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HISTÓRIA ECLESIÁSTICA:

ANTIGA E MEDIEVAL
PROF. ME. MARCOS EDUARDO PINTINHA
Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira
REITOR

Reitor:
Prof. Me. Ricardo Benedito de
Oliveira
Pró-Reitoria Acadêmica
Maria Albertina Ferreira do
Nascimento
Prezado (a) Acadêmico (a), bem-vindo Diretoria EAD:
(a) à UNINGÁ – Centro Universitário Ingá.
Prof.a Dra. Gisele Caroline
Primeiramente, deixo uma frase de Novakowski
Sócrates para reflexão: “a vida sem desafios
não vale a pena ser vivida.” PRODUÇÃO DE MATERIAIS
Cada um de nós tem uma grande Diagramação:
responsabilidade sobre as escolhas que Alan Michel Bariani
fazemos, e essas nos guiarão por toda a vida Thiago Bruno Peraro
acadêmica e profissional, refletindo diretamente
em nossa vida pessoal e em nossas relações Revisão Textual:
com a sociedade. Hoje em dia, essa sociedade
é exigente e busca por tecnologia, informação
Camila Adão barbosa
e conhecimento advindos de profissionais que Camila Cristiane Moreschi
possuam novas habilidades para liderança e Fernando Sachetti Bomfim
sobrevivência no mercado de trabalho. Patrícia Garcia Costa
De fato, a tecnologia e a comunicação Produção Audiovisual:
têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, Adriano Vieira Marques
diminuindo distâncias, rompendo fronteiras e
nos proporcionando momentos inesquecíveis.
Márcio Alexandre Júnior Lara
Assim, a UNINGÁ se dispõe, através do Ensino a Osmar da Conceição Calisto
Distância, a proporcionar um ensino de qualidade,
capaz de formar cidadãos integrantes de uma Gestão de Produção:
sociedade justa, preparados para o mercado de Cristiane Alves
trabalho, como planejadores e líderes atuantes.

Que esta nova caminhada lhes traga


muita experiência, conhecimento e sucesso.

© Direitos reservados à UNINGÁ - Reprodução Proibida. - Rodovia PR 317 (Av. Morangueira), n° 6114
UNIDADE ENSINO A DISTÂNCIA

01
DISCIPLINA:
HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL

ESTUDOS HISTÓRICOS NA TEOLOGIA


PROF. ME. MARCOS EDUARDO PINTINHA

SUMÁRIO DA UNIDADE

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................................................4
1. ESTUDO DA HISTÓRIA ECLESIÁSTICA....................................................................................................................5
2. FONTES DA HISTÓRIA ECLESIÁSTICA....................................................................................................................8
3. PAULO DE TARSO..................................................................................................................................................... 14
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................................................................24

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INTRODUÇÃO

O cristianismo é uma religião proveniente do Judaísmo. Para iniciar o estudo da História


Eclesiástica, precisamos contextualizar os fatos: do século I até o início do II século, período em
que o cristianismo ainda era visto como um novo movimento messiânico, ou seja, uma seita local
que Jesus fundou, dentro do judaísmo palestinense.
Para alguns, algo simplesmente justificável porque Jesus nasceu em uma cultura judaica,
foi educado como judeu, depois foi morto e crucificado como o Rei dos judeus. Entretanto, é
necessário compreender que o judaísmo não era monolítico, havia diferenças entre fariseus e
saduceus, os fariseus desprezavam as influências helenísticas e o domínio romano, eram rígidos
no cumprimento da Lei mosaica e da tradição. Os saduceus estavam presos à Lei mosaica e não
estavam ligados à tradição escrita, por isso, eles não aceitavam a ressurreição dos mortos.
Temos que considerar que o cristianismo seguiu reconhecido como um grupo diferente de
seguidores à margem do judaísmo e continuadores da mensagem de Jesus Cristo. Em sua grande

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maioria composta por gente simples e iletrada, que se reunia nas casas ou em locais subterrâneos,
conhecidas como catacumbas, para fazer as orações e celebrar sua fé. O cristianismo permaneceu,
por muito tempo, como uma religião das populações das classes mais baixas, submetidas ao
controle político e econômico dos romanos, ou seja, pessoas que viviam em um contexto de
extrema opressão e miséria.
A história do cristianismo está entrelaçada à história do Império Romano, uma das
maiores organizações territoriais e políticas da humanidade. A construção do Império Romano se
deu com guerras, não houve fases sem ausência de guerras, apenas momentos em que a atividade
militar passou a ser segundo plano. O Império Romano é caracterizado como sociedade agrária,
apesar da sua expansão comercial e produção de mercadorias. A história antiga sobrevivia
inalteravelmente da sociedade rural, ou seja, “[...] ao longo de toda a sua história, a agricultura
representou o setor absolutamente dominante da produção, sempre fornecendo as maiores
fortunas para as cidades” (ANDERSON, 2007, p. 22).
Nesse cenário, delimitaremos o objetivo do estudo da nossa primeira unidade: entender
a importância da História Eclesiástica no estudo da Teologia; as fontes e a metodologia para
investigar as origens do cristianismo, como os primeiros apóstolos organizaram e desenvolveram
as primeiras comunidades e práticas religiosas. Não de forma idealizada ou romântica, mas
construindo uma história viva referenciada nos documentos e textos históricos e respeitando
os limites dos estudos atuais. Para isso, vamos utilizar os textos bíblicos, em especial os Atos dos
Apóstolos e os teólogos da antiguidade, entre eles, os escritos de Eusébio de Cesareia.
Deus nos proporcione discernimento e ilumine os nossos passos! Bons estudos!

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1. ESTUDO DA HISTÓRIA ECLESIÁSTICA

Sejam imitadores de Deus como filhos queridos. Vivam no amor, assim como
o Cristo nos amou e se entregou a Deus por nós, como oferta e vítima, como
perfume agradável (EFÉSIOS 4, 1-2).

Na Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE), número 4, firmado em 16


de setembro de 2016, institui-se as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o curso de
graduação em Teologia. O curso deve promover a formação integral do estudante de modo
interdisciplinar agregando os conteúdos gerais de formação em História e outras áreas do
conhecimento, em consonância com os princípios éticos de ação para a cidadania, bem como
o respeito à promoção do diálogo e para a solidariedade. E também refletir sobre a realidade e
desenvolver metodologias que articulem o saber:

[...] o saber refletir, o saber fazer, o saber sentir, o saber conviver e o saber ser
visando a conhecer o campo teológico, a refletir construindo suas articulações e

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ponderações da Tradição que estuda, a elaborar a sua efetiva articulação entre o
conhecimento teórico e a sua ação concreta no mundo, a construir sua afetividade
de modo a poder cumprir o seu papel de egresso, a viver junto em comunidade
e a buscar atributos indispensáveis à formação de sua personalidade de modo a
participar ativamente na construção da realidade em que vive; (BRASIL/DCN
TEOLOGIA, 2016, p. 2).

Os seres humanos sempre questionaram sobre o passado, em busca de respostas para


suas interrogações, o estudo da História permite entender a ação humana por meio do tempo e
desnaturalizar os fatos, nos conhecendo melhor e nos orientando para o futuro. Por isso, antes
de estudar o passado, precisamos observar alguns princípios teóricos e metodológicos, porque
o passado não fala por si só, trata-se de uma reconstrução feita pelos historiadores no presente,
refletindo as experiências e opiniões atuais. Assim, desconstrói a ideia de que a história é uma
ciência do passado e defende que, antes de qualquer coisa, ela é uma ciência dos homens no
tempo.
A História é fruto da ação humana. Revela como os seres humanos e as sociedades são
diferentes. Não se admite definição única, sendo assim, em cada época, percebemos que a realidade
social deve ser formulada e interpretada de forma diferente e peculiar. Notamos que a História
surge como uma ferramenta que auxilia a interpretar a realidade e agir sobre ela. Ou seja, diante
das contradições e diferenças entre as sociedades humanas, possibilita estudar historicamente
outras culturas, com valores sociais e manifestações religiosas diferentes e ajuda as pessoas a
serem mais tolerantes e éticas, permitindo questionar a realidade vigente e poder transformá-la.
Para exemplificar o que afirmamos anteriormente sobre os princípios teóricos e
metodológicos da História, utilizaremos o processo de escravidão na história da humanidade.
Em algumas sociedades, a escravidão foi empregada na estrutura das relações de trabalho,
como aconteceu no período colonial brasileiro, os indígenas e africanos foram utilizados como
trabalhadores, época em que ainda não existiam leis baseadas na ética e nos Direitos Humanos.
Os escravos não eram vistos como seres humanos, mas como coisas sem alma e tratados como
objetos, assim, analisamos que o conhecimento histórico ajuda a delinear as características do
nosso presente, a nossa capacidade crítica sobre os fatos do passado acaba por influenciar as
nossas ações e escolhas na vida.

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Figura 1 - Organização Internacional do Trabalho e Trabalho Escravo. Fonte: Jusbrasil (2020).

A escravidão é a desumanização integral do ser humano, sem direito a nada, sem


liberdade. Eles sofrem a violência de perderem tudo, o nome, a identidade e passam a ser tratados
como mercadoria. Situação alterada legalmente, somente em 1957, em Genebra, onde ocorreu
a Convenção sobre a Abolição do Tráfico de Escravos, da escravatura e da abolição do trabalho
forçado. Importante lembrar que a escravidão deixou marcas profundas nas sociedades, no Brasil,
elas podem ser ouvidas e sentidas até os dias atuais, representam uma dívida social que ainda não
foi paga aos indígenas e à população negra.
A História é dinâmica e está sempre em movimento, não há História estática e sem vida,
em que não ocorre nenhuma mudança. Um alerta para termos cuidado: estamos estudando o
passado com os pés no presente, ou seja, precisamos contextualizar e ajustar as pesquisas a cada
passo, não é só o historiador, mas todos os profissionais precisam constantemente validar seus
conhecimentos, o seu discurso, para não ficarem desatualizados ou incorrerem em erros. Isso
significa que a História está sempre sendo revista e atualizada, são descobertas novas fontes de
estudo, que levam os historiadores a elaborarem novos campos de investigação, publicarem novos
livros e artigos científicos.

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Figura 2 – Quadro Salvador Dalí: A Persistência da Memória (1931). Fonte: MoMA (2020).

Observe o quadro do pintor surrealista espanhol Salvador Dali (1904-1989), a


pintura, A Persistência da Memória (1931), presente no Museu de Arte Moderna
de Nova York (MoMA), evoca a preocupação humana sobre o tema do tempo e da
memória.
O relógio foi o primeiro objeto que utilizamos para medir o tempo. A pintura é
considerada a obra-prima do surrealismo, escola artística que prega a liberdade
na criação, nos fazendo refletir sobre o tempo histórico, que não é linear, mas
múltiplo, e nos permite relacionar a existência de diferentes temporalidades: o
tempo dos acontecimentos breves, o tempo das conjunturas e o tempo da longa
duração, eles existem como camadas sobrepostas e simultâneas.
Então, responda: Como olhamos para o tempo e a história que passou?

A nossa reflexão sobre o tempo histórico e a memória apresenta que a História


Eclesiástica também passa por atualizações, muitos temas ainda em debate
e investigação não serão tratados de forma aprofundada, devido ao período
histórico muito extenso. Por isso, procuramos ser o mais direto possível, não nos
prendendo a detalhar algumas situações que depois vocês podem aprofundar.
Desenvolveremos uma cosmovisão cristã, a fim de encontrar sabedoria para
valorizar o enfoque histórico e o diálogo com a cultura do tempo.

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2. FONTES DA HISTÓRIA ECLESIÁSTICA

Com efeito, num mesmo Espírito fomos batizados todos nós, para sermos um só
corpo, ou sejamos judeus ou gentios, ou servos ou livres, e todos temos bebido
de um só espírito (1 CORÍNTIOS 12, 13).

A História é construída pelas fontes. A fonte histórica é tudo aquilo que possa fornecer
informações sobre os acontecimentos do passado, não são apenas os documentos escritos, também
os fósseis, as construções, os edifícios e objetos que carregam os vestígios e a memória daquele
período histórico. Para Boschi (2007, p. 33) é nesse “[...] diálogo com as fontes que começa a
interpretação histórica e surgem as semelhanças e as diferenças em relação às análises elaboradas
por outros pesquisadores”.
No prólogo do Evangelho, Lucas afirma que depois de uma acurada investigação escreve
sobre os acontecimentos, os seus escritos são a única fonte de reconstrução da narrativa apostólica
da história do cristianismo primitivo até o Concílio Apostólico. No livro dos Atos dos Apóstolos,
relata acontecimentos entre o final do primeiro século e começo do segundo, o grupo de apóstolos

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da igreja de Jerusalém, as primeiras missões de Barnabé e Paulo e as controvérsias do Concílio
de Jerusalém, após a morte e ressurreição de Jesus Cristo, e os relatos sobre a vida das primeiras
comunidades cristãs:

Eles mostravam-se assíduos aos ensinamentos dos apóstolos, à comunhão


fraterna, à fração do pão e às orações. Apossava-se de todos o temor, pois
numerosos eram os prodígios e sinais que se realizavam por meio dos apóstolos.
Todos os que tinham abraçado a fé reuniam-se e punham tudo em comum:
vendiam suas propriedades e bens, dividiam-nos entre todos, segundo as
necessidades de cada um. Dia após dia, unânimes, mostravam-se assíduos
no Templo e partiam o pão pelas casas, tomando o alimento com alegria e
simplicidade de coração. Louvavam a Deus e gozavam da simpatia de todo o
povo. E o Senhor acrescentava a cada dia ao seu número os que seriam salvos
(ATOS DOS APÓSTOLOS 2, 42-47).

A Carta a Diogneto é considerada uma joia da literatura cristã primitiva, surgiu para
responder à curiosidade de um pagão culto, desejoso de conhecer a nova religião que se espalhava
pelas províncias do Império Romano. O autor permanece desconhecido, mas existe a hipótese de
que o autor desta Apologia possa ser Quadrato, que apresentou esta carta ao imperador Adriano,
um texto dos primeiros tempos do cristianismo que teria sido escrita em Atenas, antes dos anos
70.
Os cristãos, de fato, não se distinguem dos outros homens, nem por sua terra,
nem por língua ou costumes. Com efeito, não moram em cidades próprias, nem
falam língua estranha, nem têm algum modo especial de viver. Sua doutrina não
foi inventada por eles, graças ao talento e especulação de homens curiosos, nem
professam, como outros, algum ensinamento humano. Pelo contrário, vivendo
em cidades gregas e bárbaras, conforme a sorte de cada um, e adaptando-se aos
costumes do lugar quanto à roupa, ao alimento e ao resto, testemunham um
modo de vida social admirável e, sem dúvida, paradoxal. Vivem na sua pátria,
mas como forasteiros; participam de tudo como cristãos e suportam tudo como
estrangeiros. Toda pátria estrangeira é pátria deles, e cada pátria é estrangeira.
Casam-se como todos e geram filhos, mas não abandonam os recém-nascidos.

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Põem a mesa é comum, mas não o leito; estão na carne, mas não vivem
segundo a carne; moram na terra, mas têm sua cidadania no céu; obedecem
às leis estabelecidas, mas com sua vida ultrapassam as leis; amam a todos e são
perseguidos por todos; são desconhecidos e, apesar disso, condenados; são
mortos e, desse modo, lhes é dada a vida; são pobres, e enriquecem a muitos;
carecem de tudo, e têm abundância de tudo; são desprezados e, no desprezo,
tornam-se glorificados; são amaldiçoados e, depois, proclamados justos; são
injuriados, e bendizem; são maltratados, e honram; fazem o bem, e são punidos
como malfeitores; são condenados, e se alegram como se recebessem a vida.
Pelos judeus são combatidos como estrangeiros, pelos gregos são perseguidos,
e aqueles que os odeiam não saberiam dizer o motivo do ódio (CARTA A
DIOGNETO, 2020, p. 19).

Outra fonte muito utilizada é o autor Eusébio de Cesareia. Conhecido como o “pai da
história eclesiástica”, e devido às suas obras históricas também recebeu o título de “Heródoto
cristão”. No território do Império Romano, existiam muitas cidades com o mesmo nome de
Cesareia, nome utilizado para homenagear o imperador César, para diferenciarmos a cidade de
Eusébio: era a capital da província da Judeia, a sua fundação remonta ao período do Império
Persa, foi conhecida com outros nomes, mas foi no período do governador da Judeia Herodes,

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entre 37 a 4 a.C. que ela ficou conhecida pelo nome de Cesareia.

Figura 3 - Eusébio de Cesareia. Fonte: Bristow.com (2021).

Eusébio de Cesareia nasceu entre os anos 260 e 265 d.C., provavelmente em Cesareia,
na Palestina, entre o período da perseguição dos cristãos por Valeriano I (258-260) e o reinado
de Galiano (264-265), tornou-se sacerdote e foi sagrado bispo no ano 311. Considerado como
um intelectual tanto da literatura profana quanto sagrada, e pelo trabalho em elaborar extratos e
sumários da história dos primeiros séculos do cristianismo.

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O símbolo-credo de Eusébio era o de sua própria igreja cujo teor é o seguinte:


‘Cremos em um só Deus, Pai onipotente, criador de todas as coisas visíveis e
invisíveis; e em um só Senhor Jesus Cristo, Verbo de Deus, Deus de Deus, Luz
de Luz, Vida de Vida, Filho unigênito, primogênito de toda a criação, por quem
foram feitas todas as coisas; o qual foi feito carne para nossa salvação e viveu entre
os homens, e sofreu, e ressuscitou ao terceiro dia, e subiu ao Pai e novamente virá
em glória para julgar os vivos e os mortos; cremos também em um só Espírito
santo’ (CESAREIA, 2016, p. 16).

A obra mais conhecida de Eusébio da Cesareia é A História Eclesiástica, composta por 10


livros escritos entre os anos 312 e 317, estudo imprescindível para a compreensão dos primeiros
séculos da história do cristianismo. No capítulo 11 da História Eclesiástica, Eusébio relata sobre
a vida de João Batista, como Herodes manda matá-lo, mesmo sendo considerado um homem
bom que exortava os judeus à prática das virtudes, informação que encontramos nos escritos do
historiador Josefo e também nos relatos do Evangelho de João.

Tais as notícias de Josefo sobre João. Igualmente faz memória de nosso Salvador,
no decurso da mesma obra, como segue: ‘Nesta época, viveu Jesus, um homem

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sábio, se convém dar-lhe a denominação de homem. Realizou obras espantosas e
foi mestre dos homens que aceitavam de bom grado a verdade; atraiu numerosos
judeus e também muitos gregos. Ele era o Cristo, mas os primeiros dos nossos
acusaram-no perante Pilatos, que o condenou à morte de cruz. Mas, os que o
haviam amado anteriormente, não cessaram de amá-lo. Ao terceiro dia, porém,
ele lhes apareceu, redivivo; os divinos profetas haviam predito estas e outras mil
maravilhas a seu respeito. Ainda hoje, a raça dos cristãos, cujo nome dele deriva,
não desapareceu’ (CESAREIA, 2016, p. 46).

Foi só depois do batismo no rio Jordão que teve início a missão de Jesus. João Batista é
apresentado no Evangelho de São Marcos como o mensageiro, porta-voz que clamava no deserto e
preparava o caminho da vinda do Salvador. João batizava com água, um ritual de arrependimento
e purificação dos pecados, ou seja, a preparação para a salvação, ainda afirmava que depois
dele viria alguém mais forte que batizaria com o Espírito Santo. Vivia em uma região muito
afastada das grandes cidades, João consumia os alimentos mais simples, inclusive mel silvestre
e gafanhotos. Ele acreditava em uma antiga profecia, segundo a qual Deus enviaria um novo rei
Davi para libertar a Palestina do domínio estrangeiro.
João Batista foi um profeta com muitos seguidores na Judeia, mesmo depois de 50 anos
de sua morte, em Éfeso, os apóstolos de Jesus encontram discípulos de João Batista, como o
judeu, chamado Apolo, natural de Alexandria. “[...] Era um homem eloquente e versado nas
Escrituras. Tinha sido instruído no caminho do Senhor e, no fervor do espírito, falava e ensinava
com exatidão o que se refere a Jesus, embora só conhecesse o batismo de João” (ATOS DOS
APÓSTOLOS 18, 24-25).

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Figura 4 - Ministério de Cristo. Fonte: Whispersofanimmortalist (2020).

Como descrito pelo evangelista Lucas, João Batista foi mais do que um simples profeta,
enviado como um mensageiro para preparar o caminho e dar testemunho de Jesus Cristo. Era
“[...] a Voz do que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor” (LUCAS 3, 4-6). Por isso,
afirma Lucas “[...] que dentre os nascidos de mulher não há um maior do que João” (LUCAS 7,
28).
A atividade de Jesus não era tão diferente dos outros mestres judeus daquela época. Como
outros rabis, andava de um lugar para outro levando sua mensagem, mas desde o começo o povo
reconheceu que Jesus era diferente, que a sua mensagem era incomum. Não que sua doutrina
era completamente nova e única, porque tanto Jesus como os outros rabis tencionavam expor
o significado do Antigo Testamento. Porém, o que era bem diverso no caso Dele era a estrutura
dentro da qual situou sua doutrina. Jesus fez questão de levar sua mensagem a toda classe de
pessoas que era considerada impura pelos judeus: os leprosos, prostitutas, coletores de impostos,
afirmando: “[...] Não são os que têm saúde que precisam de médicos, mas os doentes. Eu não vim
chamar justos, mas pecadores” (MARCOS 2, 17).
Os fariseus davam ênfase às ações externas que pudessem ser avaliadas e reguladas pela
lei. Jesus denunciava os fariseus e acreditava que era possível guardar todas as normas e, mesmo
assim, não agradar a Deus. Por isso, em toda sua doutrina ele estava mais preocupado com a
pessoa e não com a sua aparência, ou seja, para Jesus elas seriam reconhecidas pelas suas ações e
pelos frutos.

[...] Pelos seus frutos os conhecereis. Por acaso colhem-se uvas dos espinheiros
ou figos dos cardos? Do mesmo modo, toda árvore boa dá bons frutos, mas a
árvore má dá frutos ruins. Uma árvore boa não pode dar frutos ruins, nem uma
árvore má dar bons frutos. Toda árvore que não produz bom fruto é cortada e
lançada ao fogo. É pelos seus frutos, portanto, que os reconhecereis (MATEUS
7, 16-20).

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Depois de 25 anos após a crucificação e morte de Jesus Cristo, a propagação do cristianismo


se intensificou e estava expandindo cada vez mais. Na saudação da epístola aos Romanos consta
a existência de sete comunidades domésticas na capital do império. Para Donini (2003), o
cristianismo aparece por volta do século I, já como uma religião citadina, presente no ambiente
urbano, entre os trabalhadores mais humildes, entre os escravos, e alguns membros da classe
dominante da aristocracia militar e social. Nos campos, o cristianismo chega mais tarde, devido
à crença em outras divindades e a prática de velhos ritos pagãos. Mesmo no uso de algumas
palavras, pode ser verificada essa realidade:

[...] a palavra ‘pagão’, habitante do pagus, aldeia rural, acabará por significar o
‘não-cristão’. Das 43 localidades das costas mediterrânicas onde, por fins do
século I, é possível encontrar núcleos bastante sólidos de cristãos – e serão
76, passado um século – todos têm nomes de aglomerados urbanos. Somente
no século IV, na época dos primeiros concílios, se encontrarão alguns bispos
provenientes de centros rurais entre o milhar e meio ou mais de bispos orientais
e ocidentais (DONINI, 2003, p. 94).

Para Thomas Kaufmann et al. (2012), o processo de escrita dos relatos da vida e pregação

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de Jesus coincidem com o período da morte dos grandes apóstolos, (Tiago em 62 d.C.; e Paulo
e Pedro por volta de 64 d.C.) no espaço de quarenta anos, por isso, a necessidade do registro da
memória comunicativa. E como afirma Lucas, nos Atos dos Apóstolos, apresenta os acontecimentos
de forma ordenada, como uma evolução contínua, o caminho que geograficamente os apóstolos
partiram de Jerusalém até os confins da terra.

Lucas escreve uma eclesiologia narrativa. Os primórdios por ele narrados


estabelecem um antecedente normativo para o presente. Do ‘Caminho’, como
em Lucas se denomina metaforicamente cristianismo [...] Mas a narrativa lucana
em si mesma apresenta tensões, dando com isso indicações acerca de tradições e
evoluções originalmente autônomas e pouco harmônicas (KAUFMANN et. al.,
2012, p. 11).

Não aprofundaremos sobre as tensões das primeiras comunidades cristãs, mas é importante
saber que o evangelista Lucas apresenta a existência de, pelo menos, duas frações comunitárias
autônomas em Jerusalém, marcadas por cultura e língua diversas. Os doze apóstolos simbolizam
Israel reunidos em suas doze tribos e constituíam o núcleo do grupo de Jesus de língua aramaica,
chamados de hebreus. Existia o círculo dos sete responsáveis pelos serviços caritativos, em servir
as mesas e cuidar dos pobres, uma comunidade de língua grega, chamados de helenistas.
Tensões que no Concílio Apostólico em Jerusalém, por volta de 48 d.C., ocorre a tentativa
de estabelecer um diálogo entre os apóstolos sobre as práticas rituais diferentes, o tema principal do
Concílio foi a admissão de pagãos sem a exigência da circuncisão para fazer parte da comunidade
do povo de Deus. O judaísmo acreditava que a circuncisão era o sinal da aliança com Deus,
considerada a marca da identidade dos judeus, o que os distinguia dos outros grupos religiosos.
Foi no Concílio Apostólico que se preservou a unidade das comunidades cristãs, mediante o
reconhecimento da diversidade ritual e cultural.

O resultado do Concílio é, segundo Lucas, uma decisão conjunta, sobre quanto


da Torá deve ser imposto aos pagãos convertidos, o que foi consignado no
assim chamado decreto apostólico (‘Cláusulas de Tiago’). Concretamente, trata-
se de regras alimentares e de matrimônio (renúncia a carnes sacrificadas aos
ídolos, sangue e carnes sufocadas, proibição de casamentos entre parentes)
(KAUFMANN et. al., 2012, p. 22).

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A dimensão comunitária era o que determinava a vivência dos discípulos, todas as


ações estavam voltadas para o bom funcionamento das comunidades dos que creem em
Cristo, espelhados no seu jeito de ser e agir. Assim, também os discípulos deveriam ser sinais
e testemunhas de Jesus Cristo, e dar continuidade à missão em reunir os que estavam dispersos
para reuni-los em “[...] um só rebanho, um só pastor” (JOÃO 10, 16).
Jesus conviveu com os discípulos, escolheu cada um e os preparou para a missão de servir
e transmitir a sua mensagem para toda humanidade. Todos os discípulos deveriam ser servidores
de todos, estarem a serviço do projeto de salvação, cumprir a missão de evangelizar e transmitir
a fé em Cristo, não só com palavras, mas em gestos concretos de amor e justiça, testemunhando
o Cristo e lutando para transformação da humanidade. Seguir o mesmo caminho: “Como eu vos
amei, amai-vos uns aos outros” (JOÃO 13, 34-35).

Assista ao filme: Ressurreição (EUA, 2016).

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O filme Ressurreição mostra a saga de um chefe militar
do exército romano encarregado de acabar com as
primeiras erupções do cristianismo, logo após a morte
de Jesus. Depois de controlar uma revolta de zelotas
liderada por Barrabás, o tribuno romano Clavius é
encarregado por Pôncio Pilatos de investigar os rumores
de um suposto Messias ressuscitado. A sua missão era
localizar o corpo desaparecido de Jesus Cristo, após
a crucificação, de modo a acabar com uma provável
revolução popular em Jerusalém. Depois de buscas
intensivas em todos os lugares e sepulturas, Clavius
procura os seguidores de Jesus, que lhe mostram as
razões das suas crenças (CINETEKA.COM, 2020).

Figura 5 - Filme Ressurreição.


Fonte: Cineteka.com (2020).

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3. PAULO DE TARSO

Portanto, como eleitos de Deus, santos e amados, revesti-vos de sentimentos de


compaixão, de bondade, humildade, mansidão, longanimidade, suportando-
vos uns aos outros, e perdoando-vos mutuamente, se alguém tem motivo de
queixa contra o outro; como o Senhor vos perdoou, assim também fazeis vós
(COLOSSENSES 3, 12-13).

Nos Atos dos Apóstolos encontramos a mais completa informação sobre as origens de
Paulo, considerado um dos apóstolos mais influentes do cristianismo, nascido na cidade de
Tarso, da Cilícia, atual Turquia, no ano 10 de nossa era. Paulo vivenciou toda a emergência do
Império Romano, durante o processo de transformação que o mundo antigo, sob os principados
de Augusto, Tibério, Gaio Calígula e Cláudio, acabando por ser condenado à morte, em Roma,
no tempo de Nero, por volta do ano 67 (RAMOS et. al., 2012).
A sua formação na juventude teve como preceptor Gamaliel, rabino judeu, em Jerusalém,
lugar onde recebeu uma formação farisaica. “Paulo nasceu e cresceu judeu, entendia hebraico,

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era fariseu, e se orgulhava disso” (CROSSAN; REED, 2007, p. 16). Assim, o ambiente cultural e
educacional de Paulo de Tarso possibilitou o contato com diferentes tradições filosóficas. Nesse
contexto, ele aprendeu a língua grega e conviveu com duas culturas distintas, a judaica e a greco-
romana, que contribuíram para sua formação.
A cidade de Tarso, no século I, mantinha como padrão cultural as tradições, e a língua
grega era um dos eixos do comércio entre o mundo semita e as cidades gregas, o solo era fértil e
possuía uma via fluvial altamente estratégica para o comércio do trigo e do linho provenientes do
Egito. As cidades helenizadas tinham grande autonomia administrativa, possuíam escolas públicas
e, mesmo nos centros rurais pequenos, o ensino era oferecido gratuitamente. A educação romana
era uma adaptação da educação helenística, que preparava o indivíduo para ser um cidadão do
mundo “[...] o sábio helenístico não reflete a polis, nem está preso à cidade, pensa no universal,
é um cidadão essencialmente cosmopolita, Grego, Romano, Judeu ou Cristão” (RAMOS et al.,
2012, p. 31).
Paulo de Tarso, de origem judaica e cidadão romano, possuía uma sólida formação
clássica, era um poliglota, falava e escrevia grego e latim, os seus dotes de oratória surpreendiam
a todos que o escutavam, a sua pregação era persuasiva, falava mais ao coração do que à razão.
Grande perseguidor dos cristãos transformou-se em um grande evangelizador do cristianismo,
ele estava presente e participou na morte de Estêvão.
Os Atos dos Apóstolos relatam as palavras de Estêvão no Sinédrio, lugar onde defendeu
a sua compreensão das Sagradas Escrituras e ressurreição de Jesus Cristo, fez um resumo da
história de Israel, mostrando o projeto de Deus, que se alia com o povo para construir uma nova
vida e libertação.

Estêvão, porém, repleto do Espírito Santo, fitou os olhos no céu e viu a glória
de Deus, e Jesus, de pé, à direita de Deus. E disse: ‘Eu vejo os céus abertos, e o
Filho do Homem, de pé, à direita de Deus’, Eles, porém, dando grandes gritos,
taparam os ouvidos e precipitaram-se a uma sobre ele. E, arrastando-o para fora
da cidade, começaram a apedrejá-lo. As testemunhas depuseram seus mantos
aos pés de um jovem chamado Saulo. E apedrejaram a Estêvão, enquanto este
invocava e dizia: “Senhor Jesus, recebe meu espírito”. Depois, caindo de joelhos,
gritou em voz alta: ‘Senhor, não lhes leves em conta este pecado’. E, dizendo isto,
adormeceu (ATOS DOS APÓSTOLOS 7, 55-60, grifo nosso).

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Assim, atacou a tradição e a interpretação judaica, apresentou o caráter provisório do


Templo e da Lei, o que levam alguns membros da Sinagoga a indignarem-se contra ele e acusá-lo de
blasfêmia contra Moisés e contra Deus. A sua mensagem representava a subversão dos costumes,
da lei e das estruturas consideradas sagradas, principalmente do Templo, que culminou com a
morte de Estêvão. A sua morte foi um dos acontecimentos cruciais na vida da Igreja primitiva.
O martírio de Estêvão provocou muitas mudanças no cristianismo, fez que o anúncio da
mensagem de Cristo fosse para outras regiões, tendo iniciado uma ação missionária e formando
novos modelos de comunidades.

Aqueles que haviam sido dispersos desde a tribulação que sobrevivera por causa
de Estevão espalharam-se até a Fenícia, Chipre e Antioquia, e não anunciando
a ninguém a Palavra, senão somente a judeus. Havia entre eles, porém, alguns
cipriotas e cireneus. Estes, chegando a Antioquia, falaram também aos gregos,
anunciando-lhes a Boa Nova do Senhor Jesus. A mão do Senhor estava com
eles e um grande número, abraçando a fé, converteu-se ao Senhor (ATOS DOS
APÓSTOLOS 11, 19-21).

Estêvão é o primeiro mártir do cristianismo, e foi a partir do culto dos mártires que teve

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início o culto das relíquias. No cristianismo primitivo, ser um mártir, em grego, significava ser
uma testemunha da fé, os mártires eram sepultados em lugares especiais, locais que se tornaram
com o passar do tempo lugares de testemunhos, de visitas e de celebração de suas memórias.
A conversão de Paulo ocorreu a caminho da cidade de Damasco, a fim de cumprir sua
missão contra os cristãos, foi ter com o sumo sacerdote para pedir-lhe uma carta autorizando-o
a perseguir os cristãos e trazê-los a Jerusalém para serem julgados e executados. Durante esta
viagem, Paulo teve a experiência da queda do cavalo, que alterou o curso de toda a sua vida. No
relato, Paulo informou: subitamente uma luz vinda do céu o envolveu de claridade, e “[...] caindo
por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? Ele perguntou: Quem
és tu, Senhor? E a resposta: Eu sou Jesus, a quem tu estás perseguindo” (ATOS DOS APÓSTOLOS
9, 3-5).
Paulo mudou do judaísmo para o cristianismo, provocando a hostilidade tanto dos
judeus como entre os cristãos, de perseguidor passa a ser perseguido e, por muitas vezes, precisou
fugir para não ser morto. Ele afirma na Epístola aos Gálatas 1, 15-17, foi separado “[...] para
que eu o evangelizasse entre os gentios, não consultei carne nem sangue, nem subi a Jerusalém
aos que eram apóstolos antes de mim, mas fui à Arábia, e voltei novamente a Damasco”. Na
missão aos gentios, teve bom êxito e vigorosa expansão. Com o cerco romano a Jerusalém em
70 e a destruição da cidade como capital judaica em 135, puseram fim à importância das antigas
congregações cristãs judaicas, e o centro de gravidade transferiu-se para as igrejas gentias das
grandes cidades, Antioquia, Alexandria e, especialmente Roma.
Paulo de Tarso relata que sua conversão foi uma experiência íntima de vocação e
iluminação, um acontecimento que marcou toda sua vida. Segundo Lucas, não foi apenas a
troca ou mudança de religião, uma ruptura, ou melhor, uma investidura, transformando-o em
testemunha do evangelho, um apóstolo com uma missão. A narração de conversão de Paulo em
Lucas visa à intenção da criação de modelos de discipulado, “[...] ser discípulo em Paulo não
significa, no entanto, uma simples atitude obediencial. Paulo é investido numa função de enviado
como apóstolo” (RAMOS et. al., 2012, p. 58).
A conversão de Paulo de Tarso implicou no projeto de difundir a “Boa Nova” a todas as
nações da terra e, apesar das perseguições dos judeus e romanos, o cristianismo no decorrer dos
séculos I e II adquiriu grande força até se consolidar no período do governo de Constantino (306
- 337), o primeiro imperador cristão.

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Conversão é exatamente aquela manobra que te leva a um caminho, uma direção,


mas, a certa altura, decide-se dar uma brecada e escolher outro rumo, concluindo
o retorno necessário. Não é simplesmente trocar de bandeira ou de partido,
nos Atos dos Apóstolos a conversão é expressa como metanoéin, que significa
mudança de mentalidade ou, mais precisamente, retornar a Deus. Podemos fazer
uma pergunta para nós: quando foi que me converti?
Existe em minha vida um “quando” da conversão ao qual posso me referir como
o meu momento histórico? Mesmo que não tenha havido um “quando” temporal,
certamente aconteceram momentos de mudança, de transformação, de crise, que
nos levaram a uma nova compreensão do mistério de Deus, como aconteceu com
o apóstolo Paulo.

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Para Paulo, a Igreja era considerada como uma sociedade em que a barreira entre judeus
e gentios havia sido derrubada, e a sua tarefa era defender a liberdade, a igualdade de posição
dos gentios e conseguir o reconhecimento dos convertidos como membros autênticos da Igreja,
perante a comunidade de Jerusalém. Na doutrina paulina, todos os cristãos estão unidos uns
aos outros por meio da sua união com o Jesus Cristo, na fé e no batismo, e por intermédio da
participação na Igreja, de modo que “[...] a Igreja é transformada numa sociedade santa, chamada
pelo mundo a exercer o sacerdócio, levando o Evangelho à humanidade, abrangendo todo o
espaço terrestre e de olhos postos nos apóstolos seus fundadores” (CHADWICK, 1969, p. 21).
Kaufmann et al. (2012, p. 26) informa sobre a missão de Paulo nas cidades romanas,
relaciona sua intencionalidade às conquistas dos romanos que procuravam “[...] submetê-lo ao
seu poder e explorá-lo economicamente, Paulo pretendia conquistar o mundo para submetê-lo
ao poder do Evangelho - para a sua própria salvação do juízo final” (KAUFMANN et al., 2012,
p. 26).

Paulo é um caso extraordinário de todos os pontos de vista. É um típico


intrometido. Ele fez uma fantástica carreira dentro de um grupo cujos objetivos
primeiramente havia combatido até com derramamento de sangue. Ele foi o
único entre os missionários do cristianismo primitivo que também escreveu
sobre suas próprias atividades missionárias (KAUFMANN et al., 2012, p. 29).

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Figura 6 - Apóstolo Paulo - 1633. Quadro Óleo sobre tela de Rembrandt (Coleção do Museu de História da Arte em
Viena – Domínio público. Fonte:Wikioo.org (2021).

Paulo escreveu sobre as suas atividades missionárias e em muitas delas viajava sozinho;
em outras, estava acompanhado pelo casal Priscila e Áquila, fabricantes de tendas como Paulo,
profissão que garantia o sustento nas viagens e facilitava a estadia e o deslocamento, foram eles
que acompanharam Paulo a Éfeso. Levou sua missão para as cidades capitais das províncias
administrativas romanas:

[...] através da Galácia, dirigiu-se à costa ocidental da Ásia Menor, partiu de navio
para a Europa, através da cidade portuária de Neápolis atingiu a cidade veterana
romana de Filipos, onde fundou sua primeira comunidade cristã na Europa.
As próximas estações foram Tessalônica (capital da província da Macedônia),
Corinto (capital da Acaia) e Éfeso (capital da província da Ásia) (KAUFMANN
et al., 2012, p. 32).

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Foi graças à comunidade de Damasco que Paulo tomou conhecimento do novo método
missionário, livre da circuncisão, que como fervoroso fariseu, combatia com todos os meios. Em
Damasco, Paulo recuperou a visão e foi batizado, sendo acolhido generosamente pelas pessoas
que ele tencionava perseguir até a morte. Paulo derrubou os obstáculos étnicos e desenvolveu
um olhar universal sobre a humanidade “[...] já não há judeu nem grego, nem livre, nem homem,
nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus” (GÁLATAS 3, 28), pregou o civismo e a
obediência às autoridades. Em Romanos capítulo 13, versículo 1, afirmou que todos os homens
deveriam se submeter às autoridades constituídas, “[...] pois não há autoridade que não venha de
Deus, e as que existem foram estabelecidas por Deus. De modo que aquele que se revolta contra
a autoridade, opõe-se à ordem estabelecida por Deus”.
Encaminhou diversas cartas às comunidades em busca de promover a paz, exortava todos
os destinatários a viverem como verdadeiros irmãos em Cristo. Buscava alternativas para as ações
missionárias, propondo a organização dos serviços e funções, conforme os desafios do serviço à
Igreja que enfrentavam.

No início do cristianismo, a transmissão era oral, a carta servia para substituir


a comunicação oral. Os primeiros líderes das comunidades não eram pessoas

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iletradas, mas sabiam ler e escrever; entretanto, tudo que era escrito ainda fazia
parte do âmbito da comunicação oral, pois se destinava à leitura em voz alta,
voltando-se assim à literatura oral (KOESTER, 2005, p. 2).

Naquela época, a maioria dos cristãos não teria acesso às cartas de Paulo e aos outros
textos teológicos, por causa do alto índice de analfabetismo, mas participavam nas orações e
ouviam a leitura das cartas e pregação dos discípulos, era pela transmissão oral e pela leitura dos
textos nas comunidades que as mensagens eram divulgadas.
A metrópole Edessa foi a primeira cidade cristã da Mesopotâmia, os cristãos afirmavam
que o seu fundador era um dos setenta e dois discípulos de Jesus, enviado em resposta a uma
carta escrita a Jesus pelo rei Abgar. Eles exibiam a carta como uma garantia que Edessa não seria
conquistada e tornou-se um amuleto popular, inscrito nas casas para livrar do mal. Essa grande
produção literária, envolta em lendas, a História de Abgar, chegou até nós na versão siríaca e na
versão grega de Eusébio de Cesareia († 339) em sua História Eclesiástica I, finalizada nos anos 324
ou 325. Narrativa divulgada entre as comunidades cristãs.

NARRATIVA ACERCA DO REI DE EDESSA

O rei Abgar, que reinava dignamente sobre as nações além do Eufrates, achava-
se consumido por terríveis sofrimentos corporais, incuráveis, ao menos diante
das possibilidades humanas. Como ouvisse falar muito do nome de Jesus e de
seus milagres unanimemente atestados por todos, enviou-lhe uma carta em que
suplicava que o livrasse daquela doença. Jesus não atendeu ao chamado, mas
honrou-o com uma carta particular, prometendo mandar-lhe um dos discípulos
para curá-lo e simultaneamente salvá-lo junto com todos os seus súditos.

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Nada de melhor do que tomar conhecimento dessas mesmas cartas, extraídas


por nós dos arquivos e traduzidas literalmente do siríaco, nesses termos: CÓPIA
DA CARTA ESCRITA pelo governador Abgar a Jesus, e enviada por intermédio de
Ananias, mensageiro do correio, a Jerusalém.

“Abgar, filho de Ouchama, governador, a Jesus, bom Salvador, que se manifestou


na região de Jerusalém. Saudações. Ouvi falar de ti e das curas que operas, sem
remédios, nem plantas medicinais. Conta-se que fazes os cegos recobrarem a visão
e andarem os coxos; purificas os leprosos (MATEUS 11,5) e expulsas os espíritos
impuros e os demônios, curas os atormentados por longas doenças (LUCAS 7,21),
e ressuscitas os mortos (MATEUS 11,5; LUCAS 7,22). Tendo ouvido tudo isso a
teu respeito, cheguei à conclusão que de duas uma: ou és Deus que desceste do
céu e fazes estas maravilhas, ou és filho de Deus que opera tais coisas. É por este
motivo, pois, que agora te escrevo, e peço-te que te dês ao trabalho de vir ver-me e
curar-me da doença de que sofro. Ouvi ainda que os judeus murmuram contra ti e
querem fazer-te mal. Minha cidade é muito pequenina, mas digna, e bastará para
nós dois” (cf. ECLESIASTES 9,14). [Tal é a carta escrita por Abgar.]

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RESPOSTA DE JESUS por meio de Ananias, mensageiro do correio, ao governador
Abgar.
“Bem-aventurado és tu que acreditaste em mim, sem me ter visto (JOÃO 20, 29).
Efetivamente, de mim está escrito que não acreditarão em mim os que me viram,
a fim de crerem e viverem os que não me viram (ISAÍAS 6,9-10; MATEUS 13,14;
JOÃO 12,39-40; ATOS DOS APÓSTOLOS 28,25). Quanto ao que me escreveste,
convidando-me a visitar-te, devo realizar aqui toda a minha missão (MATEUS 3,15)
e, após seu cumprimento, voltar àquele que me enviou. Mas, quando eu tiver sido
elevado (JOÃO 12,32), enviar-te-ei um de meus discípulos a fim de te curar de
teus padecimentos e dar-te vida, a ti e aos que te acompanham”. Anexo a estas
cartas havia o seguinte, em siríaco: Após a ascensão de Jesus, Judas, também
chamado Tomé, enviou a Abgar o apóstolo Tadeu, um dos setenta discípulos.
Tendo lá chegado, este se hospedou em casa de Tobias, filho de Tobias. Logo que
se propagou a notícia de sua vinda, foi indicado a Abgar que ali se encontrava um
apóstolo de Jesus, conforme a promessa que lhe fora feita.
Tadeu começou, então, pelo poder de Deus (MATEUS 4,23; 9,35; 10,1), a curar
doenças e enfermidades, de sorte que todos se admiravam. Ao ouvir Abgar as
maravilhas e milagres operados por ele, as curas que realizava, teve a suspeita de
se tratar daquele sobre o qual Jesus lhe havia escrito: ‘Quando eu tiver sido elevado,
enviar-te-ei um de meus discípulos a fim de te curar de teus padecimentos’. Então,
mandou chamar Tobias, em cuja casa estava o apóstolo, e disse-lhe: ‘Ouvi dizer
que um homem poderoso veio hospedar-se em tua casa. Trazê-lo. Tobias, tendo
voltado para junto de Tadeu, disse-lhe: ‘O governador Abgar chamou-me e disse-
me que te levasse para junto dele a fim de o curares. Tadeu respondeu: ‘Irei, pois
fui enviado com poderes em seu favor’.

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Por isso, no dia seguinte, bem cedo, Tobias tomou consigo Tadeu e levou-o a
Abgar. Quando chegou, os homens mais importantes da região estavam de pé,
ao redor do governador. Logo que ele entrou, Abgar teve de repente grandiosa
visão em torno da fisionomia do apóstolo Tadeu; por esta razão, Abgar prostrou-
se perante Tadeu, para espanto de todos os assistentes que não haviam visto
o espetáculo, presenciado somente por Abgar (cf. ATOS DOS APÓSTOLOS 9,7).
Este perguntou a Tadeu: ‘És de fato, discípulo de Jesus, o filho de Deus, que me
disse: ‘Enviar-te-ei um de meus discípulos a fim de te curar e dar-te vida?’ Tadeu
respondeu: ‘Fui enviado para junto de ti, porque acreditaste firmemente naquele
que me enviou. E agora, se crês nele, os desejos de teu coração serão realizados,
conforme acreditaste’ (MARCOS 9,23). Abgar lhe replicou: ‘Acreditei nele a tal
ponto que com um exército queria desbaratar os judeus que o crucificaram, senão
fosse o império romano’. Tadeu respondeu: ‘Nosso Senhor cumpriu a vontade de
seu Pai. E após tê-la realizado, voltou para junto do Pai’. Abgar lhe disse: ‘Também
eu acreditei nele e em seu Pai’. Respondeu Tadeu: ‘Por esta razão, imponho-te a
mão em seu nome’. E logo que o fez, o rei foi curado da doença e dos sofrimentos
que o afligiam. Admirou-se Abgar por ter experimentado o que ouvira acerca de

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Jesus, por intermédio de Tadeu, discípulo dele. Fora curado sem remédios, nem
plantas medicinais. Mas, não somente ele. Igualmente Abdo, filho de Abdo, que
sofria de podagra. Este viera, prostrar-se aos pés de Tadeu. Obteve suas orações e
foi curado por suas mãos. Tadeu curou ainda muitos outros de seus concidadãos.
Operou grandes milagres e anunciou a palavra de Deus.
Depois disso, Abgar disse: ‘Tu, Tadeu, operas essas coisas pelo poder de Deus,
e nós ficamos muito admirados. Por conseguinte, eu te suplico, fala-nos sobre a
vinda de Jesus: Como se realizou, de seu poder, e em virtude de quem fez tudo
o que ouvi contar’ (MATEUS 21,23). Tadeu respondeu-lhe: ‘No momento, quero
calar-me. Mas, como fui enviado a fim de anunciar a palavra, reúne amanhã todos
os teus concidadãos. Vou anunciar-lhes a palavra da vida, semeá-la (MATEUS
13,19; LUCAS 8,12). Direi como se realizou a vinda de Jesus, a missão para a qual
foi enviado pelo Pai, seu poder e suas obras, os mistérios que ensinou no mundo,
em virtude de quem ele assim agia, a novidade de sua mensagem, sua fraqueza,
sua humilhação, como humilhou-se a si mesmo (FILIPENSES 2,8), despojou-se e
esvaziou-se da sua divindade, como foi crucificado, desceu à região dos mortos,
rompeu a barreira que jamais havia sido quebrada, ressuscitou os mortos, e tendo
descido sozinho, subiu novamente com uma grande multidão para junto de seu
Pai’ (1 PEDRO 3,19). Abgar ordenou, então, que desde a aurora se reunissem
seus concidadãos para escutarem a pregação de Tadeu. Depois, ordenou que lhe
dessem ouro, em moedas e barras. Este recusou nesses termos: ‘Se renunciamos
a nossos próprios bens, como aceitaríamos os dos outros?’ Isso se deu no ano
340 (CESAREIA, E. Patrística. v. 15, 2016, p. 47-49).

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Paulo teve um grande número de colaboradores, Timóteo foi o primeiro a exercer o


episcopado na Igreja de Éfeso, como confirma na Primeira Epístola a Timóteo: “[...] a Timóteo,
meu verdadeiro filho na fé: graça, misericórdia e paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus,
nosso Senhor” (I TIMÓTEO 1, 2) e Tito, o primeiro nas Igrejas de Creta, como descreve na
Epístola a Tito, as principais qualidades dos presbíteros. Eram instituídos pelos apóstolos como
responsáveis pela administração temporal encarregado pelo ensino e governo:

[...] Eu te deixei em Creta para cuidares da organização e ao mesmo tempo


para que constituas presbíteros em cada cidade, cada qual devendo ser, como
te prescrevi, homem irrepreensível, esposo de uma única mulher, cujos filhos
tenham fé e não possam ser acusados de dissolução nem de insubordinação.
Porque é preciso que, sendo ecônomo das coisas de Deus, o epíscopo seja
irrepreensível, não presunçoso, nem irascível, nem beberrão ou violento, nem
ávido de lucro desonesto, mas seja hospitaleiro, bondoso, ponderado, justo,
piedoso, disciplinado, de tal modo fiel na exposição da palavra que seja capaz
de ensinar a sã doutrina como também de refutar os que a contradizem (TITO
1, 5-9).

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A epístola de Clemente de Roma aos coríntios indica a existência na organização do clero:
dos bispos ou presbíteros e os diáconos. Significa que nas igrejas estabelecidas pelos missionários
viajantes, com o passar do tempo, vieram a dispor de um clero local subordinado às autoridades
apostólicas. A diferença entre os cargos estava relacionada à função litúrgica, o presbítero-bispo
celebrava, e o diácono assistia e auxiliava o bispo. Entre os presbíteros-bispos existiam os que
alcançavam uma posição de superioridade, quatro fatores contribuem para isto:

O primeiro direito característico, naturalmente concedido ao membro


mais antigo do colégio presbiteral, era o poder de ordenar. Constituía a sua
prerrogativa. Em segundo lugar, as relações entre igrejas eram normalmente
conduzidas pelo presbítero-bispo presidente. Em terceiro lugar, no ato solene de
uma ordenação, dirigentes de outras comunidades viriam como representantes
das suas congregações e tomariam parte na imposição de mãos e nas preces
que conferiam poder do Espírito e a autoridade da comunidade como corpo
de Cristo. Trocas frequentes de correspondência e visitas mútuas ajudavam o
fortalecimento da unidade da Igreja e a sua universalidade. Finalmente, as crises
das seitas gnósticas demonstraram a necessidade manifesta da existência de um
homem como foco de união (CHADWICK, 1969, p. 53).

O exercício do ministério da palavra estava organizado em três graus de atuação: os


apóstolos, os doutores e os profetas, que não residiam no local. Os bispos e diáconos eram
escolhidos entre os membros da comunidade de forma simples, levantavam o braço no ar, eles
deveriam residir no local e eram obrigados a trabalhar para manter a sua sobrevivência. Para
os pregadores viajantes, existiam algumas orientações: quando chegam, o apóstolo e o profeta
deveriam receber o “[...] alojamento e comida; porém, se ficam mais de um dia, ou dois no
máximo, e não sabem trabalhar, são tratados como oportunistas, ‘falsos profetas’. O seu dever é
recrutar e ensinar os crentes; são escutados respeitosamente” (DONINI, 2003, p. 117).
Para o historiador Chadwick (1969), a causa principal da expansão do cristianismo foi
ocasionada simplesmente pela prática da caridade, o cuidado dispensado aos pobres, às viúvas e
aos órfãos. A assistência proporcionada pela Igreja era impressionante, a Igreja de Roma, no ano
251, com os seus recursos mantinha não só o bispo:

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[...] mas ainda para cima de 1500 viúvas e necessitados, todos alimentados pela
graça e bondade do senhor. A comunidade era também conhecida pela sua
generosidade para com os cristãos menos prósperos, em áreas assoladas pelos
bárbaros, em plena crise do século II (CHADWICK, 1969, p. 63).

As organizações das comunidades cristãs seguiam uma hierarquia tripartida, em cada


cidade existia um bispo, com seus presbíteros e diáconos, modelo que permaneceu estável até
o século II. Com o crescimento das comunidades cristãs, no século III, a organização passou
a ser feita por um sistema provincial, em que a autoridade passou a ser conferida ao bispo da
capital da província imperial, beneficiando as três maiores cidades do Império: Roma, Alexandria
e Antioquia.

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Figura 7 - O Império Romano e a propagação do cristianismo. Fonte: Blogspot.com (2021).

O segundo livro, capítulo três da História Eclesiástica Eusébio de Cesareia, apresenta a


expansão do cristianismo:

De fato, a graça divina já se espalhara por outras nações e, em primeiro lugar,


em Cesareia na Palestina (ATOS 10, 1-48), Cornélio com toda a sua casa recebia
a fé em Cristo por intermédio duma manifestação divina e do ministério
de Pedro. Então, em Antioquia, também acreditou grande número de outros
gregos, aos quais haviam pregado os fiéis dispersos por ocasião da perseguição
contra Estêvão. Depressa a igreja de Antioquia tornou-se florescente e cresce
em número; estão achavam-se nela muitos profetas de Jerusalém, entre os quais
Barnabé e Paulo, além de uma multidão de irmãos. Foi ali que, pela primeira vez,
o nome de cristão brotou, como de uma fonte fértil e copiosa (ATOS 11, 19-26)
(CESAREIA, 2016, p. 54).

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A escolha dos candidatos dependia da congregação, do clero e povo juntos, com o advento
no século IV, de um imperador cristão, o bispo das cidades mais importantes passou a ser um
atributo da nomeação imperial. O bispo deveria ser visto como um senhor da casa e a Igreja como
uma “Casa de Oração”, o bispo estava na sucessão dos apóstolos e era um cargo de intermediário
entre Deus e a comunidade. Segundo a tradição apostólica, o bispo ou epíscopo era uma “[...]
designação para um funcionário com cargo de supervisão e administração; diaconia de modo
algum designava apenas a relação subordinada de serviço de um homem livre, mas também os
mais diversos tipos de mediação” (KAUFMANN et al., 2012, p. 79).
Diversas transformações ocorrem a partir da expansão das comunidades cristãs,
muitas funções tornam-se cargos e passo a passo as comunidades acabam por integrarem-se na
sociedade romana. Em 313 d.C., sob o comando do império de Constantino Magno, ocorre o
reconhecimento legal do cristianismo por parte do estado romano, por meio do culto do Deus
único e da prática de uma cultura própria “[...] os grupos cristãos, mediante o reconhecimento de
sua religião, deixaram-se integrar nas estruturas imperiais: o Deus dos cristãos tornou-se o Deus
do império” (RAMOS et al., 2012, p. 49).
Não há como verificar exatamente os dados estatísticos desse período histórico, mas são
bem consistentes as informações que no final do século III o cristianismo estava concentrado nas

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grandes metrópoles do Império, em Roma, Antioquia e Alexandria, já era a maior comunidade
religiosa do Império.

[...] Para o final do século III, com base em recentes estimativas que indicam a
população total do Império em 60 milhões, tem-se proposto a cifra de 6 milhões
de cristãos, o que, num crescimento contínuo (historicamente improvável) da
nova religião desde o início, elevaria seu número no ano 200 d.C. a cerca de
210 mil e no ano 250 d.C. a um pouco mais de 1 milhão de cristãos. Com isso,
certamente no início do século III os cristãos ainda seriam uma ínfima minoria
na população do Império (menos de 1%), o que tornaria mais compreensível o
fato de que ainda não tinham sido dignos de uma perseguição sistemática por
parte das autoridades (RAMOS et al., 2012, p. 52).

Não sobreviveram muitos testemunhos e documentação do desenvolvimento inicial do


cristianismo no Egito, ou em outras regiões, como da África romana. O que é comprovado pelos
relatos é a rapidez da expansão do cristianismo. A fé de um punhado de pescadores espalhou-se
com rapidez pela Índia até as tribos bárbaras da Grã-Bretanha. Na primeira metade do século
III, acreditava-se que a expansão da Igreja era o significado simbólico e escatológico da segunda
vinda de Jesus Cristo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo da História Eclesiástica nos faz refletir sobre nossa vida e nossa própria história.
Lembre-se: a História é dinâmica e está sempre em movimento, não há História estática e sem vida,
em que não ocorre nenhuma mudança”, ou seja, estamos sempre mudando o nosso entendimento,
o nosso jeito de ver “as coisas”, as diferentes culturas e realidades ao nosso redor.
Na Unidade 1, vimos os grandes avanços ocorridos no final do século I e II, quando o
cristianismo ganhou muitos fiéis, inclusive nas classes altas do Império Romano. Na Unidade 2,
vamos estudar sobre os tormentos dos cristãos, no século III, muitos dos historiadores eclesiásticos
vão denominar esse período de perseguições como a Era dos Mártires.
Vamos com fé e coragem! Bons estudos!

HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL | UNIDADE 1

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UNIDADE ENSINO A DISTÂNCIA

02
DISCIPLINA:
HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL

EXPANSÃO DA FÉ E PERSEGUIÇÃO
AOS CRISTÃOS
PROF. ME. MARCOS EDUARDO PINTINHA

SUMÁRIO DA UNIDADE

INTRODUÇÃO................................................................................................................................................................26
1. A IGREJA DOS MÁRTIRES........................................................................................................................................27
2. LUTA CONTRA AS HERESIAS..................................................................................................................................34
3. CONSTANTINO: A IGREJA E O ESTADO..................................................................................................................40
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................................................................45

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INTRODUÇÃO

O cristianismo teve uma ascensão fulminante. Em torno do ano 50, da era cristã, ele já
havia atingido todas as grandes cidades do Império Romano, sua mensagem foi aceita por pessoas
de todas as posições sociais. Sendo que o contato com outras manifestações culturais e religiosas
contribuíram para a organização e o enriquecimento do conteúdo doutrinário, definindo como
objetivo a conquista de um novo homem para a sociedade, o homem cristão.
O primeiro mártir do cristianismo foi Estêvão, apedrejado por aqueles que mataram o
Senhor, a primeira perseguição organizada contra os cristãos foi desencadeada pelo imperador
Nero, depois do incêndio da cidade de Roma, no ano de 64 d.C. O primeiro decreto oficial
contra o cristianismo só foi promulgado no século III, proibindo as reuniões nos cemitérios e
estabelecendo a distinção entre os chefes e os simples seguidores da mensagem cristã.
Pelo motivo de os cristãos recusarem-se a prestar o culto ao imperador e às divindades

HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL | UNIDADE 2


pagãs, eles eram acusados pelas calamidades naturais, pelas pestes, inundações e carestia,
considerados como o pior inimigo do imperador, e acabaram sendo acusados e perseguidos como
fora da lei. Os cristãos provocavam desconfiança e desagrado, eram considerados como uma
superstição perigosa em oposição ao Estado e à sociedade romana, eram acusados de praticarem
rituais de sacrifícios humanos, canibalismo e orgias grupal.
“Eu sou cristão!” O conteúdo da profissão de fé dos mártires diante do tribunal era
simplesmente a declaração de serem cristãos. O martírio se coloca na própria lógica do batismo
e da adesão total a Cristo, assim o martírio era visto como uma imitação de Cristo e seguimento
da sua mensagem de salvação.
A política geral do império não era uma democracia liberal, em que o povo julgasse
proceder de acordo com a sua vontade, mas um governo, em que a liberdade pessoal pouco
importava, e as leis e editos procuravam evitar toda a iniciativa, os gritos dos que sofriam as
torturas constituíam visões familiares. Rigor que estava na agenda diária da esfera política e que
não restringiam as possibilidades civis e financeiras em punir as pessoas que podiam ameaçar a
estabilidade do império e comprometer a unidade social por divergências religiosas.
Flávio Valério Constantino governou o Império entre os anos de 306 a 337, tornando-
se o primeiro Imperador cristão e colocou fim às perseguições contra os cristãos e apoiou o
crescimento do cristianismo no Império, não apenas com contribuições financeiras, mas também
com a utilização de seu poder político para a supressão de dissensões internas da Igreja.
Coragem e FÉ na caminhada! Bons estudos!

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1. A IGREJA DOS MÁRTIRES

Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição,


a fome, a nudez, o perigo, a espada? Segundo está escrito: Por sua causa somos
postos à morte o dia todo, somos considerados como ovelhas destinadas ao
matadouro. Mas em tudo isto somos mais que vencedores, graças àquele que nos
amou. Pois estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem
os principados, nem o presente nem o futuro, nem os poderes, nem a altura, nem
a profundeza, nem qualquer outra criatura poderá nos separar do amor de Deus
manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor (ROMANOS 8, 35-39).

De acordo com o direito religioso romano, no decreto instituído no ano 112 d.C. época
do imperador Trajano (98-117 d.C.), a confissão pública da pessoa que renegar a religião imperial
e confessasse pertencer ao cristianismo, ela seria considerada não só uma ateísta, mas inimiga
do Estado, delito que levaria o acusado a ser julgado diante do governador. Apesar da tolerância
dos romanos, até meados do século III, “[...] os governadores apenas mandaram executar alguns

HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL | UNIDADE 2


cristãos proeminentes. Eles não tinham interesse em perseguir grupos maiores, nem de acusar
parcelas inteiras da população de crimes contra o Estado” (KAUFMANN et al., 2012, p. 58).
O império era partilhado por dois augustos, que tinham cada um, por auxiliar, um césar,
Diocleciano e o seu césar Galério governavam a parte do império situada a oriente do Adriático,
enquanto o ocidente era administrado por Maximiano e o seu césar Constâncio Cloro (pai de
Constantino). Vários governadores de província protegiam e mostravam simpatia pelos cristãos,
a situação mudou radicalmente durante o governo dos imperadores Décio (249-251 d.C.) e
Valeriano (253-260 d.C.), quando as perseguições aconteceram por toda parte.
Décio, no ano 250, ordenou uma perseguição sistemática aos cristãos, determinou por
édito que todos os cidadãos oferecessem um sacrifício de súplica aos deuses do Estado, exigindo
que cada um possuísse um certificado (libellus) que comprovasse que sacrificou aos deuses uma
oferenda. Assim, os cristãos que não fizessem o sacrifício seriam deportados para o trabalho nas
minas ou executados. Segundo Chadwick (1969, p. 127), os bispos “[...] de Roma, de Antioquia e
de Jerusalém foram martirizados e a sé de Roma permaneceu vaga de janeiro de 250 até março de
251, quando facções rivais elegeram dois candidatos, Cornélio e Novaciano”.
Eusébio de Cesareia foi testemunha ocular da perseguição de Diocleciano (303-311). Ele
conviveu com a destruição das igrejas, com o assassinato de cristãos na Palestina, na Fenícia e
na Tebaida do Egito, bem como a queima de bíblias sagradas deixou a narrativa histórica desses
acontecimentos. Nero foi responsável pela decapitação de Paulo e da crucificação de Pedro em
Roma.

Quando Nero viu consolidado seu poder, começou a empreender ações ímpias
e muniu-se contra o culto de Deus do universo. Não constitui, porém, nosso
objetivo no momento registrar a perversidade de que ele foi capaz. Uma vez
que foram muitos os que divulgaram a versão de seus atos, quem o desejar,
poderá depreender a crueldade e a loucura deste insensato, que sem motivo
acumulou milhares de assassínios. A sede de sangue nele chegou a tal ponto que
não poupou nem parentes, nem amigos. Igualmente tratou a mãe, os irmãos,
a esposa e inúmeros consanguíneos quais inimigos particulares e públicos,
eliminando-os por variados gêneros de morte. Debite-se-lhes ainda o fato de ter
sido o primeiro dos imperadores a mostrar-se contra a piedade para com Deus
(CESAREIA, 2016, p. 72).

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Assim como Herodes, Domiciano, considerado o segundo a mover as perseguições contra


os cristãos, tinha receio da vinda do Cristo, por isso, queria eliminar todos os descendentes da
tribo de Davi. Os cristãos, que eram denunciados como da estirpe de Davi, eram interrogados por
Domiciano, que perguntava sobre suas propriedades e riquezas e, em seguida, sobre o Cristo e seu
reino. Eles respondiam conforme os textos bíblicos, que seu reino “[...] não era deste mundo, nem
da terra, mas celeste e angélico e que chegaria na consumação dos séculos, quando Cristo viria na
glória a julgar os vivos e os mortos e a retribuir a cada um conforme as suas obras” (CESAREIA,
2016, p. 89). Após o interrogatório, Domiciano acabou concluindo que eles eram homens simples
e fez cessar a perseguição contra os cristãos.
No oitavo livro da História eclesiástica, Eusébio de Cesareia relata as perseguições aos
cristãos, foi em 30 de abril de 311, que o imperador Galério (293-311 d.C.) promulgou o edito da
tolerância, que acusava os cristãos de ateísmo e de serem supersticiosos, vistos como uma seita
marginal em oposição ao Estado e aos valores da sociedade romana, ele queria em troca que os
cristãos voltassem à religião dos seus antepassados, orassem pela defesa do Estado e pela sua
saúde, pois Galério estava à beira da morte.
Pelo fato de os cristãos não participarem da vida pública romana e estarem voltados para
suas celebrações e costumes próprios, era possível contar a respeito deles todas as lendas acerca

HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL | UNIDADE 2


desse grupo marginalizado “[...] na forma estereotipada de ‘refeições sacrificiais e orgias edípicas’,
eram-lhes atribuídos sacrifícios rituais humanos, ignomínias de sangue e promiscuidade”
(KAUFMANN et al., 2012, p. 54).
Tertuliano confirma a informação sobre Domiciano, governou por quinze anos, ele
“[...] tentou agir como Nero, enquanto participe de sua crueldade. Mas, a meu ver, tinha algum
entendimento, e logo desistiu deste procedimento (CESAREIA, 2016, p. 89)”. Assim, muitos que
haviam sido banidos, em punição por confessarem serem cristãos, puderam retornar às suas
casas, a exemplo, Flávia Domitila, filha de Flávio Clemente, um dos cônsules romanos.
O texto da Apologia latina de Tertuliano indica que as perseguições ao cristianismo
ocorriam nas províncias romanas, aplicadas pelos chefes regionais. Ele afirmou que as perseguições
e o sangue dos mártires eram a semente da Igreja, a ponto de Plínio Segundo (o Jovem) governador
romano escrever a Trajano que promulgou um edito proibindo a procura dos cristãos:

[...] impressionado com a multidão dos mártires, escreveu ao imperador a respeito


da quantidade dos que sofriam a morte pela fé. Simultaneamente, informou que
nada encontrara em suas ações de ímpio ou de oposto às leis. Somente, eles se
levantavam antes do amanhecer para cantar hinos a Cristo, como a um Deus.
Rejeitavam o adultério, o homicídio e os crimes odiosos da mesma espécie, e
tudo faziam de acordo com as leis (CESAREIA, 2016, p. 100).

Entre os mártires existia a convicção de que o martírio garantia a entrada imediata no


paraíso e conferia a coroa da vitória. Entre os relatos dos mártires, o jovem Germânico, mesmo
diante do procônsul implorou e tentou persuadi-lo para que tivesse piedade de si mesmo. “[...] Ele
não hesitou. Corajosamente atiçou o animal feroz, de certa forma, o atacou e excitou, a fim de que
mais depressa o tirasse desta vida injusta e iníqua” (CESAREIA, 2016, p. 118).
Outro testemunho marcante é de Policarpo, no período do reinado de Marco Aurélio
Vero, quando grandes perseguições ocorriam na Ásia, foram enviadas muitas cartas e lidas nas
igrejas relatando detalhadamente o seu martírio.

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Testemunho de Policarpo

A carta acerca dele prossegue nestes termos: Terminada a oração, na qual havia
rememorado todos os que alguma vez encontrará, pequenos e grandes, ilustres e
obscuros, e a igreja católica, espalhada por toda a terra, e tendo chegado a hora
de partir, montaram-no num asno e levaram-no à cidade. Era um dia de grande
sábado. O irenarca Herodes e seu pai, Nicetas, foram ao seu encontro. Fizeram-
no subir a seu carro, e sentados a seu lado, esforçaram-se por persuadi-lo, com
essas palavras: Que há de mal dizer: César é Senhor, sacrificar e salvar a vida?
No começo, ele não respondeu. Mas, como insistissem, replicou: ‘Não farei o que
me aconselhais’. Visto que não conseguiram persuadi-lo, injuriaram-no e fizeram-
no descer tão depressa do carro que na descida feriu a parte dianteira da perna.
Ele, contudo, não deu atenção a isso, como se nada tivesse sofrido, e avançou
voluntariamente e rapidamente, enquanto o levavam ao estádio.

HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL | UNIDADE 2


No estádio, o tumulto era tão grande que mal se escutavam as palavras. Ao entrar
Policarpo no estádio, veio uma voz do céu: ‘Sê forte, Policarpo, sê homem’ (cf.
JOSUÉ 1,9). Ninguém viu quem falava, mas muitos dos nossos ouviram a voz
(cf. ATOS 9,7). Ora, enquanto o conduziam, houve grande tumulto da parte dos
que ouviram dizer ter sido preso Policarpo. Ele adiantou-se e então o procônsul
perguntou se ele era, de fato, Policarpo. Ao obter resposta afirmativa, exortou-o
a renegar, dizendo: ‘Tem pena da tua idade!’ e frases semelhantes conforme se
costuma dizer: Acrescentou: ‘Jura pela fortuna de César! Muda de opinião e dize:
‘Abaixo os ateus!’ Então, Policarpo, fitando severamente a multidão presente no
estádio, entendeu a mão contra eles, suspirou, olhou para o céu e disse: Abaixo
os ateus!’
Insistiu o procônsul, dizendo: ‘Jura e eu te liberto. Amaldiçoa a Cristo’. Policarpo
disse: ‘Há oitenta e seis anos que o sirvo e ele jamais me fez mal. Como posso
blasfemar a meu rei, meu salvador?’ O procônsul insistiu ainda e disse: ‘Jura pela
fortuna de César!’ Policarpo replicou: ‘Se esperas em vão que hei de jurar pela
fortuna de César, como dizes, e finges ignorar quem sou eu, falo com franqueza:
Sou cristão. Se queres aprender a doutrina do cristianismo, dá-me o prazo de
um dia e escuta’. O procônsul disse: ‘Convence o povo’. Policarpo respondeu:
‘Considero-te digno de explicação, pois aprendemos a tributar aos magistrados e
às autoridades estabelecidas por Deus a honra que lhes compete, contando que
não nos prejudique (cf. ROMANOS 13, 1). Quando a estes, não os julgo dignos de
me defender diante deles’.
O procônsul retornou: ‘Tenho feras. Lançar-te-ei a elas, se não mudares de opinião’.
Policarpo respondeu: ‘Chama-as. Nós não mudamos de opinião, indo do melhor
ao pior, no entanto, é bom passar do mal à justiça’. O procônsul ainda disse: ‘Hei
de te domar pelo fogo, se desprezas as feras, a menos que mudes de parecer’.
Policarpo retrucou: ‘Tu me ameaças com um fogo que queima durante uma hora
e em pouco tempo se extingue. Ignoras, contudo, o fogo do julgamento futuro e
do castigo eterno reservado aos ímpios. Mas, por que tardar? Traze o que queres’.
Proferindo essas e muitas outras palavras, cheio de coragem e de alegria, tinha
o rosto repleto de graça, de sorte que não somente não se deixou abalar pelas
ameaças, mas ao contrário, o procônsul ficou espantado.

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Mandou o arauto proclamar no meio do estádio: ‘Três vezes Policarpo se declarou


cristão’. A esta declaração do arauto, enfurecida, a multidão de pagãos e judeus,
habitantes de Esmirna, clamou em altos brados: ‘Eis o mestre da Ásia, o pai dos
cristãos, o destruidor de nossos deuses; ensina a muitos a não sacrificar e a não
adorar’. Assim falando, gritaram ainda e pediam ao asiarca Felipe que soltasse um
leão sobre Policarpo; mas ele respondeu que isso não era lícito, porque os combates
de feras haviam acabado. Então, unânimes começaram a gritar que Policarpo fosse
queimado vivo.

HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL | UNIDADE 2


Figura 1 - Quadro de Policarpo, bispo de Esmirna mártir. Fonte: Catedral ortodoxa Russa,
Washington.

Era, de fato, preciso que se cumprisse a visão que tivera, quando em oração viu o
travesseiro a arder, e voltando-se para os fiéis ao seu redor, prenunciara profeticamente:
‘Devo ser queimado vivo’. Fez-se isso mais rapidamente do que fora dito. A multidão
trouxe, imediatamente, das oficinas e dos balneários, lenha e gravetos; sobretudo
os judeus, conforme seu costume colaborava. Pronta a fogueira, Policarpo por si
mesmo despiu-se, e desamarrou o cinto; tentou tirar os calçados, o que antes não
fazia, porque sempre os fiéis se apressavam para lhe tocar o corpo; em tudo, por
causa da sua vida eminente, fora honrado mesmo antes de lhe aparecerem as cãs.
Logo em volta dele foram dispostos os materiais adequados para a fogueira. Como
se preparavam para fixá-lo, pregando-o, disse: ‘Deixai-me assim, pois aquele que me
concedeu aguardar com firmeza o fogo, conceder-me-á ainda, sem a garantia de
vossos pregos, ficar imóvel na fogueira. Por isso, não foi pregado, e sim amarrado.
Amarrado, com as mãos às costas, parecia um cordeiro escolhido, tirado de grande
rebanho, para se tornar um holocausto agradável a Deus onipotente (cf. Sb 3, 6).

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Então, disse: ‘Pai de teu filho bem-amado e bendito Jesus Cristo, por meio do qual
adquirimos o conhecimento de ti, Deus dos anjos, das potestades, e de toda a criação,
da geração dos justos que vivem diante de ti, eu te bendigo porque me julgaste
digno deste dia e desta hora; de participar do número dos mártires, do cálice de teu
Cristo, para a ressurreição da vida eterna, do corpo e da alma, na incorruptibilidade
do Espírito Santo. Seja recebido entre eles diante de ti, hoje, um sacrifício gordo
e aceitável, conforme preparaste e manifestaste previamente, e que consumaste,
Deus sem mentira e verdadeiro.
Por isso e por todas as outras coisas, eu te louvo, te bendigo, te glorifico, pelo
eterno e sumo sacerdote, Jesus Cristo, teu filho bem amado, por quem a ti, com
ele, no Espírito Santo, glória seja dada agora e nos séculos futuros. Amém. Tendo
profetizado o Amém final da oração, os encarregados da fogueira acenderam o fogo
e enquanto brilhava uma grande chama, vimos um prodígio, nós a quem foi dado
ver, e que fomos preservados para anunciar aos pósteros estes eventos. Ora, o fogo
tomou o aspecto de uma abóbada, como uma vela de navio enfunada pelo vento,
e envolveu um círculo o corpo do mártir. Ele, no meio, não se assemelhava a carne
queimada, mas era qual ouro e prata purificados no cristo (cf. Sb 3,6). E aspirávamos

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a um perfume tão forte como incenso ou outro aroma precioso. Finalmente, os
malvados, vendo que o corpo não podia ser consumido pelo fogo, ordenaram ao
carrasco que se aproximasse e o atravessasse com um punhal.
Ele o fez e jorrou tal quantidade de sangue que o fogo se apagou. A multidão ficou
admirada da grande diferença entre os incrédulos e os eleitos, aos quais pertencia
também este admirável varão, em nosso tempo mestre apostólico e profético, o bispo
da igreja católica de Esmirna. Toda palavra proferida por sua boca, efetivamente,
cumpriu-se e haverá de se cumprir. O maligno, invejoso e ciumento, adversário dos
justos, vendo a grandeza de seu martírio, a vida irrepreensível que levará desde o
início, a coroa de incorruptibilidade que o ornara, o prêmio inegável que obtivera,
cuidou de que nem mesmo o cadáver fosse recolhido por nós, apesar de muitos
terem desejado possuí-lo e ter uma porção das relíquias.
Alguns sugeriram, então, a Nicetas, pai de Herodes e irmão de Alces, fosse pedir ao
governador que não doasse o corpo, receosos, disseram, de que o povo abandonasse
o crucificado e começasse a adorá-lo. Assim falaram, por instigação e insistência
dos judeus, que nos espreitavam até para não retirarmos o cadáver do fogo. Eles
ignoravam que jamais poderíamos abandonar a Cristo, que sofreu pela salvação
dos redimidos do mundo inteiro, e a nenhum outro haveríamos de adorar.
Com efeito, nós o adoramos, por ser Filho de Deus. Quanto aos mártires, nós os
amamos com razão enquanto discípulos e imitadores do Senhor, por causa de seu
invencível amor ao próprio rei e mestre. Possamos também nós obter o privilégio de
nos tornarmos seus companheiros e condiscípulos!
O centurião, ao verificar a animosidade dos judeus, colocou o corpo no meio,
segundo o romano, e o queimou. Deste modo, mais tarde recolhemos seus ossos,
mais preciosos que pedras de grande valor e mais valiosos que o ouro e depositá-
los em lugar adequado. Quando o Senhor nos permitir e for possível, ali nós nos
reuniremos, com regozijo e alegria, a fim de celebrarmos o natalício de seu martírio,
em memória dos que nos precederam na luta e em exercício e preparação dos que
haverão de combater mais tarde. Eis aí a história do bem-aventurado Policarpo. Com
os irmãos originários de Filadélfia, foi o duodécimo a sofrer o martírio em Esmirna.
Mas goza entre todos de peculiar lembrança e até os pagãos por toda parte tecem-
lhes comentários (CESAREIA, E. Patrística. v. 15, 2016, p. 119-122).

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O cristão martirizado era valorizado como testemunha, símbolo de esperança para a


igreja continuar a viver e divulgar sua mensagem de fé em um único Deus e salvador. A partir da
veneração aos mártires se desenvolveu o culto dos santos. Significa que um santo é também um
documento histórico, e a santidade evidencia um cruzamento entre a tradição do sagrado judaico
e o hábito greco-romano de se relacionar com os heróis e as imagens.
A partir do século III, as comemorações dos mártires começaram a ser transferidas
para liturgias oficiais da Igreja. No “Compêndio sobre os Mártires”, Eusébio de Cesareia oferece
detalhes sobre o martírio dos cristãos, as torturas, como eram insultados, arrastados pelo chão,
apedrejados e encarcerados.

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Figura 2 - Cristãos usados como tochas humanas. Fonte: Museu Nacional Cracóvia - Polônia (1876).

Levados à força pelos magistrados aos interrogatórios diante da presença de todo o povo e
governador, eles sofriam toda espécie de humilhações e castigos, e eram torturados intensamente
para fazerem negar sua fé. Para isso, eram aplicadas chapas de cobre aquecidas ao fogo nos seus
membros mais delicados do corpo, eram açoitados e colocados em cadeiras de ferro, onde seus
corpos exalavam cheiro de gordura queimada, eles podiam ser condenados à crucificação, usados
como tochas humanas ou lançados às feras. Depois de mortos, os cadáveres eram vigiados noite
e dia, a fim de que nenhum fosse sepultado “[...] expostos de todos os modos e abandonados ao
ar livre durante seis dias; depois foram queimados e reduzidos a cinzas pelos malvados que as
jogaram no rio Ródano, a correr ali perto, a fim de nada restar deles sobre a terra” (CESAREIA,
2016, p. 143).
Apesar das perseguições e do martírio, não existem relatos que informam sobre revoltas
armadas ou conspirações dos cristãos contra os romanos. “[...] Os cristãos pagavam regularmente
os impostos e as taxas, cumpriam as diversas obrigações comunais e rezavam pelas autoridades,
seguindo a tradição neotestamentária” (KAUFMANN et al., 2012, p. 64).

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Figura 3 - Eu sou a videira. Fonte: Fondazioneswedenborg.com (2021).

Na figura, “Eu sou a videira”, Jesus ressuscitado transforma a comunidade em


testemunha e anunciadora da sua mensagem e do seu projeto de salvação para
toda a humanidade. É Jesus presente no meio da comunidade dos discípulos que
vai confiar-lhes o Espírito Santo e enviá-los em missão, em nome do Pai, para
continuar a sua própria missão: “Como o Pai me enviou também eu vos envio” (1
JOÃO 20, 21).
Podemos refletir: a missão da Igreja é a mesma de Jesus e dos mártires que
venceram a morte, ou seja, venceram todo o pecado e todos os mecanismos que
destroem a vida. A missão da Igreja não tem fronteiras e nos convida a viver a
experiência de Jesus, como testemunhas e herdeiros do Reino de Deus.

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2. LUTA CONTRA AS HERESIAS

Jesus Cristo é o mesmo, ontem e hoje; ele o será para a eternidade! Não vos
deixeis enganar por todas as espécies de doutrinas estranhas. Porque é bom
que o coração seja fortificado pela graça e não por alimentos, os quais nunca
foram de proveito para aqueles que disso fazem uma questão de observância
(HEBREUS 13, 8-9).

Eusébio de Cesareia afirmou na introdução da História Eclesiástica, além das disputas


com os judeus e a perseguição dos romanos, existia ainda, uma luta incessante dos cristãos para
manter as comunidades unidas: a luta contra as heresias, “[...] as dificuldades pelas quais a Igreja
vai passando devido às perseguições, o diálogo ou o enfrentamento verbal com os pagãos, com os
judeus, o surgimento das heresias e dos heréticos” (CESAREIA, 2016, p. 22).
No Império Romano, o culto aos deuses ancestrais, nas diversas divindades, era garantia do
sucesso militar das legiões no domínio dos territórios, não participar dos cultos era considerado
como deslealdade e traição ao Estado. Nenhum culto pagão excluía qualquer outro, e o único

HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL | UNIDADE 2


impedimento à iniciação em muitos cultos era de ordem econômica. Sendo que várias divindades
eram o mesmo deus, com diferentes nomes e representações locais de uma divindade suprema,
existindo entre todos os cultos uma vaga unidade.
Ao lado das idolatrias oficiais do imperador deificado, floresciam misteriosas religiões
orientais, como exemplo, o culto a Ísis, a deusa mãe egípcia, e a Mitra, o deus persa da luz, que
dispunham de sacerdotes profissionais. O mitraísmo, religião que não era popular, reservada
apenas para homens, em especial para oficiais do exército “[...] compreendia refeições sagradas
que não diferem da eucaristia cristã e oferecia às almas, após a morte, um caminho para o Céu
através dos sete espíritos planetários que guardavam a subida para a Via Láctea” (CHADWICK,
1969, p. 25).
No antigo cristianismo nas primeiras comunidades, parte da religião consistia também
em rituais de magia, existia um tipo de superstição representada por meio de textos antigos ou
papiros mágicos, utilizados em diversos contextos religiosos, no Egito, por exemplo, existiam
textos bíblicos com que se praticava magia e se pronunciava oráculos ou que simplesmente
serviam de amuletos, “[...] estamos diante de uma impressionante mistura de tradições religiosas
que, no interesse de atingir um efeito maior, combinavam elementos que julgavam poderosos:
Jesus Anúbis” (KAUFMANN et al., 2012, p. 78).
Na história eclesiástica, durante a segunda metade do século II, os cristãos denominados
teólogos eram vistos como filósofos cristãos, e segundo o modelo dos textos com argumentações
em defesa do cristianismo e contra as heresias, chamados de apologias. As apologias surgiram
como textos dirigidos ao imperador no formato de petições ou defesa judicial, a favor do
cristianismo, depois, passaram a servir como discursos ou diálogos utilizados para divulgar a
mensagem cristã. Entre os filósofos cristãos, destacamos: Clemente de Alexandria e Orígenes.
Clemente de Alexandria, um grande teólogo que nasceu provavelmente em Atenas, por
volta de 150 e falecido na Capadócia entre 211 e 216, entre suas obras mais importantes, existe
um tratado teológico em sete volumes destinado a promover a edificação espiritual do cristão,
como uma forma de catequese dirigida àqueles que buscavam o caminho da fé. Também foi a
partir dos anos 150 d.C. que surgiram dentro das comunidades cristãs várias seitas, das quais se
destacam os gnósticos, os marcionitas e os montanistas. Todas elas são comunidades religiosas
consideradas separadas da Igreja:

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[...] são, portanto, no tempo de Orígenes, comunidades religiosas separadas da


‘Grande Igreja’, isto é, do conjunto de comunidades que não foram reconhecidas
nos sistemas gnósticos e estabeleceram uma percepção própria do Evangelho.
O mesmo acontece com os montanistas. Orígenes alude à sua doutrina sobre
o Espírito Santo e opõe-se à concepção da inspiração profética, rejeitando um
êxtase que fosse inconsciente (ORÍGENES, 2012, p. 16).

O pensador cristão Orígenes nasceu provavelmente em 185 em Alexandria, no seio de


uma família cristã, desenvolveu seus escritos como membro da Igreja perseguida e mártir. Aos
dezoito anos, em 201, durante a perseguição de Sétimo Severo, seu pai Leônidas foi martirizado.
No ano de 250, sob a perseguição de Décio, foi preso e, em consequência das torturas sofridas por
confessar sua fé, morreu provavelmente entre 253 ou 254, aos sessenta e nove anos.
Para Orígenes, a única fonte reveladora da verdade era a Bíblia, por isso, dedicava muitas
horas do dia à oração e estudo, desejava ser um homem da Igreja, defendendo suas doutrinas
contra os argumentos heréticos ou pagãos. A defesa da ortodoxia contra a heresia ocupou grande
parte da atenção de Orígenes, acreditava que o seu trabalho era fazer a exposição das escrituras.
Nas controvérsias entre Orígenes e Márcion, ele afirmou a existência de alegorias na

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exegese cristã, concluiu nos seus estudos que o primeiro objetivo da escritura era transmitir a
verdade espiritual, e que a narrativa dos fatos históricos era secundária. Para Orígenes, o essencial
na interpretação da escritura era a análise do seu âmago, “[...] isto alinhava com o firme propósito
da revelação e da redenção, pelo qual o homem tinha de ser educado para se elevar do símbolo
ao espiritual, do mundo sensitivo ao reino imaterial, de Filho do Homem a Filho de Deus”
(CHADWICK, 1969, p. 116).
As homilias e doutrina de Orígenes foram muito lidas e influenciaram profundamente
tanto o oriente como o ocidente, sua influência alcançou as igrejas da Palestina e da Ásia Menor.
Depois de um século após a sua morte, ainda era considerado pelos historiadores da Igreja, como
o supremo santo e a maior inteligência da lista dos heróis cristãos.
O termo gnosticismo é derivado do vocábulo grego vulgar que significa conhecimento
(gnosis), na sua ética defendiam a completa liberdade perante a sociedade e o governo, por isso,
a maior parte do tempo eles dedicavam à aprendizagem das senhas mágicas e dos amuletos mais
eficazes capazes de libertar a alma para alcançar o reino da luz. O gnosticismo foi uma grave
ameaça à Igreja. Paulo encontrou em Corinto irmãos que julgavam ter atingido a perfeição e viam
os outros cristãos como seres inferiores, que não tinham atingido as alturas sobrenaturais. Eles
acreditavam que o espírito significava tudo e o corpo nada.

Desta crença advinham consequências morais imediatas. Alguns coríntios


concluíam que os atos físicos não tinham qualquer valor; encorajando-se
com a doutrina de Paulo acerca da liberdade da lei, olhavam os sacramentos
como garantias mágicas de felicidade espontânea, caindo na desordem moral.
[...] Dentro deste dualismo rejeitavam, por imperfeita, a doutrina hebraica
da ressurreição do corpo, preferindo a doutrina platônica da imortalidade da
alma; de maneira nenhuma, para aqueles que já haviam alcançado a perfeição,
a ressurreição poderia acrescentar alguma coisa. Não viam qualquer mal em
comerem carnes imoladas aos ídolos, que sabiam não existirem (CHADWICK,
1969, p. 37).

Nos anos setenta do século II, ocorreu a crise do montanhismo, o padre frígio de nome
Montan dizia-se possuído pelo Espírito Santo e, juntamente com duas mulheres, Priscila e
Maximila, entregava-se a elocuções em estado de “êxtase”, isto é, não se encontrando na posse
das suas faculdades. “[...] O conteúdo da ‘Nova profecia’ era contrário à eliminação gnóstica da
esperança escatológica e insistia na ressurreição literal da carne e no fim iminente do mundo
(CHADWICK, 1969, p. 56).

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Irineu de Lyon (130-202 d.C.) escreveu contra Márcion e Valentino, sua argumentação
antimarcionista apoia-se na unidade entre o Velho e o Novo Testamento, ele apresenta a revelação
como um processo gradual e, assim, responde aos argumentos das dificuldades morais do Velho
Testamento. Para Irineu, Deus consentiu que o homem caísse para abafar o seu orgulho e para
ensinar pela disciplina e pela experiência, assim, a história da salvação corresponde a uma
educação progressiva, ou seja, “[...] Deus empurra a humanidade para a frente, passo a passo, num
longo processo culminado pela encarnação do Verbo divino num evangelho universal difundido
por todo o mundo pela igreja” (CHADWICK, 1969, p. 88).
Os fatores de transformação interna do cristianismo foram ocasionados, sobretudo, pelas
heresias e cismas. Na tentativa de a Igreja desenvolver uma teologia científica no cristianismo
antigo, ela elaborou uma heresiologia, uma lista segundo os critérios da época das heresias contra
a fé cristã, assim, muitas obras foram escritas para combater as heresias: “[...] Irineu escreveu sua
obra em cinco volumes Detecção e refutação da falsamente chamada gnose [...]. Logo em seguida,
Hipólito de Roma escreve Refutatio omnium haeresium, contra cerca de cinquenta heresias”
(KAUFMANN et al., 2012, p. 89).
Outro exemplo das heresias, surge no século III com Nani, nascido em 216, d.C. na
Pérsia, originário dos círculos de uma tradição batista judeu-cristã que, após uma primeira visão,

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fundou uma religião gnóstica autônoma, o maniqueísmo. Por um período, o maniqueísmo vai
ter a aceitação do grande rei da Pérsia, porém, depois Mani foi preso e executado em 26 de
fevereiro de 277 d.C., e o seu corpo, conforme o costume da época, foi esquartejado e exposto em
praça pública. “Essa religião versátil conseguiu penetrar nos mais variados contextos culturais e
religiosos do Império e inclusive se apresentava na África do Norte como forma mais elevada do
cristianismo” (KAUFMANN et al., 2012, p. 90).
No ano de 381 d.C., aconteceu o segundo Concílio Ecumênico de Constantinopla,
acreditava-se que os bispos tinham encontrado uma solução definitiva para a controvérsia
ariana, e a confissão de fé utilizada nas negociações conciliares significava a expressão da unidade
dogmática entre a Igreja do ocidente e a Igreja do oriente.

Nós cremos no único Deus, o Pai, todo-poderoso, que tudo criou, céu e terra,
o mundo visível e o invisível. E no único Senhor Jesus Cristo, filho unigênito
de Deus, nascido do Pai antes de todo tempo: Deus de Deus, luz da luz, Deus
verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial (homousios)
ao Pai; por meio dele tudo foi criado. Para nós homens e para nossa salvação
ele desceu do céu, foi encarnado do Espírito Santo e da virgem Maria e tornou-
se homem. Por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos, padeceu e foi sepultado,
ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras, e subiu ao céu. Está sentado
à direita do Pai e voltará na glória, para julgar os vivos e os mortos; seu reino
não terá fim. Nós cremos também no Espírito Santo, que é Senhor e vivifica,
que procede do Pai (e do Filho), que com o Pai e o Filho é adorado e glorificado,
que falou pelos profetas, e na Igreja única, santa, católica (geral) e apostólica.
Nós cremos no único batismo para o perdão dos pecados. Nós esperamos a
ressurreição dos mortos e a vida do mundo que virá (KAUFMANN et al., 2012,
p. 138).

A palavra concílio deriva do latim cum-calare, significa: convocar. O seu equivalente


grego é sínodo, designação que foi muito utilizada, significa reunião de bispos de caráter nacional
ou provincial ou, por vezes, assembleias do clero de uma só diocese. Para a Igreja Católica, todos
os Concílios Ecumênicos são válidos, mas para os protestantes, em geral, eles reconhecem apenas
“[...] os primeiros quatro, do de Niceia ao da Calcedónia. Os ortodoxos aceitam integralmente só
os primeiros sete, negando a validade da primeira parte do oitavo (Constantinopla IV) e repudiam
em bloco todos os outros” (DONINI, 2003, p. 232-233).

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O concílio era ecumênico quando a assembleia dos bispos tinha a colaboração do bispo
de Roma em concordância com os quatro patriarcas de Constantinopla, Alexandria, Antioquia e
Jerusalém. Decisão tomada no segundo concílio de Niceia, em 6 de outubro de 787, com o objetivo
de contestar as decisões do concílio realizado no palácio imperial de Hieria, em Constantinopla,
em 754 d.C. mais de trinta anos antes. Muitos concílios foram convocados, conforme os desafios e
disputas aconteciam em cada região e país onde já existia alguma forma de organização religiosa.
O quadro apresenta os concílios considerados ecumênicos:
Os Concílios Ecumênicos
Nº Local Ano Pontífice
1 Niceia (I) 325 Silvestre I
2 Constantinopla (I) 381 Dâmaso
3 Éfeso 431 Celestino I
4 Calcedónia 451 Leão I

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5 Constantinopla (II) 553 Virgílio
6 Constantinopla (III) 680-681 Agatão
7 Niceia (II) 787 Adriano I
8 Constantinopla (IV) 869-970 Adriano II
9 Latrão (I) 1123 Calisto II
10 Latrão (II) 1139 Inocêncio II
11 Latrão (III) 1179 Alexandre III
12 Latrão (VI) 1215 Inocêncio III
13 Lião (I) 1245 Inocêncio IV
14 Lião (II) 1274 Gregório X
15 Viena (França) 1311-1312 Clemente V
16 Constância 1414-1418 Martinho V
(Basileia-Ferrara) (1431)
17 Eugénio IV
Florença 1438-1445
18 Latrão (V) 1512-1517 Júlio II – Leão X
19 Trento 1545-1563 Paulo III – Júlio III – Pio IV
20 Vaticano (I) 1869-1870 Pio IX
21 Vaticano (II) 1962-1964 João XXIII – Paulo VI
Quadro 1 – Os Concílios Ecumênicos. Fonte: Donini (2003).

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Na igreja oriental, vigorava a longa tradição que os direitos e privilégios eclesiásticos


deveriam caber aos bispos que presidem a comunidade numa cidade. Na Igreja do ocidente,
vai acontecer a luta do bispo de Roma pela reivindicação da sucessão direta do apóstolo Pedro,
que ficou conhecida como “princípio petrino”, baseava-se nas palavras de Jesus, pronunciadas
diretamente ao apóstolo:

Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja,
e as portas do Inferno nunca prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do
Reino dos Céus e o que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na
terra será desligado nos céus (MATEUS 16, 18-19).

Damaso I (366-384) foi o primeiro a reivindicar a condição de sucessor de Pedro,


martirizado no ano 64 d.C. depois, Leão I, Magno (440-461) para combater as heresias reformulou
a estrutura da Igreja, como uma estrutura verticalizada.

O termo ‘papa’, de origem grega, significa pai. Usado originalmente por todos
os clérigos, com o correr do tempo tornou-se uma titulação restrita aos bispos.
No final do século V, referia-se ao bispo de Roma e apenas no âmbito da Igreja

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ocidental; no oriente, distinguia exclusivamente os patriarcas das grandes sedes
metropolitanas: Constantinopla, Jerusalém, Antioquia e Alexandria. Só muito
mais tarde, em 1073, é que Gregório VII (1073-1085), por decreto, restringiria
o seu emprego ao bispo romano, e ninguém mais. É dessa época o substantivo
‘papado’, ao tempo em que ‘Sumo Pontífice’ [Pontifex Maximus] vinha atribuído,
intermitentemente até o ano de 527, ao cargo de imperador. Só com Pio II (1458-
1464) é que passou a designar o papado (DEL ROIO, 1997, p. 22).

Entre os séculos X e XIII, o papado se envolveu em diversas disputas de poder entre


os vários imperialismos políticos e religiosos. No século IX, nas brigas entre os herdeiros do
império carolíngio e os vários partidos que dominavam a cidade de Roma, o momento mais
desconcertante de todo o episódio ocorreu em fevereiro-março de 897, “[...] quando, sob o
pontificado de Estevão VI, é exumado o cadáver do papa Formoso (891-896), que é processado
pelos seus rivais num sínodo que, por essa circunstância, passou para a história com o nome
de ‘sínodo cadavérico’” (PIERINI, 2014, p. 108). Foi em 898, que o papa João IX (898-900), no
sínodo realizado em 898, reabilitou a memória do papa Formoso.

A centralização do poder pontifício, no seio da Igreja, e sua própria ‘imperialização’


hegemônica, em relação à sociedade civil da época, provocaram efeitos de grande
importância no centro e na periferia: no centro, através da crescente importância
adquirida pelos vários ofícios da Cúria romana, que começavam a se formar; na
periferia, através da submissão crescente dos bispos locais ao papa, e do centro
aos bispos, embora ainda permanecesse intacta por muito tempo a complexa
rede de relações feudais (PIERINI, 2014, p. 113).

No Concílio de Trento (1545-1563), foi definida a atual autoridade hierárquica na Igreja,


fazendo distinção entre a função do cardeal, que deveria dar assistência ao papa no governo
da Igreja Universal, e o bispo, era sagrado para “apascentar o rebanho”, exigindo de todos a
obrigação de residência. Destacamos que um dos objetivos do concílio foi o de convencer os
titulares dos benefícios eclesiásticos a se comportarem como cura de almas, impedindo que os
bispos abandonassem as suas dioceses, e os párocos as suas paróquias, e fossem viver com o
dinheiro dos benefícios em outras localidades, entregando seus cargos a substitutos.

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Assista ao filme: Santo Agostinho: O Declínio do Império


Romano (Itália, 2010).

Figura 4 - Santo Agostinho.


Fonte: Editora Paulinas (2015).

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O filme relata a história de Agostinho, um dos grandes nomes do cristianismo e um dos
maiores filósofos da humanidade. Em 410, testemunhou a invasão e a tomada de Roma pelos
Visigodos de Alarico, e em 430, presenciou o cerco de Hipona e o fim de todo o Império Romano
na África do Norte. Período histórico que as invasões germânicas em busca por riquezas e terras
férteis contribuíram para a decadência de Roma que, aos poucos, foi fragmentada: ocorreu o
declínio da agricultura e a diminuição demográfica. Como consequência, Roma aumentou o
valor dos impostos e das arrecadações dos tributos, e passou a ter uma economia voltada para as
trocas comerciais.
O filme apresenta o trabalho de Agostinho, especialmente na superação das diferenças
teológicas entre a Igreja e os donatistas, a discussão definitiva foi em Cartago, no ano de 411, onde
estavam presentes 286 bispos católicos e 279 donatistas. Cada partido indicou sete oradores, e
a discussão foi presidida pelo funcionário real Marcelino. Como resultado, os donatistas foram
considerados como heresia, uma seita proibida por édito imperial e, como consequência, os
donatistas desapareceram.
Agostinho sempre se empenhou para que nenhuma pessoa fosse forçada a aderir à fé
contra sua própria vontade, na opinião de Agostinho: Deus enviava primeiro os apóstolos, depois
os pescadores, os indulgentes e, por último, os caçadores. A tolerância deveria ser a atitude
habitual do pastor, mas quando ela não obtém sucesso “[...] a coação se torna necessária por
causa da ordem superior [...], ele somente pretendia concordar com a coação quando ela fosse
necessária à superação da obstinação maldosa que se opunha à opinião maldosa” (KAUFMANN
et al., 2012, p. 102).
A conversão de Agostinho, no ano 386, em Milão, influenciou a propagação da fé cristã,
ele escreveu duas grandes obras da história do cristianismo: Cidade de Deus, na qual relata a fé
cristã, e Confissões, onde descreve seus pecados e exprime a prece de misericórdia dada por Deus.
Obras que atestam a sua busca pela verdade e a luta contra as heresias, entre elas, o Maniqueísmo
de Mani, na qual chegou a ser um líder respeitado.

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No jardim da casa em Milão onde morava com seu amigo Alípio, lançou-se ao
chão soluçando. Ouviu então, de uma casa vizinha, a voz de uma criança, que
repetidas vezes cantarolava as palavras ‘tolle, lege’ (toma, lê). Agostinho, que
não conhecia semelhante cantiga infantil, entendeu isso como um sinal divino,
tomou nas mãos um volume das epístolas de Paulo que casualmente se encontra
por perto, e a primeira passagem que encontrou tornou-se o mote de sua nova
vida: Romanos 13, 13-14; ‘[...] nada de comilanças ou bebedeiras, nem volúpias,
nem luxúrias, nem brigas, nem rivalidades. Pelo contrário. Revesti-vos do
Senhor Jesus Cristo e não tenhais preocupações com a carne para satisfazer seus
maus desejos’ (KAUFMANN et al., 2012, p. 173-174).

Para participar na comunidade cristã, os adeptos deveriam receber uma catequese e


depois o batismo e, em seguida, os outros sacramentos, sobretudo a eucaristia.

3. CONSTANTINO: A IGREJA E O ESTADO

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Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas me
conhecem, como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou minha vida pelas
minhas ovelhas (JOÃO 10, 14-15).

Constantino Magno ou Constantino, o Grande (272-337), em latim Flavius Valerius


Constantinus, considerado uma das personalidades mais discutidas na História Eclesiástica
da Igreja, é avaliado de diversas formas. Aquele que reconciliou o Estado com a Igreja cristã,
entretanto, a sua atuação oscila entre duas sentenças contrárias extremas:

[...] alguns vêem nele o libertador da Igreja, que aboliu definitivamente a ameaça
mortal da perseguição por parte do Estado pagão; outros creem-se no direito de
afirmar que Constantino e a virada constantiniana, assim chamada a partir do
seu nome, foram, na história, responsáveis pelo verdadeiro perigo para a Igreja,
pois Constantino abraçou a instituição de Cristo como que com tentáculos de
polvo, privando-a da liberdade mediante oferta de vantagens que o Estado lhe
podia proporcionar numa aliança incipiente, impedindo-lhe o distanciamento
de quaisquer organizações e poderes humanos necessários para a sua ação
(KAUFMANN et al., 2012, p. 95).

Constantino nasceu em 27 de fevereiro de 285, em Naissos, cidade que fica hoje na


Bulgária. Filho do general Constâncio Cloro e de Helena, de origem mais humilde, foi educado
na Nicomédia, na corte do imperador Dioclesiano. O fato que chama atenção na vida de
Constantino é que ele recebeu o batismo pouco antes de morrer, no dia de Pentecostes em 337
d.C. “[...] foi batizado por Eusébio de Nicomedia. Expuseram-no em câmara ardente vestido de
branco como um neófito e enterraram-no na sua capital Constantinopla, na igreja dos Apóstolos”
(CHADWICK, 1969, p. 146-147).
O batismo de Constantino faz muitos teólogos questionarem sobre a honestidade da
inclinação de Constantino ao cristianismo. Em resposta ao questionamento, existe o argumento
que naquela época não havia uma doutrina sobre o pecado original e o batismo, por isso, “[...]
era bem mais usual protelar o batismo para uma idade mais avançada, para que se pudesse, na
medida humana, cumprir melhor o compromisso em relação à conduta moral de vida que a ele
estava ligado” (KAUFMANN et. al., 2012, p. 98).

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Para Eusébio de Cesareia, a conversão de Constantino nos princípios do século IV


era a realização de um sonho, a fé do imperador seria um passo essencial para a expansão do
cristianismo por todo o Império. A sua subida ao poder em 305 equivale à garantia de que a
perseguição aos cristãos não ocorreria nas províncias que ele controlava.

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Figura 5 - Estátua colossal de Constantino: cabeça. Fonte: Musei Capitolini, Roma.

A conversão de Constantino marcou uma série de modificações na história da Igreja e da


Europa, foi em 311, na campanha contra os francos que Constantino teve uma visão do deus Sol.
Os cristãos acreditavam que Deus concederia a vitória a ele, como símbolo colocou nos escudos
e nas bandeiras o monograma, como um talismã de vitória e depois a mesma marca apareceria
nas moedas cunhadas em 315. “Em 319 uma cruz ornamentava o altar da vitória. A partir de 321
apareciam as letras gregas XP, as letras iniciais da palavra Christós, ao lado do símbolo do campo
de batalha” (KAUFMANN et al., 2012, p. 99).
Constantino não fazia grande distinção entre o Deus do cristianismo e a sua fé no Invicto
Sol, o que sugere que foi necessária uma transição do monoteísmo solar para o cristianismo.
Do mesmo modo, era a relação entre religião e a ordem política vista como dependentes da boa
vontade de poderes supraterrenos. Tertuliano relata essas confusões, na época muitos pagãos
imaginavam que os cristãos adoravam o Sol porque se reuniam aos domingos e oravam voltados
para o oriente.
Um grande acontecimento na história eclesiástica foi o concílio de Niceia, primeiro
concílio ecumênico ou concílio universal, com participação de cerca de 220 bispos. Na abertura
solene, em 20 de maio de 325, Constantino pediu aos bispos que alcançassem paz e unidade. As
leis do código niceiano proibiam os bispos gananciosos de se deslocarem de uma sé para outra,
estabelecia que a sagração do bispo fosse feita por todos os bispos da sua província e conferia o
poder de veto ao bispo da metrópole provincial. Entre os diversos regramentos estabelecidos no
concílio, os cânones niceiano lançaram as estruturas da organização e de poder da Igreja.

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Figura 6 – Ícone do Primeiro Concílio Ecumênico de Niceia. Fonte: Odyssey.com (2021).

Durante o período em que Constantino viveu a doutrina niceiana, esta permaneceu


soberana como sendo no critério da verdadeira fé. Constantino favoreceu a Igreja financiando
cópias de Bíblia e construindo igrejas, as basílicas de Roma e os santuários de São Pedro e São
Paulo, na Terra Santa, em Belém e o Santo Sepulcro, além de reservar uma percentagem fixa de
rendimentos provinciais, para obras de caridade da igreja. Constantino acreditava que ele estava
no início de uma nova época histórica e que ele tinha sido chamado para introduzir uma nova era
cristã, o que foi ilustrado pela edificação das igrejas. A construção da cidade de Constantinopla
foi outro empreendimento que pretendia demonstrar que Deus lhe havia concedido a soberania
universal.

[...] Como fundador, pretendia, de maneira impressionante, estar continuamente


presente no meio dela. Uma alta coluna de porfírio era encimada por uma
colossal estátua do imperador, que o apresenta na figura do deus Sol. Ter-se-ia
tratado de uma estátua que originalmente representava o deus Apolo e que tinha
sido transformado na imagem de Constantino: a cabeça envolta por sete raios,
portava a lança na mão esquerda, e na direita o globo, como símbolo do domínio
universal, que estava ornado com uma cruz (KAUFMANN et al., 2012, p. 101).

Em 326, dois anos depois, Constantino consagrou a propriedade da cidade à divindade


protetora, o Deus Cristão. Ele pretendia igualar a nova cidade em tudo à antiga Roma. A partir de
325, Constantino tratava os bispos como irmãos. Entre as leis criadas por Constantino, ocorreu a
inclusão dos bispos entre os funcionários estatais de alto nível, o clero recebeu um foro jurídico
especial, dispensados dos serviços municipais e do pagamento dos impostos. Ainda existe a prova
mais remota de como o domingo passou a ser, não apenas o dia escolhido pelos cristãos para se
reunirem no culto, mas também um dia de descanso.

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Uma lei de Constantino de 321 encerrava os tribunais ‘no venerável dia do Sol’,
exceto para fins piedosos, relacionados com a liberdade de escravos, e opunha-se
ao trabalho dominical, salvo se fosse indispensável aos campos. Uma inscrição
descoberta perto de Zagreb recorda que Constantino mudara o velho hábito de
se trabalhar sete dias e reservara um dia em cada oito, apontando aos lavradores
o domingo como dia de mercado (CHADWICK, 1969, p. 138).

No início do cristianismo, a Igreja não podia possuir bens, mas no início do século
IV, na época do edito da tolerância de Galieno, em 260, muito dinheiro e terras começaram
a ser deixados em testamento para a Igreja. Constantino estabeleceu uma lei, no ano de 321,
autenticando tais legados, apesar de os estudos de muitos pesquisadores indicarem que já era
prática habitual essas doações, foi em consequência desta lei, que o século IV assistiu a um grande
aumento dos rendimentos das igrejas.
Constantino, em 325, prometeu eliminar os sangrentos combates dos gladiadores, mas
não cumpriu, só foi possível verificar algumas mudanças em 405, com o decreto imperial de
Honório. Com o passar do tempo, a relação entre os bispos e o imperador começa a passar por
mudanças devido às disputas e ao jogo de interesses dentro do império. Passa a ser questionada a

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representação da figura do imperador como imagem do poder universal de Deus. Um problema
que só revela que ainda não se tinham estabelecido as devidas normas para a delimitação dos
poderes.

[...] Ambrósio deve ser louvado por ter se engajado sinceramente a favor da
separação das questões religiosas e políticas, dando assim os primeiros passos
rumo à independência da Igreja, na mesma medida, na tentativa de amordaçar
a consciência do imperador, acabou num caminho que levou ao ponto em que,
no final das contas, todas as decisões imperiais, por serem também decisões da
consciência ética, estavam submetidas ao juízo do bispo e da Igreja. Na Idade
Média, a mudança de curso ambrosiana tornou-se muito significativa para a
relação entre Estado e Igreja, entre imperador e papa (KAUFMANN et al., 2012,
p. 113).

O estabelecimento de uma linha divisória entre as tarefas do Estado e as da Igreja só serão


retomados pelo papa Leão I (440-461) muitas décadas depois. O século IV foi um período de luta
dos cristãos contra o paganismo. Constantino já havia proibido a prática privada de sacrifícios,
mas não proibiu o sacrifício público, que era usual nos atos públicos do estado.
Com a política de favorecimento de Constantino, muitos membros das classes superiores
acabam se convertendo ao cristianismo e, como consequência, surge a repressão ao paganismo,
o que ocasionou a destruição de muitos templos e santuários pagãos pela população, que recebia
aprovação legal e intensificava as disputas entre ambos. “Percebe-se nessa ação legislativa contra
o culto pagão, que perdurou por cem anos, como era dura a luta do cristianismo e paganismo na
prática religiosa cotidiana” (KAUFMANN et. al., 2012, p. 119).
A Igreja se organizava de acordo com as zonas administrativas do Império, as comunidades
cristãs estavam em pé de igualdade de direitos, as regras eram comuns para todas. Na segunda
metade do século IV, desenvolve-se o hábito de os bispos das cercanias próximas e mais longínquas
se reunirem regularmente na cidade imperial para, em conjunto, tratarem de todas as questões
importantes. Assim, a paróquia deixa de ser guiada por um bispo e passa a ser considerada uma
instituição autônoma inserida na diocese, cada vez mais identificada com as necessidades locais
e voltada para a evangelização.

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Devido à constante evolução teológica e dogmática da Igreja, no século IV, três grandes
correntes caracterizam a história eclesiástica, pontos de tensão: primeiro a relação da Igreja com
o Estado e a sociedade, a formação da vida intraeclesiástica e a rápida expansão do monacato e
a grande controvérsia acerca da Trindade de Deus. Disputas resolvidas por meio da convocação
dos diversos concílios ao longo da história, resultado não só da falta de clareza teológica, mas
também motivadas por disputas teológicas, que acabaram se transformando em verdadeiras lutas
pelo poder dentro da Igreja, e entre o Estado e a Igreja.
Com a morte de Constantino, em 22 de maio de 337, assume o poder o seu filho Constâncio
(337-361), um governo que pode ser caracterizado pela confusão política e eclesiástica. Até a
segunda metade do século IV, o paganismo era considerado a religião da maioria, personagens
de grande cultura e linhagem apoiavam a velha religião, mesmo assim, no governo de Constâncio
foram proibidos os sacrifícios, muitos templos do paganismo foram destruídos e no senado
romano havia cristãos em altas funções.

Em 359 o prefeito de Roma, Junio Basso, foi batizado no seu leito de morte e
sepultado num sarcófago decorado com cenas dos evangelhos, primorosamente
gravadas. Em Roma, 354, um calígrafo profissional chamado Dionísio Filocato,

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ajudou a publicar um almanaque contendo listas de imperadores, cônsules,
prefeitos de cidade e bispos de Roma e uma tábua de cálculo pascal de 312 a
410, alguns conhecimentos astrológicos e dois importantes calendários, isto
é, o calendário eclesiástico da Igreja romana e o calendário da cidade no qual
os antigos feriados romanos eram mencionados sem quaisquer referências
a festividades cristãs. O conteúdo deste almanaque com a sua indiferente
justaposição do velho e do novo sem se fundirem, é um símbolo da transição
gradual do paganismo para o cristianismo processada na alta sociedade romana
na segunda metade do século IV (CHADWICK, 1969, p. 167).

O certo é que tanto os pagãos quanto os cristãos não aceitavam uma sociedade em que
a religião fosse excluída, sendo o papel do Estado somente para intervir nas controvérsias das
igrejas locais com a finalidade de defender a ordem pública.

[...] À medida que os bispos adquirem posição social iam recorrendo às insígnias
correspondentes, insígnias essas que se mantiveram ainda por muito tempo na
Igreja depois de abandonadas no uso secular. Por isso os bispos adotaram o uso
do báculo, mitra e provavelmente também do pálio. O hábito de beijar-lhes a mão
estabeleceu-se a partir do século IV. O anel só se generalizou no século VII e a
cruz peitoral apenas nas imediações do século XIII passou a ser especificamente
episcopal (CHADWICK, 1969, p. 179).

Em fins do século IV, a Igreja tinha virtualmente conquistado a sociedade. Do ponto de


vista profano da categoria e da influência social, o episcopado, mesmo nas cidades de relativa
importância, convertera-se numa carreira definida a que muitos aspiravam devido a razões não
inteiramente religiosas.
Muitas igrejas locais passaram a ser abastadas proprietárias e auxiliavam numerosos pobres.
Um bispo era considerado pelo povo simultaneamente um advogado dos seus interesses terrenos
e seu pastor espiritual. Entretanto, em alguns distritos rurais, o povo ainda estava profundamente
ligado a velhos costumes pagãos, relacionados especialmente com o nascimento, o casamento
e a morte. E mesmo em cidades cristãs, como a Síria e a Ásia Menor, ritos clandestinos, como
sacrifícios ocasionais, continuaram a praticar-se até ao século VII.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na Unidade 2, nos deparamos com a Igreja sofredora, a Igreja dos mártires, homens
e mulheres como nós, que ousaram dar a vida por um propósito, eles são valorizados até os
nossos dias como testemunhas, símbolo de esperança para a igreja continuar a viver e divulgar sua
mensagem de fé em um único Deus e salvador.
Depois estudamos um novo período da organização e expansão da Igreja pelo mundo, que
para manter a unidade luta contra as heresias, e no diálogo com as diferenças de entendimentos
convoca os Concílios.

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UNIDADE ENSINO A DISTÂNCIA

03
DISCIPLINA:
HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL

HISTÓRIA ECLESIÁSTICA NA IDADE


MÉDIA
PROF. ME. MARCOS EDUARDO PINTINHA

SUMÁRIO DA UNIDADE

INTRODUÇÃO................................................................................................................................................................47
1. A CRISTANDADE MEDIEVAL...................................................................................................................................48
2. O MONAQUISMO......................................................................................................................................................58
3. AS HERESIAS MEDIEVAIS.......................................................................................................................................62
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................................................................67

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INTRODUÇÃO

Do mesmo modo que desenvolvemos o nosso estudo da primeira parte sobre a História
Eclesiástica da Antiguidade, continuamos afirmando que “a realidade do historiador está ligada
às fontes, à documentação de que dispomos”. Voltaremos em Agostinho, um dos principais
representantes desta instituição, que viveu na transição da Antiguidade para a Idade Média,
período de intensas transformações sociais e políticas.
A periodização histórica na História Eclesiástica pode seguir diferentes critérios. Alguns
estudiosos consideram o ano 313 como um marco divisor entre o fim do período heroico, da
Igreja testemunho dos mártires, e o início da Igreja poderosa, do imperador Constantino, em que
foi declarado o cristianismo como religião oficial de todo o Império Romano, como o início da
Idade Média. Outros utilizam como início o ano 476, quando o chefe germano Odoacro destrona
o último imperador romano do ocidente, Rômulo Augústulo.

HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL | UNIDADE 3


Na primeira Idade Média cristã, a História Eclesiástica converte-se em verdadeira
arte, embora condicionada por interesses práticos, por tentações racionalistas ou expressões
de literatura popular. No período de 450-950 d.C., as religiões influenciaram as artes plásticas
produzindo uma forma de “alfabetização cultural”. Significa que na Idade Média ocorre uma
estreita relação entre tradições cristãs, antigas, germânicas e orientais diversas, surge a política
e autoridade papal, bem como a influência eclesiástica, política e econômica do monasticismo.
Considerado como marco divisor entre a Antiguidade e a Idade Média, o processo que
se arrastou por vários séculos, desde o século IV até meados do século VIII, a decomposição
do Império Romano, a tentativa de restauração de Justiniano. Mesmo sabendo que no período
ocorreram muitos crimes: o massacre promovido por cruzados das populações islâmicas; a
destruição de regiões inteiras habitadas pelos chamados heréticos, como ao sul da França,
contra os cátaros; a perseguição das mulheres acusadas de feitiçaria, e o embarque dos negros
provenientes da África e levados para as Américas para trabalharem nas plantações.
Bons estudos e muitas felicidades!

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1. A CRISTANDADE MEDIEVAL

A verdadeira finalidade do homem argumenta Agostinho na obra ‘Cidade de


Deus’, título que implica um diálogo político de Platão, na obra ‘República’.
Nenhum estado terreno pode dar garantias de segurança em relação a ataques
externos ou a violências internas, situa-se para lá desta vida. A história é um
catálogo de guerras quase permanentes. O homem sem Deus é vítima do medo e
do amor-próprio, impelido a ambições vãs ou tiranias imperialistas.

Refletir sobre a Idade Média nos dias atuais pode causar estranhamento. Em nossa
imaginação, a sociedade medieval remete aos filmes de capa e espada, castelos com dragões e
muita violência. Nosso olhar é de medo e terror, o que pode traduzir que ainda nutrimos certo
preconceito, com o período histórico visto como a idade das trevas ou da escuridão, marcado
pelo barbarismo na educação, pelo estilo gótico na arte, as epidemias e pestes, e a servidão dos
seres humanos. O que, na prática, pode significar uma visão falsa e equivocada desse período,
como se não tivesse oferecido nenhuma contribuição ou avanço significativo para o progresso da

HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL | UNIDADE 3


civilização.
Historicamente, a Idade Média compreendeu aproximadamente o período entre os
séculos V e XV, caracterizado pela economia rural e pelo sistema de produção feudal, a partir do
qual os trabalhadores eram submetidos a um regime de servidão. A servidão era uma obrigação
imposta ao produtor independente da sua vontade, para cumprir certas exigências de um senhor,
quer sob a forma de serviços ou tributos a serem pagos em dinheiro ou espécie.
A Igreja, no período medieval, assumiu a função articuladora da sociedade, o “governo
dos povos”, por meio de sua mensagem evangelizadora e dos discursos dos padres, inclusive de
Agostinho, na medida em que criou condições para o estabelecimento da comunicação entre
nômades (considerados como “bárbaros”) e os romanos.
O período de mil anos marcou o conceito de homem e mundo medieval, com destaque para
os séculos XI até XV, momento em que nasceu a origem da modernidade. A ideia de modernidade
surgiu na história antes da ideia de Idade Média. “[...] de fato, já no início do século XIV se fala de
‘via moderna’ para designar a filosofia escolástica nominalista; de ‘devoção moderna’ para indicar
um tipo de religiosidade marcadamente pessoal e individualista” (PIERINI, 2014, p. 10).

Hoje torna-se cada vez mais comum uma periodização oriunda sobretudo da
área alemã e inglesa, que fala de uma ‘primeira Idade Média’ (da metade do
século V à metade do século X, aproximadamente), de uma ‘alta Idade Média’
(da metade do século X à metade do século XIII) e, enfim, de uma “baixa Idade
Média” (da metade do século XIII a todo ou quase todo o século XV) (PIERINI,
2014, p. 12).

Na primeira época da Idade Média, que vai do século V até o século X, tivemos as
invasões germânicas, árabes e mongóis, que convulsionaram todas as civilizações e provocaram
o deslocamento das populações, isso ocasionou a queda do império romano. No século VI,
testemunhamos a passagem do cristianismo de religião minoritária e combatida a religião
tolerada. As fronteiras estavam sendo pressionadas por movimentos migratórios dos chamados
“povos bárbaros”, que penetravam no território romano. No ano de 410, Roma foi parcialmente
destruída pelos visigodos chefiados por Alarico.

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A primeira onda de invasões aconteceu entre os séculos IV-V dos hunos, godos e alanos,
na região oriental, e dos vândalos, suevos e burgúndios na parte ocidental. Junto das várias
tribos germânicas, foram os godos os principais missionários e acabaram por se converter ao
cristianismo pouco depois de se fixarem no império. Para Chadwick (1969), a invasão dessas
populações no território romano implicou na aceitação do cristianismo e certa romanização dos
costumes, o que acabou contribuindo gradativamente na integração à cultura clássico-cristã.
A segunda onda, nos séculos V-VI, movimentou os francos, alamanos e bávaros, a
terceira onda foi nos séculos VI-VII, são os longobardos e ávaros e, ao mesmo tempo, ocorrem as
invasões, pelo mar, dos vikings, dos anglos, dos saxões e dos jutos. A quarta onda foram os povos
eslavos, em 517 conseguem atravessar o rio Danúbio, em 568 os longobardos chegam à Itália.

Uma quinta onda, definitiva para a arrumação da Europa ocidental, é a


dos vikings; Rússia, Normandia, Inglaterra e Itália meridional são as etapas
principais dos seus deslocamentos, desenvolvidos, sobretudo entre os séculos
VIII- XI. Enfim, a sexta onda, seguramente a mais ameaçadora, é a invasão dos
povos arábico-islâmicos, que durante o século VII inundam o oriente Próximo
e a África setentrional (em 638-642 estão na Pérsia, Síria, Palestina, Egito; entre
642 a 710 chegam ao estreito de Gibraltar, que ultrapassam no ano seguinte);

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entre os séculos VII e VIII estão na Europa (entre 673 e 677 e, depois, em 717,
assediam Bizâncio; entre 711 e 719 conquistaram quase toda a Espanha e, em
732, são detidos em Poitiers); no século IX, dominam o resto do Mediterrâneo
(sobretudo Creta, em 825, a Sicília, a partir de 827, atacando diretamente Roma,
em 846) (PIERINI, 2014, p. 31).

As invasões não param, a partir de 998, os mulçumanos penetram na Índia, entre 1039
e 1074, ocorrem as invasões dos turcos seljúcidas, e no oriente médio, a partir de 1206 e 1260,
surge a migração e a invasão dos mongóis liderados por Gêngis Khan (1162-1227) nas costas
do Pacífico ao mar Cáspio. A conquista mongólica acaba por consolidar entre 1280 até 1307,
aproximadamente, um breve período de unidade e tranquilidade, conhecido como tempo da
“paz mongólica”, uma federação de Estados do Mediterrâneo ao Pacífico.
Para entender a crise do Império Romano e da sua ordem social, é necessário retroceder
ao reinado de Cômodo (180 d.C.) surge um movimento de revolta na Gália, em consequência,
ocorreu uma pauperização dos trabalhadores do campo. O Império empobreceu devido às
grandes construções de Diocleciano (284-303) em Roma, e as reformas com excessivo luxo por
Constantino (323-337) em Constantinopla, sem recursos não se fez mais nada nas províncias:
as cidades que foram destruídas pelas invasões não foram reconstruídas, as minas foram
abandonadas e os jogos circenses interrompidos.

[...] os intensos conflitos de classe da época do Baixo Império acabam por se


condensar em torno dos séculos IV-V, quando sob efeito da desorganização
interna, gerada pelas comoções sociais, o Império cederia sob a pressão externa.
Assim, o século V marcaria o fim do Império e o fim do escravismo, que
cederiam lugar, respectivamente, a uma constelação de reinos bárbaros mais ou
menos romanizados e ao desabrochar de relações sociais de novo tipo – como as
diversas formas de servidão. Estariam se constituindo os fundamentos da Idade
Média e do regime feudal (SILVA, 2003, p. 20).

Na Idade Média, a riqueza era medida pela terra. O feudo era uma unidade territorial de
produção, sobre o domínio de um senhor feudal, e estava dividido em outras porções de terra: o
manso senhoril de uso exclusivo do senhor feudal, o manso servil que era a parte arrendada aos
servos para trabalharem na agricultura e produzirem os alimentos; e o manso comunal eram as
terras comuns a todos, como os bosques e pastos.

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O servo, ao receber a terra, deveria realizar um juramento de fidelidade ao senhor feudal,


estabelecia um contrato ou relação de suserania e vassalagem, submetendo-se e ficando preso a
terra, sendo obrigado a cumprir as regras estabelecidas de trabalho e defesa do feudo. Existia outro
grupo de camponeses, chamados vilões, que não estavam presos a terra, eram os descendentes
dos pequenos proprietários de terras romanos, os clientes, que em troca de proteção entregavam
as suas terras aos senhores feudais.

O vassalo presta ‘fidelidade e homenagem’ ao seu senhor: fica na frente, de


joelhos, de cinturão desfeito, e coloca a mão na dele. Gestos que significam o
abandono, a confiança, a fidelidade. Declara-se seu vassalo e confirma-lhe a
dedicação da sua pessoa. Em troca, e para selar o pacto que doravante os liga,
o suserano beija o vassalo na boca. Este gesto implica mais e melhor que uma
proteção geral: é um laço de afeição pessoal que deve reger as relações entre os
dois homens (PERNOUD, 1997, p. 30).

O sistema de produção feudal pode ser definido pela descentralização política, o senhor
feudal exercia as funções judiciais em relação à população dependente, existia baixo nível técnico
e produtivo, a produção era dirigida para o consumo do mercado local, e o cultivo das terras do

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senhor feudal ocorria em troca de algum tipo de serviço, do trabalho compulsório e da detenção
condicionada da terra pelos servos.

Figura 1 - Castelo de Saumur “As ricas horas do Duque de Berry” (1410). Fonte: Pikabu (2021).

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Características do Feudalismo da Europa ocidental

Os instrumentos de produção são simples e, em geral, baratos, e o


ato de produção é em grande parte de caráter individual; a divisão
Baixo nível técnico
de trabalho se encontrava em grau de desenvolvimento muito
primitivo;
Produção para atender às necessidades imediatas da família ou da
Produção para uso
comunidade aldeã, e não para um mercado mais amplo;
O cultivo de terras do senhor, às vezes, em grande escala, mediante
Agricultura dominial
trabalho compulsório;
D e s c e n t r a l i z a ç ã o Mesmo existindo um rei, o poder (jurídico, econômico e político)
política estava concentrado nas mãos do senhor feudal;

HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL | UNIDADE 3


Detenção condicional da terra em troca de algum tipo de serviço
Trabalho servil
para o senhor e pagamento de taxas;
Exercício por parte de um senhor, de funções judiciais ou quase
Justiça local
judiciais em relação à população dependente.
Quadro 1 - Feudalismo. Fonte: Adaptado de Sweezy (2004).

No período da alta Idade Média, da metade do século X à metade do século XIII, surgem
as epidemias. Até o século VI, o que assustava as populações era a lepra, porém a partir da metade
do século, aparece a varíola e, pela primeira vez, a peste bubônica sucedeu-se cerca de vinte ondas
entre 541 e 767. “Dos séculos VIII ao XI, tendo desaparecido provisoriamente a peste e perdido
força as epidemias de lepra e varíola, aparecem duas novas epidemias, a do ‘fogo sagrado’ e da
gripe, bem como uma outra doença endêmica, a malária” (PIERINI, 2014, p. 33).
Na Idade Média, não existia nenhuma seguridade social, a exceção era a solidariedade
das famílias, a caridade surgia, a partir da doença e da fome, muitos asilos são construídos
pelas municipalidades com o dinheiro da cidade, mesmo quando é a igreja que lhes assegura
o funcionamento. Era dever de todo cristão ter misericórdia e agir com caridade, na sociedade
todos deveriam viver como irmãos. Não existia uma casa dos pobres, elas só aparecem no século
XVII, na Inglaterra, o work houses, as casas de trabalho onde os pobres trabalhavam e eram
abrigados.
A peste chegou à Europa Ocidental em 1347, a origem da peste foi na Ásia Central e
atacou a Itália através dos portos. Conforme análise do cronista Jean-Noël Biraben:

Se acompanharmos a história da peste numa cidade da época, constataremos que


ela passava, a cada oito, dez ou quinze anos, por violentos impulsos em que toda a
cidade era atingida, perdendo até 20, 30 e mesmo 40% da população. Fora desses
paroxismos, ela persistia em estado semi-endêmico, vagando caprichosamente
de uma rua ou de um bairro a outro, periodicamente, durante um, dois, e até
cinco ou seis anos seguidos, interrompendo-se depois durante alguns anos.
Reaparecia então sob essa forma ‘atenuada’ que muitas vezes precedia a forma
‘explosiva’ (WOLFF, 1988, p. 17).

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Dentro e fora das velhas fronteiras na parte ocidental do império romano, desenvolveram-
se diversos tipos de cristandade, fazendo adaptações diante dos desafios das epidemias e das
invasões dos bárbaros. No ocidente europeu, formaram-se os reinos semipelagianos, que
praticavam o cristianismo ariano ou um cristianismo particular, com estrutura ascético-
monástica. Por isso, agora a missão dos católicos era estar “[...] totalmente empenhados em
convertê-los ou enquadrá-los no cristianismo ortodoxo, exceto quando passavam diretamente
do paganismo para o catolicismo, como ocorreu no caso dos francos” (PIERINI, 2014, p. 41).

A conversão dos francos a partir de 496 (ou de 506), data do batismo do seu
rei Clodoveu, e a conversão dos anglo-saxões na Inglaterra, de 597 em diante,
ocorreram diretamente do paganismo: mais superficial a dos francos, ao menos
sob a dinastia dos merovíngios; mais profunda e ativa a dos anglo-saxões, que
deram à Igreja missionários semelhantes aos irlandeses, como um Vilibrordo
e, sobretudo, um Vinfrido-Bonifácio. Este, que chegou ao continente em 718,
de acordo com os papas de então reformou a Igreja franca, trabalhou a favor
da subida dos carolíngios ao trono e da sua aliança com o papado e, sobretudo,
iniciou a conversão dos germanos que ainda continuavam pagãos, na Europa
central. Alguns deles, porém, só foram levados ao cristianismo através das

HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL | UNIDADE 3


guerras conduzidas por Carlos Magno: por exemplo, os saxões e os ávaros
(estes de estirpe huno-tártara). Essa missão ‘com a espada’ ou através da ‘língua
férrea’, empreendida sob os protestos de muitos cristãos, provocou, por sua
vez, o impulso final para a evangelização do mundo germânico setentrional,
da Dinamarca à Islândia, através da Suécia e da Noruega. Os habitantes dessa
região, os vikings, já em movimento para o continente, começaram a aproximar-
se do cristianismo a partir de 826 (PIERINI, 2014, p. 45-46).

Entre 450 até 950 d.C., aproximadamente em cinco séculos, o cristianismo conseguiu
conquistar quase toda a área continental europeia e perdeu toda a orla africana, para o islamismo.
As aproximações e desencontros do cristianismo com essas populações promoveram diversas
transformações religiosas, ocorridas de uma maneira ou de outra, perceberam que Cristo era
mais “forte” do que os velhos deuses.

[...] Para os gregos, havia sido um problema de credibilidade racional (lógos);


para os romanos, um problema de liceidade em um sentido moral-jurídico
(nómos), tanto do ponto de vista civil (ius) quanto do ponto de vista religioso
(fas); para os celtas e, sobretudo, para os germanos, foi uma questão de força
(macht) (PIERINI, 2014, p. 46).

A feudalização das igrejas ocidentais transcorreu da conversão dos bárbaros ao


cristianismo. Os primeiros a se converterem diretamente do paganismo para o cristianismo
foram os francos, eles criaram um fenômeno chamado de “igrejas próprias” ou “igrejas privadas”,
modelo que depressa espalhou por quase toda a Igreja europeia ocidental e também pela oriental-
eslava.
A partir disto ocorreu uma fusão entre os interesses estatais e os interesses eclesiásticos,
um verdadeiro emaranhado de relações hierárquicas. Podemos considerar que o papa e o
imperador se tornaram vassalos um do outro, na prática, essa colaboração garantiu a defesa e a
promoção da “cristandade”.

Tornaram-se ‘Igrejas privadas’, ou seja, entidades beneficiais e vassalas, as


paróquias e as dioceses, os bispados e os arcebispados, mas também as abadias
com seus territórios (pequenos ou grandes). O próprio papado acabou por se
tornar uma ‘Igreja privada’, à disposição de reis e imperadores e até de famílias
nobres romanas (PIERINI, 2014, p. 54).

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A partir do ano 1000, as estradas para o oriente foram abertas por terra e por mar, o
comércio interno é retomado e se intensificam as peregrinações à Terra Santa, Santiago de
Compostela e Roma. Nesse período, levantou as “cruzadas”, expedições marcadas pela ação
militar e empreendimento comercial, misturadas com as peregrinações. O papa Urbano II (1042-
1099), o 159º papa da igreja, em 27 de novembro de 1095, diante dos bispos no Concílio de
Clermont, no sul da França, lançou o apelo à cristandade para castigar os “inimigos de Deus”,
reconquistar os lugares santos e libertar a Terra Santa. Disse Urbano II: “Cada um renuncie a si
mesmo e carregue a cruz!”.

[...] Um balanço geral deve, porém, reconhecer que, apesar de tudo, as cruzadas
conseguiram conter o avanço islâmico e salvar pelo menos a Europa ocidental
e centro-setentrional; e que, além disso, não provocaram somente confrontos,
mas também encontros frutuosos, sob muitos pontos de vista (PIERINI, 2014,
p. 106).

As principais cruzadas aconteceram entre o período de 1096 a 1270, entre elas, sete
expedições foram militares e outras eram verdadeiras procissões de civis, homens, mulheres e

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crianças desarmadas e despreparadas para a jornada, que acabavam mortas ou exterminadas
pelos mouros. No dia 15 de julho, a cidade de Jerusalém foi tomada, com excessos de violência
em um banho de sangue da população muçulmana, judaica e em parte cristã da cidade.

Ano Cruzadas - Expedições militares

1096-1099 Liderada por Godofredo de Bulhão, conquistou Jerusalém;

Sob o comando do imperador Conrado III e de Luís VII, rei da


1146-1149
França;

Organizada pelo imperador Frederico I, o Barba Vermelha,


1189-1192 pelo rei inglês Ricardo Coração de Leão e pelo rei francês
Felipe II, Augusto.

Controlada principalmente pelos venezianos, desviou-se de


1204-1205
sua meta e atacou Constantinopla;

Conduzida pelo imperador Frederico II, que chegou a


1228-1229
Jerusalém sem combater;

1248-1254 Luís IX de França atacou o Egito;

1270 Luís IX fracassa ao atacar a Tunísia.

Quadro 2 - As Cruzadas militares. Fonte: Adaptado de Del Roio (1997).

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Para superar as dificuldades em obter recursos e recrutar cavaleiros para uma expedição
tão arriscada em terras distantes, Urbano II lançou uma série de proclamas, em que declarava
suspensas as dívidas dos cavaleiros que partissem nas cruzadas e indulgências que garantiam
o perdão dos pecados e a salvação depois da morte. Argumentava que era dever dos cristãos
libertar a Terra Santa e acenava que a conquista poderia trazer muitas vantagens econômicas.
O financiamento da campanha para a Cruzada era centralizada pela Cúria, todos os
detentores de cargos eclesiásticos deveriam contribuir com 5% de seus proventos, durante três
anos.

Paralelamente, milhares de monges trilhavam os caminhos do ocidente, pregando


à cruzada e recrutando soldados. A argumentação fundamental baseava-se nos
conceitos de honra e vingança. Era preciso vingar o Cristo ofendido pelos infiéis
que haviam conquistado a Cidade Santa quatro séculos antes. O cristão que não
o fizesse deveria sentir-se desonrado, já que se tratava de um apelo vindo do
próprio Cristo (DEL ROIO, 1997, p. 65).

O movimento das cruzadas intensificou a vida religiosa na alta Idade Média, as


peregrinações dos leigos, monges e clérigos à Terra Santa trouxeram uma abundância de

HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL | UNIDADE 3


relíquias, influenciando a arte e a cultura europeia. Na visão dos mulçumanos, as Cruzadas foram
entendidas como parte da expansão europeia nos campos econômico, geográfico e cultural, sendo
considerada uma ampla luta do cristianismo contra o islamismo.
Kaufman (2014, p. 15) destaca que apesar do entusiasmo dos cruzados atiçado pelas
diversas campanhas com a participação de toda a Europa, deve ser observado que para “[...]
as populações locais, apesar do recrudescimento das contradições religiosas, eles sempre
conseguiram arranjar-se pragmaticamente com seus vizinhos mulçumanos”.

Assista ao filme: Cruzada (2005)


As Cruzadas foram expedições organizadas pela nobreza
europeia, com o aval da igreja, para libertar a Terra Santa
do domínio dos árabes. Estes haviam se convertido ao
Islã, e uma de suas tribos ocuparam a Mesopotâmia,
a Síria, a Palestina e parte da Ásia Menor, proibindo as
peregrinações de cristãos.
O filme “Cruzada”, do diretor Ridley Scott, se passa
durante a Terceira Cruzada, ocorrida nos anos de 1189
a 1192. Nessa época, cristãos e muçulmanos conviviam
pacificamente em Jerusalém, os fundamentalistas de
cada religião buscavam incendiar as relações entre seus
respectivos líderes, a fim de provocar uma guerra. A
conquista de Jerusalém se deu na primeira cruzada no dia
15 de julho de 1099. O sultão de origem curda Saladino, que
recebeu o apelido de Terrível, reconquistou Jerusalém e Figura 2 – Filme: “Cruzada” de
quase todos os territórios dominados pelos franceses Ridley Scott.
no ano de 1187. O imperador Frederico II vai retomar a Fonte: Adorocinema (2005).
cidade em 1219 pelos acordos diplomáticos, mas em
1244, o mundo latino a perderia definitivamente.

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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

No início do século XII, é crescente o processo de clericalização da igreja, seguindo uma


severa separação entre a hierarquia clerical e os leigos, colocados em uma posição inferior da
escala religiosa e na abertura para o surgimento de novas ordens de vida religiosa comunitária.
O mundo dos leigos participa cada vez mais da vida religiosa. Nas ordens religiosas, eles
desempenham um papel cada vez mais importante; nas ordens militares, eles desenvolvem certa
fusão entre a vida religiosa e a cavalaria.
Influenciados pelo movimento das Cruzadas, surgem algumas fraternidades leigas
voltadas para a proteção dos peregrinos ou para o cuidado dos enfermos, depois acrescentam
o combate aos pagãos. Um pequeno grupo de cavaleiros franceses se reuniu em Jerusalém, em
1120, somando as tarefas militares ao voto monástico, formando uma nova ordem conhecida
como os Cavaleiros Templários, nome relacionado à sede ser no monte do Templo, regra escrita
por Bernardo de Claraval (1090-1153) De laude novae mitiae criou o ideal cristão do cavaleiro,
do monge guerreiro que servia aos céus lutando e rezando.

O desenvolvimento da cavalaria significou por um lado a cristianização do ethos


leigo e bélico. Simultaneamente, porém, formou-se também no mundo cavaleiro
e cortesão da alta Idade Média uma, sob muitos aspectos, cultura leiga autônoma,

HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL | UNIDADE 3


que limitava o raio de ação da igreja. Príncipes e simples guerreiros cavalarianos
entusiasmavam-se por torneios, o que unia momentos de treinamento militar
com competições bélicas esportivas, festividade social e representação da
nobreza. O grande risco das lutas em torneios que, apesar da não utilização
de armas afiadas, sempre tornavam a provocar vítimas fatais provocou papas
e concílios a repetidas proibições, que permaneceram totalmente sem efeito
(KAUFMANN et al., 2014, p. 43).

Figura 3 - Cavaleiro Templário. Fonte: Aventurasnahistoria (2021).

A partir do século XIII, surgem as ordens mendicantes, do latim mendicare (mendigar)


com o objetivo de alimentar os quem têm fome, vestir os que estão maltrapilhos e abrigar os que
não têm casa, como também concretizar a pretensão do papado em comandar a Igreja e o mundo
político. As duas novas ordens mais importantes foram os franciscanos e os dominicanos.

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Giovanni di Pietro di Bernardone, conhecido como Francisco de Assis, nasceu em 1181


ou 1182, em Assis, desempenhou um papel decisivo no apostolado voltado para a nova sociedade
cristã e enriqueceu a espiritualidade com uma nova dimensão ecológica. Para Le Goff (2001, p. 9),
é o modelo de um novo tipo de santidade centrada sobre o Cristo “[...] a ponto de se identificar
com ele como o primeiro homem a receber os estigmas, Francisco foi uma das personalidades
mais impressionantes de seu tempo e, até hoje, da história medieval”.
Depois de se desvincular da família e da casa paterna, Francisco ficou sob a proteção do
bispo de Assis e começou a cuidar dos leprosos, na sua biografia relata a superação do nojo: “O
que antes me parecia amargo transformou-se para mim em doçura da alma e do corpo”. Após o
serviço aos leprosos, dedicou-se a limpar e consertar igrejas abandonadas. Em 1221, ficou pronta
a redação final da regra estável e original Regula non bullata.

Organiza-se o noviciado de um ano e tornam-se palpáveis os inícios de uma


ordem disciplinar obrigatória. Conserva-se o mandamento da pobreza individual
e coletiva e do trabalho manual. O mandamento da pobreza coletiva estabelece
uma clara cesura em relação a todos os demais sistemas antigos do monasticismo
acidental, que justamente reivindicavam a posse coletiva como condição para

HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL | UNIDADE 3


a renúncia individual de bens: toda propriedade, seja de casas, igrejas, etc., é
proibida aos irmãos, sendo especialmente severa a proibição de aceitar dinheiro
- exceto em casos excepcionais, a favor dos enfermos. Nessa determinação
aparece com clareza a profundamente enraizada repulsa de Francisco, filho de
comerciante, a todos os terríveis meios de troca, com todas as suas tentações e
todos os seus perigos (KAUFMANN et al., 2014, p. 65-66).

No dia 2 de outubro de 1226, morreu Francisco de Assis, depois de um curto processo


foi canonizado, em 16 de abril de 1228. Entre os seus escritos, Francisco combinou as tendências
essenciais da sensibilidade gótica, voltada para o realismo, no Cântico do irmão Sol, utilizou o
simbolismo do sol, imagem de Deus, busca representá-lo fielmente como os artistas, com amor
“[...] sem deformá-los nem torná-los grosseiros sob o peso de símbolos alienantes. A mesma
coisa ele fez com os animais, que de simbólicos tornaram-se reais” (LE GOFF, 2001, p. 105).

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Vamos refletir como é a relação entre a sociedade e a natureza?


O homem esqueceu que sua relação com a natureza tem a ver não apenas com
coisas, mas também com algo mais profundo. Deve vigorar uma sintonia entre
o mundo interior e o mundo exterior, ou seja, qualquer modificação no mundo
exterior não passa despercebida pela nossa psique, pelo mundo interior. Para
descobrir a sua identidade, ele não pode prescindir de uma relação amigável e
fraterna com seu mundo natural.
Francisco nos faz refletir que não vivemos simplesmente no mundo, somos no
mundo com todas as coisas. Precisamos aprender no cântico das criaturas:
uma coisa é a extração das riquezas naturais para sobrevivência e outra o uso
abusivo, outra é derrubar uma árvore e outra é o desmatamento indiscriminado
das florestas.

CÂNTICO DAS CRIATURAS (LE GOFF, 2001, p. 115-117).

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Altíssimo, todo-poderoso e bom Senhor
em teu louvor, glória, honra e toda bênção
a ti só essas coisa ó Tu Altíssimo e nenhum
homem é digno de nomeá-lo.
Louvado sejas, Senhor, com todas as tuas criaturas
especialmente meu senhor irmão Sol através
do qual nos dás o dia, a luz ele é belo,
irradiando um grande esplendor e de ti,
o Altíssimo, ele nos oferece o símbolo.
Louvado sejas tu meu Senhor pela
irmã Lua e pelas Estrelas no céu tu as
formastes claras, preciosas e belas.
Louvado sejas tu meu Senhor pelo irmão Vento,
e pelo ar e pelas nuvens pelo azul calmo
e por todos os tipos de tempo, graças a eles
tu manténs com vida todas as criaturas.
Louvado sejas tu meu Senhor pela irmã Água
que é tão útil e tão sábia preciosa e casta.
Louvada sejas tu meu Senhor pela irmã nossa mãe
a Terra que nos carrega e nos alimenta,
que produz a diversidade dos frutos com
as flores matizadas e as ervas.
Louvado sejas tu meu Senhor por aqueles
que perdoam por amor de ti, que suportam
provações e doenças, felizes se conservam em
paz porque por ti, Altíssimo, eles serão coroados.
Louvado sejas tu meu Senhor por nossa
irmã a Morte corporal, porque nenhum homem
vivo dele pode escapar, infelicidade para aqueles que
morrem em pecado mortal, felizes aqueles que
estiverem fazendo sua vontade quando
ela os surpreender porque a segunda morte
não poderá prejudicá-los.
Louvai e bendizei ao Senhor, dai-lhe graças
e servidão com toda a humildade.

Figura 4 - O Cântico das Criaturas. Fonte: Franciscanos.org (2021).

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2. O MONAQUISMO

Os padres do deserto eram constantemente visitados por indivíduos que usavam


interpelá-los com uma fórmula estabelecida: ‘Dita-me uma sentença, pai, que
possa servir-me de guia’.

O monaquismo foi o modelo utilizado para a reconstrução civil e religiosa da sociedade


medieval, na forma ocidental, com o predomínio dos beneditinos, ou oriental, predominantemente
brasiliana, foi na dedicação monástica à oração, ao trabalho, ao estudo e, depois, também à
atividade missionária e pastoral, contribuiu de maneira decisiva para realizar as transformações.
Ocorre uma espécie de nova alfabetização religiosa em todos os níveis da sociedade, das elites
culturais às grandes massas populacionais.

Os elementos promovidos pelas religiões étnicas são sobretudo os seguintes: pelo


judaísmo, a sinagoga; pelo parsismo, as torres ou templos do fogo e as chamadas
‘torres do silêncio’, com a finalidade funerária; pelo hinduísmo, o santuário

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entendido como desenvolvimento do lingam primordial e o santuário-gruta;
no universismo chinês e pelo xintoísmo, o templo-casa com teto em camadas.
Os elementos promovidos pelas religiões universais são sobretudo estes: pelo
cristianismo, a igreja basilical (com planta retangular, quadrada ou redonda) e
elementos análogos como o batistério e o mausoléu funerário; pelo budismo, a
stupa; pelo islamismo, a mesquita (PIERINI, 2014, p. 79).

Agostinho foi um dos primeiros a organizar uma comunidade clerical de tipo monástico
com seus sacerdotes. O monarquismo, naquela época, havia alcançado tal amplitude e tal variedade
que dele podiam se servir as mais diversas correntes teológicas. A conversão de Agostinho ao
cristianismo e o seu batismo aconteceram na Páscoa de 387, e contra a sua vontade foi ordenado
sacerdote no ano de 391, na cidade portuária de Hipo Regius, perto da atual Argélia, numa
ocasião em que a visitou. Ele não queria eximir-se dessa nova tarefa, transferindo sua residência
para Hipona, onde pretendia fundar um mosteiro.

O mosteiro teve grande afluência de todos os círculos da população, mal podendo


servir aos objetivos científicos, como havia sido outrora Cassiciacum e, em parte,
ainda a comunidade de Tagaste. O sacerdote Agostinho, pessoalmente, logo mais
passou a direção a um praepositus (presidente), restringindo-se à orientação
espiritual dos monges. Ao assumir o cargo de bispo de Hipona no ano de 395,
tornou-se totalmente impossível para Agostinho conjugar a direção do mosteiro
com o cargo eclesiástico. Como bispo, não só precisava dar conta de uma série
de negócios e receber pessoas continuamente, mas também estava obrigado a
residir na corte episcopal (KAUFMANN et al., 2012, p. 175).

Os monges se sentiram os herdeiros da antiga igreja dos mártires, devido à semelhança


entre a ascese cristã e o martírio, o asceta em meio às mais duras privações tinha consciência de
estar bem próximo de Deus. O amor a Cristo na vida ascética era comparado ao noivado espiritual
da alma do homem com Deus e também poderia ser entendido como um sinal de retorno à
condição paradisíaca semelhante a dos anjos. Na Síria, desde a época da Igreja primitiva, existia
a tradição do ascetismo itinerante, que perdurou até o final da Antiguidade, eram homens e
mulheres que viviam individualmente ou em grupos, viviam de esmolas e procuravam se refugiar
nas montanhas ou desertos.

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Figura 5 - Vida nos mosteiros. Fonte: RTPEnsina.com (2021).

Agostinho, naquela época, era dependente da filosofia e da formação clássica, disposto


a fazer da revelação divina em Cristo o ponto de partida e o objetivo de seu pensamento. Ele
se tornou conhecido em todo o território imperial como sábio, escritor e pregador, da mesma
forma se espalharam a fama de seu mosteiro. Ele não pode ser considerado um organizador do
monasticismo, considerado mais como inspirador devido à elaboração da regra de Agostinho,
considerada a primeira regra monástica ocidental.

A VIDA MONÁSTICA

Monaquismo (Monachoi) ou monges é o nome designado aos cristãos que


deixavam sua casa e bens materiais e se retiravam para a solidão, a fim de servir
a Deus. No início, os primeiros monges eram eremitas, os chamados Padres do
deserto, nos séculos IV e V, que se retiravam para os desertos do Egito, da Síria e
da Palestina, onde viviam isolados numa gruta ou num pobre abrigo.
Apesar de não ter sido o fundador do monaquismo. Em São Bento se enfeixam e
se articulam os primeiros três séculos da experiência monástica cristã, na Europa
e no oriente próximo. Bento, (em latim Benedictus que quer dizer bendito), nasceu
na Itália, numa pequena cidade chamada Núrsia. Sua família pertencia à pequena
nobreza de proprietários rurais. Antes dos vinte anos de idade foi mandado para
Roma, a capital e maior cidade do mundo conhecido de então, a fim de estudar
letras. Bento não se adaptou ao ambiente acadêmico e sentia necessidade de
algo diferente. Partiu novamente para o interior e, depois de algum tempo, retirou-
se completamente para “habitar consigo mesmo”, na expressão dos “Diálogos” de
São Gregório Magno, o mais antigo cronista de sua vida.

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Tornou-se monge. Passou a viver solitariamente numa gruta, em Subiaco (em latim
antigo sub-lacum). A esta gruta, seis séculos mais tarde, subiu São Francisco como
peregrino, e na ocasião alguém pintou na rocha o mais antigo retrato que se guarda
do pobre de Assis.
Depois de três anos de completa reclusão, na qual só contava com a ajuda de outro
monge que lhe fazia chegar, por uma corda, um pouco de comida, Bento começa
a ser descoberto pelos camponeses e pelos outros monges da região. Alguns
dentre estes o convenceram a ser seu Abade, em Vicovaro. Incapazes, porém,
de abandonar o relaxamento habitual e seguir o caminho da perfeição que Bento
lhe mostrava, tentaram envenená-lo. Mas foram surpreendidos pela força de sua
pureza: o cálice com a bebida mortífera partiu-se em pedaços quando o jovem
abade sobre ele fez o sinal da cruz.
Tendo voltado Bento a Subiaco, construíram-se ali, no correr dos anos, doze
mosteiros que seguiam sua orientação. No entanto, a fama de sua santidade
despertou infâmias de um pároco invejoso e Bento, para garantir a tranquilidade
de seus discípulos, decidiu abandonar aquele lugar. Tendo deixado superiores para
cada mosteiro, levou consigo apenas duas crianças que educava, Mauro e Plácido,

HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL | UNIDADE 3


e poucos companheiros.
A providência o encaminhou para Monte Cassino, na Itália, onde permaneceu até
o fim da vida e fundou o grande mosteiro que até hoje é venerado como o tronco
de todas as casas beneditinas. Lá viveu e escreveu a Regra de Vida que guiou o
caminho de incontáveis gerações de santos e monges e, até hoje, orienta a vida
monástica. Perto de sua irmã, Escolástica, deu início ao ramo feminino da Ordem
de São Bento, observando a mesma Regra por ele estabelecida.
A Regra dos Mosteiros que ele deixou é a expressão da sua experiência, somada à
sua vivência de santidade, ao seu gênio legislativo e ao seu fino conhecimento da
psicologia humana. Ele instaurou no mosteiro o modo de vida de oração, estudo e
trabalho, que garantiu a conservação da cultura latina e grega no seio dos povos
bárbaros, orientou a educação dos jovens e, além disso, os mosteiros colaboraram
com a recuperação dos países por meio do desenvolvimento da agricultura. A Regra
edificou os mosteiros beneditinos que foram o foco irradiante da fé e da cultura em
todo o período da Idade Média. Por isso, desde 1964, São Bento é venerado como
o Patrono principal da Europa.
O monaquismo brotou na Igreja num momento de grave desafio: saindo da
clandestinidade das catacumbas para a casa dos particulares, onde se refugiou das
perseguições, a Igreja viu-se colocada na situação oposta: foi necessário assumir,
no início do século IV, o papel de religião oficial do império. A Igreja corria o risco
de ser tragada por essa difícil convivência com o poder, deixando que seus valores
essenciais e a simplicidade de suas origens fossem abafadas.
Os primeiros monges afastaram-se das cidades para buscar, na solidão do deserto
e numa vida extremamente pobre, o clima propício ao conhecimento de si e ao
encontro com Deus. Eles mantiveram viva a ligação da Igreja com suas fontes
espirituais. Embora seja um modo de vida especial, a vocação monástica desde
então sempre se conservou ativa na Igreja.

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A identidade do monge se define pela escolha consciente de um modo de vida que


é, ao mesmo tempo, marginal e implicitamente crítico em relação à sociedade em
geral e, nos nossos tempos, especialmente em relação à sociedade de consumo. O
monge não foge do mundo, nem o odeia, mas dele se afasta. Renúncia a si mesmo
e aos bens que poderia obter para si no mundo, para seguir ao Cristo no deserto,
lugar de sofrimentos e tentações, mas também de autenticidade e encontro.

BETTENCOURT, E.T. Vida Monástica. São Paulo: Mosteiro de São Bento, 1963.

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O mosteiro poderia constituir um centro intelectual e educativo. No século IV, os


mosteiros irlandeses constituíam apreciáveis núcleos de estudo, abrangendo não só a teologia,
mas a gramática, com vivo interesse pelos métodos rigorosos do cálculo da data da Páscoa.
Tomás de Aquino (1224/1225-1274), a partir do ponto de vista da fé cristã, desenvolveu um
projeto de interpretação de toda a realidade, um sistema de teologia que atendeu à soberania e às
reivindicações do papado, interpretou a Igreja como mediadora da salvação de toda a sociedade.
Na obra, A Summa contra gentiles, defende sua posição contra os pagãos e mulçumanos, e na
Summa theologica escreve com o objetivo de preparar os iniciantes para o estudo da teologia.
Tomás tratou de toda a tradição do magistério da Igreja. “[...] Ao lado da Escritura, dos Padres
da Igreja e das autoridades filosóficas ou dos interlocutores filosóficos, também são citados e
analisados extensamente textos do direito eclesiástico e de teólogos mais recentes” (KAUFMANN
et al., 2014, p. 108).

A doutrina sobre Deus que se segue serve como exemplo de aplicação das
considerações em torno dos princípios teóricos: que Deus existe, o intelecto
humano pode constatar pela cadeia regressiva de efeitos e causa última; que
desde toda a eternidade subsiste como Trindade, é uma verdade revelada que

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a inteligência racional, contudo, não rejeita, mas aprofunda e amplia. [...] Deus
é pensado simplesmente como causa primeira e soberana de toda a realidade,
que se vale das causas criadas intermediárias. Entre essas causas intermediárias
está também a liberdade humana, afirmada como fato psicológico, cujos efeitos,
contudo, desde sempre são predeterminados por Deus (KAUFMANN et al.,
2014, p. 109).

Em 1323, o papa João XXII canonizou Tomás de Aquino e o elevou a Doutor da Igreja.
Ele representa, junto com o franciscano João Duns Scotus (1266-1308), o princípio sistemático
da correlação entre fé e razão, da tradição escolástica e da ciência renovada.

3. AS HERESIAS MEDIEVAIS

No mundo medieval o herético é identificado como louco, a heresia é considerada


sinônimo de insanidade. O herético não abandona a fé. Ao contrário, seu
problema configura-se a partir de um novo encontro com ela, a seu ver mais
verdadeiro, mais límpido, mais profundo.

A definição de heresia foi se modificando gradativamente durante a Idade Média, era


considerado herético aquele que não mais aceita, ou crítica os dogmas cristãos, e recusa o magistério
da Igreja romana. Poderia ser considerado herético quem não considerava o imperador senhor e
monarca, nos textos medievais era um louco. A bruxaria na classificação da Igreja, durante muito
tempo, não se confundia com heresia, no século XIII, as duas transgressões foram aproximadas.
No final do período 950-1250, aparecem as ordens mendicantes para enfrentar as
primeiras heresias do mundo medieval: os franciscanos, iniciados por Francisco de Assis em
1209-1210; os dominicanos fundados por são Domingos de Gusmão em 1215; os carmelitas pela
iniciativa do cruzado Bertoldo da Calábria, em 1156; os mercedários, instituídos por são Pedro
Nolasco e por são Raimundo de Penãfort, em 1222, que iniciaram como associação leiga e depois,
como ordem religiosa, em 1235; e os servistas que se originaram da iniciativa de sete personagens
florentinas, em 1233.

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Na inquisição medieval sucedem-se três fases: a fase da inquisição confiada aos


bispos, tendo por base o acordo assinado entre o papa Lúcio III e o imperador
Frederico I Barba-Roxa, em 1184; a fase da inquisição confiada diretamente pelo
papa aos seus legados especiais, entre o final do século XII e o início do seguinte;
a fase da inquisição confiada pelo papa aos frades dominicanos e franciscanos,
de 1231 em diante (PIERINI, 2014, p. 116).

Nas inquisições eclesiásticas as torturas eram muito raras e caíram em desuso por volta da
metade do século XIV, nos tribunais leigos elas se mantiveram até o início do século passado. O
desenvolvimento e a multiplicação das paróquias colocam os fiéis em contato mais frequente com
os seus pastores, entretanto, também banaliza a administração e a recepção dos sacramentos, os
casamentos passam a ser controlados pelas autoridades eclesiásticas.
A mendicância tornou-se quase um hábito, uma forma de vida, por isso, em todos os
campos da vida social foram criadas iniciativas lideradas pelo clero, pelos religiosos e pelos leigos
múltiplas associações, fraternidades e instituições que possibilitaram por meio de variadas formas
de voluntariado, uma assistência social contra a pobreza.

É também típico desse período o fato de tantas e tão variadas formas de

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devocionalismo serem alimentadas, de alguma maneira, pelo espírito litúrgico
e pelo espírito comunitário-eclesial, de modo a se conseguir promover os mais
variados serviços aos pobres, aos doentes, aos marginalizados, segundo o estilo
da solidariedade cristã (PIERINI, 2014, p. 121).

A heresia era um fenômeno de grupo, um homem isolado não configura uma heresia,
significava uma ameaça momentânea à ortodoxia. A formação de um grupo herético implicava
na ruptura com a comunidade de origem de seus membros. Para ser configurada como heresia,
era necessária uma conjunção de elementos e circunstâncias que ameaçavam o equilíbrio das
relações comandadas pela Igreja. Heresia significava escolha, aquele que se recusava a partilhar
dessa comunhão estabelecida institucionalmente.
Toda categoria social poderia fazer parte dos grupos heréticos, não era apenas o camponês,
o nobre ou comerciante, mas inclusive o clero poderia recusar o magistério da Igreja e romper
com a sua autoridade. Via de regra, o herético, apesar de sua nova crença, “[...] permanecia
comprometido com os valores de sua comunidade social e de trabalho, ficando ligado a dois
sistemas de vida e de valores às vezes diametralmente opostos” (QUEIROZ, 1988, p. 13).
O arianismo, por uma série de fatores de ordem política, defendia um forte nacionalismo
servindo para manter coesas as populações germânicas, evitando a fusão dos germanos com
os católicos, mas por volta de 540, com a conversão de Clóvis (466-511), rei dos Francos ao
catolicismo o arianismo desapareceu.

Por volta de 320 d.C. em Alexandria, o bispo Arius pregava uma versão original
e simples da Trindade. Para ele, na Trindade divina somente o Deus Pai era um,
eterno, inconcebido; o Filho Jesus Cristo, chamados pelos teólogos de Verbo,
Palavra de Deus, o Logos grego, teria sido criado por Deus; por sua vez, o
Logos teria criado o Espírito Santo. Nesta interpretação, somente o Deus Pai
era um deus integral, ao passo que as duas outras pessoas seriam divindades
subordinadas, na segunda categoria. Cristo não mais era Deus, apenas a primeira
das criaturas. Esse monoteísmo simples modificava o caráter da encarnação e,
consequentemente, da redenção e de todo o cristianismo. Em 325, o Concílio
de Niceia declarou Cristo consubstancial ao Pai, condenando assim o arianismo
(QUEIROZ, 1988, p. 16).

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Figura 6 - Batizado de Clóvis, o rei dos Francos. Fonte: Aventurasnahistória (2021).

Em 1018, outro grupo herético, os maniqueus da Aquitânia, negava o batismo, a cruz e


orientava o povo para abster-se de certas comidas, como os monges. Em meados do século XI,
o bispo da diocese de Châlons confirmou a existência dos maniqueus e suas práticas: eles não
comiam carne, praticavam a imposição das mãos e eram contra o casamento.
Na Bulgária, o padre chamado Bogomil expandiu a heresia pelo oriente no século XII, e
a Igreja era atacada severamente pelos bogomilos. Eles não aceitavam a maior parte do Antigo
Testamento, só admitiam o Novo Testamento, acreditavam que os demônios voavam por todas
as partes e que cada indivíduo possuía um demônio particular. Eram dualistas e acreditavam
que o Diabo havia criado o mundo, negando o que diz o Antigo Testamento, eles defendiam que
os milagres de Cristo no Novo Testamento deveriam ser interpretados somente num sentido
alegórico e não materialista, e justificaram dizendo:

[...] que Cristo não iria tocar em matéria criada pelo Diabo; por exemplo, os cinco
pães, com os quais Jesus teria alimentado a multidão no deserto, não seriam pães
materiais, mas os quatro Evangelhos e os Atos dos Apóstolos. Não reverenciavam
a Virgem Maria, ao contrário, utilizavam-se de uma linguagem chula ao
mencioná-la. Os sacramentos eram considerados inúteis, pois envolviam lidar
com a matéria. Desprezavam os ícones e os dias de festa. A cruz era detestada,
por ser um objeto material e o instrumento do assassinato de Cristo. A Igreja
ortodoxa era considerada falsa, abominavam sua liturgia e suas vestimentas. A
única oração admitida era o pai-nosso, que repetiam quatro vezes ao dia e quatro
vezes à noite. Renunciavam a quase todas as coisas do mundo. Não comiam
carne, não tomavam vinho. Desencorajavam o casamento. Confessavam-se
entre si e se absolviam, tanto homens como mulheres. Ensinavam o povo a
não obedecer aos senhores, denunciavam os ricos, abominavam o imperador,
ridicularizavam os conselheiros, condenavam os nobres, consideravam odiosos
aqueles que serviam ao imperador e proibiam os escravos de perfazer as tarefas
exigidas pelos senhores. Eram humildes, quietos e sóbrios como ‘carneiros’
(QUEIROZ, 1988, p. 24-25).

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Na segunda metade do século XI, apesar de não existir documentação consistente a


respeito, ocorreu um vazio de heresias, mas no início do século XII, depois da reforma gregoriana
e a expedição da primeira cruzada, surgem dois tipos de movimentos heréticos: os cátaros,
desencadeado pelas pregações do monge Henrique e os pobres de Lyon, e os valdenses, seguidores
de Pedro Valdès, rico comerciante de Lyon, na Itália. Os heréticos dos séculos XI e XII desejavam
uma reforma radical da Igreja, lutavam contra o desregramento moral do clero e a simonia, o ato
de vender favores divinos, bênçãos, cargos eclesiásticos e coisas sagradas.
O fundamento espiritual dos cátaros baseava-se também na dualidade da alma pura e
do mundo mau. Para os cátaros, Cristo seria um anjo, nem filho de Deus, nem filho de homem,
apenas um pregador e jamais um salvador da humanidade. Outros consideravam o Cristo apenas
um homem, filho de pais terrestres, sem qualquer divindade, ou então, anjo encarnado unindo
dois espíritos, um bom e outro mau. “Por volta de 1230 ocorreu uma mudança; os cátaros
começaram a aceitar o Cristo como verdadeiro Deus e homem. Sua missão na terra teria sido a
de salvar, pela pregação, os anjos caídos” (QUEIROZ, 1988, p. 55).
Em 1230, o papa Gregório IX criou um tribunal especial para a inquisição da depravação
herética, ele concordava com seu antecessor, Lucius III, em que a punição mais adequada para um
herético era a morte pelo fogo. E no ano 1231, Gregório IX criou novos estatutos, um corpo de leis

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e o auxílio de uma ordem secular fundada por São Domingos para combater as heresias, a ordem
dos frades de São Domingos ou Ordem Dominicana, fundada na França em 22 de dezembro de
1216. Depois encarregou os dominicanos, em 1236, o encargo geral de pregar contra os hereges,
além de assumir a investigação e condenação deles.
O processo inquisitorial tinha início com um sermão público e um apelo à confissão dos
pecados, os que se apresentavam espontaneamente recebiam um tratamento mais compreensivo
por parte dos juízes. Foi por volta de 1233-1234 que foi instalado o primeiro tribunal permanente
da Inquisição, dirigido pelos dominicanos, que acabou servindo de modelo para os demais
tribunais que ocorreram em outras partes da Europa. Já existiam muitas regras que deveriam ser
respeitadas:

Os heréticos não podiam ser enterrados em terra consagrada; caso a culpa


fosse comprovada somente após a morte, os ossos de herético deveriam ser
desenterrados, atirados fora do cemitério ou queimados. As propriedades de
heréticos ou simpatizantes deveriam ser confiscadas, qualquer casa frequentada
por heréticos deveria ser destruída e o seu sítio transformado em depósito de lixo.
Filhos heréticos, mesmo inocentes, não poderiam herdar os bens paternos, nem
ocupar cargos na Igreja ou manter qualquer benefício eclesiástico até a segunda
geração. Os heréticos arrependidos por medo mereciam prisão perpétua; os
arrependidos sinceros ficavam sujeitos a penas de prisão menores, desde que
denunciassem outras pessoas; podiam ser condenados a peregrinar a lugares
santos, ao uso de cruzes enormes costuradas sobre as roupas, a açoitamentos
ou multas. Tanto aqueles que entrassem em contato com heréticos deveriam ser
punidos; quem não jurasse ser um bom católico, não denunciasse heréticos a
cada dois anos ou não fosse comungar ou confessar-se pelo menos três vezes
ao ano, era suspeito de heresia. Depois de 1229, qualquer livro sacro, Bíblia,
breviário ou livro das horas, em língua que não fosse o latim, ficou proibido.
Durante os processos inquisitoriais não era, tampouco, permitida defesa legal e
o apelo à sentença era proibido (QUEIROZ, 1988, p. 71-72).

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No século XIV, surgiu o movimento dos flagelantes, pessoas que praticavam um tipo de
penitência admitida pela Igreja, devoção com muita aceitação popular com base na flagelação,
ritual que se espalhou por diversos países da Europa. Apesar de andarem em grupo, não tinham
qualquer tipo de organização e nem formavam uma seita religiosa. O movimento não tinha nada
de secreto, eles iam pelos caminhos e cidades, em grupos pequenos ou um pouco maiores, e
passavam o tempo se autoflagelando e chicoteando, ostentando suas chagas, as roupas rasgadas
e ensanguentadas.

Assista ao filme: O Físico (2013).


Na Inglaterra do século XI, Rob vê sua mãe morrer em
decorrência da “doença do lado”, a apendicite. O garoto
cresce sob os cuidados de Bader (Stellan Sarsgard), o
barbeiro local, que vende bebidas que prometem curar
doenças. Ao crescer, Rob (Tom Payne) aprende tudo o

HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL | UNIDADE 3


que Bader sabe sobre cuidar de pessoas doentes, mas
ele sonha em saber mais. Após Bader passar por uma
operação nos olhos, Rob descobre que na Pérsia há um
médico famoso, Ibn Sina (Ben Kingsley), que coordena
um hospital, algo impensável na Inglaterra. Para aprender
com ele, Rob aceita não apenas fazer uma longa viagem
rumo à Ásia, mas também esconde o fato de ser cristão,
já que apenas judeus e árabes podem entrar na Pérsia.
Havia um problema: naquela época a medicina não era
acessível. Não se sabia quase nada, nem era permitido Figura 7 - O Físico.
fazer operações, pois não se podia cortar e abrir as partes Fonte: Mardoconhecimento.
do corpo. O filme O Físico foi baseado no romance best- com (2021).
seller de Noah Gordon sobre a epopeia de um médico
medieval e já vendeu mais de 21 milhões de exemplares
em todo o mundo (ADOROCINEMA, 2014).

Os flagelantes tinham conteúdo místico exacerbado, mesmo utilizando os mesmos meios


de salvação propostos pela Igreja, como procissões, uso da cruz, orações, cantos e sermões,
muitos participantes agiam sem permissão da Igreja ou de qualquer autoridade eclesiástica. Para
Queiroz (1988), é um caso interessante de um movimento que iniciou longe da heresia e acaba se
enquadrando a ponto de rebelar-se contra a hierarquia eclesiástica.
No final do século XV, na Itália, surgiu uma forte sensibilidade escatológica, à espera de
prodígios, aparições e presságios que anunciavam grandes mudanças nos assuntos terrestres e
em toda a cristandade. E o movimento dos flagelantes continua existindo: “No século XVI, há
notícias de flagelações públicas em Paris. No século XVII, por volta de 1640, foram descritas
cenas de flagelação em Marselha (QUEIROZ, 1988, p. 81).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estamos no período medieval, uma nova maneira de entender o mundo e os homens, a


Igreja ocupa um lugar de destaque na sociedade, assumiu a função articuladora da sociedade, o
‘governo dos povos’, por meio de sua mensagem evangelizadora, e dos discursos dos padres, assim,
criou condições para o estabelecimento da comunicação entre as populações nômades (consideradas
como ‘bárbaras’) e os romanos’.
O tempo da Idade Média é, em primeiro lugar, um tempo de Deus e da terra, depois, dos
senhores e dos que estão sujeitos ao senhorio, a Igreja tinha o tempo social sob o seu controle. A
Igreja estabelecia e dirigia o andamento do tempo da sociedade feudal, uma vez que regulava o
seu ritmo.

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04
DISCIPLINA:
HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL

HISTÓRIA ECLESIÁSTICA NA IDADE


MÉDIA
PROF. ME. MARCOS EDUARDO PINTINHA

SUMÁRIO DA UNIDADE

INTRODUÇÃO................................................................................................................................................................69
1. REFORMA DA IGREJA...............................................................................................................................................70
2. OS GRANDES CONCÍLIOS ......................................................................................................................................74
3. CRISTANDADE E A ARTE CRISTÃ ..........................................................................................................................76
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................................................................83

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INTRODUÇÃO

No contexto histórico da Europa, a religião era o sistema cultural e ideológico presente


em toda a sociedade. A Igreja Católica representava a cultura oficial, tanto para as camadas
superiores como para as populações rurais da Europa Ocidental.
A vida eclesiástica também sofreu grande influência das transformações geopolíticas.
Entre os séculos VIII e XI, a Europa conheceu um lento, mas constante crescimento demográfico.
A população mais do que dobrou, passando de 18 milhões do ano 600 aos 3,5 milhões do ano
1000. Graças às novas descobertas e invenções, tornou-se possível elevar a quantidade da
produção agrícola.
Na metade do século IX, a Igreja começa a ser reconhecida pela sociedade, pois a época
passa a ser chamada de “era cristã”, oficialmente pelos imperadores no ano de 840 e pelos papas
em 878. Por isso, nessa nova etapa, vamos continuar refletindo sobre a ascensão da autoridade da

HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL | UNIDADE 4


Igreja papal e a decorrente uniformização, imposição e extensão dos ritos, valores e autoridade
cristã. São fatores importantes para o entendimento de todo período histórico da Idade Média,
por isso, não podemos concordar com os historiadores que afirmam que “[...] não existiu história
da Igreja neste período”, o que temos são contendas ideológicas que precisamos entender.
Todas as tensões e conflitos entre os cristãos acabaram por convencer os bizantinos que os
latinos eram atrasados e bárbaros, e os latinos acreditavam que os bizantinos não eram confiáveis
e até hereges. Faltava diálogo e tolerância entre os grupos, cada vez mais iam se fechando entre
si, a ponto de não aceitarem mais qualquer interferência externa. O que provocou uma guerra
santa entre os mulçumanos e o resto do mundo, que durou cerca de mil anos, entre o século VII
ao século XVII.
A “desruralização” da cidade só acontece a partir do século XIX, as atividades rurais
continuam existindo nas cidades, para oferecer os alimentos e garantir a sobrevivência dos seus
moradores. Na cidade, a necessidade de ter dinheiro é maior do que no campo, na cidade os
gastos com alimentação, vestuário, aluguéis exigem o uso do dinheiro. A noção do trabalho passa
por uma transformação relacionada aos valores cristãos, o trabalho de certo modo é sacralizado
e colocado como dever do bom cristão: como Deus trabalhou e fez o mundo em seis dias e
descansou no sétimo, o homem deve seguir o mesmo exemplo. Muitas ideias medievais, pelo
bem ou pelo mal, estão vivas até hoje.

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1. REFORMA DA IGREJA

Um dos fatores mais importantes para a divulgação e a eficácia da Reforma da


Igreja deve ser visto na crescente formação dos leigos e no desenvolvimento de
um eficiente sistema de comunicação, que possibilitou a compreensão, o efeito
comunicativo e a recepção da ideia da reforma.

A cidade é o centro de poder e o principal lugar das trocas econômicas, que recorrem
ao uso das moedas como meio de troca essencial das mercadorias. Na cristandade, as moedas
são numerosas, os cambistas eram os especialistas, que depois serão os banqueiros, substituindo
nessa função os mosteiros. Na sociedade feudal, a Igreja foi a primeira instituição a se transformar
com a reforma Gregoriana.

[...] o pontificado de Gregório VII (1073-1085) – não é apenas a libertação


do mundo eclesiástico das amarras que o submetiam ao regime feudal leigo.
Indiscutivelmente, a independência da Santa Sé em face do poder imperial, os

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progressos da liberdade eleitoral dos bispos e dos abades em relação aos leigos
poderosos são fenômenos significativos. Os esforços de eliminação de todas
as pressões econômicas e sociais reunidas sob a etiqueta de simonia não são
menos importantes. [...] Proibindo o casamento e o concubinato à primeira das
três ordens que definem desde o início do século XI o esquema tripartido dos
oratores, bellatores e laboratores – ‘os que rezam’, ‘os que combatem’ e ‘os que
trabalham’ -, a Igreja separa fundamentalmente os clérigos leigos pela fronteira
da sexualidade (LE GOFF, 2001, p. 27).

Figura 1 – Cúria Romana. Fonte: Vaticannews (2021).

A reforma da Igreja é uma resposta à evolução do mundo, um esforço de adaptação às


mudanças que surgem fora dela. A primeira resposta foi institucional, com destaque para três
aspectos principais: a fundação de novas ordens religiosas, o surto do movimento canônico e a
aceitação da diversidade eclesial. As novas ordens pretendem marcar uma volta à regra original
de São Bento, cuja ênfase era voltada para o trabalho manual, que reencontra seu lugar na
simplicidade de vida; “[...] o que significa a rejeição das formas tradicionais da riqueza monástica
como o estilo artístico e arquitetônico depurado contrastando com a exuberância da escultura,
das miniaturas e da ourivesaria do barroco romano” (LE GOFF, 2001, p. 28).

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A ordem dos Cartuxos, fundada por Bruno em 1084, buscou reencontrar um estilo de
eremitismo primitivo, o desenvolvimento de uma ascese de quatro “graus espirituais”: com a
leitura e meditação, a oração e a contemplação. E a ordem de Cister, fundada por Robert de
Molesme, em 1098, sob a influência de São Bernardo, recorreu à mecanização, à metalurgia e
o progresso tecnológico na construção de moinhos, a fim de liberar mais tempo para a vida
espiritual. Segundo análise de Le Goff (2001), se o monaquismo conseguiu equilibrar o trabalho
manual e a oração, o movimento canônico estabeleceu o equilíbrio entre a vida ativa e a vida
contemplativa, entre o cuidado das almas e a vida comunitária.

O mundo dos leigos participa cada vez mais da vida religiosa e, apesar da
manutenção das barreiras entre clérigos e leigos, a presença destes últimos no
domínio religioso se afirma. Nas ordens novas, os irmãos leigos ou conversos
desempenham um papel cada vez mais importante. As ordens militares
desenvolvem uma certa fusão entre o religioso e o guerreiro, entre a vida religiosa
e a cavalaria (LE GOFF, 2001, p. 30).

O camponês no cristianismo é quase o último a se deixar cristianizar, a identificação do


camponês como pagão estava ligada à condição de trabalhador, ou melhor, a sua encarnação do

HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL | UNIDADE 4


homem condenado ao trabalho pelo pecado original. Foi só a partir do século IX, com a difusão
da regra de São Bento, que o trabalho manual começou a ganhar importância, agora que o monge
trabalha, ora et labora, reza e trabalha, ele passa a ser considerado uma forma de penitência e
oração. E, inversamente, a ociosidade passa a ser condenada e os feriados e dias festivos vistos
com desconfiança.

O carnaval, que era na alta Idade Média uma festa rústica, camponesa, com forte
conotação pagã, invade a cidade, urbaniza-se, e aí se introduz uma contestação
ideológica. O carnaval transforma-se em algo que se opõe à quaresma, combate a
mentalidade penitencial e ascética da religião cristã, faz triunfar o riso, que volta
a ser, como na Antiguidade, algo próprio do homem, contra o pranto, expressão
da contrição e do arrependimento que devem caracterizar o homem pecador (LE
GOFF, 1998, p. 59).

No segundo Concílio de Latrão (1139), convocado pelo papa Inocêncio II, na tradição
católica, considerado como ecumênico, tratou entre os temas da reforma da Igreja a disciplina do
celibato, em que no:

[...] cânon 7 declarava inválido qualquer matrimônio assumido por monge,


clérigo ou alguém de grau mais elevado de ordenação, um passo jurídico-
eclesiástico decisivo para além da simples proibição do matrimônio dos clérigos.
Indicativo de futuro era, além do mais, o cânon sinodal 28, que passava aos
capítulos das catedrais a responsabilidade de escolher o bispo (KAUFMANN et
al., 2014, p. 17).

No terceiro Concílio de Latrão (1179), o papa Alexandre III publicou o novo decreto de
eleição papal (Licet de evitanda), reduzindo o círculo de eleitores aos cardeais e estabelecendo a
maioria de dois terços como critério de aceitação para escolha do papa. A organização da Cúria
romana ocorre no pontificado de Urbano II (1088-1099), quando inicia a institucionalização do
papado da Alta Idade Média, o que significa que os cardeais participam cada vez mais na assessoria,
na formulação das decisões e na concessão dos privilégios papais, com as suas assinaturas.

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Figura 2 – Concílio de Latrão (1179). Fonte: Domvob.wordpress (2021).

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Com as alterações na Cúria, o cargo de bispo perdeu parte do seu significado eclesiástico
universal. Nas suas dioceses, eles poderiam ser confrontados e corriam o risco de intervenção
direta dos legados papais, apesar de o ministério episcopal continuar existindo como o cargo
central da Igreja, conforme a estrutura diocesana, o bispo “[...] coordenava a administração
dos sacramentos, a prática pastoral e a prática jurídica eclesiástica, bem como organizava e
supervisionava a fiscalização do clero” (KAUFMANN et. al., 2014, p. 25).
No século XI, os impulsos a favor da reforma da vida eclesiástica atingem também a vida
religiosa comunitária. Os papas eram os responsáveis por determinar a estruturação jurídica e
a institucionalização das novas ordens e, como resposta, elas deveriam reforçar a competência e
aceitação do papado na Igreja Universal. Nas primeiras duas décadas do século XII, esse princípio
muda:

[...] com os cistercienses e com os premonstratenses surgiam então ordens que,


com fundamental preservação da autonomia dos conventos, respectivamente
formavam um quadro panorâmico de instituições. Diversamente das ordens
fundadas no século XIII, ainda não se chegara a uma formulação de regras
totalmente novas e autônomas (KAUFMANN et al., 2014, p. 28).

No terceiro Concílio de Latrão (1179), o papa Alexandre III publicou o novo decreto de
eleição papal (Licet de evitanda), reduzindo o círculo de eleitores aos cardeais e estabelecendo
a maioria de dois terços como critério de aceitação para escolha do papa. O papa era o curador
de almas e poderia interferir em todos os cargos e estruturas da Igreja, “[...] o papa tinha a
responsabilidade e o direito de admoestar e castigar cada cristão que se envolveu em pecado,
também reis e príncipes” (KAUFMANN et. al., 2014, p.34).
A partir dos séculos XII-XIII, desenvolve-se na arte cristã o tema da Sagrada Família, nas
casas dos nobres os quadros destacam a realidade das famílias nucleares.

[...] o natal era essencialmente o nascimento de Jesus; a Virgem, São José, o


burrico e a vaca, e, secundariamente, os pastores, os reis magos como figurantes.
A Sagrada Família é a verdadeira família: o pai, a mãe e o filho, cujo Natal é
representado como um nascimento de criança numa família nuclear, sendo esta
particularmente bem destacada no tema da fuga do Egito (LE GOFF, 1998, p.
100).

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O período do final da Idade Média pode ser caracterizado por inúmeros conflitos entre
esfera política e espiritual, muitas disputas entre reis e papas, e internamente na Igreja, entre
os membros da Cúria. No século XIV, a Igreja enfrentou ameaças à sua unidade e autoridade
do papa, o grande Cisma Ocidental, entre 1378 até 1417. Diferente dos cismas da antiguidade,
resultado de questões relacionadas à fé, os cismas papais da Idade Média estão relacionados a
disputas políticas.
O papa Bonifácio VIII (1294-1303) foi o único que mandou erguer estátuas em sua
homenagem e mandou pela primeira vez celebrar o ano jubilar em Roma, em 1300. Em 7 de
setembro de 1303, aos 73 anos, o papa foi assaltado, espancado e feito prisioneiro em Anagni e,
após três dias, foi libertado, depois de um mês morreu de febre. O sucessor eleito Papa Bento XI,
antigo superior geral dos dominicanos, teve morte prematura, o que obrigou a convocação de um
novo conclave, que durou onze meses, na cidade italiana Perúgia.
Foi eleito o arcebispo da cidade francesa de Bordeaux, não era cardeal e não tinha
experiência da Cúria, adotou o nome de Clemente V (1305-1314), durante seu pontificado não
quis abandonar o país, permanecia em Lyon e, por diversas vezes, fez menção de viajar para
Roma, mas isso não ocorreu. “[...] Em vez disso utilizou-se, provisoriamente no início, a cidade
episcopal de Avignon, que deu o nome a essa época” (KAUFMANN et al., 2014, p. 119).

HISTÓRIA ECLESIÁSTICA: ANTIGA E MEDIEVAL | UNIDADE 4


O papado em Avignon ficou conhecido como período de “exílio da Babilônia”. A Cúria não
era uma questão “francesa”, era comum a procedência dos papas serem do sul da França. Durante
setenta anos, os franceses sulistas tiraram proveito da política de pessoal e de tributos da Cúria.
Isso se torna visível pelo colégio dos cardeais: “[...] de 134 cardeais nomeados naquela época, 113
eram franceses, quase em sua maioria provenientes do Sul, somente catorze eram italianos, cinco
espanhóis, dois ingleses. Inclusive três papas eram oriundos do Limousin” (KAUFMANN et al.,
2014, p.127).
O retorno dos papas a Roma significava atender o peso da tradição e à forte pressão
pública, era mais por motivos políticos do que pragmáticos. No dia 7 de abril de 1378, o colégio
cardinalício se reuniu para eleger outro papa, os romanos exigiam que depois de sete papas
franceses, fosse eleito um papa italiano. Após várias manobras, chegaram ao consenso, escolhido
Bartolomeu Prignano, arcebispo de Bari, regente da chancelaria papal, ele não era cardeal e
assumiu com o nome de Urbano VI (1378-1389).
A eleição do papado acontecia como monarquia eletiva desde o decreto de 1059,
complementado no cânon 1 do Terceiro Concílio de Latrão (1179), que exigiu maioria de dois
terços. Em 20 de setembro, os cardeais franceses, na cidade de Fondi, região de Nápoles “[...]
elegeram um dos seus como papa, um parente próximo do rei Carlos V; cardeal Roberto de
Genebra. Denominou-se Clemente VII e foi coroado no dia 31 de outubro” (KAUFMANN et al.,
2014, p.129).
A França e os seus aliados, Escócia, reinos espanhóis de Castela, Aragão e Navarra,
reconheceram Clemente VII, em 15 de maio de 1379, em contrapartida, a Inglaterra e os seus
aliados, Escandinávia e Europa Oriental, reconheceram Urbano VI. Cisma que tornou os papas
rivais e causou graves prejuízos à vida religiosa, com sérias consequências para a instituição do
papado e da própria Igreja, como escandalosa anomalia teológica.
Os dois papas foram depostos por heresia, em 5 de junho de 1409. E no concílio cardinalício
em 26 de junho, pela primeira vez na história, foi eleito um papa no concílio geral, o grego Petros
Philargis, franciscano, teólogo e arcebispo de Milão escolheu o nome de Alexandre V. Os papas
cismáticos não demonstraram atitude de obediência em abdicar, o que gerou descontentamento
e contribuiu para que:

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Gregório com alguns soberanos na Itália, com o rei alemão Ruprecht (assembleia
dos príncipes em Frankfurt em 1409) e nove dioceses alemãs; Bento com os
reinos espanhóis. Em vez de dois papas, agora tínhamos, portanto, três. A Igreja
havia se tornado um monstrum trikephale (KAUFMANN et al., 2014, p.134).

Devido à situação de disputa e confusão na Igreja, dois temas começam a fazer parte em
todas as pautas: a teoria conciliarista e a reforma da Igreja. Para entender a teoria conciliarista,
entre o papa e concílio, é preciso pensar a relação entre o rei e o parlamento. Assim, as propostas
de reforma diante das desordens e da crise da Igreja estavam voltadas principalmente para
mudanças, visando melhorias na administração e promovendo maior segurança.

Por reforma compreendia-se tanto a redução dos direitos papais a um bem


determinado estado inicial, a reorganização da administração e ascese nos
mosteiros, a elevação a formação do clero, como a ‘reforma’ interior, espiritual
do indivíduo mediante o trinômio purificação, iluminação e perfeição (purgatio,
iluminatio, perfectio). Mas tudo isso não se torna realidade simplesmente por
leis, por mais que essas sejam boas ou bem-intencionadas (KAUFMANN et al.,
2014, p.139).

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A reforma da Igreja fazia parte das tarefas dos concílios, por isso, foram denominados
de “concílios de reforma”. O maior interesse era iniciar a reforma da Igreja pela cabeça, ou seja,
pela Cúria e pelo papa. Significava impor “[...] uma drástica redução do fiscalismo, do sistema
processual, dos direitos papais na nomeação de cargos. Nesse caso, reforma significava: pagar
menos e recolher menos!” (KAUFMANN et al., 2014, p.139).

2. OS GRANDES CONCÍLIOS

A frequente realização de concílios é o sumo cuidado do campo da lavoura


divina. Ele erradica os espinhos e brotos de heresias, falsas doutrinas e cismas,
corrige seus excessos, reforma o que está deformado e leva a vinha do Senhor a
produzir a plenitude dos mais ricos frutos (DECRETO DA 39ª SESSÃO no dia
9 de outubro de 1417).

Com os concílios de Constança e de Basileia, o império estava abrigando o maior período


conciliar da história da Igreja, durante mais de vinte anos, a cristandade se reuniu. O concílio de
Constança começou em 5 de novembro de 1414, o papa João XXIII contava que seria reconhecido
como papa inquestionável, mas a situação não se concretizou. Na noite de 20 de março, ele fugiu
da cidade exigindo que os cardeais o seguissem.
O Concílio de Basileia (1431-1449), com seus 6.579 dias de duração, foi o mais longo da
história universal. Iniciou em 23 de julho de 1431, sem a presença do papa Eugênio IV (1431-
1447) permaneceu na Cúria da Itália. O papa era contra e tentou dissolver o concílio em 18 de
dezembro de 1431.
No concílio de Basileia, em 1432, pela primeira vez, foi elaborada formalmente uma pauta
e ampliado o direito de voto, os bacharéis em teologia e até os sacerdotes podiam votar, tendo o
mesmo valor do voto dos cardeais. O objetivo era atingir o máximo de participação, não valia o
princípio da especialização, portanto, todos votavam tudo. Os participantes provinham de toda a
Europa, os alemães, franceses e italianos estavam mais bem representados. Devido à demora na
duração do concílio, ele acabou sendo palco da política dos príncipes.

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Quanto mais tempo a instituição ‘concílio’ continuava em vigor, tanto mais


inevitavelmente ela, como serviço, era uma concorrência para a Cúria de Eugênio
IV, mesmo sem conseguir tornar-se uma espécie de ‘Cúria-modelo’ reformada.
Não havia uma formal ‘divisão de trabalho’ entre as duas cúrias. Somente aos
poucos começou por parte do concílio a reivindicação de competência também
no regime regular da Igreja, portanto no executivo papal (nomeação de bispos,
indulgências, nomeação de legados etc.) (KAUFMANN et al., 2014, p.149).

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Figura 3 - Xilogravura do Concílio de 1482. Fonte: Academic.com (2021).

Em 24 de março de 1436, o concílio regulamentou sobre a eleição papal, que deveria


seguir novamente a tradição estabelecida em 1059: apenas os cardeais deveriam votar e poderiam
participar da eleição. Limitou o número de cardeais em 24 membros, e a nomeação de novos
cardeais deveria ter a concordância da maioria do colégio.
Em Ferrara, no dia 8 de janeiro de 1438, foi aberto o Concílio de União, teve que ser
transferido para Florença um ano depois, devido à peste e à falta de dinheiro. Os concílios de
Ferrara e Florença produziram o mais intenso diálogo entre a Igreja oriental e a Igreja ocidental
de todos os tempos. “[...] Mesmo assim foi difícil pelo fato do desconhecimento mútuo; isso se
iniciou já com a prática cerimonial (ordem de precedência) e liturgia” (KAUFMANN et al., 2014,
p.156).
Em 24 de julho de 1440, foi eleito o duque Amadeu VIII de Saboia (1383-1451), um leigo
que vivia na Ordem de São Maurício, fundada por ele de tipo monástica. Assumiu o nome de
Félix V, os eleitores do concílio votaram no duque Amadeu devido ao seu poder econômico, os
cardeais esperavam que ele solucionasse todas as dificuldades financeiras. No dia 7 de abril de
1449, Félix V abdicou. Encerrando o último cisma anterior à Reforma com a eleição do papa,
Nicolau V (1447-1455), Tommaso Parentucelli.

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Félix V (1440-1449) foi o último ‘antipapa’ da história e também o mais estranho,


ou seja, uma espécie de papa constitucional, com o beneplácito do concílio.
Contudo era papa, e o pontificado logo passou a desenvolver sua dinâmica
própria, do que fazia parte, em primeiro plano, a necessidade financeira. [...] O
que o papa Felix podia explorar era seu capital como antigo duque Amadeu: seu
prestígio como negociador de paz e diplomata, suas relações dinásticas, inclusive
a política de casamento. Alguns aspectos lembram os papas da renascença,
evidentemente sem a mesma aura cultural. Ele, de qualquer maneira, permaneceu
duque secreto da Saboia na pessoa de seu filho Luís. Os antigos objetivos da
Saboia, tais como conquistar Milão, também eram perseguidos pelo duque papa
(KAUFMANN et al., 2014, p.158).

Com a preparação das condições para o aparelhamento do Estado moderno, não é difícil
imaginar que, na época, conciliar quem mais vai aproveitar da situação são os príncipes, com
o sistema de Igrejas nacionais, seguindo a tendência geral de adensamento da administração
territorial e dos pressupostos da confessionalização no século XVI, demonstrando que o ímpeto
por reformas ainda não se esgotou.
A história da Igreja do século XV, final do período da Idade Média, foi marcada por

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profundas transformações sociais e econômicas, as quais tiveram como a principal causa o
descobrimento do Novo Mundo, a invenção da prensa tipográfica e surgimento do Humanismo,
doutrina que começou a questionar a autoridade dos papas, valorizar o saber crítico e as
potencialidades da condição humana, constituindo assim, um novo sentido do homem e de seus
problemas.
Na história Eclesiástica, comprovamos que a igreja católica se tornou cada vez mais uma
igreja papal, como já vimos. E as mudanças não param: no século XVII, depois das novas regras
do papa Gregório XV (1621-1623), todas as eleições papais são realizadas de forma secreta e com
o recurso das cédulas eleitorais.

3. CRISTANDADE E A ARTE CRISTÃ

Na arte sacra os santos e os seres divinos são despojados de qualquer traço que
possa indicar fraqueza ou sofrimento. Ricamente trajadas, altivas e solenes,
de dimensões super-humanas, são figuras alongadas e estritamente frontais.
Ressalta a visão ideal de um espaço imóvel e imutável.

Nos dois primeiros séculos, os cristãos não dispunham de lugares de culto fixos para
a ação litúrgica. O Batismo era realizado onde houvesse água. Para ouvir a Palavra de Deus e
celebrar a Eucaristia, serviam-se das salas amplas de algumas casas. À medida que a Liturgia
se vai estruturando, principalmente a partir do século III, quando as comunidades crescem
exponencialmente, tornaram-se necessários espaços maiores: a aula da celebração ganha
importância e surgem as basílicas. O termo ecclesia ou “basílica” é, então, usado para indicar o
lugar da reunião dos fiéis.
O cristianismo passa por numerosas e variáveis experiências artísticas, a formação de
novas e grandes cidades, entre elas, Bizâncio, se tornou Constantinopla, e cidades que resistiram
às invasões bárbaras e o despovoamento das cidades, devido à população foram para os campos
em busca da proteção dos senhores feudais.

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Figura 4 - Iconografia Cristo Pantokrator e São Pedro e Paulo. Fonte: Nextews.com (2021).

No século VI, as primeiras pinturas se tornaram “ícones” e passaram do caráter informático


e catequético para se tornarem imagens a serem adoradas e veneradas como lembranças das
personagens representadas fundamentais para toda a história do cristianismo. Entre os primeiros
ícones, temos o Cristo Pantokrator, o criador de todas as coisas e os apóstolos “São Pedro e São
Paulo”.
A obra de arte cristã desempenhava três funções principais, na sua maioria era oferecida
como presentes a Deus para louvá-lo e dar-lhe graças, em troca, buscavam obter indulgências e os
seus favores. Outras eram oferecidas aos santos padroeiros e aos defuntos. Para Duby e Laclotte
(1997), na Idade Média, a criação artística desenvolvia-se em torno do altar, do oratório e do
túmulo.

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Figura 5 - Porta de bronze da Catedral de Milão. Fonte: Istockphoto.com (2021).

Em 1205, o sínodo de Arrás autorizou a pintura de imagens para ensinar os iletrados. Os


monumentos, objetos e as imagens serviam também como mediadores com o outro mundo.

Estavam ali para estabelecer o ritual das liturgias numa correspondência mais
íntima com as perfeições do além, para ajudar os sábios a distinguir, sob o véu
das aparências, as intenções divinas, para orientar a meditação dos devotos,
para conduzir-lhes o espírito per visibilia ad invisibilia, como diz São Paulo. Os
homens de saber, condescendentes, atribuíam-lhes, além disso, uma função
pedagógica mais vulgar, encarregando-os de mostrar aos analfabetos aquilo
em que deviam acreditar (DUBY; LACLOTTE, 1977, p.16, grifo do autor).

O papa Gregório, o Grande, no século VII estava absolutamente convencido de que aquilo
que se ensina aos letrados pelo texto ensina-se aos que não sabem ler por meio da imagem. Em
algumas fachadas das igrejas, foram colocadas portas de bronze, onde os construtores esculpiram
imagens sobre os temas bíblicos vistos por todos, como forma de pregação muda.

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No período das Cruzadas, após o ano 1000, a busca por relíquias é intensificada, muitos
homens eram movidos pela intenção de procurar o túmulo de São Tiago, em Compostela, ou
o Santo Sepulcro, na volta traziam das viagens recordações dos monumentos, ornamentos e
relíquias dos santos.

E havia milagre por todo lado, pois as relíquias abundavam. Passado o ano 1000,
o monge Raul viu-as se multiplicarem, como um notável favor do céu, depois
de aplacada à cólera divina. Eram, de fato, muito necessárias. Mal surgia um
perigo, uma calamidade, passavam-nas em procissão solene; punham-nas ao
alcance da mão de quem quisesse fazer uma promessa. Partiam-se essas ossadas
em fragmentos menores, para distribuí-las melhor. Verdadeiras ou falsas, as
relíquias eram objeto de transações muito ativas. Raros eram os homens ricos
que não as guardassem em suas casas, que não as usassem sobre o corpo, e o
primeiro gesto de piedade era honrar essas parcelas do sagrado, cuidar delas,
revesti-las de ornamentos (DUBY; LACLOTTE, 1977, p. 50).

Nos tempos feudais, os mosteiros representavam um complemento dos castelos, as


famílias encaminhavam as filhas para serem educadas e, para lá, se retiravam as viúvas para salvar

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suas almas. Os mosteiros eram de todo tamanho, conforme os seus senhores feudais, alguns
imensamente ricos, enquanto outros passavam necessidades. Os monges eram preferidos para
realizar as oferendas, porque acreditavam que estavam em comunicação direta com os anjos,
“[...] eram considerados mais capazes que quaisquer outros de erguer ao Todo-Poderoso, em
uníssono com os coros celestes, os cânticos de louvor, e assim obter Sua benevolência” (DUBY;
LACLOTTE, 1977, p. 51).
Por volta de 1130, Suger (1122-1151), abade do mosteiro de Saint-Denis, se tornou o
inventor de uma nova arte real, inspirando-se nas fontes carolíngias, começou a transpor para os
vitrais das janelas as técnicas da decoração de esmalte utilizada na fabricação das pedras preciosas
para honrar a Deus. Para que a luz se propagasse como uma força de persuasão, por meio da vida
dos santos, traduzidas em imagens gravadas nos vitrais para edificação dos fiéis. Suger concebia
que as imagens dos vitrais tinham o poder de elevar as almas e fazê-las avançar passo a passo
rumo a Deus:

[...] aí está para aclarar os espíritos e conduzi-los pelas verdadeiras luzes à


verdadeira luz cuja verdadeira porta é Cristo. Porque, acrescenta, ‘aquilo que é
matéria impele à verdade o espírito obtuso, e graças à visão dessa luz ressuscita-o
do seu aviltamento inicial’ (DUBY; LACLOTTE, 1977, p. 60).

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Figura 6 - Vitrais da Catedral de Chartres. Fonte: Quadrinheiros (2021).

Diante das cidades em expansão e do progresso econômico, os homens se deram conta,


que o mundo visível não era tão ruim assim e para agradar a Deus não precisavam fugir dele.
A relação com o divino passou por transformações e os homens estavam sendo chamados pelo
criador a colaborar com Ele, na criação, ainda não concluída. Tem início a reforma eclesiástica,
a vida monástica passa por mudanças, novas congregações são organizadas e muitas igrejas
paroquiais são reconstruídas.
No século XIII surgem traços de uma arte que podemos chamar de popular, uma clientela
de menor fortuna e cultura, mas que desejava ostentação, o que fez multiplicar nas grandes
cidades as oficinas que confeccionavam as obras de arte. A catedral constituía a sede do poder
eclesiástico, em toda cidade a catedral aparecia como uma bíblia feita de pedra. Tanto os castelos
e as catedrais deviam apresentar um estilo arquitetônico voltado para a defesa, passavam a ideia
de construções pesadas, por isso, deviam ser fortes e resistentes para barrarem a entrada das
forças do mal. Como “[...] peça-mestra de um sistema de ensino e de coerção destinado a lograr
finalmente a unanimidade do povo fiel e conduzi-lo à salvação. Por todos os meios, por bem ou
por mal” (DUBY; LACLOTTE, 1977, p. 77).
Na arte do século XIV continua a ser preponderante o sagrado. A maioria das obras de
arte ainda são oferendas e propõem-se ajudar o fiel a entrar em comunicação com o invisível.
Outra característica era o túmulo desde o sepulcro “[...] começou a cobrir-se de ornamentos
figurativos, estes perpetuaram a lembrança do rito de passagem, do momento da transição, em
que o ‘traspassado’ passou deste mundo para o outro” (DUBY; LACLOTTE, 1977, p. 115).

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Figura 7 - Catedral de Beauvais (França). Fonte: Arteref.com (2021).

ARTE GÓTICA: A ARTE PARA O ALTÍSSIMO


O estilo Gótico desenvolveu-se na Europa, principalmente na França, durante
a Baixa Idade Média e é identificado como a Arte das Catedrais. A partir do
século XII, a França conheceu transformações importantes, caracterizadas pelo
desenvolvimento comercial e urbano e pela centralização política, elementos
que marcam o início da crise do sistema feudal. No entanto, o movimento traz a
arraigada cultura religiosa, e o movimento cruzadista preservara o papel da Igreja
na sociedade. Enquanto a Arte Românica tem um caráter religioso, tomando os
mosteiros como referência, a Arte Gótica reflete o desenvolvimento das cidades.
Porém, deve-se entender o desenvolvimento da época ainda preso à religiosidade,
que nesse período se transforma com a escolástica, contribuindo para o
desenvolvimento racional das ciências, tendo Deus como elemento supremo. Dessa
maneira, percebe uma renovação das formas, caracterizada pela verticalidade e
por maior exatidão em seus traços, porém com o objetivo de expressar a harmonia
divina.
O auge do desenvolvimento artístico da Idade Média, rivalizando com as maravilhas
da Grécia e da Roma da antiguidade, foi a catedral gótica. De fato, essas ‘Bíblias
de pedra’ superavam até mesmo a arquitetura clássica em termos de ousadia
tecnológica. Entre 1200 e 1500, os construtores medievais ergueram essas
estruturas elaboradíssimas atingindo uma altura sem precedentes no mundo da
arquitetura.

JANSON, H.W.; JANSON, A. F. Iniciação à História da Arte. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1996.

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A águia, ao voar, desenvolve o olhar de forma


ampliada, sua visão vai além, planando
lá no alto ela tem um olhar privilegiado.
A águia percebe o futuro com esperança
e acredita que pode alcançar o sucesso.
Caminho pavimentado pelo olhar amplo
e agudo de quem se potencializa e se vê
como construtor de um futuro melhor.

É importante refletir: o sucesso não


depende das forças da natureza ou do
destino. Depende do nosso olhar, como enxergamos a vida. Tenha Fé na vida!

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No estudo da História Eclesiástica foi possível verificar as transformações sociais da


economia antiga para a sociedade moderna e como a Igreja enfrentou os desafios e continuou
propagando o testemunho da fé no Cristo salvador.
Informo: na nossa história faltaram muitos personagens que poderiam ter contribuído
com o estudo. Entretanto, devido ao período histórico tão amplo, para termos uma história
completa e abrangente seriam muitos livros e textos, o nosso objetivo foi oferecer um olhar
generalista e pontual. Cabe a você continuar estudando e investigando sobre a história da Igreja.
Como a águia… Bons voos!

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ENSINO A DISTÂNCIA

REFERÊNCIAS
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BOCHI, C. C. Por que estudar História? São Paulo: Ática, 2007.

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Teologia. Resolução nº 4, de 16 de


setembro de 2016. Ministério da Educação, 2016.

CALEND. Catedral Ortodoxa Russa, Washington. Disponível em: https://calend.online/images/


cover/polikarp-smirnskij-kopiya-starinnoj-ikony.jpg. Acesso em: 20 maio.2021.

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Carvalho. Lisboa: ULISSEIA, 1969.

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ENSINO A DISTÂNCIA

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