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Quando tratar uma infecção do trato

urinário? Como diferenciar uma infecção do


trato urinário baixo de uma do trato urinário
alto? 4.1
DEFINIÇÃO
A Infecção do Trato Urinário (ITU) é definida como uma resposta inflamatória dos
tecidos de qualquer parte do trato urinário à invasão bacteriana ou, mais raramente,
a outros agentes infecciosos, como fungos e vírus. A presença de patógenos na
urina implica colonização, infecção ou contaminação, pois se espera que ela seja
estéril.

Pode ser sintomática ou assintomática e, em alguns casos, evoluir com sepse e até
morte, caso não seja tratada.

Bacteriúria assintomática é um termo muito utilizado e significa isolamento de


bactérias na urina, em contagens significativas, porém, sem sintomas locais ou
sistêmicos.

Conforme o guideline da European Association of Urology (2019), a bacteriúria


assintomática é definida por duas uroculturas positivas, colhidas na sequência e
contendo 100 mil unidades formadoras de colônias por mL (UFC/mL) da mesma
cepa bacteriana — geralmente apenas a espécie pode ser detectada, quando mais
de uma espécie está presente, temos que estar atentos com a possibilidade de
contaminação. Para as mulheres, consideram-se necessárias duas amostras,
enquanto para os homens, apenas uma amostra é suficiente. Em casos de urina
cateterizada, é necessária apenas uma amostra com mais de 100 UFC/mL para
ambos os sexos. Vale lembrar que a bacteriúria assintomática é independente da
leucocitúria, podendo esta última estar presente ou não. Em casos de ITU por S.
saprophyticus ou Candida, o cut-off (valor de corte) de 10.000 UFC/mL é aceito.

A ITU é considerada a infecção bacteriana mais comum, porém, sua real incidência
não é totalmente conhecida. Nos Estados Unidos, estima-se que, anualmente, cause
cerca de 7 milhões de consultas ambulatoriais, 1 milhão de consultas de emergência
e 100 mil hospitalizações, sendo a sua incidência duas vezes maior entre mulheres.

Entre as infecções nosocomiais, a ITU é a primeira em incidência, embora a


mortalidade das pneumonias nosocomiais seja maior.

Entre os homens, são incomuns até os 50 anos. Após essa idade, pode ocorrer
hiperplasia prostática, causando obstrução no fluxo urinário, com aumento da
incidência.

Além disso, algumas populações são especialmente suscetíveis à ITU, incluindo


crianças pequenas, mulheres grávidas, idosos, pacientes com lesões medulares,
usuários de sondas vesicais, diabéticos e imunossuprimidos.
4.2 CONCEITOS
Diversos termos relacionados às ITUs, usados de forma muitas vezes indevida,
devem ser conhecidos para melhor caracterização das infecções.

4.2.1 Bacteriúria

É anormal a presença de bactéria na urina, em qualquer quantidade. Muitas vezes, é


difícil diferenciar bacteriúria decorrente de infecção ou contaminação. Assim, em
1956, foi introduzido, por Kass et al., o termo bacteriúria significativa, ou seja, mais
de 100.000 colônias/mL. Estudos recentes consideram infecção em mulheres
sintomáticas com contagem de 103 bactérias/mL, homens com contagem de 10 5
bactérias/mL e pacientes com uso de cateteres urinários com contagem de 10 2
bactérias/mL. Aproximadamente, 5% dos adultos jovens terão bacteriúria pelo
menos uma vez, e a incidência aumenta com a idade, na taxa de 1 a 2% por década.
Desenvolve-se muito mais em mulheres com história de infecções urinárias
frequentes e, se não houver história de infecção sintomática, há a tendência de, em
poucos dias, desaparecer espontaneamente. Contudo, em 52% das mulheres nas
quais a bacteriúria desaparece, haverá recorrência da bacteriúria assintomática,
algumas vezes sintomática, pelo menos uma vez, nos próximos dois anos.

4.2.2 Bacteriúria assintomática

Como norma geral, segundo as diretrizes da Sociedade Brasileira de Urologia em


conjunto com a Sociedade Brasileira de Infectologia, Sociedade Brasileira e
Ginecologia e Obstetrícia e a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina
Laboratorial (2020), pacientes idosos e com disfunções neurogênicas, diabéticos,
em uso de cateter vesical, transplantados ou antes de cirurgia ortopédica não devem
ser tratados com antibióticos, pois existe o risco desnecessário de seleção de
bactérias mais resistentes e da interação alérgica às drogas, além dos custos dos
tratamentos.

A bacteriúria assintomática deve ser tratada previamente com procedimento


urológico invasivo e em gestantes. Há algumas indicações controversas, como nos
primeiros três meses após o transplante renal, neutropenia de alto risco — menos
que 100 neutrofilos/mm³, por sete ou mais dias após quimioterapia — e na retirada
de cateteres urinários de demora — discute-se a possibilidade de diminuição do
risco de infecção urinária em alguns pacientes.
4.2.3 Infecção urinária recorrente por reinfecção

Trata-se de infecção das vias urinárias causada por novos micro-organismos em


intervalos variáveis após a erradicação de infecção prévia. É provável que 80% de
todas as infecções recorrentes do trato urinário sejam reinfecções, cujas causas
ainda não estão completamente esclarecidas. Porém, técnicas modernas de imagem
têm demonstrado estruturas celulares bacterianas chamadas fímbrias ou pili, que
são apêndices proteicos filamentosos e longos, que se aderem às células uroteliais,
como causa de reinfecção.

4.2.4 Infecção urinária recorrente por recidiva/persistência

Trata-se da infecção das vias urinárias causada pelo mesmo micro-organismo


durante ou após a conclusão do tratamento. Na infecção recorrente por reinfecção,
há um novo micro-organismo ou o mesmo após erradicação da infecção prévia, e, na
infecção recorrente por recidiva, há o mesmo micro-organismo durante ou após a
conclusão do tratamento – a maior causa é a resistência a antibiótico.

4.2.5 Piúria

A presença de leucócitos na urina, conhecida como piúria, não é indicação absoluta


de infecção urinária inespecífica.

É importante salientar que é muito comum a interpretação equivocada de piúria


como infecção urinária. Não se deve esquecer que a presença de bactérias é
importante para tal diagnóstico. Podem causar piúria: tuberculose urinária, cálculos
renais, vaginites, vulvites, cistite química — uso de ciclofosfamida — e uretrites.
Presença de piúria isolada não é indicação para tratamento.

4.2.6 Infecção urinária complicada e não complicada

A cistite aguda e a pielonefrite em mulheres saudáveis na pré-menopausa e não


grávidas sem anormalidade do trato urinário são classificadas como não
complicadas. Todas as outras são consideradas ITU complicadas.
#importante
Na ITU, piúria e leucocitúria são sinônimos ou existe
diferença entre eles? Normalmente, nos casos de
infecção do trato urinário, os termos são utilizados
como sinônimos. Em pacientes verdadeiramente
infectados, um número significativo de leucócitos,
acima de 10/µL ou 10.000/mL, geralmente deve estar
presente. Dada a associação muito alta entre
infecção e piúria, a ausência de piúria na avaliação
microscópica pode sugerir colonização em vez de
infecção quando há bacteriúria — embora
bacteriúria e piúria não signifiquem
necessariamente infecção, particularmente se não
houver sintomas.

4.3 ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA


Desenvolvem-se mais frequentemente em mulheres, quando uropatógenos da flora
fecal colonizam o introito vaginal. Ao discutir ITU, devem ser considerados fatores
relacionados ao micro-organismo e ao hospedeiro. Entre os fatores do micro-
organismo, estão a virulência e a resistência a antimicrobianos.

São categorias de alterações de exames de urina relacionadas à presença de


bactéria:

• Bacteriúria assintomática;

• ITU aguda (baixa) não complicada em mulheres;

• Pielonefrite aguda não complicada;

• ITU complicada — o que inclui, ITU em homens;

• ITU recorrente — profilaxia com antibiótico.

As infecções urinárias são causadas, principalmente, por germes Gram negativos,


sendo cerca de 85% pela bactéria Escherichia coli, cujos fatores de virulência já
foram amplamente estudados.

Considera-se vir de fonte intestinal, sendo o seu reservatório a colonização do cólon.


Infecções nosocomiais são causadas, principalmente, por Pseudomonas aeruginosa
e Serratia marcescens, que requerem tratamentos diferenciados. Cerca de 10% das
infecções urinárias sintomáticas do trato urinário inferior, em mulheres sexualmente
ativas, são causadas pelo Staphylococcus saprophyticus. Outros agentes
importantes são Enterococcus spp. e outros bacilos Gram negativos, como
Klebsiella, Proteus e Enterobacter, que têm outros mecanismos de adesão epitelial.
Os Proteus mirabilis são importantes por produzirem urease, uma enzima que
decompõe a ureia, tornando a urina alcalina, o que favorece a precipitação de
fosfatos e a formação de cálculos de fosfato amoníaco-magnesiano (estruvita).
Alguns fatores são importantes para o aparecimento de ITU. Entre os relacionados
ao hospedeiro estão idade, fatores comportamentais, Diabetes Mellitus (DM), lesão
espinal, cateterização vesical e gravidez.

4.3.1 Idade

Na população geriátrica, a apresentação clínica da ITU é frequentemente atípica.

Há alta prevalência de bacteriúria assintomática, por isso, uma urocultura positiva


não necessariamente requer tratamento. A maioria dos estudos envolveu idosos
institucionalizados e pode não refletir o que ocorre com aqueles que vivem
independentemente na comunidade. O risco de ITU associa-se a dificuldade de
controle urinário — incontinência em mulheres e prostatismo em homens. O uso de
cateteres urinários e as alterações anatômicas ou funcionais do trato urinário
também são fatores de risco. A ITU aumenta a prevalência de incontinência urinária
em mulheres mais idosas e também o risco de morte, significativamente.

A bacteriúria assintomática é comum e geralmente benigna, afetando até 50% das


mulheres e 30% dos homens em instituições, e a sua frequência aumenta com a
idade e com as comorbidades, sendo que, entre idosos, a E. coli representa menos
de 50% dos agentes de ITU. Infecções polimicrobianas são frequentes.

4.3.2 Fatores comportamentais

Os fatores comportamentais associados a ITU são atividade sexual — mulheres mais


ativas sexualmente têm maior incidência — e uso de espermicidas, que aumenta a
colonização por E. coli. Não há aumento de risco associado aos hábitos de micção ou
higiene íntima. Há, ainda, diferenças anatômicas que predispõem a ITU, como menor
distância entre a uretra e o ânus.

4.3.3 Diabetes mellitus

Bacteriúria assintomática e ITU sintomática são mais frequentes em diabéticos do


que em não diabéticos. É um fator de risco para pielonefrite e subsequente queda da
função renal em mulheres com DM tipo 1. A presença de DM leva a maior risco de
complicações, incluindo apresentações raras de ITU, como cistite e pielonefrite
enfisematosa, abscesso, necrose papilar e pielonefrite xantogranulomatosa.

Vários fatores no DM têm sido propostos como de risco: controle glicêmico ruim,
duração da doença, microangiopatia diabética, disfunção leucocitária secundária a
hiperglicemia e vaginite de repetição. Além disso, parece haver maior prevalência de
alterações anatômicas e funcionais do trato urinário entre pacientes com DM.
Embora os agentes etiológicos mais comuns sejam E. coli, Klebsiella spp. e
Acinetobacter spp., os agentes estreptococos do grupo B e Candida spp. são causas
de ITU nesses pacientes.
4.3.4 Lesão espinal ou cateterização vesical

A ITU é muito frequente nesses casos e está relacionada a mortalidade e morbidade


importantes. Fatores que aumentam a suscetibilidade são hiperdistensão da bexiga,
dificuldade de micção e litíase urinária.

4.3.5 Gravidez

Cerca de 4 a 10% das gestantes têm bacteriúria assintomática, e 1 a 4%


desenvolvem cistite aguda. A pielonefrite aguda afeta 1 a 2% das mulheres no final
do segundo e no início do terceiro trimestre. As implicações de ITU durante a
gravidez são aumento do risco de pielonefrite, parto prematuro e mortalidade fetal.
Se não tratada, a bacteriúria assintomática pode evoluir para pielonefrite. É possível
que, em gestantes, manifeste-se apenas com sintomas de trato urinário baixo. A
bacteriúria assintomática deve sempre ser tratada em gestantes.

4.4 CLASSIFICAÇÃO
As ITUs podem ser classificadas de acordo com sua localização anatômica, em alta e
baixa, sintomática ou assintomática, complicada ou não complicada, recorrente ou
esporádica. Essa classificação é importante tanto para a terapêutica a ser utilizada
quanto para o tempo de tratamento, que pode variar.

• ITU baixa:

• Cistite;
• Uretrite;
• Orquite;
• Epididimite;
• Prostatite.

• ITU alta:

• Pielonefrite aguda;
• Pielonefrite crônica;
• Pielonefrite xantogranulomatosa;
• Pielonefrite enfisematosa;
• Abscesso perinefrético e paranefrético;
• Abscesso renal.

4.5 OUTROS FATORES ENVOLVIDOS E VIAS DE


AQUISIÇÃO DA INFECÇÃO
4.5.1 Fatores envolvidos

Vários fatores estão envolvidos no desenvolvimento das infecções urinárias, como


virulência da bactéria e mecanismos de defesa do hospedeiro. Destes últimos, um
dos mais importantes é uma sequência de fatores hidrodinâmicos que agem por
meio de diluição, lavagem e eliminação das bactérias, através de diurese e micção
adequada. Quanto à virulência bacteriana, as fímbrias (ou pili) parecem ser um dos
fatores de maior importância nas infecções urinárias.

• Mecanismos de defesa:

• pH e osmolaridade;
• Diurese;
• Camada de mucopolissacarídeos;
• Junção ureterovesical;
• Defesa imunológica;
• Secreções prostáticas.

• Virulência bacteriana:

• Cepas nefritogênicas;
• Elementos de aderência — fímbrias tipos 1 e P;
• Lipopolissacarídeos antiperistálticos;
• Lipopolissacarídeos antifagocitários;
• Produção de hemolisinas — maior citotoxicidade.

4.5.2 Vias de aquisição

Os mecanismos de entrada das bactérias no trato urinário não são sempre


estabelecidos com certeza. Há quatro vias principais: ascendente, hematogênica,
linfática e extensão direta de outro órgão.

4.5.2.1 Ascendente

A ascendente é a via mais frequente e importante de infecção do trato geniturinário,


que advém a partir da uretra.

Vários mecanismos são necessários para haver a infecção vesical, como a


colonização por bactérias da flora intestinal, por fatores mecânicos, defecação,
higiene pessoal e sudorese. Como a uretra feminina é mais curta e há tendência de
colonização do períneo e do vestíbulo vaginal por bactérias da flora intestinal, as
mulheres são mais suscetíveis a infecções por essa via. A colonização dependerá da
competição com a flora local e do pH vaginal, muito influenciado pelo nível de
estrogênio.

4.5.2.2 Hematogênica

Trata-se de uma disseminação rara e ocorre em situações específicas, como


tuberculose, abscessos renais e perinefréticos.
4.5.2.3 Linfática

Trata-se de uma disseminação provável, porém, rara. Há especulação, e poucas


provas, de que a contaminação por bactérias da próstata e da bexiga via linfática
ocorra por meio dos capilares periuretrais e periuterinos.

4.5.2.4 Extensão direta

Algumas doenças podem causar infecção urinária por extensão direta: abscessos
intraperitoneais, causados por doenças intestinais inflamatórias, como diverticulite,
abscessos perivesicais e fístulas do trato geniturinário.

4.6 ACHADOS CLÍNICOS


4.6.1 Bacteriúria assintomática

Como já discutido, trata-se de um diagnóstico microbiológico. Afeta cerca de 10%


das gestantes e é mais comum entre diabéticos, idosos e mulheres. A atividade
sexual influencia a sua presença. Também afeta, com alta frequência, idosos
institucionalizados, até 55% das mulheres e 31% dos homens. Geralmente, a
bacteriúria assintomática não deve ser tratada, exceto em grupos específicos, como
gestantes ou indivíduos que serão submetidos a procedimentos com manipulação
de vias urinárias.

4.6.2 Cistite

É a forma mais comum de infecção urinária, mais frequente em mulheres


sexualmente ativas. Mais de 50% das mulheres terão ao menos um episódio de ITU
durante a vida.

Detalhes sobre o assunto serão abordados em capítulo específico do tema.

4.6.3 Pielonefrite

A pielonefrite aguda é uma doença inflamatória infecciosa — com predominância de


Escherichia coli, de 70 a 90% dos casos — que envolve o parênquima e a pelve renal.
A ascendente é a via mais comum de contaminação do trato superior — rim —, a
partir de uma infecção da bexiga que ascende por meio dos ureteres.

Febre, em geral, acima de 38 °C, com calafrios, taquicardia, sinal de Giordano, dor
costovertebral, náuseas e vômitos são sugestivos de pielonefrite.

4.7 EXAMES COMPLEMENTARES


Em mulheres com ITU não complicada, definida pela presença de sintomas como
polaciúria, disúria, dor suprapúbica e urgência urinária, sem alteração estrutural de
trato urinário, o diagnóstico se baseia na história clínica.
Exames complementares — urina tipo I e urocultura — não são indicados a mulheres
com ITU não complicada e sintomática. Quanto a todos os outros pacientes, é
necessária a confirmação diagnóstica, com exames laboratoriais. A ITU em homens
é considerada uma infecção complicada, pois frequentemente se associa a
anormalidades estruturais do trato urinário. Testes com fitas reagentes
quimicamente impregnadas são de grande utilidade, e o resultado positivo
geralmente é suficiente. Se um deles demonstra leucócitos e esterase ou nitrito —
Gram negativos —, pode-se iniciar o tratamento, pois se trata de infecção urinária.
Caso a esterase ou o nitrito sejam negativos e haja leucocitúria, indica-se exame do
sedimento urinário com ou sem bacterioscopia — coloração de Gram —, que poderá
demonstrar presença de bactérias.

A presença de piúria é praticamente universal, seja em pacientes com ITU baixa, seja
com pielonefrite, e a ausência dela sugere fortemente diagnóstico alternativo não
infeccioso. O melhor método para determiná-la é a análise do jato médio da urina por
hemocímetro com contagem maior de 10 leucócitos/mL. Pode estar presente, ainda,
em cerca de 30 a 35% dos indivíduos com bacteriúria assintomática.
Independentemente desse achado, esses pacientes continuam sem indicação de
tratamento, exceto em subgrupos específicos.

A detecção de nitritos na urina, procedimento diagnóstico usado desde 1920,


representa evidência de crescimento bacteriano, com boa sensibilidade e
especificidade diagnóstica àqueles com grandes contagens de bactérias em
urocultura, mas com acurácia inadequada.

O exame definitivo para o diagnóstico de ITU é a urocultura, que deve ser colhida
antes da introdução de antibióticos. Considera-se que o melhor espécime para a
urocultura seja a urina de jato médio após higiene íntima. Realiza-se cultura
quantitativa, e se considera positiva uma contagem igual ou superior a 105 UFC/mL.
Em mulheres com sintomas fortemente sugestivos, pode-se considerar contagens
menores, a partir de 102 UFC/mL.

Hemograma com leucocitose e desvio para a esquerda, com aumento da velocidade


de hemossedimentação, pode ocorrer em pacientes com pielonefrite.

Deve-se suspeitar da presença de complicações, como abscesso perinefrético, em


todos os indivíduos em que a febre não ceda após 48 horas de antibioticoterapia e
exames de imagem devem ser realizados nessa situação. Os seguintes achados
nesses exames são sugestivos da complicação:

• Ultrassonografia demonstrando cavidade espessada com parede cheia de fluido;

• Achados na tomografia são dependentes da evolução. Em estágios iniciais,


aparecem lesões tipo massa e hipodensas, que evoluem com liquefação.
Tipicamente, encontra-se rim hiperdenso, com contraste circundando uma cavidade
de abscesso.
4.8 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O diagnóstico diferencial inclui vaginites e uretrites, conforme já discutido. A cistite
intersticial é outro diagnóstico diferencial que deve ser lembrado, principalmente em
idosos. A pielonefrite aguda, por sua vez, deve ser diferenciada da pielonefrite
crônica, causa comum de doença tubulointersticial por infecções recorrentes, como
as que ocorrem em pacientes com obstrução renal por cálculos ou refluxo
vesicoureteral.

4.9 TRATAMENTO
4.9.1 Bacteriúria assintomática

A bacteriúria assintomática não deve ser tratada, exceto em caso de gravidez e pré-
operatório de cirurgia urológica com potencial de sangramento em mucosa.

Por exemplo, se o paciente for realizar uma vasectomia, a bacteriúria assintomática


não precisa ser tratada; se for realizar um ressecção endoscópica da próstata,
precisa de tratamento.

4.9.2 Cistite na mulher

A mulheres com sintomas sugestivos não se indicam exames de urina ou de


urocultura, desde que sejam excluídas as seguintes condições:

• Febre;

• Sintomas presentes por mais de sete dias;

• Sintomas sugestivos de vaginite;

• Dor abdominal, náuseas ou vômitos;

• Hematúria franca em maiores de 50 anos;

• Imunossupressão;

• DM;

• Gravidez;

• Alterações urológicas ou doença renal crônica;

• Cálculos renais recentes ou atuais;

• Internação hospitalar nas últimas duas semanas;

• Tratamento de ITU nas últimas duas semanas;

• ITU sintomática recorrente.


A indicação da Sociedade Brasileira de Urologia em conjunto com a Sociedade
Brasileira de Infectologia, Sociedade Brasileira e Ginecologia e Obstetrícia e a
Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (2020) para cistite
não complicada em mulheres é:

• Primeira linha:

• Fosfomicina: 3 g, dose única;


• Nitrofurantoína: 100 mg, a cada 6 horas, por 5 dias.

• Segunda linha:

• Cefuroxima: 250 mg, a cada 12 horas, por 7 dias;


• Amoxicilina-clavulanato: 500/125 mg, a cada 8 horas, ou 875/125 mg, a cada 12
horas, por 7 dias.

A escolha inicial do antibiótico depende da resistência esperada ao sulfametoxazol e


à trimetoprima, estabelecida para a região. Se menor de 10 a 20%, tal medicação
pode ser utilizada como agente de escolha. No Brasil, essa resistência é em torno de
30%. Por isso, devemos considerar o sulfametoxazol e a trimetoprima mais para os
pacientes com urocultura prévia documentando sensibilidade ao antibiótico.

Caso não haja a melhora dos sintomas, devem ser realizados exame de urina — urina
I ou sedimento urinário — e urocultura com antibiograma, orientando o tratamento
com base nos seus resultados. É importante lembrar-se, ainda, dos diagnósticos
diferenciais de cistite — vaginite e uretrite.

4.9.3 Cistite na gestação

Devem ser colhidos exames de urina — urina tipo I ou sedimento urinário — e


urocultura, e iniciado o tratamento empírico com:

• Fosfomicina trometamol: 3 g, dose única;

• Nitrofurantoina: 100 mg, a cada 6 horas, por 5 dias — contraindicado após 37


semanas de gestação;

• Amoxicilina-clavulanato: 500/125 mg, a cada 8 horas, ou 875/125 mg, a cada 12


horas, por 7 dias;

• Cefuroxima: 250 mg, a cada 12 horas, por 7 dias.

O tratamento pode ser alterado se necessário, com base no resultado da cultura e no


antibiograma. O uso de quinolonas é contraindicado.

4.9.4 Cistite no homem

Na maioria dos casos, a cistite no homem associa-se a hiperplasia prostática. Devem


ser realizados exame de urina — urina tipo I ou sedimento urinário — e urocultura,
além do exame clínico da próstata. Obviamente que se a história e o exame físico do
paciente sugerirem outros diagnósticos, por exemplo, litíase, exames direcionados
devem ser realizados para cada caso. O tratamento deve durar 7 dias com
nitrofurantoina ou dose única com fosfomicina. Em casos de pacientes muito
sintomáticos ou suspeita de acomentimento prostático, considerar
fluoroquinolonas, como ciprofloxacino ou levofloxacino.

4.9.5 Pielonefrite aguda não complicada

Recomendam-se exame de urina — urina tipo I ou sedimento urinário — e urocultura


com antibiograma. O tratamento inicial deve ser empírico oral ou parenteral, com
internação hospitalar, de acordo com o estado geral do paciente, considerando que
cerca de 12% deles apresentam bacteremia. As opções são:

• Ciprofloxacino: 400 mg IV ou 500 mg VO, a cada 12 horas;

• Levofloxacino: 750 mg IV ou VO, 1x/d — vale lembrar que, para optar por
fluoroquinolonas, a taxa de resistência a tais medicações deve ser menor que 10%;

• Ceftriaxona: 1 a 2 g IM/IV, 1x/d;

• Aminoglicosídeo: IM ou IV, em dose única diária, amicacina, 15 mg/kg, ou


gentamicina, 5 mg/kg.

A duração total do tratamento da pielonefrite aguda não complicada será de 7 a 14


dias, sendo possível a passagem da via parenteral para a oral, conforme melhora do
quadro geral e alta hospitalar.

Se não houver melhora importante do quadro clínico após 24 a 48 horas de


tratamento, deve-se considerar avaliação com imagem para verificar se há
complicações ou abscessos, principalmente na presença de febre persistente por
mais de cinco dias após o início da antibioticoterapia.

4.9.6 Infecções em pacientes com sonda vesical

Por definição, são as infecções com pacientes em uso de sonda crônica ou aqueles
que foram sondados nas últimas 48 horas do início dos sintomas.

Os cateteres devem ser trocados, e uma urocultura deve ser colhida com essa nova
sonda e, caso a bacteriúria persista 48 horas após a retirada, indica-se o tratamento.
Porém, pacientes críticos, com diagnóstico presuntivo de ITU, devem receber
tratamento antibiótico imediato. A terapia antibiótica deve ter duração de 10 a 14
dias, e a escolha do antibiótico depende dos resultados de culturas.

Nos indivíduos em que a coloração de Gram não apresente cocos Gram positivos —
etiologia provável de infecção por Enterococcus ou Staphylococcus coagulase-
negativo —, o agente de escolha é cefalosporina de terceira geração, como
ceftriaxona, 2 g/d, ou fluoroquinolonas, como ciprofloxacino, 400 mg IV, a cada 12
horas.
Na suspeita de infecção por Pseudomonas, indica-se ceftazidima, 2 g, a cada 8
horas, e pode-se considerar usar aminoglicosídeos.

Em infecções por Enterococcus, antibióticos como ampicilina, vancomicina e,


eventualmente, aminoglicosídeos são os agentes de escolha. No caso de paciente
com Staphylococcus coagulase-negativo, o uso é, preferencialmente, de
vancomicina, 1 g, a cada 12 horas.

É importante que o tratamento seja guiado pelo resultado da urocultura.

Outros pontos importantes são:

• Não solicitar urocultura de rotina para pacientes em uso crônico de sonda


assintomáticos;

• Não usar a piúria como indicador de infecção em pacientes com sonda;

• Não usar isoladamente o odor e a coloração da urina para definir infecção em


pacientes com sonda que estejam assintomáticos.

4.9.7 Infecções por Candida

O objetivo do tratamento é erradicar sinais e sintomas que se associam a infecção


urinária parenquimatosa. Esse tratamento pode diminuir o risco de infecção
ascendente ou disseminada. Candidúria assintomática não deve ser tratada.

Aqueles com candidúria sintomática devem ter a sonda vesical trocada e o


tratamento iniciado. São possíveis as seguintes opções: fluconazol 200 mg/d, por 7 a
14 dias; e anfotericina B 0,3 mg/kg/d, em dose única — alguns autores recomendam
curso de até 7 dias.

A irrigação vesical com anfotericina B, na maioria dos casos, melhora


transitoriamente a candidúria, mas não deve ser indicada rotineiramente.

4.10 PROFILAXIA
Em pacientes com ITUs de repetição, definidas por três ou mais episódios ao ano ou
dois episódios nos últimos seis meses, deve ser considerada a profilaxia.

O uso de antibióticos para tal propósito tem demonstrado redução da reinfecção em


aproximadamente 95% — cerca de dois episódios por paciente por ano para 0,1 a 0,2
episódio —, exceto em áreas onde a resistência bacteriana é alta. Uma variedade de
antibióticos pode ser usada na metade da dosagem ou um quarto à noite, antes de
deitar-se. O agente a ser utilizado deve ter boa concentração urinária, ser efetivo
contra bactérias localizadas no introito vaginal e nas fezes e não causar resistência
bacteriana. O tempo de utilização varia de 2 a 6 meses. Em mulheres em que a ITU
tem forte correlação com atividade sexual, pode-se considerar a profilaxia após o
coito.
As opções de antibiótico profilático na gestação são:

• Nitrofurantoina: 100 mg, à noite — contraindicado após 37 semanas de gestação;

• Cefalexina: 250/500 mg, à noite.

As opções de antibiótico profilático recomendados fora do período gestacional são:

• Fosfomicina trometamol: 3 g, a cada 10 dias;

• Nitrofurantoina: 100 mg, à noite.

O estrogênio tópico é altamente efetivo em mulheres na menopausa que


habitualmente apresentam ITU e cistites de repetição. Sua atuação é na restauração
do trofismo vaginal, no restabelecimento da colonização por lactobacilos e na
eliminação dos uropatógenos.

Há estudos em andamento para a prevenção com uso de biologia molecular,


lactobacilos e mesmo sucos ou extratos de cranberry, mas os resultados ainda não
são definitivos.

Quando tratar uma infecção do trato


urinário? Como diferenciar uma infecção do
trato urinário baixo de uma do trato urinário
alto?
É preciso saber que a bacteriúria assintomática deve ser tratada apenas
em duas ocasiões: na gestante e previamente à manipulação cirúrgica
do trato urinário.

As principais diferenças entre uma infecção do trato urinário alto e


baixo estão nos achados clínicos do paciente.

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