Você está na página 1de 36

Guia Digital

Os fundamentos para a
atuação em situações de
violência contra crianças
e adolescentes
Me. Iramaia Ranai Gallerani
Psicóloga (CRP-12/14108)
maiagallerani@gmail.com
@psi.iramaiagallerani
A Quebra do Sigilo
Os fundamentos para a atuação em situações de violência
contra crianças e adolescentes. Iramaia Ranai Gallerani.
Florianópolis: Instituto Ranai, 2023.

Elaboração: Me. Iramaia Ranai Gallerani

Revisão Técnica: Me. Rudinei Luiz Beltrame

Revisão Ortográfica: Ana Cristina da Costa

Diagramação: Adilton Florêncio

Distribuição: Instituto Ranai - Ensino e Desenvolvimento


Quem é Iramaia Ranai Gallerani?

Iramaia Ranai Gallerani é Psicóloga (CRP-12/14108), Especialista em


Psicologia Clínica (UEM, 2014), pós-graduada em Impactos da
Violência na Saúde (FIOCRUZ, 2014) e Mestra em Saúde Mental e
Atenção Psicossocial (UFSC, 2022).

Tem 14 anos de experiência na atuação com pessoas em situação de


violência. Atuou de 2015 a 2022 como Técnica em Psicologia no
Conselho Regional de Psicologia - 12ª Região, e hoje capacita
profissionais de todo o Brasil para a atenção a crianças,
adolescentes e mulheres em situações de violência, além da
construção de protocolos e fluxos de atenção a pessoas em situação
de violência.

Exerce, também, a função de Psicóloga Assistente Técnica, em casos


que tramitam nas Varas de Família, bem como nas Varas da Infância e
Juventude.

Psicóloga e Supervisora clínica, oferece atendimentos presenciais em


Florianópolis, e online para pessoas que moram em outras regiões.
Conteúdo
Tríade do Preparo para atuar em situações de violência
contra crianças e adolescentes:
1. Preparo Teórico
2. Preparo Técnico
3. Preparo Emocional

Sobre escutar pessoas em situação de violência.

Principais normativas na atenção a crianças e


adolescentes vítimas e testemunhas de violência.

Definições de violência contra crianças e adolescentes.

Sinais e sintomas de violências.

Fluxo padrão de atendimento.

Registro de Informações sobre violências.

Encaminhamentos.

Referências.
Tríade do Preparo
Tríade do preparo é um método de ensino criado por mim, a partir de conhecimentos
adquiridos em 14 anos de atuação com pessoas em situação de violência, e enquanto
Psicóloga Assistente Técnica no Conselho Regional de Psicologia de Santa Catarina, na
produção de referências técnicas para atuação em Psicologia e Políticas Públicas, orientação
e fiscalização do exercício profissional, bem como tramitação de processos éticos movidos
contra psicólogas(os), e todos esses saberes com anos de atuação trouxeram consciência
sobre os pilares do preparo profissional: teórico, técnico e emocional, raízes da tríade do
preparo.

Esse método permite que você tenha uma atuação mais eficiente e segura, voltada para a
proteção de pessoas em situação de violência, ao construir os pilares que envolvem
conhecimento, prática e equilíbrio emocional, elementos necessários para assumir os casos
que chegam até você.

O que é ter segurança para atuar?


Ter segurança para atuar é assumir as responsabilidades que possui enquanto profissional,
seja na saúde (pública ou particular), educação, assistência social, segurança pública e
justiça. Significa assumir seu papel e utilizar o seu potencial em busca de transformar a
realidade das pessoas, rompendo ciclos de violência. É entender quais são seus limites e se
capacitar diante da necessidade, agindo de forma humanizada, com qualidade ética e
técnica.

Segurança profissional vem do preparo, e tem como consequência autonomia e autoridade no


que faz. Cada ciência é única, assim como as(os) diferentes profissionais, cada qual tendo
consciência de sua importância para agir na proteção e no provimento de cuidados.

Além disso, remete ao conhecimento de que nada deve estar acima da vida e integridade dos
sujeitos, e é preciso que toda a rede de proteção esteja habilitada a dar prosseguimento do
caso, ainda que sejam necessárias medidas protetivas ao noticiante ou denunciante ou a
utilização de denúncia anônima.

Para adquirir maior segurança, também é importante que busque por qualificações, trocas
entre pares que subsidiem decisões, discussões de casos em equipe, supervisões
profissionais e até mesmo terapia pessoal.
Sobre o sigilo
Ao atuar com cenários de violência, diante de qualquer situação de risco à vida ou à
integridade das pessoas que atende e/ou de seus familiares, é preciso que se quebre o que
chamamos de “Sigilo profissional”. O limite dessa quebra tem como parâmetro as
informações pertinentes à proteção e ao provimento de cuidados da pessoa atendida e de
seus familiares, buscando o menor prejuízo e a reparação de possíveis danos advindos do
quadro de violência, na direção da proteção integral dos sujeitos.

Por isso, é de extrema valia que a(o) profissional realize bons contratos, sejam verbais ou
escritos, com as pessoas que atende, uma vez que elas devem ter ciência de suas
obrigações legais e atribuições profissionais, e que elas saibam que você age sempre em
favor do desenvolvimento saudável de crianças e de adolescentes. Não prometa o que não
pode cumprir, como o sigilo absoluto, compreendendo que a integridade e a vida das pessoas
devem estar acima do vínculo. A intervenção deve ser planejada e articulada, evitando-se
improvisos e amadorismos, trazendo maior segurança para profissionais e pessoas
envolvidas na situação de violência.

Lembre-se que o sigilo absoluto protege apenas uma pessoa: o autor ou autora de violência.
Não compactue com a lógica da violência e rompa com seus ciclos tão logo sejam
conhecidos, pois terá a possibilidade de evitar que se agravem. E você não precisa ter
certeza de nada para comunicar o fato, basta que haja suspeitas de violência para que faça
seu papel de proteção, em conjunto com sua equipe. Ainda que atue de forma individual e
particular, não se esqueça de que faz parte de uma rede, e nenhuma decisão precisa ser
tomada de forma solitária.
Preparo Teórico
O Preparo Teórico é um dos pilares que constrói uma atuação de qualidade, e
representa as razões pelas quais são fundamentados os atendimentos, os
registros dos dados, as comunicações às autoridades competentes e os
encaminhamentos necessários.

Quando a(o) profissional atua com crianças e adolescentes,


independentemente de ser direta ou indiretamente com violências, é
primordial que conheça os direitos dessa população, as definições de
violências (física, sexual, psicológica, institucional e patrimonial), os sinais e
os sintomas de violência, bem como o papel das diferentes políticas públicas.

Para fortalecer esse pilar, saiba


responder às questões abaixo:
Quais são as principais leis e orientações que regem a atuação em
violências contra crianças e adolescentes?

Quais conhecimentos e ferramentas minha ciência oferece para atuar em


situações de violações de direitos com essa população?

Quais as definições de violências?

Como reconhecer sinais e sintomas de violência em crianças e


adolescentes?

Quais os diferentes procedimentos intersetoriais para a realização da


escuta protegida?

O que a legislação orienta sobre o registro e a comunicação de tais


situações?
Preparo Técnico
O Preparo Técnico representa sua prática, suas funções profissionais, os
métodos que regem as diferentes formas de escutar violências (acolhimento,
atendimento, entrevista especializada ou depoimento especial).

Para ter segurança na atuação, é preciso que saiba fazer um diagnóstico de


violências e uma avaliação de fatores de risco; que conheça as boas práticas
no atendimento; que dialogue com os pares; que faça registro e
encaminhamento de situações de violência, assim como que comunique o
fato ao Conselho Tutelar, à Polícia Civil ou ao Ministério Público, notificando a
Vigilância Epidemiológica e fazendo os encaminhamentos na rede de
proteção.

Sempre leve em conta o protocolo e os fluxos de atenção às violências de


seu município, para evitar a superposição de tarefas e revitimização.

Para fortalecer esse pilar, saiba


responder às questões abaixo:
Quais políticas, programas e ações regem meu trabalho?

Quais atividades eu desempenho de forma exclusiva e em equipe na


atenção a crianças, adolescentes e suas famílias?

Quais possibilidades de atuação diante das violências contra crianças e


adolescentes que ocorrem no meu município?

Quais lacunas impedem meu trabalho e o que faço frente a isso?

Qual o planejamento de minhas ações?

Quais recursos técnicos posso utilizar com crianças e adolescentes em


situação de violência?

Como atuar de forma planejada e articulada?


Preparo Emocional
Para finalizar a Tríade do Preparo, o Preparo Emocional representa o
autoconhecimento, o autocuidado e a gestão das emoções para que
reconheça limites pessoais e saiba agir com qualidade, além de preservar
sua saúde mental. A questão não é saber atuar com todas as pessoas e em
todas as situações, mas sim separar o que é de ordem pessoal e
profissional, e quais são seus limites em cada situação. Realizar supervisão,
discussão de casos e terapia fazem parte do cotidiano de pessoas que
trabalham com violências.

Esse pilar, no que diz respeito ao


atendimento de pessoas em situação de
violência, traz os seguintes
questionamentos:
Existem questões pessoais que podem interferir na atenção?

Lida com situações que a(o) deixam abalada(o) emocionalmente? O que


faz em relação a isso?

Qual a qualidade dos vínculos que mantêm com seus colegas de trabalho
e com as pessoas atendidas?

Você exercita empatia e conexão com as pessoas?

Você se comunica de forma eficaz?

Quais transformações você é capaz de gerar?


Sobre escutar...
Escutar uma criança ou adolescente em situação de violência se trata
de uma postura. Significa ouvir com atenção, ter presença e
consciência para que possa criar um vínculo e se conectar com as
necessidades daquele que se encontra diante de você. Buscando
compreender qual o lugar de cuidado que aquela pessoa te coloca
enquanto agente de proteção e transformação social.

Nesse momento, é preciso respeito em relação ao tempo do outro e


atenção para o que é expresso naquele campo, seja de forma verbal ou
por meio da comunicação não verbal, como comportamentos
rebaixados e silenciamentos.

Trata-se de uma relação de cuidado, em que saber ouvir é mais


importante que saber perguntar. Significa me desprender de
estereótipos, preconceitos e ideiais e de fato compreender a realidade
tal qual se apresenta, atenta aos recursos disponíveis e
potencialidades das pessoas atendidas em reconhecerem a situação
de violência, romperem com os ciclos de violações e prevenirem novas
situações permeadas por abusos e maus tratos.

Neste âmbito, importa olhar para os sujeitos de forma integral, sem


reduzi-los à situação de violência ou esperando que tenham
comportamentos específicos diante do que vivenciaram. Cada sujeito
tem uma história e uma perspectiva de vida, e o meu foco estará na
proteção e provimento de cuidados.
PRINCIPAIS NORMATIVAS
Sistema de Garantia de Direitos
Assegura e fortalece os direitos fundamentais da infância e da adolescência

1988 1990 2006


Constituição Federal Lei n.º 8.069, que Resolução n.º 113/2006, do
dispõe sobre o CONANDA, que dispõe sobre os
Estatuto da Criança parâmetros para instituição e
e do Adolescente fortalecimento do Sistema de
Garantia dos Direitos da Criança e
do Adolescente

2017 2018 2022


Lei n.º 13.431, que Decreto n.º 9.603, Lei n.º 14.344, que cria
estabelece o Sistema que regulamenta a mecanismos para a prevenção
de Garantia dos Lei nº 13.431, de 4 de e o enfrentamento da violência
Direitos da Criança abril de 2017 doméstica e familiar contra a
e do Adolescente criança e o adolescente
Vítima ou
Testemunha de
Violência
Constituição Federal
Artigo 227:
É dever da família, da sociedade e do
Estado assegurar à criança, ao adolescente
e ao jovem, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e
opressão.

§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência


e a exploração sexual da criança e do adolescente.

Lei n.º 8069/1990


Estatuto da Criança e do Adolescente

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma


de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou
omissão, aos seus direitos fundamentais.

Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de


tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou
adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar
da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.
Resolução CONANDA n.º 113/2006
1. Art. 5º Os órgãos públicos e as organizações da sociedade civil, que
integram esse Sistema, deverão exercer suas funções, em rede, a
partir de três eixos estratégicos de ação:

Defesa
A Garantia do acesso à justiça, ou seja, pelo recurso às instâncias públicas e mecanismos
jurídicos de proteção legal dos direitos humanos. Fazem parte deste eixo:
•Varas da Infância e Juventude;
•Varas Criminais, as Comissões de Adoção;
•Corregedorias dos Tribunais;
•Coordenadorias da Infância e Juventude;
•Defensorias Públicas;
•Serviços de Assistência Jurídica Gratuita;
•Promotorias do Ministério Público;
•Polícia Militar e Civil;
•Conselhos Tutelares;
•Ouvidorias; e
•Centros de Defesa da Criança/Adoles. (Cedecas)

Além de outras entidades e instituições que atuam na proteção jurídico-social. Promoção:


este eixo se faz por meio do desenvolvimento da "política de atendimento dos direitos da
criança e do adolescente" (Art. 86 ECA).

Promoção Controle
De forma transversal e intersetorial, este eixo é Instâncias públicas colegiadas próprias
responsável por transformar o que está previsto na pelas quais se assegure a paridade da
lei em ações práticas. Por exemplo, quem realiza o participação de órgãos governamentais
direito à educação são os professores, e de entidades sociais, tais como:
coordenadores pedagógicos e todos os atores da Conselhos dos direitos de crianças e
comunidade escolar. O mesmo vale para os direitos adolescentes; Conselhos setoriais de
do campo da saúde, saneamento básico e todos os formulação e controle de políticas
outros que ocupam o leque das necessidades públicas; os órgãos e os poderes de
básicas das crianças e dos adolescentes. controle interno e externo.

Em qual eixo você se encontra e qual seu papel?


Lei n.º 13.431/2017
Também conhecida como "Lei da Escuta Protegida", a qual
estabelece o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do
Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência.

Art. 4º. Para os efeitos desta Lei, sem prejuízo da tipificação das
condutas criminosas, são formas de violência:

I - violência física

II - violência psicológica

III - violência sexual

IV - violência institucional

V - violência patrimonial
Violência física
Ação infligida à criança ou ao adolescente que
ofenda sua integridade ou saúde corporal ou que lhe
cause sofrimento físico.
(BRASIL, 2017)

Lembrar a Lei n.º 13.010/2014, conhecida como “Lei Menino


Bernardo”. Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito
de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou
de tratamento cruel ou degradante, como formas de
correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto,
pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos
responsáveis, pelos agentes públicos executores de
medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa
encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou
protegê-los.

Violência física - sinais e sintomas


(WAKSMAN et al., 2018; BRASIL, 2010)

Presença de lesões que não se adequam às causas alegadas;


Hematomas ou cicatrizes em diferentes fases de cicatrização;
Medo dos pais ou responsáveis;
Desconfia do contato com adultos;
Fugas do lar;
Baixa autoestima;
Comportamento agressivo com colegas;
Está sempre alerta.
Violência psicológica
(BRASIL, 2017)

a) qualquer conduta de discriminação, depreciação ou


desrespeito em relação à criança ou ao adolescente mediante
ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, agressão verbal e xingamento, ridicularização,
indiferença, exploração ou intimidação sistemática (bullying)
que possa comprometer seu desenvolvimento psíquico ou
emocional;

b) o ato de alienação parental, assim entendido como a


interferência na formação psicológica da criança ou do
adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores,
pelos avós ou por quem os tenha sob sua autoridade, guarda
ou vigilância, que leve ao repúdio de genitor ou que cause
prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculo com
este;

c) qualquer conduta que exponha a criança ou o adolescente,


direta ou indiretamente, a crime violento contra membro de sua
família ou de sua rede de apoio, independentemente do
ambiente em que é cometido, particularmente quando isto a
torna testemunha.
Violência psicológica - sinais e
sintomas
(WAKSMAN et al., 2018; BRASIL, 2010)

Isolamento social;
Carência afetiva;
Regressão a comportamentos infantis;
Submissão e apatia;
Dificuldades ou problemas escolares;
Autolesão ou tendências suicidas.

Negligência - sinais e sintomas


(WAKSMAN et al., 2018; BRASIL, 2010)

Vestimenta inadequada ao clima;


Necessidades de higiene não atendidas;
Demonstra necessidade de cuidado com saúde,
alimentação e educação;
Fadiga constante;
Pouca atividade motora;
Isolamento social;
Falta de concentração devido às necessidades não
atendidas.
Violência sexual
(BRASIL, 2017)
Identificada como qualquer conduta que constranja a criança ou o
adolescente a praticar ou presenciar conjunção carnal ou qualquer outro ato
libidinoso, inclusive exposição do corpo em foto ou vídeo por meio eletrônico
ou não;

Abuso sexual

Visto como toda ação que se utiliza da criança ou do adolescente para fins
sexuais, seja conjunção carnal seja outro ato libidinoso, realizado de modo
presencial ou por meio eletrônico, para estimulação sexual do agente ou de
terceiro;

Exploração sexual comercial

Entendida como o uso da criança ou do adolescente em atividade sexual em


troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação, de modo
independente ou sob patrocínio, apoio ou incentivo de terceiro, quer de
maneira presencial quer por meio eletrônico;

Não se fala mais em “prostituição infantil” – crianças e adolescentes


ocupam a posição de vítimas e exploradas; e elas não estão a trabalhar,
mas sim a ser exploradas.

Tráfico de pessoas

Reconhecido como o recrutamento, o transporte, a transferência, o


alojamento ou o acolhimento da criança ou do adolescente, dentro do
território nacional ou para o estrangeiro, com o fim de exploração sexual,
mediante ameaça, uso de força ou outra forma de coação, rapto, fraude,
engano, abuso de autoridade, aproveitamento de situação de vulnerabilidade
ou entrega ou aceitação de pagamento, entre os casos previstos na
legislação;
Violência sexual - sinais e sintomas físicos
(WAKSMAN et al., 2018; BRASIL, 2010)
1. Lesões localizadas em região genital ou por infecções
sexualmente transmissíveis (ISTs);
2. Gravidez precoce ou aborto;
3. Manifestações de sexualidade precoce para a idade. Exemplos:
brincadeiras sexuais erotizadas ou com o uso de força dirigidas a
outras crianças e/ou masturbação compulsiva;
4. Presença de hematomas. Exemplo: marcas de corda, cinto e
mordidas;
5. Ausência de cuidados com higiene;
6. Resquícios de sangue provenientes das partes íntimas nas
roupas;
7. Dificuldades para caminhar e sentar;
8. Dor ao urinar;
9. Uso de roupas inadequadas ao clima;
10. Dificuldades do sono.

Violência sexual - sinais e sintomas psicológicos e


comportamentais
(WAKSMAN et al., 2018; BRASIL, 2010)

1. Alterações alimentares, como comer demais ou de menos;


2. Fadiga e cansaço;
3. Dificuldades de aprendizagem e baixo rendimento escolar. Exemplos: notas baixas na
escola, dificuldades para se concentrar;
4. Alterações do sono. Exemplo: pesadelos durante a noite;
5. Alterações do humor. Exemplo: comportamentos agressivos ou extremamente
passivos;
6. Depressão;
7. Desconfiança extrema e desmotivada. Exemplo: medo de ficar só ou em companhia
de determinadas pessoas;
8. Preferência de um lugar significativo a outro. Exemplo: a criança prefere a escola à
casa. Ou não quer ir para a escola ou à casa de alguém específico, desmotivadamente e
não declaradamente;
9. Fugas de casa ou da escola e faltas escolares;
10. Agitação e choro desmotivado;
11. Uso de álcool e outras drogas ou prática de pequenos furtos.
Essa forma de violência nos convida a olhar para o nosso
Violência trabalho e para as ações da equipe.

institucional Temos que nos reconhecer enquanto responsáveis pelo


cuidado, proteção e defesa de crianças e adolescentes,
no entanto, posso também ser um agente violador.
Compreendida como a
praticada por instituição Qual a qualidade dos vínculos que temos estabelecido
pública ou conveniada, com as crianças e adolescentes atendidos por nós?
inclusive quando gerar
Crianças e adolescentes são ouvidos em suas
revitimização necessidades?

(BRASIL, 2017) Há um espaço de respeito e cuidado para falar de


suas questões?

Quando pensamos em crianças institucionalizadas,


estas têm um espaço ou uma figura de confiança para
falar de violências que, porventura, ocorram dentro da
própria instituição?

A estrutura em que eu atendo permite um acolhimento


e uma escuta de qualidade?

Como a violência institucional opera


AÇÃO (ATOS COMISSIVOS): OMISSÃO (ATOS OMISSIVOS) REVITIMIZAÇÃO
Consigo me desvincular de Atenção às necessidades Repetição de atos de
preconceitos, estereótipos e dessas pessoas; violência pelo agressor;
ideais (infância, juventude,
família)? Acompanhamento dos casos Passar por procedimentos
e encaminhamentos. desnecessários, invasivos ou
Naturalizo as violências? repetitivos – que a levam a
reviver a violência sofrida,
Deixo que as pessoas falem ou estigmatização ou exposição
eu falo por elas? de sua imagem.

Informo as crianças e Repetição do fato.


adolescentes sobre o que vai
acontecer com elas ao longo do Peregrinação por serviços.
atendimento;

Incluo nos processos


decisórios?
Violência institucional
Como evitar?
A intervenção profissional deve ser planejada e articulada, desde o
estabelecimento de fluxos e protocolos de atendimento.

Deve haver qualificação técnica das pessoas envolvidas nos


atendimentos, evitando qualquer tipo de improviso ou amadorismo.

Ter cuidado com intervenções excessivas, pensar em um bom


compartilhamento de informações (com ética e sigilo), em um trabalho
interdisciplinar e intersetorial.

Fazer uma avaliação frequente do trabalho prestado. Tão logo ocorra o


acolhimento, o atendimento, a escuta especializada ou o depoimento
especial, você deve registrar o que desenvolveu e avaliar o processo de
atenção.

A atuação profissional deve superar discursos e práticas de controle,


normatização e poder sobre as famílias, buscando conexão à realidade e
às necessidades das famílias e da comunidade.

Entender que as ações da equipe devem se pautar naquilo que é melhor


para as crianças e adolescentes e não naquilo que é melhor para as(os)
profissionais ou para o serviço.
Violência patrimonial
Acrescida à Lei n.º 13.431/2017 por meio da Lei n.º 14.344/2022, que
cria mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da violência
doméstica e familiar contra a criança e o adolescente.

Descrita como qualquer conduta que configure retenção, subtração,


destruição parcial ou total de seus documentos pessoais, bens,
valores e direitos ou recursos econômicos, incluídos os destinados a
satisfazer suas necessidades, desde que a medida não se enquadre
como educacional.
A proteção da vítima

De modo a evitar maiores traumas


decorrentes do fato e a repetição
do ocorrido.
A atenção às situações
A identificação e a
de violência deve ter responsabilização dos autores
da violência
duas vertentes
A partir da comunicação às
autoridades competentes, para que
Decreto n.º 9.603/2018 seja feita a devida apuração. Vale

Regulamenta a Lei n.º frisar que não compete às(aos)


profissionais terem certeza de fatos
13.431/2017 para que seja feita a comunicação.

Quando estamos lidando com situações de violência,


precisamos tomar diferentes iniciativas, sendo elas:

Entender de que forma(s) de violência estamos falando;

Atuar no sentido de que essa violência pare;

Tomar atitudes para que essa violência não aconteça novamente;

Efetuar o atendimento de modo que possa minimizar as sequelas


da violência sofrida;

Efetivar a reparação dos direitos;

Realizar ações constantes de prevenção.


O Decreto n.º 9.603/2018 aduz:
Os serviços deverão compartilhar entre si, de forma integrada, as informações
coletadas junto às vítimas, aos membros da família e a outros sujeitos de sua
rede afetiva, por meio de relatórios, em conformidade com o fluxo estabelecido,
preservado o sigilo das informações.
Intervenção Mínima

Os profissionais envolvidos no Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e


do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência primarão pela não
revitimização da criança ou do adolescente e darão preferência à abordagem de
questionamentos mínimos e estritamente necessários ao atendimento.

▪ A busca de informações para o acompanhamento da criança e do adolescente


deverá ser priorizada com os profissionais envolvidos no atendimento, com seus
familiares ou acompanhantes (privilegiar outras fontes de informação)

Intervenção Precoce

Lei n.º 13.431/2017

Nos casos de violência sexual, cabe ao responsável da


rede de proteção garantir a urgência e a celeridade
necessárias ao atendimento de saúde e à produção
probatória, preservada a confidencialidade.

Representar ao Ministério Público para que proponha ação


cautelar de antecipação de prova, sempre que a demora
puder causar prejuízo ao desenvolvimento da criança ou do
adolescente.

Decreto n.º 9.603/2018

A criança e o adolescente devem receber intervenção


precoce, mínima e urgente das autoridades competentes
tão logo a situação de perigo seja conhecida.
Acolhida da Revelação
Espontânea de violências
III - acolhimento ou acolhida - posicionamento
ético do profissional, adotado durante o processo
de atendimento da criança, do adolescente e de
suas famílias, com o objetivo de identificar as
necessidades apresentadas por eles, de maneira a
demonstrar cuidado, responsabilização e
resolutividade no atendimento (Decreto n.º
9.603/2018).

Deve contemplar:
Acolhimento e não culpabilização;
Vinculação positiva;
Fala livre de interrupções;
Suporte emocional;
Informações sobre direitos;
Encaminhamentos.
Questões primordiais:
(SANTOS; iPPOLITO, 2009)

Alguém mais sabe sobre isso?


Como?
Quando?
Onde?
Quem? - Se a criança ou o adolescente se
referir a um fato provocado por alguém)

Você deve buscar saber


O que já foi feito em relação à situação;
Quem seriam as pessoas protetivas;
Possíveis riscos;
Decisões urgentes a serem tomadas.
Se não há nenhum relato
específico, e você está
lidando apenas com sinais e
sintomas:
Você pode buscar um diálogo mais próximo
com a criança, descrever o que vê, e
questionar:
Tem alguma coisa acontecendo?
Algo que a(o) preocupa?
Você pode estar com medo de alguém ou
alguma coisa?

Lembre-se que violência não é apenas


aquilo que deixa marcas na pele e
você não precisa ter certeza de nada
para denunciar. Basta ter a suspeita
para exercer seu papel de agente de
proteção e transformação social!
Local adequado:
É aquele que preserva a pessoa e o que ela diz;
Limpo;
Arejado;
Livre de interrupções.

Postura
Quebre a relação de autoridade;
Cuidado com a forma de contato;
Escuta ativa.

Cuidado!!!
Perguntas sugestivas (que trazem
uma informação nova);
Perguntas fechadas (que têm sim e
não como resposta ou uma resposta
específica);
Perguntas culpabilizantes.

Exemplos:
Foi fulano que fez Isso?
Por qual motivo não contou antes?
Você sabe que isso é muito sério?
Diferenciação entre escuta especializada
e depoimento especial
Escuta especializada

Art. 7º Escuta especializada é o procedimento de entrevista sobre


situação de violência com criança ou adolescente perante órgão
da rede de proteção, limitado o relato estritamente ao necessário
para o cumprimento de sua finalidade (Lei n.º 13.431/2017).

Atenção!
A escuta especializada é um procedimento realizado quando a rede de
proteção não dispõe de elementos suficientes para realizar a
proteção e o cuidado da criança ou adolescente e precisa conhecer
como a situação de violência se constrói - quem cometeu a violência,
onde; quando; quais os impactos para o corpo e a saúde emocional
daquela criança ou adolescente; necessidades de alimentação,
ensino, saúde e higiene; estrutura familiar; figura protetiva; riscos e
vulnerabilidades.

Realizada pelos órgãos da rede de proteção nos campos da


educação, da saúde, da assistência social, da segurança pública e
dos direitos humanos;

Não é pautada em protocolos específicos;

É voltada ao acolhimento e à reabilitação da criança ou adolescente


vítima ou testemunha de violência;

Serve para assegurar o processo de atenção, desde o acolhimento


até a superação das consequências da violação sofrida;

Tem a finalidade de proteção social e de provimento de cuidados.


Diferenciação entre escuta especializada e
depoimento especial

Depoimento especial

Art. 8º Depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança


ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante
autoridade policial ou judiciária (Lei n.º 13.431/2017).

Atenção!
O depoimento especial serve para a produção de provas;

Ocorre perante autoridade policial ou judiciária;

É regido por protocolos específicos;

É gravado e transmitido em tempo real, de modo a possibilitar o


contraditório e ampla defesa;

É voltado para fatos que regem a situação de violência.


Fluxo Padrão
REVELAÇÃO ESPONTÂNEA

SAÚDE EDUCAÇÃO Art. ASSISTÊNCIA


CONSELHO TUTELAR COMUNIDADE
Art. 13 do ECA 56 do ECA SOCIAL

REGISTRO DE INFORMAÇÃO INICIAL -REVELAÇÃO ESPONTÂNEA


toda a rede pronta para ouvir – capacidade de ouvir

ESCUTA ESPECIALIZADA –Art. 9 e Art. 19


Profissionais capacitados na rede

Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de


tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou
adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho
Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências
legais.(Redação dada pela Lei n.º 13.010, de 2014).
Fluxo elaborado por Janice Merigo, Assessora em Políticas Públicas da Federação
Catarinense de Municípios , 2019.
Fluxo de Atendimento Integrado

Fluxo elaborado por UNICEF e CHILDHOOD, 2021.


Registro de Informações
Segundo os parâmetros de atuação do Sistema Único de Assistência
Social (SUAS) no sistema de garantia de direitos da criança e do
adolescente vítima ou testemunha de violência (BRASIL, 2020):

a) As informações que o(a) profissional transmitirá à equipe


responsável pelo atendimento e acompanhamento devem se ater ao
mais próximo possível à reprodução do relato da criança ou
adolescente, sem interpretações ou julgamentos por parte do (da)
profissional.

b) O meio pelo qual o(a) profissional acionará a equipe responsável


direta pelo atendimento e acompanhamento deve ser definido em
âmbito local - comunicação oral, relato escrito, reunião de equipe,
dentre outros procedimentos - e considerar a celeridade do
atendimento que estas situações exigem.

Decreto n.º 9.603/2018


Art. 28. Será adotado modelo de registro de informações para
compartilhamento do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do
Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência, que conterá, no mínimo:

I - os dados pessoais da criança ou do adolescente;

II - a descrição do atendimento;

III - o relato espontâneo da criança ou do adolescente, quando houver, e

IV - os encaminhamentos efetuados.
Importante: você irá informar o que é estritamente necessário para a proteção e o
provimento de cuidados na rede de proteção, por meio de relatórios, conforme
preconização na Lei 14.344/2022. As informações relevantes dizem respeito ao nome
das pessoas envolvidas na situação de violência, riscos avaliados, formas de
violência percebidas, local de ocorrência e momento de ocorrência (considerando,
principalmente, a efetivação de medidas de profilaxia de urgência), entre outras
informações que considerar pertinentes acerca da higiene, alimentação, educação,
relações interpessoais e saúde. Caso não disponha dessas informações, tenha em
vista apenas o nome dos envolvidos e possíveis situações de violências.
Para fazer uma escuta que
proteja, precisamos de:
Presença;
Conexão;
Intervenção necessária e fundamental;
Diálogo e articulação com a rede;
Comunicação e encaminhamento;
Ações de prevenção.

Seja profissional da tríade ao


desenvolver os preparos
teórico, técnico e emocional!
Referências
BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Brasília, 1988.

BRASIL. LEI N.º 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e dá outras providências. Brasília, 1990.

BRASIL. Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes. RESOLUÇÃO N.º
113, DE 19 DE ABRIL DE 2006. Dispõe sobre os parâmetros para a institucionalização e
fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Brasília, 2006.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações


Programáticas Estratégicas. Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de
crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para
gestores e profissionais de saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.

BRASIL. LEI N.º 13.431, DE 04 DE ABRIL DE 2017. Estabelece o sistema de garantia de


direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e altera a Lei
nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Brasília, 2017.

BRASIL. DECRETO N.º 9.603, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2018. Regulamenta a Lei nº 13.431, de


4 de abril de 2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do
adolescente vítima ou testemunha de violência.

BRASIL. Ministério da Cidadania. Parâmetros de atuação do Sistema Único de


Assistência Social (SUAS) no sistema de garantia de direitos da criança e do
adolescente vítima ou testemunha de violência. Brasília, 2020.

BRASIL. LEI N.º 14.344, DE 24 DE MAIO DE 2022. Cria mecanismos para a prevenção e o
enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente.

CHILDHOOD BRASIL. Atendimento Integrado a Crianças Vítimas ou Testemunhas de


Violência no Planejamento Plurianual dos Municípios e Estados Brasileiros 2018-2021:
implementando a Lei n.º 13.431/2017.

SANTOS, B. R.; IPPOLITO, R. Guia de referência: construindo uma cultura de prevenção


à violência sexual. São Paulo: Childhood - Instituto WCF-Brasil: Prefeitura da Cidade
de São Paulo. Secretaria de Educação, 2009.

WAKSMAN, R. D.; HIRSCHHEIMER, M. R.; PFEIFFER, L. (coords). Sociedade de Pediatria de


São Paulo. Sociedade Brasileira de Pediatria. Manual de atendimento às crianças e
adolescentes vítimas de violência. 2.ed. Brasília, DF: Conselho Federal de Medicina,
2018.
Obrigada!
Me. Iramaia Ranai Gallerani
Psicóloga, CRP-12/14108

Contatos:
maiagallerani@gmail.com
@psi.iramaiagallerani

Produção
Instituto Ranai - Ensino e Desenvolvimento

Você também pode gostar