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EM BUSCA DA MELHORIA DO ENSINO NA 1a. SÉRIE DO 1o. GRAU


ATRAVÉS DA SUPERVISÃO ESCOLAR UMA PROPOSTA COLETIVA
DE TRABALHO INSPIRADA NOS PRINCÍPIOS DO PSICODRAMA DE J.
L. MORENO1

Célia Maria Fernandes Nunes2


Prof. Dr. Antônio dos Santos Andrade3

Um dos problemas do sistema escolar brasileiro que tem sido


tema de interesse de diversos profissionais e pesquisadores é o
número crescente de reprovações e evasões de escolares que
ingressam na primeira série do primeiro grau. A maioria destas
crianças pertence às camadas populares e, após sucessivas
reprovações abandona a escola ou é conduzida para as “Classes
Especiais”.
Até o início das primeiras pesquisas sobre evasão e
reprovação das crianças nas séries iniciais no Brasil, em meados
de 1960, o problema era concebido sob o ponto de vista
psicológico “em que ao aluno era imputado a responsabilidade do
insucesso. A sua incapacidade cognitiva, emocional ou
psicomotora o impedia de corresponder aos programas escolares
propostos” (Miranda, 1983, p. 49). Considerava-se também a
pobreza como determinante comum à grande massa de crianças
fracassadas, postulando que,por não terem tido um ambiente

1
Artigo publicado em: “NUNES, C.M.F. e ANDRADE, A.S. (1996) Em
Busca da Melhoria do Ensino na 1a. Série do 1o. Grau através da
Supervisão Escolar uma Proposta Coletiva de Trabalho Inspirada nos
Princípios do Psicodrama de J. L. Moreno. . Em: Goyos, A.C., Almeida,
M.A. e Souza, D. (Orgs.) Temas em Educação Especial III (p.: 443-450).
São Carlos, SP: Ed. da UFSCar”.
2
Professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de Ouro Preto.
3
Professor Doutor de Psicologia Escolar na Graduação e Psicologia e Educação no Programa de
Pós-Graduação em Psicologia do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (E-mail: antandra@ffclrp.usp.br, home-page:
http://gepsed.ffclrp.usp.br .)
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estimulante, não teriam a oportunidade de realizar experiências


importantes para o bom desenvolvimento tanto cognitivo como
afetivo e social, levando a escola a criação dos programas de
educação compensatória. Segundo Collares (1988), na escola
também tem se explicado que o fracasso das crianças é decorrente
da desnutrição, das verminoses, enfim de uma condição adversa à
saúde. Com o passar dos anos um outro contexto veio sendo
enfatizado, o de que mecanismos educacionais e principalmente a
prática docente, levam à discriminação e marginalização de
certos alunos, resultando no fracasso dos mesmos. Entendemos que
neste aspecto intra-escolar a presença do supervisor na escola
poderia se transformar num meio de promoção pedagógica do
professor, resgatando principalmente a auto-imagem, a crença em
suas próprias capacidades educadoras e o envolvimento afetivo
saudável em suas tarefas cotidianas e com seus alunos.
Entretanto, o que percebemos é que o supervisor escolar vem
recebendo uma formação baseada num modelo voltado para o
controle de produtividade do ensino, no qual sua função na
escola consiste na fiscalização da eficiência da tarefa
educativa, resumindo-se às tarefas burocráticas. Acreditamos que
o supervisor escolar pode se tornar um agente de mudanças na
escola, onde mais do que técnico, ele pode ser um profissional
que se compromete e se insere junto aos professores, em busca de
uma melhoria de ensino, principalmente se estimular o trabalho
em equipe.
Entretanto a habilidade de trabalhar com grupos, tarefa um
tanto difícil, mas fundamental, para profissionais que pretendem
trabalhar dentro de uma postura democrática, também não vem
sendo contemplada na formação dos profissionais da educação. Com
o intuito de contribuir para o desenvolvimento de trabalhos
nesta área, procuramos desenvolver um trabalho, no qual foram
utilizadas as concepções do Psicodrama de J. L. Moreno, para o
desenvolvimento de atividades em grupo, já que esta proposta
possibilita analisar a relação que os participantes têm com o
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trabalho e com as pessoas nele envolvidas. O trabalho com


grupos, proposto pelo Psicodrama, desenvolve-se a partir do
contexto social dos próprios participantes, que trazem para
dentro dos grupos em funcionamento em sua organização, elementos
desse contexto. Também se buscou estimular a criatividade e
espontaneidade profissional dos participantes, observando o seu
desenvolvimento, neste aspecto.
O objetivo principal deste estudo consistiu em buscar a
melhoria do rendimento nas primeiras séries do primeiro grau de
uma escola pública de Minas Gerais, a partir da ação do
supervisor escolar numa proposta de trabalho coletivo. Para se
alcançar este objetivo atuou-se visando: melhorar a relação
professor-aluno; desestimular a rotulação de alunos que não
apresentassem rendimento satisfatório; promover o planejamento
pedagógico em grupo; e valorizar a relação professor-supervisor.

PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS

Como procedimento de coleta de dados optou-se por utilizar


uma abordagem qualitativa inspirada em trabalhos que se utilizam
de uma abordagem etnográfica, explorando o cotidiano da escola
(Andrade 1990, André e Lüdke, 1986, André e Mediano, 1990).
Os dados coletados resultaram de três fontes básicas:
diários de campo (observação e atuação profissional), entrevista
e análise de documentos. Para a análise dos dados coletados em
cada fonte foi organizado um procedimento em etapas,
procurando-se fazer uma análise do conteúdo que havia sido
registrado organizando-se então as categorias de análise.

A PROPOSTA DE TRABALHO COLETIVO JUNTO AO GRUPO DE PROFESSORES

O Trabalho procurou explorar o cotidiano da prática de um


supervisor junto à quatro professores de primeira série de uma
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escola municipal da cidade de Mariana, MG, durante o ano de


1993.
A proposta da supervisão pedagógica adotada na escola
procurou valorizar a postura de uma ação democrática, dando ao
grupo a oportunidade de crescimento, criatividade e liberdade de
expressão, discutindo os assuntos que emergiam do próprio grupo
de professores a partir da necessidade e interesse destes,
almejando assim um real envolvimento de todos em busca da
melhoria da qualidade de ensino. Sendo assim as estratégias
pedagógicas implementadas foram sendo construídas no decorrer do
estudo num processo de auto-gestão, na qual cabia ao supervisor
a tarefa de coordenador do grupo.
Procurou-se criar situações de discussão para que o
professor pudesse rever a sua própria prática e o seu papel no
contexto escolar, analisando o que fazer para melhorá-lo. O
acompanhamento pedagógico dos professores pelo supervisor era
feito através de: contato informal com cada um, contato com os
alunos e reuniões de planejamento semanal.
Diferentes assuntos foram levantados e discutidos durante
as reuniões semanais ou em contatos na prática diária. Estes
foram organizados em temas que representaram as dificuldades e
interesses manifestados pelos professores na prática da sala de
aula conforme quadro a seguir:

No. TEMA DEFINIÇÃO


1o. Criatividade do Aspectos que possibilitassem maior participação e desenvolvimento
aluno da criatividade do aluno.
2o. Correção das Aspectos adotados pelo professor, relacionados ao procedimento de
atividades correção das atividades.
3o. Tipo de letra Aspectos importantes a serem considerados no tipo de letra
adotado.
4o. Rendimento da Turma Aspectos para análise e avaliação contínua do rendimento da turma.
5o. Ritmo dos alunos Aspectos referentes ao ritmo de aprendizagem apresentado pelos
alunos.
6o. Atividades de Propostas de atividades a serem desenvolvidas para o melhor
Reforço rendimento dos alunos.
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7o. Atividades Análise da importância da utilização de atividades de matemática


concretas em vivenciadas pelos alunos.
matemática
8o. Auxílio de Aspectos relacionados à necessidade do professor para atuar com
psicólogas no alunos “difíceis”
diagnóstico dos
alunos
9o. Auto Avaliação do Análise feita pelos próprios professores quanto a sua atuação
professor profissional.
10o. Jogos de fixação. Proposta de jogos para fixação do conteúdo apresentado, garantindo
a aprendizagem.
11o. Atividade de Análise da importância do desenvolvimento de atividades de
leitura leitura.
12o. Recursos Análise da importância e do tipo de recurso pedagógico a ser
pedagógicos utilizado na alfabetização.
13o. Introdução dos Discussão dos aspectos a serem considerados na apresentação dos
fonemas. fonemas na alfabetização.
14o. Avaliação dos Descaracterização da postura de avaliação geralmente feita pela
alunos pela supervisão.
supervisão.
15o. Contato com os Análise da importância da participação dos pais nas atividades
pais. desenvolvidas na escola.
16o. Avaliação Discussão dos aspectos que devem ser considerados na avaliação
Bimesstral bimestral.
17o. Atividades de Análise da importância do desenvolvimento de atividades de
Escrita escrita.
18o. Rotina Diária. Aspectos importantes a serem introduzidos na rotina diária de sala
de aula.

Quadro 1: TEMAS DISCUTIDOS DURANTE AS REUNIÕES DE PLANEJAMENTO.

Dentre os temas mais discutidos nas reuniões de


planejamento pelos professores, destacavam-se os referentes ao
rendimento da turma e às atividades de reforço. Considera-se
assim a preocupação dos professores em relação ao sucesso de seu
trabalho, junto aos alunos, na tentativa de encontrar
alternativas para as dificuldades que iam encontrando no
decorrer do ano, mostrando assim um real compromisso com o
trabalho que desenvolviam.
Quanto a protagonização dos temas, um dos professores se
sobressaiu em relação aos demais. Analisou-se que provavelmente
este fato ocorreu por ele ser o que possuía maior experiência
com alfabetização, o que facilitava a sua participação nas
reuniões.
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Em relação aos índices de produtividade das primeiras


séries, considerando-se apenas o valor médio das aprovações no
final de 1993 e comparando-o com os dos anos anteriores,
constatou-se que não houve uma alteração significativa neste
índice. Conforme se pode observar na tabela abaixo:

Tabela 1: ÍNDICE DE RENDIMENTO DAS TURMAS DE PRIMEIRA SÉRIE.


ANO TUR MATR TRANS MATR. APROVAÇÃO REPROVAÇÃO EVASÃO
MÁ INICI. FEREN FINAL
No. % No. % No. %
A 29 00 29 25 86.2 04 13.8 00 00.0
1991 B 26 01 25 15 60.0 10 40.0 00 00.0
C 30 00 30 11 36.7 11 36.7 08 26.6
Total 85 01 84 51 60.7 25 29.8 08 09.5

A 30 00 30 25 83.3 00 00.0 05 16.7


B 32 00 32 18 56.3 07 21.9 07 21.8
1992 C 30 00 30 15 50.0 10 33.3 05 16.7
D 32 00 32 00 00.0 32 100.0 00 00.0
Total 124 00 124 58 46.8 49 39.5 17 13.7

A 32 06 26 19 73.1 05 19.2 02 07.6


B 30 00 30 19 63.3 09 30.0 02 06.7
1993 C 32 02 30 16 53.3 09 30.0 05 16.7
D 35 03 32 18 56.3 09 28.1 05 15.6
Total 129 11 118 72 61.0 32 27.1 14 11.9

Entretanto, houve três aspectos importantes que


representaram uma melhoria quanto ao rendimento nas primeiras
séries, no ano de 1993. O primeiro deles foi a maior
uniformidade do índice nas diversas turmas, indicando que o
trabalho coletivo desenvolvido parece ter possibilitado que não
ocorresse uma diferença tão grande no índice de aprovação entre
as várias turmas, como, por exemplo, ocorreu em 1992, no qual se
uma turma atingiu 83,3% de aprovação (Turma “A”), outra
apresentou 100% de reprovação (Turma “D”).
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O segundo aspecto referiu-se à recuperação do grupo de


alunos que haviam sido reprovados no ano anterior e que
continuaram na escola em 1993. A maioria deles conseguiu ser
aprovada conforme observamos na tabela abaixo:

Tabela 2: TOTAL DE ALUNOS QUE FORAM REPROVADOS NA PRIMEIRA SÉRIE


EM 1992 E QUE CONTINUARAM NA ESCOLA EM 1993, A TURMA
QUE FREQÜENTARAM E O DESEMPENHO OBTIDO.
TURMA No. de Desempenho em 1993
alunos Aprovação Reprovação Evasão
A 00 00 00 00
B 02 01 01 00
C 02 00 01 01
D 13 11 01 01
Total 17 12 03 02

O terceiro aspecto foi a “desconstrução” de uma turma que,


até o ano anterior, vinha sendo considerada como “Classe
Especial”, aquela que reprovou todo os seus alunos. As ações do
supervisor, em 1993, possibilitaram que aqueles alunos,
distribuídos em diversas turmas, conseguissem, pouco a pouco, se
livrarem do rótulo de “deficientes”, que ano anterior justificou
suas reprovações. Apesar das dificuldades encontradas neste
processo de descaracterização daqueles alunos, foi possível, com
a proposta de trabalho desenvolvida, obter a aprovação de mais
da metade deles, interrompendo um processo que poderia levá-los
à uma rotulação permanente.
Os dados coletados no desenvolvimento da pesquisa permitem
concluir que é possível desenvolver uma proposta de trabalho
coletivo com professores da primeira série do primeiro grau
visando a diminuição da reprovação, apesar de todas as
dificuldades que geralmente são encontradas dentro de uma
estrutura escolar. Entretanto, para isso, é necessário que todos
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os envolvidos no processo sejam levados a compreender suas reais


dificuldades e buscarem saídas para os problemas que forem sendo
identificados. Somente através do desenvolvimento de um processo
de ação-reflexão-ação o professor se posicionará de forma
comprometida, possibilitando assim efetivas mudanças. Além desse
aspecto, pôde-se perceber entre os professores, através do
trabalho coletivo, o surgimento do espírito de grupo, onde o
interesse e colaboração de cada um e a participação nessa
dinâmica de trabalho possibilitou o desenvolvimento de uma maior
criatividade pedagógica, já que o grupo se comprometia e se
empenhava na identificação das falhas e na busca de formas para
a sua superação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ANDRADE, A. S. “O cotidiano da escola pública de primeiro grau:


um estudo etnográfico”. Cadernos de Pesquisa (73): 26-37,
1990.
ANDRÉ e LÜDKE, M.: Pesquisa em educação: abordagens
qualitativas. São Paulo: E.P.U., 1986.
------ e MEDIANO, Z. D. “O cotidiano da escola: elementos para a
construção de uma didática fundamental” IN: CANDAU,V.M. Rumo à
uma nova Didática, 3ed., Petrópolis, RJ, Vozes, 1990.
COLLARES,C.A.L. “Ajudando a desmistificar o fracasso escolar”.
IDÉIAS, FDE, São Paulo, (6), 1988.
MIRANDA,M.G.de Do cotidiano da escola: observações preliminares
para uma proposta de intervenção no ensino público. São Carlos
(Dissertação de Mestrado), 1983.
MORENO,J.L. Fundamentos do Psicodrama (Trad.: Maria S. Mourão
Neto), São Paulo: Summus, 1983.
------,Psicodrama(Trad.: Alvaro Cabral),São Paulo:Cultrix, 1987.
ROMANA,M.A. Psicodrama Pedagógico. Campinas, SP: Papirus, 1987.
----------- Construção coletiva do conhecimento através do
Psicodrama. Campinas, SP: Papirus, 1992.

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