Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
º CURSO
PROVA DE DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL
GRELHA DE CORREÇÃO
GRUPO I
2. BERNARDO, que não conseguia arranjar forma Quanto a DIOGO, há igualmente que apreciar se 1
de sustento, começou, em Abril de 2019, a incorreu no crime do artigo 21.º, n.º 1, ou do
vender heroína e cocaína, a mando de DIOGO. artigo 25.º, alínea a), ambos do DL 15/93, de 22
No dia 23 de outubro de 2019, Diogo tinha de Janeiro.
consigo um saco plástico contendo 49 gramas Vale aqui o supra referido em termos de
de heroína. enquadramento jurídico quanto a esses dois
crimes.
Porém, as circunstâncias sofrem aqui alteração
relevante, na medida em que é DIOGO o dono
do negócio e que foi detido na posse da
significativa quantidade de 49 gramas de
heroína.
Afigura-se, pois, que cometeu um crime de
tráfico de estupefacientes, previsto e punido
pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, com
referência às tabelas anexas I-A e I-B.
c. 1
DIOGO cometeu ainda, como autor material e
na forma consumada, e em concurso efetivo
com esse(s) crime(s), um crime de detenção de
arma proibida – artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da
Lei n.º 5/2006, de 23.II, por referência aos
artigos 2.º, n.º 1, alíneas p), q) e ae), e 3.º, n.º
3, alínea b), da mesma lei.
Note-se que o facto de pistola não estar
municiada não é relevante para afastar
qualquer dos crimes (ainda que não
municiada, a pistola é meio adequado a
ameaçar gravemente Gustavo, que ignora a
ausência de munições, e o municiamento
não é elemento típico do crime de
detenção de arma proibida).
4. FERNANDO, ao ver que DIOGO estava a apontar A conduta de FERNANDO integra a factualidade 1,5
uma arma ao seu colega, efetuou, com a sua típica objetiva do crime de ofensa à integridade
pistola de serviço, um disparo para o ar. física simples, previsto e punido pelo artigo
Porém, DIOGO não largou a arma, 143.º, n.º 1, do Código Penal, com a agravação
continuando a empunhá-la [na direção de prevista no artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006,
GUSTAVO] e começou a pressionar o gatilho, de 23.II.
pretendendo atingir GUSTAVO com um projétil Porém, FERNANDO atua porque se apercebe que
para o matar e assim conseguir fugir. Ao se DIOGO se prepara para disparar sobre GUSTAVO,
aperceber de tudo isto, FERNANDO efetuou um desconhecendo que a arma empunhada por
disparo na direção de DIOGO, tendo o projétil FERNANDO não está municiada. Está, pois, em
atingido a perna deste, acabando DIOGO por situação de erro sobre um estado de coisas
cair ao chão e ser detido. que, a existir, excluiria a ilicitude do seu facto
(seja o disposto nos artigos 2.º, n.ºs 1 e 2, 3.º,
n.º 2, alínea a), do DL 457/99, seja o disposto
nos artigos 31.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), e 32.º
do Código Penal) – artigo 16.º, n.º 2, do Código
Penal. O dolo da sua conduta é assim excluído –
n.º 1 do mesmo artigo.
O n.º 3 ressalva a punibilidade da negligência
nos termos gerais. Não existe, porém, a
violação de qualquer dever de cuidado por
parte de FERNANDO, cuja conduta está conforme
ao exigido pelo Decreto-Lei n.º 457/99, nos
seus artigos 2.º a 4.º, sendo por isso afastada a
negligência (artigo 15.º do Código Penal).
5. No dia 10 de Novembro de 2019, cerca das ANA comete, como autora material e na forma 2
01h00 horas, CAROLINA chorava consumada, um crime de ofensa à integridade
incessantemente e todas as tentativas de ANA física qualificada, agravada pelo resultado
para a acalmar não surtiram efeito. ANA, (ofensas com perigo para a vida), previsto e
então, preparou e deu a beber a CAROLINA um punido pelas disposições conjugadas dos
biberão, tendo misturado no seu interior leite artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1, alínea a), e 2,
em pó com água e uma pequena parte da sua por referência ao disposto no artigo 132.º, n.º
dose diária de metadona, convencida de que 2, alíneas a) e c), e 147.º, n.º 2, por referência
com isso a única coisa que aconteceria a aos artigos 144.º, alínea d), e 18.º, todos do
CAROLINA seria ficar inconsciente até de Código Penal.
manhã. A mera ingestão de metadona (narcótico do
CAROLINA veio a entrar em paragem grupo dos opióides que consta da tabela I-A
cardiorrespiratória e, já depois de ter estado anexa ao DL 15/93) por CAROLINA ofendeu-a
no hospital de Pombal, veio a falecer. na sua integridade física (ficou
inconsciente), o que ANA previu e aceitou
(ANA era toxicodependente, consumia
metadona e conhecia bem os seus efeitos
narcóticos).
O perigo para a vida em que Carolina veio a
estar (paragem cardiorrespiratória) não foi
previsto por ANA (estava convencida de que
a única coisa que aconteceria a CAROLINA
seria ficar inconsciente até de manhã), mas
devê-lo-ia ter feito.
Apesar de a conduta de Ana ser adequada à
produção (adequação exigida no artigo 10.º
do CP), a título negligente, do resultado
morte, este não lhe pode ser imputado.
Esse nexo de imputação deve considerar-se
interrompido, “uma vez que seria de
esperar uma actuação atenta e cuidadosa
dos médicos, que, a não ter acontecido,
“interrompeu” o nexo de causalidade
adequada” – Figueiredo Dias, Direito Penal,
Parte Geral, Tomo I, 2019, pp. 385-386. Se
Eduardo tivesse atuado cumprindo os seus
deveres de médico, a morte não teria
ocorrido.
6. EDUARDO, médico do Hospital Distrital do Existe divisão doutrinal e jurisprudencial sobre 1,5
Pombal que estava no serviço de urgência, o elemento típico “lhe seja acessível em razão
acedeu ao armário da farmácia hospitalar, das suas funções”. José António Barreiros
com recurso à chave que se encontrava com a (Crime de Peculato, Labirinto das Letras, p. 89 e
Enfermeira-Chefe e à qual não era suposto ss.) vai no sentido de que é apenas necessário
ele aceder, e daí retirou morfina que injetou que a coisa esteja “na sua esfera de alcance por
na sua veia para satisfazer o seu vício. causa do respectivo exercício profissional,
ainda que que não integrem o elenco daqueles
que sejam do seu uso e manuseio, mas sim
aqueles a que, sem restrição legal que lho
proíba, possa aceder como efeito de poderes
de autoridade, de exercício funcional ou de
qualquer motivo legítimo atinente ao cargo que
desempenha”. No mesmo sentido, Paulo Pinto
de Albuquerque (obra cit., p. 1282).
No caso, EDUARDO sempre poderia ordenar
à Enfermeira-Chefe que lhe entregasse a
morfina.
Seguindo esta posição, EDUARDO cometeu como
autor material e na forma consumada, um
crime de peculato, previsto e punido pelo
artigo 375.º, n.º 1 e 2, por referência ao artigo
386.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
Note-se que, não se conhecendo o valor da
morfina apropriada (e consumida), deve
presumir-se o seu valor diminuto.
7. EDUARDO, não obstante o estado de EDUARDO cometeu, como autor material e na 1,5
intoxicação em que se encontrava, examinou forma consumada, um crime de homicídio por
CAROLINA e apercebeu-se que a bebé se omissão, com dolo eventual, previsto e punido
encontrava em situação crítica e que se fosse pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º,
assistida rapidamente sobreviveria. Porém, 10.º, n.º 1 e 2, e 14.º, n.º 3, do Código Penal.
pretendendo continuar a gozar EDUARDO, como médico de serviço, tinha o
tranquilamente os efeitos da morfina que dever legal de garante da saúde e vida de
tomara, encaminhou-a para a urgência Carolina. Se CAROLINA tivesse sido assistida de
pediátrica do Hospital de Santo André, em imediato por EDUARDO não teria morrido (ele
Leiria, pensando “que se lixe, seja o que Deus apercebeu-se que que a bebé se encontrava em
quiser!”. situação crítica e que se fosse assistida
Pelas 04h15, quando se encontrava a ser rapidamente sobreviveria). A omissão da sua
transportada para o Hospital de Leiria, conduta devida não evitou o evento.
CAROLINA faleceu. EDUARDO previu que Carolina pudesse não
sobreviver e conformou-se com essa
possibilidade (“que se lixe, seja o que Deus
quiser!”).
Apesar do agente agir com dolo eventual,
seguindo a doutrina maioritária (cf. Paulo Pinto
de Albuquerque, obra cit., p. 517), este
homicídio é qualificado (artigo 132.º, n.ºs 1 e 2
alínea c), do Código Penal).
Este crime também está em concurso aparente
com o crime de recusa de médico, p. e p. pelo
artigo 284.º do Código Penal (assim, Paulo
Pinto de Albuquerque, obra cit., p. 1013).
GRUPO II
2. Suponha que no decurso do Julgamento em que é arguida ANA, esta exalta-se com o
depoimento de uma testemunha, começa a vociferar e atira uma cadeira para a zona em que a
testemunha se encontrava sem, porém, a atingir. A audiência de julgamento foi interrompida e
ANA é detida, pelas 10h30, em flagrante delito pelo Magistrado do Ministério Público, que lhe
imputa a prática de um crime de Perturbação do funcionamento de órgão constitucional,
previsto e punido pelo artigo pelo artigo 334.º, alínea a), do Código Penal.
Qual o tribunal competente para proceder ao julgamento destes factos e qual a
forma de processo?
(3 valores)