REQUISITOS SUBJETIVOS:

I. Devendo a questão de constitucionalidade ser suscitada perante o tribunal, é


preciso apurar o que se deve entender concretamente por tribunal, atendendo à natureza
jurisdicional do órgãos e à natureza jurisdicional da atividade por ele protagonizada?

Por tribunal deve entender-se um tribunal público, no exercício da função


jurisdicional, ou seja, um órgão constitucionalmente considerado como um “tribunal”,
independentemente da ordem jurisdicional em que se integre (ex: Tribunal de Contas), ou
um tribunal arbitral (voluntário ou necessário)
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II. Quem pode levantar o incidente de inconstitucionalidade?


 Pelas partes,
 ex officio pelo juiz (artigo 204.º CRP)
 ou pelo Ministério Público, nos processos em que este intervenha (por ex., processo
penal, alguns processos administrativos/tributários) - art. 219.º, n.º 1 CRP.

Este é um meio de defesa constitucionalmente reconhecido aos particulares.

 REQUISITOS OBJETIVOS:

A questão de (in)constitucionalidade:

✓ é uma questão paralela à questão principal do processo, mas relevante para a


respetiva resolução, e que se prende com o problema de saber se uma
determinada norma jurídica é ou não conforme à Constituição ou com leis de valor
reforçado (artigo 280.º, n.ºs 1 e 2).
✓ o incidente de inconstitucionalidade pode ser suscitado relativamente a qualquer
ato normativo.

✓ A relevância da questão de (in)constitucionalidade:

o A questão de constitucionalidade deve manter uma relação de


necessidade lógica ou de instrumentalidade com a questão principal, isto é,
deve ser relevante para o julgamento dessa mesma questão.
o Em que termos?
 Questão relevante é questão decisiva ou indispensável para a decisão do Tribunal,
não podendo esta ser proferida sem a resolução do problema prévio da
constitucionalidade;

 Questão relevante existe quando a aplicação da norma cuja constitucionalidade


é posta em causa parece ser necessária aos olhos do juiz a quo, ou quando este
admite como possível vir essa norma a ser aplicável ao feito submetido a
julgamento.

RECURSOS DE CONSTITUCIONALIDADE:

 Recursos de decisões que recusem a aplicação de qualquer norma com


fundamento em inconstitucionalidade (arts. 280.º/1/a CRP e 70.º/1/a LTC) - Recursos
de decisões positivas de inconstitucionalidade ou decisões de acolhimento da
inconstitucionalidade;
 Recursos de decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitado durante o processo (arts. 280.º/1/b CRP e 70.º/1/b LTC) - Recurso de
decisões negativas de inconstitucionalidade ou decisões de rejeição da
inconstitucionalidade;
 Recurso de decisões que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional
pelo próprio Tribunal Constitucional (arts. 280.º/5 CRP e 70.º/1/g LTC);

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- Destas decisões cabe recurso para o Tribunal Constitucional. Destacam-se três


variantes de recursos de constitucionalidade:

1. Recursos de decisões que recusem a aplicação de qualquer norma com


fundamento em inconstitucionalidade (art. 280.º/1/a CRP e art. 70.º/1/a LTC);

– Estes são recursos que têm por base decisões positivas ou de acolhimento de
inconstitucionalidade;

2. Recursos de decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido


suscitada durante o processo (art. 280.º/1/b CRP e art. 70.º/1/b LTC);

- Estes são recursos que têm por base decisões negativas ou de rejeição de
inconstitucionalidade; esta é a modalidade de recurso mais comum no Tribunal
Constitucional;

3. Recurso de decisões que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional


ou ilegal pelo Tribunal Constitucional (art. 280.º/5 CRP e art. 70.º/1/g LTC);

– Estes são recursos que têm por base decisões negativas/rejeição de


inconstitucionalidade de um tipo especial, visto que apesar de o tribunal recorrido aplicar
a norma, esta já foi anteriormente julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal
Constitucional.

Pressupostos processuais comuns a todas as modalidades de recurso:

 Direito subsidiário aplicável: O artigo 69.º da LTC dispõe que à tramitação dos
recursos de constitucionalidade e legalidade são aplicáveis, a título subsidiário, as
normas do Código de Processo Civil.

 Pressupostos processuais genéricos (ou comuns a todos os recursos de


constitucionalidade)

a) Impugnação de uma decisão jurisdicional definitiva

b) Objeto normativo do recurso

c)Caráter instrumental do recurso

d) Prazo do recurso

a) Impugnação de uma decisão jurisdicional definitiva:

 Só há recurso para o TC quando outro tribunal tenha decidido (expressa ou


implicitamente) uma questão de constitucionalidade,
 A intervenção do TC não se concretiza a título de reenvio prejudicial, antes consiste
num verdadeiro recurso, que tem por objeto uma decisão jurisdicional prévia.

b) Objeto normativo do recurso:

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 O recurso de constitucionalidade tem por objeto uma questão de


inconstitucionalidade normativa, entenda-se, o juízo de conformidade ou
desconformidade constitucional da norma ou interpretação normativa
efetivamente aplicada ou desaplicada no processo-base e não a decisão sobre o
mérito da questão de fundo.

 O objeto do recurso não é a própria decisão judicial, mas apenas a parte dela em
que se considerou inconstitucional (ou não) uma determinada norma aplicável à
causa em apreciação.

 O TC recusa conhecer recursos interpostos de atos não normativos, tais como atos
administrativos (Ac. n.º 65/90), sentenças (Ac. n.º 283/90), ou atos políticos ou de
governo (Ac. n.º 82/92).

c) Caráter instrumental ou prejudicial do recurso:

 O recurso de constitucionalidade assume natureza instrumental relativamente ao


processo-base, pelo que só há interesse processual em apreciar a questão de
constitucionalidade suscitada quando o eventual julgamento de
inconstitucionalidade for suscetível de se poder projetar ou repercutir, de forma útil
e eficaz, na decisão recorrida, de modo a alterar ou modificar a solução jurídica
que se obteve no caso concreto= quando a decisão sobre a questão de
constitucionalidade seja ratio decidendi da questão principal.
 Assim, o processo de fiscalização concreta não pode prosseguir quando, por
qualquer motivo, o processo-base se extinga (por ex., arquivamento de um
processo-crime por decretamento de amnistia, ou descoberta de novas provas) ou
caduque (Ac. n.º 234/91).

d) Prazo do recurso:

 Nos termos do artigo 75.º LTC - 10 dias, contados a partir da data da notificação da
decisão recorrida ao interessado.
 Trata-se de um prazo também aplicável ao MP quando este recorre
obrigatoriamente.
 Se for fora do prazo: artigo 76.º, n.º 2.

- Caso prático.

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 Uma decisão positiva de inconstitucionalidade é a decisão proferida pelo tribunal


a quo na qual este, por considerar que existe desconformidade entre o ato
normativo a aplicar ao processo-pretexto e a Constituição ou certas leis de valor
reforçado, desaplica tal norma.

 PRECEITOS PERTINENTES: artigo 280.º, n.º 1, al. a, n.º 3, e artigo 70.º, n.º 1, als. A.

 PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS:

– Legitimidade para recorrer

– Recurso direto ou em via direta para o TC

– É necessário que a decisão jurisdicional tenha efetivamente recusado a aplicação


explícita ou implícita a um caso concreto.

– É necessário que essa recusa se fundamente, necessariamente, na inconstitucionalidade


do ato normativo desaplicado, ou na sua ilegalidade.

→ Legitimidade para recorrer:


✓ Parte prejudicada pela decisão recorrida, que é a única que tem interesse em
agir/processual (art. 72.º/1/b LTC).

Ex: Por ex., se Pedro está a ser julgado por um crime de lenocínio, e o tribunal a quo julga
inconstitucional a norma onde esse crime está previsto, e desaplica-a, Pedro não pode
recorrer para o Tribunal Constitucional, porque ele não tem interesse em agir, ou seja, não
foi prejudicado pela decisão positiva de inconstitucionalidade proferida pelo tribunal
ordinário.

✓ O recurso das partes, sobretudo da parte prejudicada pela desaplicação da norma


no processo-base, assume natureza facultativa, nos termos genéricos do artigo 72.º,
n.º 1, al. b.
o a parte pode escolher entre não recorrer; recorrer diretamente para o
Tribunal Constitucional ou esgotar previamente os recursos ordinários – art.
70.º/2, a contrario sensu.

 No caso do MP, distinguir duas situações:

I. Nos casos em que a norma julgada inconstitucional conste de ato legislativo (lei, decreto-
lei ou decreto legislativo regional – art. 112.º/1 CRP), convenção internacional (acordo ou
tratado internacional) ou decreto regulamentar, o recurso é obrigatório para o Ministério
Público, mesmo que este não seja parte no processo (art. 280.º/3 CRP e art. 72.º/3 LTC).

 Fundamento do recurso obrigatório: o fundamento do recurso obrigatório é o de


que estas normas gozam de uma presunção de constitucionalidade. Isto acontece
porque tais normas já foram objeto de um controlo jurídico-político (promulgação,
assinatura, ratificação). – princípio do favor legis. Justifica-se, por isso, que a última
palavra sobre a respetiva constitucionalidade deve estar reservada ao Tribunal
Constitucional (art. 221.º CRP) - órgão a quem a Constituição atribuiu a tutela da
legalidade democrática/integridade da ordem jurídica (artigo 219.º/1).

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II. Quando haja desaplicação pelo tribunal a quo de outras normas que não as integrantes
nas categorias elencadas no n.º 3 do artigo 280.º, aplicam-se as regras gerais em matéria
de legitimidade, o que significa que o recurso do MP:

→ será facultativo;
→ e que a sua legitimidade se encontra condicionada à circunstância de o mesmo
intervir no processo em representação da parte que possa recorrer, ou como
representante de parte vencida.

→ Recurso direto ou em via direta para o TC:


✓ Decorre a contrario senso do artigo 70.º, n.º 2 da LTC - as partes e o MP recorrem
diretamente para o Tribunal Constitucional.
o Quando esteja em causa uma situação de recurso obrigatório nos termos do
artigo 280.º, n.º 3 (e do artigo 72.º, n.º 3 LTC), o MP está obrigado a recorrer
imediatamente para o TC.
o Já as partes, ou o MP fora daquela hipótese, podem optar por esgotar os
recursos ordinários antes de recorrerem para o TC.

✓ Trata-se de um recurso interposto diretamente para o Tribunal Constitucional que


produz efeitos suspensivos e que, por via de regra, sobe imediatamente nos próprios
autos (artigo 78.º, n.º 4).

✓ O recurso interposto pelo MP aproveita a todos os que tiverem legitimidade para


recorrer.

→ É necessário que a decisão jurisdicional tenha efetivamente recusado a aplicação


explícita ou implícita a um caso concreto:

Numa recusa implícita, o tribunal desaplica a norma, sem que a correspondente


decisão (na motivação ou na parte dispositiva) se reporte expressamente à sua
inconstitucionalidade, podendo, todavia, este mesmo juízo de invalidade ser deduzido
objetivamente do sentido da referida decisão (v. Ac. n.º 360/2006).

o Por ex., se tendo sido invocada a inconstitucionalidade de uma disposição


normativa por uma das partes ou pelo MP, o tribunal vier a aplicar uma norma
revogada pela referida disposição, fazendo funcionar o instituto da
repristinação, estamos perante uma hipótese de desaplicação implícita.

→ É necessário que essa recusa se fundamente, necessariamente, na


inconstitucionalidade do ato normativo desaplicado, ou na sua ilegalidade.

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 Numa decisão deste tipo, o tribunal a quo aplica ao processo-base uma norma cuja
inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo, por a reputar como não
desconforme com o parâmetro constitucional.

 PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS E REGRAS DISCIPLINADORAS:

– Legitimidade para recorrer

– Aplicação efetiva de uma norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade tenha sido


suscitada adequadamente no decurso de um processo pelo recorrente e que seja “ratio
decidendi” da sentença impugnada – princípio da viabilidade do recurso.

– Da obrigação da parte que recorre ter suscitado a questão de constitucionalidade


durante o processo, como pressuposto da admissibilidade do seu recurso (princípio da
tempestividade processual) e que o haja feito de forma processualmente adequada
(artigo 72.º, n.º 2 LTC).

– Da regra geral da exaustão de recursos como requisito prévio da interposição de recursos


para o TC (artigo 70.º, n.º 2 LTC) – princípio da exaustão dos recursos.

– Menção no requerimento de interposição de recurso dos elementos exigidos por lei


(artigo 75.º-A, n.º 2).

→ Legitimidade para recorrer:


 Têm legitimidade para recorrer para o TC as pessoas que hajam levantado ou
suscitado a questão de constitucionalidade junto do tribunal a quo - artigos 280.º,
n.º 4 da CRP e 72.º, n.º 2 da LTC.
 Aqui o MP não tem legitimidade específica para recorrer, só o podendo fazer
quando seja parte e tenha sido ele a arguir a inconstitucionalidade.
 Interesse em recorrer – é necessário que a mesma parte tenha interesse objetivo em
ver revogada, no concreto, a sentença que lhe foi desfavorável, na medida em
que essa revogação projete consequências positivas, em termos de vantagens ou

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benefícios, na sua esfera jurídica, sob pena de não lhe ser reconhecido interesse em
recorrer (Ac. n.º 206/92).

Não é um pressuposto de indeferimento ao abrigo do artigo 76.º, nº2 LTC, mas deduz-se do
artigo 72.º, nº1, al. b).

→ Aplicação efetiva de uma norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade tenha


sido suscitada adequadamente no decurso de um processo pelo recorrente e que
seja “ratio decidendi” da sentença impugnada- princípio da viabilidade do
recurso:

 Não é necessário que a norma haja sido expressamente aplicada, bastando que
isso decorra implicitamente da decisão (Acs. n.ºs 318/90, 466/90, 445/99).

 O TC não deve conhecer do recurso de constitucionalidade interposto por uma


parte que, embora tenha impugnado no requerimento a norma aplicada pelo
tribunal a quo, tenha durante o processo arguido a inconstitucionalidade de um
segmento normativo emergente dessa norma que não foi o aplicado pelo juiz a quo
(Ac. n.º 240/90).

→ Princípio da tempestividade processual= obrigação da parte que recorre ter


suscitado a questão de constitucionalidade durante o processo, como pressuposto
da admissibilidade do seu recurso e que o haja feito de forma processualmente
adequada (artigo 72.º, nº2 LTC):
 "durante o processo” - significa que a questão de constitucionalidade deve ser
suscitada antes de o tribunal recorrido proferir uma decisão de que se recorre
(decisão sobre a questão principal).
 O incidente de inconstitucionalidade não pode ser suscitado, por ex., em
incidentes pós-decisórios (reclamação, aclaração, nulidade), no requerimento
de recurso para o TC.

Evitar a conversão do recurso de constitucionalidade num mero expediente dilatório.

 A tempestividade da suscitação da questão de constitucionalidade visa impedir


que o recorrente convoque o instituto do recurso de inconstitucionalidade para
atrasar a execução do julgado ou como expediente último de recurso.

 Um tal requisito implica a existência de um tempo e de um modo adequados para


levantar no processo-base a questão da inconstitucionalidade das normas
relevantes para a dirimição do caso.

 A invocação da inconstitucionalidade tem de ter sido feita num momento em que


o tribunal a quo ainda pudesse conhecer de tal questão, tomando sobre ela uma
posição, ou seja, levantada a tempo de ser tida em conta na decisão recorrida.

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 Considera-se extemporânea a suscitação que ocorra:


– Em incidentes pós-decisórios, tais como o pedido de aclaração da decisão
– Pela primeira vez no requerimento de recurso para o TC ou nas alegações
– Quando durante o processo foi suscitada a inconstitucionalidade de uma norma,
e no recurso para o TC se alegar a inconstitucionalidade de norma diversa daquela
que previamente invocara.

Exceções à regra de que a questão de constitucionalidade deve ser suscitada antes da


prolação da decisão recorrida:

 Situações no âmbito das quais se considera que o recurso não deve ser
liminarmente indeferido por extemporaneidade, não obstante a questão de
constitucionalidade não ter sido suscitada antes da decisão final:

a) Aquelas em que não era exigível ao recorrente o dever de suscitação da questão


de inconstitucionalidade dada a interpretação judicialmente acolhida ser inesperada,
insólita ou anómala (“decisões-surpresa”):

- Há lugar a uma decisão surpresa quando a aplicação de uma norma pelo tribunal “a
quo” ou a interpretação dada no processo aplicativo à mesma norma por aquele tribunal,
assuma um carácter objetivamente insólito, inesperado ou imprevisível:

 Casos absolutamente anómalos ou excecionais, em que o recorrente é


efetivamente confrontado com uma concreta aplicação ou interpretação
normativa de todo imprevisível e inesperada, não sendo razoável impor ao
recorrente, de acordo com critérios de plausibilidade e razoabilidade, a
antecipação da norma ou da interpretação normativa efetivamente adotadas
pelo juiz a quo (v. Ac. n.º 188/07, 446/2000, 605/95).

Ex: Não preenchem tais pressupostos situações em que a norma ou interpretação


normativa em causa já havia sido adotada em casos anteriores (Ac. n.º 192/00), ou
acolhida em parecer exarado dos autos pelo representante do MP (v.Ac. n.º 126/98,
408/01, 674/05).

b) Aquelas em que o interessado não dispôs manifestamente da oportunidade para


suscitar a questão de validade antes de proferida a sentença = quando o recorrente não
tenha tido oportunidade processual de suscitar a questão de constitucionalidade:

– Estão em jogo dois tipos de situações:

 Situações em que o interessado não suscitou tempestivamente a questão da


constitucionalidade em razão da ausência de oportunidade de intervir no processo
antes de ser proferida a sentença (Ac. n.º 60/95).
 Situações em que se verifica a ocorrência de circunstâncias supervenientes em
relação à intervenção processual do interessado e anteriores ao momento em que
a decisão foi proferida, inibindo-o de arguir a inconstitucionalidade da norma cuja
aplicação foi ditada pela ocorrência dessas circunstâncias (Ac. n.º 294/99).

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c) Aquelas em que o poder jurisdicional do tribunal a quo se não esgota com a


aprovação da sentença recorrida;
 Situações em que o interessado, em incidente pós-decisório, suscita a
inconstitucionalidade de normas que se conexionam diretamente com o objeto e
os pressupostos de admissibilidade do incidente pós-decisório.

 É indispensável que a parte identifique expressamente, a interpretação ou


dimensão normativa da qual recorre (v. Ac. n.º 367/94, 178/95, 85/03).

 Por exemplo, não se pode recorrer da medida concreta da pena aplicada a certo
arguido; da adequação e correção do juízo de valoração das provas; da
conclusão do tribunal acerca da existência de indícios suficientes para proferir
acusação; do carácter claro e coerente da fundamentação de certa decisão
judicial, proferida sobre a matéria de facto (Ac. n.ºs 99/05 e 220/06).

 Quanto ao modo processualmente adequado de suscitar a questão de


constitucionalidade:

– Basta que questão da constitucionalidade tenha sido suscitada em qualquer


fase do processo (em qualquer instância).

– A doutrina considera que não é razoável que a parte que haja suscitado a
inconstitucionalidade na primeira instância, tendo aí obtido ganho de causa, seja
obrigada a suscitar a questão nas instâncias superiores.

– Da regra geral da exaustão de recursos como requisito prévio da interposição


de recursos para o TC (artigo 70.º, n.º 2 LTC) – princípio da exaustão dos recursos.

 Inadmissibilidade de os interessados poderem recorrer para o Tribunal


Constitucional enquanto couber recurso ordinário da decisão (v. Ac. n.º 21/87,
282/95, 210/97, 457/99, 114/00).

 Havendo decisão negativa de inconstitucionalidade, só pode haver recurso para


o Tribunal Constitucional depois de esgotados os recursos ordinários tolerados pela
decisão (art. 70.º/2 e 4 LTC).

 Pretende-se limitar o acesso ao TC às questões de constitucionalidade que já


tenham sido analisadas por toda a hierarquia judicial

 Quanto aos recursos de uniformização de jurisprudência: o artigo 70.º, n.º 2, in fine,


esclarece que não recai sobre a parte o ónus de esgotamentos dos recursos
destinados à uniformização de jurisprudência (v. artigos 676.º, n.º 2 CPC, 152.º do
CPTA, 437.º do CPP).

 O artigo 70.º, n.º 4 da LTC:

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1. Têm-se como esgotadas todas as instâncias se as partes tiverem


renunciado a interpor recurso da decisão que venha a ser proferida no processo
principal (por ex., deixando passar o prazo).
2. Têm-se igualmente exauridos os recursos ordinários em caso de
desistência, expressa ou tácita, do recurso.
3. Têm-se esgotadas as instâncias, podendo recorrer-se directamente
para o TC, se o recurso ordinário interposto de uma decisão de um dado tribunal,
para uma instância superior não puder ter seguimento, por razões de ordem
processual

– Menção no requerimento de interposição de recurso dos elementos


exigidos por lei (artigo 75.º-A, n.º 2)
i. A indicação da alínea do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo da qual se recorre;
ii. Indicação da norma hipoteticamente violadora, que se pretende que o
Tribunal aprecie;
iii. Indicação da norma ou princípio constitucional que se considera violado;
iv. Indicação da peça processual em que o recorrente suscitou a
inconstitucionalidade.

A falta ou insuficiência de qualquer um destes elementos determina a


prolação de despacho de aperfeiçoamento, através do qual o Tribunal convida o
recorrente a corrigir o requerimento, indicando os elementos em falta, no prazo de 10 dias
(artigo 75.º-A, n.ºs 5 e 7).

EXEMPLO:

“tendo em vista um eventual recurso para o Tribunal Constitucional, a alínea c), do n.º 3,
do art. 1817º do Código Civil é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais
da certeza e segurança jurídicas (que decorrem do princípio constitucional do Estado de
Direito Democrático – art. 2.º da CRP) e do respeito da vida privada e familiar do
investigado e da sua família, cuja tutela não pode deixar de ser considerada (art. 26.º, n.º
1 da CRP), quando inclua no conceito de facto superveniente uma ocorrência que apenas
veio “adensar ou reforçar as suspeitas” do investigador, que desde criança “suspeitou ser
filha biológica” do investigado, e não apenas aquele(s) facto(s) que pela primeira vez
suscita(m) suspeitas fundadas sobre a paternidade, até aí totalmente desconhecida.”

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 Trata-se de um recurso de constitucionalidade previsto no artigo 280.º, n.º 5 CRP e


no artigo 72.º, n.º 2 conjugado com o artigo 70.º, n.º 1, al. g) da LTC.
 Tem em vista, sobretudo, garantir a autoridade do TC, a harmonia de julgados e a
unidade da orientação jurisprudencial - princípio do primado da competência do
TC em questões de constitucionalidade.
 Tem lugar quando o tribunal a quo aplica uma norma no processobase já
anteriormente “julgada” inconstitucional pelo TC.

Os tribunais não estão obrigados a seguir a posição já adotada pelo TC a propósito de


uma dada questão de constitucionalidade, mas as suas decisões em contrário são
necessariamente submetidas à sindicância daquele.

• PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

– Legitimidade para recorrer

– Recurso direto ou em via direta para o TC

– A norma cuja constitucionalidade ou ilegalidade se invoca deve ter sido aplicada,


explícita ou implicitamente, pelo tribunal a quo como ratio decidindo num determinado
processo

– É necessário que a mesma norma – e, quando seja caso disso, a mesma interpretação
normativa – tenha sido anteriormente “julgada inconstitucional” pelo TC, em processo de
fiscalização concreta, abstrato sucessiva ou abstrata preventiva de constitucionalidade

→ Legitimidade para recorrer:


i) Parte prejudicada pela decisão recorrida, mesmo que não tenha suscitado
a questão de constitucionalidade. Trata-se de um recurso facultativo.
ii) Ministério Público, mesmo que não seja parte no processo (art. 280.º/5 CRP e
72.º/3 LTC). Trata-se de um recurso obrigatório.

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 Princípio do primado da competência do TC - ocorrência de uma divergência entre


uma decisão do TC e uma decisão de um tribunal ordinário sobre uma mesma
questão de constitucionalidade.
 Princípio da uniformidade ou unidade da jurisprudência
 E ainda para efeitos de funcionamento do instituto da repetição do julgado, prevista
no artigo 281.º, n.º 3.

→ Recurso direto ou em via direta para o TC:


 Quando a legitimidade processual ativa pertença ao MP, o recurso deve ser
interposto diretamente para o TC,
 Quanto às partes, à semelhança do que sucede nos recursos de decisões positivas
de inconstitucionalidade, podem optar entre interpor diretamente o recurso para o
TC ou esgotar ou exaurir os recursos ordinários ainda possíveis

→ A norma cuja constitucionalidade ou ilegalidade se invoca deve ter sido aplicada,


explícita ou implicitamente, pelo tribunal a quo como ratio decidendi num
determinado processo
 É necessário verificar-se uma identidade substancial entre a interpretação
normativa aplicada pelo tribunal a quo e a interpretação normativa anteriormente
julgada inconstitucional pelo TC (Ac. n.º 538/98, 529/2008, 568/2008 e, em sentido
manifestamente menos exigente,Ac. n.º 388/01).

 O TC considera que está igualmente verificado este requisito quando o Tribunal


Constitucional haja proferido anteriormente uma decisão interpretativa conforme à
Constituição, por considerar que as demais interpretações toleradas pela norma
são inconstitucionais, e o tribunal a quo, posteriormente, aplica a norma com um do
sentidos interpretativos especificados pelo TC como inconstitucionais (Ac. n.º
289/2002).

– É necessário que a mesma norma tenha sido anteriormente “julgada inconstitucional”


pelo TC, em processo de fiscalização concreta, abstrato sucessiva ou abstrata preventiva
de constitucionalidade

(a) Situação normal/regra: quando a norma tenha sido (anteriormente) julgada


inconstitucional pelo TC, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade.

(b) Quando a norma tenha sido (anteriormente) objeto de um decisão de pronúncia pelo
TC, em sede de fiscalização abstrata preventiva. Recorde-se que uma norma objeto de
uma decisão de pronúncia pode, não obstante, ter entrado em vigor, caso tenha sido
objeto de confirmação, nos termos do artigo 279.º, n.ºs 2 e 4.

(c) Quando a norma tenha sido (anteriormente) declarada inconstitucional pelo TC, em
sede de fiscalização abstrata sucessiva. Aqui, o recurso (obrigatório) de
constitucionalidade funciona como uma válvula de segurança, e está voltado para
aquelas situações em que, por lapso ou esquecimento, o tribunal ordinário aplica norma
já expulsa do ordenamento jurídico. Esta hipótese é marginal.

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Os recursos obrigatórios do MP não dependem de ele intervir ou não no processo e


devem ser interpostos diretamente para o TC.

Recurso obrigatório em 3 situações:

1. Quando a norma cuja aplicação tiver sido recusada constar de ato legislativo,
convenção internacional e decreto regulamentar – art. 280.º/ n.º 3. Presunção de validade
daqueles atos normativos (já foram objeto de um controlo jurídico-político: promulgação,
assinatura, ratificação) - princípio do favor legis;

2. Quando um tribunal aplicar uma norma anteriormente julgada inconstitucional (art.


280.º, n.º 5). Aqui a razão da obrigatoriedade consiste na afirmação da primazia das
decisões do TC em sede de controlo da constitucionalidade ou ilegalidade;

3. Em caso de contradição de julgados entre as secções do TC, situação em que o MP,


quando intervenha no processo como recorrente ou recorrido, é obrigado a recorrer para
o Plenário (art. 79.º-D da LTC), com vista a garantir a uniformidade da jurisprudência do TC,
valor ínsito na ideia de segurança jurídica e proteção da confiança dos cidadãos.

- Casos práticos.

- Artigo 282.º, n.º 3 - na parte em que este admite que a declaração de


inconstitucionalidade (e os efeitos invalidatórios produzidos pela mesma) se estenda aos
casos julgados verificados que estejam três requisitos cumulativos:

1. decisão do TC nesse sentido;

2. a norma declarada inconstitucional respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de


mera ordenação social (direito sancionatório);

3. a norma declarada inconstitucional for de conteúdo menos favorável ao arguido (v. os


Acs. n.º 152/04 e 564/04), por outras palavras, da não aplicação da norma declarada
inconstitucional nas decisões transitadas em julgado resultar uma situação mais favorável
ao arguido).

-Caso prático.

EFEITOS DAS DECISÕES DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL EM FISCALIZAÇÃO CONCRETA (E


NÃO DO TRIBUNAL A QUO):

→ Decisões negativas de inconstitucionalidade- Decisão do TC que vincula o tribunal


recorrido, o que significa que este não pode desaplicar a norma com fundamento
na respetiva inconstitucionalidade.
→ Decisões positivas de inconstitucionalidade:
o Efeitos diretos: são os efeitos que a decisão positiva produz relativamente ao
processo em que está a ser proferida (artigo 80.º/1 LTC).
o Efeitos indiretos: são os efeitos da decisão positiva de inconstitucionalidade
que extravasam o processo em que esta é proferida.

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EFEITOS DIRETOS:

1. Efeito de caso julgado no processo (artigo 80.º, n.º 2 LTC) - se o Tribunal Constitucional
julgar a norma inconstitucional, ela não pode ser aplicada no processo pelo tribunal
recorrido nem por qualquer outro tribunal que venha a conhecer dele em fase de recurso.

 A norma julgada inconstitucional pelo TC não pode ser aplicada no processo-base,


pelo tribunal a quo (art. 204.º CRP).
 Ou seja, caso a decisão proferida pelo Tribunal Constitucional contrarie a decisão
do tribunal recorrido, devem os autos baixar ao tribunal recorrido para que este
reforme a decisão recorrida em conformidade com o sentido da decisão do TC,
não podendo a questão de constitucionalidade em causa ser novamente suscitada
naquele processo – art. 80.º/2 LTC.

2. Efeitos restritivos à questão de constitucionalidade normativa suscitada- o TC não se


substituir ao tribunal recorrido no julgamento da questão de fundo do processo-base.

 A decisão do Tribunal Constitucional sobre a questão de constitucionalidade,


apesar de pertinente para a resolução da questão principal, não dispõe
diretamente sobre esta (v. também o art. 71.º/1 LTC e 280.º/6 CRP).
 Julgada a norma inconstitucional pelo TC, deve o tribunal a quo desaplicá-la ao
caso concreto, aplicando, em vez dela, a norma revogada pela norma julgada
inconstitucional, de onde resulta a produção de efeitos repristinatórios.

3. Efeitos restritos ao caso concreto (efeitos inter partes):

 A decisão positiva de inconstitucionalidade só produz efeitos no caso


concreto/processo-base, isto é, no processo no âmbito do qual foi levantada a
questão de constitucionalidade.
 Vale por dizer que a norma julgada inconstitucional continua em vigor no
ordenamento jurídico.
-

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Nada obsta a que ela venha a ser aplicada por outros tribunais, no futuro ou em processos
pendentes.

→ Um juízo de inconstitucionalidade em sede de fiscalização concreta produz alguns


efeitos indiretos ou efeitos colaterais ou reflexos - são os efeitos da decisão positiva
de inconstitucionalidade que extravasam o processo em que esta é proferida:

I. Passa a estar preenchido um dos pressupostos para que haja recurso nos termos do
artigo 70.º, n.º 1, al. g) LTC, isto é, recurso de aplicação de normas anteriormente julgadas
inconstitucionais pelo TC, uma vez que a norma julgada inconstitucional passa a gozar de
uma presunção de inconstitucionalidade;

II. Havendo divergência entre juízos proferidos em sede de fiscalização concreta sobre
uma mesma norma ou interpretação normativa, cabe recurso obrigatório para o Ministério
Público para o Plenário do TC, nos termos do artigo 79.º-D, n.º 1 LTC.

 Em fiscalização concreta, o Tribunal Constitucional decide dividido em secções,


cada uma delas composta pelo Presidente ou pelo Vice-Presidente e por mais
quatro juízes (art. 41.º LTC).

 Quando haja uma divergência entre duas secções do TC a propósito de uma


mesma questão de constitucionalidade, o juízo de inconstitucionalidade tem como
efeito indireto o recurso obrigatório do MP para o Plenário do Tribunal Constitucional
(quando este intervenha no processo como recorrente ou recorrido).
 Fundamento: uniformização da jurisprudência pelo Plenário do Tribunal e a evitação
da incerteza jurídica gerada pelas divergências jurisprudenciais.

III. De acordo com o instituto da repetição do julgado (artigo 281.º, n.º 3 e artigo 82.º da
LTC), se uma norma houver sido julgada inconstitucional pelo TC em três casos concretos,
podem os juízes do TC ex officio ou mediante solicitação do MP, desencadear um processo
de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade.

- Imagine que o Tribunal Constitucional julga a norma inconstitucional. Quais são os efeitos
desta decisão?

✓ Identificação do processo de fiscalização da constitucionalidade em causa:


processo de fiscalização concreta (fórmula “julga”).

✓ Decisão em que TC julga uma norma inconstitucional: referência aos efeitos diretos
(artigo 80.º LTC) e aos efeitos indiretos ou reflexos.

✓ Enumeração e explicação dos efeitos diretos: i) efeitos restritos à questão de


inconstitucionalidade ou ilegalidade; ii) efeito de caso julgado; iii) efeitos inter partes
ou restritos ao caso concreto.

✓ Enumeração e explicação dos efeitos indiretos: i) abertura para um recurso


obrigatório do Ministério Público (art. 280.º/5 CRP), se a norma julgada
inconstitucional vier a ser posteriormente aplicada por um tribunal (princípio da
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primazia do TC em questões de constitucionalidade); ii) possibilidade de, verificados


os respetivos pressupostos, se considerar uma declaração de inconstitucionalidade
mediante o processo misto: art. 281.º/3 CRP); III) por último, se a mesma norma vier
a ser posteriormente objeto de uma decisão, por qualquer seção do Tribunal
Constitucional, em sede de fiscalização concreta, que seja divergente da primeira,
é possível (para o MP, se intervier no processo como recorrente ou recorrido, é
obrigatório) recurso para o plenário do Tribunal Constitucional com o escopo de
uniformização jurisprudencial (art. 79.º-D LTC).

CONTROLO MISTO OU PROCESSO DE DECLARAÇÃO

Artigos 281.º/3 CRP e 82.º LTC

Controlo misto ou processo de declaração de inconstitucionalidade com base no controlo


concreto

Combina elementos dos processos de fiscalização concreta e abstrata sucessiva.

 Pressuposto objetivo – norma julgada inconstitucional pelo TC em pelo menos três


casos concretos;
 Finalidade do controlo misto;
 Características do controlo misto:
o Oficioso – exceção ao princípio do pedido (art. 51.º/5 LTC);
o Não obrigatório – artigo 82.º LTC (“pode”);
o Não automático.

O PROCESSO OFICIOSO DO ARTIGO 281.º/3: O PROCESSO DE FISCALIZAÇÃO MISTO OU O


INSTITUTO DA REPETIÇÃO DO JULGADO

→ Regra geral, a fiscalização abstrata não é oficiosa, isto é, carece de um


requerimento de declaração de inconstitucionalidade das entidades com
legitimidade processual ativa.
- Exceção à regra da oficiosidade- artigo 281.º, nº3- “repetição do julgado”.

 Artigo 281.º, nº3- prevê processo de fiscalização abstrata de caráter oficioso, através
do qual é possível a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória
geral com base em juízos concretos de inconstitucionalidade pelo TC.

1) Processo oficioso porque a legitimidade processual ativa para desencadear este


processo parte dos próprios juízes do TC ou dos magistrados do MP – art. 82.º da LTC. Trata-
se de uma exceção ao princípio do pedido (art. 51.º/5 LTC).

2) Não obrigatório: a decisão de desencadear o processo de fiscalização abstrata


sucessiva e de declarar a inconstitucionalidade da norma reiteradamente julgada
inconstitucional é uma decisão discricionária do Tribunal Constitucional (“pode o Tribunal
Constitucional”) – art. 82.º LTC.

3) Não automático: o facto de uma norma ser julgada inconstitucional em pelo menos
três casos concretos não implica a sua imediata expulsão do ordenamento jurídico. A
declaração de inconstitucionalidade depende do prévio desencadeamento de um

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processo de fiscalização abstrata sucessiva e de uma decisão do TC no sentido de


declarar a inconstitucionalidade dessa norma (artigo 82.º, in fine LTC).

– Não carece, para operar, de uma uniformidade ao nível dos fundamentos do juízo de
inconstitucionalidade.

– Objetivo do processo misto: expulsar do ordenamento jurídico normas jurídicas


reiteradamente censuradas pelo Tribunal Constitucional, através do desencadeamento de
um processo de fiscalização abstrata sucessiva.

– A repetição do julgado opera como uma ponte entre o controlo concreto e o


controlo abstrato sucessivo da constitucionalidade, e destina-se a garantir os princípios da
unidades jurisprudencial e da segurança jurídica.

INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

Artigos 283.º e 67.º e 68.º da LTC

Silêncio LEGISLATIVO

 Objetivo: combater a inércia do legislador;


 Requisitos subjetivos: legitimidade processual ativa;
 Requisitos objetivos: omissão legislativa inconstitucional;
 Efeitos: artigos 283.º/2 e 111.º CRP e artigo 68.º LTC.

→ A inconstitucionalidade por ação é a inconstitucionalidade positiva, a que se traduz


na prática de ato jurídico-público que, por qualquer dos seus elementos, infringe a
Constituição.
→ A inconstitucionalidade por omissão é a inconstitucionalidade negativa, a que
resulta da inércia ou do silêncio de qualquer órgão de poder, o qual deixa de
praticar em certo tempo o ato exigido pela Constituição.

→ Não basta o simples dever geral de legislar para dar fundamento a uma omissão
inconstitucional. É necessário uma exigência constitucional de ação.

1. Omissões legislativas inconstitucionais derivam, desde logo, do não cumprimento de


normas que vinculam o legislador à adoção de medidas legislativas concretizadoras da
constituição, ou seja, imposições constitucionais (determinações permanentes e
concretas).

Há uma omissão legislativa inconstitucional quando o legislador não adota as medidas


legislativas necessárias para dar execução aos preceitos constitucionais que impõem, por
exemplo, o estabelecimento e atualização do salário mínimo nacional (art. 59.º, n.º 2, a).

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2. Existe ainda omissão legislativa quando a constituição consagra normas sem


suficiente densidade para se tornarem normas exequíveis por si mesmas, reenviando
implicitamente para o legislador a tarefa de lhe dar exequibilidade prática (ex: lei que
define os crimes de responsabilidade política para assegurar a exequibilidade do art. 117.º,
n.º 3 CRP).

3. Há ainda omissão legislativa inconstitucional quando o legislador não cumpre as


ordens de legislar constitucionalmente consagradas em certos preceitos constitucionais.

- Ordens de legislar = imposições únicas, i.e., imposições concretas mas não permanentes
(diferente das imposições constitucionais).

4. A doutrina salienta ainda a possibilidade de omissão legislativa pelo não


cumprimento da obrigação do legislador de adaptar ou aperfeiçoar as leis existentes, ou
seja, as normas de prognóstico, previsão, incorretas ou desfasadas perante circunstâncias
supervenientes.

✓ Omissões legislativas parciais ou omissões relativas: omissões derivadas de os atos


legislativos concretizadores de normas constitucionais favorecerem certos grupos
ou situações, esquecendo outros grupos e outras situações que preenchem os
mesmos pressupostos de facto.

Esta concretização incompleta tanto pode resultar:

– de uma intenção deliberada do legislador em conceder vantagens só a certos


grupos ou situações (exclusão expressa), violando o princípio da igualdade =
inconstitucionalidade por ação

Ou

– de uma incompleta apreciação das situações de facto, mas sem que haja o
propósito de arbitrária e unilateralmente se favorecerem só certos grupos ou situações.

Há omissão legislativa quando o legislador não cumpre ou cumpre incompletamente o


dever constitucional de adotar medidas legislativas concretizadoras da Constituição.

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 Nesta fiscalização requer-se a apreciação e verificação do não cumprimento da


Constituição em virtude de comportamentos omissivos dos órgãos que não editam
as medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais.

 Arts. 283.º, n.º 2 da CRP e 68.º da LTC – a verificação do não cumprimento da


Constituição derivado de omissões legislativas obriga o TC a dar conhecimento da
inconstitucionalidade por omissão ao órgão legislativo competente.

 O TC apenas pode verificar e declarar que a omissão existe, não podendo nem
pronunciar-se sobre o modo de suprir a deficiência nem muito menos substituir-se
aos órgãos legislativos competentes. Nem pode fixar um prazo para que a omissão
seja suprida – Princípio da Separação de Poderes.

Apelo do TC aos órgãos legiferantes competentes no sentido de estes atuarem e


emanarem atos legislativos necessários à exequibilidade das leis constitucionais.

Ex.: Acórdão do TC 189/89.

- Casos práticos.

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