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Resumo
A proposta desse ensaio é sumariar algumas possibilidades de diálogos com e entre os campos
do Currículo, da Didática, da Avaliação, da História e do Ensino de História para enfrentar a
questão que proponho em minha pesquisa de doutorado: que aprendizagens históricas têm
sido exigidas dos alunos da Educação Básica por meio de diferentes instrumentos de
avaliação? Tal proposta se situa em uma perspectiva que toma o campo do Ensino de História
como lugar de fronteira, isto é, espaço de entrecruzamentos e demarcação de limites.
Interessa, pois, fazer emergir possibilidades de diálogos que possam contribuir para o
desenvolvimento de pesquisas no/em/com/sobre o Ensino de História e ampliar as opções de
fazeres nas salas de aula da Educação Básica. O currículo é aqui pensado como prática de
significação sobre questões educacionais; a didática é tomada como campo que privilegia as
relações de ensino-aprendizagem em seus estudos; a avaliação como prática curricular-
didática que legitima conhecimentos validados a serem ensinados; e a História, e sua teoria,
como ciência de referência para a produção das narrativas históricas escolares. Partindo de
tais pressupostos e exercitando o diálogo entre os campos anunciados, emergiram questões
que deverão ser enfrentadas na pesquisa anunciada: que conhecimentos históricos têm sido
legitimados por diferentes instrumentos de avaliação para serem ensinados na Educação
Básica? Que matrizes historiográficas e pedagógicas têm sido privilegiadas nas narrativas
históricas escolares fixadas nos instrumentos de avaliação? O que há de específico na didática
da História que mereça estar em uma avaliação? Que diálogos interdisciplinares são
legitimados em uma avaliação de História? Que tradições disciplinares da História podem ser
percebidas em diferentes instrumentos de avaliação? Que elementos que compõem a cadeia
de equivalências definidora de conhecimento histórico escolar, exceto o conteúdo, fazem
parte das avaliações dessa disciplina? Que abordagens temporais têm sido hegemônicas nas
avaliações de História? Que sentidos os conteúdos assumem nas avaliações? O campo do
Ensino de História no Brasil sabe que domínios os estudantes precisam para aprenderem
História?
Doutorando e Mestre em Educação (PPGE/UFRJ); Professor de História (SEEDUC/RJ); Membro do Grupo de
Estudos Currículo, Cultura e Ensino de História vinculado ao Núcleo de Estudos do Currículo da Faculdade de
Educação da UFRJ (GECCEH/NEC/UFRJ).
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Introdução
Ao buscar responder a questão que aprendizagens históricas têm sido exigidas dos
alunos da Educação Básica por meio de diferentes instrumentos de avaliação? elaborada no
âmbito da pesquisa de doutorado ora intitulada Ensino de História e Avaliação: o que tem
sido considerado “aprender História”?, parto do pressuposto que diferentes campos, no
sentido bourdieusiano1 do termo, podem contribuir na formação de um arcabouço teórico-
metodológico para interpelar o objeto construído. Reconhecendo as especificidades de cada
campo e as disputas fronteiriças entre eles, entendo que há, contudo, possibilidades de
construção de diálogos férteis para o enfrentamento do problema de pesquisa. Esse texto, no
entanto, terá como preocupação central a criação de questões que possam servir de concreto
para a construção de pontes entre os campos, sem a pretensão de tentar responde-las, o que
ficará para a pesquisa.
Entendendo que não existem questões neutras, mas que elas revelam uma postura
epistêmica, explicito aqui que a pesquisa, e também este texto, são orientados por uma
perspectiva discursiva pautada em uma ordem pós-fundacional, que radicaliza as críticas às
produções de verdade baseadas em qualquer fundamento produzido fora do jogo da
linguagem, assim, essa perspectiva valoriza o político, entendido como “ontológico do social”
(LACLAU, 2005), e a contingência na produção de verdades, o que significa valorizar as
relações de poder nas disputas “pelo que há, pelo que está acontecendo, pelo para onde vão as
coisas” (BURITY, 2010, p. 8).
Assumindo o campo do Currículo como lugar de fala, e entendendo-o como prática de
significação sobre questões educacionais, de forma mais ampla, e de escola e disciplinas, de
forma mais específica, considero que pensar sobre aprendizagens desejadas remete ao tipo de
estudante que se quer formar, e conhecimentos considerados “poderosos” (YOUNG, 2007)a
serem ensinados para este fim.
Para além das disputas internas do campo da Didática, compartilho da perspectiva que
considera as relações de ensino-aprendizagem o objeto de estudo da Didática. Além dessa
questão, a relação entre práticas didático-pedagógicas, dentre as quais a que aqui assume
centralidade - a avaliação, e currículo, torna relevante o diálogo da pesquisa que faço com o
campo, pois tais práticas devem ser orientadas com vistas a um objetivo curricular, ou seja,
em função do que se desejar construir e significar discursivamente.
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Com base nos estudos do sociólogo francês Pierre Bourdieu, resumidamente, um campo pode ser entendido
como sistema estruturado de posições assimétricas a partir das quais se definem lutas e consensos tendo como
eixo comum o domínio de um capital específico legítimo.
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tendem a ser mais acirradas, o que, no entanto, não impede a produção de tradições
disciplinares na escolha de tais conhecimentos para fazerem parte do currículo e das práticas á
ele atreladas, como a avaliação, por exemplo.
Em Martins e Gabriel (2016, p. 710) apontei que a política de avaliação que vigorou
até o presente ano no estado do Rio de Janeiro mantinha uma tradição arraigada do Ensino de
História: “As narrativas históricas hegemonizadas no Saerjinho reproduzem tradições dessa
disciplina escolar como o foco nas questões políticas em uma perspectiva temporal linear,
atrelada à ideia de progresso e de viés eurocêntrico.”. Essa constatação evidencia vínculos
entre currículo e avaliação à medida que, ao se entender avaliação como aquilo que legitima e
valida o conhecimento ensinado em sala de aula, ela se torna reguladora do currículo.
Veiga-Neto (2013) entende que mais do que ser “um farol para o currículo”, o atual
estágio de consolidação de políticas de avaliação tem gerado um “desvio à direita” nas
práticas educacionais, saindo da sequência Currículo > Ensino > Avaliação, para a sequência
Avaliação > Currículo > Ensino.
Não seria, portanto, exagero pensar as políticas de avaliação como políticas
curriculares que definem os conhecimentos que devem ser ensinados nas escolas da Educação
Básica. Assim, problematizar o que tem sido considerado aprender História tendo como ponto
de partida instrumentos de avaliação, implica fazer um deslocamento em direção aos
conhecimentos históricos que têm sido validados para serem ensinados, assim como
identificar as matrizes teóricas dos campos historiográfico e educacional combinadas na
produção desse conhecimento voltado para o espaço escolar.
disciplina que compõe o currículo escolar participam de forma decisiva das possibilidades de
desenvolvimento satisfatório das relações de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, considero
fértil o desenvolvimento de didáticas específicas, encarregadas de participar do processo de
transformação do conhecimento histórico científico/acadêmico em conhecimento histórico
escolar, pois elas tendem a articular as matrizes teóricas da ciência de referência com as da
pedagogia.
Nesse sentido, interessa identificar o que seria específico da didática da História.
Assumindo uma postura teórica em consonância com a hermenêutica de Paul Ricoeur (1997),
na qual o conhecimento histórico é estruturado a partir de narrativas temporais, aposto na
potencialidade de desenvolvimento de formas específicas de ensinar o e sobre o tempo, que
para Ricoeur, “só se deixa dizer na forma de narrativa”. Dessa forma, acredito que há
singularidades na forma de ensinar História que são necessariamente distintas de ensinar
Matemática, Química, Linguagens ou qualquer outra disciplina do currículo escolar.
Ainda que reconheça a necessidade de destaque do que é específico da História, é
pertinente que se incorpore as demandas sociais por interdisciplinaridade nos estudos sobre a
configuração do conhecimento histórico escolar oferecido aos estudantes da Educação Básica.
Essa postura está assente em uma perspectiva que entende que os fundamentos que definem o
que se chama Didática da História não são preexistentes e definidos por uma essência, mas
configurados por meio de lutas políticas nas quais a relação com outras disciplinas participam
das disputas pela sua definição.
Ao apostar na potencialidade de didáticas específicas, entendo que tal postura
reverbera na elaboração das avaliações, que assumiriam também, contornos próprios
definidos por essa didática em relação com aspectos da didática “mais geral”. Para isso, no
entanto, é necessário que se saiba o que o campo do Ensino de História entenda serem os
objetivos do ensino dessa disciplina escolar, o que pretendo abordar brevemente na ultima
sessão deste texto.
com precisão, mas de acordo com o autor, cabe ao professor e a escola atuar com essa
intenção, principalmente em favor dos estudantes cuja situação socioeconômica os colocam
em desvantagem no contexto da cultura escolar, e que, por conta disso, precisam mais da
escola.
Tomar a avaliação como instrumento regulador das aprendizagens é situá-la no campo
da Didática, pois ela se constitui como instrumento mediador do processo de ensino-
aprendizagem, à medida que tem potencial de interferir nas questões de ensino a partir do
diagnóstico de aprendizagem realizado por meio dela. No que se refere ao “objetivo definido
de domínio”, trata-se de uma questão curricular que envolve disputas internas das áreas de
conhecimento vinculadas ao “ensino de”. No caso da História, interessa que se investigue as
tradições de tal comunidade disciplinar em relação aos objetivos gerais do ensino dessa
disciplina em escolas da Educação Básica, mas também o que se deseja de fato aprendido
pelos estudantes, tanto em termos de conteúdos e conhecimentos, como em termos de
habilidades e competências. Essas questões articulam, de forma incontornável, aspectos dos
campos do Currículo, da Didática e da Avaliação.
histórico produzido pelas pesquisas acadêmicas, mas sim como uma configuração de
ordem epistemológica (cognitiva) e axiológica (ética-político-cultural) com um grau
de especificidade e autonomia suficientes para que ela possa ser percebida como um
saber diferenciado. (GABRIEL, 2003, p. 15-16).
Ainda que o conhecimento histórico escolar não seja apenas uma simplificação do
conhecimento histórico acadêmico, é necessário que se reconheça as relações existentes entre
eles. Na perspectiva aqui assumida, o conhecimento histórico produzido academicamente
serve como ciência de referência para a produção do escolar, sendo adjetivado como
conteúdo. Assim, distingue-se conhecimento escolar de conteúdo, mas garante-se a presença
deste naquele. Há de se destacar, porém, que tomar os conteúdos como parte do conhecimento
escolar não significa tomar o conhecimento produzido na e para o ensino como algo maior
e/ou mais importante em si mesmo, mas assumir que para tornar ensinável e aprendível um
objeto cientificamente produzido é necessário incorporar outros saberes à cadeia equivalencial
definidora do conhecimento escolar. Além disso, o conteúdo é aqui percebido como o
responsável por colocar o conhecimento escolar no domínio do “verdadeiro”.
Concordo com Gabriel e Moraes (2014, p. 32) que afirmam que “assumir a
centralidade do papel dos fluxos de cientificidade na definição de conhecimento escolar não
significa operar com a ideia de ‘a’ verdade em uma perspectiva a-histórica, mas sim assumir o
compromisso da escola com o ‘valor de verdade’”. O modo como a ciência de referência está
sendo aqui tomada na relação com o conhecimento escolar inibe críticas de uma possível
defesa de conteudismo, mas também se afasta do que Veiga-Neto (2012) nomeou como
conteudofobia. São, pois os fluxos de cientificidade representados pelos conteúdos que
tornam o conhecimento escolar um “conhecimento poderoso” (YOUNG, 2007), que tem
como função “fornecer explicações confiáveis ou novas formas de se pensar a respeito do
mundo” (YOUNG, 2007, p. 1294). Cabe, portanto, às escolas, garantir a produção e
circulação desse conhecimento que não poderia ser acessado pelos estudantes em outros
espaços.
É indispensável, pois, sumariar as discussões travadas no âmbito da comunidade
disciplinar do Ensino de História no sentido de compreender os objetivos do ensino dessa
disciplina escolar e o que esta comunidade entende por aprendizagem histórica. Como aponta
Velasco (2013), tradicionalmente o campo do Ensino de História apresenta demanda pela
formação de “cidadãos críticos”, no entanto, não há clareza do que o campo entende ser
formar “cidadãos críticos”, o que reverbera em disputas sobre conteúdos a fazerem parte de
documentos curriculares e ausência de consenso mínimo sobre o que é indispensável que um
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estudante da Educação Básica aprenda nas aulas de História, o que reflete, de forma
incontornável, nas avaliações, mas que também não impedem que haja determinada tradição
na formulação de questões desta área para a construção de instrumentos avaliativos.
Considerações Finais
Referências bibliográficas
MACEDO, E. Base nacional curricular comum: a falsa oposição entre o conhecimento para se
fazer algo e o conhecimento em si. Educação em Revista, v. 32, n. 2, p. 45-68, jun. 2016.
FAVACHO, M. P.; PACHECO, J. A.; SALES, S. R. (Orgs.). 1ª ed. Curitiba, PR: CRV, 2013.
YOUNG, M. Para que servem as escolas? In: PEREIRA, M. Z da C.; CARVALHO, M. E. P.
de; PORTO, R. de C. C. (Orgs.). Globalização, interculturalidade e currículo na cena
escolar. São Paulo: Alínea, 2007.
VELASCO, Diego Bruno. “Realidade do aluno”, “Cidadão Crítico”, “Conhecimento
escolar”: Que articulações possíveis no Currículo de História? 2013. 180f. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 2013.