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A análise do filme Metropolis (estetica do futurismo)

te filmeo filme Metrópolis não é de hoje e nem do futuro. Ele fala de um lugar
nenhum. Ele não serve a nenhuma tendência, partido ou classe. Ele tem uma moral que
cresce quando há compreensão: o mediador entre o cérebro e as mãos deve ser o
coração.

Thea von Harbou, 1925

SPOILERS!

Quando filmou Metrópolis (1927), Fritz Lang já tinha grande importância para a então
jovem história do cinema, com longas como As Aranhas (1919 – 1920), A Morte
Cansada (1921), Dr. Mabuse, o Jogador (1922) e Os Nibelungos (saga dividia em A
Morte de Siegfried e A Vingança de Kriemhilde, ambos de 1924).

Após o lançamento da segunda parte de Os Nibelungos, Lang foi enviado para os


Estados Unidos pela UFA (estúdio para o qual trabalhava), ao lado do produtor Erich
Pommer e de uma pequena equipe técnica, para aprender técnicas de produção e
comprar equipamentos modernos – estamos falando de 1924 –. Enquanto Lang viajava,
sua esposa, Thea von Harbou, desenvolvia o roteiro para uma ideia sobre a qual os dois
haviam pensado em filmar, uma história baseada em um cenário ditatorial futurístico
onde as máquinas dominavam as pessoas e também o seu modo de vida. Emprestando
motivos de Frankenstein (Mary Shelley, 1818) e When The Sleeper Wakes (H. G.
Wells, 1899), Harbou e Lang terminaram o roteiro ainda em 1924, e o remeteram à
UFA, que confiante na reputação de Lang e na eficiência do período que ele passou nos
Estados Unidos (visitando também Hollywood), aprovou o alto orçamento para a
produção do filme.

As filmagens de Metrópolis começaram em 22 de maio de 1925 e terminaram em 30 de


outubro de 1926. Em termos estéticos e temáticos, o filme era absolutamente
monumental.

Para a imagem geral da cidade, Lang inspirou-se na visão que teve dos arranha-céus de
Nova York e pediu para que o desenhista de produção, Erich Kettelhut, esboçasse
cenários baseados nas descrições do roteiro e da novelização que Harbou escrevia em
paralelo, material que foi primeiramente lançando em partes na revista Illustrierte Blatt,
de Frankfurt (1925), e posteriormente publicado em livro.

Metrópolis é uma gigante cidade com um sistema de organização social e trabalhista


bastante comum ao que conhecemos no capitalismo pós-Primeira Revolução Industrial
(1750), porém, com funcionamento estilizado e dramatizado em favor da arte. Por ser
um lugar marcado pelo mais alto nível tecnológico (a ambientação do longa é em
2026), Metrópolis tem uma superfície que é um verdadeiro sonho. Prédios gigantes,
aviões circulando edifícios, pontes quilométricas, luzes, carros, urbanização. É uma
espécie de “centro do mundo” onde o engenho humano parece ter alcançado o seu
ponto máximo. Seu esquema de organização é dual. Nas mais altas torres e no Jardim
dos Prazeres, os Mestres e seus filhos, as cabeças da cidade. Nas profundezas, os
operários e seus filhos, as mãos que fazem tudo funcionar.
Quando Freder avista Maria pela primeira vez temos o momento-chave do filme. Antes
mesmo de ter a alucinação com a máquina/Moloch (a verdadeira face das engrenagens
de Metrópolis), Freder se dá conta de que faz parte de um “plano” maior. Ele vê os
‘irmãos’ dele, com atenção, pela primeira vez. É como este fosse o momento em que
ele se definisse como o Messias.

Perceba a constituição dos quadros. Luz quase uniforme, localizada na fonte, para o
quaro de Freder; bordas difusas e filtro para o quadro de Maria. A indicação a diferença
também pode ser vista a partir do figurino do rapaz, o único a vestir seda inteiramente
branca em seu quadro. Perceba como a colocação dele no quadro da esquerda se liga
com a colocação de Maria no quadro da direita. O mesmo vale para a equivalência dos
que rodeiam cada um.

O roteiro de Lang e Harbou é claramente marcado pelo épico literário, com grandes
sequências desenvolvidas até certo ponto e em seguida a retomada de outra ação
dramática, até completar um ciclo narrativo que se reinicia, já com a história avançada.
Como o filme foi criminosamente picotado após a sua estreia devido ao fracasso de
bilheteria, não podemos apostar todas as fichas no encadeamento rigoroso do enredo
porque sabemos que faltam muitas cenas. Mesmo com a restauração lançada em 2010
(duração de 2h 33min.), já adicionado o material encontrado na Argentina dois anos
antes e a trilha sonora original de Gottfried Huppertz, temos uns buracos que, embora
não nos impeça de entender a fita, impedem que a apreciemos em sua totalidade e com
todos os detalhes pensados e filmados pelo diretor.

A primeira coisa que vemos em Metrópolis é o seu título feito pela junção de luzes,
como se fosse um filme abstrato. Em seguida temos o desenho da cidade, também cheia
de luzes e já em toda sua majestosa arquitetura, mista de Bauhaus e art déco. passamos
então para máquinas em pleno funcionamento, quase em estilo documental (os
fotógrafos tiraram a ideia de dois filmes de Eisenstein, ambos lançados em 1925: A
Greve e O Encouraçado Potemkin), os relógios marcando tempos diferentes — o turno
de 10 horas e a hora real — e então os trabalhadores cabisbaixos e andando como
máquinas, saindo e entrando das profundezas, uma sequência que inspiraria Chaplin ao
realizar Tempos Modernos (1936).

Na alucinação de Freder, a máquina se transforma em um deus-monstro, que engole os


trabalhadores. É o sacrifício constante e necessário que provavelmente seria “mais um”,
caso Freder não o tivesse visto. O cenário aqui foi inspirado no épico Cabíria (Giovanni
Pastrone, 1914).

Mas a história não é centrada unicamente na dominação da tecnologia e alienação


máxima dos trabalhadores e dos mestres. Há um fortíssimo conteúdo político e
ideológico no longa e um leque de visões podem e foram aplicadas a ele ao longo dos
anos, visões que dão a Metrópolis o status temático de crítica ao Fascismo; referências
ao Comunismo (ou pelo menos às ideias de organização de classes sociais pregadas por
Marx e Engels); Cristianismo e Messianismo, focados de forma irônica na pessoa do
bom burguês, representado por Freder; e a dualidade entre Feminismo e Machismo, ao
menos nas visões diferentes que temos de Maria ao longo do filme — muito embora eu
particularmente rejeite a ideia de que uma das Marias seja arquétipo do feminismo.
Nenhuma das duas possuem os requisitos básicos para esse tipo de abordagem, sendo,
ambas as versões, a exploração de um caráter bíblico para a mulher (ou seja, machista),
posta como santa ou prostituta.

O maior exemplar de “fé + obras” que o escopo cristão do filme nos dá vem quando
Freder troca de vida. O Messias Freder, após ver seus irmãos, Maria e Moloch, troca de
vida com o trabalhador #11811. É uma espécie de batismo de fogo ou ritual de
passagem. Antes de chegar às catacumbas e ouvir o discurso pacifista de Maria, é
necessário sofrer, ser esgotado ao máximo. O martírio de Freder é como o de Cristo
(coisa de Messias…). Percebam que Lang dá essa impressão de crucificação através
passagem dos ponteiros do relógio.

Por se tratar de um filme idealmente expressionista — consta que Metrópolis foi o


último filme do Expressionismo Alemão, mas há controvérsias, inclusive de minha
parte, que vejo o movimento de fato esgotado e terminado apenas em 1933, com O
Testamento do Dr. Mabuse, por sinal, também de Fritz Lang –, existe um grande
exagero por parte da interpretação dos atores, além de toda a gloriosa estilização dos
cenários, a temática da loucura e do medo, e uma direção de fotografia que dialoga com
os sentimentos dos personagens através da forte presença ou total ausência de luz,
dinâmica que, em um filme preto e branco, tem impacto realmente grande.

Isolado e meio (?) louco, Rotwang leva Joh Fredersen para o local onde está o robô que,
mais adiante, terá um papel central na narrativa. Repare na compensação de equilíbrio
dos quadros e no pentagrama invertido atrás do robô (Homem-Máquina/Hel/Maria II),
símbolo que abre espaço para um sem-número de teorias da conspiração místicas a
respeito de Rotwang e do filme como um todo.

Na sequência com Rotwang perseguindo Maria (com quadros absurdamente belos e


bem pensados em termos fotográficos e dramáticos), há destaque para a escuridão e
pontos de luz em favor da surpresa da personagem e do público.

Ao longo da projeção, somos brindados com temáticas duais e simbolismos a perder de


vista. Cada um desses elementos são usados pelo diretor para impulsionar uma parte da
trama, como a dualidade entre o Jardim dos Prazeres e o fim do expediente dos
operários; a Cidade das Máquinas (que possui um desenho de produção simplesmente
genial, funcionando como um corpo humano – percebam a ironia –, com órgãos de
diferentes tamanhos, funções diferentes e espalhados de maneira “caoticamente
organizada” pelo espaço) e o cabaré Yoshiwara. Também vale colocarmos aqui o
padrão arquitetônico baixo e simples das casas dos operários e a grandeza da cidade à
superfície, representada principalmente pela Torre de Babel com suas cinco pontas.

A inesquecível transformação do robô em Maria é uma das cenas antológicas do


cinema. Uma sequência com muitos planos médios e gerais mostrando pontos
diferentes do laboratório de Rotwang e o andamento do “experimento”. Esse tipo de
organização cênica será um padrão para os filmes que possuem cenas em laboratórios.

A primorosa montagem foi responsável por esta beleza: a passagem cativante do rosto
do robô para o rosto de Maria. Mesmo séria, perceba que o rosto desta Maria é
completamente diferente da Maria I. A maquiagem e a iluminação dão uma impressão
completamente diferente. Potencialmente sexy e dominadora, embora aparentemente
pacífica.

Outras construções simbólicas e representações podem ser percebidas através dos


figurinos, mesmo os da classe social dos mestres; e das alucinações de Freder, a
primeira, com a máquina se transformando em Moloch – o deus amonita para o qual as
crianças eram sacrificadas sendo jogadas no fogo. A alucinação mostra a Freder a
verdadeira cara de Metrópolis, cobrando o preço de vidas nas profundezas para manter
as luzes e os prazeres na superfície –; e a segunda e mais sensacional, a visão da morte
acompanhada dos sete pecados capitais que ganham vida quando a Maria/Hel/Homem-
máquina aparece pela primeira vez no Yoshiwara e semeia a morte entre os filhos dos
mestres, até então, amigos.

“A falsa Maria dança” é ma das melhores sequências do filme, definitivamente.


Inteligente alternância entre quadros “limpos” e quadros “poluídos” (choque de
composição extremamente eficiente neste contexto), oportuna mudança de ângulo,
proximidade e alcance dos planos. Perceba como a iluminação da falsa Maria é
trabalhada pontualmente enquanto a dos homens no cabaré Yoshiwara é uniforme. O
quadro com os muitos olhos (sensacional!) foi feito com os fotógrafos rebobinando o
filme até certo ponto e então filmando take sobre take de olhos em primeiríssimo plano.
Não se trata, portanto, de um trabalho de montagem externa, mas interna.

O complemento dramático para a dança da falsa Maria vem com a volta do sermão
apocalíptico, dando-lhe a nomenclatura de Besta e causando um colapso nervoso no já
frágil Freder.

E então, como contraponto, a falsa Maria prega para os trabalhadores. A manipulação


das massas aqui é patente. Os trabalhadores sequer questionam a mudança brusca de
comportamento da sua mentora. De pacifista, ela passa para revolucionária belicista. E
tem apoio imediato dos trabalhadores, todos inebriados, mental e sexualmente, pela
mulher que os guia à salvação, ou assim lhes parece.

O ponto mais interessante a ser discutido em termos de representação, no entanto, é a


persona de Rotwang, o inventor. Ideologicamente falando, ele é a colocação tipificada
de Lang para o povo judeu (é importante colocarmos os julgamentos de lado e
lembrarmos que Lang deixou a Alemanha no mesmo dia em que recebeu o convite
pessoal de Joseph Goebbels para representar as ideias do Partido Nazista). Com nariz
proeminente, cabelos assanhados, casa gótica no meio de uma giga-cidade tecnológica,
autor de criações obscuras, ameaçador e detentor de sabedoria impossível de se medir,
o personagem traz o tipo físico, ideológico, simbólico e satírico dos judeus, e é
inclusive posto como o único “diferente” de toda a organização social em duas classes
de Metrópolis. Em termos culturais, ele é o “outro”, a “minoria”.

E com a cidade afundando, temos o clímax do filme. Sequência poderosa, com ritmo
interno e externo invejáveis. A destruição da máquina principal, a inundação da cidade,
a fuga das crianças, o desespero dos adultos, tudo é interessante e bem dirigido, com
uma finalização de montagem de atrações que torna o eventos ainda mais intensos. O
espectador se angustia pela perspectiva de uma maior tragédia acontecer. Note também
que o centro da praça onde o gongo fica vai se preenchendo aos poucos. Maria se torna
um ímã de salvação, a única esperança das crianças.

E o desespero continua, com os trabalhadores correndo atrás de Maria, a bruxa. A


questão aqui é que eles não sabem que existem duas Marias e que estão correndo atrás
da Maria errada. Lang brinca com conceitos medievais (como já fizera com Rotwang) e
modernos, especialmente no quesito das revoluções/revoltas populares de caráter
estúpido.

Mesmo que tenha um final um tantinho decepcionante — mas é possível ver um pouco
de ambiguidade ali! — Metrópolis é um filme para se apaixonar. Grandioso em
cenários, tecnicamente ousado e vanguardista — destaque para a direção de arte,
fotografia e montagem –, com uma trilha sonora sinfônica cujos temas são o corpo do
filme, e uma direção absolutamente precisa, o longa se tornou um marco da ficção
científica e influência direta ou indireta para inúmeros filmes do gênero, robôs das mais
diversas categorias e distopias urbanas. Uma espantosa e inesquecível obra-prima
atemporal e imortal do cinema. LUIZ sANTIAGO ( Critico de cinema ).

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