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38.

º CURSO
PROVA DE DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA

GRELHA DE CORREÇÃO

GRUPO I

Factos Notas de Correção Valor


1. BERNARDO, que não conseguia arranjar forma A conduta de BERNARDO poderia ser suscetível 2
de sustento, começa, em abril de 2019, e até de ser integrada no tipo-legal de crime de
à sua detenção em 22 de outubro 2019, a traficante-consumidor, p. e p. pelo artigo 26.º,
vender heroína e cocaína, a mando de DIOGO, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por
a troco de uma percentagem das vendas referência às tabelas anexas I-A e I-B.
suficiente para prover à sua alimentação e do Porém, BERNARDO detinha a quantidade de 20
seu agregado e das doses necessárias para o gramas de cocaína-cloridrato, o que excede a
seu consumo, nas imediações do café "Café quantidade necessária para o consumo
da Vila", em Pombal. individual durante o período de 5 dias (v.
Tabela Anexa à Portaria n.º 94/96, de 26 de
Março: 20 gramas com uma percentagem de
50% de princípio ativo são 50 doses médias
individuais). Logo por força do n.º 3 do artigo
26.º (que dispõe que "Não é aplicável o
disposto no n.º 1 quando o agente detiver
plantas, substâncias ou preparações em
quantidade que exceda a necessária para o
consumo médio individual durante o período
de cinco dias"), está afastada a aplicação desse
crime.
Tem sido objeto de controvérsia doutrinal e
jurisprudencial a definição de critério para
aferir a intenção do agente. Não obstante a lei
referir expressamente que o agente terá de ter
como finalidade exclusiva a satisfação do seu
próprio consumo, há quem entenda que tal
deverá entender-se como “finalidade
principal”, pois muitos dos consumidores-
traficantes obtêm com o tráfico proveitos para
a sua subsistência básica – alimentação, etc.) –
assim, Moraes Rocha, Vítor Paiva, Maia Costa.
Contra tem estado a generalidade da
jurisprudência (cfr. STJ 02.06.1999, p. 99P015;
STJ 23.11.2011, P. 127/09.3PEFUN.S1), Tolda
Pinto e Pedro Patto.
Note-se que se pode colocar a questão de
saber se, tendo a detenção para consumo de
doses de estupefacientes que não excedam o
consumo médio individual durante o período
de 10 dias passado a constituir
contraordenação, deve, para coerência do
sistema, fazer-se uma interpretação atualista
do n.º 3 deste artigo 26.º, ampliando-se de 5
para 10 o número de dias. Nesse sentido, Pedro
Vaz Pato, Vítor Paiva, Cristina Líbano Monteiro,
Lourenço Martins, Artur Matias Pires e os Acs.
STJ 20.03.2002, P. 01P4013 (Lourenço Martins)
e STJ 09.10.2003, P. 03P31710 (Simas Santos).
Contra, Rui Cardoso. Essa questão, porém,
acaba por não ser relevante devido ao número
de doses em causa.

Há então que enquadrar a conduta de


BERNARDO no crime de tráfico de
estupefacientes (artigo 21.º, n.º 1) ou no crime
de tráfico de estupefacientes de menor
gravidade [artigo 25.º, alínea a)], em qualquer
dos casos por referência às tabelas I-A e I-B
anexas ao DL 15/93.
O DL 15/93 prevê um tipo base de crime de
tráfico de estupefacientes: aquele que está
descrito no artigo 21.º. Prevê depois certas
circunstâncias atinentes à ilicitude, que
agravam (artigo 24.º) ou atenuam (artigo 25.º)
a pena prevista para o crime base. O artigo 21.º
cobre os casos de média e elevada gravidade; o
24.º, os casos de excecional gravidade; o 25.º,
os de pequena gravidade, normalmente de
pequeno tráfico de rua. Para a apreciação da
existência dessa ilicitude consideravelmente
diminuída há que atender aos meios utilizados,
à modalidade ou as circunstâncias da acão, à
qualidade ou à quantidade das plantas,
substâncias ou preparações (elenco
meramente exemplificativo), circunstâncias
que devem ser apreciadas de forma global e
não isoladamente (Ac. STJ 12-03-2015, P.
7/10.OPEBJA.S1, Armindo Monteiro).
No caso, as circunstâncias relevantes são,
elevando a ilicitude, o tipo de drogas (cocaína e
heroína, com alto poder ofensivo do bem
jurídico saúde pública), a quantidade
apreendida (20 gramas – 50 doses individuais)
e os cinco meses em que diariamente as vendas
ocorreram; porém, trata-se de um caso de
venda direta a consumidores, ou seja, na base
das cadeias de tráfico, com lucros escassos
(apenas os necessários para prover à sua
alimentação e do seu agregado); desconhece-
se ainda que quantidades foram transacionadas
nesse período, quantas vendas foram feitas e a
quantas pessoas.
Posto isto, nesta prova aceita-se como
defensáveis ambas as posições, tudo
dependendo da argumentação jurídica utilizada
e da capacidade evidenciada na identificação
das circunstâncias relevantes.

2. BERNARDO, que não conseguia arranjar forma Quanto a DIOGO, há igualmente que apreciar se 1
de sustento, começou, em Abril de 2019, a incorreu no crime do artigo 21.º, n.º 1, ou do
vender heroína e cocaína, a mando de DIOGO. artigo 25.º, alínea a), ambos do DL 15/93, de 22
No dia 23 de outubro de 2019, Diogo tinha de Janeiro.
consigo um saco plástico contendo 49 gramas Vale aqui o supra referido em termos de
de heroína. enquadramento jurídico quanto a esses dois
crimes.
Porém, as circunstâncias sofrem aqui alteração
relevante, na medida em que é DIOGO o dono
do negócio e que foi detido na posse da
significativa quantidade de 49 gramas de
heroína.
Afigura-se, pois, que cometeu um crime de
tráfico de estupefacientes, previsto e punido
pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, com
referência às tabelas anexas I-A e I-B.

3. DIOGO parou e enfrentou o Agente GUSTAVO, a. 1,5


ao mesmo tempo que empunhou uma Com estas condutas, DIOGO cometeu, como
pistola semi-automática Browning, de calibre autor material, um crime de resistência e
7,65 mm, que tinha consigo, não tendo coação sobre funcionário, previsto e punido
licença, e apontou na direção de GUSTAVO. pelas disposições conjugadas dos artigos 347.º,
n.º 1, do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei n.º
Sucede, porém, que, ao contrário do que
5/2006, de 23.II, e ainda, na forma tentada, um
DIOGO supunha, a arma não estava municiada.
crime de homicídio qualificado, previsto e
punido pelas disposições conjugadas dos
Momentos depois, não obstante o disparo
artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas g) e l),
para o ar de FERNANDO, DIOGO não largou a
22.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), e 23.º todos do
arma, continuando a empunhá-la [na direção
Código Penal, e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006,
de GUSTAVO] e começou a pressionar o
de 23.II.
gatilho, pretendendo atingir GUSTAVO com um
Note-se que DIOGO pretendia atingir e
projétil para o matar e assim conseguir fugir.
matar GUSTAVO, o que apenas não
conseguiu por, contrariamente ao que
supunha, a pistola não estar municiada.
Trata-se de situação de tentativa impossível
punível, pois não era manifesta para DIOGO
a inaptidão do meio empregado (pela mera
análise visual externa não se poderia
conhecer a inexistência de munições).
b. 1,5
Deve apreciar-se se é efectivo o concurso entre
estes dois crimes.
Responde afirmativamente Cristina Líbano
Monteiro, Comentário Conimbricense ao
Código Penal, Tomo III, pp., 347-348.
Em sentido contrário, sendo aparente o
concurso, subsistindo o crime de homicídio,
pode argumentar-se que o n.º 2 do artigo
347.º tem uma cláusula de subsidiariedade
expressa que vale implicitamente para o n.º
1 (assim, Paulo Pinto de Albuquerque,
Comentário do Código Penal, 4.ª ed., p.
1178-1179, e Monteiro Ramos aí citado).
Pode ainda invocar-se a existência de
unidade de sentido do ilícito global, a
unidade de desígnio criminoso, a quase
simultaneidade temporal das duas
condutas típicas (critérios avançados por
Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral,
Tomo I, 2019, pp. 1180 e ss.).

c. 1
DIOGO cometeu ainda, como autor material e
na forma consumada, e em concurso efetivo
com esse(s) crime(s), um crime de detenção de
arma proibida – artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da
Lei n.º 5/2006, de 23.II, por referência aos
artigos 2.º, n.º 1, alíneas p), q) e ae), e 3.º, n.º
3, alínea b), da mesma lei.
Note-se que o facto de pistola não estar
municiada não é relevante para afastar
qualquer dos crimes (ainda que não
municiada, a pistola é meio adequado a
ameaçar gravemente Gustavo, que ignora a
ausência de munições, e o municiamento
não é elemento típico do crime de
detenção de arma proibida).
4. FERNANDO, ao ver que DIOGO estava a apontar A conduta de FERNANDO integra a factualidade 1,5
uma arma ao seu colega, efetuou, com a sua típica objetiva do crime de ofensa à integridade
pistola de serviço, um disparo para o ar. física simples, previsto e punido pelo artigo
Porém, DIOGO não largou a arma, 143.º, n.º 1, do Código Penal, com a agravação
continuando a empunhá-la [na direção de prevista no artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006,
GUSTAVO] e começou a pressionar o gatilho, de 23.II.
pretendendo atingir GUSTAVO com um projétil Porém, FERNANDO atua porque se apercebe que
para o matar e assim conseguir fugir. Ao se DIOGO se prepara para disparar sobre GUSTAVO,
aperceber de tudo isto, FERNANDO efetuou um desconhecendo que a arma empunhada por
disparo na direção de DIOGO, tendo o projétil FERNANDO não está municiada. Está, pois, em
atingido a perna deste, acabando DIOGO por situação de erro sobre um estado de coisas
cair ao chão e ser detido. que, a existir, excluiria a ilicitude do seu facto
(seja o disposto nos artigos 2.º, n.ºs 1 e 2, 3.º,
n.º 2, alínea a), do DL 457/99, seja o disposto
nos artigos 31.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), e 32.º
do Código Penal) – artigo 16.º, n.º 2, do Código
Penal. O dolo da sua conduta é assim excluído –
n.º 1 do mesmo artigo.
O n.º 3 ressalva a punibilidade da negligência
nos termos gerais. Não existe, porém, a
violação de qualquer dever de cuidado por
parte de FERNANDO, cuja conduta está conforme
ao exigido pelo Decreto-Lei n.º 457/99, nos
seus artigos 2.º a 4.º, sendo por isso afastada a
negligência (artigo 15.º do Código Penal).
5. No dia 10 de Novembro de 2019, cerca das ANA comete, como autora material e na forma 2
01h00 horas, CAROLINA chorava consumada, um crime de ofensa à integridade
incessantemente e todas as tentativas de ANA física qualificada, agravada pelo resultado
para a acalmar não surtiram efeito. ANA, (ofensas com perigo para a vida), previsto e
então, preparou e deu a beber a CAROLINA um punido pelas disposições conjugadas dos
biberão, tendo misturado no seu interior leite artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1, alínea a), e 2,
em pó com água e uma pequena parte da sua por referência ao disposto no artigo 132.º, n.º
dose diária de metadona, convencida de que 2, alíneas a) e c), e 147.º, n.º 2, por referência
com isso a única coisa que aconteceria a aos artigos 144.º, alínea d), e 18.º, todos do
CAROLINA seria ficar inconsciente até de Código Penal.
manhã. A mera ingestão de metadona (narcótico do
CAROLINA veio a entrar em paragem grupo dos opióides que consta da tabela I-A
cardiorrespiratória e, já depois de ter estado anexa ao DL 15/93) por CAROLINA ofendeu-a
no hospital de Pombal, veio a falecer. na sua integridade física (ficou
inconsciente), o que ANA previu e aceitou
(ANA era toxicodependente, consumia
metadona e conhecia bem os seus efeitos
narcóticos).
O perigo para a vida em que Carolina veio a
estar (paragem cardiorrespiratória) não foi
previsto por ANA (estava convencida de que
a única coisa que aconteceria a CAROLINA
seria ficar inconsciente até de manhã), mas
devê-lo-ia ter feito.
Apesar de a conduta de Ana ser adequada à
produção (adequação exigida no artigo 10.º
do CP), a título negligente, do resultado
morte, este não lhe pode ser imputado.
Esse nexo de imputação deve considerar-se
interrompido, “uma vez que seria de
esperar uma actuação atenta e cuidadosa
dos médicos, que, a não ter acontecido,
“interrompeu” o nexo de causalidade
adequada” – Figueiredo Dias, Direito Penal,
Parte Geral, Tomo I, 2019, pp. 385-386. Se
Eduardo tivesse atuado cumprindo os seus
deveres de médico, a morte não teria
ocorrido.

6. EDUARDO, médico do Hospital Distrital do Existe divisão doutrinal e jurisprudencial sobre 1,5
Pombal que estava no serviço de urgência, o elemento típico “lhe seja acessível em razão
acedeu ao armário da farmácia hospitalar, das suas funções”. José António Barreiros
com recurso à chave que se encontrava com a (Crime de Peculato, Labirinto das Letras, p. 89 e
Enfermeira-Chefe e à qual não era suposto ss.) vai no sentido de que é apenas necessário
ele aceder, e daí retirou morfina que injetou que a coisa esteja “na sua esfera de alcance por
na sua veia para satisfazer o seu vício. causa do respectivo exercício profissional,
ainda que que não integrem o elenco daqueles
que sejam do seu uso e manuseio, mas sim
aqueles a que, sem restrição legal que lho
proíba, possa aceder como efeito de poderes
de autoridade, de exercício funcional ou de
qualquer motivo legítimo atinente ao cargo que
desempenha”. No mesmo sentido, Paulo Pinto
de Albuquerque (obra cit., p. 1282).
No caso, EDUARDO sempre poderia ordenar
à Enfermeira-Chefe que lhe entregasse a
morfina.
Seguindo esta posição, EDUARDO cometeu como
autor material e na forma consumada, um
crime de peculato, previsto e punido pelo
artigo 375.º, n.º 1 e 2, por referência ao artigo
386.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
Note-se que, não se conhecendo o valor da
morfina apropriada (e consumida), deve
presumir-se o seu valor diminuto.

Em sentido contrário, Conceição Cunha


defende que é necessário que haja “uma
efectiva detenção material ou disponibilidade
jurídica do objecto, não sendo suficiente […] a
mera proximidade material do bem ou
facilidade em conseguir a sua apropriação”
(Comentário Conimbricense ao Código Penal,
Tomo III, pp. 694 e ss..). Nesse sentido também
os Acs. do TRC de 14.04.2010 e de 23.01.2013.
Caso se siga esta última posição, EDUARDO
cometeu um crime de furto simples, previsto e
punido pelas disposições conjugadas dos
artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, alínea e), n.º 2,
alínea e), e n.º 4, e 202.º, alíneas c) e f), II, do
Código Penal.

7. EDUARDO, não obstante o estado de EDUARDO cometeu, como autor material e na 1,5
intoxicação em que se encontrava, examinou forma consumada, um crime de homicídio por
CAROLINA e apercebeu-se que a bebé se omissão, com dolo eventual, previsto e punido
encontrava em situação crítica e que se fosse pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º,
assistida rapidamente sobreviveria. Porém, 10.º, n.º 1 e 2, e 14.º, n.º 3, do Código Penal.
pretendendo continuar a gozar EDUARDO, como médico de serviço, tinha o
tranquilamente os efeitos da morfina que dever legal de garante da saúde e vida de
tomara, encaminhou-a para a urgência Carolina. Se CAROLINA tivesse sido assistida de
pediátrica do Hospital de Santo André, em imediato por EDUARDO não teria morrido (ele
Leiria, pensando “que se lixe, seja o que Deus apercebeu-se que que a bebé se encontrava em
quiser!”. situação crítica e que se fosse assistida
Pelas 04h15, quando se encontrava a ser rapidamente sobreviveria). A omissão da sua
transportada para o Hospital de Leiria, conduta devida não evitou o evento.
CAROLINA faleceu. EDUARDO previu que Carolina pudesse não
sobreviver e conformou-se com essa
possibilidade (“que se lixe, seja o que Deus
quiser!”).
Apesar do agente agir com dolo eventual,
seguindo a doutrina maioritária (cf. Paulo Pinto
de Albuquerque, obra cit., p. 517), este
homicídio é qualificado (artigo 132.º, n.ºs 1 e 2
alínea c), do Código Penal).
Este crime também está em concurso aparente
com o crime de recusa de médico, p. e p. pelo
artigo 284.º do Código Penal (assim, Paulo
Pinto de Albuquerque, obra cit., p. 1013).

8. ANA e BERNARDO iniciaram o consumo de A heroína, a cocaína e a morfina são 0,5


heroína e cocaína em 2018, o que estupefacientes, constando das tabelas anexas
mantiveram em 2019. I-A e I-B ao DL 15/93.
No dia 10 de novembro de 2019, EDUARDO O consumo de estupefacientes pode ser crime
consumiu morfina. ou contraordenação, consoante a quantidade
consumida/detida para consumo exceda ou
não a necessária ao consumo médio individual
durante o período de 10 dias – cf. o artigo 40.º
do DL 15/93, o artigo 2.º da Lei 30/2000, de
29.XI, e o Acórdão do STJ de fixação de
jurisprudência n.º 8/2008.
Independentemente das múltiplas questões
que este regime suscita (v. g., a conformidade
constitucional desse acórdão do STJ; qual a
precisa redação atual do artigo 40.º do DL
15/93; a conformidade constitucional orgânica
e a legal da Portaria 94/96; o relevo dos hábitos
de consumo do agente), certo é que na
hipótese não são fornecidos elementos
mínimos para determinar esse número de
doses, o que impede a imputação desse crime.

GRUPO II

1. DIOGO, na sequência do 1.º interrogatório judicial de arguido detido, foi submetido à


medida de coação de prisão preventiva. Dessa decisão, DIOGO interpôs recurso, no qual alega
que a apreensão de 49 gramas de heroína é nula pois os Agentes da PSP contaram para o
efeito com a colaboração de BERNARDO, fora do quadro legal, recorrendo assim a métodos
proibidos de prova com violação dos artigos 126.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Código de Processo
Penal e 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa.
Identifique a problemática em causa e pronuncie-se sobre a pretensão de DIOGO.
(3 valores)

Deve ser aqui problematizado o eventual enquadramento da situação em causa no


regime de ação encoberta (Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto) e eventual existência de
uma proibição de prova nos termos alegados por DIOGO. Deve defender-se aqui que
inexiste uma situação que se subsuma à figura de agente provocador relativamente ao
DIOGO. Antes do telefonema de BERNARDO, já se tinha determinado autonomamente à
prática de crimes, designadamente, de tráfico. Com efeito, foi DIOGO quem contactou
BERNARDO e que já usava este como distribuidor. Logo não há provocação do DIOGO,
porque para haver provocação é necessário que seja o provocador a criar no provocado
a decisão de cometimento do crime, o que não sucede. Nos dizeres do Acórdão do STJ
de 30-10-2002, proc. n.º 02P2118 (disponível em www.dgsi.pt), “o arguido... ao aceitar a
encomenda de estupefacientes, determinou-se com inteira liberdade, de forma
autónoma e plenamente consciente, sem que se verificasse qualquer perturbação da
vontade ou liberdade de acção do agente”. De notar, por seu turno, que o texto da
prova (pontos 9 a 11) não é explícito quanto aos termos concretos da colaboração entre
os agentes da PSP e o BERNARDO. Depreende-se diretamente do texto que na sequência
da detenção do BERNARDO este decide colaborar com os agentes da PSP e que não são
estes que solicitam tal colaboração. Contudo, o telefonema que este faz para o DIOGO,
na presença dos agentes, no sentido de lhe ser fornecido mais produto estupefaciente,
poderá ser entendido como uma ação encoberta, encetada à margem do regime
previsto na Lei n.º 101/2001, faltando desde logo o condicionalismo do artigo 3.º, n.º 3.
Colocar-se-ia, assim, relativamente ao BERNARDO, uma proibição de prova por ofensa à
sua integridade moral (artigo 126.º, n.º 1 e 2, al. a), do CPP) e um efeito-à-distância
desta proibição, que afectaria a posição processual do DIOGO. Contudo, como se aflorou,
o texto é parco para conclusões definitivas a este respeito.

2. Suponha que no decurso do Julgamento em que é arguida ANA, esta exalta-se com o
depoimento de uma testemunha, começa a vociferar e atira uma cadeira para a zona em que a
testemunha se encontrava sem, porém, a atingir. A audiência de julgamento foi interrompida e
ANA é detida, pelas 10h30, em flagrante delito pelo Magistrado do Ministério Público, que lhe
imputa a prática de um crime de Perturbação do funcionamento de órgão constitucional,
previsto e punido pelo artigo pelo artigo 334.º, alínea a), do Código Penal.
Qual o tribunal competente para proceder ao julgamento destes factos e qual a
forma de processo?
(3 valores)

O crime de perturbação do funcionamento de órgão constitucional, previsto e punido


pelo artigo 334.º, alínea a), do Código Penal encontra-se previsto no Capítulo I do
título V do Livro II do Código Penal, pelo que, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, do
Código de Processo Penal, o tribunal competente para proceder ao julgamento é o
tribunal coletivo.
Tratando-se de uma hipótese em que a repartição da competência material decorre da
lei em função da espécie de crime, independentemente da moldura penal abstrata
aplicável (que no caso é de pena de prisão até 3 anos), não se pode chamar à colação o
artigo 16.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal (cfr. artigo 16.º, n.º 1, do
Código de Processo Penal).
Consequentemente a única forma de processo aplicável ao caso seria a forma de
processo comum, sendo inaplicáveis quaisquer outras formas de processo (que são
competência do tribunal singular), designadamente a forma de processo sumário, não
obstante ANA ter sido detida em flagrante delito por autoridade judiciária, por crime
punível com pena de prisão cujo limite máximo não é superior a 5 anos, porquanto os
julgamentos em processo sumário são efetuados pelo tribunal singular (seja ele juízo
local de competência genérica, seja local criminal, seja de pequena criminalidade –
artigos 130.º, n.º 1 e n.º 4, alínea a), 132.º, n.ºs 1 e 2, e 134.º da Lei de Organização do
Sistema Judiciário).

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