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Além de representar uma das infecções bacterianas mais prevalentes nos lactentes,
essa infecção merece ser estudada com um cuidado especial por mais uma razão. O
reconhecimento e o diagnóstico precoce são fundamentais para prevenir ou minimizar
a formação de cicatrizes renais, possíveis complicações dos quadros de pielonefrite.
Essas cicatrizes, que se formam principalmente em recém-nascidos e lactentes, têm
como temida complicação o desenvolvimento de doença renal crônica ou hipertensão
arterial no futuro, ainda que o relato de ITU prévia em crianças com doença renal
crônica seja menos comum nos dias de hoje.
EPIDEMIOLOGIA
Em mais alguns parágrafos, falaremos sobre as manifestações clínicas que podem ser
encontradas e você verá que a febre pode ser a única manifestação. Dito isso, um dado
epidemiológico bastante importante que você deve conhecer é o seguinte: os
lactentes atendidos em serviços de emergência com quadro de febre sem sinais de
localização apresentam prevalência global de ITU de cerca de 3,5%.
Quando avaliamos uma criança com febre, os seguintes dados aumentam o risco de
tratar-se de uma ITU.
● Sexo feminino: etnia branca, idade inferior a 12 meses, temperatura ≥ 39°C, febre
por mais do que dois dias, ausência de outros sinais.
● Sexo masculino: etnia não negra, temperatura ≥ 39°C, febre por mais do que 24
horas, ausência de outros sinais de infecção.
Durante o primeiro ano de vida, há maior prevalência dos episódios no sexo masculino.
A relação sexo masculino: sexo feminino é de 2,8-5,4:1. Isto mesmo! No primeiro ano
de vida, para cada menina que recebe o diagnóstico de ITU, chegamos a encontrar
cinco meninos com o mesmo problema. No sexo masculino, a maior parte dos
episódios ocorre ainda nos primeiros meses de vida e são mais comuns na ausência de
circuncisão, como veremos adiante. Após esta fase da vida, isso modifica-se
dramaticamente e passamos a ter uma relação entre os sexos masculino e feminino de
1:10. Ou seja, para cada menino com ITU, haverá dez meninas com o mesmo quadro.
Na verdade, esta é uma separação arbitrária, pois a partir dos seis meses o quadro já é
mais frequente no sexo feminino. Na população feminina, há um pico de incidência no
primeiro ano de vida e outro pico importante durante o treinamento de controle
esfincteriano. O início da atividade sexual no sexo feminino também se relaciona com
surtos de ITU.
ETIOLOGIA
FISIOPATOLOGIA
Do mesmo modo, a pielonefrite se estabelece por ascensão da bactéria pelo ureter até
a pelve renal, mas não basta que isso ocorra. As papilas renais são dotadas de
mecanismos antirrefluxo, que impedem o retorno da urina oriunda da pelve renal,
mas, em algumas regiões, o refluxo intrarrenal pode se estabelecer. Caso isso
aconteça, teremos o desenvolvimento de uma resposta inflamatória e imunológica.
Analisando esse processo, é fácil perceber que os fatores que interferem no fluxo
miccional ou que facilitam a ascensão bacteriana representam fatores de risco para o
desenvolvimento dos quadros de ITU. Confira os principais na Tabela 1
Uma exceção a esta sequência de eventos é o observado em recém-nascidos, que
podem desenvolver um quadro de pielonefrite a partir de uma disseminação
hematogênica.
Alguns dos fatores de risco acima indicados merecem ser avaliados com mais detalhes.
Veja-os a seguir:
● Ausência de circuncisão: os quadros de ITU são muito mais comuns em meninos que
não foram circuncisados, especialmente durante o primeiro ano de vida. Algumas
séries relatam um aumento de dez vezes na incidência da ITU em meninos não
circuncisados em comparação aos que foram submetidos à circuncisão. Não é difícil
entender esta associação. A presença do prepúcio favorece a proliferação bacteriana e
contaminação da região periuretral. Conforme a pele do prepúcio torna-se mais
retrátil, o risco vai diminuindo;
● Disfunção miccional: como estudaremos adiante, nos quadros de disfunção
miccional ocorre alguma incoordenação entre o relaxamento do esfíncter uretral e a
contração do músculo detrusor. As consequências desta falta de coordenação,
essencial para que a micção seja normal, incluem alterações no fluxo da micção e
também o estabelecimento de resíduo pós-miccional;
● Constipação: é reconhecidamente um fator de risco. É possível que a distensão do
reto, provocada pelo bolo fecal impactado, possa obstruir o fluxo urinário, levando a
disfunção e resíduo pós-miccional.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
As manifestações clínicas da infecção urinária são heterogêneas, variando de acordo
com a localização do processo inflamatório (cistite × pielonefrite) e de acordo com a
faixa etária. A ideia é que, quanto menor for a criança, mais inespecíficos serão os
sinais e sintomas identificados.
Nos quadros de cistite, as crianças maiores (em especial as maiores de cinco anos)
podem apresentar urgência urinária, aumento da frequência ou disúria. A dor
abdominal ou suprapúbica também pode ser referida, bem como a descrição de urina
fétida e turva. A incontinência urinária ou enurese em crianças que já tinham o
controle esfincteriano pode ser uma manifestação de ITU.
Durante o exame físico, cabe destacar alguns cuidados: a pressão arterial deve ser
avaliada (crianças que desenvolvem repetidos episódios com doença renal crônica
podem ter hipertensão); a avaliação do crescimento é fundamental, pois alterações no
crescimento podem indicar doença crônica subjacente; e a palpação abdominal
sempre deve ser cuidadosa, bem como a inspeção perineal (permite a identificação de
lesões, vulvovaginites ou sinéquia de pequenos lábios). Não se esqueça, ainda, de
avaliar a região lombar, pois alterações nesta região podem indicar malformações
subjacentes da medula que também são fatores de risco.
DIAGNÓSTICO
Não há dúvidas de que o diagnóstico de certeza de uma ITU na população pediátrica é
difícil, porém necessário. Portanto, em pacientes pediátricos, não podemos abrir mão
dos recursos laboratoriais para que possamos estabelecer o diagnóstico.
OBTENÇÃO DE AMOSTRA
● Saco coletor: quando empregado, alguns cuidados devem ser seguidos. A higiene
deve ser feita de forma apropriada e o adesivo deve estar bem adaptado ao contorno
da genitália. Além disso, o saco deve ser trocado a cada 30 minutos, até que a amostra
de urina seja obtida. O risco de contaminação das amostras de urina obtidas desta
forma é alto e, em geral, a recomendação é de que o resultado da urinocultura seja
valorizado, principalmente, quando for negativo. Por esta razão, alguns indicam que,
se houver necessidade do início imediato do tratamento, a amostra para urinocultura
não seja obtida desta maneira. Pode ser usado como método para obtenção de
amostra para realização de EAS;
● Punção suprapúbica: embora seja um método invasivo, é seguro, principalmente
quando guiado por ultrassonografia. A punção está especialmente indicada nos casos
em que a coleta por via natural suscita dúvidas (diarreia aguda, dermatite perineal,
vulvovaginites e balanopostites);
● Cateterismo vesical: método bastante empregado. A Academia Americana de
Pediatria indica que, nas crianças com idade entre 2 e 24 meses sem controle
esfincteriano, as amostras para urinocultura sejam obtidas pelo cateterismo ou pela
punção suprapúbica.
BACTERIOSCOPIA
Uma gota de urina não centrifugada é colocada em lâmina e corada pelo método de
Gram. O achado de uma ou mais bactérias por este método se correlaciona
fortemente com bacteriúria significativa na urinocultura.
UROCULTURA
Fique atento ao seguinte: nem todo crescimento bacteriano indica uma ITU que deve
ser tratada.
Algumas crianças apresentam uma condição denominada bacteriúria assintomática. O
quadro se caracteriza pela presença de três urinoculturas consecutivas com bacteriúria
significativa em um período de três dias a duas semanas, podendo ser transitória ou
persistente, e é mais comum no sexo feminino. O tratamento não é recomendado,
salvo em gestantes e indivíduos que serão submetidos a alguns procedimentos
urológicos.
TRATAMENTO
Tratamento sintomático
Podem ser prescritos analgésicos e antitérmicos na presença de dor e/ou febre. As
possíveis complicações advindas do quadro, como o desenvolvimento de desidratação,
devem ser prontamente tratadas.
TRATAMENTO ERRADICADOR
O tratamento deve ser instituído o mais brevemente possível. Alguns fatores
aumentam o risco de desenvolvimento de cicatrizes renais, tais como: crianças
menores de um ano de idade, atraso no tratamento maior que 72 horas, crianças com
altos graus de refluxo, malformações com caráter obstrutivo e ITU recorrentes.
CISTITE
PIELONEFRITE
Nas crianças em que é feita a suspeita clínica de pielonefrite pela presença de febre,
pode ser necessária a hospitalização. A internação está indicada para os lactentes mais
jovens (o Tratado da Sociedade Brasileira de Pediatria indica a internação para os
menores de três meses); para as crianças desidratadas, com vômitos ou incapazes de
ingerir líquidos; e para as crianças com sinais de sepse.
ACOMPANHAMENTO
A identificação dos possíveis fatores de risco que levaram ao desenvolvimento do
episódio de ITU traz evidentes benefícios. Sabemos que o principal mecanismo de
defesa contra a ocorrência de uma ITU é o livre fluxo da urina, desde o parênquima
renal até a micção. Deste modo, quando esta condição é diagnosticada, algum fator
morfofuncional que interfira neste livre fluxo pode estar presente.
Além disso, podem ser indicados exame de imagem para avaliação de alterações
morfológicas, como o refluxo vesicoureteral. Essas indicações são, sem sombra de
dúvidas, alvo de grandes controvérsias dentro do universo da nefro e da uropediatria.
É um método seguro, sem efeitos colaterais e que possibilita avaliar rim, bexiga e a
presença de hidronefrose, litíase, abscesso renal, entre outras condições. Tem baixa
sensibilidade na demonstração de refluxo e cicatrizes renais.
Este método é invasivo, mas relativamente seguro. A UCM é o método utilizado para
identificação e classificação do grau do refluxo vesicoureteral, que veremos com mais
detalhes em uma seção específica. O exame consiste na cateterização da bexiga e
injeção de contraste, objetivando mapear se há refluxo para ureteres e pelve renal. O
exame só pode ser feito após o término do tratamento erradicador e a Sociedade
Brasileira de Pediatria recomenda que a criança esteja recebendo antibioticoprofilaxia
para sua realização.
CINTILOGRAFIA
Cintilografia Renal Estática
A cintilografia com DMSA é útil na detecção de cicatrizes renais, quando feita meses
após o episódio agudo, e também no diagnóstico de uma infecção aguda (pielonefrite),
quando feita na fase aguda da doença. Cerca de 50% das lesões agudas identificadas
durante um processo inflamatório do parênquima são revertidas. Por isso, se o
objetivo é detectar sequelas tardias ou cicatrizes irreversíveis, recomenda-se que o
exame seja feito quatro a seis meses após a resolução da ITU.
UROGRAFIA EXCRETORA
ESTUDOS URODINÂMICOS
São reservados para crianças com suspeita de algumas disfunções miccionais e bexiga
neurogênica.
● Crianças menores de dois anos: estão indicadas a USG de vias urinárias e a UCM.
» Se for detectado refluxo, a investigação é complementada com a cintilografia
estática com DMSA, cujo objetivo principal é identificar a presença de cicatrizes renais.
» Na presença de hidronefrose ou suspeita de obstruções, indica-se a realização da
cintilografia estática com DMSA, dinâmica com DTPA ou urografia excretora.
● Crianças maiores de dois anos: realiza-se inicialmente a USG e, se esta estiver
alterada, complementa-se a propedêutica com os demais exames disponíveis (UCM e
cintilografia com DMSA ou DTPA).
É interessante observar que, poucos meses antes da publicação deste livro, o próprio
Departamento de Nefrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria publicara um
documento científico com recomendações distintas. Neste documento, do final de
2016, a recomendação era:
Nesta importante referência para os concursos, não encontramos uma única indicação,
mas sim a descrição de diversos tipos de acompanhamentos propostos por várias
fontes distintas.
QUIMIOPROFILAXIA